as flores do mal 01

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    O sorvete de morango, sim, o sorvete de morango,

    agradvel sorvete de morango, me recorda o chicote de couroque o meu bisav utilizava em seu jumento, me lembro bem

    dessa cena, o som do chicote cortando o ar, eu prendia a

    respirao quando ele erguia o brao segurando firme aquele

    chicote, e depois da sonoridade daquele impacto de couro com

    couro, eu ria, isso porque Samanta no estava l. Samanta!

    Oh, bela menina de olhos castanhos como o couro do chicote,cabelos negros em caracis, aquela maravilhosa e pervertida

    menina, se entregava a mim sem pudor, recitando versos de

    Garcia Lorca, me gritava ao ouvido quando chegava ao

    orgasmo:

    Shakespeare Deus!

    Na verdade, eu tinha muito medo. No fogoa lenha, permanecia algumas brasas vivas, l fora, no terreiro,

    havia um pssaro estranho passeando por baixo do umbuzeiro,

    Samanta dormia ainda nua em uma esteira, e uma cobra

    deslizava pelo telhado. No havia rudo algum, apenas uma

    cintilao e ao longe sons de sininhos. Se houvesse um modo

    de eu me mover... mas no havia, eu era um mero espectador,sentado numa cadeira de madeira e couro diante da porta e

    prximo da esteira onde Samanta dormia. O pssaro estranho

    sumiu por alguns instantes e passou diante da porta, parou,

    entrou, dirigiu-se esteira onde estava Samanta e muito

    rapidamente subiu em seu ventre e ali ficou em p, imvel, em

    cima daquele belo corpo nu. L fora, milhares de pssarosestranhos idnticos estavam parados, todos olhando em

    direo da casa.

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    E quantas vezes na multido eu morri e agora ressurretotento erguer-me e caminhar. E ganhar o mundo, ganhar o

    mundo. Mas ganhar o mundo, no ganhar mundoliteralmente. ganh-lo na metfora de uma estrada que dpara outra estrada, que d para vrias estradas, que do parainterminveis estradas reticncias, que do para o ednicovazio silencioso do nada onde te encontro, me ajoelho diantede ti, me confesso, rogo e rezo.

    Mas posso tambm um dia acordar e no quererentender tua loucura insensata, teu egosmo, tua falta mnimade vontade para com o que bom, para com o que d frutosno venenosos e abastece a alma com o sumo da leveza,levando o corpo a voar sobre as ridculas dificuldades e falsasnecessidades cotidianas que nos atormentam, nos roubandoo que temos de melhor: a paz de esprito, o tempo para criar,

    acorrentando-nos a um padecimento desprovido de sentido;pois se como dizem: o sofrimento liberta..., muitos queremser escravos sem sofrer, e alguns j o so.Posso amanhecer injuriado, cuspindo bala, e profanar tuasepultura, mijar na tua cara polida estampada na gozao dalpide, rir de tua mgoa, do teu incendirio desespero, de tua

    falta de sorte, de teu corao trado, alfinetado e fragmentadocom um beijo. Posso mastigar o que de ti recordo e cuspirimagens tuas na lama dos esgotos; no piso reluzente dopalcio episcopal, do shopping center; na face rgida dosditadores; dos bajuladores; dos sem idias prprias; dosinvejosos; dos afogados; dos inconformados; e ainda exumarteu corpo dissoluto, parcialmente decomposto, arrastando-o

    pelo que sobrou dos cabelos na rua da amargura ou pelasavenidas enfeitadas pros dias de carnaval. Posso voltar atrs,

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