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ANTROPOLOGIA, ÉTICA E CULTURA

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Page 1: ANTROPOLOGIA, ÉTICA E CULTURA - Claretiano

ANTROPOLOGIA, ÉTICA E CULTURA

Page 2: ANTROPOLOGIA, ÉTICA E CULTURA - Claretiano

CURSOS DE GRADUAÇÃO - EAD

Antropologia, Ética e Cultura – Prof. Ms. Eugenio Daniel e Prof. Dr. Sávio Carlos Desan Scopinho

Meu nome é Eugenio Daniel. Sou formado em Filosofia e Teologia com especialização em Educação, com ênfase no Ensino e Aprendi-zagem, e em Filosofia Clínica e Filosofia para criança e Psicopedago-gia: processo ensino-aprendizagem. Atuo como orientador vocacio-nal há mais de 30 anos e leciono Filosofia e Antropologia Teológica em vários cursos. Mestre em Ciências e Práticas Educativas pela Unifran (SP), sou coordenador geral de Ação Comunitária do Centro Universitário Claretiano. E-mail: [email protected]

Meu nome é Sávio Carlos Desan Scopinho. Sou diretor acadêmico das Faculdades Integradas Claretianas de Rio Claro-SP, onde atuo, também, como professor, ministrando a disciplina Antropologia Teológica. Tenho o título de Doutor em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma (1995-1997), com a seguinte tese: "Igreja e ‘Laicato Adulto’: A ‘Teologia do Laicato’ nas Conferências Gerais do Episcopado e no debate teológico da América

Latina" (1955-1995). Também sou mestre em Filosofia pelo Programa de Mestrado em Filosofia Social, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (SP). O tema da minha dissertação, que culminou na publicação de um livro, foi: "Filosofia e Sociedade Pós-Moderna: a reflexão de Gianni Vattimo para uma compreensão da crise dos paradigmas da Modernidade". Fiz, ainda, um MBA em Administração Acadêmica & Universitária, nas Faculdades Integradas Pedro Leopoldo, em Belo Horizonte (MG). O título do Trabalho de Conclusão de Curso foi "Avaliação Institucional Externa e a Formação do Corpo Docente: entre a legislação e a realidade". Tenho bacharelado em Teologia pela PUC de Campinas (1986-1989) e mestrado em Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo (1991-1995), e licenciatura em Filosofia pela PUC de Campinas (1982-1985). A dissertação de mestrado em Teologia versou sobre o seguinte tema: "A questão epistemológica nas obras de Juan Luis Segundo e sua contribuição para um estudo crítico da Teologia que deve ser da libertação". E-mail: [email protected]

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ANTROPOLOGIA, ÉTICA E CULTURA

Prof. Dr. Sávio Carlos Desan Scopinho

Prof. Ms. Eugênio Daniel

Caderno de Referência de Conteúdo

Page 4: ANTROPOLOGIA, ÉTICA E CULTURA - Claretiano

© Ação Educacional Claretiana, 2010 – Batatais (SP)Trabalho realizado pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP)

Cursos: GraduaçãoDisciplina: Antropologia, Ética e Cultura

Versão: jul/2013

Reitor: Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor PivaVice-Reitor: Prof. Ms. Pe. José Paulo Gatti

Pró-Reitor Administrativo: Pe. Luiz Claudemir BotteonPró-Reitor de Extensão e Ação Comunitária: Prof. Ms. Pe. José Paulo Gatti

Pró-Reitor Acadêmico: Prof. Ms. Luís Cláudio de Almeida

Coordenador Geral de EAD: Prof. Ms. Artieres Estevão RomeiroCoordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves

Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional

Preparação Aline de Fátima Guedes

Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera

Cátia Aparecida RibeiroDandara Louise Vieira Matavelli

Elaine Aparecida de Lima MoraesJosiane Marchiori Martins

Lidiane Maria MagaliniLuciana A. Mani Adami

Luciana dos Santos Sançana de MeloLuis Henrique de Souza

Patrícia Alves Veronez MonteraRita Cristina Bartolomeu

Rosemeire Cristina Astolphi BuzzelliSimone Rodrigues de Oliveira

RevisãoFelipe AleixoRodrigo Ferreira DaverniTalita Cristina BartolomeuVanessa Vergani Machado

Projeto gráfico, diagramação e capa Eduardo de Oliveira AzevedoJoice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa FerrãoLuis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de OliveiraTamires Botta Murakami de SouzaWagner Segato dos Santos

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana.

Centro Universitário Claretiano Rua Dom Bosco, 466 - Bairro: Castelo – Batatais SP – CEP 14.300-000

[email protected]: (16) 3660-1777 – Fax: (16) 3660-1780 – 0800 941 0006

www.claretiano.edu.br

Page 5: ANTROPOLOGIA, ÉTICA E CULTURA - Claretiano

SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 92 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA DISCIPLINA ............................................ 10

UNIDADE 1 – SER HUMANO E SOCIEDADE: CONTEXTO HISTÓRICO

1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 332 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 333 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 344 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 365 SER HUMANO ................................................................................................... 396 CONTEXTO HISTÓRICO .................................................................................... 417 SER HUMANO E SOCIEDADE ........................................................................... 518 CAMINHOS A PERCORRER ............................................................................... 589 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 6310 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 6411 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 6412 E-REFERÊNCIA .................................................................................................. 65

UNIDADE 2 – SER PESSOA – UMA PROPOSTA HUMANISTA

1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 672 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 673 ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................. 684 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 695 DIMENSÕES DA PESSOA .................................................................................. 726 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 847 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 848 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 85

UNIDADE 3 – SER PESSOA, ÉTICA E CIDADANIA

1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 872 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 873 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 884 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 895 O SER HUMANO COMO PESSOA ..................................................................... 906 QUESTÃO DA CIDADANIA ................................................................................ 1057 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 1148 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................. 1159 E-REFERÊNCIAS ................................................................................................ 117

10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 118

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Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO

UNIDADE 4 – ESTRUTURA DO SER HUMANO: SER BIO-PSÍQUICO-ESPIRITUAL- TRANSCENDENTE

1 OBJETIVOS ....................................................................................................... 1192 CONTEÚDOS .................................................................................................... 1203 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 1204 INTRODUÇÃO À UNIDADE .............................................................................. 1215 HOMEM: UM ÚNICO SER E UM ÚNICO SUJEITO ........................................... 1226 REGIÕES ESSENCIAIS DO HOMEM .................................................................. 1277 HOMINIZAÇÃO ................................................................................................. 1358 PARALELISMO "PSICOFÍSICO" ......................................................................... 1389 SUJEITO ............................................................................................................. 141

10 DIMENSÃO MUNDANA DO SERBIO-PSÍQUICO- ESPIRITUAL ........................ 14311 OS ATOS HUMANOS ......................................................................................... 14512 SER SOCIAL ...................................................................................................... 14513 PESSOALIDADE E PERSONALIDADE: PARTICIPAÇÃO DO TU ......................... 14614 O SUJEITO ABERTO AO MUNDO ..................................................................... 14915 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 15216 CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 15417 E-REFERÊNCIAS ................................................................................................ 15518 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 155

UNIDADE 5 – CARACTERÍSTICAS DA PESSOA HUMANA, CONSTITUTIVOS ESSENCIAIS

1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 1572 CONTEÚDOS .................................................................................................... 1573 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 1584 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 1595 CATEGORIAS PARA COMPREENDER O HOMEM ............................................ 1596 LIBERDADE ........................................................................................................ 1637 HISTORICIDADE ................................................................................................ 1728 COMUNICAÇÃO ................................................................................................ 1729 HOMEM: SER HISTÓRICO E VALORES ............................................................. 179

10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 18611 CONSIDERAÇÕES.............................................................................................. 18812 E-REFERÊNCIAS ................................................................................................ 18813 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 188

UNIDADE 6 – A BIOÉTICA E A INTERDISCIPLINARIDADE

1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 1912 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 1913 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 192

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Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO

4 INTRODUÇÃO À UNIDADE .............................................................................. 1935 PONTO DE PARTIDA DA BIOÉTICA MODERNA ............................................... 1946 BIOÉTICA E INTERDISCIPLINARIDADE ............................................................ 1957 BIOÉTICA E SUAS FRONTEIRAS EPISTEMOLÓGICAS ...................................... 1978 QUESTÃO AUTOAVALIATIVA ............................................................................ 2079 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 207

10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 208

UNIDADE 7 – A FINALIDADE DA ÉTICA E A ESSÊNCIA DA MORAL

1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 2092 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 2103 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 2104 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 2115 MORAL .............................................................................................................. 2146 ÉTICA NORMATIVA E O FENÔMENO MORAL ................................................. 2227 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 2248 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 2259 E-REFERÊNCIAS ................................................................................................ 226

10 REFERÊNCIAS BLIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 227

UNIDADE 8 – O HOMEM SER CULTURAL

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 2302 O HOMEM SER CULTURAL ............................................................................... 2323 CULTURA E EDUCAÇÃO .................................................................................... 2334 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 2345 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 2356 E-REFERÊNCIAS ................................................................................................ 235

APÊNDICE 1 PROJETO EDUCATIVO CLARETIANO ................................................................ 236

ANEXO 1

2 UM SENTIDO PARA A VIDA .................................................................................. 260

ANEXO 2

1 EU ETIQUETA .................................................................................................... 274

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Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO

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CRC

Caderno de Referência de Conteúdo

Ementa –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––Aspectos históricos que envolveram o ser humano e influenciaram a concepção social, ao mesmo tempo em que a sociedade influenciava a concepção de pes-soa. As implicações nas diferentes áreas da atuação do ser humano. A maneira como a sociedade atual concebe e trata o ser humano, bem como as implicações decorrentes disso. Noção de pessoa a partir do Projeto Educacional Claretiano e as correlações nas diferentes áreas de atuação do ser humano.––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO

Seja bem-vindo, vamos iniciar o estudo da disciplina Antro-pologia, Ética e Cultura! Teremos muito prazer em desenvolvê-la com você. Vamos, juntos, descobrir e aprofundar reflexões que se referem à pessoa humana. Não queremos discutir com você qual-quer "tipo" de pessoa, nem qualquer estudo sobre a pessoa.

Nossa intenção é analisar como o Centro Universitário Clare-tiano entende e deseja que seus alunos conheçam, qual é e como é a pessoa com quem convivemos e ainda vamos conviver e em nosso ambiente de trabalho

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© Antropologia, Ética e Cultura10

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO

Nesta disciplina, você terá oportunidade de conhecer como a pessoa foi pensada e tratada nos vários períodos da história. De-pois, terá oportunidade de analisar como a sociedade atual pensa e trata a pessoa, qual o seu interesse e a sua proposta para ela. Por fim, você estudará a proposta de pessoa que o Claretiano acha mais conveniente para os dias de hoje. Isso envolve o campo edu-cacional ou qualquer outro, pois, seja qual for o curso que você faça ou seu ramo de atuação, o ponto de referência ou o destina-tário daquilo que você está fazendo, ou pretende fazer, é a pessoa.

Como futuro profissional, em qualquer campo, é importante compreender que você tem uma grande responsabilidade na ma-neira de entender e tratar as pessoas, pois disso depende o futuro da sociedade e do mundo, em geral. Conseguiremos construir um mundo melhor se tivermos um cuidado muito grande com relação à vida; e o ser humano não pode ficar à mercê de interesses eco-nômicos, políticos ou sociais. Cabe a cada um de nós contribuir para a melhoria da vida.

2. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA DISCIPLINA

Abordagem Geral da Disciplina

Prof. Dr. Sávio Carlos Desan Scopinho

Prof. Ms. Eugênio Daniel

Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será es-tudado nesta disciplina. Aqui, você entrará em contato com os as-suntos principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportunidade de aprofundar essas questões no estudo de cada uni-dade. No entanto, essa Abordagem Geral visa fornecer-lhe o conhe-cimento básico necessário a partir do qual você possa construir um referencial teórico com base sólida – científica e cultural – para que, no futuro exercício de sua profissão, você a exerça com competência cognitiva, ética e responsabilidade social.

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11© Caderno de Referência de Conteúdo

Vamos começar nossa aventura pelo conhecimento da disci-plina Antropologia, Ética e Cultura?

Inicialmente, é importante recordar que esta é uma discipli-na institucional, ou seja, todos os cursos do Centro Universitário Claretiano a têm em sua grade curricular.

O nome pode até parecer estranho e, às vezes, cria receio em algumas pessoas por remeter ao tema catequese ou à aula de religião. Mas você perceberá que não é essa a intenção. Embora nossa Instituição seja confessional, não temos a intenção de fazer uma aula de catequese.

Uma nova imagem de ser humano

Nossa proposta é mostrar uma nova imagem de ser huma-no. A sociedade tem uma concepção toda própria do ser humano, como veremos no decorrer dos nossos estudos. Essa maneira de tratar o ser humano acabou criando nas pessoas um jeito negativo de ver a vida, a sociedade, a si mesmo e aos outros seres huma-nos.

Poderemos perceber que há alternativas e outros modos de entender a pessoa, utilizando uma visão positiva. E é isso que pro-pomos para o estudo de nossa disciplina.

Vamos conhecer novas alternativas e buscar juntos novos ca-minhos e possibilidades de ser e de viver. Um dia uma aluna disse com toda simplicidade: "As outras disciplinas ensinam a gente a fa-zer, esta disciplina ensina a gente como ser". E ela expressou muito bem o que pretendemos.

Com as atividades e interatividades, discutiremos abundan-temente a maneira de vida das pessoas e como elas estão sendo tratadas pela sociedade contemporânea. Vamos perceber que o sistema capitalista em que vivemos nos coloca diante de uma re-alidade cruel. Com uma ideologia própria, esse sistema criou um padrão de vida e de entendimento da sociedade conforme os inte-resses das classes dominantes.

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© Antropologia, Ética e Cultura12

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO

No fundo, o que interessa para as classes dominantes é o lucro cada vez maior. A riqueza que acompanha esse modo de con-ceber a sociedade vai fazendo com que as pessoas vivam, cada vez mais, de modo egoísta, egocêntrico e imediatista.

A pessoa, na visão neoliberal, acaba valendo pelo que produz e pelo que consome. Ou seja, só quem produz e quem consome tem seu espaço, pequeno e sem muitas alternativas, na sociedade.

Mas a pessoa não é só isso. Veremos que ela é muito mais do que uma máquina de produzir e de consumir.

Nosso objetivo, você poderá perceber, é analisar como o ser humano está sendo tratado pela sociedade atual e, a partir daí, apresentar a maneira como o Centro Universitário Claretiano pensa a pessoa e qual a postura que podemos adotar, adiante da socieda-de neoliberal (ou capitalista) e a postura adotada pela sociedade.

Ainda na disciplina Antropologia, Ética e Cultura, vocês po-derão analisar, compreender e discutir as influências da sociedade atual sobre a vida das pessoas e a maneira de construir uma nova forma de comportar-se no relacionamento consigo mesmo, com os outros e com o mundo em que vivemos.

Nossa disciplina está dividida em três unidades, além de três anexos, que apresentam textos para complementar seu estudo, dentre eles o Projeto Educativo do Centro Universitário Claretiano. Seu tutor apresentará um roteiro para que todos sigam com mais se-gurança as propostas que temos para desenvolver nosso trabalho.

Por que estudar esta disciplina?

Talvez, você possa estar se perguntando: "o que esta disci-plina tem a ver com o que quero estudar?". É preciso entender que em qualquer área do saber, ou como profissional em qualquer campo, deve-se compreender a grande responsabilidade na ma-neira de entender e tratar as pessoas, pois disso depende o futuro da sociedade e do mundo em geral.

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13© Caderno de Referência de Conteúdo

Cabe a qualquer um de nós, educadores ou profissionais de qualquer área, dar uma parcela de contribuição para a melhoria da vida.

Em todas as fases da história, o homem quer saber sobre o fundamento e o sentido do mundo e da vida. Ao querer entender a si mesmo no seu mundo, na sua história e no conjunto da reali-dade, ele faz um exercício filosófico.

Na verdade, essa é uma preocupação presente na vida dos povos em geral.

Vamos dispensar um breve olhar pela história para conhe-cermos alguns pensamentos significativos do Ocidente, porque é o que vai interferir diretamente na formação de nossa sociedade e em nossa maneira de ser e de viver.

A imagem do homem na história

No pensamento grego, o homem é entendido como o eixo unificador da ordem universal, porém, o que o caracteriza é a pró-pria essência e a alma.

Aristóteles trata da alma, mas não do homem integral, utili-zando uma visão psicológica, não antropológica.

O que se percebe no pensamento grego primitivo é uma du-alidade fundamental da alma espiritual e do corpo material. Para Platão tudo o que diz respeito à essência e à dignidade do homem se situa no espiritual. Por isso, em Platão percebemos o dualismo: espírito e matéria, alma espiritual e corpo material.

No pensamento cristão podemos encontrar a visão de ho-mem como pessoa. Esta é resultado, sobretudo, da experiência do diálogo entre Deus e o homem. Mas essa decisão implica na deci-são e na responsabilidade do ser humano. O diferencial que vamos perceber aqui é a revelação.

Na Idade Média, uma sociedade teocrática (ou seja: a seguran-ça estava na fé em Deus), o cristianismo utiliza o pensamento filosófi-

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© Antropologia, Ética e Cultura14

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO

co grego para explicar racionalmente a fé. Para Santo Agostinho, por exemplo, a alma não tem o mesmo sentido que em Platão, de preexis-tência, mas se apresenta como livremente criada por Deus.

Santo Tomás de Aquino adota a doutrina de Aristóteles. Para ele, alma e corpo não são duas substâncias separadas, mas dois princípios eternos que formam o único e mesmo homem concreto.

No Renascimento, o humanismo predomina. O homem é olhado como situado neste mundo, cuja referência é Deus e a se-gurança está na fé nesse Deus. O homem questiona-se sobre seu ser e o sentido de sua vida.

Mas na Idade Moderna a sociedade torna-se antropocrática (ou seja: o homem torna-se o centro da sociedade). A submissão do homem a uma religião é substituída pela autonomia no pensa-mento humano por meio da razão e da experiência.

Na modernidade surge, portanto, o Racionalismo. O homem é reduzido a um sujeito pensante, ele é um ser racional e não se leva em conta o homem total, concreto.

Nesse período, o pensador mais influente é o francês René Descartes, que continua com o dualismo corpo e alma.

Na Pós-Modernidade, o reflexo de tudo o que está sendo discutido e pensado: o homem passa por uma autoexperiência concreta. Agora, o homem se vê diante da vida, da sociedade e de si mesmo e não encontra mais nenhuma segurança que dê sentido para sua existência.

Essa fase se caracteriza pela forma materialista de olhar o mundo, a sociedade e a humanidade. E para o materialismo o ho-mem é uma realidade material como outra qualquer.

Alguns pensadores dessa forma de pensar são:

Augusto Comte (considerado o pai do positivismo), vê o homem como um simples objeto do estudo científico natural empírico.

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Darwin, com o evolucionismo, afirma que a evolução é fruto da seleção natural e o ser humano está incluído nessa seleção.

Para Nietzsche, o homem é produto da evolução que levará ao "super-homem", tudo acontece na livre competição.

Karl Marx e Engels são os pais do materialismo dialético. As coisas não são estáticas, mas dinâmicas. O princípio é material. O homem não passa de um conjunto de relações sociais, que, na ver-dade destroem o sentido da pessoa individual e a torna "função" dentro do processo da sociedade.

Contudo, nessa época, surgem o Existencialismo e o Persona-lismo. Entre os pensadores dessas correntes de pensamento estão:

Pascal, que acrescenta à razão o coração. A existência do ho-mem explica-se por meio do imediatismo da experiência pessoal. Porém, o homem é jogado contra si mesmo e pode compreender sua própria existência.

Sartre vai ao extremo. Para ele, a existência humana é con-duzida à plena nulidade, ou seja, não tem validade alguma.

Você pôde ver, rapidamente, algumas concepções feitas so-bre o homem no decorrer da história.

Na Unidade 2, vamos estudar como a sociedade atual está tratando o ser humano.

Já vimos em que implica a situação humana dependendo da maneira como se olha o ser humano. Durante muitos anos, a socie-dade ocidental tratou a pessoa de uma maneira não muito boa.

Apesar das mudanças que ocorreram durante cada momen-to histórico, nota-se que o ser humano, em geral, sempre foi dei-xado em um plano inferior pela sociedade.

Estamos vivendo numa sociedade neoliberal. O neoliberalis-mo é um estilo de governar em que o governo central não exerce influência direta na sociedade, deixando para a iniciativa privada e a livre concorrência todas as decisões com relação ao mercado

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© Antropologia, Ética e Cultura16

Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO

e aos preços. As coisas que estão relacionadas ao social também saem da responsabilidade do governo.

O neoliberalismo coloca toda a sociedade envolvida em uma lógica tecnicista, excluindo quem não se adapta a ela.

É um estilo de sociedade que reduz a pessoa numa máquina de fazer e de consumir, por isso precisamos estar atentos a tudo o que nos envolve para percebermos se nossa atitude está sendo tecnicista ou se há espaço para uma forma humanitária de ser e de agir.

No sistema capitalista no qual vivemos, os atrativos para uma vida de consumo levam as pessoas a buscarem, desenfrea-damente, a satisfação ilusória de inúmeras necessidades. É mais fácil desencadear a perspectiva de uma vida sem objetivo e sem valores, do que uma vida de esperança e realizações.

É sabido e notório que o sistema capitalista sufoca cada vez mais os anseios de grande parte da população mundial.

Com a descoberta das ciências modernas, o mundo passou por profundas transformações. Quando as primeiras sociedades capitalistas começam a surgir, no final do século XVIII, as pessoas foram se juntando em torno das fábricas.

Na sociedade pós-moderna, o capitalismo se estabelece como sistema econômico, influenciando o social e interferindo no político. Aos poucos o neoliberalismo vai se implantando e de-monstrando regressão no campo social e político. O individualis-mo é a tônica constante de todo o seu agir. O raciocínio neoliberal é tecnicista, pois reduz problemas sociais a questões administrati-vas, e os problemas da educação em problemas de mercado e de técnicas de gerenciamento.

Olhando dessa forma, podemos perceber que o ser humano vale pelo que produz e pelo que consome. Enquanto produz, o ho-mem tem, ainda, possibilidade de ser considerado pela sociedade, essa é a ótica tecnicista. Porém, se não produzir só terá lugar se tiver posses para consumir.

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17© Caderno de Referência de Conteúdo

O sistema capitalista considera aquilo que fará que as pes-soas tenham atitudes nitidamente competitivas visando o lucro. Numa visão estreita da sociedade e do ser humano, dentro dessa ótica tecnicista, a pessoa se reduz e seu valor e não é levado em conta.

O ponto fundamental sobre que precisamos refletir é que estamos num sistema que prioriza a competição. O individualismo carrega consigo todo o envolvimento de uma sociedade competiti-va em que o sucesso individual está acima de qualquer outro valor.

O mercado, de forma contraditória, impulsiona as pessoas para uma maneira competitiva e individualista de ser e viver.

O ser humano, de maneira geral, não costuma perceber--se, conhecer-se e valorizar-se. Esse é um ponto que fica obscuro quando lemos e falamos de relacionamento.

Finalizando esta etapa, podemos perceber que o homem es-teve e está diante de uma situação não muito confortável para sua vida e para o entendimento da sua existência.

O homem como pessoa humana

Vimos que o homem, durante a história, não foi valorizado como deveria. Queremos, agora, estudar um pouco o sentido da pessoa e, principalmente, a maneira como o Centro Universitário Claretiano entende esse sentido, e, ao mesmo tempo, qual a sua proposta com relação ao tema.

Pretendemos analisar a pessoa na sua totalidade, inserida num contexto e numa realidade mais amplos. Convidamos, como Sócrates, o famoso filósofo grego, todos para realizar o desafio que ele fazia aos cidadãos de sua época: "conhece-te a ti mesmo".

É urgente resgatar o verdadeiro sentido do ser humano. Toda pessoa que compartilha parte de sua vida com o Claretiano está convidada a perceber a importância de si mesmo e do outro com quem compartilha seu saber, sua profissão e sua vida.

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Claretiano - REDE DE EDUCAÇÃO

No entanto, o Centro Universitário Claretiano tem como par-te de sua missão o compromisso com a vida e com a formação integral do ser humano. O objeto de seu Projeto Educativo tem pelo homem um apreço inigualável, dedicando-lhe um estudo es-pecial e um jeito próprio de tratar o que está ligado e relacionado ao humano.

A base da Unidade 3 é o modo Claretiano de ver a pessoa. A preocupação principal e fundamental é entender como esses con-ceitos poderão incorporar nosso fazer e nossa maneira de atuar em nossa profissão, seja ela qual for, e em nossa sociedade. Não serve a maneira da ideologia capitalista, muito menos o conceito tecnicista que daí decorre, reduzindo o homem a um objeto que faz e consome.

O Projeto Educativo Claretiano, preocupado com a pessoa no sentido em que acabamos de abordar, deixa claro sua posição frente à situação humana da realidade em que vivemos. Esse pro-jeto ressalta a educação para a justiça e para o amor. O centro de toda a preocupação é o homem, pois ele "é um ser único e irrepetível, constituído das dimensões biológica, psicológica, so-cial, unificadas pela dimensão espiritual, que é o núcleo da pessoa humana" (Apêndice, p. 136).

Queremos analisar o homem como um ser multidimensional. Precisamos olhar a pessoa na sua totalidade se quisermos compre-endê-la. Olhar uma parte não significa olhar o todo. Por isso, nos-so olhar antropológico quer olhar a totalidade para compreender quem é o homem e qual sua responsabilidade neste mundo.

Vamos analisar cada uma dessas dimensões para podermos ter ideia do compromisso que devemos assumir como membros integrantes de uma sociedade que busca aperfeiçoar-se e dar sen-tido à sua existência. Enquanto seres humanos que somos, esta-mos comprometidos com o bem comum e com cada pessoa em particular. Nosso compromisso começa em nosso próprio ser, mas ultrapassa nossa realidade e nos lança diante do outro, da socieda-de, do mundo e de Deus.

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19© Caderno de Referência de Conteúdo

As dimensões da pessoa humana

São quatro as dimensões da pessoa: biológica, psicológica, social e espiritual.

Quando nos referimos à parte biológica, falamos, natural-mente, de tudo o que se relaciona ao corpo da pessoa. Sem dú-vida, é por meio do corpo que o ser humano faz contato com os outros seres, com o mundo e com Deus, seu Criador.

Como sempre, não podemos deixar de perceber que estamos inseridos em um contexto social capitalista, neoliberal. Nesse am-biente, o homem acaba sendo reduzido a um ser que produz e que consome. Diante desse enfoque, o que acaba tendo valor para esse sistema de sociedade é a parte do ser humano que está em contato com o mundo e que possui a força produtiva e consumidora.

Não queremos dizer que o corpo não tenha valor. Pelo con-trário, achamos e afirmamos que seu valor é inenarrável. É por meio dele que o homem constrói o mundo, adquire conhecimen-to, transforma a realidade e consegue dar sentido à sua existência. Portanto, é necessário cuidar bem do corpo que temos.

No entanto, não é isso que podemos perceber, mas, sim, uma realidade que explora e expõe o corpo das pessoas a uma si-tuação ridícula, como em diversos níveis da mídia em que há uma exploração total da realidade corpórea.

A mídia criou padrões de beleza e de biotipo na moda, nas novelas, nos programas de televisão, nas revistas etc. Quem, por uma razão ou por outra, não se sente enquadrado nesses padrões gasta muito dinheiro para se adequar a eles ou se sente excluído da convivência geral da sociedade.

É só notar as roupas produzidas pelas grandes grifes. Elas não são feitas para qualquer pessoa ou qualquer corpo. Quem desejar "ficar na moda" precisa adaptar o próprio corpo para vesti-las, pois as grandes grifes não querem qualquer tipo de corpo utilizando suas roupas.

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Do mesmo modo, assistimos, atualmente, a uma corrida impressionante atrás dos bisturis, dos "Botox" e de toda ou qual-quer espécie de cirurgia para mudar a estética facial e corporal. Há uma supervalorização da dimensão corporal em detrimento das demais.

A dimensão "psicológica" remete-nos ao que os filósofos gre-gos chamam de anima, que, no português, chamamos alma, aquilo que dá vida. E o que faz a vida da pessoa acontecer é a sua interiori-dade. Remetendo novamente ao pensamento filosófico, nos depa-ramos com o conceito de essência. Mas o que vem a ser essência?

Por essência, entendemos aquilo que faz que o ser seja ele mesmo. Ou seja, o ser é o que ele é por causa da sua essência, que o torna um ser único. Só eu sou eu. Só você é você. E o que me faz ser eu e você ser você é a essência. Não existe outro igual. Eu sou único. Você é único.

Como afirma Sócrates, o indivíduo é um centro de autocons-ciência e vontade, por isso é dotado de um poder dinâmico, capaz de observar, dominar e dirigir todos seus processos psicológicos.

Se tomarmos como exemplo o perfume, sabemos que em todos eles há elementos químicos, há o álcool, há um fixador etc. Porém, o que diferencia um perfume do outro é sua essência. E a quantidade da essência é pouca, mas é ela que faz a diferença e torna o perfume único. Você já deve ter ouvido a expressão popu-lar que diz: "nos pequenos frascos, os grandes perfumes".

A essência no ser humano é uma pequena parte do seu ser. O resto é hereditário e influência social.

Aqui fica a interrogação: como a pessoa conhece e entra em contato com essa essência? E a resposta vem de forma simples: quem tem a chave de nosso interior somos nós mesmos. Para co-nhecê-lo é preciso entrar em contato consigo mesmo através da reflexão e da meditação. Para isso é preciso prestar atenção em si mesmo, no seu modo de ser, de pensar e de agir.

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Quanto tempo você gasta consigo mesmo? Cinco minutos por dia? Cinco por semana? Cinco por mês? É por meio desse tem-po que você consegue perceber e entender quem é você de fato.

Mas há um segundo passo. Além de se conhecer, é preciso se aceitar na essência. "Tenho erros?"; "Como e o que posso fazer para corrigi-los?"; "Tenho defeitos?", claro que sim, mas quando percebemos nossa essência na profundidade, vemos a beleza do que somos. Aceitar-nos como somos é um passo adiante, mas não é tudo. Há mais pela frente, é hora de gostar de nós como somos.

Quando consigo dar esses passos, percebo que nossos se-melhantes são tão importantes quanto eu e que merecem meu carinho, minha atenção, meu apreço, meu amor. Aí entendemos as palavras do Cristo referindo-se a um dos dez mandamentos: "Ama-rás teu próximo como a ti mesmo" (MATEUS, 19, 19).

Quem consegue amar-se na essência, ama o outro, ama o mundo, ama a natureza, ama o Criador, porque se vê parte do todo.

O eu do indivíduo é a sua individualidade, é o seu Ser Pes-soa. É essa a marca do Eu Sou. E a consciência disso é que faz o indivíduo perceber que ninguém jamais vai ocupar o seu lugar no mundo. Sua missão no mundo é única. Entrar em contato com seu núcleo, com seu Ser Interior, é abrir as portas para descobrir a sua individualidade, a sua importância, o caminho para a autorrealiza-ção, para a felicidade.

Quanto mais profundo for esse contato com o seu próprio eu, mais profundo será seu conceito de pertença do todo e a per-cepção de seu papel na melhora do meio em que vive e do mundo onde habita.

Não é possível ser feliz sozinho. Quanto mais o indivíduo bus-ca sua realização pessoal mais ele percebe que ela só acontece na medida em que se abre para o outro, para o todo, para que todos tenham vida, e vida em abundância, como quer Jesus Cristo.

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Fechar-se em si mesmo é causar morte, não vida. Contribuir para que haja vida significa estar centralizado, mas aberto, sem deixar que o meio social tire a possibilidade de autorrealização, a qual abrirá as portas para que os outros também se realizem e se-jam felizes. Contribuir para que haja vida é lutar contra tudo aquilo que impede que a vida esteja ao alcance de todos.

O que caracteriza o indivíduo frente à comunidade é saber que homem algum é uma ilha e que um necessita do outro para ser o que é. No contato com as outras pessoas, o indivíduo percebe-se e vê que é na relação com o outro que ele próprio se identifica.

Na dimensão social, segundo os especialistas, somos o pro-duto do meio onde nascemos e vivemos, pois recebemos uma car-ga genética e influência desse meio.

Não devemos esquecer, ainda, que a ideologia do sistema capitalista influencia nosso pensar, nosso sentir e nosso agir. Por-tanto, essa carga de influência que recebemos através da família, da mídia, da escola, do grupo dos amigos etc., confere a nós uma maneira toda própria de ser.

Além da carga genética, carregamos a influência do meio. Mas isso não é tudo. Temos algo em nós que nos identifica e nos torna diferentes. O que vai nos mostrar essa diferença é a forma e a maneira como olhamos a nós mesmos e nos identificamos com nosso interior para podermos distinguir o que é próprio de cada um e o que é influência do meio em que vivemos.

Sabe-se que cada ser humano é um ser único. No entanto, está inserido num contexto mais complexo, bem mais amplo do que seu próprio ser, que é a sociedade. Não podemos olhá-lo de forma distinta, pois estaríamos tirando dele as características que dão sentido à sua existência.

A pessoa vive em sociedade. Ela não pode e não deve ficar isolada em sua existência, pois é um ser em constante relação. Não podemos restringir a análise e a concepção da pessoa huma-

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na como costumamos ouvir pela vida afora: o homem é um ser que nasce, cresce, reproduz, envelhece e morre. Muitas vezes, ou-vimos crianças e adolescentes fazerem esse tipo de brincadeira. Mas, na atitude, percebemos que muitas pessoas adultas também agem como se esse fosse o sentido da vida, fazendo simplesmente uma leitura biológica, tecnicista e neoliberal da existência. Assim, valorizam uma parte do ser em detrimento do restante.

E, por fim, há a dimensão espiritual. Mas, antes de tudo, va-mos entender melhor o significado etimológico da palavra espiri-tual.

Em outras língua, não existe problema em entender o signifi-cado dessa palavra. Mas existe um problema na língua portuguesa por causa do uso equivocado da palavra "espírito" com "e" minús-culo. As palavras "Espírito" e "Espiritual" só são usadas para o Es-pírito divino e seus efeitos no homem, e são escritos com "E" mai-úsculo. Queremos entender, como muitos autores, o sentido dessa palavra designando uma dimensão particular da vida humana.

Nesse sentido, falamos do espírito como poder de vida, que tem o poder de animar e não é uma parte acrescentada ao siste-ma orgânico. Alguns pensamentos filosóficos, aliados a tendências místicas e ascéticas, separaram espírito e corpo. Como veremos, e que já foi brevemente abordado em Descartes, a palavra recebeu a conotação de "mente" e a própria "mente" recebeu a conotação de "intelecto". O elemento de poder no sentido original de espírito desapareceu e, finalmente, a própria palavra foi descartada.

A vida em si possui um significado próprio e dá ao ser huma-no uma expressão de totalidade.

A questão fundamental é como ajudar a pessoa a descobrir-se e perceber-se dessa forma. Sua existência não está isolada, pois o ser humano é um ser de relação, relação esta que abrange o seu eu, o outro, o mundo e a transcendência.

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Por isso, constantemente muitos autores chamam atenção para o cuidado, o respeito, a veneração e a ternura que devemos ter para com a vida de maneira geral e a pessoa, em particular. É a vida que garante a todos os seres a razão de seu existir, do seu ser-no-mundo.

Mas é preciso entrar em contato com algo que está implícito no homem, o espírito. Alguns indícios mostram a espiritualidade: a autoconsciência, a reflexão, a contemplação, o colóquio, a auto-transcendência etc. Mas o indício mais certo, porém, é a liberdade. Esta é a condição própria do espírito.

É esse elemento espiritual que envolve o ser humano no todo. A autoconsciência e a liberdade representam para a pessoa a capacidade de entender seu papel no mundo.

Com essa dimensão espiritual o homem goza de uma aber-tura sem limites, infinita. Ele está em busca da plena realização porque participa dessa esfera espiritual que o coloca em contato com o infinito.

O Projeto Educativo Claretiano (ver Anexos) afirma que cada pessoa é o princípio de suas ações, de sua capacidade de governar-se tendo em vista sua liberdade. Fundamentalmente, o ser huma-no é livre para se realizar como pessoa e, por isso, responsável pelo seu projeto pessoal e social de vida.

Quem consegue olhar para si mesmo percebe-se como pes-soa humana, única e irrepetível, capaz de criar e dar respostas po-sitivas a seus anseios; essa pessoa tem todas as chances de fazer uma opção livre e consciente.

A evolução técnica experimentada nos últimos séculos de-sumanizou o ser humano. No entanto, ele entenderá essa respon-sabilidade quando adquirir a liberdade de pensamento, quando aguçar a capacidade de discernimento e puder compreender seus sentimentos e imaginação.

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Unidade e totalidade

Quando tratamos do entendimento sobre a pessoa é impor-tante notarmos que ela é unidade e totalidade, ao mesmo tempo. Não podemos tratar o ser humano como se fosse possível dividi-lo e olhá-lo com um único enfoque. Já que cada pessoa é um ser úni-co e absolutamente novo, com capacidade de se decidir, de esco-lher, pois é um ser livre por existência, ao mesmo tempo é um ser dinâmico, aberto ao outro e à transcendência.

A pessoa consciente da unidade e da totalidade abre espa-ço para a realização pessoal. Ela compreende seu estar-no-mundo enquanto compreende o sentido de ser-no-mundo. Só o ser huma-no goza do privilégio de ter consciência de si mesmo, do seu eu, do seu ser e do seu existir.

A pessoa precisa perceber que ela constrói seu próprio ser, o que lhe permite adquirir consciência de si mesmo para conquistar sua identidade.

Ela busca uma finalidade e um sentido para sua existência. O que está no cerne de toda a questão é a realização da pessoa, é o seu ser.

Veja, a seguir, os principais conceitos que irão nortear seu estudo nesta disciplina. Sempre que estes termos surgirem, tenha presente o seu significado. Isso facilitará o seu estudo.

Glossário de Conceitos

O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rápi-da e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de co-nhecimento dos temas tratados na disciplina Antropologia, Ética e Cultura. Por opção pedagógica do autor, os termos do Glossário não seguem a ordem alfabética, mas a ordem cronológica da im-portância que cada um dos conceitos adquire ao longo deste ma-terial. Veja, a seguir, a definição dos principais conceitos:

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1) Antropocêntrico: onde o homem é o centro das atenções.2) Antropologia: do grego άνθρωπος (anthropos), "ho-

mem", e λόγος (logos), "razão" / "pensamento", é a ci-ência que tem como objeto o estudo sobre o homem e a humanidade de maneira que abranja todas as suas dimensões.

3) Cosmos: do grego κόσμος (cósmos): cosmos, mundo. Se-gundo Burnet em sue Aurora da filosofia grega, primei-ramente essa palavra designivava a organização de um exército, mas com o desenvolvimento das sociedades na Grécia Antiga ela passou a ocupar o lugar do conceito de καώς (caos) para designar a organização do universo. Isso ocorreu mais ou menos ao mesmo tempo em que se dava a famosa passagem "do Mito ao Lógos".

4) Idealismo: corrente de pensamento que reduz toda a existência a ideias ou considera que toda a existência se determina pela consciência.

5) Holístico: significa totalidade. Considerar o todo levando em consideração as partes e suas inter-relações.

6) Logos: do grego λόγος (logos): razão, pensamento. Tudo o que se refere ao conhecimento, estudo.

7) Mecanicista: a Escola Mecanicista procura explicar os fenô-menos sociais por analogia com os fenômenos físicos. Vê o universo como se fosse uma máquina. Peças discretas inte-ragem no espaço e no tempo e quando alguma força atua sobre elas o resultado é uma sequência de ações e reações em cadeia. Nessa corrente de pensamento o homem é visto exclusivamente como sendo um elemento que reage quan-do se lhe aplicam forças; em outras palavras, as atividades só ocorrem em resposta a forças que lhe foram aplicadas.

8) Modernidade: refere-se à época moderna, ou seja, pe-ríodo entre o século 15 e 18. Essa época é marcada pela descoberta científica e pelo novo rumo que a sociedade ocidental tomou.

9) Neoliberalismo: é uma corrente de pensamento que de-fende a absoluta liberdade de mercado a não interven-ção estatal sobre a economia.

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10) Pragmatismo: Corrente de pensamento filosófico que adota como critério da verdade a utilidade prática, iden-tificando o verdadeiro como útil; senso prático.

11) Racionalismo: Trata-se da doutrina que atribui exclusiva confiança na razão humana como instrumento capaz de conhecer a verdade. O pensamento é a única fonte de conhecimento (verdade absoluta). Para os racionalistas o tipo de conhecimento que é verdadeiro é o que pro-vêm da razão, do pensamento.

Esquema dos Conceitos-chave

Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais impor-tantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um Esquema dos Conceitos-chave da disciplina. O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu esquema ou mesmo o seu mapa mental. Esse exercício é uma forma de construir o seu conhecimento, ressignifi-cando as informações a partir de suas próprias percepções.

É importante ressaltar que o propósito do Esquema dos Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações entre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliá--lo na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino.

Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esquemas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu co-nhecimento de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pe-dagógicos significativos no processo de ensino e aprendizagem.

Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-colar (como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda, na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que estabe-

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lece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos concei-tos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim, novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem pontos de ancoragem.

Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa, ape-nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez que, ao fixar esses conceitos nas já existentes estruturas cogniti-vas, outros serão também relembrados.

Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você o principal agente da construção do próprio conhecimen-to, por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tornar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu conhecimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabelecendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adaptado do site <http://penta2.ufrgs.br/edutools/ma-pasconceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 11 mar. 2010).

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Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave da disciplina Antropologia, Ética e Cultura.

Como você pode observar, esse Esquema dá a você, como dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im-portantes deste estudo. Ao segui-lo, você poderá transitar entre um e outro conceito da disciplina e descobrir o caminho para cons-truir o seu processo de ensino-aprendizagem. Sem o domínio con-ceitual desse processo explicitado pelo Esquema, pode-se ter uma visão confusa do tratamento da temática da Antropologia, Ética e Cultura proposto pelos autores deste CRC.

O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambiente virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como àqueles

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relacionados às atividades didático-pedagógicas realizadas presen-cialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD, deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio conhecimento.

Questões Autoavaliativas

No final de cada unidade, você encontrará algumas questões autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas.

Responder, discutir e comentar essas questões, bem como relacioná-las com Antropologia, Ética e Cultura pode ser uma for-ma de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a re-solução de questões pertinentes ao assunto tratado, você estará se preparando para a avaliação final, que será dissertativa. Além disso, essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhe-cimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática profis-sional.

Bibliografia Básica

É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-grafias complementares.

Figuras (ilustrações, quadros...)

Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustrativas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os conteúdos da disciplina, pois relacionar aquilo que está no campo visual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)

O estudo desta disciplina convida você a olhar, de forma mais apurada, a Educação como processo de emancipação do ser

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humano. É importante que você se atente às explicações teóricas, práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunica-ção, bem como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao compartilhar com outras pessoas aquilo que você observa, per-mite-se descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a notar o que não havia sido percebido antes. Observar é, portanto, uma capacidade que nos impele à maturidade.

Você, como aluno dos Cursos de Graduação na modalidade EAD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente. Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugeri-mos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas.

É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-ções científicas.

Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discuta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas.

No final de cada unidade, você encontrará algumas questões autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas, pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-cimento intelectual.

Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.

Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a esta disciplina, entre em contato com seu tutor. Ele estará pronto para ajudar você.

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1

EAD

Ser Humano e Sociedade: Contexto Histórico

1. OBJETIVOS

• Compreender a realidade e os fatos que marcaram as fa-ses principais da história.

• Analisar como o ser humano foi tratado nas diversas situ-ações históricas.

• Compreender a realidade da sociedade capitalista neoli-beral e como o ser humano é tratado nesse sistema.

2. CONTEÚDOS

• Ser humano, como entendê-lo melhor.• Contexto histórico, a realidade de cada época e de cada

situação.• Ser humano e sociedade. Não se pode entender o ser hu-

mano sem entender a sociedade em que ele está inserido.• Caminhos a percorrer.

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3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE

Antes de iniciar o estudo desta unidade, sugerimos que você leia atentamente as informações seguintes:

1) Para conhecer as situações históricas, é importante lem-brar que cada época tem suas características próprias. Cada realidade é diferente da outra. Para pensar a histó-ria, precisamos conhecer um pouco mais da realidade de cada época e as situações que envolvem cada contexto.

2) Concentre-se em compreender o processo cultural e a experiência vivida em cada época. Se você conseguir perceber isso, conseguirá entender melhor cada pro-posta, pois tudo está inserido dentro de um contexto próprio e peculiar. Não podemos julgar o passado com o pensamento de hoje. Aliás, nem mesmo podemos jul-gar o passado. As razões de cada época dependem dos acontecimentos e pensamentos de cada época.

3) A análise da sociedade capitalista atual dará oportunida-de para que você compreenda um pouco mais as condi-ções de vida das pessoas e as influências que interferem no pensar, no sentir e no agir do ser humano. Por isso, na medida do possível, leia os livros indicados na Biblio-grafia. Acima de tudo, discuta os assuntos nos Fóruns, coloque suas dúvidas para seu tutor, enfrente o desafio de entender cada situação dentro do contexto próprio.

4) Antes de iniciar os estudos desta unidade, pode ser inte-ressante conhecer um pouco da biografia dos pensado-res cujo pensamento norteia o estudo desta disciplina. Para saber mais, acesse os sites indicados.

René Descartes (1596-1650)Nasceu de uma família nobre dedicada à medicina e ao co-mércio. Os Descartes se fixaram em La Haye, Tourenne. Seu pai se chamava Joaquim e era conselheiro do Parlamento britânico. René tinha uma saúde frágil e era cuidado por sua avó. Entrou no colégio jesuíta de Le Flèche, que havia sido fundado dois anos antes, mas já adquirira notoriedade. Nes-se estabelecimento René teve formação filosófica e cientí-fica. Foi um bom aluno, mas não encontrou a verdade que procurava, como escreveu no Discurso do Método. Apren-deu a filosofia pelo método escolástico, e René, apesar de ser católico, percebeu a diferença existente entre aquele tipo de ensino antigo e o recente espírito renascentista, baseado

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nas últimas descobertas e inovações científicas e culturais. Agradava a Descar-tes a matemática, por dar respostas exatas. A educação em Le Flèche havia sido religiosa, e havia um clima de atraso e submissão às instituições políticas, acompanhados de estudos das infindáveis controvérsias teóricas da escolástica. Portanto Descartes saiu de lá um pouco confuso e decepcionado. Mas apesar disso recomendava o colégio para os filhos de amigos. Entrou para a Universi-dade de Poitiers, curso de direito, e se formou. Como não ficou satisfeito com os conhecimentos adquiridos, resolveu entrar para o exército. Se alistou nas tropas holandesas de Maurício de Nassau. Descartes tinha uma ligação com a Holanda, e foi combater os espanhóis. Fez então uma forte amizade com um entusiasta da Física e da Matemática, Isaac Beckman, jovem médico holandês (imagem e texto disponíveis em: <http://www.consciencia.org/descartes.shtml>. Acesso em: 15 out. 2010).

Leonardo BoffNasceu em Concórdia, Santa Catarina, aos 14 de de-zembro de 1938. É neto de imigrantes italianos da re-gião do Veneto, vindos para o Rio Grande do Sul no final do século XIX. Fez seus estudos primários e se-cundários em Concórdia-SC, Rio Negro-PR e Agudos--SP. Cursou Filosofia em Curitiba-PR e Teologia em Petrópolis-RJ. Doutorou-se em Teologia e Filosofia na Universidade de Munique-Alemanha, em 1970. Ingres-sou na Ordem dos Frades Menores, franciscanos, em 1959.

Durante 22 anos, foi professor de Teologia Sistemática e Ecumênica em Petró-polis, no Instituto Teológico Franciscano. Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centros de estudo e universidades no Brasil e no exterior, além de professor-visitante nas universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espa-nha), Harvard (EUA), Basel (Suíça) e Heidelberg (Alemanha).Esteve presente nos inícios da reflexão que procura articular o discurso indigna-do diante da miséria e da marginalização com o discurso promissor da fé cristã gênese da conhecida Teologia da Libertação. Foi sempre um ardoroso defensor da causa dos Direitos Humanos, tendo ajudado a formular uma nova perspectiva dos Direitos Humanos a partir da América Latina, com "Direitos à Vida e aos meios de mantê-la com dignidade".É doutor honoris causa em Política pela Universidade de Turim (Itália) e em Teo-logia pela Universidade de Lund (Suécia), tendo ainda sido agraciado com vários prêmios no Brasil e no exterior, por causa de sua luta em favor dos fracos, dos oprimidos e dos marginalizados e dos Direitos Humanos.De 1970 a 1985, participou do conselho editorial da Editora Vozes. Nesse perío-do, fez parte da coordenação da publicação da coleção Teologia e Libertação e da edição das obras completas de C. G. Jung. Foi redator da Revista Eclesiástica Brasileira (1970-1984), da Revista de Cultura Vozes (1984-1992) e da Revista Internacional Concilium (1970-1995).Em 1984, em razão de suas teses ligadas à Teologia da Libertação, apresenta-das no livro Igreja: Carisma e Poder, foi submetido a um processo pela Sagra-da Congregação para a Defesa da Fé, ex-Santo Ofício, no Vaticano. Em 1985, foi condenado a um ano de "silêncio obsequioso" e deposto de todas as suas

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funções editoriais e de magistério no campo religioso. Dada a pressão mundial sobre o Vaticano, a pena foi suspensa em 1986, quando pôde retomar algu-mas de suas atividades (Imagem: disponível em: <http://www.voltairenet.org/ar-ticle126328.html>. Acesso em: 29 out. 2010. Texto: disponível em: <http://www.leonardoboff.com/site/bio/bio.htm>. Acesso em: 29 out. 2010).

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE

Ao analisar o contexto histórico, é possível compreender como a sociedade, em alguns momentos, tratou o ser humano. Do mesmo modo, é possível ver como alguns pensadores enten-deram e se pronunciaram a respeito do ser humano. Contudo, não se pode deixar de olhar tudo isso dentro do contexto em que ele vivia, levando em consideração tudo o que acontecia naquela rea-lidade. Muitos se dispuseram a falar e a tecer alguns comentários a respeito do ser humano. É importante analisar algumas concep-ções, de algumas épocas para entender alguns pensamentos que norteavam as atitudes e as ações da sociedade e quais as influên-cias que esses pensamentos exerciam na vida das pessoas e da sociedade em geral.

Interessa notar que a concepção a respeito do conceito que se criava ou que se criou sobre a pessoa influenciou a maneira de ser e de agir da sociedade em cada época determinada. Ou o con-trário. Aquilo que se pretendia da sociedade e para a sociedade acabava criando uma concepção a respeito do ser humano. A ma-neira como o ser humano era tratado dependia, muitas vezes, do modo como a sociedade era concebida. Isso parece simples, mas é preciso notar as diferenças na concepção de homem que tive-mos em cada momento da história, para que se possam compre-ender os fatos de forma clara. Ao conseguir enxergar todos esses mecanismos, pode-se entender a relação existente entre o modo de vida da época e os pensamentos que regiam as sociedades em cada período da história. Aliás, é difícil dizer o que vem primeiro.

Tudo acontece quase ao mesmo tempo: enquanto a situação da sociedade se apresenta de uma forma ou de outra, as análises vão

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surgindo e as propostas vão sendo feitas. Naturalmente, essas aná-lises podem provocar mudanças na maneira de pensar e de agir do homem. E as consequências nem sempre são facilmente percebidas.

Aqui interessa entender o que está relacionado com o ho-mem em todo esse processo. Serão estudadas algumas teorias que influenciaram a sociedade em cada período histórico e a maneira de entender a pessoa. Em contrapartida, é preciso ver as relações existentes entre essa maneira de entender o homem e as propos-tas que interferem na sociedade. Esse é um grande desafio.

Antes de prosseguirmos, é importante que você perceba que tudo está relacionado à Antropologia. Aliás, é o estudo antropoló-gico que vai tratar desses assuntos. Não se deve, porém, confundir Antropologia com Humanismo. Estudaremos a antropologia como forma de compreender o ser humano e a sociedade dentro do contexto histórico. É importante que você perceba como o homem busca compreender a si mesmo, pois, ao fazer isso, ele representa sua experiência original. Enquanto o homem se compreende, ele representa o todo ou a sua totalidade concreta sem se desligar da experiência e da compreensão de si mesmo.

O ser humano sempre procurou entender o significado de sua existência. Desde tempos remotos, ele quis saber sobre sua existência e sobre a existência do mundo e das coisas ao seu redor. Preocupou-se em entender os meandros da sociedade e o signifi-cado de tudo. Percebeu que era uma parte do todo. O todo é com-plexo, mas é preciso compreender bem o que isso significa.

Sem separar as coisas, sem separar a parte do todo, pois a parte só tem sentido no todo, assim também é o ser humano. Não se pode separar o homem em partes. É certo que, em alguns mo-mentos da história, essa separação vai aparecer, e isso se torna um enorme problema para as pessoas e para a sociedade. As ideias mecanicistas, muito presentes na contemporaneidade, atuam des-sa forma e fragmentam tudo em partes, como se nada (cada coisa ou cada parte) tivesse sentido isoladamente.

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Também é importante perceber que essas coisas não são percebidas facilmente nem são percebidas por todos. Muitos es-tudiosos, porém, conseguem analisar essas situações e apontam o que está por trás dos acontecimentos.

O ser humano é capaz de se inquietar; ele está aberto ao mundo, e essa abertura se converte em abertura ao ser. Essa ati-tude explica a liberdade que o ser humano possui e que é própria dele. O homem é um ser aberto ao mundo e ao ser, podendo per-ceber a verdade e o valor que há nessa atitude humana. Nisso, o homem percebe sua essência, isto é, a essência dele se concretiza na abertura ao mundo e ao ser. Por isso, ele se pergunta sobre sua própria essência, sobre o que faz no mundo, por que está neste mundo e qual a razão de sua existência.

Só o homem possui essa capacidade, possibilidade e neces-sidade; por isso, ele faz a si esse tipo de pergunta. Em outras pa-lavras, podemos perceber que o homem se tornou um problema para si mesmo. Sua experiência de vida questionou suas concep-ções; por isso, começou interrogar-se e procurou respostas.

Como o homem possui a capacidade de questionar-se sobre sua essência, ele tem a possibilidade de ter consciência de si mes-mo e, ao mesmo tempo, a capacidade de se compreender. Mas, como vive em um mundo em que a realidade não favorece a com-preensão de si mesmo, por causa dos acontecimentos materiais, ele não consegue ter uma completa autocompreensão.

Todos sabemos quanto é difícil a autocompreensão. Há di-versos fatores que impedem o auto-olhar: as preocupações diá-rias, o trabalho, os estudos, a família, os compromissos. Enfim, são muitas as coisas que impedem a pessoa de olhar para si mesma para se compreender e compreender os acontecimentos ao seu redor.

Os questionamentos que o ser humano se faz e sempre se fez, como "Quem sou?", "Por que estou neste mundo?", "Por que sou assim?", "Por que as coisas são dessa forma?", ficam, muitas

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vezes, sem respostas e inquietam – às vezes, até incomodam. Isso é comum a todos os seres humanos. É próprio do homem querer entender-se.

Esta primeira parte de nosso estudo pretende apresentar al-gumas concepções a respeito do ser humano. Todavia, é preciso analisar a sociedade atual para perceber como e por que as coisas acontecem e que relação tem isso na vida das pessoas. Essa influ-ência da sociedade é relevante e de fundamental importância para entender a vida atual.

Não é possível separar o ser humano da realidade em que está inserido. Por isso, é de extrema importância analisar como o sistema da sociedade de hoje atua no ser humano e provoca nele reações que não são perceptíveis. Analisar a questão da ideologia vigente é perceber como o ser humano pode tomar consciência ou não da situação social e como a ideologia consegue camuflar a realidade e nos mostrar um modo de pensar, de sentir e de agir em que o ser humano é apresentado de maneira equivocada.

A concepção de homem apresentada pelo sistema dominan-te nem sempre é compatível com o que ele pretende para si mes-mo. Por isso, estudar a questão social ajuda a entender a realidade e faz perceber que é importante ter consciência da situação para poder traçar o perfil da própria existência.

5. SER HUMANO

Enquanto a sociedade atual olha o ser humano de modo fragmentado, alguns pensadores acreditam que:

[...] ser homem significa uma pluralidade de dimensões nas quais não só experimentamos o mundo, senão que nos experimentamos a nós mesmos [...] o homem é uma totalidade concreta que funda-menta a totalidade em uma unidade estrutural que contribui para sua compreensão (CORETH, 1985, p. 39).

No entanto, o todo precisa entender-se a si mesmo.

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O homem é uma totalidade e não pode ser visto separada-mente, fragmentado, como acontece na sociedade atual. É impor-tante compreender o homem concreto, não um homem fictício, mas o homem que se pergunta e quer saber quem é. O homem está dentro do mundo onde vive. Ele não está confinado à sua sub-jetividade, dentro de si mesmo.

Heidegger (1989) parte do significado de presença e, a partir daí, propõe compreender e interpretar o ser dentro da realidade do tempo. A pessoa é vista como parte das transformações e mo-dificações. Isso implica situá-la em determinado contexto. É pre-ciso olhar a pessoa dentro do contexto histórico para entender o processo da constituição do ser.

Dentro desse contexto, a pessoa não pode ser vista de forma fragmentada, como se fosse simplesmente um número, um mero consumidor. Do mesmo modo, o ser humano é um ser em constru-ção. Sendo assim, tem grande potencial para a mudança.

O autor propõe compreender e interpretar o ser dentro da realidade do tempo. Tudo acontece dentro de determinado contex-to. O ser está inserido em algum contexto histórico. O ser humano não é só o seu passado nem só o seu presente, mas podemos per-ceber que é um projeto de vida, com um potencial em construção, com um potencial imenso pela frente, ainda não acabado.

Olhar o "ser-no-mundo", como Heidegger, cria a possibilidade de olhar o ser como um potencial a partir do que ele ainda pode ser:

[...] o homem não se realiza no horizonte do ser, é pelo que se expe-rimenta sob aspiração do absoluto. Ele só consegue entender-se a si mesmo se não estiver em relação transcendental com o ser absoluto e infinito, dito de modo mais concreto, em sua relação com o funda-mento absoluto, pessoal e divino do ser (CORETH, 1985, p. 42).

É necessário que essa relação ultrapasse os limites do pró-prio ser para alcançar uma dimensão metafísica do homem, a sua transcendência, a fim de que haja uma relação com o ser, numa abertura ao ser em geral ao mesmo tempo em que se abre ao ab-soluto do ser.

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É preciso se compreender o homem desde o fundamento de seu ser ao mesmo tempo em que se compreende a totalidade do ser.

6. CONTEXTO HISTÓRICO

Como vimos, o homem quer saber sobre o fundamento e o sentido do mundo em que vive. Por meio do pensamento filosófi-co é possível interrogar-se sobre o princípio de todas as coisas para entender o fundamento de tudo. Ao querer entender a si mesmo no seu mundo, na sua história e no conjunto da realidade, ele faz um exercício filosófico.

Na verdade, essa é uma preocupação presente na vida dos povos em geral. Em todas as épocas da história pode-se perceber a preocupação que o ser humano tem quanto à sua origem e sobre a origem do mundo. Afinal, quais foram as preocupações que envol-veram as sociedades nos diversos momentos históricos?

Percorrendo alguns desses momentos é possível verificar certos pontos de vista interessantes e que poderão elucidar nosso estudo.

O homem no pensamento grego

Para Coreth (1985, p. 45): A filosofia grega antiga começa a olhar o mundo, o cosmos, o uni-verso. Pretende estudar o ser, as formas e as leis essenciais das coi-sas. Estabelece um escalonamento ordenado dos seres que parte das coisas inanimadas até chegar às formas de vida e culminar nos modos de ser e de operar do espírito.

No pensamento grego o homem é entendido como o eixo unificador da ordem universal. No entanto, o que caracteriza e constitui o homem é sua própria essência e sua alma. Aristóteles trata da alma, mas não do homem como um todo. Na verdade, trata de uma psicologia, não de uma antropologia.

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O que se percebe no pensamento primitivo grego é que ele apresenta uma dualidade fundamental da alma espiritual e o cor-po material:

Para Platão o homem está ordenado por seu espírito para o mun-do inteligível frente ao mundo aparente e mutável das coisas que se percebem pelos sentidos. Para ele a alma do homem imortal pertence ao mundo imutável das ideias e está fundamentalmente acima do mundo mutável (CORETH, 1985, p. 48).

Tudo o que diz respeito à essência e à dignidade do homem se situa no espiritual. Platão apresenta o dualismo espírito e maté-ria, alma espiritual e corpo material do homem.

Aristóteles, mesmo sem superar a visão platônica do ho-mem, demonstra que a alma espiritual é o princípio interno que conforma o corpo.

Desde a Antiguidade, o homem é apresentado tentando des-cobrir sua origem. Essa apresentação de que o homem se reco-nhece ligado à sua história demonstra como é importante para ele conhecer sua origem. No pensamento grego, tudo está ligado ao destino, ou seja, o homem é predeterminado. No entanto, é aí que ele sente a si mesmo e percebe os acontecimentos do mundo.

Essa afirmação nos remete à doutrina de Heráclito do logos, à doutrina do ser de Parmênides e ao mundo das ideias de Platão. Fica demonstrado que o homem se reconhece sob o destino do absoluto. Boff (2003, p. 61) explica que:

A tradição clássica dos gregos não descobrira a dimensão típica na qual poderia madurar uma reflexão profunda sobre ser-pessoa. Di-ficultavam-no as coordenadas de seu horizonte de pensar. Um eixo destas coordenadas era constituído pelo espírito concebido como universal, transcendente e divino.

E continua dizendo que: [...] outro eixo era composto pelo corpo informado pelo espírito, corpo material, imanente e sujeito de todas as limitações. O ho-mem é composto de duas grandezas desproporcionais. Pela morte dar-se-ia a cisão de ambos. Espírito e corpo; o espírito, enfim, se libertaria dos laços limitadores da matéria e se recolheria em sua universalidade e primitiva transcendência.

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A tradição grega utiliza-se da dualidade quando trata o ser humano. Nesse contexto, o espírito tem superioridade sobre o corpo.

O homem no pensamento cristão

O diferencial no pensamento cristão é a revelação. Tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento a mensagem é de salvação e está direcionada para o homem concreto na história. Essa história é uma história de salvação em um acontecimento que se desenvolve entre Deus e o homem.

O Cristianismo ensina que o mundo procede da livre palavra criadora de Deus, que diz "faça-se" (Gênesis 1,3). Mesmo o mal de-pende de decisão livre e pessoal do homem. E, embora desde o iní-cio esteja marcado pelo pecado, o homem sabe da ação salvífica de Deus. Na "encarnação", Ele se revela livre e pessoalmente por meio de seu filho. O filho de Deus faz-se homem para salvar os homens do pecado. É essa a obra redentora que revela a vontade do Pai.

Para Agostinho, o livre-arbítrio não é a verdadeira liberdade. Esta, libertas, é a confirmação da vontade no bem pela graça. De fato, o homem entregue a si mesmo é impotente para triunfar da con-cupiscência. O socorro de Deus é necessário para apoiá-lo em sua ação no sentido do bem. [...] a liberdade é, para Agostinho, es-sencialmente libertação pela graça e comporta uma gradação: o homem é tanto mais livre quanto mais se submete ao chamado da graça e mais participa da sua salvação (BARAQUIM; LAFFITTE, 2007, p. 5-6).

Quando o Cristianismo, na patrística, utiliza o pensamento grego para explicar racionalmente a fé, não contém o mesmo sig-nificado, pois "acentua o valor e a dignidade do particular [...] a vocação divina e sua livre decisão frente ao destino eterno" (CO-RETH, 1985, p. 53). Por isso, a alma não tem o mesmo sentido pla-tônico de preexistência, mas apresenta-se como livremente criada por Deus. Essa é a linha que segue Agostinho.

Tomás de Aquino, adotando a doutrina aristotélica, não segue o mesmo raciocínio quando trata da alma e do corpo. Para ele, alma

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e corpo não são duas substâncias separadas, mas são dois princípios eternos que formam o único e mesmo homem completo.

No pensamento cristão, o homem está inserido na ordem obje-tiva e universal que tem seu fundamento em Deus. Cristo revela o ho-mem ao homem. Os cristãos têm uma ideia muito elevada do que é o homem, de sua dignidade, de sua realização, de seu chamado a ser filho de Deus e viver fraternalmente na dignidade do mistério da vida.

Cristo mostra o verdadeiro amor, que é entrega, doação, uma perda voluntária de liberdade. Mas nele a pessoa é pessoa e tira o melhor de si.

Os cristãos são considerados grandes humanistas, mas, ob-viamente, não são os únicos, pois outras pessoas com concepções diferentes, com sentido comum e com sentido da beleza ou de justiça compartilham essas convicções.

É possível perceber uma espécie de otimismo ingênuo na so-ciedade moderna, enquanto ela acredita que é possível vencer o mal tanto dentro quanto fora de si, apenas com a razão e a educa-ção; para os cristãos, é necessária a graça de Deus e o amor.

O homem no pensamento da idade moderna

No século 14, com o Renascimento, e, no século 15, na Idade Moderna, depois de um longo período em que o Teocentrismo era referência de tudo, a preocupação voltou-se para a pessoa. O An-tropocentrismo olha o homem situado neste mundo.

Até essa época, a segurança estava na fé em Deus. Desde o século 4 até o 14, o homem achava-se no centro de um mundo perfeito, ordenado e claro, fruto de uma fé que lhe dava a seguran-ça de um Deus que olhava por ele, consequência do pensamento teocrático que predominava na época. Frei Betto (Anexo I, p. 147) aponta que:

[...] a última mudança de época foi justamente na "descoberta" da América, quando o Ocidente passou do período medieval para o moderno. A pintura de Michelangelo expressa, com genialidade,

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essa chegada de um tempo em que o conhecimento, a epistemolo-gia, se desloca de uma perspectiva teocêntrica para uma perspec-tiva antropocêntrica. A rainha das ciências, durante mil anos, no período medieval, foi a teologia. A rainha das ciências, da moderni-dade é a física. O período medieval se baseava na fé; o moderno, na razão. O período medieval se baseava na contemplação das verda-des reveladas; o moderno, na busca da compreensão da mecânica deste mundo e no pragmatismo, na transformação deste mundo (o texto se encontra na íntegra ao final deste CRC no tópico Anexos).

A modernidade mostra o homem sem um lugar assegurado no mundo, fazendo que ele se retraia cada vez mais sobre si mesmo. Isso o faz questionar-se sobre o ser do homem e o sentido de sua vida.

O homem passa a ocupar o centro: é o que se chama Antro-pocentrismo. O problema é que esse homem é um simples sujeito, não é o centro de uma ordem objetiva do ser, mas o centro de um mundo de conhecimentos subjetivos.

Frei Betto (Anexo I, p. 149) aponta que a característica da modernidade:

[...] são duas pernas: a filosofia de René Descartes e a física de Isa-ac Newton. Descartes, com o "Penso, logo existo", mostrou que a razão é capaz de decifrar os enigmas do conhecimento. Já contem-poraneamente a ele, ou um pouco antes, um acontecimento mar-cou decisivamente a introdução da visão moderna: a astronomia de Nicolau Copérnico, depois complementada por Galileu Galilei. Copérnico fez algo de revolucionário, a ponto de hoje se falar de re-volução copernicana, porque até então as pessoas olhavam o mun-do com os pés na Terra. Copérnico fez o inverso: como será a Terra se eu me imaginar com os pés no Sol? A partir dessa mudança, ele teve uma compreensão completamente diferente do universo, mas só ousou partilhá-la em seu leito de morte, com medo da Inquisi-ção. Depois veio Galileu e acabou com a ideia de que a ciência é baseada no senso comum.

A pretensão é que o ser humano se tornará autônomo. E isso será possível por meio da racionalidade trazida pelas descobertas científicas. O desenvolvimento técnico-científico tendeu para esse novo aporte. Durante o Feudalismo, o homem ficou submisso aos senhores feudais. Tudo dependia do feudo. Pouco precisava se preo-cupar com o desenvolvimento da sua vida e da sociedade em geral.

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Na modernidade, porém, o homem pode apostar em sua au-tonomia, pois a maneira como a sociedade está sendo estruturada lhe permite buscar novas formas de vida (MARTINS, 2009). E Mar-tins aponta um problema sério sobre a modernidade, a respeito do homem:

O mundo moderno tem uma concepção de ser humano muito frag-mentada e mecanicista. Ele apostou piamente na capacidade racio-nal do homem e rompeu com a realidade transcendente. Contudo, essa "autonomia" não foi capaz de realizar a existência humana e solucionar os problemas da humanidade, mas desencadeou uma crise ética e de sentido (2009, p. 13).

O mesmo autor aponta outras preocupações decorrentes dessa postura nova que o mundo começa a experimentar: o mun-do moderno trouxe muito desenvolvimento ao homem, sobretudo no campo material. Novas descobertas e inventos trouxeram con-forto às pessoas, que passaram a se apegar cada vez mais aos bens materiais e às descobertas das ciências.

Com isso, o "ter" passou a ser extremamente valorizado e desejado. Contudo, a existência humana não se realiza somente com o "ter". Some-se a isso o fato de que, diante da grande desi-gualdade social, adquirir os bens da tecnologia não é possível para maioria da população mundial.

À existência, na modernidade, agrega o "ter" como funda-mento para o sentido do "viver". Cria-se a ilusão da realização exis-tencial unida ao material, proveniente da produção técnico-cien-tífica que se aperfeiçoa a cada dia. Com esse aperfeiçoamento, o "ter" vai-se modificando, e essa falsa necessidade nunca é suprida. Estabelece-se uma crise no mundo moderno, pois a satisfação com o material não é capaz, por si, de dar sentido à vida:

A modernidade jogou o homem dentro de uma crise de sentido: o ser foi engolido pelo ter, que é superficial, pois nunca toca no cerne da existência (MARTINS, 2009, p. 15).

A modernidade construiu-se com a supervalorização da ra-zão, com a capacidade de transformar o todo em suas partes. O mesmo autor vai além, afirmando que:

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[...] a crise de sentido do ser é enorme. O ser humano na moder-nidade encontra-se em pedaços, sem saber integrar-se novamente dentro de uma unidade ontológica capaz de realizá-lo. O homem definitivamente foi fragmentado com as ciências, a partir de Des-cartes (2009, p. 17).

Descartes (1596-1650) aponta uma mudança de rumo quan-do apresenta o dualismo entre corpo e alma; dualismo que, de duas realidades distintas como se nada tivessem entre si, elimina qualquer possibilidade de uma ação mútua entre corpo e alma.

Para Descartes, o valor supremo do homem, aquilo por meio de que ele realizará da melhor maneira possível sua humanidade, é a plena disposição de um livre-arbítrio cujo bom uso consiste em privilegiar a clareza do entendimento e em tomar o partido da razão. Porque é em Descartes que o Racionalismo se estabelece. O homem é reduzido a um sujeito pensante. Em contrapartida, o Empirismo inglês impõe-se sob a impressão das ciências da natu-reza como única realidade objetiva cientificamente demonstrável, como aparece em John Lock (1632-1704), considerado pai do Em-pirismo, e David Hume (1711-1766), considerado o maior filóso-fo empirista inglês, que se apoiam exclusivamente na experiência sensível.

O Racionalismo entende o homem essencialmente como um ser racional sem levar em conta o homem total e concreto; em contrapartida, o Idealismo eleva e absorve a razão finita no acontecimento espiritual infinito com o qual não adquire seu ple-no valor à singularidade pessoal do homem na sua liberdade e res-ponsabilidade.

A Revolução Francesa, com o lema "liberdade, igualdade, fraternidade", expressa ideais que devem ser considerados pelas pessoas e pela sociedade. É um novo momento que se inicia. Uma nova concepção de pessoa, de mundo e de sociedade tem início. Contudo, a história mostra que o Materialismo científico não acre-dita, por exemplo, na liberdade. E a Biologia não acredita na igual-dade ou na fraternidade.

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Da mesma forma, a evolução das espécies funciona porque não há igualdade e porque o mais forte se impõe. É uma sociedade de competição.

Percebe-se, em contrapartida, que uma grande parte da cultura moderna já não é capaz de sustentar seus fundamentos, porque não acredita neles. Menos ainda acredita no valor ou dig-nidade da vida humana.

Materialismo e Evolucionismo

Enquanto na Idade Média o direcionamento da sociedade era teocêntrico, da modernidade em diante, o direcionamento passa a ser antropocêntrico. O homem passa a ser o centro das preocupações, até que, no século 19, essa preocupação se direcio-na para a sua autoexperiência concreta.

Historicamente, a tradição considerou o espírito no homem como aquilo que constituía propriamente sua essência e a carac-terizava acima de qualquer outra qualidade. No século 19, o Mate-rialismo opôs-se terminantemente a isso, afirmando que o homem é uma realidade material como outro ser qualquer.

Com Augusto Comte (1798-1857), essa concepção de pessoa se tornou forte. Considerado o pai do Positivismo, Comte defende que o valor está no conhecimento objetivo da realidade, tornando o homem um simples objeto do estudo científico natural empírico, psicológico, sociológico. Baraquim e Laffitte (2007, p. 69) apontam o Positivismo como o movimento que:

[...] lança as bases de uma reorganização mental geral que acabaria com as conquistas do "espírito positivo" próprio da era industrial. Esse sistema é também chamado por Comte de "filosofia positiva", que busca a certeza apenas nas aquisições das ciências e do método destas – busca de constância observáveis, de relações entre fenômenos e não de causas absolutas – e se recusa, contra o cientificismo, a separar as ciências da sua utilidade humana e da sua ancoragem na história.

O Positivismo abre as portas para o Materialismo. Enquanto, para o Positivismo, só tem valor aquilo que se pode experimentar, para o Materialismo, tudo é matéria e só existe a realidade material.

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No Evolucionismo de Darwin (1809-0882), dá-se uma nova revolução na imagem do homem. A evolução é fruto da seleção natural. Na mesma linha de pensamento, Friedrich Nietzsche (1844-1900) vê no homem um produto da evolução que o levará ao "super-homem".

Contrário a Darwin, sua afirmação segue o raciocínio de que a evolução não ocorre de forma mecânica, mas realiza-se na livre competição entre os homens na vontade de poder. O super-homem não é um produto do processo mecânico, mas da livre vontade hu-mana. No Dicionário Universitário dos Filósofos, pode-se ler que:

[...] o super-humano não deve ser compreendido no sentido de uma etapa próxima na evolução: "A questão não está em saber que espécie sucederá na história dos seres a espécie dos homens. O homem é um fim. A questão está em saber que tipo de homem devemos formar, que tipo de homem querer". Zaratustra ensina aos homens "o sentido do seu ser": criar, a partir da sua vontade de poder, um homem que, simultaneamente, supere o homem e con-sume sua verdade. O super-homem é esse homem superior, cujo querer emancipado de todo ressentimento, de toda culpa, de toda negação, assume plenamente o sentido da vida sob todas as suas formas e a justificativa inclusive no que ela tem de mais ambíguo e de mais assustador. Duro em relação aos outros e em relação a si mesmo, livre de espírito e de coração, ele enfrenta então a verdade com lucidez. Sua felicidade está em vencer a si mesmo. Somente uma cultura nobre, ligada a uma moral aristotélica, é capaz de edu-car o homem à super-humanidade e ensinar-lhe a arte de se supe-rar a si mesmo (BARAQUIM; LAFFITTE, 2007).

Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engles (1820-1895) vão para o lado do Materialismo dialético. No Materialismo dialético, não afirmam que as coisas são estáticas, mas dinâmicas; não são mecânicas, mas dialéticas. No entanto, só existe a realidade mate-rial, embora não seja matéria estática, unívoca e uniforme; contu-do, trata-se de um princípio material.

Para Marx, o homem não passa de um conjunto de relações sociais que destroem a pessoa individual e a tornam uma função dentro do progresso da sociedade. O indivíduo dilui-se no proces-so social e histórico.

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Em Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), encontramos a afirmação de que a matéria contém em germe todas as formas da evolução. Nesse processo, forma-se o campo da vida em todas as suas manifestações e o campo do pensamento e da consciência espiritual do homem.

Existencialismo e Personalismo

Blaise Pascal (1623-1662) opõe-se à estreita visão raciona-lista de Descartes. Pascal soube tomar consciência do trágico da condição humana, marcada pela finitude e pela morte, da solidão do homem num universo em que a presença de Deus está excluída pelo Racionalismo científico. Somente a fé pode salvar o homem do absurdo e do desespero (BARAQUIM; LAFFITTE, 2007).

No século 20, Sören Kierkegaard (1813-1855) vai mostrar que o que interessa é a existência, o homem individual e concreto na totalidade de sua existência pessoal, de sua singularidade e au-tonomia, de sua liberdade e responsabilidade.

Friedrich Nietzsche (1844-1900) é contrário a tudo isso. Ele exalta a vida dando a ela um valor supremo, apesar de considerar a vida humana de uma maneira naturalista, ou seja, de um modo puramente biológico natural. Para ele, a vida resume-se à vida cor-poral. Porém, o maior representante dessa corrente de pensamen-to é Henri Bérgson (1859-1941):

Numa época em que o cientificismo exercia sua tirania sobre os espíritos, Bérgson propõe restaurar a metafísica em sua vocação de alcançar o absoluto e de nos transportar por meio da intuição ao próprio cerne do real. Eclipsado pelas três correntes de pensamen-to, que são o existencialismo, o marxismo e o estruturalismo, ele suscita um novo interesse no contexto contemporâneo, que pro-cura escapar do domínio da filosofia dos conceitos (BARAQUIM e LAFFITTE, 2007, p. 44).

Na filosofia existencialista, o conceito de existência desem-penha um papel capital. Trata-se do homem; no entanto, a existên-cia não é entendida nem analisada racionalmente, mas explica-se por meio do imediatismo da experiência pessoal, a partir da com-

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preensão que o homem tem de si mesmo. Podemos perceber pro-postas abertamente negativas, como: a finitude e a contingência do homem, a angústia e a preocupação (Kierkegaard e Heidegger), o fracasso (Jaspers, 1883-1968), o ser-para-a-morte (Heidegger).

[...] o existente é mergulhado em condições exteriores (naturais, culturais, históricas) que lhe ocultam o trágico próprio do seu desti-no. Somente as "situações-limites" – o sofrimento, o erro, o fracas-so, as lutas, a morte – quebram as evidências tranquilizadoras da vida cotidiana e levam o existente a aclarar mais profundamente sua existência (BARAQUIM; LAFFITTE, 2007, p. 158).

No fundo, o que se pretende é mostrar que o homem é jo-gado contra si mesmo e que ele pode compreender sua própria existência originária e total.

Sartre (1905-1980) radicaliza o Existencialismo e conduz a existên-cia humana à plena nulidade, dando-lhe uma conotação que não con-fere sentido algum. Em Gabriel Marcel (1889-1973), o Existencialismo cristão acrescenta algum elemento positivo de esperança e confiança.

Apesar de tudo, o homem é apresentado como um puro su-jeito no sentido do Racionalismo proposto por Descartes ou do Idealismo de Kant a Hegel. Aparece aqui como homem em seu mundo. O mundo converte-se em uma categoria antropológica.

O homem, entendendo-se a si mesmo e ao mundo em que vive, percebe que ambos não se opõem, mas constituem-se numa unidade dialética. O mundo do homem é um mundo pessoal. Por um lado, como pessoa individual, o homem possui singularidade e irrepetibilidade; constitui-se a si mesmo na liberdade, na auto-decisão e na autorresponsabilidade. Por outro lado, o homem não vive sozinho; ele vive numa relação constante com o outro e com o mundo. Ele é um ser social.

7. SER HUMANO E SOCIEDADE

O homem está inserido em uma realidade concreta. Por isso, a pessoa deve ser analisada dentro da realidade em que vive. O

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contexto social influencia a maneira como se olha o ser humano. Durante muitos anos, a chamada sociedade ocidental tratou a pes-soa de uma forma que não beneficiou muito a pessoa como tal.

No decorrer da história, em cada época, com características diferentes, os grupos dominantes determinam o andamento e a situação da sociedade – seja o poder de um grupo específico, seja o poder de um grupo bem mais amplo, que nem sempre é iden-tificado, como é o caso do poder do sistema capitalista. O que se percebe é que o poder sempre trabalhou para satisfazer o desejo dos que estão no comando da sociedade. Veja a parábola das rãs:

Num lugar não muito longe daqui havia um poço fundo e escuro onde, desde tempos imemoriais, uma sociedade de rãs se esta-belecera. Tão fundo era o poço que nenhuma delas jamais havia visitado o mundo de fora. Estavam convencidas de que o Universo era do tamanho do seu buraco. Havia sobejas evidências científi-cas para corroborar esta teoria e somente um louco, privado dos sentidos e da razão, afirmaria o contrário. Aconteceu, entretanto, que um pintassilgo que voava por ali viu o poço, ficou curioso e resolveu investigar suas profundezas. Qual não foi sua surpresa ao descobrir as rãs! Mais perplexas ficaram estas, pois aquela estra-nha criatura de penas colocava em questão todas as verdades já secularmente sedimentadas e comprovadas em sua sociedade. O pintassilgo morreu de dó. Como é que as rãs podiam viver presas em tal poça, sem ao menos a esperança de poder sair? Claro que a idéia de sair era absurda para os batráquios, pois, se o seu buraco era o Universo, não poderia haver um "lá fora". E o pintassilgo se pôs a cantar furiosamente. Trinou a brisa suave, os campos verdes, as árvores copadas, os riachos cristalinos, borboletas, flores, nu-vens, estrelas... o que pôs em polvorosa a sociedade das rãs, que se dividiram. Algumas acreditaram e começaram a imaginar como seria lá fora. Ficaram mais alegres e até mesmo mais bonitas. Co-axaram canções novas. As outras fecharam a cara. Afirmações não confirmadas pela experiência não deveriam ser merecedoras de crédito, elas alegavam. O pintassilgo tinha de estar dizendo coisas sem sentido e mentiras. E se puseram a fazer a crítica filosófica, sociológica e psicológica do seu discurso. A serviço de quem esta-ria ele? Das classes dominantes? Das classes dominadas? Seu can-to seria uma espécie de narcótico? O passarinho seria um louco? Um enganador? Quem sabe ele não passaria de uma alucinação coletiva? Dúvidas não havia de que o tal canto havia criado muitos problemas. Tanto as rãs-dominantes quanto as rãs-dominadas (que secretamente preparavam uma revolução) não gostaram das idéias que o canto do pintassilgo estava colocando na cabeça do povão.

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Por ocasião de sua próxima visita o pintassilgo foi preso, acusado de enganador do povo, morto, empalhado e as demais rãs proibidas, para sempre, de coaxar as canções que ele lhes ensinara (ALVES, 1981, p. 119-120).

Apesar das mudanças que ocorreram durante cada momen-to histórico, pode-se notar que o ser humano, em geral, sempre foi deixado em um plano inferior pela sociedade.

A análise histórica vista de outro ângulo pode parecer pessi-mista, demonstrando que o ser humano sempre foi o ponto cen-tral das preocupações de pensadores, filósofos, religiosos e pesso-as sensíveis às necessidades que afligiam uma grande parcela da sociedade.

Há exemplos de muitas pessoas que atuaram corajosamente na sociedade em que viveram e que souberam analisar os fatos e tudo o que envolvia a vida humana, independentemente da raça, da cor, da religião e do lugar social em que se encontravam, e tive-ram coragem de analisar, questionar e lutar dignamente pela cons-trução de uma sociedade mais digna e humana.

A história está repleta de pessoas que se dedicaram exclu-sivamente em favor do bem da pessoa. A situação hoje não é di-ferente. Ainda há muita gente lutando e trabalhando para dar um sentido diferente para a sociedade e para a vida.

É urgente resgatar o verdadeiro sentido do ser humano. Toda pessoa que compartilha parte de sua vida com o Claretiano está convidada a perceber a importância de si mesma e do outro com quem compartilha seu saber, sua profissão e sua vida.

Para Boff (2003, p. 61), "a dignidade do homem reside em ser ele pessoa". Por meio de uma vivência enraizada em conceitos éticos, a pessoa é convidada a trabalhar em prol de uma socie-dade mais justa e igualitária, a fim de resgatar a dignidade do ser humano.

Sem esquecer que, na época atual, o Neoliberalismo colo-ca toda a sociedade envolvida em uma lógica tecnicista, excluin-

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do quem não se adapta a ela. Esse sistema reduz a pessoa a uma máquina de fazer e consumir. Por isso, exige atenção a tudo o que envolve o ser humano, a fim de perceber se a atitude está sendo tecnicista ou se há espaço para uma forma humanitária de ser e de agir.

Por isso, é importante que haja sempre uma reflexão e uma inquietação a respeito da postura assumida por quem quer que seja. Não existem respostas prontas, receitas acabadas. Cada re-alidade é diferente da outra. Contudo, ninguém nega que o ser humano precisa ser resgatado em sua dignidade e em seus direitos e precisa conhecer seus deveres para consigo mesmo, para com o outro e para com a humanidade em geral.

Independentemente de sua origem racial, de sua cor, de sua fé e de sua profissão, ele é, antes de tudo, uma pessoa que tem direitos e deveres. É preciso partilhar reflexão, discutir e descobrir caminhos, juntos.

A atual sociedade é capitalista

A sociedade capitalista, que camufla a realidade, condiciona o mercado de trabalho e cria certos tipos de necessidades e, ao exigir capacidade profissional cada vez mais seleta, deixa a grande maioria à margem do que almeja (MÜLLER, 1997). Sem uma pers-pectiva de futuro, toda uma geração pode desorientar-se.

No sistema capitalista, os atrativos para uma vida de consu-mo levam as pessoas a buscar, desenfreadamente, a satisfação ilu-sória de inúmeras necessidades; é mais fácil desencadear a pers-pectiva de uma vida sem objetivo e sem valores do que uma vida de esperança e realizações.

A descoberta das ciências modernas fez o mundo passar por profundas transformações e se redefinir. Quando as primeiras so-ciedades capitalistas começam a surgir, no final do século 18, as pessoas foram se juntando em torno das fábricas.

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Nessa época, o capital passa de comercial e mercantil para industrial. A busca cada vez maior do lucro cria a necessidade de construir máquinas cada vez mais sofisticadas. A mão de obra ten-de a se tornar mais especializada. "A modernidade jogou o homem dentro de uma crise de sentido: o ser foi engolido pelo ter, que é superficial, pois nunca toca no cerne da existência" (BOFF, 2003, p. 15).

Na sociedade pós-moderna, o Capitalismo estabelece-se como sistema econômico, influenciando o social e interferindo no político. Aos poucos, o Neoliberalismo vai-se implantando e de-monstrando regressão no campo social e político. O Individualis-mo é a tônica constante de todo o seu agir. O raciocínio neoliberal é tecnicista, pois reduz problemas sociais a questões administrati-vas e os problemas da educação em problemas de mercado e de técnicas de gerenciamento.

Siqueira afirma que, dentre os vários pontos negativos da sociedade pós-moderna, o que mais atinge os aspectos da vida é a busca por um desempenho, exigindo que as pessoas sejam ope-racionais ou poderão até desaparecer:

Aqueles que por algum motivo (idade, renda, saúde...) não estive-rem atendendo às exigências de performance impostas, são des-prezados pelo sistema, e neles nada se investe. Exemplo claro disso são os aposentados; seu desempenho já não impulsiona mais a performance do sistema, e por isso podem até ser considerados vagabundos (SIQUEIRA, 2000).

Olhando dessa forma, podemos perceber que o ser humano vale pelo que produz e pelo que consome. Enquanto produz, tem ainda alguma possibilidade de ser considerado pela sociedade; essa é a ótica tecnicista. Porém, se não produz nada, só terá lugar se tiver posses suficientes para consumir.

A ótica utilizada é a da negatividade, pois está calcada na quantidade sem levar em consideração o equilíbrio da qualidade. A performance não pode apoiar-se só na competência, mas deve considerar o desenvolvimento integral do homem, valorizando-o

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no seu todo: fazer, ser, refletir, participar e agir autonomamente (SIQUEIRA, 2010).

Depois do século 15, quando se iniciam as primeiras desco-bertas científicas, o mundo começa a sofrer uma mudança sem precedentes no relacionamento entre as pessoas. Nos séculos seguintes, o desenvolvimento industrial e tecnológico trouxe na bagagem o individualismo provocado por essa maneira de ser e de agir. As primeiras sociedades capitalistas, fruto do desenvolvi-mento econômico industrial, provocaram uma corrida intensa em busca de satisfações pessoais.

O consumo desenfreado provocado pela incessante busca das satisfações e desejos individuais deixou transparecer uma rea-lidade em que o outro é peça descartável. A busca das satisfações pessoais criou distâncias entre as pessoas.

O sistema econômico e social capitalista, com sua ideologia predominantemente consumista e que instiga a acumulação de bens e de poder nas mãos de poucos, provoca uma luta incons-ciente e sem precedentes no seio da sociedade. É urgente reverter esse processo.

Relação consigo e com o outro

O ponto fundamental a ser considerado é que o sistema prio-riza a competição. O individualismo carrega consigo todo o envol-vimento de uma sociedade competitiva em que o sucesso indivi-dual está acima de qualquer outro. O grupo perde a importância, o trabalho em equipe gera desconfiança, pois a ideia de competição não considera o outro como elemento imprescindível, mas, sim, como alguém contra quem eu devo lutar.

Essa competitividade vista na ótica capitalista é a responsá-vel pela guerra econômica travada em todos os âmbitos da socie-dade. Por essa razão, é importante analisar alguns passos para que essa corrente seja quebrada e novos paradigmas sejam inseridos nesse estilo de ser e de viver imposto pelo sistema capitalista.

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O mercado, de forma contraditória, impulsiona as pessoas para um modo competitivo e individualista de ser e viver.

O ser humano, de maneira geral, não costuma se perceber, conhecer e valorizar. Esse é um ponto que fica um pouco obscuro quando se trata de relacionamento.

Se a descoberta do outro é necessária nas relações sociais, a relação consigo mesmo é imprescindível para que haja um rela-cionamento sadio com o outro e com o mundo. É necessário que haja uma compreensão profunda nessa relação mais ampla, pois há uma interligação essencial que não pode ser esquecida.

O sistema capitalista leva em consideração aquilo que fará com que as pessoas tenham atitudes nitidamente competitivas vi-sando à competição e ao lucro. Numa visão estreita da sociedade e do ser humano, dentro dessa ótica tecnicista, o ser humano fica reduzido, e seu valor é considerado zero:

A visão mecanicista do homem e do mundo separa tudo para poder entender e, do mesmo modo, tentar resolver os problemas. O ho-mem não é um ser constituído de fragmentos simplesmente, mas uma unidade com uma estrutura ontológica. Uma unidade pensan-te, que sofre influências do meio social e da natureza; uma estrutura aberta ao transcendente, isto é, ao espiritual. A modernidade enco-bre essa busca com uma cura paliativa, cura incapaz de tocar o ser. Incapaz de mostrar o sentido da existência (BOFF, 2003, p. 22-23).

O alto índice de desemprego atinge as pessoas e proporcio-na um ambiente de incerteza quanto ao futuro, com relação à vida e com relação à realização pessoal:

Na sociedade justa, ninguém pode ser deixado à mingua ou sem teto. A primeira exigência é ampla oportunidade de emprego e de renda, e não a inatividade forçada (GALBRAITH, 1996).

E Martins (2009, p. 17) afirma que: [...] a crise de sentido do ser é enorme. O ser humano na moder-nidade encontra-se em pedaços, sem saber integrar-se novamente dentro de uma unidade ontológica capaz de realizá-lo. O homem definitivamente foi fragmentado com as ciências, a partir de Des-cartes.

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8. CAMINHOS A PERCORRER

Boff (2000) mostra uma característica que é própria do ser humano e que precisa ser utilizada quando se trata de construir o novo. Por isso afirma que:

[...] possuímos a dimensão de romper barreiras, de superar inter-ditos, de ir para além de todos os limites. É isso que chamamos de transcendência. Essa é uma estrutura de base do ser humano (BOFF, 2000, p. 28).

E mais adiante acrescenta: O que é o ser humano então? É um ser de abertura. É um ser con-creto, situado, mas aberto. É um nó de relações, voltado em todas as direções. [...] Ele é um ser em potencialidade permanente. Então o ser humano é um ser de abertura, um ser potencial, um ser utó-pico (BOFF, 2000, p. 36).

A situação em que o ser humano atual se encontra não é própria do humano. Isso faz parte de uma contingência da socie-dade atual. Por isso, ele pode buscar alternativas. O humano é ca-paz de fazer acontecer o novo.

O estudo desenvolvido pela UNESCO, apresentado por De-lors (1999), apresenta quatro pilares para a construção da socie-dade necessários para que a pessoa possa se adaptar aos novos tempos: aprender a conhecer (adquirir os instrumentos da com-preensão); aprender a fazer (para poder agir sobre o meio envol-vente); aprender a conviver com os outros (a fim de participar de todas as atividades humanas) e aprender a ser (que é o ponto de ligação com os outros três).

Sem dúvida, atentos a toda a lógica do mercado, aprender a conhecer significa estar atento a tudo o que acontece à nossa volta. Perceber os detalhes daquilo que envolve o ser humano e as circunstâncias ao seu redor dá à pessoa a capacidade de poder decidir sobre o que fazer com sua vida e, desse modo, buscar o caminho mais adequado para alcançar a realização pessoal. Max Scheler (2003) mostra como isso é possível ao afirmar que

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[...] o homem nunca se aquieta com a realidade que o cerca, sem-pre ávido de romper as barreiras de seu aqui-e-agora de tal modo, sempre aspirando a transcender a realidade efetiva que o envolve – nesta também a sua própria auto-realidade (p. 53).

Nas relações humanas, sempre há riscos. Muitas vezes, po-de-se fazer uma prévia concepção de uma visão fixa que impede que seja vista a totalidade das coisas. Essa forma de agir, tendo uma concepção prévia, sem discussão, impede a compreensão verdadeira do ser.

É preciso tomar cuidado com as concepções prévias, pois elas podem colocar em risco as relações humanas. Para superar isso, é necessária uma constante superação de si mesmo. A socie-dade e as pessoas estão em construção. Não estão acabadas e não se realizaram plenamente ainda. Desse modo, podem ser mais do que já são.

O Materialismo moderno tira das pessoas a necessidade de se sentirem responsáveis. Embora o ser humano viva uma situação ad-versa, não há como negar que há muitas possibilidades; há muitas situações que estão aí esperando uma oportunidade para acontecer.

É preciso ficar atento aos acontecimentos que envolvem a sociedade. As coisas boas e importantes que estão presentes no mundo não são muito ressaltadas. Os meios de comunicação so-cial não mostram os acontecimentos positivos que estão sendo engendrados no seio da sociedade e, por isso, é preciso que eles estejam atentos ao que acontece ao seu redor.

Adaptabilidade

O ser humano é um ser capaz de adaptar-se às situações mais diversas e adversas. A educabilidade permite a ele situar-se de tal forma que, mesmo nas situações mais difíceis, é possível encontrar uma forma, uma possibilidade, um atalho para reencon-trar o caminho ou adaptar-se em outro modo de viver ou em outro ambiente distinto.

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O importante é que a pessoa adquira os instrumentos ne-cessários para compreender essas situações complexas do mundo em que vive. Quando a pessoa começa a olhar para si mesma e a conhecer-se, ela passa a perceber que há espaço para desenvolver todo o seu potencial criativo. No entanto, duas coisas são essen-ciais:

• Conhecimento da realidade que a cerca.• Percepção das potencialidades naturais e existentes em

cada um.

Esse tesouro presente dentro de cada pessoa precisa ser descoberto e colocado para fora a serviço de seu desenvolvimen-to pessoal, das pessoas e da sociedade em geral. O exercício do pensamento ajuda a pessoa a situar-se nesta vida, neste mundo, nesta sociedade, ajuda a entender o "porquê" do estar aqui e qual o papel de cada um nesta realidade.

Ao mesmo tempo em que ocupa o pensamento e presta atenção às coisas, é necessário dirigir essa atenção às pessoas. É no grupo social que a pessoa encontra a ressonância do seu ser. É no grupo social que percebe a importância do conhecimento e o que fazer com isso (DELORS, 1999).

Não basta compreender o que está se passando ao redor. A pessoa precisa de uma preparação específica para determinada tarefa ou profissão. Mesmo sabendo que isso não garante um lu-gar no mercado de trabalho, é necessário aprender, ter habilidade e competência.

O mercado requer qualificação, conhecimento técnico apro-fundado e, em alguns casos, especializado, sendo necessária for-mação profissional comprovada. Ao mesmo tempo, há necessida-de de uma relação interpessoal mais profunda.

Essa relação interpessoal ocupa um lugar de importância nas relações de trabalho. Contudo, quando as indústrias começaram a produzir em série, o relacionamento interpessoal esfriou. Com o

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grande crescimento tecnológico, a automação e novas formas de produção, o trabalho em equipe é de fundamental importância.

Sennett (2000) chama a atenção para esse "perigo". Toda a sistemática do trabalho em equipe que envolve o sistema ca-pitalista torna as pessoas vulneráveis, ou seja, dispensáveis, pois essa forma de exercer as atividades dentro da empresa mostra que qualquer pessoa, a qualquer tempo, pode ser substituída por ou-tra sem que haja prejuízo ao funcionamento da engrenagem.

No entanto, é importante ressaltar que a relação interpes-soal traz a necessidade de uma relação que eu costumo chamar de intrapessoal, ou seja, antes mesmo de haver uma relação boa e agradável com o outro, há necessidade de haver uma relação muito íntima consigo mesmo.

Isso será parte de estudo posterior. De qualquer forma, o modo de ser e de viver o relacionamento interpessoal não nasce com a pessoa; ele é adquirido no dia a dia e é importante para o crescimento particular e comunitário, pois não é só no ambiente de trabalho que a pessoa necessita desenvolver um relacionamen-to bom com os demais.

Autoconhecimento

O primeiro passo compreende um conhecimento de si mes-mo; e quanto mais profundo esse conhecimento, melhor. Conhe-cer-se implica conhecer as potencialidades, as aptidões, as dificul-dades; enfim, a história da existência pessoal.

Esse é um elemento importante, mas não é o único. É preci-so aceitar-se e, mais que isso, é extremamente necessário gostar de si mesmo assim como se é. Isso compreende um entendimento amplo de tudo o que envolve a pessoa. Ao olhar para si mesmo de maneira positiva, a pessoa descobre o outro.

Durante a guerra fria entre Capitalismo e Comunismo, o ou-tro era apresentado como inimigo. Devido a esse medo, as rela-

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ções interpessoais ficaram comprometidas. Hoje, por causa da vio-lência generalizada, ainda há certa desconfiança quando se trata do outro, sem nos esquecermos de que há um agravante muito profundo: a sociedade competitiva. A ideia de que o outro vai tirar o meu lugar me faz estar atento aos seus gestos e me coloca numa situação de desconfiança com relação a ele.

Há uma profunda interdependência entre os seres humanos. Da mesma forma, essa interdependência se estende à natureza, à casa de todos os seres.

Essa interdependência entre os seres do mundo interior não pode ficar esquecida. Há uma necessidade cada vez maior de per-ceber que a vida das pessoas e a vida do mundo não podem acon-tecer separadamente.

Essa visão que provoca a descoberta de si mesmo e a desco-berta do outro oferece uma visão adequada do mundo ao redor do ser humano. E essa é uma tarefa educacional que não se restringe só à escola, mas também à comunidade e à família.

Um dos pontos importantes desse novo paradigma é a supe-ração do individualismo para valorização do que é comum. O que une é mais importante do que o que separa. A cooperação é mais importante do que atividades que dividem, que competem e que distanciam as pessoas.

Dessa forma, as atividades com conotações sociais, que implicam cooperação entre os membros do grupo, precisam ser implantadas nos bairros, na ajuda aos menos favorecidos, nos serviços solidários ou nas ações que olhem os outros como seme-lhantes, embora sejamos completamente diferentes.

Consciência do eu

O relatório da ONU chama a atenção para a importância de aprender a ser. Delors (1999) aponta que é necessário levar em consideração que o processo de caracterização da pessoa consiste

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na consciência que ela tem de si mesma. Isso faz que a pessoa en-tre em contato com o seu interior.

Nesse contato com o interior, cada um pode perceber mais completamente como a diferenciação é importante e necessária no processo do próprio desenvolvimento e no desenvolvimento do mundo.

Essa consciência do eu, que leva o indivíduo a perceber-se distinto dos outros seres criados e dos indivíduos da sua mesma espécie, cria nele a consciência da responsabilidade de ser mais e melhor. Mas é aí que ele encontra o caminho da autorrealização. A autoconsciência abre caminho para a autorrealização.

O conceito que cada um faz de si mesmo determina o seu comportamento. O que faz ou tenta fazer, o que realiza ou tenta realizar e o relacionamento interpessoal podem estar intimamen-te relacionados com o conceito de "eu-mesmo" e com os vários fatores que lhe são afins.

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVASSugerimos que você procure responder, discutir e comentar as questões a se-guir, que tratam da temática desenvolvida nesta unidade:

1) Quais as principais correntes de pensamento apresentadas nesta unidade?

2) Descreva as fases históricas e os principais fatos relacionados ao estudo da nossa disciplina.

3) Você compreendeu o sistema capitalista neoliberal? Aponte quais os prin-cípios que regem esse sistema e como o ser humano é tratado nesse con-texto.

4) Apresente sua crítica sobre a unidade apontando:a) Quais os pontos fundamentais apresentados?b) Que pontos podem ser melhorados?c) Ela corresponde aos objetivos propostos?d) É importante para sua formação profissional?e) É importante para sua formação pessoal?

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10. CONSIDERAÇÕES

O objetivo desta unidade não foi aprofundar historicamente as questões abordadas. Contudo, foi possível mostrar a realidade e as situações que envolveram a sociedade e o ser humano nos diferentes períodos da história.

Foi possível perceber, ainda, toda a realidade envolvendo a sociedade atual, a sociedade em que vivemos, a realidade que en-volve todo o contexto social, a pessoa inserida nesse contexto e algumas coisas referentes ao ser humano.

Na próxima unidade, será estudada uma proposta ligada à maneira como o Centro Universitário Claretiano compreende a si-tuação que envolve o ser humano. É uma proposta humanista.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, R. O que é Religião? São Paulo: Brasiliense, 1981.BARAQUIM, N.; LAFFITTE, J. Dicionário universitário dos filósofos. São Paulo: Martins Fontes, 2007.BOFF, L. Tempo de transcendência - o ser humano como um projeto infinito. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.______. O destino do homem e do mundo. Vozes, 2003.CORETH, E. ¿Que és el hombre? – esquema de uma antropologia filosófica. Barcelona: Herder, 1985.DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 1999.HEIDEGGER, M. Ser e tempo. São Paulo: Vozes, 1989GALBRAITH, J. K. A sociedade justa – uma perspectiva humana. Rio de Janeiro: Campus, 1996.MARTINS, A. A. É importante a espiritualidade no mundo da saúde? São Paulo: Paulus, 2009.MÜLLER, M. Orientar para un mundo en transformación: jóvenes entre la educación y el trabajo. Buenos Aires: Bonum, 1997.SCHELER, M. A posição do homem no cosmos. Rio de Janeiro: Florense Universitária, 2003.SENNETT, R. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo Capitalismo. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.

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12. E-REFERÊNCIA

Site pesquisadoSIQUEIRA, H. S. G. Performance sob uma lógica tecnicista. Disponível em: <www.angelfire.com/sk/holgonsi/performance.html>. Acesso em 25 set. 2010.

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