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Universidade de Aveiro 2007 Departamento de Biologia Anabela de Oliveira Pereira Cardosina A como modelo para o estudo da estabilidade conformacional de proteinases aspárticas

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Page 1: Anabela de Oliveira Cardosina A como modelo para o estudo ... · À Professora Doutora Maria de Lourdes Pereira gostaria de agradecer a sua disponibilidade e apoio como co-orientadora

Universidade de Aveiro 2007

Departamento de Biologia

Anabela de Oliveira Pereira

Cardosina A como modelo para o estudo da estabilidade conformacional de proteinases aspárticas

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Universidade de Aveiro

2007 Departamento de Biologia

Anabela de Oliveira Pereira

Cardosina A como modelo para o estudo da estabilidade conformacional de proteinases aspárticas

tese apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Biologia, realizada sob a orientação científica da Professora Doutora Marlene Maria Tourais de Barros, Professora Associada com Agregação do Centro Regional das Beiras, Universidade Católica Portuguesa e da Professora Doutora Maria de Lourdes Gomes Pereira, Professora Associada com Agregação do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro.

Apoio financeiro do POCTI no âmbito do III Quadro Comunitário de Apoio através do projecto POCTI/QUI/60791/2004

Apoio financeiro da Universidade de Aveiro através de bolsa de Doutoramento

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o júri

presidente Professor Doutor Armando da Costa Duarte Professor Catedrático do Departamento de Química da Universidade de Aveiro

Professora Doutora Maria Ana Dias Monteiro Santos Professora Catedrática do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro

Professor Doutor Euclides Manuel Vieira Pires Professor Associado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra

Professor Doutor Eduardo José Xavier Rodrigues de Pinho e Melo Professor Associado com Agregação da Faculdade de Engenharia de Recursos Naturais da Universidade de Algarve

Professor António Carlos Matias Correia Professor Associado com Agregação do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro

Professora Doutora Marlene Maria Tourais de Barros Professora Associada com Agregação do Centro Regional das Beiras da Universidade Católica Portuguesa

Professora Doutora Maria de Lourdes Gomes Pereira Professora Associada com Agregação do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro

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agradecimentos

Agradeço à Universidade de Aveiro a bolsa de estudos concedida. Agradeço ao Departamento de Biologia e ao Centro de Biologia Celular da Universidade de Aveiro a possibilidade de realização do trabalho conducente à execução desta dissertação. Desejo manifestar os meus agradecimentos à Professora Doutora Marlene Barros pela sua orientação, dedicação e apoio no decurso deste trabalho. Não posso deixar ainda, de agradecer a sua persistência, o incentivo e a forma positiva como encara os momentos mais difíceis. À Professora Doutora Maria de Lourdes Pereira gostaria de agradecer a sua disponibilidade e apoio como co-orientadora deste projecto. À “sub-chefe” devo agradecer, em particular, os seus valiosos esclarecimentos, sempre prestados de boa vontade e a paciência com que sempre ouviu as minhas dúvidas. Cristina, Cláudia, Sofia, Isabel, Joca e Marta, muito obrigada pelo vosso companheirismo e amizade. Às “miúdas”, que foram chegando e entrando nas nossas vidas, obrigada. Ao Professor Doutor António Correia quero agradecer o acolhimento e a possibilidade de realizar os trabalhos conducentes à execução do trabalho aqui apresentado. Ao Professor Doutor João Costa Pessoa agradeço por me ter recebido no seu laboratório, no Departamento de Engenharia Química e Biológica do Instituto Superior Técnico de Lisboa, para realizar os estudos de dicroísmo circular apresentados neste trabalho. Agradeço também às suas colaboradoras, Ana Isabel Tomaz e Ana Isabel Correia, a disponibilidade com que sempre responderam às minhas solicitações. Ao Professor Doutor Armando Duarte agradeço a possibilidade de utilizar o equipamento necessário à realização dos estudos de fluorescência, no seu laboratório, no Departamento de Química desta universidade. Agradeço também ao Professor Doutor Valdemar Esteves pelo interesse, acompanhamento e ajuda disponibilizada. À minha família agradeço por tudo. Aos meus pais em especial agradeço por me terem tornado possível o meu percurso. Ao meu marido, Nelson, agradeço o incentivo, a confiança e o apoio incondicional em todos os momentos. À minha filha agradeço todas as alegrias que me proporcionou nos últimos cinco anos e peço desculpa por todos aqueles “Agora não, Maria!…”. Este trabalho foi financiado pela Universidade de Aveiro, através de uma bolsa de Doutoramento e pela FCT, através do projecto POCTI/QUI/60791/2004.

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palavras-chave

Cardosina A, Proteases Aspárticas, Estados Conformacionais, Desnaturantes, Hidrocloreto de Guanidina, Ureia.

resumo

As proteinases aspáticas (PA) constituem uma família das enzimas proteolíticas envolvidas em importantes processos biológicos. Nos últimos anos o conhecimento acerca das proteinases aspárticas tem aumentado devido ao interesse científico motivado pela descoberta do envolvimento destas enzimas em patologias humanas, como a SIDA, o cancro e a doença de Alzheimer. É conhecido que algumas destas doenças estão relacionadas com o folding incorrecto de proteínas. No entanto, são muito poucos os estudos realizados acerca do problema do folding de proteínas em proteinases aspárticas. A cardosina A é uma proteinase aspártica modelo, extraída a partir de C. cardunculus, é uma enzima heterodimérica que tem vindo a ser isolada, purificada e caracterizada. Neste trabalho foi estudado o equilíbrio de unfoldingda cardosina A na presença de desnaturantes clássicos, como a ureia e o hidrocloreto de guanidina (GndHCl), conhecidos por promover o desenrolamento das proteínas estabilizando o estado desenrolado relativamente ao estado nativo. Os desnaturantes químicos são frequentemente utilizados para desnaturar proteínas e caracterizar mecanismos e estados de transição do enrolamento. A estabilidade conformacional da cardosina A na presença de ureia e GndHCl foi avaliada, utilizando ensaios de actividade, cromatografia de exclusão molecular (SEC), proteólise reduzida e métodos espectroscópicas como dicroísmo circular (CD) e fluorescência. Verificou-se que concentrações crescentes de desnaturante induzem a completa inactivação da cardosina A e a perda de estrutura secundária e terciária. No entanto, a desnaturação da cardosina A na presença destes desnaturantes mostrou ser um processo reversível. A não coincidência das curvas de desnaturação obtidas por fluorescência e por CD na região do UV-afastado, para ambos os desnaturantes, revelou que a cardosina A segue um mecanismo não cooperativo com formação de intermediários estáveis em equilíbrio. Ambos os desnaturantes induzem um desenrolamento independente das sub-unidades da cardosina A, sendo a sub-unidade menor a que apresenta uma menor estabilidade. A comparação dos mecanismos de desnaturação conduzidos na presença da ureia e do GndHCl mostra algumas diferenças, nomeadamente a dissociação das sub-unidades da cardosina A que ocorre apenas na presença do caotrópico com carácter iónico. A análise estrutural das moléculas de cardosina A e de pepsina A permitiu concluir que o seu estado oligomérico assim como as ligações dissulfito desempenham um papel importante na estabilidade conformacional das PAs.

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keywords

Cardosin A, Aspartic Proteinases, Conformational States, Denaturants, Guanidine Hydrochloride, Urea.

abstract

Aspartic proteinases (AP) are a family of proteolytic enzymes involved in a number of important biological processes. In the last years, the knowledge on aspartic proteinases has improved by the research interest caused by the discovery that these enzymes are involved in human diseases, like AIDS, cancer and Alzheimer´s disease. It is known that several of these diseases are related to the abnormal folding of proteins. However, only a small number of studies about the problem of the protein folding of aspartic proteinases are available. Cardosin A is a model aspartic protease, from C. cardunculus, a heterodimeric enzyme that has been already isolated, purified and characterised. In this work, the unfolding equilibrium of cardosin A in the presence of chemical denaturants, such as urea and guanidine hydrochloride (GndHCl), was studied. These denaturants have long been known to unfold proteins by stabilizing the unfolded state compared to the native state. Chemical denaturants are frequently used to unfold proteins and characterise mechanisms and transition states of protein folding reactions. The conformational stability of cardosin A against the denaturation action of urea and GndHCl was investigated using proteolytic activity assays, exclusion size chromatography (SEC), limited proteolysis and spectroscopic methods as circular dichroism (CD) and fluorescence. Increasing denaturants concentrations lead to a complete inactivation of cardosin A and loss of secondary and tertiary structures. Nevertheless, the unfolding of cardosin A in the presence of these denaturants is a reversible process. No coincidence of transitions, when detected by different probes as fluorescence and Far-UV CD, for both urea and GndHCl, showed that a non-cooperative mechanism with stabilization of partially folded intermediaries is involved. Both denaturants lead to an independent unfolding of cardosin A subunits, where the light chain is less stable than the heavy chain. Nevertheless, Comparison of the denaturation mechanisms induced by the urea and GndHCl showed some differences: namely the heterodimer dissociation that occurs only in the presence of the chaotrope with ionic character. Structural analysis of cardosin A and pepsin A molecules demonstrated that the oligomeric state, as well as the disulfide bonds, have an important role on the conformational stability of APs.

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“Se não houver frutos, valeu a beleza das flores.

Se não houver flores, valeu a sombra das folhas.

Se não houver folhas, valeu a intenção da semente.”

Henfil, 1984

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Índice

Abreviaturas ....................................................................................................... i

Lista de figuras ................................................................................................. iii

Lista de tabelas................................................................................................ vii

1 Introdução................................................................................................1

1.1 Da estrutura à função..............................................................................2

1.2. Estabilidade de proteínas.........................................................................3

1.2.1. Estabilidade conformacional de proteínas ...........................................6

1.2.2. Desnaturação reversível e irreversível .................................................9

1.2.3. Natureza do processo de desnaturação ...............................................9

1.2.4. Indução da desnaturação .................................................................12

1.2.5. Desnaturação química......................................................................13

1.3. Proteinases aspárticas ...........................................................................16

1.3.1. Características gerais .......................................................................17

1.3.2. Estrutura primária ...........................................................................19

1.3.3. Estrutura tridimensional ..................................................................20

1.3.4. Local activo e mecanismo catalítico...................................................22

1.3.5. Proteinases aspárticas de Cynara cardunculus L. ..............................24

1.3.5.1. Cardosina A...............................................................................25

a) características gerais........................................................................25

b) estrutura .........................................................................................27

c) interesse biotecnológico ....................................................................28

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2. Objectivos ..............................................................................................31

3. Material e métodos.................................................................................33

3.1. Purificação da cardosina A.....................................................................33

3.1.1. Remoção de sal das amostras ...........................................................34

3.1.2. Concentração das amostras..............................................................35

3.1.3. Avaliação da pureza das amostras ....................................................36

3.2. Quantificação de proteína ......................................................................36

3.3. SDS-PAGE.............................................................................................37

3.4. Ensaio de actividade ..............................................................................38

3.4.1. Efeito da presença de concentrações crescentes de desnaturante na

actividade catalítica da cardosina A ............................................................38

3.4.2. Efeito da concentração de desnaturante na actividade catalítica da

cardosina A ao longo do tempo ...................................................................38

3.4.3. Efeito da concentração de enzima na actuação do desnaturante sobre a

actividade catalítica da cardosina A ............................................................38

3.4.4. Ensaios de reactivação .....................................................................39

3.5. Métodos espectroscópicos ......................................................................40

3.5.1. Fluorescência ...................................................................................40

3.5.2. Dicroísmo circular ............................................................................41

3.6. Estudos de hidrodinâmica .....................................................................43

3.6.1.Padrão de pesos moleculares para SEC..............................................43

3.7. Proteólise reduzida................................................................................46

4. Resultados e discussão ..........................................................................47

4.1. Caracterização estrutural/conformacional.............................................47

4.1.1. Estudos espectroscópicos .................................................................47

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4.1.1.1. Fluorescência .............................................................................47

a) ureia ................................................................................................49

b) GndHCl............................................................................................51

c) análise dos resultados ......................................................................53

4.1.1.2. Dicroísmo circular ......................................................................55

4.1.1.2.1. UV-afastado .........................................................................56

a) ureia.............................................................................................56

b) GndHCl ........................................................................................58

c) análise dos resultados...................................................................60

4.1.1.2.2. UV-próximo..........................................................................61

a) ureia.............................................................................................61

b) GndHCl ........................................................................................63

4.1.1.3. Discussão...................................................................................65

4.1.2. Estudos de hidrodinâmica ................................................................70

a) ureia ...................................................................................................70

b) GndHCl ...............................................................................................73

4.1.2.1. Discussão ...............................................................................75

4.2. Caracterização funcional .......................................................................76

4.2.1. Efeito da presença de concentrações crescentes de desnaturante na

actividade catalítica da cardosina A ............................................................76

a) ureia ...................................................................................................77

b) GndHCl ...............................................................................................78

4.2.2. Efeito da concentração de desnaturante na actividade catalítica da

cardosina A ao longo do tempo ...................................................................79

a) ureia ...................................................................................................79

b) GndHCl ...............................................................................................81

4.2.3. Efeito da concentração de enzima na actuação do desnaturante sobre a

actividade catalítica da cardosina A ............................................................82

a) ureia ...................................................................................................82

b) GndHCl ...............................................................................................83

4.2.4. Discussão .........................................................................................84

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4.3. Discussão geral.....................................................................................87

4.3.1. Acção desnaturante dos caotrópicos ureia e GndHCl.........................87

4.3.2. Estados desnaturados da cardosina A...............................................91

4.3.3. Resistência à desnaturação ..............................................................96

5. Conclusões ..........................................................................................103

6. Bibliografia ..........................................................................................105

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i

Abreviaturas

ACN Acetonitrilo

ATEE N-acetil-L-triptofano etil ester

BCA Ácido bicinconínico

CD Dicroísmo circular

D Desnaturado

[D]1/2 Concentração de desnaturante à qual corresponde 50% da

desnaturação da proteína

DAN Éster metílico de diazoacetil-DL-norleucina

DMSO Dimetilsulfóxido

EDTA Ácido etilenodiamino tetra-acético

FPLC Cromatografia líquida de média pressão

GndHCl Hidrocloreto de guanidina

HIV Vírus da imunodeficiência humana

HPLC Cromatografia líquida de alta pressão

HSA Albumina do soro humano

I Intermediário

N Nativo

PAGE Electroforese em gel de poliacrilamida

PAs Proteinases aspárticas

PSI Inserto específico de plantas

RP Fase reversa

SASA Área de superfície acessível ao solvente

SEC Cromatografia de exclusão molecular

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ii

SDS Lauril sulfato de sódio

TEMED N´,N´,N´,N´-tetrametil etilenodiamina

TFA Ácido trifluoroacético

TFE Ácido trifluoroetanol

Tris 2-amino 2-hidroximetil-1,3 propanodiol

UV Ultra violeta

λmáx Comprimento de onda máximo

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iii

Lista de figuras

Introdução

Figura 1.1: Modelo do mecanismo da síntese uma cadeia polipeptídica a partir do

ribossoma e do seu folding para adquirir o estado nativo ....................................5

Figura 1.2: Ilustração de uma proteína na conformação nativa e desnaturada ....6

Figura 1.3: Representação esquemática da camada de hidratação formada por

moléculas de água em redor de uma proteína no estado nativo e no estado

desnaturado ......................................................................................................7

Figura 1.4: Representação esquemática do processo de desnaturação de

proteínas na presença de ureia ........................................................................14

Figura 1.5: Sobreposição dos resíduos do local catalítico de 18 famílias diferentes

de proteinases aspárticas.................................................................................18

Figura 1.6: Estrutura tridimensional da pepsina humana (identificação PDB:

1PSN) .............................................................................................................21

Figura 1.7: Representação do mecanismo catalítico das proteinases aspárticas.23

Figura 1.8: Representação da estrutura tridimensional da cardosina A

(identificação PDB: 1B5F).................................................................................27

Material e métodos

Figura 3.1: Perfil cromatográfico de exclusão molecular....................................33

Figura 3.2: Perfil cromatográfico de troca aniónica ........................................ ...34

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iv

Figura 3.3: Perfil cromatográfico de exclusão molecular (HiPrep 26/10

Desalting).........................................................................................................35

Figura 3.4: Perfil electroforético das fracções obtidas durante o processo de

purificação da cardosina A ...............................................................................36

Figura 3.5: Perfil de eluição obtido por cromatografia de exclusão molecular.....44

Figura 3.6: Curva de calibração de pesos moleculares ......................................45

Resultados e discussão

Figura 4.1: Representação da estrutura tridimensional da cardosina A.............48

Figura 4.2: Efeito da ureia na cardosina A monitorizado por fluorescência........50

Figura 4.3: Efeito do GndHCl na cardosina A monitorizado por fluorescência....52

Figura 4.4: Diferença entre o comprimento de onda de emissão máxima

determinado para o ATEE e para a cardosina A ................................................54

Figura 4.5: Efeito da ureia na cardosina A monitorizado por CD no UV-

afastado............................................................................................................57

Figura 4.6: Efeito do GndHCl na cardosina A monitorizado por CD no UV-

afastado...........................................................................................................59

Figura 4.7: Variação da elipticidade da cardosina A em função das diferentes

concentrações de GndHCl e de ureia ................................................................60

Figura 4.8: Efeito de GndHCl na cardosina A monitorizada por CD na região do

UV-próximo .....................................................................................................62

Figura 4.9: Efeito de GndHCl na cardosina A monitorizado por CD na região UV-

próximo ...........................................................................................................64

Figura 4.10: Perfis de hidrólise da cardosina obtidos por proteólise reduzida ....66

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v

Figura 4.11: Curvas de desnaturação da cardosina A obtidas por CD na região do

UV-afastado e por fluorescência, na presença de ureia e na presença de

GndHCl............................................................................................................69

Figura 4.12: Efeito da ureia no volume hidrodinâmico da cardosina A ..............71

Figura 4.13: Perfis de eluição da cardosina A na presença de 8M de ureia ........72

Figura 4.14: Efeito da GndHCl no volume hidrodinâmico da cardosina A ..........74

Figura 4.15: Perfil de inactivação da cardosina A, na presença de concentrações

crescentes de ureia e de reactivação após remoção do desnaturante por

diluição... ........................................................................................................77

Figura 4.16: Perfil de inactivação da cardosina A, na presença de concentrações

crescentes de GndHCl e de reactivação após remoção do desnaturante por

diluição ...........................................................................................................79

Figura 4.17: Perfis de inactivação da cardosina A na presença de 0,5M, 3,5M e

7M de ureia .....................................................................................................80

Figura 4.18: Perfis de inactivação da cardosina A na presença de 0,5M e 2,5M de

GndHCl ...........................................................................................................81

Figura 4.19: Perfis de inactivação da cardosina A na presença de concentrações

crescentes de ureia e duas concentrações de enzima ........................................83

Figura 4.20: Perfis de inactivação da cardosina A na presença de concentrações

crescentes de GndHCl e duas concentrações de enzima....................................84

Figura 4.21: Perfis de hidrólise da cardosina A obtidos por proteólise reduzida..86

Figura 4.22: Perfis de hidrólise da cardosina A, obtidos por proteólise reduzida,

na presença de 1M e 7M de ureia .....................................................................94

Figura 4.23: Esquema proposto para a desnaturação da cardosina A ...............96

Figura 4.24: Estruturas tridimensionais da cardosina A e da pepsina...............97

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vi

Figura 4.25: Distribuição das ligações dissulfito nas estruturas tridimensionais

da cardosina A e da pepsina humana...............................................................99

Figura 4.26: Distribuição das ligações dissulfito e dos resíduos de triptofano nas

estruturas tridimensionais da cardosina A e da pepsina humana ...................101

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vii

Lista de tabelas

Resultados e discussão

Tabela 4.1: Valores de [D]1/2 para ambos os agentes desnaturante, determinados a partir dos resultados de fluorescência e CD na região do UV-afastado.........................................67

Tabela 4.2: Valores de λmáx e de elipticidade obtidos para o estado conformacional da cardosina A que corresponde à alteração máxima induzida pelos caotrópicos ureia e GndHCl................................................................................................................................68

Tabela 4.3: Valores relativos da área de superfície acessível ao solvente, obtidos para os resíduos de triptofano na estrutura nativa, utilizando o programa GETAREA 1.1............100

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viii

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1. Introdução

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Introdução

1

Nos últimos anos, o conhecimento sobre as proteinases aspárticas tem sido

muito incrementado pela descoberta do seu envolvimento em doenças humanas,

como a hipertensão, a SIDA, doença de Alzheimer, doenças gástricas, infecções

parasíticas e cancro. A base molecular de algumas destas doenças está associada

a erros no correcto enrolamento das proteínas envolvidas, que deixam de

desempenhar a função para a qual foram sintetizadas. Estudos de estabilidade

destas proteínas poderão ser de extrema importância para a caracterização dos

mecanismos envolvidos nas patologias a que estão associadas, assim como, para

a descoberta de soluções terapêuticas. A procura intensa de inibidores que

permitam conhecer e controlar as funções fisiológicas e/ou patológicas destas

enzimas tem estimulado a investigação no sentido de resolver a relação

estrutura/função (Hong & Tang, 2004).

A cardosina A é uma proteinase aspártica heterodimérica, de origem vegetal, cujo

procedimento de purificação permite obter um elevado rendimento de enzima

pura, motivando a intensa caracterização que tem vindo a ser alvo. Desde há

vários séculos a cardosina A é utilizada para o fabrico artesanal de queijos, no

entanto, possui características que potenciam diversas aplicações

biotecnológicas. Esta enzima tem vindo a ser considerada um bom modelo para

estudos de estrutura/função das proteinases aspárticas. A caracterização

estrutural destas proteínas poderá esclarecer a base da sua função assim como a

estrutura e a actividade das proteínas em geral.

O mecanismo de desnaturação das proteinases aspárticas geralmente envolve a

estabilização de estados não nativos ou parcialmente desnaturados, dos quais

muito pouco se sabe. Conhecer as características estruturais destes estados

conformacionais não nativos e quais as funções fisiológicas que desempenham

nas células tem sido o grande objectivo dos estudos de estrutura de proteínas.

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Introdução

2

1.1. Da estrutura à função

Uma vez determinada a estrutura de uma proteína é possível retirar informação

relevante acerca do papel bioquímico e biológico que essa proteína desempenha

no organismo. A estrutura mostra a organização geral da(s) cadeia(s)

polipeptídica(s) em três dimensões, a partir da qual podem ser identificados os

resíduos que se encontram no interior da molécula e os que se encontram à

superfície, expostos ao solvente; a forma e a composição da superfície da

molécula; a estrutura quaternária; fazer a sobreposição com diferentes grupos;

identificar complexos proteína-ligando, etc. Relativamente à função, os

complexos proteína-ligando constituem uma das informações mais importantes,

a natureza do ligando e o local de ligação à proteína e mais especificamente no

caso das enzimas a sequência de resíduos no local activo, a partir da qual pode

ser inferido o mecanismo catalítico (Thornton et al., 2000). Por outro lado

comparar o enrolamento (fold) ou motivos da estrutura de uma proteína com

estruturas disponíveis nas bases de dados, poderá revelar semelhanças a partir

das quais é possível deduzir informações acerca da função biológica e bioquímica

dessa proteína (Orengo, 1994; Orengo et al., 1999).

Compreender e caracterizar o modo como as proteínas realizam todas as funções

biológicas necessárias à vida, constitui um grande desafio. Compreender estes

processos a nível molecular requer o conhecimento das estruturas

tridimensionais que revelam detalhes ao nível das ligações, da catálise e da

sinalização. Individualmente, estas estruturas revelam muito acerca de

mecanismos moleculares específicos que ajudam a elucidar a função biológica

em particular. Todas as estruturas já determinadas, formam um conjunto de

dados que permite aos biólogos inferir acerca da evolução estrutural e funcional

destas moléculas (Thornton et al., 1999).

No entanto, o papel biológico de uma proteína numa célula ou num organismo é

muito mais complexo e resolver a estrutura tridimensional não é suficiente para

conhecermos tudo acerca da estrutura da molécula no sentido de compreender

as suas propriedades. Para além do problema da estrutura é necessário conhecer

a conformação da molécula, ou seja, o arranjo espacial dos átomos que compõem

a molécula (Kauzman, 1964). A maioria das actividades dos organismos vivos é

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Introdução

3

regulada por proteínas, na sua conformação nativa, i.e., com uma estrutura

tridimensional estável, determinante no desempenho da função biológica para a

qual a proteína foi sintetizada. A conformação nativa de uma proteína é apenas

relativamente estável, uma vez que depende do ambiente em que se encontra. A

alteração das condições do meio pode causar alterações na estrutura da proteína

afectando a sua actividade. A perda de actividade, como resultado de alterações

de estrutura denuncia um estado desnaturado da proteína. A desnaturação

ocorre na presença de condições adversas que destroem as ligações de hidrogénio

e interacções fracas, responsáveis por manter a estrutura tridimensional das

proteínas. Actualmente, são conhecidos estados desnaturados ou parcialmente

desnaturados de muitas proteínas, embora a sua caracterização seja ainda muito

pobre (Chen et al., 2007). A cristalografia de raio-X faz uma aproximação do

problema, limitada ao estudo de uma molécula no estado cristalino. Os

processos químicos em organismos vivos ocorrem em solução tornando-se

necessária a realização de estudos de estrutura e de estabilidade em solução.

Deste modo, analisar o papel das diversas variáveis na formação da estrutura da

proteína constitui um pré requisito para compreender quais as forças

responsáveis pela estabilidade conformacional.

1.2. Estabilidade de proteínas

A estabilidade de proteínas define-se como um balanço de forças que determina a

sua conformação nativa (enrolada) ou desnaturada (desenrolada) quando

submetida a determinadas condições. Nesta perspectiva, a estabilidade de

proteínas envolve duas vertentes, a estabilidade química e a estabilidade

conformacional. No primeiro caso, a perda de estrutura deve-se a quebra de

ligações de natureza covalente, normalmente irreversíveis. A estabilidade

conformacional do estado nativo diz respeito a alterações de natureza não

covalente0 e reversíveis, permitindo recuperar a conformação nativa na presença

de condições favoráveis. A estabilização e a desnaturação de proteínas são temas

de grande interesse fisiológico, terapêutico e biotecnológico, onde o controlo da

estabilidade de uma proteína representa uma importante estratégia para a

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Introdução

4

manutenção da actividade biológica (Fonseca et al., 2006). A análise da

estabilidade de proteínas constitui actualmente um instrumento para o

conhecimento da termodinâmica do processo de enrolamento (folding). A

problemática do enrolamento das proteínas, “the protein folding problem”

constitui um paradigma da biologia molecular. Para que uma proteína

desempenhe a função específica para a qual foi produzida é necessário que

adquira uma estrutura tridimensional correcta (figura 1.1), utilizando para isso

informação que está codificada na sua estrutura primária (Anfinsen, 1973; Chen

et al., 2007). Durante muitos anos pensou-se ser uma reacção espontânea, no

entanto e apesar do conhecimento adquirido nesta área continuam por esclarecer

algumas questões: qual o processo utilizado pela proteína para adquirir a

conformação nativa e biologicamente activa, quais as bases físicas da

estabilidade conformacional e de que modo a sequência de aminoácidos

determina o processo de enrolamento e a estrutura tridimensional resultante

(Creighton, 1990; Dill et al., 2007).

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Introdução

5

Figura 1.1: Modelo do mecanismo da síntese uma cadeia polipeptídica a partir do ribossoma e do seu folding para adquirir o estado nativo. Em condições desfavoráveis a proteína não adquire o seu estado nativo e funcional. In:http://web.mit.edu/king-lab/www/.

Nos últimos anos foram identificadas várias patologias humanas e animais que

resultam do enrolamento incorrecto ou da baixa estabilidade de algumas

proteínas. Entre as doenças mais conhecidas, causadas por folding incorrecto ou

agregação de proteínas, encontram-se as encefalopatias espongiformes

adquiridas (tal como a BSE), a doença de Alzheimer, a doença de Parkinson e as

polineuropatias amilóides familiares (PAF), entre as quais a PAF portuguesa,

vulgarmente conhecida como "doença dos pezinhos" (Thomas, 1995; Brito et al.,

2003). Deste modo, o problema do folding e a estabilidade de proteínas deixou de

ter um interesse restrito para se tornar um assunto essencial na compreensão

dos mecanismos moleculares de diversas patologias. Entender o processo de

enrolamento destas proteínas permite à indústria farmacêutica desenvolver

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Introdução

6

novas terapêuticas, nomeadamente inibidores. No caso da SIDA, por exemplo, os

inibidores mostraram ser o melhor tratamento uma vez que a PA retroviral do

HIV é essencial para a maturação das partículas virais (Cooper, 2002).

1.2.1. Estabilidade conformacional de proteínas

A estabilidade conformacional de uma proteína é definida pela diferença de

energia livre (∆G) entre o estado nativo (N) e o estado desnaturado (D), em

condições fisiológicas (Pace, 1990).

Figura 1.2: Ilustração de uma proteína na conformação nativa e desnaturada.

A estabilização do estado nativo, que corresponde geralmente à conformação

termodinamicamente mais estável, é gerida sobretudo por ligações de hidrogénio

e interacções hidrofóbicas (Pace, 1996). Uma vez sujeita à presença de agentes

desnaturantes, alterações de pH ou de temperatura, este equilíbrio de forças

altera-se e as proteínas podem perder a conformação nativa, assumindo um

estado desnaturado. Este processo pode ocorrer em duas fases, a primeira, que

envolve alterações reversíveis e uma segunda fase, se as condições desfavoráveis

persistirem, em que ocorre uma desnaturação irreversível.

Estado nativo Estado desnaturadoEstado nativo Estado desnaturado

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Introdução

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O facto de normalmente o estado nativo ser apenas ligeiramente mais estável (-5

a -10kcal/mol) do que o estado desnaturado (Pace, 1990), constitui o problema

da estabilidade das proteínas. Esta diferença energética entre os dois estados

resulta essencialmente da contribuição do efeito hidrofóbico e das ligações de

hidrogénio, favorecendo a conformação nativa, e da entropia conformacional que

promove a conformação desnaturada, uma vez que as possibilidades

conformacionais neste caso são inúmeras. Há um factor muito importante neste

balanço energético que parece ser fundamental no favorecimento da conformação

nativa, que é o aumento da entropia das moléculas de água que deixam de

solvatar o grupo hidrófobo quando se dá o enrolamento da proteína (figura 1.3).

Figura 1.3: Representação esquemática da camada de hidratação formada por moléculas de água (círculos) em redor de uma proteína (rectângulos) no estado nativo (N) e no estado desnaturado (D). In: Fonseca et al., 2006.

Por este motivo, o equilíbrio em soluções aquosas está deslocado para o estado N,

apesar do estado D apresentar uma entropia conformacional mais elevada

também requer uma energia livre de hidratação muito superior relativamente ao

estado nativo. Por outro lado, a baixa entropia conformacional do estado N é

compensada pela baixa energia livre de hidratação obtida pela força hidrofóbica

que obriga os grupos apolares da proteína a manterem-se no interior anidro da

molécula (Fonseca et al., 2006).

N DN D

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Introdução

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O método de extrapolação linear (LEM de Linear Extrapolation Method) tem sido

muito utilizado para medir a estabilidade conformacional de proteínas. Este

método foi utilizado pela primeira vez por Greene & Pace em 1974 para analisar

curvas de desnaturação promovidas pela presença de ureia e guanidina. A

estabilidade do estado nativo relativamente ao estado desnaturado está

intimamente associada à constante de equilíbrio (KND) entre os dois estados,

definida pela equação:

KND= [D]/[N] (equação 1)

A variação da energia livre de desnaturação (∆GND) está directamente relacionada

com a variação de energia livre padrão da desnaturação (∆GºND) e com a

constante de equilíbrio (KND), como mostra a equação:

∆GND = ∆GºND + RT ln KND, (equação 2)

onde R corresponde à constante universal dos gases (8,314 JK-1mol-1) e T à

temperatura, em Kelvin.

Em condições de equilíbrio KND é zero, reduzindo a equação 2 à seguinte forma:

∆GºND = -RT ln KND, (equação 3)

Em soluções aquosas, com N e D em equilíbrio, o significado físico de ∆GºND deve

ser interpretado tendo em conta o equilíbrio de quebra e formação de ligações

(hidrofóbicas, iónicas e de hidrogénio) no interior da molécula, o equilíbrio de

interacção de grupos da proteína com o solvente e o equilíbrio da organização

estrutural do solvente. Embora a água favoreça o estado nativo de uma proteína,

todos estes processos de equilíbrio são comprometidos por diversos factores

como a composição do solvente, a temperatura e o pH (Fonseca et al., 2006).

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Introdução

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1.2.2. Desnaturação reversível e irreversível

A estabilização/desnaturação de proteínas tem vindo a ser periodicamente

revista em trabalhos que mostram a grande complexidade destes processos

(Tanford, 1968; Dill & Shortle, 1991, Timashiff, 1998 & Schellman, 2002).

Estudar o equilíbrio de desnaturação das proteínas consiste em alterar as

propriedades físico-químicas do solvente, de modo a deslocar o equilíbrio no

sentido do estado nativo ou do estado desnaturado. Uma vez atingido o novo

equilíbrio é possível quantificar as moléculas no estado nativo e no estado

desnaturado e calcular a constante de equilíbrio. Esta análise só é possível

assumindo que o processo de desnaturação é reversível. No caso da

desnaturação ser irreversível, tratando-se de uma enzima, a quantificação faz-se

pela medição da actividade enzimática que é directamente proporcional à

concentração de enzima activa (Pinho e Melo, 2003).

A desnaturação irreversível pode ter dois tipos de causas, covalentes e não

covalentes. As causas covalentes mais comuns são a hidrólise de ligações

peptídicas, causadas por proteólise, autólise, valores de pH extremos ou

temperaturas elevadas e a formação de ligações intramoleculares entre resíduos

de aminoácidos modificados. As causas não covalentes que levam à

irreversibilidade do processo de desnaturação prendem-se com fenómenos de

agregação ou de renaturação incorrecta (misfolding). Neste último caso, a

proteína pode adquirir uma conformação semelhante à nativa não sendo no

entanto funcional (Volkin & Klibanov, 1991).

1.2.3. Natureza do processo de desnaturação

Durante muitos anos, a análise termodinâmica do equilíbrio da desnaturação

assentou no pressuposto de que as proteínas desnaturavam segundo um

mecanismo em dois estados N e D, envolvendo apenas uma simples transição

entre eles (Privalov, 1982):

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Introdução

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N ↔ D (equação 4)

O que significa que em equilíbrio só existiriam duas conformações em

concentração significativa, a nativa e a desnaturada. Este mecanismo de

desnaturação em dois estados admite a formação de outras conformações, com

propriedades termodinâmicas diferentes de N e D, mas energeticamente instáveis

em qualquer condição, sendo conformações de transição entre os dois estados.

Este pressuposto tem por base estudos de desnaturação reversível, realizados

com proteínas globulares monoméricas de baixo peso molecular (Pace, 1990;

1996). Estudos posteriores com proteínas maiores e com multi-domínios

revelaram processos de desnaturação por fases, com uma desnaturação

individual dos seus domínios (Privalov, 1982), ou desnaturam

independentemente ou com diferentes níveis de interacção entre eles (Brandts et

al., 1989; Griko et al., 1989).

Em determinadas circunstâncias, as interacções conformacionais da proteína

podem ser reduzidas ou até eliminadas, transformando a estrutura nativa da

proteína em conformações com propriedades intermediárias (I) entre os estados

nativo e completamente desnaturado (Uversky, 2002):

N ↔ I ↔ D (Equação 5)

A capacidade de uma proteína para adoptar conformações parcialmente

enroladas, estáveis em equilíbrio, pode ser considerada uma propriedade

intrínseca da cadeia polipeptídica não estando, no entanto, relacionada com a

sequência de aminoácidos, mas sim com a relação carga/hidrofobicidade da

cadeia polipeptídica. Isto é, as conformações parcialmente enroladas parecem ser

estabilizadas principalmente por interacções não específicas entre cadeias

laterais de resíduos hidrofóbicos (Uversky, 2002). As diferentes conformações

adoptadas, parcialmente enroladas ou intermediárias, desempenham um

importante papel na síntese e folding, função e degradação das proteínas

globulares (Baldwin, 1991; Fink, 1995).

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Introdução

11

Mais recentemente, a análise cinética do mecanismo de desnaturação, utilizando

proteínas oligoméricas veio acrescentar informação suplementar ao nível da

interacção das sub-unidades e do folding destas proteínas (Neet & Timm, 1994).

A contribuição das interacções entre e intra cadeias para a estabilidade

conformacional da molécula, foi determinante para o conhecimento de outros

modos de estabilização de proteínas, nomeadamente ao nível da estrutura

quaternária. As proteínas oligoméricas normalmente sofrem dissociação das suas

sub-unidades em primeiro lugar e em seguida ocorre a desnaturação das

mesmas, podendo no entanto desnaturar independentemente (Jaenicke, 1987).

Geralmente apresentam um processo de desnaturação em 3 estados, envolvendo

no equilíbrio de dissociação e desnaturação o dímero nativo (N2), um monómero

nativo (N) ou um intermediário monomérico (I) e o monómero desnaturado (D):

N2 ↔ 2N ↔ 2D ou N2 ↔ 2I ↔2D (equação 6)

A formação de dímeros completamente desnaturados não é muito comum,

excepto em casos específicos (agregação não especifica, intermediários

desnaturados ou dímeros ligados covalentemente), no entanto estão

referenciados intermediários diméricos parcialmente desnaturados (Blackburn &

Noltmann, 1981).

Estes intermediários conformacionais muitas vezes só são detectados

indirectamente pela não coincidência das curvas de desnaturação determinadas

por diferentes métodos, sensíveis a eventos distintos (Neet & Timm, 1994). Mais

especificamente, uma alteração de estrutura terciária detectada por fluorescência

pode acontecer a uma concentração do agente desnaturante diferente de uma

alteração de estrutura secundária, detectada por dicroísmo circular (CD), ou uma

alteração de estrutura quaternária, detectada por filtração em gel.

Apesar de possuírem processos de estabilização ao nível da estrutura

quaternária, muitas proteínas oligoméricas seguem uma transição em dois

estados, reduzindo o modelo anterior a dois intervenientes, o dímero nativo (N2) e

o monómero desnaturado (D):

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Introdução

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N2 ↔ 2D (equação 7)

A dissociação das sub-unidades leva à formação de populações com espécies

intrinsecamente instáveis e monómeros enrolados, cuja representação no

equilíbrio não é significativa (Neet & Timm, 1994).

1.2.4. Indução da desnaturação

Para induzir a desnaturação pode utilizar-se a temperatura, valores extremos de

pH, agentes desnaturantes, como a ureia e o ião guanidina e outros agentes

destabilizadores. A desnaturação térmica deve-se a uma diminuição da energia

livre que favorece a liberdade conformacional da proteína, ou seja, o estado

desnaturado. A desnaturação de proteínas a elevadas temperaturas conduz

frequentemente a processos irreversíveis (Ahern & Klibanov, 1988). A

desnaturação por valores extremos de pH está relacionada com a alteração dos

estados de ionização das cadeias laterais dos aminoácidos modificando a

distribuição das cargas na proteína. Neste caso, ocorre uma alteração ao nível

das interacções electrostáticas que resulta na diminuição da estabilidade da

conformação nativa. A desnaturação pelo pH também pode ocasionar processos

irreversíveis, sobretudo a valores de pH alcalinos (Volkin & Klibanov, 1991). A

adição de detergentes que se associam a resíduos apolares da proteína,

interferindo com as interacções hidrofóbicas também induzem a desnaturação,

uma vez que estas interacções são em grande parte responsáveis pela estrutura

proteica (Pace et al., 1996). Por último, a desnaturação química, frequentemente

induzida pela utilização de concentrações crescentes de ureia e do ião guanidina.

A adição destes agentes desnaturantes a soluções aquosas de proteína promove a

destabilização de agregados hidrofóbicos, micelas e proteínas no seu estado

nativo. A sua afinidade pelo estado desnaturado inspirou a designação de

caotrópicos, no entanto, o mecanismo que conduz a alterações na estrutura da

água e a consequente acção destabilizadora ainda não está elucidada (Moelbert

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Introdução

13

et al., 2004). Estes agentes desnaturantes possuem a capacidade de aumentar a

solubilidade da cadeia polipeptídica, bem como das cadeias laterais hidrofóbicas

que favorecem a conformação desnaturada, onde a exposição destes grupos

apolares ao solvente é muito maior.

1.2.5. Desnaturação química

Há muito que se conhece a capacidade de desnaturantes químicos, como a ureia

e o hidrocloreto de guanidina (GndHCl), para promover a desnaturação proteica

estabilizando a conformação desenrolada, relativamente à conformação nativa

(Simpson et al., 1953; Tanford, 1964 & Pace, 1986). A ureia e o ião guanidina

apresentam algumas vantagens como desnaturantes de proteínas relativamente

a outros como o pH, a temperatura ou os detergentes. A fracção desnaturada é

mais definida uma vez que o nível de desnaturação é maximizado. Muitas

proteínas na presença de 8M de ureia e de 6M de guanidina aproximam-se da

conformação random coil (Pace & Vanderburg, 1979). Por outro lado, o

mecanismo de desnaturação aproxima-se mais de um mecanismo em dois

estados e pode ser completamente reversível. Estas vantagens assumem especial

importância quando o objectivo é estudar a estabilidade conformacional de uma

proteína.

Apesar de ser consensual que este tipo de desnaturação envolve alguma

interacção entre o desnaturante e a proteína, sabe-se muito pouco acerca destas

interacções. Kauzmann e colaboradores, depois de um estudo exaustivo sobre a

cinética da desnaturação na presença de ureia, concluíram que a desnaturação

de proteínas envolve a ligação de um grande número de moléculas de ureia à

proteína (Simpson & Kauzman, 1953; Frensdorff et al., 1953). As moléculas de

ureia ligam-se à proteína substituindo ligações de hidrogénio péptido-péptido por

ligações de hidrogénio ureia-péptido que desempenham um papel importante no

processo de desnaturação (Frensdorff et al., 1953). Posteriormente, foram

propostos dois modelos para o seu efeito destabilizador. O modelo de

transferência, que correlaciona o efeito dos desnaturantes na estabilidade da

proteína com a energia livre da transferência da cadeia polipeptídica de soluções

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Introdução

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aquosas para soluções desnaturantes (Tanford, 1964). Este modelo mostrou que

a ureia e o ião guanidina aumentam a solubilidade de algumas partes da

molécula, explicando a sua estabilização no estado desenrolado na presença de

solvente, relativamente ao estado nativo em água. O outro modelo atribui a

desnaturação às ligações fracas estabelecidas entre as moléculas de

desnaturante e a cadeia polipeptídica, explicando a desnaturação química pelo

grande número de locais de ligação no estado desenrolado relativamente ao

estado nativo (Aune & Tanford, 1969 & Schellman, 2002). Ambos os modelos

podem explicar as curvas da desnaturação química na região da transição

(Möglisch et al., 2005). Mais recentemente, surge outro modelo (figura 1.4) que

propõe três fases para o processo de desnaturação na presença de ureia. Na

primeira fase a proteína desenrola, expondo ao solvente zonas anteriormente

enterradas no interior da estrutura nativa; numa segunda fase ocorre a

hidratação destas zonas e uma terceira fase em que as moléculas de ureia vão

substituir algumas moléculas de água, estabelecendo ligações de hidrogénio com

a proteína (Timasheff & Xie, 2003).

Figura 1.4: Representação esquemática do processo de desnaturação de proteínas na presença de ureia. In: Timasheff & Xie, 2003. Este modelo mostra que a ureia liga preferencialmente às proteínas, quando

comparada com a água e que o aumento da concentração de ureia favorece a

conformação desnaturada, uma vez que a superfície de interacção é maior.

Apesar desta descrição termodinâmica da interacção do desnaturante com a

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Introdução

15

forma desnaturada da proteína, fica por esclarecer mais uma vez, que tipo de

interacção ocorre entre o desnaturante e a forma nativa da proteína que estará

na base do processo de desnaturação.

A ureia tem a capacidade de se incorporar na água através de ligações de

hidrogénio, mantendo uma distribuição espacial muito semelhante àquela que é

formada apenas pelas moléculas de água (Soper et al., 2003). No caso do ião

guanidina, sendo um catião pouco hidratado, forma ligações distorcidas com as

moléculas de água (Zou et al, 2002). Há muito que é conhecida também a

afinidade da ureia (ou do ião guanidina), por grupos peptídicos e por cadeias

laterais de aminoácidos aromáticos, no entanto, sabe-se que os grupos peptídicos

expostos ao solvente durante o desenrolamento da proteína são o principal alvo

da actuação do desnaturante sendo predominantemente responsáveis pelo seu

efeito estabilizador/destabilizador. Interacções com outros grupos, por exemplo

com as cadeias laterais dos aminoácidos aromáticos, estão menos representadas

deixando a maior contribuição para os grupos peptídicos (Tanford, 1970;

Timasheff & Xie, 2003). Estudos de cristalografia realizados para proteínas na

presença de ureia e GndHCl têm permitido observar moléculas de desnaturante

ligadas à proteína, nomeadamente entre os grupos amina e o desnaturante,

através de ligações de hidrogénio. Estas moléculas de desnaturante por vezes

ligam a grupos polares próximos diminuindo a flexibilidade conformacional da

proteína (Dunbar et al., 1997).

A investigação acerca do efeito da ureia na desnaturação tem seguido dois

conceitos. O primeiro, designado por mecanismo indirecto, no qual a ureia actua

indirectamente, alterando a estrutura do solvente. Neste mecanismo a ureia

altera a estrutura da água quebrando a rede de ligações de hidrogénio que se

encontra em volta dos grupos hidrofóbicos da proteína, aumentando a sua

solubilidade e enfraquecendo as interacções hidrofóbicas (Frank & Franks, 1968;

Caballero-Herrera et al., 2005). O outro conceito refere-se ao mecanismo directo,

no qual a ureia estabelece ligações de hidrogénio preferencialmente com os

grupos recentemente expostos por acção de um mecanismo de desnaturação já

iniciado. Nesta situação, os locais de ligação das moléculas de desnaturante

estão em maior número comparando com o estado nativo, sendo que o estado

desnaturado é favorecido e estabilizado pela adição de ureia ao solvente

(Timasheff & Xie, 2003; Schellman, 2003; Möglich et al., 2005). É possível que o

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Introdução

16

mecanismo de desnaturação dependa da concentração de ureia, no entanto, há

evidências de que os dois mecanismos poderão actuar em simultâneo (Bennion &

Daggett, 2003).

A actuação destes agentes caotrópicos e o seu efeito na estabilidade das

proteínas contínua por clarificar, tornando-se necessário mais trabalho de

investigação, sobretudo com proteínas conhecidas e bem caracterizadas na

tentativa de elucidar as bases físicas e moleculares que gerem estes mecanismos

de desnaturação.

1.3. Proteinases aspárticas

As proteinases aspárticas (PAs) constituem um dos grandes grupos de

proteinases, enzimas que hidrolisam ligações peptídicas. As proteinases estão

agrupadas com base nos resíduos de aminoácidos ou outros grupos químicos

envolvidos directamente no seu mecanismo catalítico (Rawlings & Barrett, 1999).

A primeira PA foi descoberta no séc. XIX, no estômago de animais, e designada

de pepsina por Theodor Schwann em 1836. Nesta época havia grande interesse

por substâncias químicas identificadas como constituintes de organismos vivos,

pelo seu envolvimento em processos fisiológicos importantes e possível aplicação

médica (Fruton, 2002). O rápido desenvolvimento da ciência permitiu identificar

enzimas que reúnem características comuns à classe das proteinases aspárticas

em diferentes tecidos e organismos. As PAs encontram-se amplamente

distribuídas por vertebrados, plantas, leveduras, nemátodes, parasitas, fungos e

vírus (Simões, 2004). Segundo a base de dados Merops

(http://merops.sanger.ac.uk), estão agrupadas em 14 famílias que por sua vez se

distribuem por sete clãs. Na mesma base de dados as proteinases encontram-se

agrupadas em famílias, de acordo com a similaridade da sequência de

aminoácidos, podendo estas dividir-se em sub famílias atendendo à percentagem

de similaridade da sua estrutura primária. As famílias, por sua vez estão

agrupadas em clãs, de acordo com as suas relações evolutivas e estrutura

terciária (Rawlings & Barret, 1999). As famílias de PAs mais estudadas são a A1

e a A2, pertencentes ao clã AA. A família A1 (pepsin-like family) divide-se em duas

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Introdução

17

sub famílias, A1A e A1B, cujas enzimas tipo são a pepsina A de Homo sapiens

sapiens e a nepentesina da planta carnívora Nepenthes gracilis. Na família A2

estão agrupadas as PAs de retrovírus, está dividida em 6 sub famílias, no entanto

a mais estudada é a sub família A2A, cuja enzima tipo é a HIV-1 retropepsina.

Nos últimos anos, o conhecimento sobre esta classe de proteinases tem sido

construído através da descoberta do seu envolvimento em doenças humanas,

como a hipertensão, doenças gástricas, infecções parasíticas, SIDA, doença de

Alzheimer e cancro (Cooper, 2002).

1.3.1. Características gerais

As enzimas desta classe apresentam algumas características específicas: a sua

actividade é máxima a pH acídico, mostram especificidade para hidrolisar

ligações peptídicas entre resíduos aromáticos, são inibidas pela pepstatina

(hexapeptídeo produzido por streptomyces sp.) e o mecanismo catalítico é

composto por dois resíduos de ácido aspártico (Asp32 e Asp215). Apresentam

uma estrutura bilobada, com dois domínios muito semelhantes. Cada domínio

contribui com um resíduo de ácido aspártico no local de ligação ao substrato. Os

dois grupos carboxílicos do local activo estão ligados entre si por uma rede de

ligações de hidrogénio estabelecidas entre os resíduos da sequência conservada

em torno dos resíduos de aspartato (Tang & Wong, 1987; Davies, 1990). Para

além da sequência de aminoácidos no local catalítico, também a conformação

simétrica deste local é muito conservada (figura 1.5), estendendo-se ao resto da

molécula (Tang & Wong, 1987). A existência de duas regiões homólogas, sugerem

que as proteinases aspárticas tenham origem numa proteína ancestral dimérica,

com 150 aminoácidos, cujo gene tenha sofrido um processo de duplicação e

fusão (Tang et al., 1978).

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Introdução

18

Figura 1.5: Sobreposição dos resíduos do local catalítico de 18 famílias diferentes de proteinases aspárticas. In: Thornton et al., 2000. No caso das proteinases retrovirais, consideravelmente mais pequenas que as

estruturas semelhantes à pepsina, cada molécula possui apenas parte da

estrutura catalítica, pelo que é necessária a formação de dímeros para obter a

enzima funcional (Rawlings & Barret, 1993).

Sobre o local activo das PAs encontra-se um loop que corresponde a um elemento

de estrutura secundária conhecido por flap, caracterizado por factores b elevados

indicando grande mobilidade. Esta estrutura possui uma sequência de

aminoácidos conservada e está envolvida no processo catalítico interagindo com

o substrato e inibidores (Davies, 1990). Estudos realizados com pepsina

mostraram que os resíduos 75, 76 e 77 são responsáveis pela conformação do

flap e pela ligação ao substrato. A Tyr75 está relacionada com a estabilização do

flap, a Gly 76 com a mobilidade e a Thr77 com a ligação ao substrato. Os

resíduos 76 e 77 contribuem também para a rede de ligações de hidrogénio,

responsáveis pelo alinhamento do substrato e eficiência da catálise (Okoniewska

et al., 2000). Nas PAs de retrovírus cada sub-unidade possui uma estrutura tipo

flap cuja sequência não apresenta homologia com as PAs de organismos

eucariotas (Rao et al., 1991).

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Introdução

19

A base estrutural que determina o funcionamento dos loops não é ainda bem

conhecida, no entanto a relação estrutura/função assume grande importância,

uma vez que há uma procura intensa de inibidores que permitam conhecer e

controlar as funções fisiológicas e/ou patológicas destas enzimas (Hong & Tang,

2004).

1.3.2. Estrutura primária

A maioria das proteinases aspárticas de mamíferos, plantas e fungos da família

A1, são monoméricas e possuem uma massa molecular de aproximadamente

35kDa. Estas proteinases são sintetizadas sob a forma de percursores inactivos

ou zimogénios, contendo uma sequência de resíduos adicional, no terminal

amínico, designado de pró-peptideo ou peptídeo de activação, contendo

aproximadamente 50 aminoácidos (Rawlings & Barret, 1995). Apenas as

proteinases aspárticas isoladas de Plasmodium falciparum, plasmepsinas,

mostraram extensões do N-terminal com cerca de 120 aminoácidos (Dame et al.,

1994). A função do pró-peptídeo consiste em bloquear o local activo da enzima

impedindo a ligação do substrato. Desta forma, regula a actividade proteolítica

da enzima no espaço e no tempo, prevenindo a degradação proteica. Para além

da função reguladora, o pró-péptideo é importante para o folding (ou

enrolamento), estabilidade e localização intracelular do zimogénio (Khan &

James, 1998). A conversão do zimogénio em enzima activa envolve proteólise

limitada e remoção do segmento de activação. Os mecanismos de conversão em

enzima activa podem envolver moléculas acessórias, no entanto uma alteração de

pH para valores acídicos resulta nesta conversão por um processo autocatalítico

que começa com a quebra de interacções electrostáticas entre o pró-peptídeo e a

enzima activa (Richter et al., 1998). Após a conversão, o pró-peptídeo é

degradado, frequentemente pela forma activa da enzima, assegurando que o

processo é irreversível e que o pró-peptídeo não vai actuar como inibidor

competitivo da enzima activa (Khan & James, 1998).

Nas PAs de plantas, o percursor apresenta o pró-peptídeo comum a todas as

proteinases aspárticas. No entanto, possuem ainda uma sequência adicional na

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Introdução

20

região do C-terminal, designada de PSI (plant-specific insert). Esta sequência de

inserção, com cerca de 100 aminoácidos, não apresenta homologia com outras

PAs de origem animal ou microbiana, apresentando no entanto, semelhanças

com o percursor das saposinas (Guruprasad et al., 1994). A função do PSI não foi

ainda completamente determinada, tendo sido sugerido o seu envolvimento no

enrolamento correcto do percursor da ciprosina e a sua importância no

processamento e activação da enzima (White et al., 1999). Na proteinase

aspártica do arroz foi demonstrado que o PSI não tem influência na actividade da

enzima, mas aparentemente influencia a velocidade de autólise durante o

processamento proteolítico (Asakura et al., 2000). A função mais referenciada

para o PSI refere-se ao seu envolvimento na localização do percursor no

compartimento celular onde a proteína madura vai ficar armazenada

(Guruprasad et al., 1994).

O mecanismo e a ordem pela qual são removidos os dois segmentos apresentam

algumas variações entre os casos já estudados. Em geral, o processamento das

PAs de plantas envolve a remoção do pró-peptídeo e do PSI, convertendo o

zimogénio em enzima madura, heterodimérica, com uma organização estrutural

semelhante às PAs de mamíferos e microbianas (Simões & Faro, 2004).

Tal como foi referido anteriormente, os aspartatos catalíticos fazem parte de uma

sequência bastante conservada Asp32-Thr-Gly (motivo DTG) e Asp215-Ser-Gly

(motivo DSG), numeração da pepsina. Os resíduos adjacentes podem ser

descritos por Xaa-Xaa-Asp-Xbb-Gly-Xbb, onde Xaa representa um resíduo

hidrofóbico e Xbb representa um resíduo de serina ou de treonina (Barret et al.,

1998).

A maioria das proteinases aspárticas da família da pepsina apresenta também

um padrão de ligações dissulfito muito conservado, possuindo seis resíduos de

cisteína envolvidas na formação de três ligações dissulfito.

1.3.3. Estrutura tridimensional

As PAs caracterizam-se pela elevada homologia que apresentam, em termos de

sequência e de estrutura. A molécula é constituída por dois domínios homólogos

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Introdução

21

que se enrolam produzindo uma estrutura terciária composta por dois lobos

simétricos (figura 1.6). Os lobos ou domínios estão ligados por seis sequências

em folhas-β antiparalelas, formando a base da molécula, onde cada domínio

contribui com três dessas sequências (Davies, 1990). No que diz respeito à

estrutura secundária os dois domínios são semelhantes, compostos

maioritariamente por folhas-β, apresentando um baixo conteúdo em α-hélices.

Figura 1.6: Estrutura tridimensional da pepsina humana (identificação PDB: 1PSN). Os dois domínios da molécula contribuem cada um com uma tríade catalítica Asp-Thr/Ser-Gly (representados a vermelho e azul).

A análise de um grande número de estruturas tridimensionais de PAs, já

determinadas, mostrou que apesar da grande homologia estrutural há diferentes

estados oligoméricos. Entre os membros da família A1, podemos encontrar

estruturas monoméricas, como a pepsina (proteína tipo desta família) e a

plasmepsina, ou estruturas heterodiméricas, como a catepsina D e a fitepsina.

Na família A2, encontramos estruturas homodiméricas como as proteinases

aspárticas de retrovírus.

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Introdução

22

1.3.4. Local activo e mecanismo catalítico

O local activo das PAs consiste numa fenda de 40 Ǻ de extensão situada entre os

dois domínios, com capacidade para acomodar cerca de oito aminoácidos do

substrato nos sub locais S5-S3´, no entanto a clivagem ocorre preferencialmente

entre dois resíduos hidrofóbicos que ocupam os locais S1-S1´ (Powers et al.,

1977). Os resíduos de ácido aspártico envolvidos no mecanismo catalítico (Asp32

e Asp215 da pepsina) estão localizados nos terminais dos loops, prolongamentos

de cada domínio, no centro da fenda, à distância de uma ligação de hidrogénio

um do outro. Uma extensiva rede de ligações de hidrogénio, característica do

local activo destas enzimas, confere-lhe uma grande rigidez, excepto ao nível do

flap que apresenta elevada mobilidade quando o centro activo da molécula está

livre (Davies, 1990). Alguns estudos foram conduzidos no sentido de mostrar o

envolvimento de um intermediário covalente no mecanismo catalítico das

proteinases aspárticas, à semelhança do que acontece para outras proteinases

(de serina e de cisteína). Estes estudos não tiveram sucesso, uma vez que o

mecanismo catalítico destas enzimas envolve a formação de um intermediário

tetraédrico de natureza não covalente, semelhante ao que se verifica nos

complexos enzima substrato (Veerapandian et al., 1992). Um elemento essencial

do local activo é a molécula de água ligada aos grupos carboxílicos do local

activo, que uma vez desprotonada com a ligação do substrato constituirá o início

da catálise. De acordo com o mecanismo catalítico (figura 1.7) aceite para as

enzimas da família da pepsina, o Asp215 actua como base e está ionizado,

enquanto que o Asp32 actua como um ácido e está protonado (Davies, 1990).

Uma primeira fase deste mecanismo envolve a ligação do substrato ao local

activo e o ataque da molécula de água ao átomo de carbono da ligação que vai

ser hidrolisada. Durante o ataque nucleofílico é transferido um protão para o

Asp32, formando um intermediário tetraédrico (Veerapandian et a.l, 1992).

Seguidamente há a transferência de um protão para o átomo de azoto,

proveniente de uma molécula de solvente ou dos grupos carboxílicos do local

activo (Davies, 1990; Veerapandian et al., 1992; Dunn, 2002).

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Introdução

23

Figura 1.7: Representação do mecanismo catalítico das proteinases aspárticas. In: http://delphi.phys.univ-tours.fr/Prolysis/Images/mecaasp.gif

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Introdução

24

A fenda catalítica das proteinases aspárticas é uma região muito conservada

(Davies, 1990). Este facto, aliado a uma elevada homologia da sequência e à

semelhança estrutural entre os membros desta família, sugere um mecanismo

catalítico comum na hidrólise do substrato. No entanto, existem diferenças

substanciais relativamente à especificidade e em consequência na actividade, que

terão resultado da evolução estrutural do local activo para ligação das cadeias

laterais dos aminoácidos do substrato.

1.3.5. Proteinases aspárticas de Cynara cardunculus L.

As inflorescências do cardo do género Cynara são utilizadas nos países

mediterrânicos, nomeadamente em Portugal, no fabrico artesanal de queijos

tradicionais devido à sua actividade coagulante do leite. Faro e colaboradores

mostraram que a actividade coagulante do extracto dos pistilos de Cynara

cardunculus L. era devida à presença de uma proteinase ácida (Faro et al., 1987).

Estudos posteriores revelaram a presença de uma população heterogénea de

proteinases aspárticas no mesmo extracto, as cardosinas e as ciprosinas. O

isolamento e purificação destas enzimas, permitiu identificar duas proteinases

aspárticas, a cardosina A e a cardosina B, com propriedades estruturais e

enzimáticas distintas (Veríssimo et al, 1996). A sequência parcial de aminoácidos

das cadeias de ambas as cardosinas indica que são produtos de genes diferentes,

embora apresentem um elevado grau de homologia (Veríssimo et al, 1996).

Recentemente foram identificados genes de 5 proteinases aspárticas presentes

nos pistilos de Cynara cardunculus L. (Pimentel et al., 2007) e foram purificadas,

sequenciadas e caracterizadas outras 4 proteinases aspárticas, cardosinas E, F,

G e H (Sarmento et al., 2007b).

Todas as enzimas identificadas e caracterizadas até ao momento, mostram ser

heterodiméricas e glicosiladas, constituídas por duas sub-unidades com massas

moleculares aparentes de 31 kDa e 15 kDa no caso da cardosina A e 34 kDa e 14

kDa no caso da cardosina B. Todas as cardosinas clivam preferencialmente entre

aminoácidos hidrofóbicos e volumosos, sendo que a cardosina A apresenta uma

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Introdução

25

especificidade mais restrita e menor actividade proteolítica, relativamente à

cardosina B (Ramalho-Santos et al., 1996).

A localização histológica e citológica das cardosinas também é diferente,

enquanto que a cardosina A se encontra predominantemente acumulada em

vacúolos, na parede das células da papila estigmática e em menor abundância

nas células da epiderme do estilo, a cardosina B é uma proteína extracelular

encontrada no tecido de transmissão do pistilo. As diferenças na actividade e na

localização sugerem que as duas cardosinas desempenham funções biológicas

diferentes (Ramalho-Santos et al., 1997; Vieira et al., 2001).

As cardosinas A e B podem ser consideradas como proteínas modelo por

reunirem propriedades que caracterizam a maioria dos representantes das

proteinases aspárticas de plantas identificadas (Simões et al., 2005). A cardosina

A constituiu o objecto de estudo deste trabalho pelo que merecerá uma descrição

mais pormenorizada.

1.3.5.1. Cardosina A

a) características gerais

A cardosina A é sintetizada sob a forma de cadeia única inactiva (preproenzima)

contendo um peptídeo sinal, um pró-peptídeo com cerca de 45 aminoácidos e

uma sequência de inserção com 100 aminoácidos (PSI). Todos estes elementos

são posterior e sucessivamente removidos para dar origem à forma madura da

enzima (Faro et al., 1999; Frazão et al., 1999). O peptídeo sinal é o primeiro

elemento desta estrutura a ser removido, dando origem à procardosina A, que

por sua vez, será convertida em enzima madura por processamento proteolítico.

O processamento consiste, numa primeira fase, na remoção do pró-peptídeo,

formando-se um intermediário activo (Ramalho-Santos et al., 1998) seguindo-se

a remoção do PSI de uma forma sequencial (Castanheira et al., 2005). A

cardosina A madura é heterodimérica, constituída por duas cadeias

polipeptídicas com um peso molecular aparente de 31 e 15 kDa, como referido

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Introdução

26

acima. À semelhança das restantes PAs, a cardosina A é activa a valores de pH

acídicos, apresentando um máximo de actividade próximo de 5, é inibida por

éster metílico de diazoacetil-DL-norleucina (DAN) e por pepstatina. Outra

característica comum à maioria dos membros da sua classe é a preferência por

hidrolisar ligações peptídicas entre aminoácidos hidrofóbicos, apresentando uma

especificidade primária (P1 e P1´) muito semelhante à encontrada para a

catepsina D e para as plasmepsinas (Castanheira et al., 2005).

A função fisiológica desta enzima permanece por esclarecer, no entanto tem sido

proposto o seu envolvimento em diversos processos como a senescência da flor,

defesa contra organismos patogénicos e interacções pólen-pistilo (Ramalho-

Santos et al., 1997; Faro et al., 1999). Egas e colaboradores mostraram que o PSI

interage com membranas biológicas, danificando a dupla camada lipídica e

promovendo a libertação do conteúdo vesicular (Egas et al., 2000).

O cDNA que codifica a procardosina A mostrou a presença de uma sequência

Arg-Gly-Asp (RGD) conhecida como motivo de adesão celular, identificada apenas

nesta proteinase aspártica de plantas (Faro et al., 1999). O RGD faz parte da

cadeia de alto peso molecular encontrando-se à superfície, na base da molécula

com uma localização oposta ao local activo (figura 1.8). A presença deste motivo

pode sugerir o envolvimento da cardosina A em mecanismos de interacção

celular que dependem de um mediador para o reconhecimento (Frazão et al.,

1999). Estudos de interacção proteína-proteína com formas recombinantes de

cardosina A mostraram a presença de outra sequência, Lys-Gly-Glu (KGE), com

um papel muito importante neste tipo de mecanismos. A sequência KGE faz

parte da sub-unidade de baixo peso molecular, encontra-se à superfície da

molécula (figura 1.8) e apresenta grandes semelhanças com a sequência RGD,

quer estruturalmente quer na forma como está carregado (Simões et al., 2005).

Foi ainda demonstrado que RGD e KGE constituem determinantes moleculares

essenciais na formação do complexo cardosina A-fosfolipase Dα (PLDα). As PLDα

de plantas estão envolvidas em processos celulares como a degradação de

membranas em condições de senescência ou de stress, sugerindo uma acção

concertada do complexo em processos degenerativos (Simões et al., 2005).

Estudos de estabilidade da cardosina A, na presença de acetonitrilo, mostraram

que a cadeia de baixo peso apresenta maior flexibilidade conformacional,

podendo ocorrer um desenrolamento independente das duas cadeias sem que

haja perda de actividade. Estados parcialmente desenrolados, como os induzidos

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Introdução

27

pela presença de acetonitrilo, poderão estar também envolvidos em processos de

interacção com outras proteínas, nomeadamente a já referida PLDα (Oliveira,

2007).

Figura 1.8: Representação da estrutura tridimensional da cardosina A (identificação PDB: 1B5F). As sub-unidades maior e menor estão representadas a azul escuro e azul claro, respectivamente. As tríadas catalíticas DTG e DSG ( Asp-Thr/Ser-Gly ), localizadas no centro da fenda catalítica estão representadas a vermelho. Os açúcares estão representados a cinza e as ligações dissulfito a laranja. Os motivos RGD e KGE (Arg-Gly-Asp e Lys-Gly-Glu, respectivamente) encontram-se assinalados na figura.

b) estrutura

A estrutura tridimensional da cardosina A foi a primeira estrutura de proteinases

aspárticas de origem vegetal a ser determinada (Frazão et al., 1999). O cristal da

cardosina A revelou uma molécula com uma estrutura muito semelhante aos

restantes membros da sua família, bilobada com o centro activo localizado numa

fenda entre dois domínios aproximadamente simétricos, cada um contendo um

dos motivos catalíticos (DTG e DSG). Na cardosina A, ambos os motivos

KGE

RGD

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Introdução

28

catalíticos, bastante conservados nas PAs de plantas, pertencem à cadeia de alto

peso molecular. Outro padrão, também muito conservado nas PAs, consiste nas

ligações dissulfito estabelecidas, duas entre resíduos da cadeia polipeptídica de

31kDa (Cys45/Cys56 e Cys206/Cys210) e uma terceira entre resíduos da cadeia

de 15kDa (Cys249/Cys282), como se pode observar na figura 1.8. As três

ligações de natureza covalente encontradas na molécula não são estabelecidas

entre as duas cadeias polipeptídicas, cuja associação é mantida por interacções

hidrofóbicas e pontes de hidrogénio resultando o enrolamento característico das

PAs (Frazão et al., 1999).

À semelhança de outras PAs, a cardosina A é glicosilada, possuindo 9 anéis de

açúcar distribuídos entre dois locais de glicosilação, Asn67 e Asn257. Os

açúcares estão localizados à superfície da molécula, um em cada cadeia

polipeptídica (figura 1.8), longe do local activo. Deste modo, é pouco provável que

os açúcares desempenhem algum papel relativamente à actividade e

especificidade, podendo estar envolvidos na estabilidade conformacional da

molécula assim como no correcto processamento da enzima (Frazão et al., 1999).

A importância destes açúcares na estabilidade da molécula é conhecida para

outras PAs, como a renina (Hori et al., 1988) no entanto, a sua função nesta

classe de proteinases ainda não está bem esclarecida (Costa et al., 1997).

Em termos de estrutura secundária os dois domínios são semelhantes,

compostos maioritariamente por folhas-β, apresentando um baixo conteúdo em

α-hélices.

c) interesse biotecnológico

A cardosina A é facilmente purificada a partir dos pistilos do cardo Cynara

cardunculus L., utilizando um procedimento simples (Sarmento et al., 2004) de

baixo custo e cujo rendimento de enzima pura permite não só proceder à

caracterização da molécula como também utilizá-la em processos

biotecnológicos. Acresce ainda, o conhecimento da estrutura tridimensional da

molécula que permite correlacionar alterações de actividade e de estabilidade

induzidas por agentes destabilizadores com alterações de estrutura. A

importância que esta enzima tem assumido nos últimos anos pode justificar-se

pelo número de publicações recentes, assim como, pelo investimento na

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Introdução

29

produção de uma forma recombinante, estável, com características semelhantes

à cardosina A nativa para aplicação biotecnológica, nomeadamente na produção

de queijo (Castanheira, 2004).

A cardosina A é bastante abundante nos pistilos do cardo Cynara cardunculus L.,

cuja utilização no fabrico de queijos tradicionais tem passado de geração em

geração desde há vários séculos. A actividade coagulante das flores de Cynara

cardunculus L. tem sido utilizada na Península Ibérica na produção de queijos de

leite de ovelha, como o Serra da Estrela e o Serpa, em Portugal, o La Serena e o

Los Pedroches, em Espanha.

Estudos de enzimologia não aquosa mostraram que a cardosina A é estável e

activa em alguns solventes orgânicos (Sarmento et al., 2003). A cardosina A

mostrou ser um bom catalisador em aplicações práticas como a síntese de

péptidos, em alguns casos com melhor desempenho quando comparado com o

que está descrito para a pepsina (Sarmento et al., 1998). Um trabalho exaustivo

permitiu ainda estudar a especificidade da cardosina A, aumentando assim o

conhecimento acerca dos sub locais envolvidos na especificidade secundária

(Sarmento et al., 2004).

Ainda visando a aplicação prática desta enzima, tem vindo a ser caracterizada a

sua actividade colagenolítica, sendo a primeira referência de uma PA de origem

vegetal com esta capacidade. A cardosina A utiliza um mecanismo de hidrólise

semelhante ao da catepsina K de mamíferos, mais específico do que as

colagenases bacterianas, hidrolisando o colagénio fibrilar na região de hélice

tripla à semelhança das colagenases da família das MMPs de origem animal

(Duarte et al., 2005). Sendo o colagénio um substrato de interesse clínico tudo

indica que estamos na presença de uma enzima com potencial para aplicação

biomédica, nomeadamente na prevenção e/ou redução de fibroses peritoneais

após o acto cirúrgico. A aplicação da cardosina A, imobilizada em suportes

biodegradáveis, na cavidade abdominal de ratinhos submetidos a intervenção

cirúrgica, mostrou que a actividade colagenolítica da enzima se mantém

actuando como agente anti-fibrótico (Pereira et al., 2005). Numa outra aplicação

desta especificidade, as cardosinas foram utilizadas com sucesso no

estabelecimento de culturas primárias de neurónios. Este estudo mostrou que as

cardosinas, quando comparadas com a tripsina, são menos agressivas e

apresentam maior rendimento de células viáveis (Duarte et al., 2006).

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Introdução

30

A cardosina A é uma proteinase aspártica muito estudada, tem sido bem

caracterizada em termos de estrutura primária, terciária e actividade proteolítica.

No entanto, a relação entre a estrutura e a sua função fisiológica permanece por

esclarecer. Compreender esta relação constitui um importante passo para

elucidar o papel bioquímico e biológico desta enzima, assim como para abrir

novas perspectivas relativamente à sua aplicação biotecnológica.

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Objectivos

31

Muito pouco se sabe acerca da estabilidade conformacional e dos processos de

folding/unfolding das proteinases aspárticas em geral. Compreender a

estabilidade destas proteínas, é um desafio que requer a caracterização das

interacções envolvidas nos diferentes estados conformacionais que ocorrem

nestas moléculas. A estabilidade estrutural das proteínas é uma função de

variáveis externas, capazes de destabilizar diferentes tipos de ligações

responsáveis pela estabilidade intrínseca da molécula. Analisar o papel das

diversas variáveis na formação da estrutura da proteína é fundamental para

compreender quais as forças responsáveis pela estabilidade da molécula. Estes

estudos envolvem a monitorização de alterações conformacionais devidas à

destabilização da molécula por vários agentes como o pH, a temperatura e a

composição do solvente.

Este trabalho pretende estudar a estabilidade conformacional da cardoina A,

proteinase aspártica de Cynara cardunculus sp., na presença de desnaturantes

clássicos, como a ureia e o GndHCl. A indução da desnaturação da cardosina A

na presença destes agentes irá permitir estudar o equilíbrio de desnaturação

desta enzima, conhecer o tipo de mecanismo envolvido neste processo e

identificar possíveis intermediários.

Estudos de estabilidade conformacional em proteínas semelhantes, com

características individuais específicas, mas pertencendo à mesma família,

poderão contribuir para o esclarecimento da relação estrutura/função das PAs e

o seu papel em processos fisiológicos. Nesta perspectiva, os resultados obtidos

serão interpretados em termos de estabilidade conformacional em PAs por

comparação com a informação disponível acerca de outros membros desta

classe, nomeadamente a pepsina A.

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Objectivos

32

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Material e Métodos

33

3.1. Purificação da cardosina A

Neste trabalho foram utilizadas as inflorescências de Cynara cardunculus L.,

colhidas na região de Ansião e identificadas pela Dra. Rosa Pinho, responsável

pelo Herbário do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro. Os

estigmas ainda frescos foram separados e congelados a –20ºC até à sua

utilização.

A cardosina A foi purificada seguindo um procedimento previamente descrito

(Veríssimo et al., 1996), com algumas alterações (Sarmento et al., 2004).

Estigmas de flores frescas (2g) foram macerados com 100mM citrato de sódio, pH

3,5 (12ml) e centrifugados a 14 000rpm durante 10 minutos.

O sobrenadante (aproximadamente 10ml) foi filtrado através de um filtro com

poro de 0,2μm e aplicado numa coluna Hiload Superdex 75 26/60 semi prep (GE

Healthcare) para cromatografia líquida de média pressão (FPLC), previamente

equilibrada com 25mM Tris-HCl, pH 7,6, a um fluxo de 4ml/min. A detecção de

proteína foi obtida pela medição da absorvância a 280nm.

Figura 3.1: Perfil cromatográfico de exclusão molecular a 280nm, de 10ml de extracto acídico dos pistilos de Cynara cardunculus L.. A seta indica a fracção com actividade proteolítica.

Vol (ml)

Ab

s (2

80n

m)

0 100 200 300 400 500 600 7000

1000

2000

3000

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Material e Métodos

34

A fracção com actividade proteolítica é composta por uma mistura de proteínas,

entre elas a cardosina A, as cardosinas E, F, G e H que co-eluem num único

pico, até recentemente designadas como cardosina A0 (Sarmento et al., 2007b) e

a cardosina B. A cardosina A foi posteriormente purificada numa coluna de troca

iónica para FPLC, Hiload 16/10 Q-Sepharose FF (GE Healthcare), também

previamente equilibrada com 25mM Tris-HCl, pH 7,6. A proteína foi eluída com

um gradiente de NaCl (0-1M), a um fluxo de 3ml/min. A detecção de proteína foi

obtida pela medição da absorvância a 280nm.

Figura 3.2: Perfil cromatográfico de troca aniónica (Q-Sepharose), a 280nm, de 25ml da fracção correspondente ao pico assinalado na figura 3.1. A fracção assinalada corresponde à cardosina A. A linha a tracejado representa o gradiente de NaCl.

3.1.1. Remoção de sal das amostras

A remoção do sal das amostras obtidas foi efectuada numa coluna de exclusão

Hiprep 26/10 Desalting (GE Healthcare), equilibrada com água ultra pura a um

fluxo de 10ml/min. A detecção de proteína foi obtida pela medição da

Vol (ml)

Ab

s (2

80n

m)

1M N

aCl (%

)

0 100 200 300

0

100

200

300

400

0

50

100

150

A

E, F, G, H

B

Vol (ml)

Ab

s (2

80n

m)

1M N

aCl (%

)

0 100 200 300

0

100

200

300

400

0

50

100

150

A

E, F, G, H

B

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Material e Métodos

35

absorvância a 280nm e a detecção de NaCl nas amostras foi obtida pela medição

da condutividade.

Figura 3.3: Perfil cromatográfico, a 280nm, de exclusão molecular (HiPrep 26/10 Desalting), correspondente à injecção de 10ml da fracção assinalada na figura anterior. A fracção assinalada corresponde à cardosina A. O perfil a tracejado corresponde ao registo da condutividade do eluato.

Todos os solventes foram filtrados por uma membrana com poro 0,2μm e

desgaseificados com hélio antes de serem utilizados. Todas as cromatografias

foram realizadas à temperatura ambiente, num sistema de FPLC “Äkta Basic

System” (GE Healthcare), equipado com uma bomba P-920 e um detector UPC-

900. Este equipamento utiliza o software UNICORN 3.2.

3.1.2. Concentração das amostras

As amostras de cardosina A foram concentradas por liofilização. As soluções

previamente congeladas em Azoto líquido, foram colocadas no liofilizador (Dura-

Vol (ml)

Ab

s (2

80n

m) C

on

dutan

ce(m

Scm-1)

0 25 50 750

50

100

150

0

10

20

30

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Material e Métodos

36

DryTM) durante 24h a uma pressão de 100mTorr e à temperatura de –50ºC. Após

este procedimento as amostras foram utilizadas ou armazenadas a -20ºC.

3.1.3. Avaliação da pureza das amostras

O conteúdo em proteina das amostras foi avaliado por electroforese em condições

desnaturantes utilizando géis de poliacrilamida a 15% (m/v), de acordo com o

ponto 3.3. desta secção.

Figura 3.4: Perfil electroforético das fracções obtidas durante o processo de purificação da cardosina A. A - extracto ácido de pistilos de Cynara cardunculus L.; B - fracção com actividade proteolítica da cromatografia de exclusão molecular; C, D e E - fracções obtidas por cromatografia de troca iónica. A segunda fracção (D) correspondendo à cardosina A pura.

3.2. Quantificação de proteina

Na determinação da concentração de proteína, foi utilizado o kit comercial

“BCATM Protein Assay” (Pierce), segundo as instruções do fabricante e tendo como

padrão a albumina sérica bovina. O ensaio baseia-se no método de Smith (1985)

e utiliza o ácido bicinconínico (BCA) para detectar e quantificar a proteína total

de uma amostra.

A B C D E

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Material e Métodos

37

Este método foi utilizado para determinar a concentração de proteína utilizada

nos ensaios de actividade, fluorescência e hidrodinâmica. Nos ensaios de

dicroísmo circular a concentração de proteína foi determinada por

espectrofotometria a 280nm, utilizando o coeficiente de extinção molar da

cardosina A, 43,8 x 103 Mcm-1 e usando o peso molecular de 42kDa, estimado

por exclusão molecular (Veríssimo, 1996).

3.3. SDS-PAGE

A electroforese de proteínas foi realizada num sistema “Mini-Protein II” (BioRad)

acoplado a uma fonte de alimentação (Power Pac 300, BioRad). Prepararam-se

géis de acrilamida:bis-acrilamida (29:1) a 15% (v/v), contendo 3,35ml de 1,5M

Tris pH 8,8; 3,75ml de acrilamida: bisacrilamida 40% (v/v) e 200μl de SDS 10%

(m/v) num volume final de 10ml. A polimerização do gel foi iniciada pela adição

de 100μl de persulfato de amónia a 10% (m/v) e 5μl de TEMED. Após

homogeneização da mistura foi aplicado um volume de 3,5ml em cada suporte ao

qual se adicionou isopropanol (50%, v/v), deixando-se polimerizar. De seguida

prepararam-se os géis de concentração a 4%, contendo 1,25ml de 0,625M Tris

pH 6,8; 488μl de acrilamida: bisacrilamida 40% (v/v); 100μl de SDS, 10% (m/v);

50μl de persulfato de amónia a 10% (m/v) e 2,5μl de TEMED. Após

homogeneização e remoção da solução de isopropanol do topo do gel de corrida, a

mistura foi aplicada sobre o gel de separação, deixando-se polimerizar. As

amostras foram desnaturadas por fervura a 100ºC em solução de desnaturação

1:1 (v/v) contendo 100mM Tris:Bicina, 2% β-mercaptoetanol (v/v), 2% SDS

(m/v), 8M ureia e aplicadas no gel, tendo como referência um padrão de baixo

peso molecular (M 3913, Sigma). A electroforese decorreu a 150 volts, durante

60min num tampão com 100mM Tris: Bicina e 0,1% SDS (m/v).

A fixação e a coloração das proteínas foram obtidas mergulhando os géis numa

solução com 0,25% (m/v) de Coomassie Brilliant Blue R-250 (Sigma), 50% (v/v)

de etanol e 10% (v/v) de ácido acético, durante 15min à temperatura ambiente.

Quando necessário, os géis foram descorados, utilizando solução descorante

composta por 25% (v/v) de etanol e 5% (v/v) de ácido acético.

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Material e Métodos

38

3.4. Ensaio de actividade

A determinação da actividade da cardosina A foi realizada utilizando diferentes

abordagens:

3.4.1. Efeito da presença de concentrações crescente de desnaturante na

actividade catalítica da cardosina A

A actividade da enzima foi testada na presença de concentrações crescentes de

agente desnaturante (ureia ou hidrocloreto de guanidina). Efectuou-se uma

incubação prévia da enzima durante uma hora. A incubação foi efectuada na

presença da mesma concentração de desnaturante presente no meio de reacção e

à mesma temperatura (25ºC).

3.4.2. Efeito da concentração de desnaturante na actividade catalítica da

cardosina A ao longo do tempo

No sentido de monitorizar o efeito do solvente na enzima ao longo do tempo, esta

foi solubilizada no tampão de incubação na presença de várias concentrações de

agente desnaturante e incubada a 25ºC. Nos tempos previamente determinados,

foram retiradas amostras procedendo-se ao ensaio de actividade na presença da

concentração de desnaturante utilizada no tampão de incubação.

3.4.3. Efeito da concentração de enzima na actuação do desnaturante sobre

a actividade catalítica da cardosina A

Foi efectuada a monitorização do efeito da concentração de enzima na actuação

do agente desnaturante sobre a sua actividade catalítica. Duas concentrações de

enzima, 40ug e 200ug, foram solubilizadas no tampão de incubação na presença

de concentrações crescentes de agente desnaturante e incubadas a 25ºC. Após

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Material e Métodos

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uma hora de incubação procedeu-se ao ensaio de actividade na presença da

concentração de desnaturante utilizada no tampão de incubação.

3.4.4. Ensaios de reactivação

A enzima foi incubada nas condições descritas em a), após 1h de incubação foi

diluída 200 vezes em tampão de incubação na ausência de agente desnaturante.

Procedeu-se a nova incubação na ausência de desnaturante, durante 1h a 25ºC.

A actividade proteolítica da cardosina A foi determinada utilizando o péptido

sintético, Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu como substrato, de acordo com

um método anteriormente descrito (Veríssimo et al., 1996; Sarmento, 2002;

Sarmento et al., 2007a). A enzima promove a hidrólise da ligação Phe-Phe(NO2),

produzindo o tripéptido Phe(NO2)-Ala-Leu detectável a 257nm por cromatografia

liquida de alta pressão utilizando uma coluna de fase reversa (RP-HPLC).

O péptido Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu foi sintetizado pelo Professor

Doutor Arthur Moir do Krebs Institute, Sheffield (United Kingdom), num

sintetizador automático “Miligen 9050 PepSynthesizer”. A pureza do péptido,

superior a 95%, foi determinada por espectrometria de massa e por RP-HPLC.

Uma vez solubilizado, o péptido foi armazenado a -20ºC, numa solução stock de

3mg/ml de tampão de reacção.

Após a adição de 21μl da solução stock de péptido (63μg de péptido) ao tampão

de reacção (4% DMSO, 0,2M NaCl, 50mM NaAc, pH 4,7), a reacção foi iniciada

pela adição da enzima (0,143μg), num volume final de 300μl. Nos tempos

previamente definidos, foram retiradas alíquotas e a reacção foi parada por

precipitação da enzima, com a adição de igual volume de TFA a 1,5% (v/v). As

amostras obtidas foram analisadas num sistema de RP-HPLC, “Äkta Basic

System” (GE Healthcare), utilizando uma coluna de fase reversa (250 x 4.6mm

LiChroCART® 100 RP-18, 5μm, Merck). O sistema de RP-HPLC, “Äkta Basic

System” (GE Healthcare) está equipado com uma bomba P-920 e um detector

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Material e Métodos

40

UPC-900. Este equipamento possui ainda um sistema de injecção automática,

“Autosampler A-900” (GE Healthcare) e utiliza o software UNICORN 3.2.

Na fase móvel utilizou-se 20% (v/v) de acetonitrilo em água ultra pura, para

eluição, desenvolvendo um gradiente de acetonitrilo (20-50%, v/v), a um fluxo de

0,8ml/min. Todos os solventes foram desgaseificados com hélio antes de serem

utilizados. A detecção do produto (Phe(NO2)-Ala-Leu) decorreu a 257nm.

Para quantificar o produto da reacção, foi construída uma curva de calibração

das áreas de produto, em função da concentração de substrato, após hidrólise

total.

3.5. Métodos espectroscópicos

As técnicas mais utilizadas para avaliar a desnaturação de proteínas são as

espectroscópicas, baseadas em transições electrónicas, entre as quais estão a

emissão de fluorescência e o dicroísmo circular que foram utilizadas neste

trabalho.

3.5.1. Fluorescência

A monitorização da emissão de fluorescência de proteínas é uma técnica muito

utilizada para estudos de estabilidade de proteínas, sensível a alterações

conformacionais uma vez que os aminoácidos aromáticos e hidrofóbicos são os

responsáveis pela emissão de fluorescência intrínseca (Schmid, 2005). Deste

modo, a emissão de fluorescência da proteína no estado nativo é diferente da

mesma no estado desnaturado ou parcialmente desnaturado, permitindo a

monitorização de alterações conformacionais por espectrofluorimetria (Pace,

1986).

A cardosina A solubilizada em tampão fosfato de sódio, 10mM, pH 5,0, foi

incubada durante 1h, a 25ºC, em concentrações crescentes do agente

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Material e Métodos

41

desnaturante (ureia ou hidrocloreto de guanidina) e de seguida procedeu-se à

análise da fluorescência intrínseca da molécula.

Os ensaios de fluorescência foram realizados num espectrofluorímetro “Jasco FP-

770”. O comprimento de onda de excitação usado foi 295nm, porque a este

comprimento de onda a absorção de luz dos outros aminoácidos aromáticos é

mínima, aumentando assim a contribuição da emissão de fluorescência dos

resíduos de triptofano (Schmid, 2005). Outros parâmetros constantes em todos

os espectros: fendas de 5nm, emissão de fluorescência registada num intervalo

de 300 a 400nm e velocidade de 100nm/min. Foi utilizada uma célula de 10mm

e uma concentração de proteína de 20μg/ml. Em todas as condições testadas foi

registada a emissão de fluorescência na ausência da enzima e na presença do

tampão de incubação, tendo sido posteriormente subtraída aos respectivos

espectros para corrigir o sinal.

A emissão de fluorescência da cardosina A foi comparada com a emissão de

fluorescência de um derivado do triptofano usado como modelo, ATEE (N-acetyl-

L-tryptophan ethyl Ester), determinadas nas mesmas condições.

As alterações conformacionais da cardosina A, na presença de concentrações

crescentes de agentes desnaturantes, foram monitorizadas utilizando o valor

equivalente a 80% do valor de intensidade máxima (λmáx) determinado para os

diferentes espectros (Pina et al., 2003).

3.5.2. Dicroísmo circular

O dicroísmo circular (CD de circular dichroism) é uma técnica também muito

utilizada neste tipo de estudos para detectar alterações conformacionais de

macromoléculas, baseando-se na diferente absorção de luz circularmente

polarizada à esquerda e a direita, depois desta atravessar a amostra (Kelly &

Price, 2000). Estudos de CD no UV afastado (far-CD) permitem aceder ao

conteúdo em estrutura secundária das proteínas e no UV próximo (Near-CD) ao

ambiente onde se encontram os aminoácidos aromáticos (Woody, 1995).

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Material e Métodos

42

A cardosina A solubilizada em tampão fosfato de sódio, 10mM, pH 5,0, foi

incubada durante 1h, a 25ºC, em concentrações crescentes do agente

desnaturante (ureia ou hidrocloreto de guanidina).

Os espectros de CD, no UV afastado e no UV próximo foram realizados num

espectropolarímetro “Jasco Model J-715”, sob um fluxo constante de azoto. Os

espectros foram obtidos para o far-UV e para o Near-UV nos intervalos de

comprimento de onda descritos na literatura 250-185nm e 340-250nm,

respectivamente. No entanto, os desnaturantes utilizados neste trabalho

absorvem muito próximo dos 200nm pelo que os espectros apresentam grande

perturbação nesta região, tendo sido necessário encurtar um pouco a gama de

comprimentos de onda de leitura. A velocidade de obtenção dos espectros foi de

50nm/min, as fendas de 2nm e o tempo de resposta de 1s. O percurso óptico das

células utilizadas foi de 0,02 e 1cm e a concentração de proteína foi

aproximadamente de 200μg/ml e 1mg/ml para o far- e near-UV,

respectivamente. Cada espectro corresponde à média de 5 medições, o que

permitiu reduzir a perturbação observada em cada medição. Ao espectro final foi

subtraído um espectro registado na ausência da enzima e na presença de todos

os outros constituintes da respectiva amostra.

Todos os espectros foram convertidos para elipticidade molar, [θ] (deg · cm2 ·

decimole-1), calculada a partir da equação:

[θ]MRW = θobs x 100 x Mr/ C x l x NA

Onde θobs corresponde à elipticidade medida (deg), Mr ao peso molecular da

proteína, C à concentração de proteína (mg/ml), l ao percurso óptico da célula

(cm) e NA número de aminoácidos da proteína.

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Material e Métodos

43

3.6. Estudos de hidrodinâmica

Alterações na estrutura das proteínas podem ser analisadas por cromatografia de

exclusão molecular uma vez que o desenrolamento altera o raio hidrodinâmico

das moléculas (Corbett & Roche, 1984).

A cardosina A solubilizada em tampão fosfato de sódio, 10mM, pH 5,0, foi

incubada durante 1h, a 25ºC, em concentrações crescentes do agente

desnaturante (ureia ou hidrocloreto de guanidina).

Após este período de incubação as amostras (100μl) foram analisadas por

cromatografia de exclusão molecular num sistema de FPLC “Äkta Basic System”

(GE Healthcare) equipado com uma coluna para FPLC, Superdex 75 HR 10/30

(GE Healthcare). Na fase móvel de cada cromatografia utilizou-se tampão fosfato

de sódio, 10mM, pH 5,0 com concentrações de ureia e hidrocloreto de guanidina

idênticas às utilizadas na incubação. Todos os solventes foram filtrados por uma

membrana com poro 0,2μm e desgaseificados com hélio antes de serem

utilizados. O perfil de eluição foi monitorizado a 280nm durante 70min e as

populações separadas recolhidas para posterior análise electroforética, de acordo

com as condições descritas no ponto 3.3. desta secção. O volume de eluição de

cada fracção foi comparado com um padrão de pesos moleculares, tendo-se

determinado o peso molecular de cada uma das fracções de acordo com o

descrito em 3.5.1.

3.6.1. Padrão de pesos moleculares para cromatografia de exclusão

molecular

Uma curva de calibração de pesos moleculares define a relação entre os volumes

de eluição de um grupo de proteínas e o logaritmo dos respectivos pesos

moleculares (Whitaker, 1963). Neste trabalho foi construída uma curva de

calibração de tempos de retenção em função dos pesos moleculares de proteínas

padrão, utilizando o kit comercial “Low Molecular Weight Gel Filtration kit” (GE

Healthcare).

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Material e Métodos

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As proteínas padrão foram diluídas segundo as instruções do fabricante,

procedendo-se à cromatografia de exclusão molecular, utilizando um sistema de

FPLC “Äkta Basic System” (GE Healthcare) equipado com uma coluna para FPLC,

Superdex 75 HR 10/30 (GE Healthcare). O volume de amostra utilizado em cada

cromatografia foi de 100μl e na fase móvel utilizou-se tampão fosfato de sódio,

10mM, pH 7,0. Todos os solventes foram filtrados por uma membrana com poro

0,2μm e desgaseificados com hélio antes de serem utilizados. O perfil de eluição

foi monitorizado a 280nm durante 70min (figura 3.5).

Figura 3.5: Perfil de eluição obtido por cromatografia de exclusão molecular de 1-dextrano azul 2000 (2000 kDa), 2- Albumina (67kDa), 3- Ovalbumina (43kDa), 4- Quimotripsinogénio A (25kDa) e 5- Ribonuclease A (13,7kDa). A curva padrão foi traçada utilizando o parâmetro Kav versus o logaritmo do peso

molecular. Este parâmetro é recomendado por ser menos sensível a erros de

procedimento como sendo a variação das dimensões da coluna assim como da

sua preparação. O Kav calcula-se utilizando a seguinte equação:

1 2 3 4 5

10 20 30 40 500

25

50

75

100

125

150

175

volume de eluição (ml)

Abs

280

nm

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Material e Métodos

45

Kav = Ve-V0 / Vt-V0

onde, Ve corresponde ao volume de eluição, o V0 ao volume vazio da coluna e o

Vt ao volume total da coluna.

O volume vazio da coluna corresponde ao volume de eluição do dextrano azul

2000 (2000kDa) e as proteínas padrão utilizadas foram a ribonuclease A

(13,7kDa), quimotripsinogénio A (25kDa), ovalbumina (43kDa) e a albumina

(67kDa).

Figura 3.6: Curva de calibração de pesos moleculares. Foi calculado o parâmetro Kav para cada uma das proteínas utilizadas como padrão e traçada a curva de calibração em função do logaritmo do peso molecular de cada uma delas (y = -2,5806x + 12,911, R2 = 0,932).

3.75 4.00 4.25 4.50 4.75 5.00 5.250.0

0.5

1.0

1.5

2.0

2.5

log MW

Kav

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Material e Métodos

46

3.7. Proteólise reduzida

A sonda proteolítica utilizada nos ensaios de proteólise reduzida foi a termolisina,

uma metaloproteinase de Bacillus thermoproteolyticus, com peso molecular de

cerca de 35kDa. A sua especificidade é dirigida para a hidrólise do N-terminal de

resíduos hidrofóbicos, como Leu, Ile, Phe, Val, Met e Ala (Beynon & Bond, 1989).

A digestão da cardosina A com a enzima proteolítica foi conduzida em Tris-HCl

100mM, com 100mM de CaCl2, pH 8,0, na presença de várias concentrações de

ureia e incubada a 25ºC. A cardosina A foi solubilizada no meio de reacção

(concentração final de 0, 054mM), ao qual se adicionou a sonda proteolítica

numa razão enzima:substrato de 1:25 (m/m). Nos tempos seleccionados foram

retiradas alíquotas e a reacção foi parada, utilizando uma solução de EDTA

50mM. As amostras obtidas foram posteriormente preparadas SDS-PAGE, de

acordo com a secção 3.3, deste capítulo.

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Resultados e Discussão

47

“Desnaturação pode ser definida como uma modificação na conformação

proteica, ao nível das interacções não covalentes, que promove alterações

mensuráveis por parâmetros como a actividade enzimática e as propriedades

espectroscópicas” (Pain et al., 1985).

4.1. Caracterização estrutural/conformacional

4.1.1. Estudos espectroscópicos

As técnicas espectroscópicas baseiam-se na detecção e análise de um feixe de

radiação electromagnética emitido pela amostra que constituiu o objecto de

estudo. Existem algumas variantes deste esquema básico, avaliadas por diversas

técnicas e que permitem obter diferentes tipos de informação. As técnicas

espectroscópicas utilizadas neste trabalho, fluorescência e o dicroísmo circular,

utilizam energias correspondentes à zona do ultravioleta e do visível e são

amplamente utilizadas em biofísica. Técnicas como a emissão de fluorescência e

o dicroísmo circular permitem avaliar a dinâmica conformacional de proteínas,

acedendo a alterações da estrutura secundária e terciária, durante o processo de

desnaturação.

4.1.1.1. Fluorescência

A emissão de fluorescência da proteína no estado nativo é diferente da mesma no

estado desnaturado, permitindo a monitorização de alterações conformacionais

por espectrofluorímetria (Pace, 1986). Esta técnica apresenta uma elevada

sensibilidade na detecção de alterações da estrutura tridimensional da proteína,

uma vez que os aminoácidos aromáticos são os responsáveis pela emissão de

fluorescência. A fenilalanina (Phe) apresenta um máximo a 282nm, a tirosina

(Tyr) a 303nm e o triptofano (Trp) a 350nm. A emissão de fluorescência para a

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Resultados e Discussão

48

maior parte das proteínas resulta da contribuição dos resíduos de triptofano,

sendo que a contribuição das fenilalaninas é desprezível e a das tirosinas é pouco

significativa. No entanto, se a proteína for excitada a um comprimento de onda

de 295nm, toda a emissão de fluorescência é devida aos resíduos de Trp uma vez

que, os resíduos de Tyr não absorvem neste comprimento de onda (Schmid,

2005).

A fluorescência intrínseca tem sido utilizada como uma das técnicas que melhor

monitoriza alterações conformacionais das proteínas em presença de

desnaturantes. Espectros de fluorescência com uma emissão máxima na zona

dos 330nm são característicos de resíduos de Trp que se encontram encerrados

no interior da molécula, num ambiente hidrofóbico, enquanto que espectros cujo

máximo ronda os 350nm são característicos de resíduos de Trp expostos ao

solvente (Lakovicz, 1983). A cardosina A possui cinco resíduos de Trp (figura 4.1),

quatro na sub-unidade maior e um na sub-unidade menor, dos quais apenas um

se apresenta um pouco exposto estando os restantes encerrados no interior da

molécula, no seu estado nativo (Frazão et al., 1999).

Figura 4.1: Representação da estrutura tridimensional da cardosina A (identificação PDB: 1B5F). As sub-unidades maior e menor estão representadas a azul escuro e azul claro, respectivamente. As tríadas catalíticas DTG e DSG ( Asp-Thr/Ser-Gly ), localizadas no centro da fenda catalítica estão representadas a vermelho e os Trp a laranja. À direita está representada a superfície da molécula, em cima a face anterior e em baixo a face posterior.

Trp 137

Trp 154

Trp 190

Trp 299

Trp 39

Trp 137

Trp 154

Trp 190

Trp 299

Trp 39

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Resultados e Discussão

49

Os espectros de emissão de fluorescência da cardosina A, na ausência e na

presença de concentrações crescentes de ureia e GndHCl, foram determinados

utilizando um comprimento de onda de excitação de 295nm, em 10mM tampão

fosfato, pH5, após 1h de incubação a 25ºC, de acordo com os parâmetros

descritos na secção 3.5.1 do capítulo de material e métodos. As alterações

conformacionais da cardosina A, induzidas pela presença de concentrações

crescentes de agentes desnaturantes, foram monitorizadas utilizando o valor

equivalente a 80% do valor de comprimento de onda máximo (λmáx) determinado

para os diferentes espectros, tal como descrito anteriormente (Pina et al., 2003).

a) ureia

Na figura 4.2(A) podemos observar alguns espectros de emissão de fluorescência

intrínseca da cardosina A na ausência do desnaturante e na presença de

algumas concentrações de ureia. O estado nativo é caracterizado por um λmáx de

aproximadamente 328nm. O processo de desnaturação promovido pela adição de

concentrações crescentes de ureia ao tampão de incubação é acompanhado por

um aumento do λmáx (desvio para o vermelho) para aproximadamente 349nm,

como se pode ver na figura 4.2 (B) e por um decréscimo na intensidade do

espectro. Este valor de λmáx próximo de 350nm indica uma alteração no ambiente

dos resíduos de triptofano, indicando uma maior exposição ao solvente.

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Resultados e Discussão

50

Figura 4.2: Efeito da ureia na cardosina A monitorizado por fluorescência A) espectros de emissão de fluorescência da cardosina A na ausência e na presença de diferentes concentrações de ureia. B) efeito da presença de concentrações crescentes de ureia no comprimento de onda de emissão máxima da cardosina A (---); efeito da presença de concentrações crescentes de ureia no comprimento de onda de emissão máxima do ATEE (…). Os espectros de emissão de fluorescência da cardosina A foram determinados em 10mM tampão fosfato, pH 5, após 1h de incubação a 25ºC. As condições experimentais encontram-se descritas na secção 3.5.1 do capítulo de material e métodos.

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11320

330

340

350

360

ureia (M)

λ máx

(nm

)

300 310 320 330 340 350 360 370 380 390 4000.00

0.05

0.10

0.15

0.20

0.25

0.30

0.35 0M7.5M

10.0M8.5M

λmáx (nm)

inte

nsid

ade

A

B

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Resultados e Discussão

51

Na presença de concentrações elevadas de ureia, superiores a 8M, os resíduos de

Trp que se encontram encerrados no interior da molécula, em condições nativas,

ficam expostos ao solvente. Nestas condições, ocorre uma abertura da molécula

resultante de alterações ao nível da sua estrutura terciária.

Utilizando o valor de λmáx calculado foi construído um perfil de desnaturação em

função da concentração de ureia. O perfil representado na figura 4.2 (B) permite

verificar que o valor de λmáx atingido situa-se um pouco abaixo do valor de λmáx

determinado para o ATEE, nas mesmas condições. A diferença entre os dois

comprimentos de onda máximos (cardosina A e ATEE) registados para a

concentração de ureia mais elevada onde se verifica a maior exposição dos

resíduos de Trp é de 6,625nm. Este resultado poderá indicar que a molécula não

perde completamente a sua estrutura terciária, na presença de soluções

saturadas de ureia.

A transição mais acentuada ocorre entre os 8 e 11M de ureia, no entanto entre

os 3 e os 5M ocorre uma pré-transição que denuncia uma alteração do estado

conformacional da molécula, que precede alterações mais drásticas da sua

estrutura terciária.

O ponto médio da transição mais significativa no caso da desnaturação com

ureia é 9,04M.

b) GndHCl

O processo de desnaturação promovido pela adição de concentrações crescentes

de GndHCl ao sistema proteína-solvente, é acompanhado por um aumento do

λmáx, de 228nm para aproximadamente 353nm e por um decréscimo na

intensidade do espectro como se pode verificar na figura 4.3 (A).

O perfil de desnaturação dado pelo λmáx em função da concentração de GndHCl,

representado na figura 4.3 (B), mostra uma única transição entre 2 e 4M cujo

ponto médio corresponde a 3,05M deste agente desnaturante.

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Resultados e Discussão

52

Figura 4.3: Efeito do GndHCl na cardosina A monitorizado por fluorescência. A) espectros de emissão de fluorescência da cardosina A na ausência e na presença de diferentes concentrações de GndHCl. B) efeito da presença de concentrações crescentes de GndHCl no comprimento de onda de emissão máxima da cardosina A (---); efeito da presença de concentrações crescentes de GndHCl no comprimento de onda de emissão máxima do ATEE (...). Os espectros de emissão de fluorescência da cardosina A foram determinados em 10mM tampão fosfato, pH 5, após 1h de incubação a 25ºC. As condições experimentais encontram-se descritas na secção 3.5.1 do capítulo de material e métodos.

A

300 310 320 330 340 350 360 370 380 390 4000.00

0.05

0.10

0.15

0.20

0.25

0.30

0.35

0.40 0M

3.5M6.0M

3.0M

λmáx (nm)

inte

nsid

ade

0 1 2 3 4 5 6320

330

340

350

360

GndHCl (M)

λ máx

(nm

)

B

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Resultados e Discussão

53

O perfil representado na figura 4.3 (B) mostra que o valor de λmáx atingido para

valores de concentração de GndHCl iguais ou superiores a 4M é inferior ao valor

de λmáx determinado para o ATEE, nas mesmas condições. A diferença entre os

dois comprimentos de onda máximos (cardosina A e ATEE) registados para a

concentração de ureia mais elevada onde se verifica a maior exposição dos

resíduos de Trp é de 3,83nm.

A curva ajustada aos resultados de emissão de fluorescência, utilizando o

parâmetro λmáx da cardosina A na presença de concentrações crescentes de

GndHCl é adequada a uma transição em dois estados, em que apenas intervêm

no equilíbrio as populações nativa e desenrolada em concentrações significativas.

c) análise dos resultados

Os agentes desnaturantes utilizados neste trabalho não são igualmente eficazes

na destabilização da cardosina A, ao nível da estrutura terciária. Por um lado, os

valores de concentração de desnaturante correspondentes ao ponto médio da

transição [(D)1/2] determinados por fluorescência são 9,04M e 3,05M para o caso

da desnaturação com ureia e com GndHCl, respectivamente. Estes valores de

(D)1/2 referem-se ao valor da concentração de desnaturante para o qual 50% das

moléculas de cardosina A se encontram num estado conformacional não nativo.

Numa outra perspectiva, verificamos que o GndHCl é mais eficiente na

destabilização da estrutura terciária da cardosina A. O desvio no λmáx obtido para

este agente é maior quando comparado com o desvio obtido na presença de

ureia. De salientar que em nenhum dos casos foi possível obter um λmáx idêntico

ao que foi determinado para o Trp livre em solução, nas mesmas condições de

ensaio. Como mostra a figura 4.4, a diferença entre o λmáx obtido pelas

concentrações mais elevadas de GndHCl e o λmáx registado para o ATEE (3,83nm)

é inferior ao mesmo valor, determinado na presença de elevadas concentrações

de ureia (6,625nm).

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Resultados e Discussão

54

Figura 4.4: Diferença entre o comprimento de onda de emissão máxima determinado para o ATEE e para a cardosina A, determinado por emissão de fluorescência na presença de concentrações crescentes de GndHCl (__) e de ureia (---).

Os desvios de λmáx apresentados na figura 4.4 mostram que ambos os caotrópicos

utilizados promovem uma alteração do ambiente que rodeia os fluoróforos

traduzida pelo aumento da polaridade e pela desorganização das interacções

hidrofóbicas. Este efeito, resulta numa maior exposição dos Trp ao solvente,

denunciando a perda de estrutura terciária da cardosina A quando submetida à

presença de GndHCl e de ureia.

Como mostram as figuras 4.2 (B) e 4.3 (B), a emissão de fluorescência do ATEE

não sofre alterações na presença de concentrações crescentes dos caotrópicos

utilizados neste trabalho. Deste modo, podemos considerar que as alterações de

fluorescência determinadas para a cardosina A são motivadas pela presença

destes agentes e pelo seu efeito na conformação da molécula, particularmente no

ambiente que envolve os resíduos de Trp.

0.0 2.5 5.0 7.5 10.0 12.50

5

10

15

20

25

30

desnaturante (M)

Δλ m

áx (n

m)

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Resultados e Discussão

55

4.1.1.2. Dicroísmo circular

O dicroísmo circular (CD) é outra técnica espectroscópica muito utilizada para

estudos de desnaturação, baseando-se na diferente absorção da componente

polarizada à direita e à esquerda da luz segundo um plano (Kelly & Price, 2000).

Esta técnica permite a leitura de bandas na zona do UV-afastado (Far-UV),

correspondentes à absorção da ligação peptídica, na zona dos 240-180nm e do

UV-próximo (near-UV), correspondentes ao ambiente que rodeia os aminoácidos

aromáticos, na região dos 320-260nm. Phe, Tyr e Trp absorvem na região dos

250-290nm, no entanto poderá haver interferência de outras contribuições

provenientes de ligações dissulfito (260nm) e de outras ligações não covalentes

ou co-factores não proteicos que absorvem nesta região (Woody & Dunker, 1996).

A intensidade das bandas na região do UV-afastado é proporcional ao conteúdo

em estruturas secundárias o que permite acompanhar e quantificar o

desaparecimento de estruturas como as hélices α e as folhas β (Kelly & Price,

2000). Tipicamente, as proteínas com estrutura secundária rica em hélices α

apresentam uma dupla banda negativa muito intensa a 208nm e 220nm e uma

banda positiva a 190nm. Estruturas ricas em folhas β apresentam um espectro

de CD caracterizado por uma banda negativa menos expressiva próxima dos

216nm e uma banda positiva na região dos 195-200nm. A desnaturação proteica

acompanhada de desaparecimento de estrutura secundária traduz-se num

decréscimo da intensidade das bandas ao longo de todo o espectro e por este

motivo qualquer ponto permite esta análise, sobretudo se estivermos na presença

de uma banda característica da proteína em estudo. O valor da elipticidade a

222nm é utilizado frequentemente como indicador do desaparecimento da

estrutura secundária em geral.

As bandas no UV-afastado permitem obter informação acerca da integridade da

estrutura secundária da proteína enquanto as bandas no UV-próximo

proporcionam informação complementar acerca da estrutura terciária da

proteína.

As alterações conformacionais da cardosina A promovidas pela presença de

concentrações crescentes de ureia e GndHCl foram monitorizadas por CD, no

UV-afastado e no UV-próximo.

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Resultados e Discussão

56

A forte absorvância exibida por alguns componentes das soluções tampão na

região do UV-afastado, nomeadamente a ureia e o GndHCl, pode constituir uma

limitação à técnica. Alguns espectros foram obtidos apenas para comprimentos

de onda acima dos 205-210nm, uma vez que a absorvância do desnaturante

causa grande interferência no traçado do espectro dificultando a sua

interpretação.

4.1.1.2.1. UV-afastado

a) ureia

O espectro de CD na região do UV-afastado da cardosina A, representado na

figura 4.5 (A), apresenta características típicas de uma proteína cuja estrutura

secundária é composta essencialmente por elementos do tipo folhas β. O espectro

da cardosina A, no estado nativo, mostra uma banda positiva próxima dos

197nm e uma banda negativa próxima dos 216nm. Na presença de

concentrações elevadas de ureia, superiores a 7M, há uma diminuição do sinal

de CD na zona da banda negativa, a 216nm. No entanto, para concentrações

mais baixas, entre 2-5M, parece haver um aumento do sinal, que significa um

aumento de estrutura secundária. Ou seja, para concentrações de ureia entre os

2 e os 5M parece haver um favorecimento de estados conformacionais com maior

conteúdo em elementos de estrutura secundária.

Tendo em conta a forte absorvância da ureia na proximidade dos 200nm e a

interferência causada nos espectros, a variação da elipticidade da cardosina A,

foi determinada a 222nm e está representada na figura 4.5 (B). O perfil da

variação da elipticidade da cardosina A a 222nm, mostra uma transição

importante entre os 7 e os 10M de ureia, onde ocorre uma diminuição da

estrutura secundária da proteína. Apesar da notória alteração conformacional, é

possível verificar que a 10M de ureia a enzima ainda apresenta um espectro

definido nesta zona o que significa que ainda retém estrutura secundária.

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Resultados e Discussão

57

Figura 4.5: Efeito da ureia na cardosina A monitorizado por CD no UV-afastado. A) espectros de CD na região do UV-afastado na ausência e na presença de concentrações crescentes de ureia. B) variação da elipticidade da cardosina A, a 222nm, em função das diferentes concentrações de ureia. Todos os espectros foram obtidos após 1 hora de incubação da cardosina A na presença das várias concentrações do desnaturante, em tampão fosfato, 10mM, a 25ºC, de acordo com os parâmetros descritos na secção 3.5.2 do capítulo de material e métodos.

A

B

190 200 210 220 230 240 250-5.0

-2.5

0.0

2.5

5.0

7.5

10.0

λ (nm)

10-3

[θ] (

deg

cm2 d

mol

-1)

0M8M

10M

1M5M

190 200 210 220 230 240 250-5.0

-2.5

0.0

2.5

5.0

7.5

10.0

λ (nm)

10-3

[θ] (

deg

cm2 d

mol

-1)

0M8M

10M

1M5M 0M

8M10M

1M5M

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10-4

-3

-2

-1

ureia (M)

10-3

[θ] 2

22n

m

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Resultados e Discussão

58

O ponto médio da transição mais significativa, na presença de ureia, corresponde

à concentração de 8,33M deste desnaturante.

b) GndHCl

O efeito da presença de concentrações crescentes de GndHCl na estrutura da

cardosina A também foi monitorizado por CD na região do UV-afastado. Na figura

4.6 (A) podemos observar um espectro de cardosina A na ausência de GndHCl e

outro na presença de 4M deste desnaturante que corresponde à concentração

máxima utilizada nesta técnica. Como se pode observar o espectro na presença

de 4M de GndHCl encontra-se completamente descaracterizado, aproximando-se

de um espectro típico de uma estrutura desordenada. Apesar de alguma

perturbação proveniente da elevada concentração de desnaturante, é possível

verificar uma diminuição do sinal de CD na zona do máximo negativo,

característico do espectro na ausência de desnaturante.

A variação da elipticidade da cardosina A, determinada a 222nm, representada

na figura 4.6 (B), mostra uma única transição estrutural entre 2 e 4M,

acompanhada por uma diminuição de estrutura secundária, sendo o ponto

médio dessa transição correspondente a 2.90M de GndHCl.

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Resultados e Discussão

59

Figura 4.6: Efeito do GndHCl na cardosina A monitorizado por CD no UV-afastado. A) espectros de CD na região do UV afastado na ausência e na presença de 4M de GndHCl. B) variação da elipticidade da cardosina A, a 222nm, em função das diferentes concentrações de GndHCl. Todos os espectros foram obtidos após 1 hora de incubação da cardosina A na presença das várias concentrações do desnaturante, em tampão fosfato, 10mM, a 25ºC, de acordo com os parâmetros descritos na secção 3.5.2 do capítulo de material e métodos.

B

A

190 200 210 220 230 240 250-5.0

-2.5

0.0

2.5

5.0

7.5

10.0

λ (nm)

10-3

[θ] (

deg

cm2 d

mol

-1)

0M

4M

190 200 210 220 230 240 250-5.0

-2.5

0.0

2.5

5.0

7.5

10.0

λ (nm)

10-3

[θ] (

deg

cm2 d

mol

-1)

0M

4M

0 1 2 3 4-4

-3

-2

-1

0

GndHCl (M)

10-3

[θ] 2

22n

m

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Resultados e Discussão

60

c) análise dos resultados

À semelhança dos resultados obtidos anteriormente, a monitorização de

alterações estruturais por CD na região do UV-afastado mostrou que ambos os

desnaturantes utilizados neste trabalho promovem alterações de estrutura na

cardosina A e que o GndHCl é mais eficiente que a ureia. Os valores de (D)1/2

obtidos por esta técnica foram de 8,33M e 2,90M, para o caso da desnaturação

com ureia e com GndHCl, respectivamente.

Nas condições utilizadas, verifica-se ainda uma maior eficiência do GndHCl ao

nível do efeito produzido na enzima, relativamente à ureia, ou seja, o GndHCl

promove uma maior destabilização da estrutura secundária da cardosina A

(figura 4.7).

Figura 4.7: Variação da elipticidade da cardosina A, a 222nm, em função das diferentes concentrações de GndHCl (__) e de ureia (…).

De salientar que nas concentrações máximas utilizadas, 10M de ureia e 4M de

GndHCl, o valor de elipticidade indica que há uma diminuição do conteúdo em

elementos de estrutura secundária. Embora o efeito do GndHCl seja mais

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10-0.2

0.0

0.2

0.4

0.6

0.8

1.0

desnaturante (M)

Δ [θ

] 222

nm

(uni

dade

s re

lati

vas)

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Resultados e Discussão

61

acentuado, a enzima não perde completamente a sua estrutura secundária, nas

condições utilizadas.

Os resultados de CD na região do UV-afastado, para a desnaturação na presença

de ureia mostram inequivocamente que estamos em presença de um mecanismo

multifásico. O perfil da variação de elipticidade obtido revela uma transição

subtil do estado conformacional da cardosina A, para concentrações de ureia

entre os 2-5M, com incremento de estrutura secundária. Entre os 7-10M ocorre a

transição estrutural mais expressiva, onde se verifica uma perda de conteúdo em

estrutura secundária.

No caso da desnaturação com GndHCl, o perfil da variação de elipticidade

corresponde a um perfil típico de uma transição em dois estados, onde ocorre

apenas uma transição estrutural, à semelhança do que se verificou para os

resultados de emissão de fluorescência. No entanto, os valores de [GndHCl]1/2

obtidos por fluorescência e por CD (3,05M e 2,90M, respectivamente), indicam

uma não coincidência dos perfis de desnaturação obtidos por ambas as técnicas.

Neste caso, podemos dizer que estamos em presença de um mecanismo de

desnaturação que envolve a formação de conformações intermediárias entre o

estado nativo e o estado desnaturado.

4.1.1.2.2. UV-próximo

O CD na região do UV-próximo (320-260nm), como já foi referido anteriormente,

permite obter informação acerca do ambiente onde se encontram os aminoácidos

aromáticos, constituindo uma informação complementar acerca da estrutura

terciária da proteína.

a) Ureia

O espectro de CD na região do UV-próximo da cardosina A no estado nativo,

representado na figura 4.8, apresenta duas bandas mais significativas, uma

negativa a 276nm e outra positiva próxima dos 290nm. Na zona dos 250-270nm

apresenta várias bandas positivas menos expressivas. O aumento da

concentração de ureia resulta na diminuição da elipticidade das bandas ao longo

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Resultados e Discussão

62

de todo o espectro, embora a concentração máxima de desnaturante utilizada

não permita verificar alterações estruturais significativas, tendo em conta os

resultados de fluorescência.

Figura 4.8: Efeito de GndHCl na cardosina A monitorizada por CD na região do UV-próximo. A) espectros de CD na região do UV-próximo na ausência (__) e na presença de 8M de ureia (…). B) variação da elipticidade da cardosina A, a 292nm, em função das diferentes concentrações de ureia. Todos os espectros foram obtidos após 1 hora de incubação da cardosina A na presença das várias concentrações de desnaturante, em tampão fosfato, 10mM, a 25ºC, de acordo com os parâmetros descritos na secção 3.5.2 do capítulo de material e métodos.

250 260 270 280 290 300 310 320 330 340 350-20

-10

0

10

20

30

λ (nm)

[θ] (

deg

cm2

dmol

-1)

A

B

0 1 2 3 4 5 6 7 80

10

20

30

ureia (M)

[ θ] 2

92n

m

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Resultados e Discussão

63

Na monitorização de alterações de estrutura por CD nesta região do espectro,

utiliza-se frequentemente a variação de elipticidade na região dos 290nm, uma

vez que, a este comprimento de onda a contribuição é maioritariamente devida

aos resíduos de Trp. No caso da cardosina A, podemos observar uma banda

positiva próxima deste comprimento de onda, a 292nm, que parece ser ideal para

acompanhar a desnaturação da enzima. A variação de elipticidade da cardosina

A na presença de diferentes concentrações de ureia, a 292nm, representada na

figura 4.8 (B), facilita a observação de uma transição estrutural entre os 3 e os

5M deste desnaturante. Nesta gama de concentrações acontece uma

reorganização estrutural das moléculas, com alteração do ambiente onde se

encontram os resíduos de Trp, no sentido de uma maior mobilidade, antecedendo

a principal transição, a partir dos 8M de ureia e que conduz a uma perda

acentuada de estrutura terciária.

b) GndHCl

Na região do UV-próximo, os espectros de CD da cardosina A na presença de

GndHCl mostram uma diminuição do sinal concordante com o aumento da

concentração de desnaturante. Na figura 4.9 (A) é possível verificar que o

espectro para a concentração de GndHCl mais elevada (4M) mostra um perfil

descaracterizado muito próximo de zero, o que indica claramente uma perda de

estrutura terciária. O perfil de variação da elipticidade da cardosina A a 292nm

em função da concentração de GndHCl, representado na figura 4.9 (B), mostra

mais uma vez uma única transição estrutural muito acentuada, na presença de

concentrações de GndHCl entre 2M e 4M. Os resultados obtidos nesta secção são

consistentes com os resultados obtidos por fluorescência, previamente

apresentados.

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Resultados e Discussão

64

Figura 4.9: Efeito de GndHCl na cardosina A monitorizado por CD na região UV-próximo. A) espectros de CD na região do UV-próximo na ausência (__) e na presença de 2M (---) e de 4M de GndHCl (…). B) variação da elipticidade da cardosina A, a 292nm, em função das diferentes concentrações de GndHCl. Todos os espectros foram obtidos após 1 hora de incubação da cardosina A na presença das várias concentrações de desnaturante, em tampão fosfato, 10mM, a 25ºC, de acordo com os parâmetros descritos na secção 3.5.2 do capítulo de material e métodos.

250 260 270 280 290 300 310 320 330 340-20

-10

0

10

20

30

λ [nm]

[θ] (

deg

cm2

dmol

-1)

A

B

0 1 2 3 4-10

0

10

20

30

GndHCl (M)

[ θ] 2

92n

m

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Resultados e Discussão

65

4.1.1.3. Discussão

Os resultados de CD na região do UV-afastado, na presença de ureia (figura 4.5)

mostram um efeito não muito comum deste desnaturante. Para concentrações de

ureia entre os 2 e os 5M há um aumento do sinal de CD, indicando que estas

concentrações parecem favorecer estados conformacionais com maior conteúdo

em elementos de estrutura secundária. Este efeito foi também descrito para a

cardosina A na presença de baixas concentrações de acetonitrilo (1-10%),

beneficiando o enrolamento da molécula (Oliveira, 2007). Não sendo um efeito

muito comum, tem sido descrito para outros solventes como o TFE (ácido

trifluoroetanol), capaz de induzir hélices em sequências com propensão

intrínseca para a sua formação (Sönnichsen et al., 1992) ou de promover

transições entre diferentes elementos de estrutura (Kuwata et al., 1998).

Whittington e colaboradores mostraram que a ureia promove a formação de

estruturas em hélice em pequenos péptidos e proteínas desnaturadas, indicando

que estados desnaturados poderão conter estrutura local ordenada (Whittington

et al., 2005). Outros autores mostraram que a HSA (albumina do soro humano)

na presença de concentrações muito baixas de ureia apresenta um aumento do

conteúdo em hélices (Gull et al., 2007). Apesar de conhecido, o fenómeno

permanece por elucidar, uma vez que a ureia é utilizada geralmente como

desnaturante de proteínas no sentido de promover a desorganização estrutural.

Uma hipótese aponta para alterações da estrutura do solvente, promovidas por

baixas concentrações de ureia, aumentando a constante dieléctrica e

consequentemente as forças hidrofóbicas, resultando num aumento do conteúdo

em estrutura secundária (Gull et al., 2007).

Em simultâneo, na mesma gama de concentrações verifica-se uma alteração

muito subtil da estrutura terciária da cardosina A (figuras 4.2 e 4.8) que precede

a maior transição estrutural a partir de aproximadamente 7M de ureia. Esta

adaptação conformacional na fase de pré-transição foi comprovada por proteólise

reduzida, utilizando a termolisina como sonda proteolítica. A proteólise reduzida

constitui uma técnica bioquímica simples capaz de detectar alterações

conformacionais em proteínas nativas ou parcialmente desnaturadas. A

informação obtida por esta técnica acerca da estrutura e dinâmica da proteína

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Resultados e Discussão

66

poderá complementar os resultados obtidos por outros métodos biofísicos e

espectroscópicos (Fontana et al., 2004).

Figura 4.10: Perfis de hidrólise da cardosina A, obtidos por proteólise reduzida, utilizando a termolisina como sonda proteolítica, na presença de diferentes concentrações de ureia de acordo com a secção 3.7 do capítulo de material e métodos.

Na figura 4.10 pode verificar-se uma alteração dos perfis de hidrólise da

cardosina A entre 3 e 7M de ureia. Este resultado mostra que o substrato, a

cardosina A, está mais susceptível à proteólise indicando uma maior exposição

da molécula ao solvente. Apesar de ser uma adaptação conformacional muito

subtil, relativamente à maior transição estrutural que ocorre para concentrações

superiores a 7M, permite que locais de hidrólise anteriormente inacessíveis

estejam expostos sugerindo uma perda de estrutura terciária e uma maior

abertura da molécula, na presença de baixas concentrações de ureia.

O facto de ocorrer simultaneamente uma perda de estrutura terciária e uma

reorganização da estrutura secundária corrobora com trabalhos de outros

autores que mostram a existência de estruturas ordenadas locais em estados

desnaturados induzidos pela ureia. A tendência para adoptar estas estruturas

locais durante o processo de desnaturação está relacionada com a sequência da

proteína naquele local e com as condições da solução (Whittington et al., 2005).

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Resultados e Discussão

67

A informação baseada nas propriedades espectroscópicas da cardosina A, na

presença de ureia e GndHCl, mostra que ambos os agentes caotrópicos

promovem alterações estruturais na molécula enzimática, apesar de não terem o

mesmo grau de eficiência. Os valores de [D]1/2 apresentados na tabela 4.1, uma

maior eficiência do GndHCl, relativamente à ureia. Estes resultados não são

surpreendentes uma vez que, para a maioria das enzimas a desnaturação com

GndHCl é mais eficiente 2 a 2,5 vezes do que com ureia (Greene & Pace, 1974;

Pace, 1986).

Tabela 4.1: Valores de [D]1/2 para ambos os agentes desnaturante, determinados a partir dos resultados de fluorescência e CD na região do UV-afastado.

[GndHCl]1/2

[ureia]1/2

Fluorescência

3,05M

9,04M

CD (UV-afastado)

2,90M 8,33M

Alguns estudos têm sugerido que estes desnaturantes promovem a desnaturação

de proteínas por interacções favoráveis com grupos expostos devido ao

desenrolamento (Scholtz et al., 1995; Zou et al., 1998). A forma como diferentes

grupos poderão contribuir para que as proteínas apresentem maior ou menor

sensibilidade aos desnaturantes, assim como a origem desta eficácia do ião

guanidina relativamente à ureia não estão completamente esclarecidos. Dempsey

e colaboradores (2005) mostraram que o cloreto de guanidina é bastante mais

eficiente do que a ureia em proteínas cuja estabilidade estrutural depende muito

das interacções hidrofóbicas, nomeadamente entre os aminoácidos aromáticos

das cadeias laterais. No caso de proteínas cuja estabilidade depende sobretudo

de ligações de hidrogénio, o cloreto de guanidina apresenta uma eficácia muito

semelhante à da ureia (Dempsey et al., 2005).

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Resultados e Discussão

68

O GndHCl mostrou também ser mais ofensivo para a integridade estrutural da

molécula, quando comparado com a ureia. Os resultados mostram que o estado

conformacional final, induzido na presença de GndHCl, apresenta uma maior

desintegração estrutural relativamente ao estado conformacional induzido pela

concentração máxima de ureia, próxima da saturação. A tabela 4.2 apresenta um

resumo dos valores de λmáx e de elipticidade obtidos para o estado conformacional

final, na presença das respectivas concentrações de ureia e GndHCl.

Tabela 4.2: Valores de λmáx e de elipticidade obtidos para o estado conformacional da cardosina A que corresponde à alteração máxima induzida pelos caotrópicos ureia e GndHCl.

4M GndHCl

10M ureia

Fluorescência

λ máx (nm)

352

348

CD (UV-afastado) 10-3[θ222]

-0.8424273 -1.329968

O estado conformacional final obtido na presença de GndHCl apresenta um λmáx

inferior ao que foi determinado para o Trp em solução (Δ λmáx ≈ 4nm), no entanto

os dados de CD na região do UV-próximo, indicam que o impacto ao nível da

estrutura terciária da enzima é bastante acentuado (figura 4.9 (B)). Nestas

condições, apesar do conteúdo em estrutura secundária ser evidente (figura 4.6),

as interacções hidrofóbicas que contribuem para manter a conformação nativa

encontram-se diminuídas. Em proteínas oligoméricas, as interacções intra

cadeias podem ser suficientes para estabilizar uma estrutura compacta, com

hélices α e folhas β, na ausência de interacções inter cadeias. Deste modo não é

surpreendente a formação de uma estrutura compacta, com estrutura

secundária, na desnaturação de proteínas diméricas (Neet & Timm, 1994).

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Resultados e Discussão

69

A análise das curvas de desnaturação obtidas a partir das diferentes abordagens

espectroscópicas, permite afirmar que estamos na presença de transições

multifásicas, i. e., de mecanismos de desnaturação não cooperativos (figura

4.11). A falta de coincidência dos perfis de alteração de estrutura secundária e

terciária vem confirmar que a desnaturação da cardosina A, na presença destes

caotrópicos, admite a formação de intermediário(s).

Figura 4.11: Curvas de desnaturação da cardosina A obtidas por CD na região do UV-afastado (----) e por fluorescência (___), na presença de ureia (A) e na presença de GndHCl (B). O modelo sigmoidal adaptado apresenta em todos os casos um R2 superior a 0,98.

Muitas proteínas, em determinadas condições, existem em conformações estáveis

que não correspondem nem ao estado nativo nem ao estado completamente

desnaturado (Creighton, 1990). Quando os dados se ajustam a modelos de

processos cooperativos, à semelhança do que obtivemos no caso da desnaturação

da cardosina A na presença de GndHCl, é possível detectar estes intermediários

indirectamente, pela não coincidência das curvas de desnaturação obtidas por

técnicas espectroscópicas que acedem a informações diferentes (Neet & Timm,

1994). Estas técnicas não permitem, no entanto, averiguar a natureza dos

intermediários.

0 1 2 3 4 5 6

0

20

40

60

80

100

GndHCl (M)

frac

ção

desn

atur

ada

(%)

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

0

20

40

60

80

100

ureia (M)

frac

ção

desn

atur

ada

(%)

A B

0 1 2 3 4 5 6

0

20

40

60

80

100

GndHCl (M)

frac

ção

desn

atur

ada

(%)

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

0

20

40

60

80

100

ureia (M)

frac

ção

desn

atur

ada

(%)

0 1 2 3 4 5 6

0

20

40

60

80

100

GndHCl (M)

frac

ção

desn

atur

ada

(%)

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

0

20

40

60

80

100

ureia (M)

frac

ção

desn

atur

ada

(%)

A B

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Resultados e Discussão

70

4.1.2. Estudos de hidrodinâmica

A cromatografia de exclusão molecular (SEC de size-exclusion chromatography)

pode ser utilizada para monitorizar alterações de volume das proteínas,

associadas ao seu desenrolamento (Corbett & Roche, 1984). A separação baseia-

se nas diferenças de volume hidrodinâmico (Stokes radius) das moléculas no

estado nativo (enroladas) e no estado desnaturado (desenroladas). Uma molécula

no estado nativo é compacta e apresenta um volume hidrodinâmico muito menor

quando comparada com o volume ocupado pela mesma molécula no estado

desnaturado. Moléculas parcialmente desnaturadas apresentam um volume

hidrodinâmico intermédio (Light & higaki, 1987). A cromatografia de exclusão

molecular poderá constituir, deste modo uma técnica apropriada não só para

detectar alterações de estrutura quaternária, mas também para identificar a

presença de intermediários estáveis em processos de desnaturação de proteínas.

A cardosina A, previamente incubada durante 1 hora na presença das diferentes

concentrações dos agentes desnaturantes ureia e GndHCl, foi submetida a

análise por cromatografia de exclusão molecular, utilizando uma coluna para

FPLC, Superdex 75 HR 10/30 (GE Healthcare). Na fase móvel de cada

cromatografia utilizou-se tampão fosfato, 10mM, pH 5,0 com concentrações de

ureia e GndHCl idênticas aquelas que foram utilizadas na incubação das

amostras, tal como descrito na secção 3.6 do capítulo de material e métodos.

a) ureia

Os perfis de eluição da cardosina A, na presença de concentrações crescentes de

ureia, estão representados na figura 4.12 (A). Os resultados mostram um

decréscimo no volume de eluição que resulta do aumento do volume

hidrodinâmico da molécula e da sua desorganização estrutural provocada pelo

aumento da concentração de ureia. Não foi possível a análise cromatográfica

para soluções de cardosina A com concentrações superiores a 9M de ureia uma

vez que excediam o limite máximo permitido pela coluna. No entanto, até à

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Resultados e Discussão

71

concentração máxima utilizada não se verificou a dissociação das duas sub-

unidades.

Figura 4.12: Efeito da ureia no volume hidrodinâmico da cardosina A. A) Perfis de eluição da cardosina A obtidos por cromatografia de exclusão molecular na presença de diferentes concentrações de ureia. O tracejado vertical indica o volume vazio da coluna (V0). B) Variação do volume de eluição (__) da cardosina A e do seu peso molecular aparente (…), em função do aumento da concentração de ureia.

0 10 20 30 40 50

1M

3M

0M

4M

7M

5M

8M

9M

2M

volume de eluição (ml)

A

B

0.0 2.5 5.0 7.5 10.017.5

20.0

22.5

25.0

27.5

30

40

50

60

70

ureia (M)

volu

me

de e

luiç

ão (m

l) Mr aparente (K

Da)

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Resultados e Discussão

72

Na figura 4.12 (B) está representada a variação do volume de eluição de 26ml

(0M de ureia) para 21ml (9M de ureia), assim como a variação do peso molecular

aparente, calculado a partir da curva de calibração de pesos moleculares,

apresentada na secção 3.6.1 do capítulo de material e métodos.

Entre os 3 e os 5M há um patamar no perfil, que está de acordo com os

resultados anteriores e que sugere uma alteração conformacional da molécula

nesta gama de concentrações.

Os perfis correspondentes às concentrações de 7 a 9M de ureia mostram o

aparecimento de fracções de baixo peso molecular. Este fenómeno aumenta

claramente com o aumento do tempo de incubação, como se pode observar na

figura 4.13.

Figura 4.13: Perfis de eluição da cardosina A, na presença de 8M de ureia, com incubação prévia de 1 hora (__) e de 4 horas (…).

Estas fracções de baixo peso molecular poderão estar relacionadas com

fenómenos de autólise. O aparecimento de fracções de peso molecular mais

elevado é normalmente atribuído a fenómenos de agregação, enquanto que as

fracções de menor peso molecular poderão resultar da hidrólise de ligações

peptídicas, induzidas frequentemente pela temperatura (Ahern & Klibanov,

1988). Este efeito encontra-se descrito para a cardosina A quando submetida a

0 10 20 30 40 500

5

10

15

20

volume de eluição (ml)

Abs

(mA

U)

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Resultados e Discussão

73

inactivação térmica, a 100ºC, assim como na presença de acetato de etilo,

incubada durante 2 horas, a 37ºC (Sarmento et al., 2007a). A autólise na

presença de ureia não é contudo um fenómeno muito comum, apesar de estar

referenciado (Colacicco & Dawson, 1959; Khan & Salahuddin, 1977).

b) GndHCl

A mesma análise foi efectuada para a desnaturação da cardosina A na presença

de GndHCl. Os perfis de eluição estão representados na figura 4.14 (A). Os

resultados mostram que o aumento da concentração de desnaturante até aos 3M

promove uma diminuição gradual do tempo de retenção que corresponde a uma

alteração do volume de eluição da molécula de 26ml para 22,5ml. A partir desta

concentração deixamos de ter apenas um único pico simétrico. Entre os 3 e os

4M de GndHCl o perfil assume diferentes formas que são associadas a diferentes

estados intermediários do desenrolamento. A forma dos picos indica, que nesta

gama de concentrações de desnaturante, estamos em presença de uma

população heterogénea de intermediários. A 4.5M de GndHCl são detectadas

apenas duas fracções cromatográficas, cujo volume de eluição corresponde a

18,5ml para a fracção maior e a 23,6ml para a fracção menor. Cada uma das

fracções foi recolhida após a cromatografia de exclusão molecular e submetida a

análise electroforética em condições desnaturantes, tal como descrito na secção

3.3 do capítulo de material e métodos. Esta abordagem permitiu atribuir cada

uma destas fracções a uma das sub-unidades da molécula de cardosina A, como

se pode observar na figura 4.14 (C). A fracção maior corresponde à sub-unidade

de 31kDa e a fracção menor, apesar de estar ligeiramente contaminada com a

sub-unidade de alto peso, corresponde maioritariamente à sub-unidade de

15kDa da cardosina A.

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Resultados e Discussão

74

Figura 4.14: Efeito da GndHCl no volume hidrodinâmico da cardosina A. A) Perfis de eluição da cardosina A obtidos por cromatografia de exclusão molecular na presença de diferentes concentrações de GndHCl. O tracejado vertical indica o V0 da coluna que corresponde ao volume vazio. B) Variação do volume de eluição da cardosina A, em função do aumento da concentração de GndHCl. C) Análise electroforética das fracções obtidas por cromatografia de exclusão molecular na presença de 6M de GndHCl.

10 20 30 40 50

5M

6M

4M

0M

1M

3M

2M

3.5M

4.5M

3.75M

volume de eluição (ml)

A

B

0 1 2 3 4 5 610

15

20

25

30

GndHCl (M)

volu

me

de e

luiç

ão (m

l)

C SDS-Page

31kDa

14kDa

5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

volume de eluição (ml)

SDS-Page

31kDa

14kDa

5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

volume de eluição (ml)

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Resultados e Discussão

75

4.1.2.1. Discussão

Os estudos de hidrodinâmica estão de certa forma condicionados pela

estabilidade química da matriz utilizada para separação por exclusão molecular.

Na presença de ureia, foi possível apenas utilizar concentrações até 9M. Entre os

0M e os 7M assistimos a um ligeiro aumento do volume hidrodinâmico que

corresponderá a uma expansão da molécula. Tendo em conta os resultados

obtidos a partir de técnicas espectroscópicas, nesta gama de concentrações de

ureia, a molécula apenas sofre pequenas alterações estruturais. A alteração

estrutural que denuncia a desnaturação da cardosina A, na presença de ureia,

tem início a partir dos 7M com a perda de estrutura secundária e terciária

(figuras 4.2 e 4.5). Esta transição é evidente nos perfis de exclusão molecular na

presença de 8M e 9M de ureia, onde se verifica uma redução do pico

correspondente à molécula de cardosina A e o aparecimento de pequenas

fracções de peso molecular inferior, indicando uma desorganização estrutural da

molécula.

Da mesma forma, comparando os resultados de hidrodinâmica com os

resultados espectroscópicos de fluorescência e de CD obtidos, verifica-se uma

concordância nas transições estruturais da cardosina A, na presença de GndHCl.

As propriedades espectroscópicas da molécula mostraram uma única transição

entre os 2-4M deste agente caotrópico, acompanhada de perda de estrutura

secundária e terciária em simultâneo. Os resultados de hidrodinâmica mostram

apenas uma fracção até aos 3M de GndHCl, gama de concentrações onde ocorre

uma expansão da molécula, entre 3-4M há o aparecimento de várias fracções,

indicando a formação de estados intermediários sucessivos e a partir de 4,5M

verifica-se uma estabilização da conformação desnaturada, com duas fracções

apenas. A análise electroforética destas fracções comprovou que a conformação

final corresponde à dissociação da cardosina A, na presença de concentrações de

GndHCl superiores a 4M. Esta gama de concentrações encontra-se na fase de

pós transição anunciada pelos resultados espectrocópicos.

Estudos de desnaturação térmica da cardosina A mostraram a formação de

estado(s) parcialmente desenrolado(s), com retenção de estrutura secundária e

terciária. A desnaturação pela temperatura não induz a separação dos

monómeros desenrolados, mantendo o mesmo estado de oligomerização da

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Resultados e Discussão

76

proteína nativa. Do mesmo modo, a desnaturação na presença de acetonitrilo,

induz a destabilização da molécula sem dissociação dos monómeros. No caso da

desnaturação promovida pela variação dos valores de pH, as alterações

conformacionais foram também monitorizadas por cromatografia de exclusão

molecular. O perfil obtido para a cardosina A a pH 12 mostra a formação de duas

fracções cromatográficas que, após confirmação por SDS-PAGE, foram atribuídas

a cada uma das sub-unidades da molécula (Oliveira, 2007).

Outros autores referem que a pepsina, PA monomérica, após desnaturação

alcalina adquire um estado parcialmente desnaturado, com o N-terminal a sofrer

uma perda de estrutura nativa mais acentuada do que o C-terminal (Kamatari et

al., 2003). Não é possível estabelecer neste caso um paralelo entra a cardosina A

e a pepsina relativamente à desnaturação com GndHCl, uma vez que a pepsina

apresenta uma forte resistência à presença deste agente desnaturante, mantendo

grande parte das estruturas ordenadas na fase de pós transição (Ahmad &

McPhie 1978).

4.2. Caracterização funcional

A função biológica das proteínas está intimamente associada à sua estrutura

tridimensional. A preservação dessa estrutura é essencial em todas as aplicações

que envolvem proteínas, nomeadamente enzimas.

4.2.1. Efeito da presença de concentrações crescentes de

desnaturante na actividade catalítica da cardosina A

O efeito da desnaturação química na actividade catalítica da cardosina A, na

presença de diferentes concentrações de ureia e GndHCl, foi determinado

utilizando o ensaio de actividade descrito na secção 3.4 do capítulo de material e

métodos. A enzima foi incubada durante uma hora na presença de concentrações

crescentes de ureia e GndHCl, frequentemente utilizadas para induzir a

desnaturação química de proteínas e permitir a caracterização termodinâmica

desse processo.

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Resultados e Discussão

77

A actividade proteolítica da cardosina A foi determinada utilizando o péptido

sintético, Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu como substrato, de acordo com

um método anteriormente descrito (Veríssimo et al., 1996; Sarmento, 2002;

Sarmento et al., 2007a). A enzima promove a hidrólise da ligação Phe-Phe(NO2),

produzindo o tripéptido Phe(NO2)-Ala-Leu detectável a 257nm por cromatografia

líquida de alta pressão, utilizando uma coluna de fase reversa (RP-HPLC).

Em todos os ensaios foi efectuada uma pré-incubação de 1 hora, tempo

estipulado neste trabalho, para permitir que o agente desnaturante actue sobre a

enzima. O ensaio de actividade proteolítica foi realizado na presença da mesma

concentração de desnaturante utilizada na incubação prévia de 1 hora.

a) ureia

Na figura 4.15 podemos observar o perfil de inactivação da cardosina A na

presença de concentrações crescentes de ureia.

Figura 4.15: Perfil de inactivação da cardosina A na presença de concentrações crescentes de ureia (___) e de reactivação após remoção do desnaturante por diluição (….). A actividade proteolítica da cardosina A, nas condições referidas, foi determinada utilizando o péptido sintético, Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu, como descrito na secção 3.4 do capítulo de material e métodos.

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 100

25

50

75

100

ureia (M)

acti

vida

de r

elat

iva

(%)

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Resultados e Discussão

78

A presença de ureia, nas concentrações utilizadas, induz um decréscimo da

actividade catalítica da enzima até à completa inactivação. A 3M de ureia a

enzima apresenta 50% da sua actividade máxima e a 9M encontra-se

completamente inactiva. A curva de inactivação apresenta uma forma complexa,

composta por dois pontos de inflexão, formando um patamar entre 3-5M de

ureia. Após uma diluição de 200 vezes da solução de cardosina A foi efectuado

novo ensaio de actividade, desta vez na ausência do destabilizador (conforme

descrito na secção 3.4.4 do capítulo de material e métodos), podemos verificar

que há reversibilidade no efeito causado pela presença do desnaturante, levando

à recuperação da actividade da molécula enzimática.

b) GndHCl

A actividade proteolítica da cardosina A foi também analisada na presença de

concentrações crescentes de GndHCl. Na figura 4.16 é possível observar o perfil

de inactivação da enzima na presença deste desnaturante. O GndHCl é muito

eficiente no processo de inactivação da cardosina A uma vez que a 0,3M de

GndHCl mais de 50% das moléculas já se encontram desnaturadas e a 3,5M a

enzima está completamente inactiva. Neste caso, também se verifica a

reversibilidade da inactivação, sendo possível recuperar a actividade da enzima

eliminando o agente desnaturante por diluição.

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Resultados e Discussão

79

Figura 4.16: Perfil de inactivação da cardosina A na presença de concentrações crescentes de GndHCl (___) e de reactivação após remoção do desnaturante por diluição (….). A actividade proteolítica da cardosina A, nas condições referidas, foi determinada utilizando o péptido sintético, Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu, como descrito na secção 3.4 do capítulo de material e métodos.

4.2.2. Efeito da concentração de desnaturante na actividade

catalítica da cardosina A ao longo do tempo

a) ureia

No sentido de averiguar se o tempo de incubação de 1 hora permite à molécula

atingir o equilíbrio, foi efectuado um ensaio de monitorização do efeito do

solvente ao longo de 6 horas na actividade catalítica da enzima, cujo resultado

pode ser observado na figura 4.17. A cardosina A foi incubada na presença de

0,5M; 3,5M e 7M de ureia e nos tempos previamente determinados foram

retiradas alíquotas, procedendo-se ao ensaio de actividade na presença da

mesma concentração de ureia na solução de incubação.

0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.50

25

50

75

100

GndHCl (M)

acti

vida

de r

elat

iva

(%)

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Resultados e Discussão

80

Figura 4.17: Perfis de inactivação da cardosina A na presença de 0,5M (círculos fechados), 3,5M (círculos abertos) e 7M de ureia (quadrados), durante 6 horas de incubação. A actividade proteolítica da cardosina A, nas condições referidas, foi determinada utilizando o péptido sintético, Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu, como descrito na secção 3.4 do capítulo de material e métodos.

O perfil correspondente à concentração mais elevada de ureia mostra que

durante os primeiros 30 minutos a molécula sofre uma redução da sua

actividade catalítica para valores residuais. Após este tempo, até às 6 horas de

incubação a molécula mantém a mesma actividade. Para as concentrações de 0,5

e 3,5M ureia a enzima sofre uma redução da sua capacidade hidrolítica nos

mesmos 30 minutos, no entanto parece haver alguma recuperação nos minutos

seguintes até às 6 horas de incubação. Este efeito é mais acentuado para a

concentração de 0,5M, sugerindo uma recuperação da actividade inicial ao fim de

3 horas de incubação e um incremento da actividade da enzima após 6 horas de

incubação de aproximadamente 25%. Este resultado parece sugerir um efeito de

protecção da molécula enzimática na presença de baixas concentrações deste

desnaturante.

0 1 2 3 4 5 60

20

40

60

80

100

120

140

tempo de incubação (horas)

acti

vida

de r

elat

iva

(%)

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Resultados e Discussão

81

b) GndHCl

O efeito da presença prolongada do GndHCl, na actividade catalítica da

cardosina A, também foi monitorizado. Para tal, a enzima foi solubilizada na

presença de duas concentrações diferentes de GndHCl, ao longo de 6 horas de

incubação, procedendo-se ao ensaio de actividade na presença das mesmas

concentrações de desnaturante. Os perfis de inactivação estão representados na

figura 4.18.

Figura 4.18: Perfis de inactivação da cardosina A na presença de 0,5M (círculos abertos) e 2,5M de GndHCl (círculos fechados), durante 6 horas de incubação. A actividade proteolítica da cardosina A, nas condições referidas, foi determinada utilizando o péptido sintético, Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu, como descrito na secção 3.4 do capítulo de material e métodos.

Os resultados mostram que as concentrações de GndHCl utilizadas induzem um

decréscimo na actividade da enzima em apenas 30 minutos. Os valores de

actividade catalítica obtidos ao fim deste tempo mantêm-se ao longo das 6 horas

de incubação. Na presença de 2,5M de desnaturante a actividade da enzima é

reduzida de uma forma drástica para aproximadamente 2% da actividade inicial.

0 1 2 3 4 5 60

25

50

75

100

tempo de incubação (horas)

acti

vida

de r

elat

iva

(%)

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Resultados e Discussão

82

4.2.3. Efeito da concentração de enzima na actuação do desnaturante

sobre a actividade catalítica da cardosina A

Foi feita a monitorização da dependência da concentração de cardosina A em

solução, sobre o efeito dos desnaturantes na actividade proteolítica da enzima.

Para tal, a cardosina A foi incubada em diferentes concentrações, na presença de

concentrações crescentes de desnaturante, ureia e GndHCl, durante 1 hora a

25ºC. De seguida procedeu-se ao ensaio de actividade como descrito na secção

3.4.3 do capítulo de material e métodos.

a) ureia

Como se pode observar na figura 4.19, as curvas de inactivação obtidas para as

duas diferentes concentrações de enzima utilizadas neste ensaio, realizado na

presença de concentrações crescentes de ureia são coincidentes para

concentrações de desnaturante superiores a 2M não se verificando o mesmo para

concentrações mais baixas. Este resultado não permite afirmar com segurança se

a inactivação pela acção da ureia depende ou não da concentração de enzima

utilizada no ensaio. A alteração do perfil de inactivação na presença de diferentes

concentrações de enzima é um efeito conhecido para a cardosina A quer em

soluções aquosas quer na presença de acetonitrilo, embora não esteja ainda

esclarecido (Oliveira, 2007; Sarmento et al., 2007a).

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Resultados e Discussão

83

Figura 4.19: Perfis de inactivação da cardosina A na presença de concentrações crescentes de ureia e duas concentrações de enzima, 40ug/ml (….) e 200ug/ml (___). A actividade proteolítica da cardosina A, nas condições referidas, foi determinada utilizando o péptido sintético, Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu, como descrito na secção 3.4 do capítulo de material e métodos.

b) GndHCL

Relativamente ao efeito da concentração de enzima sobre a actividade catalítica

na presença de GndHCl (figura 4.20), as curvas de inactivação obtidas para as

duas concentrações de enzima utilizadas são claramente coincidentes em todas

as condições testadas. A eficiência dos dois caotrópicos utilizados neste trabalho poderá explicar a

diferença obtida nestes resultados. Uma vez que o GndHCl actua de forma mais

eficiente na inactivação da cardosina A poderá mascarar o efeito da concentração

de enzima.

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 100

25

50

75

100

ureia (M)

acti

vida

de r

elat

iva

(%)

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Resultados e Discussão

84

Figura 4.20: Perfis de inactivação da cardosina A na presença de concentrações crescentes de GndHCl e duas concentrações de enzima, 40ug/ml (….) e 200ug/ml (___). A actividade proteolítica da cardosina A, nas condições referidas, foi determinada utilizando o péptido sintético, Lys-Pro-Ala-Glu-Phe-Phe(NO2)-Ala-Leu, como descrito na secção 3.4 do capítulo de material e métodos.

Uma transição independente da concentração de proteína indica que só os

monómeros estão envolvidos (Ragone, 2000 & Parisi et al., 2003). O facto do

perfil de inactivação ser independente da concentração de enzima utilizada

poderá sugerir um processo de desnaturação em que as sub-unidades

desnaturam de forma independente.

4.2.4. Discussão

A análise das curvas de inactivação da cardosina A, representadas nas figuras

4.15 e 4.16, sugere que a ureia e o GndHCl promovem a desnaturação desta

molécula enzimática utilizando diferentes mecanismos. Em ambos os casos

ocorre uma diminuição da actividade da enzima em função do aumento da

concentração de desnaturante, que poderá ser explicada como uma

0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.50

25

50

75

100

GndHCl (M)

acti

vida

de r

elat

iva

(%)

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Resultados e Discussão

85

consequência das alterações de estrutura da molécula. Nestas condições, o

equilíbrio entre a flexibilidade conformacional e a rigidez do local activo estará

comprometido e o desempenho funcional da enzima diminuído.

A curva de inactivação, na presença de ureia, apresenta um patamar entre os 3 e

os 5M, coincidente com pequenas transições estruturais detectadas por

alterações espectroscópicas e hidrodinâmicas. Na presença de 9M de ureia a

enzima encontra-se completamente inactiva, sendo esta concentração de

desnaturante muito próxima do valor [D]1/2 determinado para alterações de

estrutura secundária e terciária. Isto significa que a enzima perde

completamente a actividade catalítica a meio da grande transição estrutural

promovida por este desnaturante. Na presença de GndHCl, pequenas

concentrações induzem um acentuado declínio na actividade da cardosina A

([D]1/2=0,3M), no entanto a completa inactivação acontece a 3,5M, durante a

transição estrutural que conduz à dissociação das sub-unidades da enzima. O

perfil de exclusão molecular na presença de 3,5M de GndHCl mostra que a

molécula apresenta uma conformação intermediária.

Em resumo, ambos os desnaturantes conduzem à perda de actividade da

cardosina A e, à semelhança dos resultados anteriores, também a funcionalidade

do local activo é mais resistente à presença de ureia.

O impacto da presença prolongada de ureia e GndHcl na actividade catalítica da

enzima foi monitorizado, utilizando diferentes concentrações de desnaturante na

solução de incubação. No geral, para todas as concentrações testadas, verifica-se

que ao fim de 1 hora ocorreram os efeitos esperados da desnaturação na

presença destes agentes (figuras 4.17 e 4.18). Os perfis de inactivação na

presença de 0,5 e 3,5M de ureia sugerem um aumento de actividade após a

redução inicial. No caso da concentração mais baixa verifica-se um incremento

relativamente à actividade inicial de aproximadamente 25%. Este efeito não

sendo convencional poderá ser explicado pela capacidade dos agentes

caotrópicos estabelecerem ligações com diferentes grupos da proteína (cross-

linking), quando utilizados em concentrações da fase de pré-transição,

protegendo as moléculas da desnaturação.

Este efeito de protecção da molécula na presença de baixas concentrações de

ureia foi também evidenciado por proteólise reduzida, como mostra a figura 4.21.

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Resultados e Discussão

86

Figura 4.21: Perfis de hidrólise da cardosina A, obtidos por proteólise reduzida, utilizando a termolisina como sonda proteolítica, na presença de 0M de ureia (A) e de 1M de ureia (B), de acordo com a secção 3.7 do capítulo de material e métodos.

Os perfis de hidrólise obtidos na ausência do desnaturante (figura 4.21 A),

mostram um maior número de fragmentos, relativamente aos perfis obtidos na

presença de 1M de ureia (figura 4.21 B). Nestas condições a enzima proteolítica

tem menor acessibilidade ao substrato, sugerindo uma alteração da estrutura

conformacional da cardosina A, da qual resulta uma menor exposição ao solvente

e à acção proteolítica da termolisina.

Existem evidências da interacção directa entre a ureia e o ião guanidina e as

proteínas, nomeadamente por estudos de cristalografia (Pike & Acharya, 1994;

Dunbar et al., 1997; Del Vecchio, 2002). Quando utilizados em concentrações

muito baixas, que não causam desnaturação, estes agentes estabelecem

múltiplas ligações de hidrogénio e interacções de van der Waals com a cadeia

principal e com as cadeias laterais da proteína (Pike & Acharya, 1994; Dunbar et

al., 1997). Estas ligações reduzem a liberdade e a entropia conformational da

molécula (Kumar et al., 2004). Concentrações mais elevadas destes agentes

induzem um efeito desnaturante que se sobrepõe a este efeito estabilizador

(Kumar et al., 2004).

No caso da cardosina A, verifica-se uma recuperação da actividade ao longo do

tempo na presença de baixas concentrações de ureia, mas no entanto, não se

verifica o mesmo para a concentração mais baixa de GndHCl. Apesar das

propriedades espectroscópicas da cardosina A não revelarem alterações de

estrutura registáveis na presença de 0,5M de GndHCl (figura 4.11 B), o efeito na

0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW 0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW 0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW 0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW 0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW 0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW

A B

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Resultados e Discussão

87

actividade da enzima é bastante nefasto, podendo o efeito destabilizador

sobrepor-se ao efeito estabilizador. Este não é o primeiro registo de um aumento

de actividade da cardosina A na presença de agentes destabilizadores. Em

concentrações de acetonitrilo até 10%, há um aumento da actividade desta

enzima, que pode estar relacionado com pequenas alterações na estrutura

secundária que ocorrem na mesma gama de concentrações (Oliveira, 2007).

4.3. Discussão geral

4.3.1. Acção desnaturante dos caotrópicos ureia e GndHCl

Os resultados aqui apresentados mostram que os agentes caotrópicos utilizados

induzem a desnaturação da cardosina A com diferentes eficiências, [ureia]1/2 ≈

3[GndHCl]1/2. Para a maioria das proteínas monoméricas o GndHCl tem uma

eficiência 2,3 vezes maior que a ureia (Myers et al., 1995). No caso das proteínas

multiméricas a razão [ureia]1/2/[GndHCl]1/2 é maior, sugerindo uma maior

susceptibilidade à desnaturação pelo GndHCl. O valor de [D]1/2 para proteínas

que desnaturam segundo mecanismos não cooperativos não deve ser utilizado

como medida da estabilidade da proteína ao caotrópico, no entanto, pode dar

algumas indicações acerca das diversas interacções entre os desnaturantes e as

diferentes classes de proteínas (Akhtar et al., 2002).

As curvas de desnaturação obtidas por CD e fluorescência, assim como os perfis

de exclusão molecular que mostram as alterações do comportamento

hidrodinâmico da enzima, na presença de ureia e GndHCl, revelam mecanismos

de desnaturação complexos. A destabilização da cardosina A, promovida por

estes agentes, segue mecanismos multifásicos com formação de conformações

intermediárias estáveis entre o estado nativo e o estado completamente

desnaturado. No entanto, há algumas diferenças relativamente aos mecanismos

seguidos pelos dois agentes desnaturantes. No caso do GndHCl, a desnaturação

da molécula envolve a formação de conformações intermediárias estáveis,

culminando com a dissociação das duas sub-unidades.

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Resultados e Discussão

88

No geral, a desnaturação de proteínas por acção da ureia e do GndHCl tem vindo

a ser relacionada com a interacção favorável destes reagentes com regiões da

proteína normalmente situados no interior da molécula, estabilizando a forma

desnaturada relativamente à nativa (Wu, 1931). Contudo, o mecanismo

molecular da acção desnaturante da ureia e do GndHCl não está ainda bem

determinado (Schellman, 2002). Muitos modelos têm sido propostos baseados em

dois pontos fundamentais da acção desnaturante da ureia e da guanidina: a)

ambos interagem preferencialmente com a cadeia peptídica ao nível dos grupos

CONH e com outros grupos polares das cadeias laterais formando múltiplas

ligações de hidrogénio e b) a adição de ureia ou GndHCl à água causa um

aumento da tensão superficial (Del Vecchio et al., 2002). De acordo com estes

mecanismos, a desnaturação das proteínas deveria ser idêntica para ambos os

desnaturantes. No entanto, existem algumas diferenças no processo de

desnaturação da cardosina A, observado na presença de ureia e na presença de

guanidina. Estes resultados poderão ter uma explicação baseada nas

características específicas de cada um dos caotrópicos.

O GndHCl é um electrólito e como tal é esperado que se ionize em GndH+ e Cl-

em soluções aquosas. Apesar do ião Cl- não apresentar um efeito negligenciável,

o efeito do GndHCl deve-se sobretudo ao ião GndH+ (Schellman, 2003). Do ponto

de vista estrutural, ureia e Gnd+ são muito semelhantes, no entanto, a ureia é

uma molécula neutra (não possui carga) enquanto que o ião guanidina possui

carga positiva. O carácter iónico do GndHCl, ausente na ureia, pode constituir

um factor relevante na estimativa da estabilidade das proteínas (Monera et al.,

1994).

A estabilização de proteínas por acção de desnaturantes iónicos pode ser um

processo comum, uma vez que as proteínas frequentemente contêm locais de

ligação a iões com diferente afinidade e especificidade (Akhtar et al., 2002). Na

presença de elevadas concentrações de GndHCl, há uma predominância de iões

Gnd+ ligados à molécula, deslocando o equilíbrio para o estado desenrolado e

induzindo a desnaturação da proteína (Monera et al., 1994). Acresce ainda a

elevada força iónica da solução de GndHCl que poderá mascarar interacções

electrostáticas (Pace, 1990). Na presença de baixas concentrações, o ião Gnd+

contacta com a superfície da proteína através de interacções com os aminoácidos

carregados negativamente, das cadeias laterais da molécula proteica. Deste

modo, o ião Gnd+ perturba e enfraquece as interacções electrostáticas

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Resultados e Discussão

89

optimizadas, presentes na conformação nativa da proteína, estabilizando

conformações intermediárias (Monera et al., 1994; Shukla et al., 2005).

Uma vez que ureia não possui carga, não se espera que tenha qualquer efeito

sobre as interacções electrostáticas inter ou intra moleculares da proteína. A

acção desnaturante da ureia presume-se que seja sobretudo baseada na sua

capacidade de se ligar à proteína (Tanford, 1970; Pace, 1986). É conhecida a

afinidade da ureia por grupos peptídicos, estabelecendo ligações de hidrogénio

que substituem as ligações entre esses grupos peptídicos e a água, em proteínas

desenroladas (Timasheff & Xie, 2003).

O carácter iónico do GndHCl, que lhe confere a capacidade de mascarar

interacções electrostáticas durante a desnaturação de proteínas, mostra uma

grande diferença no efeito desnaturante, relativamente à ureia. Esta diferença

pode ser usada para monitorizar a contribuição particular de cada tipo de

interacção, hidrofóbica ou electrostática. O GndHCl poderá aceder de forma mais

eficiente a alterações da estabilização resultante da contribuição de interacções

hidrofóbicas ou não iónicas, enquanto que a ureia é mais apropriada para

detectar contribuições específicas de interacções electrostáticas (Monera et al.,

1994). Estudos de estabilidade na presença de ureia e guanidina poderão deste

modo, indicar que tipos de interacções são dominantes na estabilização de uma

determinada proteína.

Apesar de ser evidente a interacção directa destes desnaturantes com as

proteínas, é também intuitivo que elevadas concentrações destas moléculas

podem causar alterações substanciais no comportamento do solvente.

Indirectamente, a alteração da estrutura da água que forma uma rede em torno

dos grupos hidrofóbicos das proteínas aumenta a sua solubilidade e enfraquece o

efeito hidrofóbico (Vanzi et al., 1998).

Recentemente foi demonstrado que o catião Gnd+ é fracamente hidratado (Mason

et al., 2003), forma ligações de hidrogénio com a água no plano molecular mas

interage de forma fraca com as moléculas de água acima e abaixo do plano

molecular (Dempsey et al., 2005). Sendo um catião pouco hidratado, forma

ligações distorcidas com as moléculas de água (Zou et al., 2002). A ureia tem a

capacidade de se incorporar na água através de ligações de hidrogénio,

mantendo uma distribuição espacial muito semelhante àquela que é formada

apenas pelas moléculas de água (Soper et al., 2003).

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Resultados e Discussão

90

A fraca hidratação do ião Gnd+ é um factor relevante no mecanismo de

desnaturação destas moléculas. A interacção com a proteína é estabelecida em

regiões pouco hidratadas da molécula, particularmente as que se vão expor com

o desenrolamento. A desnaturação resulta da maior ou menor extensão de

interacções favoráveis com a cadeia polipeptídica, tal como está descrito para o

ião guanidina e para a ureia (Timasheff & Xie, 2003). Outra contribuição para

induzir desnaturação, também relacionada com a fraca hidratação deste ião, é a

capacidade de promover a solubilidade de grupos apolares. Fraca hidratação

resulta necessariamente na redução da densidade de moléculas de água (Mason

et al.,2003).

A capacidade da ureia para estabelecer ligações de hidrogénio, assim como para

se incorporar na rede formada por moléculas de água mostra que este caotrópico

causa um efeito significativo na estrutura da água. Através de um mecanismo

indirecto, a ureia destrói a conformação tetraédrica das ligações de hidrogénio

estabelecidas pela água, enfraquecendo a rede tridimensional formada por estas

moléculas e o efeito hidrofóbico. O efeito directo na proteína envolve a solvatação

da cadeia polipeptídica por ambas as moléculas, água e ureia (Caballero-Herrera,

et al., 2005).

De acordo com o que está descrito acerca das interacções destes solventes com

as proteínas, os resultados obtidos sugerem que a estabilidade da estrutura

tridimensional da cardosina A se deve sobretudo a interacções hidrofóbicas.

Provavelmente o forte efeito causado pelo GndHCl deve-se ao carácter iónico

deste caotrópico. Na presença de ureia, é provável que para as concentrações

mais baixas actue o mecanismo indirecto, alterando a estrutura da água e

diminuindo o efeito hidrofóbico. A partir de 6M, onde começa a grande transição

ao nível da estrutura secundária, poderá haver uma maior exposição da molécula

para estabelecer ligações com as moléculas de ureia.

A concentração de desnaturante à qual corresponde a completa inactivação da

cardosina A corresponde a 9M e a 3,5M, para a ureia e o GndHCl,

respectivamente. Tendo em conta os valores de λmáx na presença destas

concentrações de desnaturante, parece que a destabilização estrutural da

molécula é muito maior para o caso do GndHCl, relativamente à ureia. Isto é, a

enzima encontra-se completamente inactiva a 3,5M de GndHCl e a 9M de ureia,

correspondendo a estes valores um λmáx de 350,5nm e 338,5nm,

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Resultados e Discussão

91

respectivamente, mostrando que a inactivação da cardosina A na presença de

ureia ocorre quando esta se encontra menos desenrolada do que na presença de

GndHCL. Este resultado sugere que a inactivação da enzima na presença de 9M

de ureia é causada por alterações de estrutura menos profundas, mas que tem

um efeito mais drástico ao nível do local activo.

4.3.2. Estados desnaturados da cardosina A

Em determinadas condições, a estrutura nativa de uma proteína pode sofrer

alterações, originando novas conformações com propriedades intermediárias

entre o estado nativo e o estado completamente desnaturado. A capacidade de

uma proteína para adoptar diferentes conformações, parcialmente enroladas e

estáveis, pode ser considerada uma propriedade intrínseca dessa proteína. A

informação necessária e suficiente para que uma proteína adopte a conformação

nativa, biologicamente activa, está presente na sua estrutura primária, mas a

capacidade de formar intermediários em equilíbrio está codificada na razão

carga/hidrofobicidade da cadeia polipeptídica (Uversky, 2002). Por outro lado, o

desenrolamento induzido por desnaturantes como a ureia e o GndHCl, em

proteínas grandes ou multiméricas, tem mostrado ser um processo multifásico

com estabilização de intermediários parcialmente enrolados (Akhtar et al., 2002).

A não coincidência das curvas de desnaturação da cardosina A obtidas por CD

na região do UV-afastado e por fluorescência mostraram que a enzima segue um

processo de desnaturação multifásico. As técnicas utilizadas permitiram detectar

a presença de conformações intermediárias em equilíbrio no processo de

desnaturação induzido quer pela ureia, quer pelo GndHCl, no entanto não

permitem caracterizar estas formas parcialmente desenroladas. Contudo, na

presença de concentrações superiores a 4M de GndHCl ocorre a dissociação da

molécula o que pode indicar um desenrolamento independente das duas sub-

unidades. Esta ideia é ainda apoiada pelo facto da curva de inactivação ser

independente da concentração de enzima, o que indica o envolvimento

independente dos monómeros no processo de desnaturação (Ragone, 2000).

Estudos com proteínas grandes e com multi-domínios revelaram processos de

desnaturação por fases, com uma desnaturação individual dos seus domínios

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Resultados e Discussão

92

(Privalov, 1982), ou desnaturam independentemente ou com diferentes níveis de

interacção entre eles (Brandts et al., 1989; Griko et al., 1989). Estudos recentes

de estabilidade conformacional da cardosina A mostraram, que a desnaturação

induzida pela temperatura e pelo pH é um processo parcialmente reversível e não

cooperativo, caracterizado pelo desenrolamento independente das duas cadeias

polipeptídicas. A cadeia polipeptídica de 15kDa, correspondente ao C-terminal da

proteína, desenrola primeiro mostrando uma menor estabilidade relativamente à

cadeia 31kDa (Pina et al., 2003; Shnyrova et al., 2006 & Oliveira, 2007). A

desnaturação da cardosina A na presença de solventes orgânicos, nomeadamente

acetato de etilo e acetonitrilo, mostrou também uma forte destabilização da

cadeia polipeptídica de baixo peso molecular relativamente à cadeia de alto peso,

interpretada como um aumento da flexibilidade da primeira (Shnyrova et al.,

2006; Oliveira, 2007 & Sarmento et al., 2007a).

O desenrolamento assimétrico das duas sub-unidades da cardosina A não é um

padrão único no grupo das PAs. Diferentes associações oligoméricas apresentam

mecanismos de desnaturação onde monómeros, domínios e zonas da mesma

molécula mostram diferenças de estabilidade.

Muito pouco se sabe acerca da estabilidade conformacional das PAs em geral.

Apesar de ser conhecido o seu envolvimento em algumas das doenças chamadas

“conformacionais”, causadas por processos de folding errados e agregação das

proteínas, há um número muito reduzido de trabalhos disponíveis na literatura.

Entre as PAs estudadas, relativamente à sua estabilidade conformacional e a

processos de folding e unfolding, encontram-se a pepsina, a enzima arquétipo

desta família (Ahmad & McPhie, 1978; McPhie, 1989; Privalov, et al., 1981;

Campos & Sancho, 2003 & Dee et al., 2006), a proteinase do HIV-1 (Cheng et al.,

1990; Szeltner & Polgár, 1996; Bhavesh et al., 2003 & Kovalskyy et al., 2005), a

catepsina D (Lah et al., 1983; 1984 & Pain et al., 1985b) a cardosina A (Pina et

al., 2003; Shnyrova et al., 2006; Oliveira 2007 & Sarmento et al., 2007a) e

algumas PAs de fungos (Beldarraín et al., 2000). As mais estudadas são a

pepsina e a proteinase do HIV-1 devido à sua importância comercial e

farmacêutica.

A desnaturação da pepsina, na presença de ureia e GndHCl, mostrou que após a

fase de transição, esta retém um grande conteúdo em estruturas ordenadas.

Estudos de calorimetria revelaram que esta PA monomérica, apresenta um

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Resultados e Discussão

93

desenrolamento independente dos seus domínios, sendo o domínio C-terminal

mais estável e com maior capacidade de desenrolar de forma reversível.

A protease do HIV-1, PA homodimérica, na presença de GndHCl apresenta zonas

com diferentes estabilidades e que desenrolam de forma sequencial, sendo os

flaps que protegem o local activo as zonas de menor estabilidade. Estudos de

RMN mostraram que na presença de 5M de guanidina, a protease do HIV-1

apresenta um desenrolamento complexo em que diferentes moléculas seguem

diferentes mecanismos de desnaturação.

A catepsina D de origem bovina, PA heterodimérica, desnatura também segundo

um processo não cooperativo, com formação de intermediários. Na presença de

ureia e GndCl, numa primeira transição verifica-se a perda de actividade e de

estrutura terciária e posteriormente ocorre a destabilização da estrutura

secundária, sugerindo o desenrolamento independente dos dois lobos da

molécula. A perda de actividade após o desenrolamento é irreversível, no entanto

a perda de estrutura secundária e terciária é parcialmente reversível.

Por proteólise reduzida, utilizando a termolisina como sonda, foi possível neste

trabalho, confirmar o desenrolamento independente das duas sub-unidades da

cardosina A, na presença de ureia. Nas figuras 4.22 (A) e (B) podemos observar

os perfis de hidrólise da cardosina A pela termolisina obtidos durante 2 horas de

ensaio, na presença de 1M e de 7M de ureia, respectivamente. Os perfis de

hidrólise na presença de 7M de ureia, sugerem que a sub-unidade de baixo peso

é degradada mais rapidamente quando comparada com a sub-unidade de alto

peso.

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Resultados e Discussão

94

Figura 4.22: Perfis de hidrólise da cardosina A, obtidos por proteólise reduzida, na presença de 1M (A) e 7M (B) de ureia. C) Degradação proteolítica das sub-unidades da cardosina A, de baixo peso molecular (....) e de alto peso molecular (__), determinada por análise densitométrica dos perfis obtidos na presença de 7M de ureia.

A análise da densidade óptica das bandas de cardosina A, dos perfis de hidrólise

obtidos na presença de 7M de ureia (figura 4.22-C), revelou a inexistência da

banda correspondente à sub-unidade de baixo peso ao fim 15 minutos de ensaio,

facto só evidenciado para a sub-unidade de alto peso após 2 horas de hidrólise.

Estes resultados mostram que a sub-unidade de baixo peso se encontra mais

susceptível à acção proteolítica da termolisina, nestas condições, havendo maior

acessibilidade ao substrato. Ou seja, a cardosina A na presença de ureia, sofre

uma alteração conformacional da qual resulta uma maior exposição dos locais de

hidrólise, sendo que, ao nível da sub-unidade de baixo peso essa exposição é

maior, sugerindo uma maior flexibilidade desta fracção.

0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW 0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW 0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW 0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´0 5´ 15´ 30´ 1h 2h2´MW

A B

C

0 20 40 60 80 100 1200

25

50

75

100

tempo (min)

den

sida

de ó

ptic

a (%

)

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Resultados e Discussão

95

Os resultados sugerem que as duas sub-unidades apresentam diferente

estabilidade e a sub-unidade menor é menos estável, o que está em concordância

com o que foi descrito para a cardosina A, na presença de outros agentes

desnaturantes, nomeadamente pH, temperatura e acetonitrilo (Oliveira, 2007).

Adicionalmente, estão descritos estados conformacionais parcialmente

desnaturados com actividade catalítica (Oliveira, 2007). Tendo em conta que o

local activo se encontra essencialmente na sub-unidade maior, apenas dois dos

aminoácidos envolvidos na catálise estão situados na sub-unidade menor,

poderemos estar na presença de uma enzima cujos domínios estão associados a

funções distintas, tendo a sub-unidade menor uma função essencialmente

reguladora, independente da função catalítica.

A desnaturação da cardosina A na presença de ureia e GndHCl sugere

mecanismos diferentes associados a cada um destes desnaturantes. Em ambos

os casos segue um mecanismo não cooperativo, com formação de intermediário(s)

que poderão estar relacionados com o desenrolamento independente das duas

sub-unidades. A ureia, assim como a temperatura e o acetonitrilo (Oliveira,

2007), desnaturam a cardosina A sem haver dissociação das sub-unidades, ao

contrário do GndHCl, à semelhança do que acontece com o pH (Oliveira, 2007),

que conduz à separação dos monómeros. O estado desnaturado final obtido na

presença de 5M de GndHCl é muito semelhante ao estado desnaturado obtido na

presença de valores de pH próximos de 12, quer em emissão de fluorescência

quer em comportamento hidrodinâmico. A dissociação das sub-unidades da

cardosina A e valores de λmáx superiores a 350nm denunciam um estado

desnaturado muito próximo da completa desnaturação. Os estados desnaturados

finais obtidos na presença de outros agentes desnaturantes já estudados,

nomeadamente ureia, temperatura e acetonitrilo, correspondem a estados

parcialmente desnaturados, inactivos, com retenção de estrutura terciária. A

molécula sofre alterações estruturais drásticas, no entanto as interacções

hidrofóbicas e as ligações de hidrogénio que mantêm a ligação entre as duas sub-

unidades não são destruídas.

Estas diferenças de actuação dos desnaturantes referidos sugerem duas vias

possíveis para o mecanismo de desnaturação da cardosina A, representadas na

figura 4.23.

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Resultados e Discussão

96

Figura 4.23: Esquema proposto para a desnaturação da cardosina A. N- estado nativo, I2- sub-unidades com desenrolamento assimétrico, D2- dímero desnaturado e 2D- monómeros desnaturados.

O mecanismo proposto envolve a formação de um estado intermediário (I2) com o

desenrolamento assimétrico das duas sub-unidades da cardosina A, que parece

ser comum a todos os agentes desnaturantes, divergindo posteriormente de

acordo com o estado desnaturado final obtido, dímero desnaturado (D2) ou

monómeros desnaturados (2D).

4.3.3. Resistência à desnaturação

A cardosina A mostrou baixa resistência à acção desnaturante dos caotrópicos

clássicos, relativamente à enzima tipo das PAs, a pepsina. Os resultados

apresentados mostram que concentrações de aproximadamente 3,5M de GndHCl

são suficientes para inactivar e desnaturar a cardosina A. No caso da

desnaturação com ureia, concentrações próximas de 9M induzem a perda de

actividade, aproximam-se do ponto médio da fase de transição estrutural mais

significativa. Relativamente à pepsina, apenas na presença de concentrações

próximas de 7M de GndHCl se verifica a inactivação e desnaturação da enzima e

em soluções muito concentradas de ureia, próximas de 9M, verificamos que a

enzima apresenta uma actividade residual e apenas uma ligeira perturbação da

sua estrutura nativa (Cardoso, 2007).

N I2

2D

ureiaACNtemperatura

GndHClpH

D2

N I2

2D

ureiaACNtemperatura

GndHClpH

D2

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Resultados e Discussão

97

Se observarmos o que acontece com os restantes membros das PAs, cujo

comportamento foi estudado na presença destes desnaturantes, verificamos que

a estabilidade conformacional da pepsina é maior, apresentando uma maior

resistência à desnaturação química. Estudos com a proteinase do HIV-1 (PAs

homodimérica) mostraram que concentrações de 2M de ureia são suficientes

para iniciar a destabilização da molécula e na presença de 4M a enzima

encontra-se inactiva e desnaturada (Szeltner & Polgár, 1996). Concentrações de

6M de ureia e 2M de cloreto de guanidina desnaturam a catepsina D (Lah et al.,

1983). Estes factos indicam uma maior estabilidade conformacional da

representante monomérica das PAs relativamente aos restantes estados

oligoméricos.

Estruturalmente, apesar do estado oligomérico ser diferente há uma elevada

homologia entre as PAs. Uma única cadeia no caso da pepsina ou duas cadeias

no caso da cardosina A, formam dois domínios com sequências de aminoácidos

diferentes mas com um enrolamento semelhante, como se pode verificar nas

estruturas tridimensionais representadas na figura 4.24.

Figura 4.24: Estruturas tridimensionais da cardosina A (identificação PDB: 1B5F), à esquerda e da pepsina humana (identificação PDB: 1PSN), à direita. As cores das estruturas representam a flexibilidade da molécula, distribuindo-se de acordo com os factores b. As cores variam entre o azul e o vermelho, correspondentes aos resíduos com menor e maior flexibilidade, respectivamente.

flapflap

Asp32-Asp215

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Resultados e Discussão

98

Os factores b representam uma medida da flexibilidade dos resíduos das

proteínas enroladas (Rhodes, 1993). A comparação da composição em

aminoácidos entre zonas experimentalmente caracterizadas como ordenadas e

desordenadas de uma proteína mostra que geralmente as zonas desordenadas

possuem aminoácidos com maior flexibilidade (Romero et al., 2001) segundo a

escala de Vihinen et al. (1994). Se observarmos os factores b da cardosina A e da

pepsina (figura 4.24), verificamos que a pepsina possui uma maior flexibilidade

local, relativamente à cardosina A. Está também descrito que a média dos

factores b ao nível do C-terminal (domínio mais estável da pepsina) é duas vezes

maior que ao nível do N-terminal (Sielecki et al., 1990). Na cardosina A, o

domínio mais estável, constituído pela sub-unidade maior, é também aquele que

possui regiões com factores b mais elevados (figura 4.24).

Estas zonas constituídas por resíduos com maior flexibilidade geralmente

apresentam uma conformação em loop. Um destes loops corresponde ao flap

(figura 4.24), estrutura de reconhecida mobilidade envolvida no processo

catalítico. Em moléculas com estrutura mais simples o flap poderá constituir

uma zona propensa a transições conformacionais, apresentando maior

sensibilidade ao efeito de agentes ou condições desnaturantes. Isto acontece com

a proteinase do HIV-1, proteinase aspártica homodimérica, onde se verifica que o

flap corresponde à zona da molécula com menor estabilidade (Bhavesh et al.,

2003). Em moléculas mais complexas haverá outras características estruturais

com relevância para a estabilidade destas moléculas, nomeadamente as pontes

S-S estabelecidas por ligações dissulfito entre resíduos de Cys. Estas ligações de

natureza covalente contribuem para a estabilização da estrutura nativa. Em

condições desnaturantes, impedem a molécula de adquirir uma conformação do

tipo random-coil.

A pepsina possui três ligações dissulfito, uma situa-se no N-terminal e as outras

duas no C-terminal. A cardosina A também possui o mesmo número deste tipo

de ligações, duas na sub-unidade maior e uma na sub-unidade menor.

Curiosamente, os domínios com maior estabilidade (C-terminal da pepsina e sub-

unidade maior da cardosina A) possuem duas ligações dissulfito e os domínios

com menor estabilidade possuem apenas uma. Atendendo à localização destas

ligações nas moléculas de cardosina A e de pepsina, verificamos que estas

ligações se encontram muito próximas de loops com grande flexibilidade

conformacional (figura 4.25). Está descrito para a pepsina que ao nível das

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Resultados e Discussão

99

ligações dissulfito há um constrangimento da molécula formando um loop (Tang

et al., 1973). Estas estruturas apesar de apresentarem grande mobilidade

encontram-se estabilizadas pelas ligações covalentes.

Figura 4.25: Distribuição das ligações dissulfito nas estruturas tridimensionais da cardosina A (identificação PDB: 1B5F), em cima e da pepsina humana (identificação PDB: 1PSN), em baixo. Os aspartatos catalíticos estão representados a cinza. As cores das estruturas representam a flexibilidade da molécula, distribuindo-se de acordo com os factores b. As cores variam entre o azul e o vermelho, correspondentes aos resíduos com menor e maior flexibilidade, respectivamente.

A estabilização da estrutura ao nível das ligações dissulfito poderá também

contribuir para a fraca exposição de alguns resíduos de Trp. Tendo em conta os

valores estimados da área de superfície acessível ao solvente, dos resíduos de Trp

da pepsina (tabela 4.3), verificamos que o Trp39 e o Trp299 se encontram

encerrados no interior da estrutura, o Trp190 é completamente inacessível ao

solvente e os Trp141 e Trp181 não sendo considerados resíduos expostos são

C45/50

C206/210

C249/282

C45/50

C206/210

C249/282

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Resultados e Discussão

100

mais acessíveis ao solvente. Os valores relativos da área de superfície acessível

ao solvente (SASA de solvent acessible surface área) foram determinados

utilizando o programa GETAREA 1.1 (Fraczkiewicz & Braun, 1998). Resíduos

com um valor de SASA superior a 50% são considerados expostos e valores

inferiores a 20% correspondem a resíduos encerrados no interior da molécula.

Por outro lado, na figura 4.26 podemos observar a distribuição das ligações

dissulfito, relativamente a estes resíduos de Trp. A ligação covalente entre os

resíduos de Cys 45 e 50 encontra-se muito próxima do Trp39 e as outras duas

ligações entre resíduos de cisteína (Cys206/Cys210 e Cys249/Cys282) situam-se

na proximidade do Trp299.

Tabela 4.3: Valores relativos da área de superfície acessível ao solvente, obtidos para os resíduos de triptofano na estrutura nativa, utilizando o programa GETAREA 1.1.

Trp

SASA (%)

Pepsina A

39

141

181

190

299

0,1

42,1

32,1

0

2,5

Cardosina A

39

137

154

190

299

0,2

0,8

8,0

0,5

0

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Resultados e Discussão

101

Figura 4.26: Distribuição das ligações dissulfito e dos resíduos de triptofano nas estruturas tridimensionais da cardosina A (identificação PDB: 1B5F), em cima e da pepsina humana (identificação PDB: 1PSN), em baixo. Os aspartatos catalíticos estão representados a vermelho. A observação das estruturas tridimensionais das duas moléculas, cardosina A e

pepsina, mostra que também a distribuição dos resíduos de Trp bem como a

distribuição das ligações dissulfito é muito semelhante nas duas moléculas. No

entanto, é possível verificar que na molécula de cardosina A, os resíduos de Trp

estão ainda menos acessíveis ao solvente (figura 4.26), como também mostram os

valores de acessibilidade da tabela 4.3. Todos os resíduos de triptofano na

cardosina A se encontram encerrados no interior da molécula (valores de SASA

inferiores a 20%), sendo o Trp299 completamente inacessível ao solvente. À

semelhança do que se verifica para a pepsina, também na cardosina A o Trp299

está muito próximo das ligações dissulfito Cys206/Cys210 e Cys249/Cys282,

sendo completamente inacessível ao solvente e o Trp39, que apresenta o valor de

SASA mais baixo, está situado na proximidade da ligação Cys45/Cys 50.

C206/210

C249/282C45/50

W39

W299

W154

W190

W137

C206/210

C249/282C45/50

W39

W299

W154

W190

W137

C206/210

C249/282C45/50

W39

W299

W181

W190W141

C206/210

C249/282C45/50

W39

W299

W181

W190W141

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Resultados e Discussão

102

As ligações dissulfito, estabelecidas normalmente entre resíduos de Cys não

adjacentes, constituem uma interacção terciária de natureza covalente. Estas

ligações desempenham um papel importante na estabilização da estrutura

enrolada da proteína cuja formação pode contribuir para o mecanismo de

enrolamento e para a estabilidade do estado nativo (Ladenstein & Ren, 2006). O

papel destas ligações na estrutura, estabilidade e mecanismo de enrolamento das

proteínas tem sido objecto de grande interesse na área da engenharia. No

entanto, a sua contribuição para a estabilização das proteínas não está

esclarecida. Está descrito que a formação de ligações dissulfito mostrou ser

essencial na aquisição da conformação nativa de algumas proteínas e noutras, a

sua redução levou ao desenrolamento das moléculas, sugerindo um papel

importante na manutenção da conformação nativa (Vaz et al., 2006). Na

literatura encontra-se outros casos em que as ligações dissulfito não contribuem

para a estabilidade da conformação nativa, sendo apenas responsáveis por

manter a conformação no local activo e na sua proximidade de forma a manter a

actividade da enzima (Siddiqui et al., 2005).

As ligações dissulfito nas proteínas multiméricas constituem um factor

importante contribuindo para a maior estabilidade da associação das sub-

unidades quando estabelecidas inter sub-unidades. No caso da cardosina A, a

molécula heterodimérica em estudo, este tipo de ligações forma-se apenas dentro

de cada sub-unidade. A análise das estruturas da cardosina A e da pepsina não

permite identificar as ligações dissulfito como responsáveis pela menor

estabilidade da cardosina A face à correspondente monomérica, uma vez que esta

característica estrutural é muito conservada nas duas moléculas. No entanto, o

facto de ser constituída por duas sub-unidades que não se encontram

estabilizadas por pontes S-S contribui certamente para a menor estabilidade da

cardosina A, quando comparada com a pepsina.

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Conclusões

103

A cardosina A é uma proteinase aspártica heterodimérica, de origem vegetal, cujo

procedimento de purificação permite obter um elevado rendimento de enzima

pura, motivando a intensa caracterização que tem vindo a ser alvo e a sua

utilização em estudos de estrutura/função das proteinases aspárticas. O

objectivo deste trabalho consiste no estudo da estabilidade conformacional da

cardoina A, na presença de desnaturantes clássicos como a ureia e o GndHCl.

Para tal foram utilizadas técnicas espectroscópicas como a fluorescência e o CD,

cromatografia de exclusão molecular, proteólise reduzida e ensaios de actividade.

A indução da desnaturação na presença destes agentes permitiu conhecer o tipo

de mecanismo envolvido neste processo e identificar possíveis intermediários.

A informação baseada nas propriedades espectroscópicas da cardosina A, na

presença de ureia e GndHCl, mostrou que ambos os desnaturantes induzem

alterações conformacionais na molécula enzimática, mas com diferentes

eficiências. Foi obtida uma razão [ureia]1/2/[GndHCl]1/2 ≈3 que indica uma maior

susceptibilidade da cardosina A ao caótropico com carácter iónico, sugerindo

que a estabilidade da estrutura tridimensional da cardosina A se deve sobretudo

a interacções hidrofóbicas.

O GndHCl mostrou ser mais ofensivo para a integridade estrutural da molécula,

quando comparado com a ureia, uma vez que o estado conformacional final se

aproxima mais da completa desnaturação. Por outro lado, a ureia promove

alterações conformacionais menos profundas mas com um efeito mais drástico

no local activo da enzima.

A não coincidência das curvas de desnaturação obtidas por fluorescência e por

CD na região do UV-afastado indicam que estamos em presença de mecanismos

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Conclusões

104

de desnaturação não cooperativos, com formação de intermediários em

equilíbrio.

O comportamento hidrodinâmico da cardosina A foi analisado por cromatografia

de exclusão molecular, revelando que o mecanismo de desnaturação da enzima,

na presença de GndHCl culmina com a dissociação da molécula. Este facto

sugere um desenrolamento independente das sub-unidades da cardosina A

durante o processo de desnaturação.

A inactivação da cardosina A na presença de concentrações crescentes de

GndHCl mostrou ser independente da concentração de proteína, confirmando o

desenrolamento independente das duas sub-unidades da enzima.

O mecanismo de desnaturação da cardosina A na presença de ureia não envolve

a sua dissociação, no entanto, estudos de proteólise reduzida mostraram um

desenrolamento independente e assimétrico das sub-unidades da enzima, com a

sub-unidade menor a apresentar menor estabilidade.

As diferenças no efeito desnaturante induzidas pela ureia e pelo GndHCl

sugerem duas vias possíveis para o mecanismo de desnaturação da cardosina A.

O mecanismo proposto envolve a formação de intermediário(s), etapa comum a

ambos os desnaturantes, divergindo posteriormente para um estado de dímero

desnaturado na presença de ureia ou para um estado de monómeros

desnaturados na presença de GndHCl.

A diferença de estabilidade dos domínios que compõem a molécula da cardosina

A sugere funcionalidades diferentes. O domínio correspondente à sub-unidade

maior, que possui a quase totalidade dos resíduos envolvidos na catálise, poderá

desempenhar a função catalítica e o domínio correspondente à sub-unidade

menor estará associado a uma função essencialmente reguladora.

Uma análise estrutural das moléculas de cardosina A e de pepsina permite

concluir que o seu estado oligomérico assim como as ligações dissulfito

desempenham um papel importante na estabilidade conformacional das PAs.

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