a cultura epigráfica no conventvs bracaravgvstanvs … · tratando-se de forma de comunicação...

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    A cultura epigrfica no conventvs Bracaravgvstanvs (pars occidentalis): percursospela sociedade brcara da poca romana. Vol. I

    Autor(es): Redentor, Armando

    Publicado por: Imprensa da Universidade de Coimbra

    URLpersistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/42775

    DOI: DOI:https://doi.org/10.14195/978-989-26-1270-6

    Accessed : 6-Oct-2018 22:54:14

    digitalis.uc.ptpombalina.uc.pt

  • Srie Investigao

    Imprensa da Universidade de Coimbra

    Coimbra University Press

    2017

    Com o dealbar da poca romana no Noroeste hispnico, assiste-se irrupo

    do hbito epigrfico, novel prtica em termos de cultura comunicacional intro-

    duzida pela administrao imperial e seus agentes e que depressa se entranha

    no modo de estar das populaes locais, mormente por via das suas elites.

    Tratando-se de forma de comunicao que visou, em grande medida, a come-

    morao e auto-representao individuais, mas tambm de colectividades, a

    materialidade desse exerccio, plasmada nos suportes gravados com textos de

    finalidade diversa, serve-nos hoje como fonte privilegiada para afrontar os de-

    safios que a construo de conhecimento sobre as sociedades da Antiguidade

    encerra, ainda que a no se reflicta o todo social.

    este o mote da investigao encetada no contexto territorial calaico meridio-

    nal. Partindo da reviso do dossi epigrfico do Ocidente brcaro e da clarifi-

    cao da sua natureza, cronologia e representatividade, percorrem-se alguns

    dos marcadores da sociedade que vivificou, em poca romana, o territrio, os

    ncleos de povoamento e as artrias que o uniram.

    9789892

    612270

    ARMANDO REDENTOR

    Armando Redentor nasceu em 1971.02.14, na Figueira da Foz.

    Doutor em Histria, na especialidade de Arqueologia (2012), Mestre em

    Arqueologia, na especialidade de Arqueologia Romana (2001) e Licenciado

    em Histria, variante de Arqueologia (1993), pela Faculdade de Letras da

    Universidade de Coimbra. Como investigador integrado do Centro de Estudos de

    Arqueologia, Artes e Cincias do Patrimnio/Universidade de Coimbra (CAACP/

    UC) desenvolve investigao no mbito da Epigrafia e Arqueologia romanas.

    membro de diversas agremiaes cientficas, entre as quais a Association

    Internationale dpigraphie Grecque et Latine (AIEGL). Pertence ao Conselho

    de Redaco da Hispania Epigraphica e equipa da Hispania Epigraphica

    OnLine, cuja direco e coordenao realizada pelo Archivo Epigrfico de

    Hispania, da Universidad Complutense de Madrid. Tem diversificada produo

    cientfica sobre a temtica epigrfica, arqueolgica e patrimonial, bem como

    participao regular em reunies cientficas nacionais e internacionais, e ainda

    em projectos de investigao centrados no mbito hispnico.

    ARM

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    IDEN

    TALIS)

    IMPRENSA DAUNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITYPRESS

    A CULTURA EPIGRFICA NO CONVENTVS BRACARAVGVSTANVS(PARS OCCIDENTALIS)Percursos Pela sociedade brcara da Poca romana

    Volume i

  • Com o dealbar da poca romana no Noroeste hispnico, assiste-se irrupo

    do hbito epigrfico, novel prtica em termos de cultura comunicacional intro-

    duzida pela administrao imperial e seus agentes e que depressa se entranha

    no modo de estar das populaes locais, mormente por via das suas elites.

    Tratando-se de forma de comunicao que visou, em grande medida, a come-

    morao e auto-representao individuais, mas tambm de colectividades, a

    materialidade desse exerccio, plasmada nos suportes gravados com textos de

    finalidade diversa, serve-nos hoje como fonte privilegiada para afrontar os de-

    safios que a construo de conhecimento sobre as sociedades da Antiguidade

    encerra, ainda que a no se reflicta o todo social.

    este o mote da investigao encetada no contexto territorial calaico meridio-

    nal. Partindo da reviso do dossi epigrfico do Ocidente brcaro e da clarifi-

    cao da sua natureza, cronologia e representatividade, percorrem-se alguns

    dos marcadores da sociedade que vivificou, em poca romana, o territrio, os

    ncleos de povoamento e as artrias que o uniram.

  • edio

    Imprensa da Univers idade de CoimbraEmail: [email protected]

    URL: http//www.uc.pt/imprensa_ucVendas online: http://livrariadaimprensa.uc.pt

    coordenao editorial

    Imprensa da Univers idade de Coimbra

    conceo grfica

    Antnio Barros

    infografia

    Mickael Silva

    Print by

    CreateSpace

    iSbn

    978-989-26-1269-0

    iSbn digital

    978-989-26-1270-6

    doi

    https://doi.org/10.14195/978-989-26-1270-6

    Julho 2017, imPrenSa da univerSidade de coimbra

  • ARMANDO REDENTOR

    IMPRENSA DAUNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITYPRESS

    A CULTURA EPIGRFICA NO CONVENTVS BRACARAVGVSTANVS(PARS OCCIDENTALIS)Percursos Pela sociedade brcara da Poca romana

    Volume i

  • (Pgina deixada propositadamente em branco)

  • Para Caus, Lara, ris e Eva.

  • (Pgina deixada propositadamente em branco)

  • S u m r i o

    I

    Apresentao por Jos dEncarnao ................................................. 23

    Prefcio ................................................................................................. 27

    Introduo ............................................................................................ 35

    I Parte.

    Enquadramentos: limites espaciotemporais e metodologia .............. 43

    1. Dos limites espaciotemporais ............................................................. 45

    1.1. O espao .................................................................................... 45

    1.1.1. O conuentus Bracaraugustanus:

    origem, definio e limites ..................................................... 45

    Criao e funo da diviso conventual no Noroeste ............. 46

    Delimitao territorial do conuentus Bracaraugustanus ......... 51

    1.1.2. Enquadramento fsico do conuentus Bracaraugustanus ........ 61

    Esboo geomorfolgico ............................................................ 61

    Recursos minerais ................................................................... 65

    Caractersticas climticas e fitogeogrficas ............................ 69

    A fachada atlntica conventual:

    breves notas orogrficas e hidrogrficas ........................... 71

    1.1.3. Geoetnografia bracaraugustana:

    propostas entre a fragilidade e a incerteza ............................ 74

    1.2. O tempo ..................................................................................... 85

    1.2.1. O mundo indgena ............................................................. 86

  • 8

    1.2.2. A incorporao do espao territorial

    bracaraugustano no domnio romano ..................................... 94

    1.2.3. A integrao administrativa .............................................. 103

    2. Aspectos tericos e metodolgicos das fontes epigrficas ............... 113

    2.1. Da epigrafia como fonte .......................................................... 113

    2.2. Breve enquadramento metodolgico aplicado ao

    tratamento das fontes ................................................................ 128

    2.3. Dos critrios seguidos na datao das fontes epigrficas ........ 130

    2.4. O nome e o seu significado jurdico ........................................ 146

    II Parte.

    Onomstica pessoal no Ocidente brcaro ........................................ 157

    1. A populao do Ocidente brcaro atravs dos nomes ..................... 159

    1.1. Os limites do corpus onomstico ............................................. 159

    1.2. Terminologia e preceitos onomsticos ..................................... 162

    1.3. Onomstica quiritria ............................................................... 165

    1.3.1. O efectivo de cidados ..................................................... 166

    1.3.2. Expresses da nomenclatura quiritria ............................ 173

    Expresso abreviada dos gentilcios e cognomes ................... 178

    Filiao e libertinatio ........................................................... 187

    Polionimia ............................................................................ 199

    Transmisso quiritria dos nomes ........................................ 206

    Nomes conjugais e casamentos ............................................. 209

    Casamentos mistos, casamentos ilegtimos,

    concubinato e contubrnio .............................................. 212

    1.3.3. Estrutura lingustica da onomstica quiritria .................. 220

    Anlise lingustica dos componentes das

    estruturas onomsticas .................................................... 224

    Disposies lingusticas das nomenclaturas familiares ......... 227

    Gentilcios dominantes ......................................................... 229

    Gentilcios indgenas ............................................................ 235

    Assonncia e gentilcios incomuns ....................................... 239

  • 9

    Os cognomina ....................................................................... 241

    Cognomes de frequncia indgena ........................................ 243

    Nomes de traduo ............................................................... 244

    Nomes de assonncia ............................................................ 245

    Gentilcios empregues como cognomes .................................. 245

    Nomes antigos, raros e unica ................................................ 246

    Cognomes de origem grega ................................................... 251

    Estruturas onomsticas com unica e nomes raros ................ 252

    1.3.4. Das nomenclaturas quiritrias ao recorte social .............. 253

    A nata dos senadores e cavaleiros ........................................ 253

    Elites locais ........................................................................... 268

    Militares ............................................................................... 282

    Liberti ................................................................................... 292

    1.4. Onomstica peregrina .............................................................. 303

    1.4.1. O efectivo de peregrinos .................................................. 304

    1.4.2. Expresso da nomenclatura peregrina ............................. 307

    Duplo idinimo e indicaes de provenincia ...................... 308

    Filiao, libertinatio e transmisso dos nomes ..................... 315

    1.4.3. Estrutura lingustica da onomstica peregrina ................. 316

    Idinimos de frequncia indgena ........................................ 320

    Nomes de traduo e de assonncia ..................................... 322

    Formas gentilcias e prenominais ......................................... 323

    Raros, unica e os idinimos indgenas .................................. 324

    Idinimos gregos ................................................................... 337

    Expresso abreviada dos idinimos ...................................... 339

    Caractersticas da onomstica familiar ................................ 342

    1.4.4. Compleio social nas nomenclaturas peregrinas ............ 349

    Liberti ................................................................................... 349

    Elites aristocrticas ............................................................... 354

    1.5. Onomstica servil ..................................................................... 367

    1.5.1. O efectivo de escravos ..................................................... 369

  • 10

    1.5.2 Expresso da nomenclatura servil..................................... 371

    Dominatio e transmisso dos nomes ..................................... 371

    1.5.3 Estrutura lingustica da onomstica servil ........................ 375

    Idinimos de frequncia indgena e outros latinos

    associados aos meios servis .............................................. 376

    Formas prenominais ............................................................. 379

    Raros e unica ........................................................................ 380

    Idinimos gregos ................................................................... 384

    Expresso abreviada dos idinimos ...................................... 385

    Caractersticas da onomstica familiar ................................ 386

    1.6. Incerti ...................................................................................... 388

    2. Os castella: toponomstica e organizao territorial ........................ 391

    2.1. O : problemtica interpretativa e enquadramento histrico ........ 391

    O contributo do dito do Bierzo ............................................ 394

    Da escultura dos guerreiros lusitano-galaicos

    ao papel das elites indgenas ........................................... 399

    Dos castella como forma de enquadramento censual

    denominao dos indivduos ........................................ 412

    2.2. Localizao e toponomstica .................................................... 416

    III Parte.

    Dinmicas econmicas ....................................................................... 431

    1. As dinmicas econmicas e o registo epigrfico .............................. 433

    1.1. A cidade no centro das comunicaes

    terrestres, martimas e fluviais ................................................... 433

    O papel econmico de Bracara Augusta ................................ 435

    A presena de ciues Romani qui negotiantur

    em Bracara Augusta ......................................................... 442

    O significado da homenagem a C. Caetronius Miccio ........... 448

    1.2. Da rede viria terrestre no Ocidente brcaro .......................... 454

    Uma dedicatria imperial jlio-claudiana ........................... 461

  • 11

    A inscrio rupestre comemorativa

    das Caldas das Taipas ..................................................... 470

    1.3. Das vias martimas e fluviais ................................................... 474

    1.4. Do estatuto das exploraes aurferas

    da rea de Gondomar, Valongo e Paredes ................................. 496

    1.5. Ofcios...................................................................................... 511

    Sector extractivo e transformador da pedra .......................... 513

    Sector da construo ............................................................ 517

    Sector do artesanato cermico .............................................. 523

    Sector txtil e do vesturio .................................................... 524

    Sector alimentar ................................................................... 530

    Outras actividades apenas indiciadas ..................................534

    IV Parte.

    Dos deuses e dos homens ................................................................. 541

    1. Religio e manifestaes religiosas .................................................. 543

    1.1. Divindades romanas ................................................................. 547

    As grandes divindades clssicas:

    Iuppiter, Mars e Mercurius .............................................. 550

    As grandes divindades tutelares:

    Lares, Genii, Nymphae e Fortuna .................................... 568

    Outros deuses e cultos de tradio ou veiculao clssica ........ 578

    1.2. Divindades indgenas e interpretationes .................................. 588

    As grandes divindades: Reue, Nabiae, Cossue / Cusu,

    Bandue / Bandui, Munidi e Corougiai / Crougiai ............... 593

    Divindades locais ................................................................. 621

    Eptetos sem tenimo ............................................................. 631

    Divindades romano-indgenas .............................................. 641

    1.3. Divindades orientais ................................................................ 664

    Penetrao das divindades orientais no Ocidente brcaro ....... 666

    Uma divindade romano-oriental .......................................... 669

  • 12

    1.4. Nomes divinos reduzidos a termos genricos,

    abreviados, omissos e incompletos ............................................ 672

    Nomes divinos reduzidos a termos genricos e incompletos ....... 673

    Tenimos reduzidos a siglas ................................................. 677

    Omisso dos tenimos ........................................................... 684

    1.5. Santurios: do rural ao periurbano .......................................... 686

    O caso de Vermil ................................................................... 687

    O edifcio rectangular da citnia da Carmona .................... 692

    O santurio da Fonte do dolo .............................................. 694

    1.6. Inscries politeicas ................................................................. 704

    Rol sacrificial de Marecos ..................................................... 704

    A inscrio de Caldas de Vizela ............................................ 708

    1.7. Os ritos imperiais ..................................................................... 716

    Manifestaes do culto imperial no Ocidente brcaro .......... 719

    Da organizao do culto ......................................................741

    Notas finais: das temticas visadas s perspectivas de futuro........747

  • 13

    II

    Inventrio epigrfico ...........................................................................15

    1. Princpios de apresentao adoptados no catlogo ............................17

    1.1. Sinais diacrticos utilizados ........................................................19

    1.2. Abreviaturas e smbolos utilizados .............................................20

    2. Catlogo ............................................................................................21

    Bibliografia ........................................................................................ 259

    Abreviaturas bibliogrficas ............................................................. 343

    ndices e tbuas de correspondncias .............................................. 347

    ndice de quadros ........................................................................... 349

    ndice de grficos ........................................................................... 351

    ndice de cartografia ....................................................................... 352

    ndice de estampas ......................................................................... 353

    ndices epigrficos .......................................................................... 357

    Tbuas de correspondncias

    (corpora e repertrios epigrficos) ............................................ 399

    Apndices ............................................................................................ 409

    Apndice 1: Ficha-tipo da base de dados epigrficos ..................... 411

    Apndice 2: Onomstica quiritria .................................................. 416

    Apndice 3: Onomstica peregrina ................................................. 420

    Apndice 4: Onomstica servil........................................................ 425

    Apndice 5: Onomstica dos incerti ............................................... 426

    Cartografia .......................................................................................... 429

    Estampas ............................................................................................. 451

  • (Pgina deixada propositadamente em branco)

  • A c u lt u r A e p i g r f i c A n o c o n v e n t v s

    B r ac a r avg v s ta n v s ( pa r s o c c i d e n ta l i s ) :

    p e r c u r S o S p e l A S o c i e dA d e b r c A r A dA

    p o c A r o m A n A

    e p i g r A p h i c c u lt u r e i n c o n v e n t v s

    B r ac a r avg v s ta n v s ( pa r s o c c i d e n ta l i s ) :

    p At h S t h r o u g h b r Ac A r i A n S o c i e t y o f t h e

    r o m A n p e r i o d

    autor author

    Armando Redentor

    filiao affiliation

    Universidade de Coimbra

    Resumo

    Com o dealbar da poca romana no Noroeste hispnico, as-

    siste-se irrupo do hbito epigrfico, novel prtica em termos

    de cultura comunicacional introduzida pela administrao imperial

    e seus agentes e que depressa se entranha no modo de estar das

    populaes locais, mormente por via das suas elites.

    Tratando-se de forma de comunicao que visou, em grande me-

    dida, a comemorao e auto-representao individuais, mas tambm

    de colectividades, a materialidade desse exerccio, plasmada nos

  • 16

    suportes gravados com textos de finalidade diversa, serve-nos hoje

    como fonte privilegiada para afrontar os desafios que a construo

    de conhecimento sobre as sociedades da Antiguidade encerra, ainda

    que a no se reflicta o todo social.

    este o mote da investigao encetada no contexto territorial

    calaico meridional. Partindo da reviso do dossi epigrfico do

    Ocidente brcaro e da clarificao da sua natureza, cronologia

    e representatividade, percorrem-se alguns dos marcadores da so-

    ciedade que vivificou, em poca romana, o territrio, os ncleos

    de povoamento e as artrias que o uniram.

    A anlise da onomstica pessoal ocasiona destrinar a organiza-

    o jurdica e social da fraco da populao que possvel fixar

    pelos textos epigrficos, abalizando-se a bem estatuda diviso entre

    cidados romanos e peregrini (em tempos anteriores constitutio

    Antoniniana), escravos e libertos, no s privados mas tambm

    pblicos. Assinalam-se mecanismos de mobilidade social e jurdica

    e aquilata-se das tendncias ou preferncias, inclusive das estrat-

    gias de gnero, nas escolhas dos nomes individuais, dentro de um

    leque antroponmico vasto e com origens lingusticas diferenciadas.

    As elites, por predisposio e capacidade econmica, tm lu-

    gar de destaque na cultura epigrfica, convivendo as extradas da

    camada autctone da populao, com as que tm uma origem ex-

    terior ao Ocidente conventual, contando-se, neste caso, particulares

    movidos por interesses diversos, militares e membros da estrutura

    administrativa romana. Em termos locais, esta implicou uma orga-

    nizao baseada na ciuitas, no raras vezes com reflexo na forma

    de identificao individual.

    Ensaiam-se abordagens parcelares sobre a realidade da estrutura

    econmica do territrio em funo de documentao que permite

    enfocar aspectos concretos, como o aproveitamento dos recursos

    naturais, com destaque para a explorao aurfera, a dinmica ur-

    bana e de ambientes porturios ou uma mo-cheia de actividades

  • 17

    artesanais cujo registo epigrfico nos chegou, amide completando

    a identificao de determinado indivduo na sepultura ou na rela-

    o com o divino.

    A religio, enquanto fenmeno inerente sociedade, tem, ao

    nvel da documentao compulsada, importncia no menosprezvel,

    pelo que se ensaia uma caracterizao das manifestaes religiosas

    que giram no s em funo de numes indgenas, exclusivamente

    por esta via revelados, mas tambm de alguns dos deuses do pan-

    teo greco-romano e, em menor medida, dos mistrios. Ainda neste

    mbito, d-se ateno ao culto poltico centrado nos imperadores

    e suas dinastias, tendo particular expresso, na poca augustana,

    em Bracara Augusta, sede conventual onde, ao longo das pocas

    seguintes, se continuam a praticar os ritos imperiais, conforme se

    depreende de actos consecratrios diversos e do conhecimento

    de uma organizao sacerdotal na qual participam as elites autcto-

    nes, que, no raro, se alcandoraram a posies na capital provincial.

    Pelas inscries romanas caminha-se em direco Antiguidade,

    no sem o amparo das fontes literrias e do registo arqueolgico,

    em busca de alguns dos protagonistas das vivncias de que foi

    cenrio a parte ocdua do conuentus Bracaraugustanus.

    Palavras-chave

    Epigrafia, sociedade, Ocidente do conuentus Bracaraugustanus,

    poca romana.

    Abstract

    The Roman occupation of the Iberian northwest led to the

    emergence of the epigraphic habit, a new practice of cultural com-

    munication introduced by the imperial administration and its agents.

    Local peoples rapidly adopted this trend, which was disseminated

    through its social elites.

  • 18

    As a form of communication, epigraphs were mainly used for

    both individual and communal celebrations and self-representations.

    The material that is evidence of this practice, the engraved surfaces

    with writings on a variety of topics, are today privileged sources

    that enable us to address the challenges posed by the study of the

    societies of classical antiquity, despite the fact that they can provi-

    de only a fragmentary picture of the world from which they arise.

    These are the main concerns of this research, which focuses

    on southern Callaecia. From a starting point of the review of the

    epigraphic data originating from western Bracarensis, an attempt

    has been made to clarify its nature, chronology and representati-

    veness, investigating some of the markers of the society that gave

    life to the territory, settlements and roads they were connected by

    during Roman rule.

    The study of personal names permits the understanding of both

    the social and legal organization of that section of the population

    that is reflected in the epigraphic evidence. It becomes possible

    to envisage not only the well-established division between Roman

    citizens and peregrini (the latter before the constitutio Antoniniana),

    but also between slaves and freedmen in both the private and

    public sphere. Mechanisms of mobility, both social and legal, and

    the tendencies or preferences reflected by choices in the names of

    individuals, and which include gender-based strategies, are drawn

    on in a span which is both wide and of varied linguistic origins.

    Social elites play a dominant role within the epigraphic culture,

    a result of both natural propensity and wealth. Members of the eli-

    te of the indigenous populations mingle with those who originate

    from outside the western conventus, and include private individuals

    driven by a variety of interests, members of the military, and offi-

    cials in the Roman administration. The latter imposed a system of

    local government based on the civitas, and was often reflected in

    the naming patterns of individuals.

  • 19

    Also being attempted are limited approaches to defining the

    economic structure of the territory by means of inscriptions bea-

    ring information on the management of natural resources including

    those relating to gold mining, urban life and harbour environments.

    Included in this study are a cluster of references to artisanal work,

    records which often assist in the identification of determined indivi-

    duals in their place of burial or in their relationship with the divine.

    Religion, while an intrinsically social phenomenon, has a relevant

    role within the inscriptions studied. An attempt has therefore been

    made to describe religious practices associated with indigenous

    deities, some of whom we only know of through epigraphs, as well

    as those associated with the gods of the Greco-Roman pantheon,

    and, to a lesser extent, the sacred Mysteries. Particular attention is

    paid here to the political cult centred on emperors and their dy-

    nasties, which enjoyed significant expression at Bracara Augusta

    in Augustan times. In this seat of conventus, it can be inferred from

    the epigraphical record that imperial rites persisted over subsequent

    centuries, with the existence of an organized priesthood incorpo-

    rating individuals from autochthonous elites who were sometimes

    known to achieve high positions in the provincial capital.

    Complemented by literary sources and the archaeological record,

    Roman inscriptions build a path towards classical antiquity in the

    search for the people and places that played a part in the wide

    scenario that is the western conventus Bracaraugustanus.

    Keywords

    Epigraphy, society, western conventus Bracaraugustanus, Roman

    period.

  • 20

    Autor

    n. 1971.02.14, na Figueira da Foz

    Doutor em Histria, na especialidade de Arqueologia (2012),

    Mestre em Arqueologia, na especialidade de Arqueologia Romana

    (2001) e Licenciado em Histria, variante de Arqueologia (1993),

    pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Investigador

    integrado do Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Cincias

    do Patrimnio (CAACP), sedeado na Universidade de Coimbra,

    desenvolvendo investigao no mbito da Epigrafia e Arqueologia

    romanas. Membro de diversas agremiaes cientficas, entre as quais

    a Association Internationale dpigraphie Grecque et Latine (AIEGL).

    Pertence ao Conselho de Redaco da Hispania Epigraphica e

    equipa da Hispania Epigraphica OnLine, cuja direco e coordena-

    o realizada pelo Archivo Epigrfico de Hispania, da Universidad

    Complutense de Madrid. Tem diversificada produo cientfica sobre

    a temtica epigrfica, arqueolgica e patrimonial, bem como parti-

    cipao regular em reunies cientficas nacionais e internacionais, e

    ainda em projectos de investigao centrados no mbito hispnico.

  • 21

    Author

    Born 14-02-1971 in Figueira da Foz

    PhD in History, specializing in Archaeology (2012), MA in

    Archaeology, specializing in Roman Archaeology (2001) and BA

    in History, specializing in Archaeology (1993) from the Faculty of

    Arts and Humanities at the University of Coimbra. Researcher at the

    Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Cincias do Patrimnio

    (CAACP), based at the University of Coimbra, carrying out research

    into Epigraphy and Roman Archaeology. Member of several scientific

    associations, including the Association Internationale dpigraphie

    Grecque et Latine (AIEGL). On the editorial board of the Hispania

    Epigraphica and part of the Hispania Epigraphica OnLine team,

    which is managed by the Archivo Epigrfico de Hispania of the

    Universidad Complutense de Madrid. The author publishes widely

    on the subject of Epigraphy, Archaeology and cultural heritage, and

    regularly attends national and international scientific meetings, as

    well as participating in research projects relating to Roman Hispania.

  • (Pgina deixada propositadamente em branco)

  • A p r e S e n tA o

    TER QUEDA! Quis D. Fernando de Almeida mui solicitamente

    prefaciar a minha dissertao de licenciatura Divindades Indgenas

    sob o Domnio Romano em Portugal, cuja elaborao orientara.

    Agradvel sensao , pois, a de ser, agora, Armando Redentor,

    cuja tese de doutoramento procurei orientar, a manifestar o desejo

    de eu escrever umas linhas de apresentao para a edio do seu

    trabalho pela Imprensa da Universidade de Coimbra.

    E dei comigo a reflectir sobre o significado profundo do que era

    orientar uma tese. Uma caminhada o . Uma caminhada em con-

    junto, em que, dia aps dia, sobrevm surpresas, se rasgam novos

    caminhos, se ousam ensaiar ignotas veredas, se tropea aqui para

    logo nos levantarmos mais alm. E h o desnimo, a lentido da

    marcha em jornadas de espesso nevoeiro, a nsia de mais depressa

    se chegar ao fim...

    E h, sobretudo, uma aprendizagem mtua, porque justamente se

    parte rumo a um objectivo por cabalmente descobrir. Aprendizagem

    a requerer humildade de parte a parte, no sei, vou investigar;

    acho que a tua ideia tem todo o sentido!..., a exigir o que o Povo

    classifica como ter queda e, num mbito religioso, se chama

    ter vocao. Armando Redentor tem queda para epigrafista

    e afirmar que foi bem agradvel a caminhada com ele empreendida

    em direco ao seu doutoramento , indubitavelmente, dar dessa

    caminhada uma imagem quase estereotipada, quando vestida de

    esteretipos que ela nunca foi.

  • 24

    Para j, porque tive sempre o ouvinte atento, o interlocutor

    perspicaz que sabia pr as questes no momento oportuno e a

    propsito. Armando Redentor consciencializou bem depressa uma

    sentena de Sir Fred Hoyle, que eu cito amide: o importante

    no so as respostas, as perguntas que o so! E, a meu ver, a

    investigao pura aquela que, na hora exacta, toma conscin-

    cia da questo que h aqui a colocar. Armando Redentor nunca

    hesitou. Quer se tratasse do bem conhecido e j longamente es-

    tudado complexo epigrfico da Fonte do dolo, em Braga, quer

    da significativa estela com o baixo-relevo dos dois ciues romani,

    de S. Tom de Vade, que eu referenciara mas deixei ao achador um

    estudo completo, quer do enorme penedo das Caldas das Taipas

    com a inscrio a Trajano

    Escolheu-se para territrio a parte ocidental do conuentus

    Bracaraugustanus e sabamos, de antemo, dos espinhos que

    iramos colher. Zona de granitos, traioeira matria-prima para

    estranhas epgrafes que importava rever. Ainda por cima, terra

    que Alain Tranoy mui cuidadosamente palmilhara, certo que nos

    anos 70, mas a sua sagacidade colhera beres frutos e dera-nos da

    Galcia romana uma slida reconstituio no seu panorama geo-

    grfico, sociopoltico e cultural. Por ali andara Antnio Rodrguez

    Colmenero, cujas divagaes interpretativas constituam acutilante

    desafio: eram mesmo divagaes? Assim o poderamos interpretar

    primeira vista, por aparentemente se esquecer, de quando em

    vez, que j estudara uma epgrafe e lhe dera outra leitura; ou eram,

    afinal, pistas cuja validade se havia de aquilatar?

    Pessoalmente, eu nunca quisera meter ps, confesso, na epigra-

    fia romana de alm-Douro. E mesmo no mbito do programa do

    novo volume II do Corpus Inscriptionum Latinarum, a publicar

    pela Academia de Berlim, deixei campo aberto a Alain Tranoy e a

    Patrick Le Roux, eles sim, os mestres nesse domnio, assaz diverso

    do da Lusitania. Se no interior do conuentus Scallabitanus se

  • 25

    detectara uma forte raiz indgena a persistir durante o perodo

    romano, o certo que esse trao autonmico diramos hoje

    era muito mais vincado neste recanto noroeste da Hispania citerior.

    Quando, porm, Armando Redentor se props a estudar, para a

    dissertao de mestrado, a epigrafia romana de Bragana, com-

    plementando assim eficazmente a dissertao de doutoramento de

    Francisco Sande Lemos, O Povoamento Romano de Trs-os-Montes

    Oriental (1993), em que, por opo dele e minha, acabramos

    apenas por dar conta do que havia feito, no campo das epgrafes,

    sem mais se adiantar, e eu vi o excelente resultado obtido, achei

    que havia reflexes a refazer, na esteira metodolgica do que

    os autores do volume sobre a epigrafia de Conimbriga, Robert

    tienne e Georges Fabre, pioneiramente haviam ensinado.

    O resultado est nas pginas que se seguem. Plasmado numa

    linguagem tersa, depurada E aqui cumpre abrir um parnte-

    sis: Armando Redentor escreve muito bem! Ser ufania minha,

    penitencio-me, mas, dentre aqueles a quem ouso chamar de meus

    discpulos os que, um dia, se deixaram seduzir por esta cincia

    prenhe de mistrios por descobrir e que, exactamente por esse

    motivo, nos encanta alfim , dentre os meus discpulos, Redentor

    , sem dvida, os outros que me perdoem, aquele que melhor

    soube compreender a mxima singela amide olvidada pelos

    cientistas: quando se escreve para que nos leiam! O rigor da

    frase, a veicular uma ideia profunda ou inovadora, no dispensa

    um mavioso cantar, precisamente para melhor atrair a ateno e

    mais facilmente se transmitir a mensagem!

    Referi atrs os atalhos tortuosos. Esse, um dos aspectos mais

    salientes do livro que ora se edita e muito me apraz apresent-lo

    para a Imprensa da minha Universidade, vivamente me con-

    gratulo! Armando Redentor no hesitou em ousar palmilh-los.

    Correu o risco de rasgar as vestes na aspereza dos silvados; mas

    no voltou atrs. E venceu. Com ele, a Epigrafia ostentou, mais

  • 26

    uma vez, vitoriosa, o seu carcter de cincia que estuda o que

    o Homem sucintamente redigiu e mandou gravar em material

    duradouro para o legar aos vindouros. Com Giancarlo Susini,

    caminhmos, pois!

    Cascais, 8 de Outubro de 2015

  • p r e fc i o

    A obra que ora se publica sintetiza os resultados de um estu-

    do cientfico enraizado na avaliao analtica da documentao

    epigrfica de um vasto territrio que constituiu, na Antiguidade,

    a parte ocidental do conuentus Bracarugustanus, circunscrio

    jurdica e administrativa integrada na provncia Hispania citerior,

    visando uma aproximao plurifacetada sociedade desta parcela

    do Imprio Romano.

    Corresponde tese de Doutoramento por ns apresentada

    Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra em 2011, a qual

    defendemos em provas pblicas em Maio do ano seguinte.

    Esta edio reproduz, com escassas intervenes de pormenor,

    o texto original, expressando integralmente os resultados de uma

    investigao que conduzimos a partir de 2007, numa anlise atenta

    e rigorosa do material epigrfico disponvel com vista sua inter-

    pretao e integrao histrica, tendo-se, todavia, enriquecido com

    a aposio de ndices epigrficos e de tbuas de correspondncias

    entre o catlogo e os principais corpora e repositrios.

    A amplitude da investigao que tivemos em mente quando de-

    buxmos as primeiras linhas do projecto cientfico cujos resultados

    aqui se expem, compaginava-se com o quadro geogrfico do antigo

    conuentus Bracaraugustanus na sua totalidade. Correspondendo

    a uma das trs circunscries jurdicas em que se fraccionou

    o Noroeste hispnico aps a sua conquista no imperialato de Augusto,

    esta diviso territorial calaica meridional carecia de um ensaio de

  • 28

    caracterizao social global emanado do esplio epigrfico que lhe

    referente e que ostenta a inigualvel vantagem de se constituir

    como fonte primria original.

    Propnhamo-nos, assim, tomar em bloco as epgrafes deste

    referencial administrativo, eleito pela sua consistncia geogrfica

    e histrica, de modo a extrair-lhes a mxima valia informativa,

    com o objectivo de aclarar percursos de uma fraco da popula-

    o brcara, que, partida, sabamos social e/ou economicamente

    privilegiada e que se perpetuou pelas inscries, servindo-nos

    como retrato original e no preconceituosamente distorcido, como

    o que, em parte, se alcana pela via das fontes literrias.

    Apesar de o mbito geogrfico originalmente ambicionado

    equivaler totalidade do conuentus Bracaraugustanus enquanto

    unidade administrativa antiga com suficiente coerncia e extenso

    para permitir elaborar uma viso convenientemente ampla das

    perspectivas de anlise possveis a partir do material epigrfico, o

    produto que ora se apresenta , como se antedisse, mais restrito do

    ponto de vista da abrangncia territorial, ainda que em conformi-

    dade com os objectivos e perspectivas de anlise ento delineados.

    A percepo que logrmos adquirir do estado e qualidade das

    fontes em questo no desenrolar do seu estudo revisrio mormente

    para as que ofereciam maiores dificuldades interpretativas, quer

    devido a edies menos credveis, quer por questes intrnsecas

    natureza e conservao dos textos , aliada imprescindibilidade

    de lograrmos uma base documental to escorreita quanto possvel

    que sustentasse uma anlise rigorosa, orientou-nos para a reduo

    do quadro geogrfico objecto de estudo, cingindo-o parte ocidental

    do conuentus. Esta alterao igualmente evidencia que a dinmica

    de um projecto desta natureza tambm ditada por fenmenos ex-

    ternos, os quais, muitas vezes, so imprevisveis. Bastar lembrar a

    forte implicao do trabalho directo com fontes, amide dispersas,

    nem sempre com paradeiro claramente apurado, s vezes ainda

  • 29

    desconhecidas da comunidade cientfica. E o esforo, neste mbito,

    foi considervel, atendendo a que realizmos o estudo autptico

    de mais de trs quartos do conjunto das epgrafes cujo paradeiro

    conhecido, o qual representa um universo de aproximadamente

    trs centenas, incluindo material indito.

    Esta modificao no foi extensvel, contudo, linha cronol-

    gica, correspondente poca romana no seu todo: da conquista e

    integrao administrativa do territrio ao Baixo Imprio.

    A concretizao deste projecto teria sido impossvel sem os apoios

    institucionais e individuais que reunimos, pelo que reiteramos aqui

    os nossos sinceros agradecimentos.

    Cumpre-nos, assim, desde logo, salientar o apoio da Fundao

    para a Cincia e a Tecnologia (FCT), da qual recebemos uma bolsa

    de Doutoramento financiada pelo Programa Operacional Potencial

    Humano (POPH), que concretizava a agenda temtica especfica

    inscrita no Quadro de Referncia Estratgico Nacional (QREN).

    Contudo, no menos determinante neste processo foi a indispen-

    svel autorizao para a equiparao a bolseiro (sem vencimento)

    de que beneficimos entre 2007 e 2011, a qual nos foi concedida pelo

    Secretrio de Estado do Ambiente, Professor Doutor Humberto Rosa.

    O nosso reconhecimento ainda extensvel Faculdade de Letras

    da Universidade de Coimbra, que aceitou, sem reserva, a nossa pro-

    posta de dissertao de doutoramento, bem como ao seu Instituto de

    Arqueologia, ao Centro de Estudos Arqueolgicos das Universidades

    de Coimbra e Porto (actual Centro de Estudos de Arqueologia, Artes

    e Cincias do Patrimnio) e ao Centro de Investigao de Montanha

    pelo acolhimento proporcionado e pelo apoio oferecido.

    Ao longo da caminhada de estudo autptico do material epigr-

    fico que empreendemos, foram muitas as instituies museolgicas

    a que tivemos de recorrer, pelo que, direco e corpo tcnico

    de todas elas, expressamos o nosso agradecimento pela forma

    franca e prestvel como receberam a nossa solicitao e deram

  • 30

    resposta a necessidades concretas que se prenderam com o acesso

    aos espcimes ou com o seu registo, criando-se, nesse contexto,

    no raro, novos laos de colaborao institucional e de amiza-

    de. O elenco respectivo o seguinte: Museo Diocesano de Tui,

    Museo Municipal de Vigo Quiones de Len, Museu Amadeo de

    Sousa-Cardozo, Museu Arqueolgico da Citnia de Sanfins, Museu

    Arqueolgico da Sociedade Martins Sarmento, Museu da Cultura

    Castreja, Museu da Olaria, Museu de Arqueologia e Numismtica

    de Vila Real, Museu de Arte Sacra e Arqueologia (Seminrio Maior

    de Nossa Senhora da Conceio), Museu de Histria e Etnologia da

    Terra da Maia, Museu do Cabido da S de Braga, Museu Municipal

    Abade Pedrosa, Museu Municipal Carmen Miranda, Museu Municipal

    de Baio, Museu Municipal de Etnografia e Histria da Pvoa

    de Varzim, Museu Municipal de Penafiel, Museu Municipal de

    Viana do Castelo, Museu Nacional de Arqueologia, Museu Nacional

    Soares dos Reis, Museu Pio XII e Museu Regional de Arqueologia

    D. Diogo de Sousa.

    Devemos tambm agregar a este rol um conjunto de entidades

    s quais recorremos com o mesmo propsito, como sejam a rea

    Arqueolgica do Freixo, o Gabinete de Arqueologia da Cmara

    Municipal de Braga, o Gabinete de Arqueologia Municipal de Vila

    do Conde e o Gabinete de Arqueologia Urbana da Cmara Municipal

    do Porto, a cujos responsveis igualmente agradecemos.

    O apoio que, neste peregrinar, recebemos dos representantes de

    muitos municpios e freguesias tambm digno de registo e louvor,

    tal como o que colhemos em muitas parquias, quer na pessoa

    de elementos das comisses fabriqueiras, quer dos prprios procos.

    A um sem-nmero de instituies particulares, empresas e pessoas

    individuais, a cuja porta batemos, expressamos similarmente a nos-

    sa gratido, pelas informaes prestadas ou pelo acolhimento que

    nos deram, no podendo deixar de referir, ainda que correndo o

    risco de injustamente outros olvidar, o Dr. Alberto A. Abreu, o Dr.

  • 31

    Eduardo Pires de Oliveira, o Dr. Henrique Barreto Nunes, o Abade

    Manuel de Sousa e Silva e o Dr. Orlando Guimares e famlia.

    Em momentos diversos deste projecto, contmos ainda com a

    colaborao mais directa de muitos colegas, alguns j antes amigos

    e companheiros, para com os quais temos enorme dvida de gra-

    tido: a Belm Campos Paiva e a Clara Andr, na leitura aturada

    dos textos produzidos; o Lus Sousa, na preparao da cartografia;

    o Carlos Santos, o Rodolfo Matos e o Manuel Antnio Vitorino, no

    imprescindvel apoio informtico. Mas igualmente agradecemos ou-

    tros apoios, sobretudo ao nvel da partilha de informao cientfica

    e bibliogrfica, da parte de: lvaro Moreira, Anabela Lebre, Antnio

    Marques de Faria, Armandino Cunha, Belisa Vilar, Carla Braz Martins,

    Cludio Brochado, Gonalo Cruz, Joo Fonte, Jos Flores Gomes,

    Lus Fontes, Marcos Osrio, Maria Antnia Silva, Maria Joo Gomes,

    Maria Jos Santos, Miguel Rodrigues, Paulo Amaral, Orlando Sousa,

    Paulo Costa Pinto, Pedro Brochado de Almeida e Tarcsio Maciel.

    Deixamos ainda uma palavra de especial considerao para

    todos aqueles que tornaram mais agradvel e profcuo o trabalho

    que mais longamente empreendemos em alguns locais, tocando-

    -nos com a sua disponibilidade e compreenso. No Museu Regional

    D. Diogo de Sousa, no podemos deixar de ressaltar a amizade

    da Isabel Cunha e Silva, sua diligente directora, do Manuel Santos,

    grande auxiliador, para alm de excelente fotgrafo, bem como da

    Clara Lobo e da Manuela Roriz. No Museu Nacional de Arqueologia, a

    prestabilidade e o cuidado da conservadora Ana Isabel Palma Santos

    e da Lusa Guerreiro. No Museu Pio XII, o auxlio do Miguel Ramos,

    da Maria Jos Silva e da Conceio Ferreira. Na Sociedade Martins

    Sarmento, o apoio permanente da Patrcia Aguiar, da Daniela Cardoso

    e do Lus Ferreira. No Museu Nacional Soares dos Reis, da Maria

    Adelaide Carvalho. Na rea Arqueolgica do Freixo, a disponibilidade

    incondicional do Antnio Pinto Freitas. No Palcio de Sub-Ripas, a

    amizade do Jos Lus Madeira, mas tambm o empenho da Georgina

  • 32

    Costa e da Alice Gndara. Na Biblioteca Central da Faculdade de

    Letras do Porto, a ateno da Dra. Isabel Leite e de todos os tcnicos,

    bem como, no Departamento de Cincias e Tcnicas do Patrimnio

    da mesma faculdade, a da Sandra Carneiro.

    Queremos tambm manifestar o nosso apreo, no s pela co-

    laborao prestada, mas tambm pela estima e amizade com que

    nos brindaram, aos Professores Doutores Armando Coelho Ferreira

    da Silva (Universidade do Porto), Blanca Maria Prsper (Universidade

    de Salamanca), Joaqun Gmez-Pantoja (Archivo Epigrfico de

    Hispania; Universidade de Alcal de Henares), Eugnio Lujn

    (Universidade Complutense de Madrid), Francisco Reimo Queiroga

    (Universidade Fernando Pessoa), Jos Mara Vallejo (Universidade

    do Pas Basco), Lino Tavares Dias (Direco Regional de Cultura do

    Norte), Jorge Alarco (Universidade de Coimbra), Maria da Conceio

    Lopes (Universidade de Coimbra), Mara Cruz Gonzlez Rodrguez

    (Universidade do Pas Basco), M. Rosrio Hernando Sobrino (Archivo

    Epigrfico de Hispania; Universidade Complutense de Madrid),

    Milagros Navarro Caballero (Universidade Michel de Montaigne

    Bordus 3), Patrick Le Roux (LAnne pigraphique; Universidade de

    Paris 13), Pedro C. Carvalho (Universidade de Coimbra), Rui Morais

    (Universidade do Minho) e Vasco Mantas (Universidade de Coimbra).

    Destacamos, ainda, os Professores Doutores Alain Tranoy, Manuela

    Martins e Francisco Sande Lemos, por terem acreditado neste pro-

    jecto e chancelado a sua viabilidade.

    Por ltimo, uma palavra de enorme reconhecimento ao Professor

    Doutor Jos dEncarnao, prestigioso Mestre, nosso orientador em

    mais esta digresso Antiguidade, amigo certo, mesmo nas horas

    incertas. A ele devemos boa parte da nossa aprendizagem no ofcio

    da Epigrafia e com ele contmos ininterruptamente na aquilatao

    de interrogaes, ponderao de ideias e sufrgio dos nossos textos.

    Pela presente edio expressamos penhorado agradecimento ao

    Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Cincias do Patrimnio,

  • 33

    nomeadamente sua coordenadora cientfica, a Professora Doutora

    Maria da Conceio Lopes, e aos Professores Doutores Pedro C.

    Carvalho e Jos dEncarnao, pelo apoio e generoso incentivo,

    bem como Imprensa da Universidade de Coimbra, na pessoa do

    seu director, o Professor Doutor Delfim Leo, por mui prontamente

    acolher este novo ttulo no seu catlogo.

  • (Pgina deixada propositadamente em branco)

  • i n t r o d u o

    No finisterra imperial a que correspondeu o antigo conuentus

    Bracaraugustanus, a cultura epigrfica assumiu-se como forma co-

    municacional logo desde a poca augustana, afigurando um modo

    peculiar de estar em sociedade, que visou, em grande medida, a

    comemorao e auto-representao individuais, mas tambm de co-

    lectividades. Neste sentido, permite uma aproximao aos processos

    sociais que envolvem, pelo menos, a parte da populao que mais

    neles se projecta e que utiliza a prtica epigrfica como forma de

    afirmao pblica, por vezes monumental. As inscries honorficas,

    funerrias e votivas, apesar de escassamente nutridas de informao

    quando tomadas individualmente, e pese embora as dificuldades que

    a sua compulsao acarreta, quer pelo seu estado de conservao, quer

    pelas dificuldades cronolgicas que encerram, acabam, no entanto,

    por assumir papel privilegiado para a investigao do todo social, por

    contraponto a outros tipos documentais a que recorre quem visa o

    conhecimento da poca romana em determinado mbito geogrfico.

    Todavia, assume-se a vantagem de um estudo no circunscrito

    especfica valorizao histrica das fontes epigrficas, encaradas

    na sua compleio multifacetada, mas prolongado pela conjugao,

    sempre que possvel, com as fontes literrias e o registo arqueolgi-

    co, de molde a alcanar uma perspectiva renovada sobre o processo

    de integrao de um vasto territrio perifrico que se viu engrenado

    no imenso maquinismo imperial, remetendo, de quando em vez, para

    a comparao com outros territrios, hispnicos ou extrapeninsulares.

  • 36

    Entre as fontes literrias disponveis (cf. Fontes Hispaniae

    Antiquae = FHA) h, por um lado, as obras de autores que reflectem,

    essencialmente, dados geogrficos e etnogrficos, com manifesto

    destaque para Estrabo, Mela, Plnio e Ptolomeu, e, por outro, as que

    tm valor mais factual, referentes a autores como Don Cssio, Floro

    e Orsio, que nos relatam acontecimentos da histria do Noroeste,

    nomeadamente da fase da sua conquista, sendo todas elas datveis

    do sculo I. As centrias subsequentes so, deste ponto de vista,

    marcadas pelo vazio, havendo a destacar, para a Antiguidade Tardia,

    a crnica de Idcio (cf. Tranoy 1974), que reflecte as invases do

    sculo V, e, j do sculo seguinte, mas de certo modo relevante para

    o estudo da religiosidade em poca romana, o sermo de Martinho

    de Dume (cf. Maciel 1980). Do ponto de vista das fontes itinerrias,

    haver ainda a ressaltar o Itinerrio de Antonino (cf. Cuntz 1990),

    datvel do sculo III, e a Cosmografia do Annimo de Ravena (cf.

    Schnetz 1990), do sculo VII, mas elaborada com base em fontes

    baixo-imperiais, apesar de no termos pretendido envolver na nossa

    abordagem a epigrafia viria.

    A investigao desenvolvida nas dcadas mais recentes favoreceu,

    essencialmente, o registo arqueolgico como fonte para o conheci-

    mento da poca romana no vasto territrio bracaraugustano (u. g.

    Soeiro 1984; Martins 1990; Amaral 1993; Lemos 1993; Almeida 1996;

    Dias 1997; Prez 2002; Lopes 2003; Carvalho 2008), ressentindo-se

    da maneira fugaz como, de modo geral, se equaciona a riqueza

    informativa que as inscries podem oferecer. E os objectivos dos

    corpora epigrficos publicados, relativos Galiza Meridional (IRG III,

    III supl., IV; CIRG II) e a Trs-os-Montes Ocidental (AquaeFlauiae2),

    cingem-se, pela sua natureza intrnseca, apresentao das inscri-

    es. Isto, apesar de, no incio da dcada de 80 do sculo transacto,

    o trabalho dado estampa por Alain Tranoy (1981a), resultante

    de investigao conduzida durante a dcada anterior, ter marcado

    diferena, pois abriu, para o Noroeste Peninsular, essoutra via de

  • 37

    investigao, a da construo histrica com recurso a distintos re-

    gistos (literrio, arqueolgico, numismtico e epigrfico), na qual os

    contributos da Arqueologia e da Epigrafia se revelam fundamentais.

    Importou, contudo, volvidas quase trs dcadas, aumentar a

    escala de anlise, no sentido de uma maior aproximao recons-

    tituio da estrutura social da parte meridional deste vasto espao

    peninsular, tentando estreitar laos entre o conhecimento proce-

    dente do registo arqueolgico, entretanto bastante incrementado,

    e o extravel das fontes epigrficas, com o intuito de se conseguir

    uma aproximao ao repto de saber quem e como eram os homens

    e mulheres que viveram nesse territrio na poca romana.

    Este desafio passou, inevitavelmente, pelo exame revisrio das

    fontes epigrficas, cujo estudo sistemtico e actualizado continuava

    por fazer para boa parte do territrio conventual. Esse trabalho

    de actualizao do corpo documental era mais amplamente sentido

    na sua metade ocdua, nomeadamente em espao nacional, apesar

    de meritrios estudos parcelares, sobretudo dirigidos a material

    indito, que viram luz nas dcadas de 70 e 80, com o cunho da

    investigao francesa levada a cabo no s por Alain Tranoy, mas

    tambm por Patrick Le Roux, amide lado a lado (u. g. Le Roux

    & Tranoy 1973; 1974; 1979; 1982; Santos et alii 1983; Tranoy & Le

    Roux 1989-1990), uma vez que, em simultaneidade com o labor in-

    vestigatrio do primeiro, este se abalanava no estudo da presena

    do exrcito romano nas provncias ibricas (Le Roux 1982), a que

    podemos, ainda, acrescentar algum contributo de Armando Coelho

    Ferreira da Silva (1980; 1981-1982; 1986a; Martins & Silva 1984).

    Sem pretender desfiar a histria da investigao referente ao quadro

    territorial conventual no que aos estudos epigrficos respeita, no

    podemos deixar de achegar que o panorama do conjunto de inscries

    romanas conhecidas na segunda metade do sculo XIX ficou, ento,

    disponvel atravs da monumental obra de Emil Hbner: o CIL II e

    respectivo suplemento. No atinente aos territrios do Noroeste de

  • 38

    Portugal, nela se compila a informao at essa altura acumulada, no

    s por intermdio dos estudos de uma panplia de eruditos modernos

    u. g. Joo de Barros (1548; 1549), D. Rodrigo da Cunha (1634; 1635),

    Luiz Alvares Figueiredo (c. 1716-1725), Jernimo Contador de Argote

    (1732-1747; 1738) ou Jos Diogo Mascarenhas Neto (1792) , mas tam-

    bm pelos resultados do trabalho de investigadores contemporneos,

    dos quais cabe destacar Francisco Martins Sarmento. Esse esforo de

    sistematizao ainda retomado em Ephemeris Epigraphica (= EE

    VIII e IX), em grande medida porque os ltimos anos de Oitocentos

    e os incios de Novecentos continuaram frteis em contributos no que

    respeita ao conhecimento das fontes epigrficas brcaras ocidentais,

    sendo de acentuar, entre outros, os de Albano Bellino (u. g. 1895;

    1896) e de Jos Leite de Vasconcellos (u. g. 1905a; 1913).

    A reunio dos legados epigrficos de Sarmento e de Bellino, em

    termos de espcimes lapidares, na instituio vimaranense de que o

    primeiro patrono viria a alimentar a tarefa de edio de um catlogo

    referente a esse esplio, protagonizada por Mrio Cardozo (1935a)

    no incio dos meados da centria. Volvidas duas dcadas, Russell

    Cortez (1958) oferecer idntico trabalho para a coleco do Museu

    D. Diogo de Sousa. Mas, contrariamente ao que se assistiu para o

    territrio galego, com Jos Filgueira Valverde e lvaro dOrs, e Jos

    M. lvarez Blzquez e Fermn Bouza-Brey (IRG III e III supl.), no

    houve ento, e at actualidade, a produo de qualquer corpus de

    carcter territorial, sucedendo-se, at s dcadas acima evocadas,

    apenas contributos mais ou menos esparsos, no s de estudiosos

    regionais mas tambm de figuras cimeiras neste tipo de estudos, como

    Scarlat Lambrino (1956; 1963-1964), D. Domingos de Pinho Brando

    (1959; 1959-1960; 1960; 1961; 1962; 1963; Lanhas & Brando 1967)

    ou Jos dEncarnao (1970; 1972).

    Da dcada de 90 em diante, para alm de artigos especficos

    direccionados para a publicao de material indito, surgem alguns

    trabalhos essencialmente revisrios, ainda que com orientao te-

  • 39

    mtica especfica, dos quais destacamos: o livro de Jos Manuel

    Garcia (1991) exclusivamente orientado para a epigrafia votiva, sob

    a forma de aditamento ao contributo fundamental de Jos Leite de

    Vasconcellos sobre o tema; o volume dedicado por Antonio Rodrguez

    Colmenero (1993a) epigrafia rupestre do Noroeste; a dissertao

    de doutoramento de Amlcar Guerra (1998), direccionada para

    a toponmia e a etnonmia; e, mais recentemente, a reedio, revista

    e aumentada, da dissertao de doutoramento de Armando Coelho

    Ferreira da Silva (2007b), com apndice epigrfico organizado em

    funo das duas linhas onomsticas acabadas de referir e da teon-

    mia indgena. Ser, ainda, de referir que a exposio comemorativa

    da monumental obra leitiana dedicada s religies da Lusitnia foi

    tambm ocasio para a republicao de um conjunto importante de

    epgrafes no respectivo catlogo (Ribeiro 2002a). No obstante, o

    estudo epigrfico da romanizao do Noroeste peninsular havia sido,

    anteriormente, o mote seguido por Snia Garca Martnez (1996a) no

    contexto da sua tese de doutoramento: a se objectivou a reviso das

    fontes epigrficas, embora, pelo menos no que respeita s inscries

    do Ocidente brcaro, a tarefa no se revele to conseguida, o que

    compreensvel em funo do colossal desgnio que era tratar a

    totalidade da epigrafia referente Asturia e Callaecia.

    Regra geral, nas investigaes dirigidas para o estudo da ocupa-

    o romana em contexto calaico, as informaes epigrficas pouco

    mais haviam servido do que para aquilatar do grau de romanizao

    (Surez 2009) da populao em termos de epiderme onomstica,

    balanada na dicotomia indgena/latino, uma perspectiva estreita

    da adaptao que o processo ter concitado, nomeadamente pelas

    implicaes jurdicas que o enquadram, e, assim, redutora relativa-

    mente ao decurso histrico.

    Importou, por isso, avaliar a forma como se desenrolou a in-

    tegrao administrativa e jurdica do territrio e, desde logo, as

    suas consequncias em termos de compleio social, na medida

  • 40

    em que acarretaram a alterao das estruturas preexistentes, obser-

    vando, ainda, frentes vrias do processo de romanizao, no qual

    se entrelaam perspectivas diferenciadas (jurdica, poltica, social,

    econmica, religiosa...) e onde as mudanas ocorridas tero sido,

    antes de tudo, resposta s necessidades comunitrias e individuais

    em comunho com uma nova ordem.

    Consequentemente, a linha de investigao seguida funda-se

    no estudo das fontes epigrficas da parte ocidental do territrio

    conventual bracaraugustano, na sua reavaliao em funo das

    perspectivas de anlise que elas permitem abrir e no confronto

    com o conhecimento acumulado pela investigao histrico-

    -arqueolgica realizada nas ltimas dcadas. Assim se concilia

    investigao primria, ao passar pela reavaliao da totalidade

    do material epigrfico, com a anlise secundria do conhecimento

    historiogrfico adquirido sobre a regio, no descurando a com-

    parao, quando tal se proporciona, com perspectivas delineadas

    para outros contextos imperiais.

    Mais do que uma avaliao fina de elementos especificamente

    epigrficos, como a morfologia dos suportes ou os formulrios, que

    mais relevam para a caracterizao da prtica do uso das inscries,

    orientmos a anlise para o conhecimento de trs vectores distintos

    da sociedade brcara ocidental, para o qual este tipo de fontes se

    revela indispensvel.

    Em primeiro lugar, fez-se uma aproximao sua organizao

    jurdica e conformao sociolgica, em aproximao facultada pela

    onomstica pessoal; depois, uma abordagem estrutura econmica,

    ressaltando, essencialmente, a importncia da cidade nas dinmicas

    e fluxos comerciais e a especificidade dos recursos aurferos, sem

    que outros domnios tenham deixado de ser aflorados, designada-

    mente em funo de referncias concretas a ocupaes profissionais;

    por ltimo, uma caracterizao do panorama religioso, centrada na

    apresentao dos diferentes cultos em presena.

  • 41

    Naturalmente, precedem estes trs eixos de anlise os impres-

    cindveis enquadramentos geogrfico e cronolgico, ao longo dos

    quais se d significado figura administrativa que cinge o mbito

    da abordagem, olhando-se a problemtica da sua criao, signifi-

    cado e limites, para depois a caracterizar do ponto de vista fsico,

    seguindo-se, no atinente diacronia, a apresentao de uma sn-

    tese sobre o povoamento e a sociedade pr-romanos, bem como

    acerca da conquista romana, para aportar ao perodo em que as

    inscries fazem o seu aparecimento como cultura comunicacio-

    nal. Como o seu manuseamento enquanto fonte histrica encerra

    problemticas especficas, no foram deixadas de lado as questes

    metodolgicas inerentes.

    Em suma, com base em rol documental acreditado pelo esforo

    efectivo de reviso, julgado absolutamente necessrio como garantia

    para a fiabilidade do resultado das anlises, foi-se, em funo da

    qualidade dos dados, construindo uma narrativa historiogrfica ex-

    cursiva, que desejamos constitua o princpio de um contributo para

    a histria da metade atlntica da Callaecia meridional, almejando-o

    ainda mais generoso e amplo no futuro.

  • (Pgina deixada propositadamente em branco)

  • I parte

    Enquadramentos: limites espaciotemporais e metodologia

  • (Pgina deixada propositadamente em branco)

  • 1 . d o S l i m i t e S e S pAc i o t e m p o r A i S

    1.1. O espao

    O conuentus Bracaraugustanus constitui o mbito geogrfico

    de referncia desta investigao (mapa 1), pelo que a questo

    das suas fronteiras assume particular relevncia em termos de

    focagem da anlise. Embora os resultados apresentados neste

    trabalho se encontrem centrados na metade ocdua desta circuns-

    crio jurdica antiga, importa, em termos de enquadramento,

    analisar a sua configurao total, uma vez que apenas em termos

    operativos nos serve a separao entre a sua fachada atlntica

    e as terras do interior, considerando-se vantajosa uma definio

    cabal do quadro geo-administrativo em causa, a bem da clarifi-

    cao dos processos histricos que, tendencialmente, a atingem

    de forma transversal.

    1.1.1. O conuentus Bracaraugustanus: origem, definio e limites

    A implementao da diviso conventual no conjunto das provncias

    hispnicas remontar ao perodo augustano, como institucionalizao

    de uma prtica que ter ganhado corpo na fase final da Repblica

    (Ozcriz 2006, p. 20-24; 2009, p. 333). Assim, no que respeita ao

    Noroeste peninsular, esta organizao ter sido posta em marcha

    imediatamente a seguir conquista territorial.

  • 46

    Criao e funo da diviso conventual no Noroeste

    A controvertida questo da diviso conventual vem sendo

    extremamente dissecada desde finais do sculo XIX, tendo origi-

    nado a apresentao de propostas bastante diferentes, derivadas,

    essencialmente, da interpretao divergente das fontes antigas,

    mais concretamente, de Plnio (N. H., 3. 7; 3. 18; 4. 117) e Estrabo

    (3. 4, 19-20).

    Essas propostas contemplaram a defesa da criao conventual

    em fases cronolgicas to distintas como sejam a poca augustana

    (Hbner 1888, p. 173; Henderson 1942, p. 1-13; Sancho Rocher 1981,

    p. 31-32; Alfldy 1983, p. 518-520; Ozcriz 2006, p. 61), o imperia-

    lato de Cludio (Albertini 1923, p. 53-54), o perodo republicano

    (Sutherland 1939, p. 141; Curchin 2004, p. 52-58) ou a governao

    de Vespasiano (tienne 1958, p. 187-189; Tranoy 1981a, p. 150; Le

    Roux 1982, p. 100; Alarco 1988b, p. 58)1. Todavia, o aparecimento

    da tabula Lougeiorum (AE 1984, 553 = AE 1987, 561), em meados

    da dcada de 80 do passado sculo, secundado por um texto em

    fac-simile, de procedncia no apurada (AE 1997, 766), constitui

    marco na clarificao deste problema. Apesar das dvidas que

    continuam a pairar sobre a autenticidade de ambos (Canto 1990,

    p. 267-275; Le Roux 1992, p. 240; 2004, p. 346, n. 49 e 50), o certo

    que se vai caminhando no sentido do consenso relativamente

    criao augustana, com a progressiva adeso de investigadores ini-

    cialmente avessos a esta perspectiva, quer aceitando a autenticidade

    da tabula, quer por outras vias (u. g. Lomas 1989, p. 209; Le Roux

    2004). Fazendo f na veracidade do bronze, com data de 1 d. C., ter

    existido um conuentus Arae Augustae, no qual se inseria a ciuitas

    1 Sem intuito de historiar esta questo, apresentamos apenas as principais referncias, remetendo para a sntese elaborada por Ozcriz (2006) no que respeita aos pormenores da argumentao de cada uma delas, bem como ao seu enquadramento historiogrfico.

  • 47

    Lougeiorum e cuja vigncia ter sido mais ou menos efmera, pois

    no surge citado no texto pliniano (N. H., 3. 4).

    A sua configurao territorial tem sido objecto de debate,

    oscilando-se entre a defesa da correspondncia com o conuentus

    Asturum, que, a ser assim, lhe teria sucedido, e a relao apenas

    com uma parte deste, que o teria, ento, absorvido. A primeira po-

    sio foi sustentada por Dopico (1986, p. 281), a qual considerou

    que, anteriormente fundao de Asturica, as suas funes teriam

    sido desempenhadas pela Ara Augusta, distinguindo-a das Arae

    Sestinae e aproximando-a de outras aras fundadas pela interven-

    o directa de representantes do poder imperial e que existiram

    noutras provncias em processo de organizao, argumentando com

    as de Lugdunum, de Oppidum Vbiorum e de Camulodunum, con-

    siderando serem centros de concilia idnticos aos conventuais. Em

    desacordo mostrou-se Rodrguez Colmenero (1997c, p. 221-223), ao

    sugerir a distino entre os conuentus Asturum e Arae Augustae,

    assumindo uma diviso augustana do Noroeste em quatro circuns-

    cries conventuais, posicionando este na parte norte da Astria,

    em correspondncia com a nomenclatura de Astures Transmontani,

    e alvitrando o povoado fortificado de Campa Torres como possvel

    sede. A argumentao empregue para rejeitar a correspondncia de

    Ara Augusta com o espao onde se levantar Asturica Augusta a

    passagem de Floro (2. 33, 59-60) que indica que Augusto entregou

    aos stures o acampamento para que lhes servisse de capital e

    o registo arqueolgico que documenta a existncia prvia de um

    acampamento militar pertinente. A proposta de identificao da

    caput conventual com Campa Torres faz uso da inscrio imperial

    (pedestal ou cartela de um monumento) de Cabo Torres (CIL II

    2703 = HEp 14, 2005, 20 = AE 2005, 851), presumivelmente da ini-

    ciativa de Cn. Calpurnius Piso (cnsul em 7 a. C. e governador da

    Hispania citerior entre 9 e 10 d. C.), cuja existncia numa capital

    teria sentido por comparao com o que ocorre nas restantes capitais

  • 48

    conventuais do Noroeste, concretamente em Lucus e em Bracara,

    nas quais se conhecem inscries imperiais da fase augustana2.

    A diviso conventual quadripartida do Noroeste vem sendo admitida

    por diversos investigadores, tomando o conuentus Arae Augustae

    como diviso tempor do conuentus Asturum (Alfldy 2007; Ozcriz

    2009), ainda que este seja um assunto em aberto. A no referncia na

    obra de Plnio serve para estabelecer no imperialato de Vespasiano

    um terminus ante quem para o seu desaparecimento, admitindo-se,

    inclusive, a alterao da rede conventual sob este imperador, com

    base no crescente protagonismo que passam a ter, a partir desta

    altura, os conuentus (Ozcriz 2009, p. 333).

    O principal papel do conuentus foi jurdico (Ozcriz 2006, p.

    71-80), servindo para o acolhimento peridico das deslocaes do

    governador provincial ou do seu legado, acolitado por um concilium,

    com o objectivo de administrar justia, isto , de dirimir pleitos

    jurdicos em instncia de apelao relativamente a decises dos

    juzes locais, realizando-se essa funo nas capitais conventuais,

    sendo mesmo admissvel que a existissem praetoria fixos (Le Roux

    2004, p. 353). No obstante, tm sido apontados como referentes

    para outros aspectos funcionais, nomeadamente atribuindo-se-lhes

    competncias de mbito religioso, concretamente ao nvel do cul-

    to imperial, de carcter censitrio, como base para a organizao

    de censos, e fiscais, servindo administrao como circunscries

    de controlo do portorium (Ozcriz 2009, p. 334). Estes aspectos, se

    bem que apaream nas fontes antigas e epigrficas com expresso

    escala conventual, podem no ser, todavia, definidores da funo

    destas circunscries, cujo qualificativo , efectivamente, iuridicus.

    2 De facto, de acordo com recente proposta de Fernndez Ochoa et alii (2005, p. 129-146), a inscrio teria tido como localizao original a pennsula de Campa Torres, mas fazendo parte integrante de uma estrutura monumental turriforme, totalmente desmontada no sculo XVI, que se utilizou como farol, o qual seria o mais antigo da cornija atlntica.

  • 49

    A partir do momento em que se cria o hbito de um lugar

    fixo para administrar justia e tornar prxima das comunidades a

    autoridade romana, ser lgico que se estruturem determinadas

    dinmicas sociais e polticas, no concorrentes com os papis que

    cabem cidade e provncia, mas que lhe do corpo enquanto

    estratgia da ambio poltica de notveis e como instncia de di-

    logo com o imperador. Deste modo, como sublinha Le Roux (2004,

    p. 352-353), a circunscrio ganha novos papis, incarnando, para

    os seus utentes, um novo horizonte de identidade e de proteco

    dos interesses regionais. Da que este autor coloque a tnica na

    actividade judiciria realizada em nome de Roma e do imperador

    em associao com as elites, que encontram neste patamar um meio

    de promoo e de ganho de visibilidade, negando que os conven-

    tos tenham tido competncias especficas em matria de impostos,

    assuntos de cidadania ou de religio. A questo religiosa do culto

    imperial conventual estar, nesta lgica, alocada na ideia de a fun-

    o judicial do conuentus se fazer exactamente sob a autoridade

    de Roma e do imperador. Do mesmo modo, enquanto instncia

    de apelo, a justia do governador ou do legado, orientada para

    a instruo de processos associados fiscalidade, ao patrimnio

    e cidadania, ser justificao para que outras dimenses (alm

    da religiosa pblica), tal como os recenseamentos e censos, de

    clara utilidade fiscal e administrativa, possam ter tido tratamento

    ao nvel conventual, pela facilidade com que a sua estrutura, aglu-

    tinadora de determinado nmero de agrupamentos comunitrios,

    pde servir de quadro de referncia.

    Nesta perspectiva, o conuentus proporcionaria ocasies pe-

    ridicas de encontro de notveis, num jogo de relaes de base

    inter-comunitria, constituindo charneira entre a vida poltica local

    e provincial: o concilium de conuentus seria uma assembleia de

    carcter religioso e poltico que poderia emanar de questes que

    respeitavam o interesse imediato das comunidades cvicas que o

  • 50

    compunham de acordo com a vontade do governador, mas no

    seria uma instncia administrativa regular, como estdio interm-

    dio entre aquelas e a provncia, contrariamente ao defendido por

    outras vozes (Curchin 2004, p. 57; Ozcriz 2006, p. 67-71), que se

    acertam na atribuio de funes administrativas autnomas, mais

    latas do que as judiciais, aos conuentus.

    Em resumo, com base nas informaes das fontes antigas, nomea-

    damente Plnio e Estrabo, confortadas pelos dados epigrficos, que

    se enriquecem ainda com documentao que compulsamos neste

    estudo (cf. n. 166) e com outra de Tarragona, ou a ela relativa,

    com destaque para CIL II2/14 333, razovel admitir uma criao

    augustana dos conventos. A sua efectivao poder ter sido algo

    posterior segunda grande organizao provincial empreendida pelo

    prncipe aqum-Pirenus, que foi coincidente com o seu regresso

    a estes territrios entre 15 e 13 a. C., se no mesmo sincrnica

    (Dopico 1986, p. 281; Rodrguez 1997c, p. 222; Le Roux 2004, p. 344;

    Ozcriz 2009, p. 333). Concomitantemente, entendemos no resultar

    descabido que o projecto conventual j estivesse latente nos pro-

    psitos do programa de organizao dos territrios hispnicos que

    teria projectado Agripa, pelos anos 19-18 a. C., sobretudo se nele

    se inclui, justamente, o planeamento da fundao das trs capitais

    conventuais do Noroeste (Rod 1998, p. 277-280).

    Manter-se-o em vigncia at reforma administrativa de Diocleciano

    empreendida em 288 (Roldn 1976, p. 106; Ozcriz 2006, p. 41).

    A delimitao dos conuentus no nos definida pelas fontes

    antigas, que apenas nos oferecem alguns dados quantitativos

    relativamente aos populi ou ciuitates e fazem meno a alguns

    aglomerados populacionais, em associao a curtas referncias

    geogrficas. Todavia, a ausncia de um conhecimento orogrfico

    e hidrogrfico de pormenor, mais sentido em Estrabo do que em

    Plnio, leva a que se evoque o elemento tnico para dar configu-

    rao ao territrio.

  • 51

    Delimitao territorial do conuentus Bracaraugustanus

    Os limites ocidental e meridional do conuentus so simples de

    definir, pois estabelecem-se com naturalidade, em funo do Atlntico

    e do curso do Douro (Plin., N. H., 4. 112), sendo claramente mais

    problemtico o traado das suas fronteiras setentrional e oriental

    (mapa 2). Para este intento necessrio o concurso da informao

    disponibilizada pelas fontes antigas e uma ateno especial oro-

    grafia e hidrografia (cf. Cortijo 2007, p. 284-285), aspectos que tm

    necessariamente de ser caldeados com o conhecimento procedente

    dos registos arqueolgico e epigrfico.

    Um vasto leque de critrios teria entrado em linha de conta

    na hora da delimitao conventual, sem que os geogrficos tives-

    sem sido absolutamente determinantes, mesmo que a questo das

    acessibilidades se considerasse de suma importncia. Seriam em

    parte histricos e de carcter poltico e fiscal, o que, obviamente,

    decorre da organizao poltica de base e do papel das elites cvi-

    cas (Le Roux 2004, p. 349-351). Aceita-se, assim, a ideia de que a

    demarcao no ter sido realizada de forma arbitrria, mas antes

    seguido pautas de diversidade cultural, que, em primeira instncia,

    se apegavam organizao tnica pr-romana, tendo por princ-

    pio o respeito pela sua identidade territorial, sempre que tal fosse

    possvel, estruturantes de uma organizao poltico-administrativa

    em funo dos interesses de Roma.

    Tal ideia corroborada pela evidncia da implementao de

    uma rede de ciuitates, instrumento basilar da organizao poltico-

    -administrativa do territrio e com relevncia fulcral para efeitos da

    distribuio da carga fiscal que o Estado, aps o processo de con-

    quista, imps s comunidades peregrinas. Estas unidades territoriais

    tiveram, por regra, uma configurao em funo da organizao

    territorial indgena (Martins et alii 2005, p. 281), ainda que casos de

    excepo possam ter ocorrido, salvaguardando os interesses estatais,

  • 52

    tais como eventuais particulares estratgias de enfraquecimento de

    determinados sectores que se tenham revelado especialmente hos-

    tis durante o processo de conquista e implementao do modelo

    administrativo desenhado por Roma.

    Esta questo tributria est claramente figurada em Plnio (N.

    H., 3. 28), quando alude existncia de 24 ciuitates no conuentus

    Bracaraugustanus, com 285 000 tributrios. Assim, do ponto de

    vista da administrao romana, a ciuitas converte-se, por um lado,

    em unidade bsica em termos de tributao e, por outro, no quadro

    de base em que se estruturam novas formas de organizao social

    que se estabelecem com a romanidade (Sastre 2001, p. 97).

    A criao das ciuitates ter sido um processo mais ou menos

    temporo. Alguns investigadores tm utilizado o texto do bronze

    de Bembibre (AE 1999, 915 = AE 2000, 760 = AE 2001, 1214 = AE

    2002, 763, 764 e 765 = AE 2003, 17), datado de 15 a. C., para defen-

    der uma cronologia augustana (Orejas et alii 2000, p. 78-86; Sastre

    2001, p. 117; Martins et alii 2005, p. 281), mas a problemtica da

    implementao do sistema parece mais complexa. No texto, no

    utilizado o termo ciuitas, mas, sim, o de gens, que se reduz, neste

    entendimento, ao mesmo significado do primeiro, com o argumento

    de serem ambos termos latinos que se usam para designar realidades

    do mesmo campo semntico ou como sinnimos noutras regies

    imperiais, detendo, assim, contedo administrativo (cf. Orejas et alii

    2000, p. 81; Sastre 2001, p. 117). Voltaremos a este assunto, mas

    desde j podemos expressar alguma discordncia relativamente a

    esta equivalncia to absoluta com o modelo poltico-administrativo

    romano da ciuitas, no negando, todavia, um contedo poltico ao

    termo gens aqui empregue, semelhana do que ocorre na primei-

    ra parte do to celebrado pacto dos Zoelas (CIL II 2633). Todavia,

    na problemtica tabula Lougeiorum (AE 1984, 553 = AE 1987, 561)

    que, com absoluta clareza, se assinala o termo ciuitas associado

    aos Lougei, pelo que se entrev que o processo de estabelecimento

  • 53

    do sistema de ciuitates possa ter tido arranque sob Augusto. ini-

    maginvel que um processo com a complexidade e extenso deste

    tivesse sido linear, isento de problemas e percalos e, sobretudo,

    quase que instantneo, pelo que conjecturamos que a sua implan-

    tao tenha seguido ritmos diferenciados ao nvel do Noroeste.

    Alarco (1988b, p. 55-57; 2003, p. 116-126) tem defendido que

    o seu estabelecimento apenas realizado na poca flaviana e que

    Augusto ter confiado o poder a prncipes indgenas sujeitos

    administrao romana. Considera que, no contexto da reorganiza-

    o poltico-administrativa flaviana, Aquae Flauiae teria passado

    a desempenhar papel tutelar sobre um conjunto de ciuitates do

    interior brcaro, nomeadamente as que se mencionam no Padro

    dos Povos (CIL II 2477 = 5616 + Silva 1981-1982, p. 90-92, n. 2),

    cujo significado seria, precisamente, de agradecimento pela reforma.

    Teria sido, tambm, neste contexto de reforma administrativa que,

    pretensamente, os Caladuni (Alarco 2004d, p. 452-453), populus no

    mencionado nas fontes antigas, teriam sido diludos, aventando que,

    ou entre os Tamagani ou os Aquiflauienses, uma vez que esto ates-

    tados epigraficamente3. Argumenta, ainda, com o facto de o registo

    da contagem das milhas em milirios augustanos e jlio-claudianos,

    no caso galaico meridional, se fazer em funo de Bracara Augusta

    e no em funo de capitais de ciuitates que normalmente eram

    capita uiarum (Alarco 1995-1996, p. 25-26), embora reconhea

    que este indcio no pode ser probatrio, sobretudo se tivermos em

    considerao a existncia de excepes (u. g. EE VIII 209).

    As diferentes propostas de distribuio geogrfica das ciuitates

    tm a sria dificuldade da sua delimitao territorial, no sendo

    expectvel que estejamos a falar de territrios homogneos do pon-

    3 So conhecidas quatro inscries alusivas a Caladuni: duas delas na capital conventual (n.s 284 e 322), com indicaes de provenincia que lhes so alusivas; noutras duas (Berrocal, Huelva: AE 1991, 1004 = HEp 3, 206; Chaves: CIL II 2487 = AquaeFlauiae2 372), esta meno complementada pela referncia a castella.

  • 54

    to de vista da sua dimenso, uma vez que entraro nesta questo

    factores fsicos de base, como os orogrficos e hidrogrficos, mas

    tambm os geolgicos, alm de culturais e histricos.

    Antes de avanarmos neste sentido, discutindo as propostas

    de localizao que tm vindo a ser aventadas, importa descrever,

    em traos largos, os limites que se tm exposto como provveis

    para a circunscrio conventual, nomeadamente para as fronteiras

    setentrional e oriental, com os conuentus Lucensis e Asturum, no

    primeiro caso, e com este e com o Emeritensis, no segundo, no

    pressuposto de que a fronteira lusitana transpe o curso do Douro,

    possivelmente a oriente do rio Tua.

    A diviso com o conuentus Lucensis a partir do litoral tem que

    ser feita a norte do curso do Minho, pois, se tomarmos por base a

    descrio pliniana, verificamos que a enumerao descritiva se inicia

    de norte para sul ao longo da fachada atlntica, afirmando-se que

    o convento brcaro comea a partir do territrio dos Cileni e que

    vm depois os Helleni, os Grouii e o castellum Tyde, s depois se

    aludindo ao Minius (N. H., 4. 112). Deste modo, carece de crdito

    o traado estabelecido por Kiepert em carta anexa ao CIL, na qual

    este rio estabelecia o limite norte do conuentus desde a sua foz at

    confluncia com o Arnoya, passando depois a ser marcado por

    este ao longo de todo o seu percurso, prosseguindo em direco

    ao Sil, que se torna referncia at foz do Navea, para prosseguir

    em direco s serras da Segundera e da Gamoneda, passando a

    oriente do curso do rio Sabor. Todavia, a confluncia do Sil com o

    Minho ser, de forma grosseira, o extremo de uma linha arqueada

    cuja origem est na fachada atlntica e com a qual se pode esboar

    pouco mais de metade da delimitao setentrional.

    Cremos ser digna de acolhimento a posio concordante de Tranoy

    (1981a, p. 161) com anterior proposta de Rodrguez Colmenero

    (1977, p. 16-17) de considerar a ria de Vigo e o rio Verdugo, que

    a desagua, como elementos geogrficos significativos que marcam,

  • 55

    no extremo ocidental, a divisria com o conuentus Lucensis: invo-

    cando-se a alterao do formulrio dos milirios entre Redondela

    e Almuia argumento tributrio dos trabalhos de Castro Nunes

    (1950b) e de Dulce Estefana (1958) , a informao do Parochiale

    suevo de que o limite da diocese de Iria Flauia corresponderia

    regio de Morracio ou Mortacio, identificando-se com a pennsula

    do Morrazo, e os limites modernos das dioceses de Tui e Santiago

    de Compostela. A questo do contributo da epigrafia viria para

    o estabelecimento da fronteira ocenica entre os territrios lucense

    e brcaro foi mais recentemente retomada com base no estudo dos

    milirios da via XIX (lvarez 2002, p. 169-176; Rodrguez et alii

    2004, p. 215), confirmando o curso inferior do Verdugo como limi-

    te: em Santiago de Arcade um milirio de Caracala marca a milha

    LXVI desde Bracara (EE IX 419 = MiNoH 194) e na desembocadura

    do rio Ull descobriu-se um milirio de Adriano que j marca as

    milhas a partir de Lucus (CIL II 6231 = MiNoH 195), significando

    que entre estes dois pontos se estabeleceria a diviso, sendo que

    este rio a nica marca geogrfica digna de nota.

    A delimitao , deste modo, estabelecida pelo curso do Verdugo,

    desde o sector costeiro s serranias do Cando (orientao NE/SO)

    e do Sudo (orientao N/S). A partir daqui, e at confluncia do

    Sil com o Minho, ter por referncia as cumeadas mais elevadas

    desta parte da Dorsal Galega, as quais permitem, pelo seu destaque,

    impor-se como limite, nomeadamente as dos montes do Testeiro,

    o alto da Pea de Francia e as da serra de Faro (orientao N/S),

    descendo em seguida quela confluncia ribeirinha. Trata-se, no