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A Aplicação de Inteligência Artificial na esfera de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento e os potenciais benefícios para a Marinha do Brasil Luiz Miguel Klen Leite 1 José Roberto Brito de Souza 2 Resumo: A capacidade de rápida coleta, gerenciamento e exploração da informação é essencial no combate moderno e possibilita o engajamento de um número maior de alvos com uso de menos meios, bem como um processo de tomada de decisão acelerado e uma vantagem em relação a potenciais adversários. Assim, sistemas de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento (Intelligence, Surveillance & Reconnaissance - ISR) são de extrema importância para as Marinhas e para a chamada Consciência Situacional Marítima. Nesse contexto, as Forças Armadas de diversos países têm se valido do desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA) nos últimos anos e a aplicado à esfera de ISR a fim de incrementarem o desempenho de seus equipamentos, diminuírem a carga de trabalho de seu pessoal e otimizarem os processos de coleta e análise de informações e de tomada de decisão. O presente artigo propõe analisar como a IA pode contribuir para o aprimoramento de sistemas de ISR, particularmente no que se refere ao uso de veículos autônomos e à coleta e análise de informações. Não obstante, buscar-se-á identificar os potenciais benefícios para a Marinha do Brasil (MB) do uso combinado da tecnologia em questão nos referidos sistemas. Palavras-Chave: Inteligência Artificial; ISR; Marinha do Brasil. Abstract: The ability to rapidly gather, manage and exploit information is essential in modern combat and enables more targets to be engaged with fewer means, as well as accelerated decision making and an advantage over potential adversaries. Thus, Intelligence, Surveillance & Reconnaissance (ISR) systems are of utmost importance to navies and the so-called Maritime Situational Awareness. In this context, the Armed Forces of several countries have taken advantage of the development of Artificial Intelligence (AI) in recent years and applied it to the ISR sphere in order to increase the performance of their equipment, reduce the workload of their personnel and optimize the information gathering and analysis and decision making processes. This article proposes to analyze how AI can contribute to the improvement of ISR systems, particularly with regard to the use of autonomous vehicles and the collection and analysis of information. Nevertheless, we will seek to identify the potential benefits for the Brazilian Navy from the combined use of the technology in question in such systems. Keywords: Artificial Intelligence; ISR; Brazilian Navy. 1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (EGN). 2 Capitão de Fragata (RM1-EN); Doutor em Engenharia Mecânica. 1

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Page 1: A Aplicação de Inteligência Artificial na esfera de ......Inteligência Artificial (IA) nos últimos anos e a aplicado à esfera de ISR a fim de incrementarem o desempenho de seus

A Aplicação de Inteligência Artificial na esfera de Inteligência, Vigilância e

Reconhecimento e os potenciais benefícios para a Marinha do Brasil

Luiz Miguel Klen Leite1

José Roberto Brito de Souza2

Resumo: A capacidade de rápida coleta, gerenciamento e exploração da informação é

essencial no combate moderno e possibilita o engajamento de um número maior de alvos com

uso de menos meios, bem como um processo de tomada de decisão acelerado e uma vantagem

em relação a potenciais adversários. Assim, sistemas de Inteligência, Vigilância e

Reconhecimento (Intelligence, Surveillance & Reconnaissance - ISR) são de extrema

importância para as Marinhas e para a chamada Consciência Situacional Marítima. Nesse

contexto, as Forças Armadas de diversos países têm se valido do desenvolvimento da

Inteligência Artificial (IA) nos últimos anos e a aplicado à esfera de ISR a fim de

incrementarem o desempenho de seus equipamentos, diminuírem a carga de trabalho de seu

pessoal e otimizarem os processos de coleta e análise de informações e de tomada de decisão.

O presente artigo propõe analisar como a IA pode contribuir para o aprimoramento de

sistemas de ISR, particularmente no que se refere ao uso de veículos autônomos e à coleta e

análise de informações. Não obstante, buscar-se-á identificar os potenciais benefícios para a

Marinha do Brasil (MB) do uso combinado da tecnologia em questão nos referidos

sistemas.

Palavras-Chave: Inteligência Artificial; ISR; Marinha do Brasil.

Abstract: The ability to rapidly gather, manage and exploit information is essential in modern

combat and enables more targets to be engaged with fewer means, as well as accelerated

decision making and an advantage over potential adversaries. Thus, Intelligence, Surveillance

& Reconnaissance (ISR) systems are of utmost importance to navies and the so-called

Maritime Situational Awareness. In this context, the Armed Forces of several countries have

taken advantage of the development of Artificial Intelligence (AI) in recent years and applied

it to the ISR sphere in order to increase the performance of their equipment, reduce the

workload of their personnel and optimize the information gathering and analysis and decision

making processes. This article proposes to analyze how AI can contribute to the improvement

of ISR systems, particularly with regard to the use of autonomous vehicles and the collection

and analysis of information. Nevertheless, we will seek to identify the potential benefits for

the Brazilian Navy from the combined use of the technology in question in such systems.

Keywords: Artificial Intelligence; ISR; Brazilian Navy.

1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (EGN).

2 Capitão de Fragata (RM1-EN); Doutor em Engenharia Mecânica.

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1 - Introdução

A Primeira Guerra do Golfo (1990-1991) tornou evidente a importância da

tecnologia no campo de batalha. Dada a sua enorme vantagem tecnológica, as Forças

Armadas (FFAA) da coalizão liderada pelos Estados Unidos da América (EUA) se valeram da

integração de sistemas e armamentos e do emprego de “armas inteligentes” para sobrepujar de

forma rápida e eficiente as FFAA iraquianas (WAACK, 2006, p. 460).

O uso intensivo da tecnologia também marcou a Guerra do Iraque (2003). A

chamada “Doutrina Rumsfeld”3 tinha dentre seus objetivos a eliminação do problema da falta

de informações sobre o campo de batalha e da fricção4. Os sistemas C4ISR (Command,

Control, Communications, Computers, Intelligence, Surveillance and Reconnaissance)

exerceram papel central nesse sentido (SILVA, 2010, p. 28).

O conceito de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento (ISR) foi cunhado pelo

Almirante norte-americano William Owens na década de 1990. Desde então, sistemas desse

tipo se tornaram cada vez mais importantes na guerra moderna e atualmente são utilizado na

maioria das operações militares, provendo aos combatentes as informações necessárias sobre

o campo de batalha (SOH, 2013, p. 2).

Conforme Davis (2019), os sistemas supracitados podem ter seu desempenho

incrementado por meio do uso da Inteligência Artificial (IA). O autor menciona o Projeto

Maven, desenvolvido pelo Departamento de Defesa norte-americano, e que combina sistemas

de ISR e o uso de IA para localizar combatentes do chamado Estado Islâmico (EI) (DAVIS,

2019, p. 6).

A IA se caracteriza como sendo mais uma tecnologia capacitadora que uma arma.

Nesse sentido, seria mais correto compará-la ao advento da eletricidade ou do motor a

combustão que à uma arma. Assim, ela pode ser aplicada a diversos setores, como agricultura,

manufatura e saúde. Cada vez mais, cresce a percepção de que os avanços relacionados à IA

terão profundas implicações para o futuro, incluindo na esfera militar (HOROWITZ, 2018, p.

37-41).

3 De acordo com Francisco Carlos Teixeira de Lima, a referida doutrina tinha como base a percepção de

que a velocidade supera a massa e que meios tecnológicos modernos, além de grande flexibilidade, controle do

espaço e comando articulado e integrado, seriam capazes de destruir grandes quantidades de tropas e meios à

disposição do adversário. 4 Segundo Paret, o conceito de Fricção se refere as incertezas, acidentes erros, dificuldades técnicas e

imprevistos que afetam a decisão, moral e ações (PARET, 1986, p. 202).

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O presente artigo tem como objetivo analisar como a IA pode contribuir para o

aprimoramento de sistemas de ISR, particularmente no que se refere ao uso de veículos

autônomos e à coleta e análise de informações. Não obstante, buscar-se-á identificar os

potenciais benefícios para a Marinha do Brasil (MB) do uso combinado da tecnologia em

questão nos referidos sistemas. Cabe notar que as aplicações da IA em sistemas de ISR são

vastas e que o foco desse artigo em veículos autônomos e na coleta e análise de informações

se deu por questões de delimitação e pela importância que a bibliografia consultada dá as

aplicações escolhidas.

Quanto à estrutura, o artigo se divide da seguinte forma: na primeira seção, abordar-

se-á os sistemas de ISR e o conceito de Consciência Situacional Marítima; a segunda seção

tratará do conceito e evolução da IA; a terceira seção apresentará as aplicações da IA em

veículos autônomos enquanto a quarta seção apresentará suas aplicações na coleta e análise de

dados e as possibilidades para a MB; a quinta trará as considerações finais.

1 - Sistemas ISR e Consciência Situacional Marítima

De acordo com o Dicionário de Termos Militares e Associados do Departamento de

Defesa dos EUA, o conceito de ISR diz respeito a “uma atividade que sincroniza e integra o

planejamento e operação de sensores, ativos, sistemas de processamento, exploração e

disseminação em apoio a operações atuais e futuras” (DEPARTMENT OF DEFENSE

DICTIONARY OF MILITARY AND ASSOCIATED TERMS, 2010, p. 116).

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) define o mesmo conceito da

seguinte forma: “a capacidade que integra direção de comando, sensores e informação

processada e inteligência com disseminação a fim de prover Consciência Situacional aos

tomadores de decisões.” (DERMITAS; TURK; OZER, 2014, p. 549). Os elementos

individuais dos sistemas de ISR são definidos pela aliança em questão da seguinte forma:

“Vigilância: Observação sistemática de áreas aeroespaciais, de superfície e

submersas, de lugares, pessoas ou coisas por meios visuais, aurais, eletrônicos,

fotográficos […]; Reconhecimento: Missão efetuada para obter informação, por

observação visual ou outros métodos de detecção, sobre atividades e recursos do

inimigo ou potencial inimigo, ou para obtenção de dados sobre características

meteorológicas, hidrográficas ou geográficas de uma área particular; Inteligência:

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“O produto resultante do processo de informação sobre nações estrangeiras, forças

ou elementos hostis ou potencialmente hostis ou áreas de reais ou potenciais

operações” (Idem) (tradução nossa).

Dada a necessidade de coleta de dados em diversos domínios, como explicitado pela

definição acima apresentada, sistemas de ISR podem ser baseados em satélites, plataformas

aéreas, terrestres e marítimas, sejam elas tripuladas, semi-autônomas ou completamente

autônomas, conforme mostra o quadro abaixo:

Quadro 1: Algumas Plataformas Aéreas Autônomas e Semi-Autônomas usadas em

missões ISR:

Fonte: NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 2006, p. 250-265; MUKERJHEE, 2018, p. 5-6.

Para a MB, tais sistemas contribuem para o aumento da chamada Consciência

Situacional Marítima (CSM), definida pela Estratégia de Ciência, Tecnologia e Inovação

(CT&I) da MB da seguinte forma:

“[…] o entendimento dos acontecimentos militares e não militares, atividades e

circunstâncias, dentro e associadas ao ambiente marítimo, que são relevantes para as

atuais e futuras ações de um país, onde o ambiente marítimo são os oceanos, mares,

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baías, estuários, rios, regiões costeiras e portos. […] também refere-se, mas não está

limitado, a segurança do tráfego aquaviário, a proteção do meio ambiente, medidas

contra o terrorismo e a salvaguarda da vida humana no mar.” (ESTRATÉGIA DE

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DA MARINHA DO BRASIL, 2017, p.

46).

Ainda de acordo com o referido documento, a CSM tem como propósito o

desenvolvimento de capacidade de identificação, detecção, localização e acompanhamento de

ameaças e eventos que estejam próximos ou distantes do Brasil a partir da integração de dados

de inteligência, vigilância, observação e sistemas de navegação (ESTRATÉGIA DE

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DA MARINHA DO BRASIL, 2017, p. 46-48)

Não obstante, se faz referência à necessidade de existência de estrutura que englobe

as etapas de coleta de dados, bem como o monitoramento, sensores de meios aéreos e navais

e, finalmente, a fase de análise dos dados recolhidos, de forma a permitir respostas rápidas e

precisas e que contribuam para a CSM brasileira (Idem).

Por outro lado, a MB reforça a necessidade de monitoramento e controle, bem como

da análise correta de dados coletados nas Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB). Na Política

Naval (2019), fica estabelecida que “o Poder Naval deve ser capaz de prover o monitoramento

contínuo das principais vias fluviais do território nacional, a fim de acompanhar o tráfego

aquaviário e aumentar o grau de conhecimento situacional nos rios” (POLÍTICA NAVAL,

2019, p. 36).

2 - Inteligência Artificial

A história recente da IA tem como pedra basilar o artigo “Computing Machinery

and Intelligence”, publicado em 1950, pelo Matemático inglês Alan Turin e no qual ele

apresentou o chamado Teste de Turing5. Em 1956, o termo “Inteligência Artificial” foi

cunhado pela primeira vez por John McCarthy (1927-2011) em Conferência realizada na

Dartmouth College.

Em que pese os estudos sobre IA terem sido iniciados décadas atrás, ainda não existe

consenso sobre uma definição para ela. Considerado o pai da referida área, John McCarthy a

5 Proposto por Alan Turing, o teste foi concebido para fornecer um definição operacional satisfatória de

inteligência. De forma resumida, um computador passa no referido teste se um interrogador humano, após fazer

perguntas escritas não for capaz de identificar se as respostas vieram ou não de uma pessoa (RUSSEL;

NORWIG, 2003, p. 2-3).

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caracterizou como: “[…] a ciência e engenharia de fazer máquinas inteligentes, especialmente

programas de computador inteligentes” (MCCARTHY, 2007, p. 2; ARTIFICIAL

SOLUTIONS, 2019).

Por sua vez, Russel e Norvig (2002) indicam que a IA tem sido definida em torno de

dois eixos: i) Comportamento e; ii) Processos de raciocínio e pensamento. Dentro desses

eixos, há autores que tomam como referência a performance humana, enquanto outros a

relacionam ao conceito de racionalidade. O quadro 2 ilustra essa divisão, com as definições à

esquerda estando relacionadas à performance humana, enquanto as da direita tem como ideal

a racionalidade (RUSSEL; NORVIG, 2002, p. 1).

Quadro 2: Definições de Inteligência Artificial

Fonte: RUSSEL; NORVIG, 2002, p. 2 (tradução nossa).

A definição adotada nesse artigo será a apresentada por Davis (2019) que aponta que,

na maioria de suas aplicações atuais, a IA consiste em algoritmos que são base para softwares

de reconhecimento de padrões que, somados à computação de alta performance, permitem a

identificação de significados em grandes quantidades de dados. Pode ser dividida entre IA

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Limitada (Narrow AI) e IA Geral (General AI). A primeira utiliza ferramentas discretas para a

resolução de problemas a fim de realizar tarefas limitadas específicas enquanto a segunda está

relacionada ao uso de tecnologias que tem como propósito imitar ou recriar funções do

cérebro humano. Por outro lado, a primeira tem sido amplamente utilizada em diversos

setores do setor privado, em ciência e na esfera dos negócios (DAVIS, 2019, p. 2-3). O

quadro abaixo ilustra algumas aplicações da IA:

Quadro 3: Setores com aplicação de IA

Fonte: DAVIS, 2019, p. 3

De acordo com Horowitz, na esfera militar, a tecnologia em questão pode operar em

diversas dimensões. Primeiramente, pode ser utilizada para controle de meios como aviões,

navios ou drones, de forma a reduzir a necessidade de interferência humana ou mesmo

permitir que sistemas funcionem sem a supervisão de seres humanos. Além disso, podem dar

suporte ao processamento e interpretação de dados. Finalmente, sua utilização pode ser feita

em sistemas voltados para a análise de grandes quantidades de dados a fim de permitir

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previsões que norteiem ações posteriores (HOROWITZ, 2018, p. 41).

3 - Aplicações da IA em Veículos Autônomos

Conforme indicado no Quadro 1, as plataformas usadas em missões de ISR são

diversas, incluindo meios aéreos, terrestres e navais. Diversos desses meios gozam de

variados graus de autonomia. Nesse sentido, convém aqui apresentar diferenciação entre os

diferentes tipos de meios autônomos, conforme o quadro abaixo:

Quadro 4: Definição de graus de autonomia de sistemas de armas

Fonte: ILACHINSKI, 2019, p. 146 (tradução nossa).

Dentre os benefícios que meios com algum grau de autonomia apresentam estão: i)

redução de custos; ii) redução de riscos para humanos em missões implementadas em áreas

perigosas; iii) operação livre de limitações humanas, como estresse e fadiga; iv) redução de

riscos de ciber-ataques; v) maior persistência e resistência em missões; vi) tempo de

realização de missões aprimorado; vii) assimilação e entendimento de dados aprimorados;

viii) mitigação da perda de dados, entre outros (ILACHINSKI, 2017, p. 138-140).

Por outro lado, Mukherjee (2018) indica que tecnologias baseadas em IA podem ser

aplicadas na esfera militar para a execução de missões complexas, especialmente em

ambientes considerados hostis e imprevisíveis (MUKHERJEE, 2018, p. 2). Em Veículos

Aéreos não Tripulados (Unmanned Aerial Vehicles - UAVs), as aplicações da IA variam desde

o apoio à navegação até à completa autonomia. Nesses meios, a IA pode contribuir em tarefas

como:

• Controle de altitude e de velocidade durante o voo (YADAV; GAUR, 2014, p. 765);

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• Navegação autônoma, mesmo em ambientes com grande número de obstáculos

(Campos-Macías et al, 2019, p. 17);

• Detecção de aeronaves, seguida de avaliação sobre se elas representam ameaças e, se

necessário, realização de manobras para evitar colisões (MILITARY & AEROSPACE

ELETRONICS, 2019).

Quanto aos Veículos Navais não Tripulados, eles são geralmente são classificados

como Veículos de Superfície não Tripulados (Unmanned Surface Vehicles - USVs) ou

Veículos Submarinos não Tripulados (Unmanned Underwater Vehicles - UUVs)

MUKHERJEE, 2019, p. 4). Esses meios têm sido utilizados mais comumente como

multiplicadores de força em missões para prover contínua CSM (Ibidem, p. 11). Neles,

tecnologias que fazem uso de IA contribuem das seguintes formas:

• Rastrear, calcular, detectar, traçar e executar as melhores ações a serem realizadas por

uma embarcação (Ibidem, p. 2);

• Realização de missões que exigem ISR contínua do ambiente oceânico, em que há

necessidade de meios que possam melhor resistir as condições marítimas como pressão,

turbulência oceânica, gradiente térmico, salinidade, entre outras (Idem);

• Mira, mapeamento e engajamento de navios inimigos (Idem);

• Operação em “enxame”, também chamada de Drone Swarm (Idem);

• Adaptação ao ambiente operacional em que esses meios atuam, com melhoria da

capacidade de cumprimento da missão (CARNEIRO, 2016, p. 38-41).

Como mencionado no início dessa seção, um dos benefícios oferecidos pelos

veículos semi-autônomos ou completamente autônomos é sua elevada persistência em

missões. Nesse sentido, o Sea Hunter, desenvolvido pela Defense Advanced Research

Projects Agency (DARPA), é um exemplo das potencialidades da combinação entre os

referidos veículos e IA que, aliada a uma vasta gama de sensores instalados nesse navio,

permitem que ele navegue de forma autônoma e evite colisões, permanecendo por meses no

mar recolhendo informações e fazendo detecção de submarinos inimigos (MUKHERJEE,

2019, p. 11).

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4 - Aplicações da IA na Coleta e Análise de Dados

Em 2018, o oficial britânico Keith Dear afirmou que as FFAA de seu país estavam

“nadando em sensores, se afogando em dados e famintas por conhecimento” (FOREIGN

AFFAIRS TODAY, 2018). De fato, um dos problemas atuais relacionados à ISR é que,

apesar da abundância no número de plataformas à disposição, os dados coletados não têm sido

completamente explorados, com os recursos humanos disponíveis hoje permitindo um

processamento de, no máximo, 20% das informações recolhidas (TONIN, 2019, p. 3;

HARPER, 2018).

De acordo com Bosch e Bronkhorst (2018), atualmente Forças Armadas de diversos

países possuem sistemas que proveem grandes quantidades de dados. Esse processo pode se

tornar problemático se tal informação for fornecida em quantidade extremamente grande e de

forma desordenada, podendo mesmo comprometer a consciência situacional e a qualidade do

processo de tomada de decisão. Para o autor, os chamados Sistemas de Apoio a Decisão

Inteligente podem contribuir para a superação das limitações humanas no processo

mencionado. Por meio da coleta e análise de dados, detecção de padrões em dados, teste de

hipóteses, sugestão de possíveis ações a serem tomadas e avaliação da adequação das ações

propostas, tais sistemas são capazes de apoiar e acelerar a tarefa dos tomadores de decisão

(BOSCH; BRONKHORST, 2018, p. 1-2).

Nesse caso, o uso da IA permite não apenas o aumento na velocidade de análise de

dados, mas também a melhoria do processo de tomada de decisão. Mais especificamente,

Tonin (2019) aponta as seguintes potencialidades do uso da IA no processo aqui discutido:

• Melhor visualização e interpretação de dados (TONIN, 2019, p.3);

• Identificação automática de objetos de interesse em meio à dados coletados por sistemas

de vigilância ou imagens de satélites (Idem);

• Detecção de anomalias (Idem);

• Apresentação de medidas apropriadas para lidar com ameaças e descrição dos efeitos

prováveis de cada uma das opções apontadas (Idem).

Nesse contexto, o consequente fornecimento de informações mais rapidamente aos

tomadores de decisão oferece uma potencial vantagem em relação aos adversários, algo que é

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cada vez mais importante para o sucesso de operações militares (TILL, 2013, p. 130).

5 - Considerações Finais

O presente artigo tratou da contribuição da IA em sistemas de ISR, particularmente

suas aplicações em veículos que gozam de autonomia parcial ou completa e, também, no

processo de coleta e análise dos dados reunidos. Conforme indicado, os sistemas ISR têm

importância fundamental atualmente na maioria das operações militares e o avanço da IA

oferece uma série de potencialidades, como as apontadas ao longo desse artigo.

Consequentemente, o uso combinado de sistemas de ISR e da IA permite uma menor

carga de trabalho para operadores de plataformas semi-autônomas, um grau cada vez maior de

autonomia dessas plataformas, uma longa permanência em missão, bem como um processo de

análise de dados coletados mais rápido e eficiente, contribuindo para o processo de tomada de

decisão.

No caso da MB, esse uso combinado permite que os objetivos estabelecidos em

documentos como a EMA-415 e a Política Naval sejam alcançados de forma mais eficiente,

amplificando a CSM da instituição sobre as AJB e possibilitando um processo de tomada de

decisão mais eficiente.

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