a américa protestante

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    690 HISTÓRIA DO NOVO MUNDO

    As re lações es tabe lec idas com os hurões por in te rmédio dos comer-ciantes , dos caçadores-coletores e dos miss ionár ios , as redes de t rocas , a

    expe r i ênc i a adqu i r i da nu m a f r eq üen t açã o d i á r i a de svanece ram - s e n omassacre de um grupo in te i ro . Se de uma ponta a ou t ra do Novo Mun-do as epid em ias f izeram das mc st íçagen s cr iações f rág eis e efê m era s , n aNova França a improvisação, a impotência e a imperíc ia se l igaram pararasgar sua f ina t rama, l en ta e l abor iosam ente t ec ida , sem que jam ais secogi tasse o ex te rmín io .

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    M É R IC P R O T E S T N T E

    Quanto aos naturais dessa região, acho-os totalmenteselvagens e ferozej , estranhos a toda decência, e mesmotão pou co civis e tão imbecis qu an to percas de jard im ; in-clinados a todo tipo de maldades e de impiedades; gentediabólica que não serve outro amo a não ser o Diabo, istoé, o espírito que em sua língua eles chamam Menecio.

    PA S T O R J O H A S M I C H A É U U S , 1 6 2 8

    Amsterdã, 1609. Os e f lúv ios d e p im enta s , e spec ia r ias e t abac o for-mavam um contras te exót ico com as nebl inas que afogavam os cais e oscana i s da g rande c idade do Nor te . Os ex i lados v indos de todo o con t i -nente , as minor ias , as l ínguas e as conf issões faziam de Amsterdã uma ci -dade ún ica cu ja misce lânea ca rac te r izava tan to a cas ta opu len ta dosparticuliere kooplieden os comerc ian tes -negoc ian tes , co mo os bas-f

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    692 HISTÓRIA DO NOVO MUNDO

    ruptura dos anos de 1570, t inham fe i to par te in tegrante do grande im-pério de Fi l ipe II , acrescido do domínio português após a União das dua

    Coroas . Desenvolvendo seus p lanos p lane tár ios , os negocian tes de Amsterdã e das r icas cidades da Holanda nada mais faziam, em suma, que perpetuar a t radição do império de Carlos V e de seu f i lho, seus suseranosde ontem. Tão longe quanto Leeuwarden , a e legante capi ta l da Fr í s ia ,monumentos f lamengos novos como a chance lar ia evocavam a inda a lembrança amald içoada do mes t re do Escur ia l .

    Em 1609, no entanto, após t r inta anos de guerra , o Norte do impé-r io dos Ha bsbu rgos adqu i r i ra of ic ia lmente sua ind epe nd ên cia e faz ia um aent rada t r iunfa l em seu século de ouro . Em torno do geógrafo Pe t rus

    Planc ius cenáculos esboçavam perspec t ivas para o fu turo . Um antucr-p iano re fugiado em Amsterdã , Wi l lcm Usse l inx , que percor rera os ca isde Sevi lha , do Po r to e dos Açores , es tava pe rsu ad ido d e que o po de rsobe rano e spanho l r epousava em seu impér io mund ia l e que cab ia àHo lan da cons t ru i r um ou t ro qu e r eun i s se t odas a s qua l idad es de suater ra de adoção . Uma va lor ização in te l igente dos recursos agr íco las doNovo Mundo, acompanhada por um programa de educação e de c r i s t ia -nização dos indígenas, lançaria as bases desse império holandês. O pla-no de Ussel inx, no qual se percebia , cerca de um século depois , o eco da

    Utopia de T ho m as M ore , ban ia a escrav idão sob todas as suas fo rm as epregava o t rabalho voluntár io.

    Sem se de ixar convencer pe los generosos pro je tos de Usse l inx , osholandeses estavam resolvidos a aprovei tar a t régua com a Espanha paraprossegui r por out ros meios o sonho hegemônico dos borguinhões e doscas te lhanos da Renascença . Eles logo o a lcançar iam assegurando-se odomínio do comérc io mar í t imo no At lân t ico .

    OS PATROONS DO HUDSON

    • Os holandeses cont ro lavam o comérc io das pe les na Europa e nãopodiam deixar de se interessar pelo Novo Mundo. Em 1609, enviaram umnavio comandado pe lo ing lês Henry Hudson para descobr i r a passagemdo Norte-Oeste e fazer o comércio entre a Virgínia c o golfo do México.O exp lo rador r emon tou o r io que l eva seu nome a t é a s pa ragens deAlbany. Foi uma v i tór ia . E le t rocou mercador ias por uma quant idadeimpressionante de peles . Navios dos Países Baixos, cada vez mais nume-

    rosos , começaram a f reqüentar as águas dos r ios Hudson, Connect icu t eDelaware.

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    A Nova H ola nd a (1* m eta de d o século XVII)

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    694 HISTÓRIA DO NOVO MUNDO

    A Nieuw Netherland Compagnie, cr iada pelos comerciantes de Ams-te rdã , começou a en t ra r em ação em 16152. E la mandou ed i f icar For t -Nassau, não longe do s í t io de Albany. O estabelecimento dominava a redehidrográf ica da cos ta les te e comandava o acesso da ro ta dos GrandesLagos . Os ho landeses t inham, a lém d isso , ob t ido um chamar iz impor-tante; f ixaram-se num terri tório que produzia o wampum, uma péro la quese enfiava em colares e que servia como meio de t roca. Os índios o con-fecciona vam a par t i r de conch as que jun tav am nas praias do Lo ng Is landSound e na embocadura do r io Connec t icu t . Bem melhor que o ouro ea prata, o wampum, que permitia adquirir peles, figurava em todas as transa-ções. Essa m oeda índia t inh a tal im portâ ncia que os hola nde ses imp or-

    taram de Veneza, ou fabricaram por sua vez contas de vidro e de porcelana.Em 1650, o curso oficial do wampum enfiado era de seis brancos = t rêsnegros = um stuiver holandês. Como no caso da moeda, exis t iam qual ida-des d i fe ren tes de wampum, e es te também sofr ia desvalor izações5.

    P reocupados em conduzi r uma pol í t i ca mais coeren te e em concen-trar seus esforços, os holandeses t inham cr iado em 1623 a West-IndischeC o m p a g n i e , o u C o m p a n h i a H o l a n d e s a d a s í n d i a s O c i d e n t a i s4. Novosfor t ins saíram da terra , entre os quais o Fort-Orange, enquanto em 1624,na i lha índ ia de Manhat tan nasc ia Nieuw-Amsterdam, mais ta rde

    reba t izada de New York após sua tomada pe los ing leses5. A criação dacom pan h ia e sboçou uma mod i f i caç ão im por t an t e pa ra a h i s tó r ia d oNordes te amer icano: a in te rvenção c rescente dos Es tados na def in içãodas estratégias comerciais nessa parte do continente. Mas, por ora, preva-leciam ain da os esforços dispe rsos e as rivalidades en tr e facçõ es. Dua s t en-dências opostas dividiam os responsáveis holandeses: a companhia dese-java reduz i r ao es t r i t amente necessár io a presença europé ia de manei raa ot imizar seus lucros , enquanto outras vozes pregavam uma colonizaçãode povoamento que tomaria a forma de senhorias dir igidas pelos acionis-

    tas da com pan hia .As ameaças que fazia planar desde 1607 a presença inglesa na Vir-

    g ín ia cont r ibu í ram para o sucesso dos par t idár ios do povoamento , bem

    2. Em neerlandès Nieuw Nítheriand mas na historiografia francesa, Nova Holanda, enquanto esse nome foiatribuído pelos Países Baixos à região de Pernambuco no Brasil, em Rink, 1986, p. 47.

    3. Deiãge, 1991, p. 151.4. Sobre a importân cia do plano de colonização contido nas Provisional Orde rs', R ink, 1986, p. 76. As

    a staieraem ou tlining the rights and obligations of colonists in New Nether land, it should ran k with theMayflower Com pact an d Jo hn Win throp's M odel of Chrisiian Charity.

    5. A expedição de colonização de 1624-1625 instalou trezentos colonos na Nova Holanda, 260 dos quaisem New Amsterdam (Rink, 1986, p. 91).

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    merciantes suecos e os rejei tados holandeses do monopólio. O vale doConnecticut , onde estavam em at ividade vários caçadores cel ibatários v iv iam à moda ind ígena longe de qua lquer au to r idade europé ia , comçou a aüçar as cobiças opostas da Nova Amsterdã e de Boston, cada p r o c l a m a n d o s e u s d i r e i t o s s o b r e e s s e t e r r i t ó r i o l i m í t r o f e9 . Em 1644,c inco anos depo i s de t e r r enunc iado a todo monopó l io , a companh ia landesa fechava seu armazém.

    A l ibe ração do comérc io susc i tou uma concor rênc ia desenf readela acarre tou uma a l ta do preço das mercador ias européias e das peque os índ ios vend iam. A s i tuação favoreceu os ind ígenas , que a r ra

    cavam pre ço s con side rad os excessivos po r suas peles: Isso pro du ziu ufami l i a r idade mui to g rande com os índ ios ; em pouco t empo , e s t e s tornaram arrogantes - e não é a ar rogância a mãe do ódio . [ . . . ] O t ráf ié livre par a to do mu nd o, o qu e faz qu e os se lvagens ten ha m toda s coisas em grande escala , cada um dos holandeses levando a melhor b re seu companhe i ro e se con ten tando , desde que possa ganhar a lguco i s inha1 0. A com pa nh ia ten tara f ixar um pr eç o m áx im o para as pe lesmas os bosloper p ro l iferavam. Esses t raf icantes se in t rodu ziam nu m m u ndindígena e não poupavam meios para obter pe les . Sua presença in ter

    r ia nas relações entre i roqueses e holandeses. Proibidas em várias optunidades, elas acabaram em 1660 por ser legal izadas. Por seu lado, o de ro so Ki l iaen Van Rensse laer, qu e tent ara imp ed ir a pass agem dbarco s a ju sa nte d e For t -O rang e, f racassou igua lme nte e m suas prá t imon opo l í s t i cas . E le mo r reu em 1643, consu mido pe lo e m pre en d im ede Rensse laerswyck, senho r ia h íbr id a qu e mis turava feu dal is mo e in teses mercantis em terra índia.

    O PREÇO DOS CASTORES

    Os ho lan deses t en ta ram enxer ta r seu com érc io na ro ta p ré -h is tr ica do wampum, que de Long Is land [ . . . ] a lcançava pelo Hudson oRichel ieu , o São Lourenço e todo o Escudo canadense habi tado pelos g o n q u i n o s1 2. Eles t raf icaram com os moicanos, depois com os mohawks

    9. Rink, 1986, pp. 121 e 125.

    10. Delâge, 1991, pp. 119-120.11. Em 1652, o governa dor Pieter Stuyvesam rebaiizou F ort-O range, qu e se torn ou Beverwyck, Castor12. Delâg e, 1991, p. 115. Assim, qua nd o em 1663 o valor do castor. cai de 8 pa ra 4.5 florins , desval

    se o uampum pela metade .

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    mas en co nt r ara m m ui to mais d i f icu ld ades que os f rance ses para se imis -cu i r nos conf l i tos ind ígenas . Em 1628, os mohawks sabotaram a conclu-são de uma a l iança en t re moicanos e a lgonquinos , que te r ia desv iado emdireção à Nova Holanda as pe les do Canadá . Sua v i tór ia sobre os moi-canos tornaram-nos os únicos in te rmediár ios do t rá f ico com os holande-ses , que de fa to ho m ol og ar am essa s i tuação . Os mo haw ks torna vam -seloca lmente os senhores de um jogo que , bem ao Nor te , benef ic iava igua l -m e n t e o s c o m e r c i a n t e s f r a n c e s e s . I m p e d i n d o o s m o n t a n h e s e s e o sa lgonquinos de negociar d i re tamente com os holandeses , os mohawks osman t inham so l idamen te na ó rb i t a f r ancesa . Uma vez ma i s , a ex t r emain te r dep end ênc ia dos g ru pos índ ios e de seus pa rce i ros eu ro peu s pa re -cia um d ad o im po rta nt e da his tór ia da costa les te .

    A supressão do m on op ól i o teve e fe i tos parado xais . Cada vez que po-d iam, os i roqueses aprovei tavam preços vanta josos , mas a anarquia quedom inava as t rocas os desanimava . O s parce i ro s europ eu s e ram múl t ip los ,quase anô nim os . Os índ ios não conc ebia m q ue as re lações pudesse m sel imi ta r a cons iderações mercant i s . Em For t -Orangc , em 1659, não hes i ta -r am em den unc ia r o ma te r i a l i smo , ou mesm o a ma ldad e de seus pa r-ceiros: Os ho lan de se s dizem ser nossos i rmãos, l igados a nó s po r co rre n-tes , mas de fato eles só o são na medida em que temos castores , senão nãose in te ressam de modo a lgum por nós . As co isas dever iam ser ta i s quet ivéssemos sem pre nece ss idad e u m d o ou t ro .

    Esse pedido t raz uma luz excepcional sobre a f rus t ração que f re -qüen temen te emanava das t rocas en t r e í nd ios e eu ropeus . Pode - se e s -t endê - lo ao con jun to do con t inen te amer i cano e po r consegu in t e med i rmui to melhor o choque que representou para os povos do México e dosAndes a ex tensão s i s temát ica e universa l do comérc io espanhol . Quandolaços de uma grande fami l ia r idade se es tabe lec iam em For t -Orange en-t re holandeses e ind ígenas , e ra prec iso acompanhá- los com ges tos e r i -tuais aos quais os i roq ues es julg av am ter direi to :

    Não bastava mais mandar vir, segundo os hábitos correntes, os índios para suacasa, era ainda preciso lhes dar uma atenção extraordinária: assim era preciso admiti-los à mesa, dispor toalhas de mesa diante deles, oferecer-lhes vinho e outras delica-dezas , coisas que não recebiam como o far ia o homem de Esopo, mas que eles con-s ideram como obr igação . E les não f icam abso lu tamente conten tes e , se r ia p rec i sodizé- lo , sentem-se antes rancorosos quando ta is cor tes ias não lhes são dir igidas .

    13. Iim, p. 124.

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    De fa to , ambas as par tes se esforçavam por encontrar acomodaçõentre os cos tumes indígenas e os hábi tos holandeses . Os holandeses n h a m a p r e n d i d o a s e c o n f o r m a r, e m b o r a s u p e r f i c i a l m e n t e , c o m a s mneiras de ser e de agi r de seus parce i ros . O adminis t rador de VaRensse lae r, na época do domín io desse patroon, e dep o i s o go ver na do rPie ter Stuyvcsant tomavam o cuidado de renovar per iódica e cer imonsamente a a l iança com os i roqueses , que se sent iam l igados de modo psoal a essas duas personagens. Os índios estavam al iás conscientes do pque lhes reconheciam cole t ivamente essas convenções d ip lomát icas . mo a in te r rupção das t rocas eqü iva l i a a uma dec la ração de guer ra ,

    holandeses de For t -Orange t iveram de se esforçar por abas tecer, cus tao que cus tasse , seus a l iados , mesmo quando os conf l i tos europeus perbavam as che gad as de m ercado r ias . Po r seu lado, seus parc e i ros i roqueass imi lavam prá ticas qu e os fami l iarizavam com a ec on om ia de m erc acomo a concebiam os europeus: se os i roqueses se d i r ig iam em grupoFor t -Orange , a s s im que chegavam ao lugar ex ig iam esco lhe r a s casao nd e iam e se lec ionar as me rcad or ias que lhes in teressavam. Ouviam -cada vez mais discutir preços: um castor devia valer tantos punhados pó lvora ou de wampúm branco ou pre to . Em meados do século XVII , a

    coex i s tênc ia en t r e eu ro peu s e ind ígenas na Nova H ola nd a p rodu z i ra umes t i çagem dos háb i tos e das a t i tudes que t emperava o des regramendas prát icas comerciais .

    A SUPREMACIA DOS IROQUESES

    Os parce i ros ind ígenas dos ho landeses fo ram i roqueses - mohawe one idas - ou moicanos . In te resses comerc ia i s , cosmopol i t i smo e lc idade p reva lece ram na Nova Holanda sobre o e sp í r i to miss ionár io tco m o o cul tivavam o s ar tesãos da Con tra-R efo rm a ca tó l ica : Jo na s Michl ius , o único pas tor do ter r i tór io , des is t iu rapidamente de evangel izar i n d í g e n a s1 4. O que não deixou de ter conseqüência sobre as re lações qul iga ram os co lonos e os na tu ra i s . Por não mante r, como os f r ancesemiss ionár ios em ter ra índia , os holandeses conheciam mal seus in terc u t o r e s . E m 1 6 2 8, n e n h u m h o l a n d ê s d o m i n a v a v e r d a d e i r a m e n t e u mlíngua ind íge na e a s i tuação nã o parec e ter m elh or ad o nos anos de 16

    Algu ma s palavras e ges tos serviam par a ma nt er re lações e lem enta res ; qü en te m en te , a igno rânc ia dos cos tu me s índ ios voltava-se co nt ra os h

    14 . Mm, p. 127.

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    l andescs . O in t e re s se t e s t emunhado pe lo gove rnador Johan Maur i t z deNassau pelos naturais do Brasi l não parece ter encontrado eco nas mar-gens t emperadas do Hudson .

    As coisas e as m ul he re s f izeram a l igação com o ou tr o m un do . O síndios eram invadidos pelos objetos europeus. Não é por acaso que os ho-landeses receberam o nome de Charistooni - os que t rabalh am o ferr o -ou de Assirioni - os qu e fab r ica m tec idos . Em 1634, um c i rur g ião d eFor t -Oran ge n otou e n t re seus anf i t r iões moh awks a presença de mac ha-dos , e descre veu camisas , m an tos e nava lh as de fabr icaçã o f ranc esa .Po r t a s de p ranchas e squadr i adas , d ive r sos ob je tos de f e r ro , co r r en te s ,ras te los cha m aram a a ten ção do s v is itan tes euro peu s ; A 10 de jan e i r o de1635, Je ron imu s , um co m pan hei ro de Bogaer t , que im a uma boa par te d csuas ca lças por ac idente , consegue conser tá - las graças a um pedaço det ec ido que lhe dá a mãe de um che fe one ida1 5. A invasão dos objetoseu ropeus pa rece ma i s p recoce que na Hurôn ia , p rovave lmen te po rqueos preços das mercador ias holandesas e ram mais ba ixos que os pra t ica-dos pelos franceses.

    Não era a única vantagem de que se beneficiavam os i roqueses. Parase d i r ig ir a For t -O range , e les nã o t inh am , com o os hurõ es , de pe rco r re rcen tena s de qui lô me t ros a desc obe r to , sof re nd o a taqu es fa ta is : o po s todc t rá f ico ho lan dê s encon t rava-se na por ta do te r r i tó r io moha wk . Elestampouco deviam supor ta r a presença dos miss ionár ios ca tó l icos com olote de tensões e de cl ivagens que susci tava a evangel ização de uma fra-ção , a inda que res t r i ta , da comunidade . Enf im, os i roqueses possu íamarmas de fogo . As a rm as cheg ara m u m p ou co m ais ta rde , a par t i r do fimdos anos de 1630, quando o t ráf ico se tornou l ivre na Nova Holanda. Nolugar de suas a rmas t rad ic iona is , ou como complemento de las , os i roque-ses começaram a adquir i r fuzis , espadas, machados e cassetetes de ferro.

    Ing le ses e depo i s ho land eses com pre en de ram os luc ros cons ide rá -veis que podia lhes t razer esse novo negócio. Em breve, o comércio dasarmas fez pender a ba lança em favor dos grupos i roqueses que se abas te -c iam em For t -Orange . Os mohawks puderam ass im se equipar e se impora seus v iz inhos mul t ip l icando ao mesmo tempo os a taques em di reção aoSão Lourenço . A des t ru ição da Hurônia se inscreve nesse contex to e fazcom qu e um índio neó f i to conv er t ido pe los jesu í tas f ranc eses d iga : Osholandeses dessas cos tas nos fazem morrer, fornecendo armas de fogo ,em abundância e a bom preço, aos i roqueses nossos inimigos . Em 1657,

    15. U m , pp. 137-138.

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    um a Nova H olan da que perm anece r ia um a co lcha de re ta lhos de nac io-nal ida des, de l íngu as e de etnias . C om o a m ãe pátr i a , a colôn ia d o

    Hudson estava dest inada a ser uma terra de acolhida para os es t rangei-ros , agora uma he te rogene idade que de te rminou sua f rag i l idade d ian tedo b loco pur i tano que encarnava a Nova Ing la te r ra . Aos europeus sejuntaram escravos negros enviados para minorar a fa l ta crônica de mão-de -ob ra1 9. Os pr im eiro s ju de u s ref ug iad os de um Brasi l qu e recaíra nasmãos dos portugueses e da Inquis ição só desembarcar iam em 1654, de-sencadeando, a l iás , a hos t i l idade dos pas tores que quer iam a qua lquerpreço bani- los da Nova Holanda2 0.

    Nos anos de 1630, a Nova Amsterdã era a inda um povoado de ca-

    sas de madeira, atravessada pela Breed Straat e protegida por uma pal içadade vigas revestidas de terra endurecida. A ausência de igreja não chocavaninguém, o que ter ia s ido impensável em Quebec ou no México. O for tefoi recon struído e ampliado . Artesãos vindos da Ho land a construíram moi-nhos. Cento e cinqüenta colonos e suas famílias cultivavam a terra e trafi-cavam com os homens da companhia e cora os marinheiros de passagem.

    Os, índios das redondezas per tenciam à famíl ia a lgonquina. Eles sedividiam em uma dúzia de grupos separados: wappingers , hackensacks,wecquaesgeeks, tappans, nyacks, canarsees , o que os tornava par t icular-

    mente vulneráveis as agressões do exter ior. Nos pr imeiros anos, os a lgon-quinos venderam suas pe les de cas tor aos que chegavam. Quando essecomércio se esgotou, por fa l ta de animais de pêio, os europeus passarama ver nos indígenas apenas um obstáculo à extensão dc seus campos e deseus rebanhos . Preocupados com as aparênc ias , e les lhes compravamporções dc te r ra sem que os ind ígenas compreendessem aonde os a r ras -tava essa gradual despossessão. Outros pregavam meios mais expedi t ivos.

    A H olan da, tão tole rante em seu solo, se desinteressava totalm entedos ind ígenas e permanec ia surda aos pro je tos dc Wi l lem Usse l inx . Ogovernador-geral, Kieft , era favorável a exterminar os selvagens a fio dcespada, c se aplicou nisso. A partir de 1640, incidentes atearam a discór-d ia , desencadeando uma sér ie de conf l i tos que devas ta ram a reg ião eam eaçaram o pró pr i o fu t uro da co lônia . Fo i um a gue r ra contra a na tu-reza, bárbara, inútil , injusta e feia . Em 1645, uma cascata de ataques ede represálias assassinas espalhou a ruína na costa de Long Island e noprofundo inter ior das terras , enquanto os sobreviventes se refugiavam na

    19. Rink, 1986, pp. 87,92 e 130; Rink cita os nom es de Antoin e o Portug uês e de Pedro Negreiío (pp. 160-161}.

    20 . Om, p. 233.

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    N o r a A m s t e r d ã2 1. Em Manhat tan , os campos es tavam incul tos e as fazedas reduzidas a cinzas. Só os lucros do tráf ico das peles em volta de FO r a n g e , o n d e a p a z f o r a m a n t i d a a q u a l q u e r p r e ç o , p o d i a m r e c o n f oos ac ion i s t a s da companh ia ho landesa . Nessa da ta , a co lôn ia ho lancon tava apenas 2500 pessoas2 2.

    A VIRGÍNIA DE POWHATAN E DE POCAHONTAS

    Mesmo que , na p r ime i ra me tade do sécu lo XVII , os f r anceses Nova França se p re oc up em ac ima de tudo com a con cor rênc ia ho lan dou t ra s naçõ es eu r opé ias t en ta m igu a lm ente se im plan ta r na cos ta a tt ica. Foi o caso do s sue cos e do s finlandeses, q u e se es ta be le ce ra m 1637 no De laware sob a d i reção d o pas to r lu te ran o Cam pan ius*3 e , sobre-tudo, dos ingleses .

    E m b o r a o d e s a s t r e d a i l h a d e R o a n o k e ( 1 5 8 5 - 1 5 9 0 )2 4 t e n h a p o s t oum parade i ro nas exped ições de Alb ion em d i reção à Amcr ica , a Inte r ra marca ra encon t ro d ian te da Espanha . Edward Hayes , num re la tov iagem a Ter ra -Nova2 5 (1593) , proclamava sem rodeios os d i re i tos da In-

    g la te r ra so bre os pa í ses qu e se e s t e nd em ao N or te d a F ló r ida , a r gu ifracassos rep etid os da Es pa nh a e do s fran ces es, ret ido s em suas casassuas guerras c iv is2 6. Jo h n D ee , o cabeça da Renascen ça e l i sabe tan a qu elia e apreciava Fil ipe II , havia l igado, desde 1577, o desenvolvimentomar inha e a expansão ing lesa em seu General and Rare Memoriais. O des-tino imp er ia l b r i t ân ico nã o e ra f r u to da o r ig em t ro ia na dos mo na ringleses que se l igavam por essa l inha ao mi to imper ia l romano?2 7 Eliza-beth es tava des t inada a se tornar o guia da cr is tandade in te i ra . Sem l izar os sonhos do f i lósofo , a ra inha dedicou o res tante de seu re ino

    i n c l i n a r a o p i n i ã o p ú b l i c a n e s s e s e n t i d o e a a c u m u l a r c o n h e c i m e nsob re o Nov o Mu nd o . As g ra nd es co leções de v iagens pub l i cada s neépoca , os t r aba lhos de Thomas Har io t , a s t r aduções de Thomas Hack2 8,

    21 . Idm pp. 217 e 221,22 . Idm p. 158.23. liem pp. 159-160.24. David B eers Qu inn (ed.) , 1955, The Roanoke Vojagts 1584-1590 Londres, Hakluyt Societ

    Publications. 2* série, pp. 104-105.

    25. Oficialmente a primeira terra a ser colonizada pela Inglaterra sob a direção de Humphrey Cilbert e26. Sir Hu mp hre y Gilb ert's New foun dland Voyage , 1583, era Hakluyt, 1986, pp . 22-23.27. Francês A. Yates, 1987, a Philosophie occuüe à 1 époque étisabttiunne Paris, Deny-Livres, p. 155.28. Hacket traduz em 1568 as Smgularita de la Frana Antarctique de A. Thevet, obra que Martin Frobish

    leva em sua viagem de 1576.

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    e depo i s , a s compi l ações do geóg ra fo R icha rd Hak luy t - mor to comoSha kesp eare em 1616 - t es t em un ha m essa pre pa raç ão me tódic a , p rév ia

    a uma expansão que mob i l i zou Coroa , aven tu re i ro s e comerc i an t e s aolongo do s écu lo s egu in t e4 9. Desde a segunda metade do sécu lo XVI , fo idado o tom, longe das cur ios idades ou dos assombros dos le t rados f ran-ceses face aos hab i tan tes do Novo Mundo8 0. Quando Hacke t se a t re la àt r adu ção do f r an cês The ve t , é nu m a óp t i ca pu r i t a na e conq u i s t ad o ra ,s egu ro da supe r io r idade do Oc iden t e sob re o s s e lvagens da Amér i ca .Quando Hakluyt ed i ta o De Orbe Novo de P ie r re Mar tyr em 1587 co m um adedica tór ia a Ra le igh , não pode a f i rmar melhor o in te resse e a re iv ind i -cação inglesa.

    Em abril de 1607, a Virgínia é de novo o alvo dos esforços ingleses.Três nav ios enviados pe la Vi rg ín ia Company de Londres remontaram orio d e Ja m es com 104 passag e i ros . E les fu n d am Jam es to wn n um s í t iopouco agradáve l , malsão e pan tanoso , des t i tu ído de água doce . A ba íap ro funda de Chesapeake fo rma um es tuá r io imenso onde a água doce ea água s a lgada s e con fundem num me io mar inho de uma s ingu l a r p ro -fusão . Dezenas de rios po de m aco lher os g ra nd es nav ios , en qu an to so losf é r t e i s i nchados de a luv iões anunc i am go rdas pa s t agens e abundan te sco lhe i tas . Co nt ud o a Ba ía , co m o os ing leses a cha ma m , susc ita ou t rasesperanças en t re os inves t idores da companhia : a l i se p ressen te a sa ídade re ino s tão r icos qu an to o M éxico e o Pe ru , ou ain da a fam os a passa-gem do Noroes te , que permaneceu inacess íve l após mais de um sécu lode explora ção . Na p ior das h ipó teses , a ba ía o fe rece r ia um a base c ôm od apa ra a tacar as f ro ta s da Espa nh a que e n t r a ra m n o es t re i to da F lór ida ouno cana l das Baham as . Po r o ra , a Vi rg ín ia Com pan y obs t inou-se em fu n-dar um escr i tó r io onde se t rocar iam obje tos de fe r ro e t êx te i s por mine-ra i s da reg ião . Seus ob je t ivos são abso lu tamente mercan t i s e a c r i s t i a -n ização dos na tura i s , a menor de suas p reocupações .

    29. David Beers Quinn, Nea American World: A Documeníarj Historj o f North America to 1612 Londres eBasingstoke, The Macmillan Press, 1979, vol. III, e Lestringant, 1991, p. 111. Mesmo as antigüidadesmexicanas tomavam o caminho de Londres depois de um desvio parisiense: Hakluyt comprou ao tran-ces Thevet pela soma de vinte escudos o Codex MenAoza obra-prima da arte mexicana pintada, pertode meio século antes, a pedido do vice-rei Antonio d e M endoza. A história mo vimentada do manus-crito resume bem o interesse que tiveram a França e a Inglaterra na ocupação do Novo Mundo: envi-ado por Cortês a Carlos V, o códice foi interceptado por um corsário francês, que o vendeu ao rei daFrança; seu cosmógrafo t i tular, André Thevet, se apaixonou pelo objeto antes de o ceder a Hakluytem 1387. Enquanto a Inglaterra tomava a frente da luta contra a Espanha, o códice passava definitiva-me nte pa ra as coleções da ilha. Ele está hoje co nserv ado em Ox ford , nas coleções da Bodleyan Library.

    50. Para um confronto das duas visões, Boucher, 1992, pp. 25-30.

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    Era a inda prec i so conta r com uma poderosa confederação de cercade t r inta t r ibos , d ispersas num terr i tór io que se a longava do r io Potomac

    aos pân tano s de Great DismaJ. A frente desse co nj un to re inava um ho m emexcepcional nascido nos anos de 1540, Powhatan, que usava o t í tu lo deche fe sup remo , ou Momanatowick. Powhatan sabia que lhe ser ia precisocon duz i r um jog o cer r ado para co nte r os invasores sem ro m pe r com e les .Um incidente sobrevindo t rês anos mais cedo lhe aconselhava a mais ex-t rem a desco nf ian ça , e p rofe c ias anu nc iav am que a par t i r, da ba ía deChesapeake se e levar ia uma nação que dissolver ia e terminar ia seu domí-nio . Mas apenas a a l iança inglesa que lhe era necessár ia o a judar ia a con-ter seus inimigos do Oeste , garant indo-lhe ao mesmo tempo uma posiçãode in te rmediár io obr iga tór io nas t rocas com as ou t ras t r ibos da reg ião5 1.

    Os i ng l e se s não compreende ram que pod i am exp lo ra r em bene f í -c io própr io as t ensões en t re as t r ibos de Chesapeake e que grupos dese-javam obte r sua a l iança . Desor ien tados e assus tados pe lo mundo índ io ,obnub i l ados pe lo t emor de un i a t aque e spanho l3 2, t iveram no local todasas d i f icu ldades do mundo para assegurar a sobrev ivênc ia e deveram suasalvação às reservas a l imentares indígenas . A colônia , a exemplo da His-pan io la de Cr i s tóvão Colombo, con tava aventure i ros oc iosos demais , emuito poucos t rabalhadores e ar tesãos capazes . O inverno de 1609-1610quase var reu por comple to a p resença ing lesa : o desembarque de a lguns

    re fo rço s s a lvou po r pouco o s co lonos que t i nham ex um ad o e co mid ocadáveres para saciar a fome. A água poluída dos pântanos da baía espa-lhara febres e disenter ias fa ta is .

    Os índios dispensaram outro revés , Eles não passavam de t r inta mil ,ou se ja , po uca co isa com pa rad o com m ul t idões mexicanas , e d em as iad opobres para fornecer bu t ins fabulosos . Desde os p r imei ros t empos , asrelações com as t r ibos da região, reunidas sob a égide de Powhatan, fo-ram medíocres , a l t e rnando cooperação e choques . Dian te da res i s tênc iaou d a má von tade in dígen a, os a taq ues terror is tas dos ingleses se m ult ipl i -

    cavam. Os índios reagiram p or sua vez rec orr en do às arm as e à ma gia par arech açar o adversár io , mis tu rand o exorc ismos , enc an to s e con juraç ões .

    Em 1614 , sobreve io uma aca lmia , que fo i encer rada por uma pr i -meira e úl t ima tentat iva de reaproximação. Coisa rara , uma s i lhueta fe-minina enf im ident i f icável a t ravessa as re lações entre índios e europeus.A f ilha de Pow hatan , Pocah ontas , familiar izara-se de sde a infân cia com os

    31. Szasz, 1988, p. 52.32. Nash, 1992, p. 46; um dos membros do Residem Council of Covernors foi acusado de ser um espião

    a soldo dos espanhóis e executado.

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    A baía de Chesapeake ( in íc io do século XVII)

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    ing leses . Aos onze anos , e la t inha o co s tu m e de pavonear-se , nu a n ofo r t e , com os g rum e te s3 3. Al tern adam ente refé m , info rm an te e emissár ia

    de seu pa i , a p r incesa conseg uiu a ben evolê nc ia dos eu ro pe us sa lvandoa vida de um deles . Ela se habi tuou tanto com os costumes ingleses quese con ve rteu a o cr is tianismo e casou-se com J o h n R olfe , um jov em viúvode v in te e o i to anos que in t roduz i ra o t abaco das índ ias oc iden ta i s naVirg ín ia . O casamento concre t izou a t régua en t re as duas nações . Tendo-se to rn ad o Lady Reb ecca , Po cah onta s t eve um filho com ,seu esp osoing lês e embarcou em 1616 para a Ing la te r ra , que descobr iu em compa-nhia de uma dezena de índ ios . Morreu no ano seguin te em Gravesend ,depo i s de t e r con t r i bu ído pa ra l evan t a r f undos pa ra o povoamen to daVirg ín ia ing lesa . Como as p r incesas mexicanas e incas un idas com con-quis tad ores espanhóis , Poc aho ntas perco r re ra todas as e tapas da co labo-ração. Em seguida, t ra tou-se de cont inuar a exper iência dando uma outrapr in ces a a um no tável inglês par a for t i f icar a a l ian ça en tre os dois po vosa f im de que fossem apenas um . Os contatos se intensif icavam. Apesar

    dos choques esporádicos , os int rusos se inic iaram, com a a juda dos indí-genas , nas t écn icas da pesca e da cu l tu ra do tabaco , do mi lho , da abó-bora , e nq ua nt o es tes in tegravam facas, fuz i s , anzó is e ou t ros o b je to s d efe r r o a seu a rsena l. índ io s t raba lhavam de tem pos em temp os nas explo-rações dos ingleses , e mais dc um estrangeiro aprovei tou a hospi ta l idadeindígena para se pôr ao abr igo das autor idades da colônia ou de seus com-patr iotas . Estar ia a Virgínia entrando na via da mest içagem e das t rocas?

    0 REINO DO TABACO

    Os es forços envidado s para a t ra i r jov ens ind ígen as às esco las à in -glesa podiam sugeri - lo . Como na América hispânica, considerava-se queo domínio po l í t i co e mate r ia l se acompanhava de uma t ransformação dos

    seres : conv inha grad ua lm ente mu da r suas na tur ezas bárbar as , to rná- los ,o mais b revemente poss íve l , envergonhados de sua se lvagem nudez , in -formá- los sobre o verdade i ro Deus e o caminho da sa lvação , para enf imens inar- lhes a obediênc ia à majes tade rea l e a seus governadores nessasreg iões . Vasto pr og ra m a que , no pr in c íp io , na da tinha a inve ja r às

    33. Axtell, 1988, p. 208.34 . Idm, 1988, p. 215: By degr ees [to] cha ung their barb aro us Datures, m ak t th em asha med the s oone r

    of their savadge nakednes, informe them of lhe true god, and of lhe waie to their salvation, and fynally

    teach them obedience to the kings Majestie and to bis Governoun in tbose parts .

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    empresas dos espanhóis do México e do Peru. A educação era d ispensadanos lares ingleses ass im como no colégio de Henr ico e na East índiaSchoo l .

    A má ges tão dos fundos des t inados a essas ins t i tu ições e a revol taínd ia de 1622 t rans formaram-nas em empresas na t imor tas . De res to , aIng la te r ra não e ra a Espanha . At rás da Vi rg ín ia , não hav ia nem Igre japoderosa e miss ionár ia , nem Estado com ambições universa is , nem mes-mo um povo de emigrantes obsedados pelo ideal do hidalgo e, mais pro-sa icamente , resolvidos a conf iar nos autóctones as tarefas que e les recu-savam com desprezo. Uma planta , em compensação, decidiu o des t ino da

    colônia .A cu l tu ra do t abaco que , desde 1617 , reve lou-se ex t raord inar ia -

    mente p rove i tosa permi t iu enf im à co lôn ia a lcançar a ren tab i l idade en-con t ran do sua razão de ser econ ôm ica . O tabaco des em pe nh ou o pape l

    .da cana-d e-açú car na costa bras i le i ra , ou da pra ta no P er u. Já qu e eramui to di f íc i l reduzir os índios à escravidão, os propr ie tár ios das p lanta-ções recorreram à mão-de-obra inglesa , a quem promet iam terras ao f i -nal de qua tro a sete ano s de trabalh o. Vendiam-se e reve ndiam [os recé m -che gad os] co m o se fosse m cavalos. Gra ças a esses escravos tem po rá rio s(ou indentured servants) com co nd içõ es d e vida sofrid as - A Virg ínia, di-z ia-se , logo terá a reputação de ser um abatedouro3 6 - logo se dispensa-rão def in i t ivamente os índios .

    O progresso fenomena l das p lan tações de t abaco , a ins ta lação decolonos em número crescente - mais de três mil entre 1619 e 1622 - e ainvasão das ter ras indígenas i r r i taram os powhatans3 7. Em março de 1622,cansad os dos avanços dos invasores , e les se sublevaram , mass acra ndo 347ingleses , homens, mulheres e cr ianças , ou se ja , um quar to dos europeus3 8.

    Nos meses segu in tes , uma grande quan t idade de ou t ros co lonos morreude fom e , de doen ç a o u d e e sgo t amen to . O acon t ec imen to fo i de t e rmi -nan te . Os ing leses reag i ram ex te rminando os índ ios e a r ru inando s i s t e -m at ica m ente seus hábi ta ts e suas cul turas . A a t i tude pref igura va a pol í t icaque em torno da Nova Amsterdã , cerca de vinte anos depois , precipi ta-ria a des t ru ição do s a lgonq uino s . As m esm as causas t e r i am os m esm osefei tos : e l iminava-se o adversár io sem procurar de modo a lgum integrá-

    35. Szasz, 1988, pp. 46-62.36. Nash, 1992, p. 52.37. Em 1624, duzentas mil libras dc folhas foram exportadas para a Inglaterra e três milhões de libras em

    1638 (i d m , p. 50).38. Um terço segundo outras fontes (idm, p. 60).

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    708 HISTÓRIA DO NOVO MUNDO

    lo, o equivalente da guerra a fuego y a sangre qu e preva lecera nu m a cer taépoc a no México na f ron te i ra ch ich im eca . O gov erna dor de s ign ado pe la

    Coroa para assumir a sucessão da Virgínia Company tentou em vão inter-por-se en t re os ape t i tes dos co lonos e as t r ibos índ ias . Após anos deguerra selvagem, os powhatans, incapazes de resis t i r mais , pediram a paz.A capi tulação foi acei ta . Os ingleses ter iam sem dúvida prefer ido el iminarf i s icamente seus adversár ios : E in f in i tam ente me lhor nã o te r en t re nóspagãos , que na melhor das h ipó teses e ram como esp inhas f incadas emnossos flancos, do que ser aliados deles e estar em paz com eles3 9. Os inva-sores t inham necessidade das terras , e não dos homens que as povoavam.

    A h is tór ia dos powhatans , todavia , nã o te rm inar a . A pro ve i ta ndo a

    eclosão da guerra c ivi l na Inglaterra , seu chefe , Opechancanough, lançouem 1644 um derradeiro levante para se opor à progressão inexorável dasplantações inglesas . Até essa data avançada, as populações indígenas serevelaram suscet íveis de pôr em perigo a presença estrangeira . Os colo-nos, todavia, tinham se tor na do num eros os dem ais - cerca de um a d eze nade milhar - para serem ser iamente ameaçados pela revol ta . Os powhatanses tavam de r ro tad os de an tem ão, t ão ma ssacrados e d i spersos qu e nã oma i s fo rmavam uma nação4 0. Em 1646, um tratado concedeu aos venci-dos um te r r i tó r io à par te dos europeus em t roca de um t r ibu to anua l de

    peles de castor e de uma promessa de ajuda em caso de ataque exter ior.A época de reservas nascera , a era da assimilação e das mest içagens esta-va prestes a se encerrar.

    A NOVA INGLATERRA DOS PURITANOS

    Longe dos r igores da Nova França como das temperaturas tépidasda Virgínia, as terras de Massachusetts avançavam suas costas rochosas e

    recortadas em direção aos marulhos at lânt icos onde cruzavam as baleias .No inverno, e las eram geladas por um fr io penetrante que congelava osr ios , mas det inha os sur tos de febres e de disenter ia . Uma umidade cons-tante , água em abundância , um cl ima var iável , solos de qual idade inegá-vel co m pu nh am um am bien te que , s em se r um ou t ro pa ra í so , pod iam an t e r um a Nova Ing l a t e r r a : Um a e sco lha pe r f e i t a pa ra um a u top iacalvinis ta4 1.

    39. Axtell, 1988. p. 219.

    40. Idem, p. 221.41. Foher, 1989. p 52.

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    A Nova Inglaterra (século XVII)

    A h i s tó r ia do p r im ei ro es ta be le c im ento ing lês de im por tân c ia naAmérica do Nordes te es tá es t re i tamente l igada ao a t iv ismo de uma mino-r i a da popu lação ing lesa que , desde a segunda metade do sécu lo XVI ,rec lamava tuna segunda reforma da Igre ja da Ingla ter ra . No espí r i to dospur i tanos , o angl icanismo devia se desembaraçar de suas sobrevivênciaspapis tas - is to é, catól icas - , era preci so e xo rta r os f iéis a se ren de re m auma maior d isc ip l ina e o c lero a se inspi rar no modelo ca lvinis ta epresbi ter iano. O movimento era igualmente socia l e pol í t ico: para pur i -f icar esse mundo caót ico e cr iminoso, os e le i tos de Deus deviam tomaro poder e impor suas opiniões à sociedade in te i ra . Nem a ra inha El iza-beth nem seus sucessores v i ram com bons o lhos pre tensões tão subvers i -

    vas . Ao con trár io , as perseg uiçõe s e os efe i tos das t rans form açõ es e conô-micas obr iga ram os pur i t an os a em igra r pa ra o Novo Mu nd o , on depoder iam rea l i za r seu idea l de uma soc iedade regenerada e de uma co-munidade se lada por um pac to , ou covenant.

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    720 HISTÓRIA DO NOVO MUNDO

    Por s i tuar a lém do At lânt ico a esperança da regeneração e da sa lção , esse e lá reformador lembra o sopro u tópico que , um século animpe l iu os f r anc i scanos dc Es t remadura em d i reção ao Novo Mundoprec i so re m on ta r ao t em po dos p io ne i ro s da conq u i s t a e sp i r i tua l México para recobrar as qual idades in te lec tuais e a la rgueza de v isão figuras pr inc ipais da Nova Ing la ter ra , os W int hr op , Co t ton e El io t , uve r s i t á r ios e membros da pequena nobreza , bem d i fe ren tes dos p redares da Virgínia. 1

    O s p e r e g r i n o s d o Mayflower acos taram em Plymouth em 1620, pr i -meira vaga de um f luxo que só se ampl iou nos anos de 1630. Uma e

    d e m i a a b r i r a c a m i n h o a o s p u r i t a n o s , p o u p a n d o - l h e s d e t e r, c o m o Jamestown, de tomar as armas contra os índios: de 1617 a 1619, ela ez iou a r eg ião de P lymouth de seus ocupan tes na tu ra i s . Segundo um glês qu e a travessava aqu ela região a lgum t em po dep ois , os ossos ec rân ios nos d i fe ren tes loca i s de suas hab i t ações compunham um espculo tal [ . . .] que tive a impressão, viajando naquela floresta perto da trde Massachuset t s , de encontrar um novo Gólgota4*. Em 1633, explodiuuma epidemia de var ío la . A medida que a população pur i tana aumentaseus hóspedes desaparec iam e o aba t imen to quebran tava a ene rg ia d

    sobreviventes: Eles t inha m o ar des anim ado de u m povo am ed ro nt ad o4 5.A do en ça era in te rpr e ta da pelos pu r i tan os co m o um s inal de Deu s e um anife s taçã o dc sua onipo tên cia a seu favor. Na m atér ia , na da os d isguia dos ca tó l icos , espanhóis , f ranceses ou por tugueses .

    Co m o a ma io r i a dos eu r op eu s na Amér ica , os pur i t a nos exp lo ravaas d iv isões das t r ibos índias . A pressão européia tornou-se o de tonados conf l i tos in te rnos no mundo ind ígena . Enf raquec idos pe las doenços pokanokets se a l ia ram aos recém-chegados para rechaçar seus in ig o s n a r r a g a n s e t t s4 4. D ian te do a f luxo dos imigran tes , ou t ros g rupos de -fenderam bravamente seu t e r r i tó r io . Sem êx i to : em maio de 1637 , ua ldeia péquot s i tuada no Myst ic River fo i incendiada por voluntár ios Massachuse t t s e do Connec t i cu t . Depo i s que homens , mulhe res e c r iças foram massacrados ou vendidos como escravos , os vencedores se ram conta dessa v i tór ia com o t r iunfa l i smo dos profe tas do Ant igo Tesmento . O fu tu ro da co lôn ia pa rec ia , po r t an to , a s segurado enquan to ncos tas da Nova Ingla ter ra a mor te , sob todas as suas formas , resolv ia

    42. Citado em Nash, 1992, p. 75.43. Axtell, 1988, p 250.44. Delãgc, 1991, p 97.

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    ques tão índ ia : t rês ind ígenas sucumbiam à doença para um que morr iae m c o m b a t e4 5. De f ron tados com es se dese r to humano confo rme o p r in -c íp io jur íd ico do vacuum domicilium46, o dom icílio vaca nte , os invasoressó t inham de se apoderar das te r ras ind ígenas .

    Di fe ren temen te da Nova Ho landa ou da Nova F rança , onde p redo-minaram implantações individual izadas ao longo dos r ios , Massachuset tsfo i ob je to de uma ocupação co le t iva , maciça e comuni tá r ia . Os emigran-tes já er am d oze m il p or volta de 16 404 7. A t í tulo de comparação, a c ida-de do México contava 35 mil esp an hó is em 1610 e a de Pueb la, qu inz emil em 16204®. Em m até ria religiosa, c o reg im e consistorial ou con greg a-c iona l i s ta que preva leceu4 9. Su ste nt ad o po r pa stor es en érg ico s e rígidos,e s s e r e g i m e c o m p r o p e n s ã o t e o c r á t i c a i m p r e g n o u d u r a d o u r a m e n t e aa tmosfera da co lônia . Longe de pre tender c r ia r um mundo novo, t ra ta -va-se de vol tar aos ant igos valores perdidos, de reatar com formas de vidae de o rgan ização a s e rem rean imadas . A l imen tado po r uma nos t a lg i aprofunda em re lação à ve lha Ingla te r ra , o conservant i smo inc i tou a pre-servar por todos os meios o pa t r imônio que se levara da i lha5 0. Nisso aempresa pu r i t ana se d i f e renc ia r ad i ca lmen te do human i smo conve r so r eu tópic o da Igre ja esp anh ola da pr im ei ra m eta de do século XVI . O con-se rvan ti smo fo i ac om pa nh ad o po r um a p reoc upaç ão s is t emá t i ca de ho -

    mogene ização e de un i fo rmização das condu ta s que con t r a s t ava com adiversidade da Inglaterra e da Europa da época. Essa obsessão de todosos ins tan tes manteve uma repressão que se aba teu sobre os d ivergentese os fei t iceiros . Atr ibuiu-se a culpa aos quacres e bat is tas , que pagaramos cus tos da un i fo rmidade r e l ig iosa5 1. Em re açã o a essas pers eg uiç ões ,pas tores abandonaram Massachuse t t s , sof rendo os e fe i tos cumulados detodos os ostracismos.

    Foi o des t in o de Rog er Wil l iams , Expulso p ara a Am ér ica em con -seqüência das medidas an t ipur i tanas , e tendo se tornado pos te r iormentemin is t ro de Sa lem, esse pas tor fo i ob r ig ad o a pr oc ura r um a nova te r rapara escapar aos a taques de seus cor re l ig ionár ios . O banido fundou em

    45. Idm, p. 99.46. A terra vazia, ou que DIO era explorada segundo normas européias, devia voltar a quem estava pron-

    to para valorizá-la.47. Nash, 1992, p. 69,48. Gerhard, 1972, pp. 182 e 222.49. Leonard, 1961, II, p. 303 (ver nota 18).50. fisher, 1989, pp. 65-67.51. o relato dos softimen tas dos bans os em Jo hn Clarice, Htstemdepmhii^iUlaNouvdleAfíglittnt 1652.

    iSí^rêilij ;:,} r ; ; í W . Myftí

    m m m u . , -, . .

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    712 HISTÓRIA DO NOVO MUNDO

    R ho de Is land a colônia de Pro vide nce (1636 ) , o as ilo das pessoas pseguidas por ques tões de consciência , onde ter ia ins t i tu ído uma manede de moc rac ia fu nd ad a na separação da Ig re ja e do Es tado . U m a mu lhAnne Hutch inson , to rnou-se por sua vez um fe rmento de d i s s idênccurande i ra , pa r t e i r a , po r t a -voz do an t inomismo que exa l t ava os e fe i tmís t icos da graça d iv ina em det r imento da observância das regras , casou p re ocu paç ões nos pas to res , qu e a ju lg a ra m e a ex co m un ga ram e1636. Seu dest ino não era mais invejável que o das beatas do M éxico e doPeru , Teve de refugiar-se em Rhode Is land, onde a havia precedido RoWill iams. Ela cometera o pecado de se afastar da ortodoxia e de atrair

    sua vo l t a os des con ten te s de tod o t ipo . A nn e H utc h in so n en co n t ro um ort e com seus f ilhos ent r e os índios que o go ve rna do r da Nova Ho lanprec ip i t a ra na guer ra , dup lam en te v í t ima das v io lênc ias des enc ade adpe la co lon ização europé ia nessa pa r t e do mundo5 2.

    A co lon izaçã o pu r i t an a confe r i a a Massachuse t t s um a h om og en edade de povoamento e de c renças que con t ras t ava com o patchwork hu-mano de sua v iz inha , a Nova Holanda . O modo de v ida pur i t ano e sugol i lha de in junções recobr iam, ent re tanto , rea l idades demasiado contrt adas . Os co lonos t rouxeram cons igo do ve lho m u nd o não um m od e

    ou um sistema que lhes bastaria t i rar das bagagens e montar, mas um per tór io de idé ias e de imagens , um reper tór io cujo sent ido mudar ia coas pessoas5 3. As opiniões divergiam sobre o papel dos f iéis e as atr ibui-ções dos pas tores ; a herança da re l ig ião popular inf le t ia as prá t icas reg iosas - o ba t i smo, a co m un hã o - e a s c ren ças ma i s e l e m en ta r es . Nprá t ica , o cont ro le comuni tár io e fami l iar sobre os indivíduos manifes tum a por ção d e f raquezas . Os jov ens sup or tavam mal a tu te la dos ant igoas mulheres a t i rania dos homens, os ar tesãos e os comerciantes os cot ro les aos quais eram suje i tos . E nesses meios que Anne Hutchinson rcrutara seus par t idár ios . Longe de cons t i tu i r um meio monol í t ico5 5, os pu-r i t a n o s e r a m e l i s a b e t a n o s : d e s e m b a r c a n d o d o m u n d o d e S h a k e s p e a rcom um pro je to de v ida , e l e s ap renderam no decor re r dos anos a mulpl icar os compromissos com as cont ingências do Novo Mundo. A a t raçda l ibe rd ade - vossas l ibe rdad es na tu ra i s co r rom pid as - pesava maqu e as re pr im en da s dos pas tores .

    52. Rink, 1986, p. 221.53. David D. Hall, Pur iian Id eas and Society , cm Artts du Colloqut Nouvtau Mondt-Mmda Nouvtaux Pa-

    ris, EJLC/EHESS {no prelo).54. Hall, 1989.55. A controvérsia antin omista d os aro s de 1630.

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    É no domínio do poder que a s ingular idade da Nova Ingla te r ra émais manifesta . Diante das pretensões dos pastores , as le is es t ipulavam aseparação es t r i ta da Igre ja e do Es tado e o desaparec imento dos cursoseclesiást icos em prove i to de um a jur isd içã o cível ún ic a5 6. No mesmo es-tado de esp í r i to , para se opor aos monopól ios , o poder econômico es tavafracionado e disperso. As heranças eram divis íveis e o t rabalho l ivre pre-dominava en t r e o s eu ropeus . A p rá t i ca do covenaní e ra uma das mani -fes tações dessa maleabi l idade , mesmo que menos da metade das c idadesda Nova Inglaterra t ivesse baseado sua organização nesse t ipo de acordo.A flexibilidade da s insti tu içõe s, a fra gi lid ad e d o ce nt ro , a larg a partici-pação das populações na gestão desl igavam os confl i tos sér ios e const i -

    tu íam a força da co lôn ia pur i tana .

    A TENTAÇÃO INDÍGENA

    Os pr imei ros ocupantes da Nova Ingla te r ra receberam não só umaacolhida favorável por par te da população indígena, mas também a ajudaa t iva de índ ios que , de ta lhe notáve l , fa lavam sua l íngua . Um deles ,Samoset , era um sagamore (um che fe ) a lgonqu ino do Maine que ap ren -dera ing lês com pescadores da grande i lha . E le ofereceu aos peregr inosrecém -desem barcado s em P ly mo u th in fo rm açõe s subs t ancia i s sob re areg ião , que os recém-chegados se apressaram em aprovei ta r. Um out roindígena , Squanto , que fora t raz ido à força à Espanha e da l i se re fugiarana Ing la t e r r a , co loc ou igua lm en te s eus co nh ec im en tos a s e rv i ço dospur i tanos , que rec on he ce ram ne le um ins t ru m ento espec ia l enviado deD e u s 5 7, Squanto pres tou out ro serv iço aos invasores apresentando-osco m o seres dot ado s de gra nd es po der es sobre as doenç as, con serv and o apeste enterra da n a terra e que po dia m enviá- la à casa qu e eles quisess em5 8.

    Graças a esses dois índ ios , en t re out ros , os pur i tano s ap ren de ram ase adaptar às condições locais e notadamente a fazer brotar o milho, se--l ec ionando a me lho r s emen te e cu l t i vando o ce rea l í nd io segundo a sregras da reg ião5 9. As batatas, o arroz-selvagem, o açúcar de ácer e os rao-

    56 . Ver, por exemplo, o Bodj of Libertús ado tado em Maisach useus em 1641 eq ue limitava os juizes ao con-trole de suas congregações.

    57. Axtell, 1981, p. 135.58. Idm, p. 253.59. Squanto lhes mostrou *boih the manner how to set [the Indian corn] and aíter how to dress and tend

    it , em itUm, p. 293.

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    desejosos de re je i tar qualquer t ipo de autor idade, sagrada e c iv i l , para se

    t ran s fo rm ar e adqu i r i r, na m ed id a d o possíve l, a s m an e i ra s dos índ iosentre os quais v iviam . Em 1642, Connect icut fo i obr igada a edi tar san-ções severas contra renegados que, como no Canadá e no Bras i l , resol -viam se tornar se lvagens . Concubinagens e casamentos mis tos es tabele-c iam laços qu e d is tanc iavam ra p id am en te os eu rop eu s da re lig ião e davida pol ic iada . As cr iança s ent reg ue s a si m esm as e que corr iam os bos-ques tornavam-se presas do paganismo. As fazendas isoladas do Maine eas a ldeias de pescadores dessa região eram consideradas covis de gentequ e vivia sem con trol e : Cada h o m em é sua pr óp r ia lei . Or ig inár ios d ospo r to s m a l - a f amado s d e Co rnu a lh a e do Devon , e l es t i nham m u i topouco em comum com os pur i t anos da Eas t Angl ia que lhes censuravamviver no vasto e m o rn o dese r to sem min is t ro , sem escola , sem n e n h u mmeio de edu c a ç ão pa r a sua p rogen i t u r a6 3.

    A a t ração exerc ida pe lo mundo ind ígena - tudo o que de ixava en-t rever a palavra urilderness - sob re os em igr an tes e as sedu ções daindia niza ção pa re ce m lo ng e de ser negl igenciáv eis . A recusa desse uni-verso pe las au to r idades pur i t anas es teve na medida dos per igos que e le

    supos t a m e n t e f az i a o s c o l ono s en f r en t a r e m . N in gué m igno rava que , s eum jove m índ io e ra edu cad o po r euro pe us , e le re to rnar ia aos seus , en-qu an t o um jovem br anc o ca tivo dos ind íge nas perm ane cer i a em seu me ioadot ivo6 4. N o int en to de afastar esses efei tos nef asto s e de de fe n d er o idealde v ida que p recon izavam, os p regadores pur i t anos f i ze ram do índ io umser dotado de todas as infâmias , preguiçoso, ocioso, ment i roso, excess i -vamente indu lgen te com suas c r i anças e des t i tu ído dc p r inc íp ios fami -l iares . Os índios tornavam-se o exemplo, por excelência , que não deviase r segu ido , seu espa ço um de ser t o (vnlderness) h o r r e n d o e d e s o l a d o ,che io de an imais e de homens se lvagens6 5.

    As p ressões dos p regadores não permaneceram inú te i s . Os emprés -t imos ao modo de v ida ind ígena como a cons t rução de wigwams fo r amape nas um expe d ie n te dos p r im ei ros anos : a s cabanas dera m luga r a ca-sas o rden adas , bem con s t ru ídás de es t ilo ing lês6 6. Da mesma maneira , omi lho consumido na chegada subs t i tu i em grande par te ce rea i s europeus ,en qu an to a l d e õ e s q u e t r a ba lhavam seus cam pos e squec i am o que l he sensinaram os indígenas para re tomar velhos hábi tos ingleses .

    63. Axteil, 1981, pp. 134, 156-158 e 279.64. Idm, p. 161.65. Nash, 1992, p. 81.66. Axiell, 1981, p. 291.

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    Em médio prazo, a oposição das populações índias , o medo da india-n ização e o peso da super ior idade numér ica se l igaram para rad ica l izaro pro je to pur i tano e fechá- lo ao mundo indígena . Na p ior das h ipóteses ,para rec lamar sua ex t inção: em 1640, no New Haven e no Connect icu t ,e levaram-se vozes pa ra arra nca r os índ ios do país pois e les pe r te nc iamà raça mald i ta de Ham6 7. A Nova Inglaterra e as colônias inglesas i r iamse eng ajar na c r iação de um bas t ião anglo-p ro tes tan te des t in ado a jug ula ra expansão dos ca tó l icos f ranceses e espanhóis , e ind i fe ren te à sor te dosíndios? A t rad ição descreve co m um en te os pur i tano s com o mem bro s deum a soc iedade fech ad a sobre si me sma , qu e te r ia m an t id o conta tos co mos índio s ape nas para ex terminá- los , a po nt o de o m od elo pu r i ta no te rse tornado o s ímbolo de uma colonização à anglo-saxônica , rebe lde at o d a f o r m a d e m e s t i ç a g e m6 8. De fato, nesses anos de 1640, nada estavaa inda dado, po is fo i en tão que cer tos minis t ros levantaram a ques tão dacris t ianização dos índios.

    A EVANGEUZAÇÂO DOS ÍNDIOS

    A Coroa inglesa, nesse domínio, não se dis t inguia de seus r ivais ca-tólicos, ainda que se ativessc mais aos princípios que aos atos. Ela t inhaco ns t an tem en te a t r ibu ído às emp resas de seus com pat r io tas um a missãode evangel ização: na car ta da Massachuset ts Bay Company, o rei Carlos Iproc lam ava qu e o obje t ivo pr inc ipa l da imp lantaç ão [e ra] gan ha r e in -c i ta r os na tura is do lugar ao conhec imento e à obediênc ia ao único ver-da de i ro D eus e Sa lvador da Hu m an id ad e , e à fé c r i s tã . Em s eu NewEngland s Prospeã (1634), Wil l iam Wood exibia seu ot imismo sobre essec a p í t u l o6 9. Na Nova França , na Nova Esp anh a e no Pe ru , as cam pa nh as deevange li zação t i nham sem pre segu ido o e s t abe l ec im en to dos eu ro peus .O mesmo aconteceu na Nova Ingla te r ra .

    A empresa demorou, en t re tan to , dezesse is anos an tes de v i r à luz .Foram prec isos ape los à ordem de Londres e o exemplo inquie tan te dasmissões jesu í tas da Nova Fran ça par a qu e as Igrejas de Mas sachus et ts re-

    67. idan p. 315.68. É verdade que os colonos da Virgínia no fim do século XVI tinham rejeitado qualquer perspectiva de

    aliança com os índios contra os espanhóis, em Edmund S. Morgan, 1975, American Slaverj AmericanFrcedom: Ou Orieel of Colonial Virgínia, New York, W. W. Norton.

    69 . Idm pp. 137 e 268.

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    solvesscm ent rar em ação7 0. As iniciat ivas de um ministro de Boston, JohnEl io t (1604-1690) , que aprendeu a l íngua a lgonquina e fez uma t raduçãoda Bíblia , rem on tam a essa época . Vár ios opú sculos as torn ara m conh eci -das em Londres. A f im de sustentar esses esforços, o Parlamento inglêscr iou em 1649 uma Socie ty for the Propagat ion of the Gospel in NewEngland , des t inada a concor re r com a Congregação Romana de Propa-ganda F ide , e logo conhec ida sob o nome de New England Company7 1.O mi lenar ism o expresso na obra d e Jo h n El io t , The Christian Commonwealih,evoca por cer tos aspectos o espí r i to da conquis ta f ranciscana na NovaEspanha do século XVI.

    Era a exp er iênc ia acum ula da dur an te a conv ersão dos se lvagensi r l andeses e dos e scoceses qu e p re pa ra ra , no en ta n to , o ca m inh o aosmiss ionár ios quando e les se dedicaram a reduzi r os se lvagens a t ra indo-os às aldeias que controlavam. Em 1646, o pastor Eliot recebeu da cortegeral de Massachuset ts autorização para adquir ir terras com esse objet ivo.No Sul da Nova Ingla ter ra , as praying towns rec o lh e ra m os índ ios q uesobreviviam às epidemias : e las eram des t inadas a protegê- los do paga-nism o ind íge na tan to qu an to dos efe i tos d o á lcool e dos abuso s perp e-trad os pe los colo no s. Os índ ios se fixariam, se dedic aria m à agric ultu ra

    e assimilariam as leis e os co stum es da In gla ter ra. Log o se tor na ria m pa-rec idos com os ingleses e de ixar iam expandir-se em paz seus empreen-dedores v iz inhos . Essa pol í t ica de redução é acompanhada por um in te-resse par t icular concedido à formação das cr ianças . Há n isso mais de umpo nt o com um en t re os j e su í t a s e os p ro tes ta n te s7 2. Mas as praying tovmsse pa recem igua lmente com as congregações da Nova Espanha e dosAndes , ass im como fazem eco aos esforços empregados nas f ronte i ras doim pé r io h ispânico para paci f icar os ind ígenas .

    UMA SEGUNDA AMÉRICA?

    Nos anos de 1640, f ran jas da Am érica do N ord es te eram ocu pad aspor potências européias r ivais da Espanha. Interesses comerciais l igavamessas te r ras ingra tas à França , à Ingla ter ra e à Holanda, que reforçavam

    70. Axcell, 1981, p. 506.71. S » « , 1988, pp. 101-105.72. Dominiq ue Deslandres, La misjion chrétie nne : Français, Ángtais et Am érindiens au XVII8 siède, un

    • exemple d'histoire coraparée , Quebec, colóquio Transferis atUurtls Quebec, abr.-maio 1991.

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    gradua lmente sua implan tação mater ia l e humana . O pro je to pur i tano naNova Ing la te r ra e as empre sas miss ionár ias da Nova França acresc en ta ram

    u m a dim ens ão espir itual a um a ex pan são ociden tal tardia , com freqüên-c ia improvisada e caó t ica . Graças a mes t içagens espontâneas , mant idaspe los caçadores -co le tores e os lucros do comérc io das pe les , os do ism un do s t inham co nh ec id o um pr im ei ro m o d o de coexis tênc ia . Funda-das em pr inc íp ios mal adap tados às rea l idades amer icanas , as co mp anh iasenc a r r e gad as de o rgan i za r a co lon i zação acu mu la ram d i s sabo re s, qu e rfosse na Vi rg ín ia , na Nova França ou na Nova Holanda . Na ba ía dcC he sa pe ak e, no C an ad á e em toda s as fronteiras, os selvagen s par ec iamainda capazes de rechaçar os co lonos e sua sor te não es tava def in i t iva-

    m en te f i xada : c r i s ti an izaçâo ou marg ina l i zação , ex t e rm ín io o u m es t i-çagem no es t i lo excepc iona l nessas l a t i tudes do casa l fo rmado por JohnRolfe e a pr incesa Pocahontas?

    Sem o ur o ne m p rata , inapto s pa ra as plan taçõ es t ropicais , os terr i -tó r ios do Nordes te represen tavam por hora apos tas secundár ias compa-radas com out ras co lon izações : a i lha ing lesa de Barbados , as Ant i lhasf rancesas , o Bras i l dos ho landeses . E bem poucas co isas em re lação àexper iênc ia soc ia l , cu l tu ra l e humana da Nova Espanha e do Peru , onderedes de c idades e de povoados , de adminis t radores e de doctrinerosquad r i cu l avam o e spaço i nd ígena , onde ro t a s comerc i a i s pene t r avampro fun da m en te no in t e r i o r da s t e r ra s , on de hav ia um sécu lo p opu laçõ esíndias , afr icanas e européias se enfrentavam e se misturavam no seio desoc ie dade s que se to rn ara m, no sen t id o p le no do te rm o, amer icana s .O qu e pesavam Que bec , a Nova Am sterdã , Bos ton em co mp ara ção comas cidades imperia is do México e de Lima, as c idades de Potosí e dePuebla de los Angeles?

    A Am ér ica espan hola es tava , po r tan to , longe de pe rd er a par t ida .Em meados do s écu lo XVI I , um no t áve l conhecedo r do Méx ico e daAmér ica Cent ra l , o ing lês Thomas Gage , es tava convenc ido d i sso . A

    73. 'Quanto mais os espanhóis avançavam em direção ao norte, tanto mais encontravam riquezas, o quefaz que eles intentem conqu istar todas essas províncias do Norte, co mo m e disseram, com m ed o de quenossos ingleses que estão na Virgínia, Sc nas outras colônias de nossa nação, se tornem os mestres an-tes deles*. Os espanhóis alimentavam uma idéia táo diferente da colonização que minimizavam os pro-gressos dos ingleses na América do Nordeste: Eles sc surpre endia m muito que os ingleses não pen e-trassem mais na região, & que era preciso que temessem os índios, ou que fossem muito preguiçosos,para preferir uma vida ociosa, Jc a cultura de um pouco de tabaco, ã conquista de uma região cheia deouro & de prata, Verifica-se que o objetivo das espanhóis não é somente submeter os índios que estãopróximos a eles; mas ganhando sempre terreno, penetrar até a Flórida fe a Virgínia, se não encontra-

    rem alguma das nações do Norte da Europa que se opõe à sua empresa , em Gage, 1979,1.1, II, p, 25.

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    polí t ica de conquista - cm sua dupla versão mili tar e rel igiosa - parecia deoutro modo decis iva quanto às in ic ia t ivas d ispersas dos ingleses e dasou t ras nações europé ias . O pres t íg io conservado pe la Coroa da Espanhae a p recar iedade , ac rescen tada à nov idade , dos es tabe lec imentos euro-peus da Amér ica do Nordes te não permi t i am a inda exc lu i r a emergên-c ia de uma Amér ica do Nor te espanhola .

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    a ver dad e , a v i ta l idade dem og ráf ica , a r iqu eza d c Caste la e os recurmetá l i cos fo rnec idos pe la Amér ica dec l inam desde os anos de 1590pes te de 1599-1600 revela que as epid em ias , tão fa ta is n o Novo M unnã o poup am a Pen ínsu la e que e la s t am bé m po de m te r r epe rcu ssõessas trosas . A exp ulsão de 275 mil m ou ros , cerca de quin ze a nos depabala por sua vez as estruturas do reino.

    O quadro ex ige a lgumas nuanças . No ex te r io r, a concor rênc ia g lesa e holandesa l imi ta-se ao domínio comercia l e mar í t imo. No conente , a França não se tornou a inda a potência mi l i ta r que des t ronarCaste la dos Habsburgos . Mesmo coroados de insucesso , os esforços v idados pelo conde-duque Ol ivares para reerguer o pa ís e conduzi r upol í t ica exter ior a t iva a tes tam que a Espanha de Fi l ipe IV cont inua ainscrever na es te i ra daquela de Fi l ipe I I2. A idade de ouro da l i te ra turae da a r t e e spanho las conf i rma que a Pen ínsu la não pe rdeu sua imanação nem sua chama c r i adora . O que não impede , na p r ime i ra me tdo século XVII , que a Espanha e , mais par t icularmente , Cas te la pareçse af u n d ar nas areias mo vediç as da s cr ises financeiras, impa sses e co nôcos e fracassos militares.

    Mas o que rep resen tam as e sca ramuças das f ron te i ra s ch i l enas

    chichimecas ou a lu ta cont ra os p i ra tas em re lação à guerra dos PaíBaixos e à dos Tr in ta Anos? As d i f iculdades da Espanha após 1600 poder iam ecl ipsar a exis tência de uma América espanhola que , sem ctes tação, domina o Novo Mundo, de seus pos tos avançados da Flór iddo Novo Méx ico a té as so l idões da Te rra do Fogo . Essa Pr ime ira Amrica 5 sof re a cr i se qu e a t inge a m etr óp ole e um a bo a pa r te da E ur op a século XVII? A pergunta só tem sentido se se f izer tábua rasa do caos, des t ru ições e das revi ravol tas que , ao longo de todo o século precedte , cercaram a ges tação desse novo mundo. Durante o século XVII , sociedades colonia is do cont inente amer icano se es tabi l izam sob a dção de suas o l iga rqu ias . O dec l ín io demográ f i co das popu lações ingenas é de t ido . A pax hispânico poupa a esses re inos os conf l i tos que de-vas tam per iod icamente a Europa do sécu lo XVII , os monos dos camde bata lha e as depredações dos soldados .

    Insens ive lm ente t am bém , o Pe ru e a Nova Espa nh a mantêm -se distância diante de Madri . Enquanto sob Carlos V e Fil ipe II a cr iaçãoAmér ica e spanho la dependeu in te i r amente de Cas te la , de seus homede suas es t ru turas e de seus recursos , o e lo inver teu-se desde antes

    2. Sobre o conde-duque e a Espanha desse período, EUiott, 1986.3. A fórm ula í de David Brading,

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    1640: a pol í t ica e a prosperidade da Espanha estão cada vez mais à mer-cê das entradas de metais preciosos de Potosí e de Zacatecas. Uma dasmani fes tações do dec l ín io espanhol , a c r i se do comérc io sev i lhano , de-corre sem dúvida alguma das al terações fei tas pelas possessões america-nas no mo nop ól io e co nô m ico d a Espan ha . Daí em dian te , a Ás ia das F i-l ipinas, da China e da índia atrai a prata dos comerciantes criollos tan toquanto a Península . A venda dos cargos aos c r ioulos para preencher asca ixas da rea leza es tende essa au tonomia ao domínio adminis t ra t ivo . Aaf i rmação desses espanhóis das índ ias - cu ja mão se reconhece no tu-mul to de 1624 urd ido cont ra o v ice- re i do México - é por tan to contem-porânea de uma Cas te la que ofega , empobrece , se despovoa ou es tagna

    d e m o g r a f i c a m e n t e .

    AS MESTIÇAGENS

    Essa pr imei ra Amér ica , dominada pe las possessões espanholas , é ot ea t ro de mes t i çagens de uma p rod ig iosa d ive r s idade . O encon t ro doseu ropeus e das soc i edades índ ia s p rovocou p r ime i r amen te em toda aex tensão do con t inen te amer i cano t r ans fo rmações dos modos de v ida .Espontâneos ou impos tos pe la força , l en tos ou prec ip i tados , esses a jus-tamentos rec íprocos nasceram dos choques que a Conquis ta , o pavor, aincompreensão , o s imples conta to ou a inda a cur ios idade mul t ip l icaram.Nesse sent ido, as mest içagens cul turais e f ís icas são tanto o produto docaos das pr imei ras décadas como o conjunto dos es forços fe i tos para a te -nu a r ou con ju ra r s eus e f e i to s des t ru id o res . A des o rd em que des t ró i o sseres e as t radições engendra por f im novas prát icas e novas crenças, a l -gumas das quais acabam por se estabi l izar antes de, por sua vez, se t rans-formar. L igadas às necess idades de adaptação e de sobrevivência , essas

    formas de mes t içagem cons t i tuem a t rama das cu l turas que apareceramno século XVI no cont inente amer icano . Es ta é uma d i fe rença essenc ia lcom a his tór ia européia , e é sem dúvida alguma a razão pela qual a von-tade de cons t ru i r uma out ra Europa no Novo Mundo não deu or igem aum caos de du plo s4, mas antes , à América.

    As me st içagens am eric ana s são process os i rreversíveis . N ão ma is qu eent re os incas rebe ldes de Vi lcabamba do que nas f lores tas i roquesas ,con tudo po r mu i to t empo p re se rvadas dos so ldados e dos pad res f r an -ceses , não há vol ta possível a um passado indígena, anter ior à i r rupção

    4. A expressão é de Remo Guidieri.

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    dos europeus. As telhas européias dos palácios de Titu Cusi e os calrões dos se lvagens canadenses o a tes tam de manei ra i r refu tável . As sas , mais segura e mais pr on tam en te q ue o s ju ra m en to s e as leis, t raformaram as sociedades ; pois de todas as revi ravol tas que v iveramíndios do Novo Mundo, uma das mais impor tantes e das mais ins id iofoi sem sombra de dúvida a in t rodução da mercador ia , não só sob seupe cto ma ter ia l - facas , pregos , tec idos , a rad os ma s tam bé m pelo vdos valores, das idéias e dos efei tos que lhe estavam associados: prem o e d a , p r e s t í g i o , d e s e n c a n t a m e n t o . D e s c o n h e c i d o s n o N o v o M u n dmais eficazes qu e os ins t ru me nto s de mad ei ra e de ped ra , os obje to s

    fer ro modif icam as re lações do homem com seu ambiente ; susc i tam vas necess idades , ace le ram os r i tmos de t r aba lho , d i m inu em a du radas a t iv idades t radic ionais , l iberam tempo para novas ta refas 'produt ivEles permi tem igualmente lu tar cont ra os invasores com melhores armco m o f ize ram ch ich imecas e a raucanos . Os an imais domés t i cos eu ro pinvadem o meio na tu ra l , me tamor foseando cu l t ivadores mex icanos c r i adores , vaque i ros e mule te i ros . Caçadores nômades , como os gucurus do Paraguai , decupl icaram sua mobi l idade des locando-se a cavíndios aprenderam a economizar, a endividar e a se endividar, a rece

    juros , a garant i r, em suma, a manejar a abs t ração do d inhei ro . Foi - lhpreciso plantar coca, açúcar, tabaco, a yerba mate, p a r a u m m e r c a d o e x -t e r io r, em d e t r im en to de suas cu l tu ras a l imen ta re s . Out ros índ ios , número crescente , prefer i ram o t rabalho assa lar iado às obr igações selares do tr ibuto e da mita. Para re to m ar um a fó rm ul a de Octavio Paz , aConquis ta rompeu de manei ra def in i t iva o i so lamento e a so l idão em viviam os índios da América5.

    Inversam ente , os espanhó is do Novo M un do se indianizam e a té , pvezes, se afr icanizam à sua revelia . Por mais que as autoridades se ingissem contra essas mest içagens crioulas e r ec lamassem a chegada deemigrantes ibéricos, as nutr izes, as escravas, os domésticos, os yanaconas,os mordomos, a ar ra ia-miúda exercem uma inf luência cot id iana sobrecos tumes . Ass im nasce uma l inguagem que enr iquece o cas te lhano ctermos náuatles , guaranis , quíchuas ou maias, cuja entonação é mais sve, mais cantante, mais pausada que a de Castela. Assim aparecem gesnovos , que se tornam tão famil iares que n inguém mais lhes pres ta a tção . Das mest içagens da v ida cot id iana , uma das mais profundas é sepre a da a l imentação, cadinho de sabores e de odores incomparáveiscr i té r io i r refu tável de toda ident idade . Entre os criottos a cozinha das mu-

    5. Segundo Encuentro dc Vuelta, México, 26 ago 1993.

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    l a tas ou das domést icas índ ias desper ta sensações que não lhes t razemmais as t rad ições cu l inár ias européias . Mesmo quando o a l imento é deo r igem eu ropé ia , como a ca rne de vaca , sua abundânc ia e s eu p reçomódico lhe dão mais lugar no reg ime a l imentar e modi f icam a manei racomo é p repa rado . Do mesmo modo que o mi lho , a mand ioca e o cho -colate , os entre cos tos do Río de Ia Plata se to rn am al im ento s da região ,e po r t an to a marca de um a nova pe r t enç a6 .

    As mesdçagens podem se r apenas c r i ações e f êmeras e sob rev ive rcom d i f i cu ldade aos g r up os que a s e l abo ra ram . O desapa re c im en to daH ur ôn ia c r is tã - ab an do na da pe lo s f r anc eses e massac rada pe los iro -queses - ou o c repúsculo da Renascença índ ia no México do f im do sé-cu lo XVI - t ra duz em a pre car ied ad e dos a r ra n jo s qu an do um a e tn ia ouu m a intelligentsia é def in i t ivamente a fas tada da cena h is tór ica . As mes t i -çagen s evo luem seg un do ritmos e c rono log ia s qu e não se coad un ammuito bem com nossa visão l inear da his tór ia .

    Justaposição, a l iança ou fusão, a lém de suas implicações biológicas ,as mes t içagens recobrem processos mui to d iversos , que vão da cópia deum obj e to às inovaçõ es mais desco nce r tan tes . Bas ta, par a se co nve nce rd isso , des tacar a per fe ição com a qua l a mão indígena reproduz as gra-vuras oc identa i s , ou observar as pesquisas c romát icas or iundas do encon-t ro da Renascença e dos p in tores tlacuilos mexicanos. Essas misturas sãoi n v a ri a v e lm e n t e a c o m p a n h a d a s p o r q ú i p r o q u ó s e m a l - e n t e n d i d o s e mcadeia , po is recaem menos sobre e lementos obje t ivos do que sobre in te r-p re t ações e t r aduções , po r t an to , sob re r ep re sen tações . Cada um l ê acul tura do out ro em função do que e le sabe e do que acredi ta e pre ten-de descobr i r. Ora , é f reqüentemente a busca de ana logias , a convicção ,amiúde e r rônea , de ba l i za r a lhu res o dup lo de s i mesmo que desenca -de iam essas mes t içagens cu l tura i s . Não são a inda uni formizadoras , po isdependem de um número t ão e l evado de va r i an t e s , evo luem de mane i r atão complexa que a d ivers idade que de las resu l ta reche ia o pa t r imôniocul tura l em vez de cmpobrecc- lo .

    Demasiadas vezes se reduz a h is tór ia do Novo Mundo a um enfren-tamento en t re c iv i l izações européias e c iv i l izações índ ias , r ig idamentec i rcunscr i tas . I sso é negl igenc iar in te rações inf in i tamente mais numero-sas e mais intensas que as que se desejou reconhecer. Mas essa diversidadenão deve masca ra r o desapa rec imen to de t r echos in t e i ros das cu l tu ra svencidas ou das cu l tura s do m ina das - índ ias , a f r icanas , m edi te r râ nea s -nem sua desag regação em con ta to com os invaso res . E la não pode r i a

    6. Alberro, 1992.

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    tampouco diss imular o movimento que, a longo prazo, arras ta os homens,as memórias e as coisas na es te i ra do Ocidente . A ocidental ização desvia

    as misturas e as t rocas numa direção constante . Os vice-reis espanhóis , osmiss ionár ios ca tó l icos e os caçadores -co le tores t raba lharam para a mes-ma empresa, a inda que seus objet ivos imediatos e seus métodos divergis-s em cons ide ra ve lm en te . A despe i t o de s eu não -co n fo rm i sm o e de suam arg inal idad e, as socied ades de f libuste iros e os pu r i ta no s se mo str ara mtão predadoras e impiedosas quanto os bandos de conquis tadores .

    Afr ican izaçáo e ind ian ização nunca foram uma verdade i ra a l t e rna-t iva à oc iden ta l ização . E las a té favoreceram, de manei ra desv iada , oen ra i zamen to da dominação eu ropé i a ; dc t a l modo a ap rox imação e f e -

    tuada pelas mest içagens é , no f inal das contas , sempre t r ibutár ia da re la-ção das forças. O ense lva jamento - de nu nc iad o em un ísso no pe la Ig re jaromana e pe los pas tores p ro tes tan tes - abr iu ass im aos europeus as p ro-fundezas das soc iedades índ ias que res i s t i am à c ruz e aos a rcabuzes . Afo rm aç ão de ba s ti õe s de neg ros fug id os a l a rm ou ince s sa n t em en te a sau tor idades espanholas , mas sua submissão bas tava para apaz iguar asinquie tações dos conquis tadores , e de ixava-se subs i s t i r esses enc laves ,prova de sua inocuidade .

    VARIANTES AMERICANAS E ASIÁTICAS

    Podem-se opor as mest içagens ibér icas às mest içagens surgidas , ouabor tadas , nos te r r i tó r ios ocupados por ou t ras nações europé ias , comose op õe m a tu a lm en te um a Am ér i ca l a t i na mes t i çada a um a Am ér i caanglo-saxônica dividida em guetos?

    Admite-se em geral que, nesse domínio, as sociedades catól icas e assoc i edades p ro t e s t an t e s d ive rgem de mane i r a r ad i ca l . O con f ron to daNova Espanha dos f ranc iscanos e da Nova Holanda do pas tor Michae l iusinci ta , com efei to , a dis t inguir dois processos e dois modelos , o pr imeiropreocupado sobre tudo com a sa lvação e a c r i s t i an ização dos índ ios , e osegundo ind i fe ren te ao des t ino das populações ind ígenas . No México eno Pe ru , a I g r e j a ca tó l i c a de sempenhou um pape l impor t an t e na funda -ção de uma sociedade cr is tã que reconhecia um lugar aos índios conver-t idos . A po l í t i ca de separação que e la começou a p reconizar f racassou ,mas p ro t egeu su f i c i en t emen te a s popu lações i nd ígenas pa ra t o rna r pos -s ível sua integração na sociedade global . A Igreja colocava também, empr inc íp io , o s ac r am en to do ca sam en to ac ima de qua lque r cons id e raçãode raça e de cor, encorajando a legal ização das uniões em vez de conde-

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    ná-la . Com a a ju da dos jesuí tas , e la ben ef ic io u enf im um s incrc t ism o di-

    rig ido , re un in do em t or no d e cul tos m iraculo sos e de image ns santas ín-dios , negros , mest iços , mulatos e espanhóis . Todavia , a guerra espanholaa fe rr o e fog o t ravada co ntr a os chi chim ccas e os arauc anos , ou as re-

    l ações pac í f i cas es tabe lec idas en t re os ho landeses e mohawks em For t -Ora n g e , dem o n s t r a m q u e cons ide r ações mi l it a r es ou mercan t is po de mprevalecer sobre as polí t icas rel igiosas.

    As condições demo gráf icas pe rm i tem igua lm ente op or vá rias fo rm asde mes t i ç a gens . D i a n t e de impo r t an t e s conce n t r açõ es i nd ígen as - noMéxico, nos Andes - , as sociedades européias são obr igadas a levar emconta a presença dos índios . Em compensação, nas cos tas do Bras i l , naNova Ingla terra e no Car ib e , os índ ios qu e sobrevivem às epid em ias sãopor demais d ispersos ou raros para modif icar a colonização. Em re laçãoa e les , os europeus dão prova ou de uma indiferença absoluta , ou de umavontade de ex te rmín io . A inc idênc ia da re lação de fo rma , a inda que re -duz ida a sua expressã o num éric a , é po r ta nt o tão inegável qu an to a d i fe-rença de rel igião.

    Mas pode-se fazer o balanço das heranças cul tura is das sociedades

    qu e se enf ren tam ? Os sécu los dc co nf ro n t o en t re c r i st ãos , ju de us e m u-çu lmanos na pen ínsu la Ibé r ica p repara ram as menta l idades à coex i s tên-c ia com grupos não cr is tãos ou não ocidenta is . Essas prá t icas modelarama exper iênc ia amer icana dos espanhóis , f ac i l i t ando a tomada de con ta toe depo is o es tabe lec imento de re lações es t re i t a s com os ind ígenas . Dam esm a man e i ra , mas com um resu l tad o inverso, a s lu tas e x te rm inad orasdos ing leses con t ra os bá rba ros i r l ande ses m odi f ica ram t rag icam entesuas re lações com os índios da Nova Ingla terra . É graças à sua organiza-ção em l inha gen s - pa r en te las ex ten sas qu e re ún em p aren tes , a l i ados ,dep end en te