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    Raul Amaro Nin Ferreirarelatrio

    Felipe Carvalho Nin FerreiraRaul Carvalho Nin Ferreira

    Marcelo Zelic

    Tire-me desse horror Pedro!

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    Texto

    Felipe Carvalho Nin Ferreira

    Raul Carvalho Nin Ferreira

    Marcelo Zelic - coordenador do Armazm Memria

    Reviso de texto

    Teresa Isabel de Carvalho

    Projeto grfco

    Nuyddy Fernndez

    Diagramao e capa

    Nuyddy Fernndez

    Imagens

    Acervo Pessoal Mariana Lanari Ferreira

    Armazm Memria

    Arquivo Nacional

    Arquivo Pblico do Estado de So Paulo (APESP)

    Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro (APERJ)

    Brasil Nunca Mais Digital

    http://www.armazemmemoria.com.br/

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    Agradecimentos

    Agradecemos a todas as pessoas que, de alguma forma,

    colaboraram para a realizao deste relatrio, mas em especial:

    Aos irmos de Raul Amaro: Maria Coleta, Maria Carmen, Maria

    Alice, Rodrigo, Miguel, Pedro, Paulo e Andr.

    Vera Marina, ento companheira de Raul, e aos amigos dele

    Eduardo Lessa, Luiz Antnio, Srgio Perazzo, Ismail Xavier.

    Ceclia Coimbra e ao GTNM-SP, na pessoa de sua presidenta,

    Rose Nogueira, assim como ao Coletivo Memria, Verdade e

    Justia-RJ.

    Vera Schereder, pela ajuda na reexo sobre algumas questes

    e Tereza Isabel de Carvalho pela reviso.

    Ao Arquivo Nacional, na pessoa do seu diretor Jaime Antunes

    da Silva e dos servidores Silvia Ninita e Vicente; ao Arquivo

    Pblico do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), na pessoa de seudiretor Paulo Knauss; ao Arquivo Pblico do Estado de So Paulo

    (APESP); Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro,

    especialmente ao seu Ncleo de Memria.

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    Apresentao-Felipe Carvalho Nin Ferreira e Raul Carvalho Nin Ferreira

    Prefcio-Marcelo Zelic

    Consideraes sobre o percurso da pesquisa

    Histrico apurado

    O papel de Mariana Lanari Ferreira O reconhecimento do estado brasileiro

    Envolvimento com a poltica

    Priso A histria oral

    Priso Os documentos DOPS DOI-CODI / I Exrcito

    Hospital Central do Exrcito

    A (des)construo da verso oficial Relatrios Produzidos Tentativa de Fuga MURD Croquis Ao de Infraestrutura - Fardamento Questo no esclarecida

    Notcia de O GloboAgentes do estado envolvidos

    Consideraes finais Demandas s comisses da verdade

    Anexos Rquiem - A Raul Nin Ferreira (in memorian) - por Srgio Perazzo Documentos citados

    Lista de siglas

    ndice

    09

    17

    21

    26

    39

    47

    57

    79

    107

    113

    127

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    Lista de siglas

    CBA Comit Brasileiro pela Anistia

    CEMDP Comisso Especial de Mortos e Desaparecidos Polticos

    CENIMAR Centro de Informaes da MarinhaCFMD Comisso de Familiares de Mortos e Desaparecidos

    CIE Centro de Informaes do Exrcito

    CISA Centro de Informaes de Segurana da Aeronutica

    CODI Centro de Operaes de Defesa Interna

    DOI Destacamento de Operaes de Informaes

    DOPS Departamento (ou Delegacia) de Ordem Poltica e Social

    GTNM Grupos Tortura Nunca Mais

    HCE Hospital Central do ExrcitoIEVE Instituto de Estudos sobre a Violncia de Estado

    MR-8 Movimento Revolucionrio 8 de Outubro

    PUC Pontifcia Universidade Catlica

    SEDH Secretaria Especial de Direitos Humanos

    SNI Servio Nacional de Informaes

    STM Superior Tribunal Militar

    VPR Vanguarda Popular Revolucionria

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    Apresentao

    Este trabalho pretende ser uma contribuio luta pelaverdade a respeito das perseguies, prises, torturas eassassinatos praticados pelos rgos de represso poltica,no perodo da ditadura civil-militar, tendo como foco ocaso de Raul Amaro Nin Ferreira, morto em 12 de Agosto de1971, no Rio de Janeiro. Desejamos, com ele, homenageara memria desse jovem covardemente assassinado emseguidas sesses de tortura, aos 27 anos de idade, bem como de seus pais, Joaquim Rodrigo Lisboa de Nin Ferreira(falecido em 1973) e Mariana Lanari Ferreira (falecidaem 2006), pela sua incansvel e corajosa luta em busca dolho, aps sua priso e, depois do seu assassinato, por anosa o, em busca de esclarecimento e justia.

    O interesse por essa histria se deve a dois motivosimportantes: primeiro por termos nascido nos anos

    1980, lhos de militantes que tambm atuaram naclandestinidade nos anos 70, na luta contra a ditadura civil-militar e desde pequenos nos habituamos a ouvir relatosdesse recente perodo da nossa histria; trata-se, portanto,de uma parte da histria recente do pas que sempre nosinteressou. O outro, intrinsecamente ligado ao primeiro,mas de maior peso, por tambm pertencermos famliade Raul Amaro, irmo mais velho de nosso pai, toda ela

    profundamente marcada por essa brutal perda. Soma-sea tudo isso o fato de que, com a instalao da comisso daverdade e da lei de acesso informao, os arquivos daditadura j recolhidos em arquivos pblicos foram abertos consulta dos interessados, familiares e pesquisadores,tornando ainda mais instigante a busca por informaessobre o caso.

    Embora o interesse em conhecer melhor a histriadesse tio fosse antiga, causou-nos enorme impacto, e a todaa famlia evidentemente, a publicao em 17 de julho de2012, no jornalO Globo, a matria assinada por Evandro

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    boli, com a mancheteFoto localizada pelo GLOBO revela:preso chegou ao Dops vivoe reproduzia ao lado uma fotode Raul Amaro, quando da sua entrada no DOPS do Rio de

    Janeiro, em 01 de Agosto de 1971.A matria mencionava tambm trechos de documentos

    do Servio Nacional de Informaes (SNI) que j seencontram no Arquivo Nacional. Nesse momento, tivemosa certeza da existncia de uma farta documentao, que afamlia jamais tivera acesso.

    Sacudidos pelo impacto dessa publicao, nossa

    primeira iniciativa foi buscar contato com o pesquisadorMarcelo Zelic, coordenador do Projeto Armazm Memriae vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais SP, paraque, com sua experincia, nos ajudasse a fazer a pesquisanos arquivos pblicos.

    Zelic desenvolve, atravs do Armazm Memria1, umtrabalho de resgate e reunio de documentao sobre a lutapoltica no Brasil, no qual o perodo da ditadura de 1964-1985 um dos temas, com o objetivo de compor um acervoem formato digital, que ajude na troca de experinciaentre as geraes a partir da histria dos movimentos deresistncia, sendo um dos responsveis pela publicao doBrasil Nunca Mais Digital.

    O caso da priso e morte do Raul Amaro despertou-lheenorme interesse, o que o motivou a juntar-se a ns. Suas

    orientaes foram, certamente, decisivas para o andamentoda pesquisa que zemos nos arquivos pblicos, tantona fase da busca pelos documentos em diversos lugares,quanto depois, na organizao, leitura e interpretao domaterial recolhido.

    O apoio e ateno das tias e tios foram decisivos emvrios sentidos, inclusive para entrarmos em contato com ochamado arquivo vivo, ou seja, os amigos mais prximosde Raul Amaro, entre eles sua namorada de ento, VeraMarina. Os relatos das pessoas que conviveram com ele atos seus ltimos momentos de liberdade, foram da maior

    1 http://www.armazemmemoria.com.br

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    importncia, uma vez que permitiram preencher muitaslacunas que ainda envolviam sua priso.

    Desde logo, preciso esclarecer que no falamos aqui

    em nome da famlia. Isto porque, passados mais de 40anos do assassinato, percebemos o quanto esse fato aindadesperta sentimentos intensos e diversos em cada um dosseus irmos e, talvez, jamais possamos compreender a realdimenso deles. Entendemos que este trabalho representaapenas mais um esforo que dever se juntar aos tantosoutros j realizados por amigos e familiares, durante essasmais de quatro dcadas na luta pela verdade.

    E aqui merece destaque a contribuio deixada pornossa av, Mariana Lanari Ferreira, um grande arquivopessoal contando com recortes de jornal da poca, cpiasde cartas escritas por ela e dirigidas a generais e outrasautoridades do governo ditatorial, alm de vrios outrosdocumentos que comprovam sua luta pela verdade ecomo no se intimidou diante do clima de terror que

    predominava no pas e que a tocava diretamente. Desdeo primeiro instante, ela saiu em busca de informaes eexplicaes sobre a priso de Raul Amaro, e depois embusca da responsabilizao do Estado pela morte do seulho mais velho.

    Com esta pesquisa esperamos dar, tambm, nossacontribuio crtica, como sociedade civil e como militantesautnomos que somos, aos debates que se travam nocontexto das comisses da verdade, criadas em diversasesferas institucionais pelo pas. Se de um lado consideramosimportante que o estado tome uma atitude no sentido debuscar reparar as atrocidades cometidas pela ditadura, deoutro, vemos com bastante reserva a forma como tomoupara si essa tarefa. Referimo-nos ao fato de que a criaode comisses de notveis com a responsabilidade de dizera verdade ocial revela a desconsiderao da verdadecomo um processo - sempre sujeita a atravessamentose intervenes -, que exige a participao e colaboraode mltiplos atores, principalmente a das pessoas que

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    2 Trata-se daInformao n 2298/71-S/103.2. ArquivoNacional. Fundo DSI-MJ,BR_AN_RIO_TT_0_MCP_PRO_0207.

    vivenciaram, por alguma razo, os acontecimentos, como o caso das famlias, ou que estavam diretamente nelesenvolvidos.

    No toa que uma das principais crticas dirigidas Comisso Nacional da Verdade (CNV) seja a poucatransparncia no andamento dos trabalhos e o pouqussimo,para no dizer nenhum, espao para a interveno/colaborao da sociedade. A verdade ocial contida numrelatrio nal revela uma concepo de verdade comoalgo puro, limpo e a correta verso sobre determinadoscrimes cometidos por agentes da represso da ditadura

    civil-militar. Some-se a isso o vazio da reexo e do debatepoltico sobre a responsabilizao criminal dos agentes doestado e a dita justia de transio, assunto importanteque ser tratado nas consideraes nais deste trabalho.

    Ao longo de todos esses anos, os familiares de mortos edesaparecidos e as pessoas vtimas de tortura nas prises doregime, desprenderam um grande esforo para denunciar

    e provar a violncia cometida pelo estado durante o regimeautoritrio. Nesse momento, no basta apenas reconhecero esforo dessas pessoas, necessrio avanar, ou seja, iralm do que estava ao alcance delas.

    por isso que, no demais insistir, devemos um grandetributo memria de Mariana Lanari Ferreira, nossa av,por sua luta pela verdade ao longo de toda sua vida. Noh como no reconhecer tambm o trabalho dos grupose entidades que se mobilizaram coletiva e politicamentenesse sentido, como o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio deJaneiro (GTNM-RJ), entidade da qual ela participou, entretantas outras.

    No momento, o contexto poltico e histrico nos permite,partindo daquilo que j foi acumulado pela famlia, trazerainda mais informaes com os documentos produzidos

    pelos rgos da represso poltica. Eles revelam a produoburocrtica da verdade dos rgos da represso a respeitoda priso e os interrogatrios sob tortura, que culminou namorte de Raul Amaro no Hospital Central do Exrcito (HCE).

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    Um documento produzido pelo Centro de Informaes doExrcito (CIE)2, cerca de um ms aps sua morte, bastantesignicativo, pois ama textualmente que:

    A Ordem dos Advogados do Brasil, Seo da Guanabara, pormotivos ainda no devidamente convincentes, empreendeuvarias tentativas junto as autoridades militares parareceberem cpias dos documentos relativos ao fato [mortede Raul Amaro], sendo impossvel esse fornecimento, porquanto tais documentos, classicados como sigilosos,revelam, alm das ocorrncias e laudos, nomes de

    agentes de segurana e forma de atuao dos rgos a

    que pertencem.

    O cenrio atual aponta para a necessidade deintervenes da sociedade civil e dos movimentos sociaisnesse processo, e com essa motivao tambm queapresentamos esta pesquisa, ou seja, por estarmos muitomais preocupados com as formas de atuao dos rgosde represso e a continuidade de suas prticas e discursosagora, em plena democracia, do que com os nomes dos

    agentes de segurana de ento. Dessa forma, o sentido donosso trabalho est no apenas em contribuir para lutapela verdade sobre os acontecimentos da ditadura, mas,principalmente, em pensar o autoritarismo do presente apartir das verdades sobre o passado.

    Quanto organizao deste trabalho, comearemosa apresent-lo pelo que chamamos de Histrico Apurado,contando sobre a luta pela memria e pela verdade das

    circunstncias da morte de Raul Amaro, tanto no mbitoda famlia, quanto fora dela. Em seguida, tratamos doseuEnvolvimento com a poltica at o momento da priso.Depois, optamos por dividir os detalhes da priso e osmomentos seguintes a ela, at sua morte, apresentandoprimeiro A histria oral, que conta com os relatos dafamlia e dos amigos, e depois o que dizem Os documentos.

    Com a leitura e anlise dos documentos levantados,pudemos ter uma ideia mais clara do que aconteceu comRaul Amaro nos dias em que esteve preso no DOPS-GB, noDOI-CODI do I Exrcito e no Hospital Central do Exrcito.

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    Por eles possvel tambm acompanhar a construo dafarsa ocial, produzida pelos rgos de represso do estado ereproduzida pela imprensa, bem como levantar quais foram

    os agentes do estado que tiveram participao na sua priso emorte. Por m, para fechar o trabalho, tecemos consideraessobre o processo de luta pela verdade e o que entendemospor justia, no que diz respeito violncia estatal contra osinimigos do estado.

    Felipe Carvalho Nin FerreiraRaul Carvalho Nin Ferreira

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    Prefcio

    O papel da Comisso Nacional da Verdade, paraaprimorar a democratizao do pas, depende de queseus trabalhos cheguem a resultados concretos, como porexemplo, o apresentado no caso de Raul Amaro Nin Ferreiracontido neste relatrio. Tirar do silncio e do esquecimentoa verdade sobre o nosso passado recente fundamental,entre outros aspectos, para que as geraes atuais e futurasde brasileiros e brasileiras, possam construir mecanismosde no-repetio, que efetivamente no permitam aesviolentas e ilegais por parte dos agentes do estado,proporcionando uma mudana nas estruturas de seguranapblica no pas e dos conceitos e prticas autoritrias quesubsistem, em muitas dessas instituies, no trato com osdireitos dos cidados e o respeito democracia.

    Conhecer como e o que sofreu Raul Amaro, bem como

    as instituies, pessoas e patentes envolvidas em seuassassinato sob tortura, seus vnculos e intenes, permite-nos reetir sobre nosso presente, onde vivemos umretrocesso no respeito aos direitos humanos e na defesados avanos consquistados em dcadas de lutas no pas. Ovolume de violaes de direitos humanos intensicou-seno Brasil, tendo hoje inmeros exemplos do fortalecimentode estruturas, legislao, ideologias e prticas que atentam

    cidadania, praticados ou encobertos pelos poderes eagentes do estado brasileiro.

    Nos recentes protestos de rua que ocorreram a partirde junho de 2013 e que ainda hoje pipocam pelas cidadesbrasileiras, no campo e nas orestas, vimos o eternoretorno do mesmo em ao e como na poca de RaulAmaro, negada hoje uma ao coordenada do estado

    nos conitos com a sociedade. A gura do inimigo internopersiste em nossa sociedade, hoje cunhada de baderneirose vndalos, justicando a represso por parte das forasde segurana do estado, contra o direito de organizao,

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    manifestao e liberdade de expresso daqueles quesaem s ruas, chegando-se tentativa de se usar a lei desegurana nacional contra manifestantes presos em So

    Paulo.A priso arbitrria, feita forjando-se provas ou em

    arrasto de manifestantes em So Paulo e no Rio de Janeirono ms de outubro, demonstra o quanto carece o pas demecanismos concretos de no-repetio, que modiquemprticas, levando desmilitarizao da polcia no tratocom o cidado. A inltrao de agentes P2 das forasde segurana com o intuito de promover tumulto nas

    passeatas, como por exemplo, o caso registrado em vdeodo agente policial que atirou um coquetel molotov natropa de choque, desencadeando o tumulto e a repressocontra os manifestantes e professores no Rio de Janeiro,ou o caso do P2 da Marinha que em junho participou daquebradeira de vidros de um palcio em Braslia, sendolmado por uma TV estrangeira, expe a ao subterrneado mesmo poro que assassinou Raul Amaro e que como

    demonstrado neste relatrio, seus algozes e torturadoresobedeciam ordens diretas do alto escalo do Comando do IExrcito poca.

    Abusos de autoridade, espancamentos, balas deborracha, bombas de vrios tipos, spray de pimentae muita violncia tem ocorrido no pas, tanto contramanifestantes, quanto cidados moradores de bairros

    pobres da periferia, onde tambm somam-se torturas,chacinas, assassinatos, invases de casas, que cam quasesempre impunes e que somados denncia relatada pelaOAB-RJ e entidades de direitos humanos desse estado, deque o caso do desaparecimento do pedreiro Amarildo, porpoliciais militares ligados Unidade de Polcia Pacicadora, somente a ponta do iceberg de inmeros outros casos emestudo, sepulta de vez a noo de Nunca Mais no Brasil.

    Tire-me deste horror, Pedro!, bradou Raul Amaro aoenfermeiro que o acompanhou pouco antes de sua morte,nos conta sua me Mariana Lanari. Ao resgatar seu grito

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    neste relatrio, queremos ecoar sua angstia vivida em1971, que muito bem poderia ter sido dita pelos Amarildosem seu derradeiro momento de vida nesta democracia

    do sculo XXI.Este relatrio demonstra a possibilidade de que os casos

    em anlise, na CNV e demais comisses criadas no pas, sopossveis de serem esclarecidos, se no totalmente, muitomais do que a sociedade sabe at o momento. Mal acabouo prazo da Comisso Nacional da Verdade para apresentaros fatos levantados sobre o perodo de 1946-1988 e j temosa necessidade de apurar tambm os crimes que se repetem

    cotidianamente na democracia brasileira.

    A elucidao do contexto e envolvidos no assassinatode Raul Amaro, desmonta a verso de que o poro agia revelia do comando e suscita questes sobre os fatosgraves que temos acompanhado hoje, praticados na reade segurana pblica. Quem tem dado a ordem para queagentes de segurana pblica dos vrios nveis da estrutura

    do estado brasileiro ajam assim hoje? Quais estruturascontinuam atuando na sociedade com conceitos e prticasde terrorismo de estado? O que tem sido feito para que osmecanismos criados, como o de combate tortura, saiamdo papel, visando a erradicao dessas barbries? Por quee para que no avanamos na consolidao do respeito aosdireitos humanos no Brasil?

    Marcelo ZelicVice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro

    da Comisso Justia e Paz da Arquidiocese de So Paulo.Coordenador do projeto Armazm Memria.

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    Consideraes sobre o percurso dapesquisa

    Em meados de 2012, quando decidimos encarar aelaborao deste relatrio, entendemos que o primeiropasso seria levantar tudo o que j havia sido publicadoe produzido pela famlia e por organizaes de direitoshumanos, em torno da memria e da verdade sobre ocaso. Nesse sentido, a primeira iniciativa foi a obteno

    da cpia integral do processo movido por Mariana Lanarijunto 9 Vara da Justia Federal do Rio de Janeiro em 1979(Ao Declaratria n 241.0087/99), proposta ainda sob aditadura. Julgado em 1982, com trnsito em julgado apenasem 1994, nele consta a verso consolidada da famlia sobrea priso de Raul Amaro, alm de depoimentos importantesde pessoas que o viram na priso, inclusive o de um soldadoda Polcia do Exrcito (PE).

    Aps esse primeiro levantamento, partimos paraa fase de pesquisa junto ao Arquivo Nacional e aosArquivos Pblicos dos estados do Rio de Janeiro e SoPaulo. Consultamos tambm os acervos do GTNMRJ e doArmazm Memria. Em posse de todo o material recolhido,fez-se necessria sua catalogao e organizao de formaque pudssemos reconstruir uma verso sobre o caso com

    base nas inmeras fontes de informaes.

    A partir da experincia de outras pesquisas realizadasno Armazm Memria, foi proposto catalogar e organizarcada documento obtido junto aos arquivos pblicos deacordo com a data de sua produo. Como os documentosobtidos foram produzimos pela burocracia repressivado estado (DOPS, DOI, CODI, SNI, etc.), eles normalmenteeram organizados na forma de processos e procedimentosadministrativos, em que os documentos so anexados parainstruir informaes dos rgos de represso e intelignciae remetidos para outros rgos e instncias.

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    22 Relatrio |Raul Amaro Nin Ferreira

    Se a leitura fosse feita segundo a lgica de organizao doarquivo de origem, teramos diculdade no entendimentodos meandros e do percurso de Raul Amaro dentro do

    aparelho de represso da ditadura, bem como da dinmicade funcionamento das estruturas e pessoas envolvidas. Porisso, foi necessrio desmembrar esses diversos documentose catalog-los de acordo com a data de sua produo, paraque a leitura pudesse nos fornecer o passo-a-passo dosacontecimentos, desde o momento da priso at sua morte,12 dias depois.

    O grande desao era entender o que aconteceu com Raul

    Amaro enquanto esteve preso, as transferncias sucessivasde locais de deteno e os respectivos responsveis poresses lugares, assim como as evidncias de tortura aque era submetido em cada local. Ao confrontarmos averso familiar, contida no processo, com as informaesencontradas nos arquivos pblicos, sentimos que aindahavia muitas lacunas que s pessoas muito ligadas a RaulAmaro, especialmente aquelas que estiveram com ele no

    momento da priso poderiam preencher.

    Conversamos com Eduardo Lessa, seu amigo e colegana PUC, com quem atuara no movimento estudantil emantivera ligaes polticas com Raul at o momento dapriso; com Vera Marina, sua namorada na poca; comLuis Antnio, outro grande amigo e colega de atividadespolticas na poca da PUC; com Ismail Xavier e Srgio

    Perazzo, que moravam em So Paulo, mas, por meracoincidncia, estavam com ele no Rio no m de semanaque foi preso numa batida policial; e com seus irmosMaria Coleta, Rodrigo e Miguel. Um outro contato queconsideramos importante fazer, por se tratar de um colegaseu de trabalho no Ministrio da Indstria e Comrcio e quetambm estava com ele no momento da priso, foi SaididinDenne, mas ele foi o nico a recusar-se terminantemente a

    nos receber.

    Todas as conversas e/ou entrevistas foram muitoimportantes, porque permitiram reconstituir o momento

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    Consideraes sobre o percurso da pesquisa 23

    da priso de Raul Amaro, alm de trazerem informaesainda desconhecidas sobre ele. preciso considerarque mais de quarenta anos se passaram e uma provvel

    interferncia do tempo sobre a memria dos fatos inevitvel. evidente que a construo de uma narrativaimplica em escolhas e, por vezes, as informaes colhidasnum depoimento no batiam com as de outros, o que nosignica que algum tenha ocultado a verdade.

    Nos arquivos pessoais deixados por Mariana, como jdissemos, encontramos recortes de jornais e revistas quenoticiavam fatos relacionados sua priso e morte; convites

    para missas em homenagem a Raul Amaro, mandadospublicar pela famlia nos jornais de maior circulao, emque relatavam a sua morte em tortura, a ttulo de denncia;vrias cartas escritas por ela e dirigidas a generais e outrasautoridades, exigindo explicaes sobre o ocorrido; almde textos e documentos pessoais deixados pelo prprioRaul Amaro. Todo esse conjunto de documentos foramda maior importncia, uma vez que representavam o

    esforo individual da famlia, em especial de Mariana, emdenunciar e comprovar as violaes cometidas pelo Estadocontra seu lho.

    Ao reunir o material colhido nas diferentes fontes,procuramos montar as peas como um quebra-cabeas,buscando um conjunto que fornecesse uma interpretao(ou verso) para a histria. Naturalmente, no poderamos

    fazer qualquer julgamento sobre qual delas seria a maisverdadeira, ou a mais correta, o que queramos era chegaro mais prximo possvel dos fatos que envolveram a suapriso, tortura e assassinato. De qualquer forma, o relatrioque ora se apresenta certamente possui o conjunto maiscompleto de informaes at agora reunidos sobre o casoRaul Amaro. Espera-se que essa verso no seja o pontonal.

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    26 Relatrio |Raul Amaro Nin Ferreira

    as coxas eram um hematoma por inteiro, tanto na parteexterna quanto na interna. Diz o Professor Manoel Ferreiraque o escrivo leu na frente dele o laudo da necrpsia coma descrio das sevcias. Sobre a causa-mortis, disse o

    professor que, embora apresentasse sintomas de edemade pulmo, no podia precisar exatamente o que causou oedema, j que no teve acesso papeleta hospitalar. O corpos foi liberado s 4,00 horas da madrugada.

    Maria Coleta conta que sua me sentiu-se extremamenteinsultada com a verso dada pelos militares de que RaulAmaro havia sofrido um enfarto. Era realmente um acinteaos olhos de qualquer pessoa de bom senso que um jovem,inteiramente saudvel e que jamais apresentara qualquerproblema cardaco, pudesse simplesmente ter como causamortisum enfarto nos pores da ditadura. Chocado como que vira, aps acompanhar a necrpsia, o tio-av deRaul Amaro, professor Manoel Ferreira, escreveu umacarta, com data de 17 de agosto de 1971, endereada adom Eugnio Salles, onde descreve as sevcias de que foravtima Raul Amaro.

    Ainda no dia 17 de agosto, portanto cinco dias aps amorte de Raul, Mariana encontrou-se no HCE com generalRubens (diretor do HCE) e o general Galena, que lhe deramalgumas informaes sobre a evoluo do estado de sadede seu lho, quando da sua passagem pelo HCE, assuntoque ser tratado de forma mais detida no decorrer destetrabalho. Segundo o relatrio de Mariana:

    Na tera-feira seguinte, 17 de agsto, sua me voltou ao HCEpara tentar saber como fra tratado seu lho. Foi muito

    bem recebida pelo Diretor General Rubens que deu algunsdetalhes e mostrou-se muito interessado, assim como ogeneral diretor anterior (creio que General Galena) que ovisitava, em saber qual o parentesco entre Raul Amaro eo professor Manoel Ferreira a quem elogiaram e disseramque eram colegas na Academia de Medicina Militar. Foi lhepermitido tambm conversar com um enfermeiro de nomePedrohito que tratara do lho, mas no conseguiu estar com

    o outro enfermeiro, Miguel, com quem segundo informaescolhidas por parentes no dia da morte, Raul Amaro gostavade conversar.

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    (...)

    OBSERVAO: Tanto no dia da morte quanto no dia da visita,o Diretor do HCE, General Rubens, mostrou-se preocupado

    em fazer sentir que le no tinha responsabilidade algumapela morte, que procurara fazer o melhor, que apenascumpria ordens ao receber internados sem nome e semindicaes do que ocorrera e disse vrias vzes que tda adocumentao fora requisitada pelo Comando do PrimeiroExrcito, desculpando-se por no ter que mostrar porqueapenas cumpria ordens, etc.

    Com a certeza de que Raul Amaro havia sido torturado

    at a morte, sua me fez tudo que estava a seu alcance paradenunciar o arbtrio cometido contra ele. Localizamos, porexemplo, duas cartas annimas, uma enviada ao ministroda justia Alfredo Buzaid, com data provvel de 16 deagosto de 1971, e outra enviada aos ministros do STM em10 de setembro de 1971. Ambas as cartas, encontradasno Fundo do Servio Nacional de Informaes - SNI noArquivo Nacional, trazem a verso da famlia sobre os

    fatos e a cobrana para que as autoridades encontrassem epunissem os responsveis.

    Depois de peregrinar por diversas instncias eautoridades do exrcito brasileiro, em busca de algumaexplicao para a morte do lho, no dia 12 de novembrode 1971, Mariana, no auge da sua angstia, redigiu estacarta a um general no identicado, a qual, no sabemosse chegou a ser encaminhada.

    Rio, 12/11/71

    Sr. General,

    Justamente hoje, 12 de Novembro, completam-se 3 mses da morte de meu lho mais velho,

    engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira quetrabalhava, a convite, junto ao gabinete doMinistro da Indstria e do Comrcio. Tinha27 anos e foi preso por acaso, numa batida

    da polcia na rua, ao voltar de uma festa, namadrugada de 1. de Agsto; no dia 12 de Agstomorreu no Hospital Central do Exrcito. Nomorreu de morte natural, mas foi assassinado:

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    seu corpo conservava marcas de sevcia, suascoxas formavam um hematoma inteirio... Quem o responsvel por sua morte?... A turma do Sr.Mrio Borges do Dops que o prendeu ou a Polcia

    do Exrcito para cujo quartel rua Baro deMesquita foi meu lho transferido noitinha do

    dia 2? Quem o supliciouanal?...

    Justamente hoje, sr. general, ao se completarem3 mses da sua morte, leio no Jornal do Brasilo resumo de sua conferncia na A.B.E. em queo sr. joga em cima dos pais todo o desao da

    educao da juventude - educao esta que deve

    ser crist, moral e democrtica. Esta educaorecebeu meu lho mais velho juntamente comseus 8 irmos mais moos! No ser portantotemerrio lanar e aceitar o desao de educarcrist e democraticamente aqueles que devemaceitar viver sob uma ditadura militar queacoberta assassinatos e torturas, desprezando osmais simples direitos da pessa humana, desde asua integridade fsica at o seu direito de pensar

    democraticamente?!....Subscrevo-me como uma me brasileira, profundamenteatingida, decepcionada e angustiada,

    Mariana Lanari Nin Ferreira

    A forma brbara como perdeu seu lho mais velhomarcou profundamente a vida de Mariana a partir de ento.Imediatamente ela procurou se articular com familiares

    de outras pessoas que passavam por situao parecida,entre elas a estilista Zuzu Angel, que tambm lutava peloconhecimento da verdade a respeito da morte de seu lhoStuart Angel. Durante todos os anos seguintes Marianasempre publicou mensagens fnebres nos jornais comoforma de manter viva a memria de seu lho. Participoutambm, desde o incio, do Grupo Tortura Nunca Mais doRio de Janeiro. Esteve presente em um evento organizado

    em homenagem Raul Amaro na abertura de uma ruacom seu nome, na Barra da Tijuca, no ano de 1987. Nosarquivos do GTNM-RJ e nos arquivos pessoais de MarianaLanari, encontramos algumas cartas trocadas entre ela e

    Fac-smile da carta deMariana Lanari e ao lado

    transcrio como consta nooriginal

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    Ceclia Coimbra (fundadora do grupo), que revelam suaparticipao nas atividades e sua preocupao com amemria e a verdade de outras vtimas da ditadura.

    Em novembro de 1978, matria de capa da revista Vejanoticiava a condenao da Unio em processo movido porClarice Herzog e famlia, sendo o estado responsabilizadopela morte do jornalista Vladimir Herzog nos pores do

    Cartas enviadas a CecliaCoimbra em agosto de 1987

    e setembro de 1989

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    DOI-CODI de So Paulo. Essa notcia impulsionou, segundorelato de Maria Coleta, sua me a fazer o mesmo. Algumconhecido sugeriu-lhe que procurasse o advogado Srgio

    Bermudes, que j havia atuado nos casos das famlias deHerzog e do metalrgico Manoel Fiel Filho, este tambmmorto em situao semelhante.

    Um ano depois, em novembro de 1979, teve incio a aodeclaratria n 241.0087/99 perante a 9 Vara da JustiaFederal do Rio de Janeiro. poca, Mariana assim justicousua ao: queria apenas que o Estado reconhecesse queerrou, torturou e matou meu lho, para que isso jamais

    acontea novamente no Brasil3. Em 31 de agosto de 1982, aUnio foi condenada em primeira instncia. Na sentena,o juiz Silvrio Luiz Nery Cabral, da 9 Vara Federal do Riode Janeiro arma:

    Tenho para mim ser induvidoso o direito da autora exigirda r a reparao que esta tem a obrigao de pagar, peloevento danoso, ilcito descrito minuciosamente nestes autos.Dispenso-me de tecer maiores consideraes de fato, porque

    o direito encontra-se ao lado da autora; e, ainda, porque nodesejo adentrar nos meandros do comprometimento dosprepostos da r, que atuaram e participaram dos atos ilcitosnarrados. Lamentavelmente, porm, referidos prepostosainda no integraram o polo passivo do acionamento judicial,respondendo com seus bens particulares e a perda da funo,para que no reincidam na ao desumana, indigna, comoa que est faustosamente narrada e provada nestes autos, aexemplo do que ocorreu durante o perodo do Estado Novo

    de 1937/45. Diante do exposto, julgo procedente a ao,condenando a r nas custas e em honorrios de 20% sobreo valor da causa.4

    Foram determinantes, para a vitria no processo, osdepoimentos de Alex Polari de Alverga e Aquiles Ferrari,que estiveram com Raul Amaro na carceragem do DOPS,e do ex-soldado Marco Aurlio Magalhes, que serviu no IBatalho da Polcia do Exrcito e presenciou Raul Amarosendo torturado. Alm disso, o advogado Srgio Bermudesjuntou ao processo parecer do professor e mdico-legistaCezar Papeleo, o qual apontou insosmveis falhas no

    3 Declarao dada aojornal O Globo em 8de novembro de 1994Justia reconhece querapaz foi morto em

    quartel.4 Ao Declaratriann 241.0087/99, 9 Varada Justia Federal do Riode Janeiro, s. 269/270.

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    auto de sua necrpsia, ajudando adesmontar a farsa da verso ocialsobre a causa mortis.

    curioso notar que esta luta deMariana visando responsabilizar oestado pela tortura e assassinato deseu lho na justia foi acompanhadapelos rgos da represso. No arquivodo estado de So Paulo (APESP) foramencontrados, na documentaoreferente a Raul Amaro do DOPS-SP,

    alguns recortes de jornais com notciasveiculadas pela imprensa em 1982,a respeito da condenao da Unio.Os recortes foram colados em folhasem branco e, ao lado, foram anotadosa mo tortura, o que revela apreocupao dos agentes da repressocom a luta empreendida por Mariana

    na justia.

    Ao entrar com a ao declaratriana justia federal, no passava pela

    cabea de Mariana receber qualquer tipo de indenizao,pois, como disse certa vez, o Estado no pode comprarseus mortos, seus assassinatos5. Porm, anos mais tarde,acabou entrando com o pedido de indenizao como

    parte do reconhecimento da responsabilidade do estado.Em julho de 1996, efetuou pedido junto ao Ministrio daJustia para incluso do nome de Raul Amaro no anexo Ida lei n 9.140/1995, que reconhece a morte das pessoasque haviam participado de militncia poltica durante aditadura. Inicialmente, o pedido foi indeferido por ter sidoprotocolado fora do prazo legal. Posteriormente, j no anode 2002, quando foi editada a lei n 10.536 ampliado o prazo

    para o reconhecimento pelo estado, novo pedido foi feito Comisso Especial de Mortos e Desaparecidos Polticos(CEMDP), e este foi ento deferido. Mariana, j muitoidosa, com muitos problemas de sade e passando por

    5 Declarao dada aoJornal do Brasil em 8de novembro de 1994

    Unio condenadapor morte de presos

    poltico.

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    diculdades nanceiras que no passaria se Raul Amaroainda estivesse vivo, foi convencida a pedir a indenizaoprevista pela lei.

    O reconhecimento do estado brasileiro

    Em uma lista escrita a mo6, apreendida em 1972em poder de Jos Fidelino, pai de Jorge Fidelino, vulgoCachimbo, o nome de Raul Amaro Nin Ferreira aparecesob n 127, com o ms de sua morte trocado. Esta uma

    das primeiras manifestaes que encontramos sobre abusca por verdade e justia para com ele fora do mbito dafamlia.

    Em fevereiro de 1973 o Comit de Solidariedade aosPresos Polticos do Brasil, divulga o documentoAos Bisposdo Brasil7, apresentando uma lista de pessoas mortas oudesaparecidas com 21 nomes agrupados num tpico dodocumento, pois segundo os organizadores, apesar de elesterem conhecimento do assassinato sob tortura destaspessoas, estes nomes carecem da reunio de elementoscomprobatrios. Neste grupo, Raul Amaro aparece listadosob n 19 e acompanhado da seguinte informao:

    Engenheiro da Guanabara - preso pelo DOPS/GB e posto adisposio do DOI/GB (antigo CODI) em meados de agostode 1971. Depois de barbaramente torturado, foi levado ao

    HCE (Hospital Central do Exrcito) onde faleceu. Estes fatosconstam de denncia da OAB em 28 de agosto de 1971.

    Os fatos relacionados morte de Raul Amaro foramregistrados tambm em todos os dossis publicados noBrasil a partir de 1979.

    No primeiro deles, publicado pelo CBA em 1979, constano Anexo II - Mortos, em 1971 seu nome e a data em que

    foi assassinado. Em 1984 a sesso gacha do CBA trazpouqussimas informaes sobre seu caso, inclusive comgrande impreciso sobre sua militncia, pois Raul Amaronoera procurado desde 1964, conforme foi informado:

    6 APESP, Fundo DEOPS-SP, 30Z160012268.

    7 APESP, Fundo DEOPS-SP, 30Z160012687.

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    Militncia poltica desconhecida, apesar de ser procuradopela represso desde 1964. Engenheiro mecnico. Preso peloDOI/CODI-RJ em 1 de agosto de 1971, onde foi barbaramentetorturado, a ponto de ser preciso que seus torturadores o

    levassem, s pressas, para o Hospital Geral do Exercito,onde veio a falecer, no dia 12 de agosto.

    No Dossi dos mortos e desaparecidos polticos a partirde 1964, publicado em 1995 pela CFMD, IEVE e os GTNMdo RJ e de PE, as informaes esto precisas e trazem,alm da sua atividade prossional, as circunstncias danecrpsia, a existncia do processo que a famlia moveu

    contra a Unio e alguns detalhes sobre a priso. Em1999 a verso publicada no livro Dos Filhos deste Solo,de Nilmrio Miranda e Carlos Tibrcio, traz as mesmasinformaes consolidadas em 1995 pelos familiares demortos e desaparecidos polticos no dossi e a situao doprocesso junto a CEMDP.

    Foi preso pelo DOPS-RJ, na noite de 31 de julho para 01 deagosto de 1971, na rua Ipiranga, bairro de Laranjeiras,

    quando dirigia seu carro em companhia de outro engenheiro,Saididin Denne. Em 02 de agosto, foi encaminhado parao DOI-CODI-RJ depois de ter sua residncia invadida eocupada pela represso. A famlia, nesse dia, o viu ser levadoalgemado de casa e nada pode fazer. Foi torturado a pontode ser preciso que o levassem, s pressas, para o HospitalGeral do Exercito, onde veio a falecer, no dia 12 de agosto.

    No livro Direito Memria e Verdade da CEMDP

    publicado em 2007 pela SEDH, temos a consolidao dasinformaes apuradas durante todos esses anos sobre ocaso Raul Amaro, no mbito do poder executivo brasileiro:

    Raul Amaro voltava de carro de uma festa com algunsamigos, em 01/08/1971, quando foi interceptado por umardio-patrulha que fazia uma blitz na entrada do Leme,Rio de Janeiro. Tanto ele quanto o colega que estava juntono portavam carteira de trabalho, e seu documento deidentidade era antigo. Os policias resolveram deix-lospassar. Algum tempo depois, foi novamente interceptado,em Laranjeiras, pela mesma rdio-patrulha, que faziaoutra blitz. Ao revistar o carro, os policiais pegaram doisdesenhos com a localizao de residncias de amigos, que

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    interpretaram como sendo mapas. Raul Amaro foi detidoe levado ao DOPS, onde permaneceu sendo interrogadodurante toda a manh de domingo.

    No dia seguinte, por volta de 13h, foi levado casa dospais, por uma rdio-patrulha, para procurar uma chavede seu prprio apartamento. Os pais resolveram seguir ardio-patrulha para discutir o ridculo da priso, mas naporta do apartamento de Raul foram impedidos de entrar.O mesmo aconteceu com o cunhado Raul Figueiredo Filho,tambm advogado. s 20h, Raul Amaro foi levado algemadona radiopatrulha sob o comando do policial Mrio Borges,notrio torturador do DOPS/RJ, que se negou a dizer para

    onde ele seria levado, armando ser assunto de competnciado Exrcito.

    Na quinta-feira, 12/08, por volta de 14h30, o HospitalCentral do Exrcito entrou em contato com os pais deRaul pelo telefone. A me, acompanhada do genro RaulFigueiredo Filho, chegou ao hospital por volta de 15h30, esoube que seu lho morrera antes das 14h. Entre 21h e 22h

    chegou o legista Rubens Pedro Macuco Janine para o examedo cadver. O tio-av de Raul, professor Manoel Ferreira,

    mdico da Organizao Mundial da Sade, tambm legista,quis assistir autpsia, mas foi impedido. Somente lhefoi permitido entrar cerca de duas horas depois, quandoconstatou que o jovem fora seviciado. Raul deu entrada noHospital Central do Exrcito no dia 04/08, sem identicao

    e sem informao alguma sobre o ocorrido, apresentandoequimoses nas coxas e pernas. O professor Manoel Ferreirainformou que o escrivo leu na frente dele o laudo denecrpsia com descrio das sevcias.

    Na CEMDP, foi anexado ao processo um depoimento doex-soldado do Exrcito, Marco Aurlio Guimares, queprestava servio no DOICODI/ RJ na poca e viu Raul Amarosendo torturado nas dependncias daquele rgo. Os presospolticos Alex Polari de Alverga e Aquiles Ferreira tambmconrmaram que o viram no DOPS/RJ.

    NoDossi Ditadura: mortos e desaparecidos polticos no

    Brasil (1964-1985)publicado pela CFMD e IEVE em 2009,a descrio da priso apresenta mais detalhes, contandocom informaes contidas no processo da 9 Vara Federaldo Rio de Janeiro como os depoimentos de pessoas

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    que presenciaram sua priso e tortura. Informaesimportantes so acrescentadas como, por exemplo, o fatode que, junto com Raul Amaro, foi preso um seu colega

    de trabalho, relata tambm as patentes de quem torturouRaul Amaro no DOI do I Exrcito e a verso do generalAdyr Fiuza de Castro8 sobre o caso. Esta a verso maiscompleta sobre o caso at agora, publicada em 2009.

    A nica referncia a Raul Amaro encontrada nosdepoimentos de militares est no livro Os Anos de Chumbo- A memria militar sobre a represso, no depoimentodo General Adyr Fiza de Castro dado a Maria Celina

    DAraujo e Glucio Ary Dillon Soares em maro de 1993,que transcrevemos parte, abaixo (grifo nosso):

    No era possvel ser torturado sem que aparecesse evidnciafsica?

    - Eu sou muito ctico e sou pirrnico mesmo, ento achopossvel que possa ter sido embromado. E o Frota tambm.Mas muito difcil que haja uma presso fsica sem deixar

    marcas. A prpria maricota queima. H um mtodo deinterrogatrio em que voc pe um eletrodo nos dedos, emqualquer lugar - os mais sdicos pem no bico dos seiosou nos testculos - e roda um dnamo que faz passar umacorrente. E quanto mais rpido voc girar aquele dnamo,maior a voltagem que d. como o tratamento de eletro-choque dos loucos. Uma sensao terrvel. Terrvel! Amaior dor, a maior angstia que se pode ter sofrer aquelechoque. muito difcil o eletrodo, que semelhante a umagarra, pegar uma coisa grande. Pode pegar no bico dosseios ou no dedo do p, mas deixa marca. No lugar que ca

    o eletrodo, sempre queima um pouco, por menor que seja aamperagem. E voc pode vericar. Ento o Frota, que sabia

    disso, dizia: Mostre as mos. O sujeito mostrava, e eleexaminava. E sem ser isso, somente a borracha: eles batemcom a borracha nas partes moles, barriga e ndegas, porqueessas partes no deixam muitas marcas. Se voc bater comuma borracha numa parte dura, ca o vergo.

    De maneira que muito difcil fazer um interrogatrio comviolncia que no deixe marca. muito difcil. Mas possvel.Ento acho que mais de oitenta por cento da argio detortura e de maus-tratos era instruo da organizao ou

    8 O general Adyr Fizade Castro consideradoo criador e primeirochefe do CIE, chefe doDOI-CODI do I Exrcito,

    comandante da PM/RJe da IV Regio Militar.In: Dossi Ditadura:mortos e desaparecidospolticos no Brasil (1964-1985), p. 267-268.

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    do advogado. E os restantes vinte por cento eram casos queescapavam do controle, porque eram feitos antes de o presoser entregue ao I Exrcito.

    H o caso de um rapaz que morreu, Raul Amaro NinFerreira, que deu muito trabalho ao Frota porque, quandoele foi entregue ao Exrcito, estava com umas marcas, haviasido chicoteado com o no DOPS. O Frota mandou baixar

    imediatamente esse rapaz ao Hospital Central do Exrcitoe, aps alguns dias ele morreu de infarto. Estava muitodeprimido, j sofria do corao e, com a priso, morreude infarto. O Frota, como em todos os casos semelhantes,mandou fazer uma autpsia, chamando um elemento da

    famlia para assistir. Ele tem o laudo dessa autpsia: foimorte natural. Ento, o camarada nos foi entregue j comverges nas pernas - ele apanhou nas pernas. Outros casosde presos entregues por outras organizaes ao Exrcitoeram submetidos, por ordem do Frota, a uma rigorosainspeo de sade. E o mdico era o responsvel. O Lobo,inclusive, sabe disso. O Lobo e o Fayad, que eram os mdicosque examinavam os presos, mas todo dia de manh oFrota perguntava: Qual a lista de presos? Cad o laudo

    mdico?A verso do general Adyr Fiza de Castro j foi totalmente

    derrubada pela sentena proferida em 1982 pela 9 VaraFederal do Rio de Janeiro que responsabilizou o estadobrasileiro pela tortura e morte de Raul Amaro. Porm, apartir da anlise dos documentos obtidos nos arquivospblicos que agora trazemos tona, podemos ir alm edesmontar a armao construda pelo general Sylvio Frota

    sobre a causa mortisde Raul Amaro, colocando em chequeo que diz sobre sua conduo no Comando do I Exrcito.

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    Envolvimento com a poltica

    Lembrado por familiares e amigos como um rapazmuito inteligente, cuja presena era sempre estimada erespeitada por todos, Raul Amaro era o lho mais velho deuma famlia de industriais do Rio de Janeiro. Nascido em1944, j no nal da segunda guerra mundial e do estadonovo brasileiro, sua histria permeada pelos conitospolticos do tempo em que viveu. A me, Mariana LanariFerreira, por tradio familiar, era catlica fervorosa e

    muito atuante no que dizia respeito doutrina social daigreja e assim tambm procurou educar os lhos. Provadisso que no apenas Raul Amaro, mas todos os seusirmos estudaram no tradicional colgio So Bento, eas irms no colgio Santo Amaro, ambas instituiesreligiosas. Na sua militncia junto igreja, ela sempreprocurava levar consigo os lhos para as reunies sociais eestimulava-os a participar de encontros de jovens cristos.

    Talvez da venha o interesse de Raul pelos problemassociais e econmicos do pas.

    Raul Amaro vem, assim, de uma famlia rica e bastanteconservadora. Fala-se inclusive que o av materno, AmaroLanari, engenheiro fundador da Siderrgica Lanari, eraintegralista convicto e toda a famlia lacerdista. Dessaforma, seu envolvimento com a poltica tem suas origens

    nas referncias e valores familiares do catolicismo. Noprimeiro depoimento9prestado por ele a agentes do DOI,no dia 1 de agosto de 1971, faz um interessante relato sobrea sua trajetria, desde as atividades no colgio So Bento ena juventude catlica, at o movimento estudantil na PUC.Os fatos contidos nos documentos parecem verossmeis,segundo seu irmo Miguel, e pudemos constatar, empesquisa realizada na hemeroteca da Biblioteca Nacional,

    que algumas matrias publicadas nos jornais conrmamparte dos fatos, principalmente no que diz respeito suamilitncia na universidade, ligada juventude catlica eao Movimento Solidarista Universitrio (MSU):

    9 Declaraes doInterrogado. ArquivoNacional. FundoServio Nacional deInformaes - SNI. ACE41431/71.

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    Em 1956, iniciei o curso Ginasial no Colgio So Bento doRio de Janeiro. Durante stecurso participei da JuventudeEstudantil Catlico e da Academia Literria do ColgioSo Bento. Em 1960, iniciei o curso cientco no mesmo

    colgio, tendo abandonado a Juventude Estudantil Catlicae a Academia Literria. Durante todo o perodo de colgio,a direo do colgio foi exercida por Dom Loureno deAlmeida Prado O.S.B. No terceiro ano Cientco, participei

    do Congresso da AMES [Congresso da Associao Municipaldos Estudantes Secundaristas] que se realizou no Sindicatodos Metalrgicos do Rio de Janeiro. A representao docolgio formou junto com as fras que representavama alternativa democrtica contra a chapa da esquerda.

    Em 1963 entrei para a Escola Politcnica da UniversidadeCatlica. No 1 ano fui includo na chapa vencedora para oDCE da PUC no cargo de tesoureiro. O DCE da PUC, entovinculado ao Movimento Solidarista Universitrio, detendncia centrista, permaneceu solidrio com o movimentorevolucionrio de maro de 1964. Em 1964, compareci aoCongresso da Unio Metropolitana dos Estudantes, noqual prevaleceu amplamente a alternativa democrtica.Tambm, em 1964, compareci como representante do DCE

    da PUC a um seminrio Latino-Americano de estudantes,realizado em Lima-Peru, no qual foram discutidos diversosaspectos da integrao Latino-Americana. Aps o seminriorealizei viagem Argentina. No ano de 1965, tomei partena chapa do Movimento Solidarista Universitrio que secandidatou ao DA da Escola Politcnica, sendo derrotadaa chapa (chapa presidida por Allan Pereira). Nesta eleioconcorreram alm do Mov Solidarista, uma chapa detendncia de esquerda e outra politicamente indenida,

    presidida por Fernando Sanches. A partir desta poca fuigradualmente abandonando minha participao na polticaestudantil da PUC. Em 1966 realizei viagem cultural aosEstados Unidos, patrocinada pelo govrno americano,objetivando visitar indstrias, universidades, e regiestpicas. Antes, em 1965, havia participado de um Congressode estudantes Universitrios catlicos realizado no Rio. (...).Durante os ltimos anos de escola dei primazia absoluta aosestudos de Engenharia. Em 1967 colei grau em Engenharia

    de Produo.

    Vera Marina, que foi namorada de Raul Amaro em nsdos anos 1960 at pouco antes que ele morresse, lembra

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    que a militncia deles iniciou-se dentro dos muros da PUC.Desde o primeiro ano na universidade Raul se engajouno movimento estudantil, aproximando-se dos grupos

    catlicos conservadores, como o MSU10

    , que permaneceusolidrio com o movimento revolucionrio de maro de1964. certo, no entanto, que ao longo do perodo quefrequentou a universidade, Raul Amaro foi adotando umaposio poltica mais esquerda e crtica em relao ditadura e realidade social e econmica do pas. EduardoLessa, colega e amigo de PUC, relata:

    Como muitos jovens poca, tnhamos interesse emmelhor entender o mundo em que estvamos inseridos, emreetir sobre o homem e a sociedade, e sobre a natureza

    do conhecimento. O Raul convidou-me a participar de umgrupo de estudos, em que se discutiam esses temas. Aceiteicom entusiasmo. Integravam o grupo estudantes de diversasescolas da PUC: Direito, Sociologia, Psicologia, Economia eEngenharia. Ideologicamente, os participantes deniam-se

    como democratas cristos: alguns de tendncia esquerda,

    outros de centro-direita, mas todos compartilhvamos acrena nos mecanismos democrticos para a disputa pelopoder poltico o que nos tornava crticos do regime militarvigente e acreditvamos na necessidade de maior presenaestatal na economia para estimular o desenvolvimento e areduo das desigualdades sociais (na linha da CEPAL). Amaioria provinha de colgios catlicos, mas no se tratavade um grupo de inspirao confessional. O que nos uniaquela poca, no bojo de uma forte inquietao intelectual,

    era o desejo de identicar uma terceira via poltica eeconmica, diferente, de um lado, do sistema capitalistaperifrico, representado no Brasil pelas foras reacionriase antipopulares que sempre haviam dominado nossopas; e, de outro, a via do socialismo real, preconizadapelos nossos amigos marxistas, de quem discordvamosem pontos essenciais, particularmente quanto viso dodeterminismo histrico em direo ao comunismo, aodesprezo livre expresso do pensamento e ao apreo

    ditadura do proletariado como sistema poltico.Em 1967, j no nal do seu curso universitrio, Raul

    passa a se dedicar mais aos estudos de engenharia e aotrabalho. Fez estgio por alguns meses na Cia. de Indstrias

    10 Julio Bozanoarma: Creio tersido eu o primeiro atrazer para a situaonacional a temticada solidariedade,como uma alternativaentre posies que seradicalizavam: de umlado, o liberalismocapitalista, e de outro osocialismo j inltradopor tendnciasmarxistas.

    10 Foi com esse intuitoque, em 1962, publicavana Editora Agir olivro Neocapitalismo,Socialismo eSolidarismo, o qual,em 1965, saa em 3edio com o ttuloSolidarismo.

    10 A ideia teve

    ressonncia em meiossindicais, na Escolade Lderes Operrios(ELO), fundada peloPadre Pedro BelisrioVelloso, S. J. e quefuncionava na PUC; emmeios universitrios,especialmente naprpria PUC, onde foicriado o MovimentoSolidarista Universitrio(MSU) que ganhou

    as eleies em quasetodos os diretriosacadmicos; em meiosempresariais, reunindoum grupo muito ativona Associao deDirigentes Cristosde Empresa (ADCE),e mesmo em meiospolticos, como umaslida base doutrinalpara uma autnticademocracia crist. In:

    Neoliberalismo e conscinciasocial, entrevista com Julio

    Bozano.Sagrado e profano:retratos de um Brasil de fim

    de sculo. Luiz Paulo Horta

    (coord.). Rio de Janeiro: Agir,

    1994.

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    Qumicas do Nordeste (CIQUINE) e tambm naMontreal Engenharia S/A. No incio de 1968,j formado, foi contratado como engenheiro-

    chefe da diviso de planejamento pela EMAQ- Engenharia de Mquinas S.A, onde trabalhoupor quase trs anos. Tambm nesse ano fezum curso de aperfeioamento em engenhariaeconmica na UFRJ, tornando-se professorconvidado deste mesmo curso.

    O ano de 1968, como se sabe, foi marcadopela exploso dos protestos e lutas dos

    movimentos populares e estudantis contraa ditadura. No Rio de Janeiro, aps a mortedo estudante Edson Lus no restauranteCalabouo, os movimentos contra a ditaduraacirraram a luta contra o regime. Os irmos eamigos de Raul Amaro so unnimes em dizerque ele participou de praticamente todas essasmanifestaes, como a passeata dos 100 mil,

    dos 50 mil, dentre outras. Miguel relembra umfato curioso, ocorrido numa dessas passeatas,quando Raul chegou a apanhar de algunsmanifestantes, tendo que se defender com umguarda-chuva, por ter sido confundido com umpolicial, pelo fato de vestir um sobretudo. LuizAntnio, grande amigo e colega dos tempos dePUC, conrma esse fato acrescentando que elefoi apresentado, posteriormente, aos ativistasdo movimento estudantil da PUC, visto que elej havia concludo a universidade, por isso noera conhecido desses estudantes.

    Em 1970, Raul Amaro alugou umapartamento na rua Santa Cristina, no bairro de SantaTeresa, podendo, assim, sair da casa de seus pais na Gvea

    e ter uma vida mais privativa. No m de 1970, candidata-sea uma vaga no Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada -IPEA, porm pouco antes de assumir o cargo requisitadopelo economista Artur Candal para trabalhar na equipe do

    Jornal Desao produzidopelo DCE da PUC em

    novembro e 1965

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    Conselho de Desenvolvimento Industrial do Ministrio daIndstria e Comrcio, iniciando o trabalho em janeiro de1971. Nessa mesma poca, conseguiu tambm uma bolsa

    de estudos para um curso de especializao na Holanda,que iniciaria em novembro de 1971. Embora tudo issoindicasse realizaes no campo pessoal e prossional, seuenvolvimento com a poltica, nos dois ltimos anos de vida,prosseguia de forma intensa e bastante ligado ao contextopoltico que predominava no pas.

    No m de 1968, com o acirramento da luta contra aditadura, o governo militar editou o Ato Institucional n

    5, suspendendo direitos polticos de cidados e a garantiadoHabeas corpusnos crimes polticos contra a segurananacional. Com isso, a ditadura aumenta seu poder de fogoe os rgos da represso aprimoram a organizao internae desenvolvem novas tcnicas repressivas.

    No incio de 1969 criada a OBAN (Operao Bandeirantes)em So Paulo, descrito por uma autoridade federal como

    um rgo ocial estruturado para integrar e centralizar asaes de combate subverso e ao terrorismo nas reas deSo Paulo e Mato Grosso, organizao essa que serviria deinspirao para a criao do sistema DOI-CODI no segundosemestre de 197011. Ao mesmo tempo, alguns grupos deesquerda, como a Aliana Libertadora Nacional (ALN) e oMovimento Revolucionrio 8 de Outubro (MR-8), optarampela luta armada contra a ditadura, promovendo assaltos a

    banco, sequestros de embaixadores e justiamentos.

    nesse contexto poltico que, em meados de 1970, RaulAmaro decide contribuir com a rede de apoio ao MR-8articulada por seu amigo Eduardo Lessa. Vera Marinarecorda a angstia que Raul vivia com a situao polticado pas e das incertezas que tinha com todas as coisas, entreelas a forma de contribuir com a luta poltica e a militnciados movimentos de esquerda. Segundo ela, Raul eraum lindo ponto de interrogao em cima de duas pernas,referindo-se s dvidas e ponderaes que ele fazia comquase tudo na vida e tambm sobre o seu envolvimento

    11 Como eles agiam

    - os subterrneosda Ditadura Militar:espionagem e polciapoltica, de Carlos Fico,Rio de Janeiro: Record,2001, p. 116.

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    e desenho artstico. A preocupao pela poltica existe,apesar de no me sentir capaz de denir claramente meus

    princpios e idais que esto ainda em formao. Sou a favorda liberdade poltica e de um esforo mais amplo e ecaz no

    sentido de permitir melhores condies de vida ao povo. Nosei bem de que forma isso pode ser conseguido atualmente.

    Eduardo Lessa contou-nos sobre a colaborao de RaulAmaro na rede de apoio que articulava para o MR-8:

    Em setembro de 1969, ocorreu o sequestro do embaixadoramericano Charles Burke Elbrick, e, semanas aps, aresidncia de minha famlia foi invadida pelo DOPS e meus

    pais retidos por alguns dias em priso domiciliar. Nessapoca, com a ajuda de amigos, eu j dava suporte a militantesperseguidos do ento autodenominado MR-8 (Dissidnciado PCB do Rio de Janeiro), atuao essa que se desenvolveuno sentido de prestar suporte logstico quela organizao.Alguns meses mais tarde, encontrei o Raul e propus que eleprestasse algum tipo de apoio. Sugeri que formasse umapequena rede de simpatizantes, que poderiam ajudar sem anecessidade de se expor. Como, por questo de segurana, euno deveria conhecer os participantes, no sei se algum dosmembros do nosso antigo grupo de estudos estava ligado aessa rede. Em 1970, participamos da campanha do voto nuloe da campanha contra a pena de morte.

    Ao retratar a imagem de um sujeito sempre questionador,Vera Marina nos ajuda a entender a contradio vivida porRaul Amaro naquele momento de sua vida e o episdio desua priso. Dividido entre a convico ideolgica e os riscos

    atrelados a qualquer militncia poltica que ameaassea ordem vigente, Raul Amaro reproduziu o paradoxode apoiar politicamente um movimento guerrilheiro-revolucionrio, ao mesmo tempo em que trabalhavanum rgo do prprio governo ditatorial, o Ministrio daIndstria e Comrcio.

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    Priso A histria oral

    Em meados de 1971, Raul Amaro e Vera Marinaestiveram em So Paulo para visitar a irm, Maria Coleta,que havia se casado e residia na capital paulista, na ruaHarmonia, bairro de Vila Madalena. As idas de Raul a SoPaulo zeram-no aproximar-se do grupo de amigos dairm, como o mdico Srgio Perazzo e sua esposa, IsmailXavier, entre outros. Assim, o casal Raul e Vera ora vinham

    a So Paulo encontrar os amigos, ora os recebia no Riode Janeiro. Mas a visita a So Paulo, ocorrida em meadosde 1971 entrou para a sua trgica histria por conta deum simples mapa que indicava o endereo da irm eorientaes para entrada na cidade, apreendido quandoda sua priso. Srgio Perazzo lembra com detalhes como otal mapa foi construdo:

    Como os dois tinham vindo de fusca (todo mundo tinha

    fusca) e no sabiam o caminho de volta para pegar a Dutra,Fernando [ex-marido de Maria Coleta] e eu zemos ummapinha indicando a direo a seguir. Como Fernando eramuito caprichoso, para no dizer obsessivo, esmerou-se emdetalhar as indicaes de tal mapa com tinta azul, verde evermelha, para no se perderem no bairro e na Marginaldo Tiet, pegando a estrada certa. Este exagero colorido doFernando, foi alvo de gozao e at parecia, dissemos, ummapa de caa ao tesouro. Mal sabamos que tesouro.

    Vera Marina conta que, a pedido dela, os tais mapasforam guardados no porta-luvas do fusca de Raul paraque pudessem utiliz-lo numa outra ida a So Paulo. EmJulho de 1971, Ismail precisava passar uma semana noRio de Janeiro, fazendo pesquisa para seu mestrado emcinema. Maria Coleta sugeriu que ele casse hospedadono apartamento de Raul Amaro, em Santa Teresa, o que defato aconteceu e ele l chegou no domingo anterior ao mde semana da priso de Raul, portanto no dia 25 de julhode 1971. Foi nessa semana que Ismail conheceu EduardoLessa, quando este tambm se hospedou no apartamento,

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    na noite de quarta-feira. Ismail lembra que Raul, com asua chegada, percebeu que s tinha uma cpia da chavedo apartamento, episdio que teve grande importncia nos

    fatos que envolveram sua priso:Naquela semana, agente passava o dia inteiro fora, eletrabalhando e eu fazendo minhas coisas. Ento, surgiu oproblema da chave, pois o Raul s tinha uma chave. Ento,cava com a chave quem fosse chegar primeiro e em uma

    dessas vezes em que ele falou para eu car com a chave,

    na praa da Repblica, passei em frente a um chaveiro poracaso e z uma cpia. Assim cada um cou com uma chave.

    Na quarta noite, se no me engano, tivemos a situao

    daquele amigo dele, o Lessa, que veio pernoitar porquemorando em Niteri, s vezes dormia por l por questesprticas.

    No sbado seguinte, dia 31 de julho, Raul Amarohavia combinado com um colega do ministrio, SaididinDenne, de sarem para tomar um chopp noite, j queeste, paraense de Belm e sua esposa estavam recebendoduas amigas conterrneas. Mas antes do chopp, Raul e osseus convidados ainda passaram na festa de despedidaque o amigo e parceiro dos tempos da PUC, Luiz Antonio,organizara, pois acabara de se mudar para So Paulo.Nessa mesma noite Eduardo Lessa precisou pernoitar noapartamento de Raul, como explica a seguir:

    Na vspera da priso do Raul, eu entrei em contato comele, para ver se poderia pernoitar em casa dele Rua Santa

    Cristina, em Santa Teresa, j que teria de comparecer auma festa de casamento e estava sem carro para retornar aPetrpolis. Ele concordou, e avisou que tinha combinado desair com amigos e que voltaria tarde. Eu retornei antes demeia-noite e dormi em uma rede.

    Porm, a nica pessoa que presenciou os momentos queantecederam a priso de Raul Amaro foi Ismail Xavier. Elerelata assim o desenrolar dos acontecimento naquele dia

    31 de julho de 1971:No sbado ns tivemos a seguinte situao: o Lessa de novoveio pernoitar e l cou no apartamento. Eu e Raul samos,

    cada um com seu carro porque ns amos sair com um

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    Priso A histria oral 49

    grupo. Eram mais quatro pessoas: um casal e duas moasque estavam hospedadas na casa deles que tinham vindo doPar. Fomos jantar em Copacabana, eu no meu carro com ocasal e o Raul no carro dele levando as duas moas. Quando

    entramos na Av. Atlntica demos de cara com uma batidado exrcito mais agressiva do que o normal. Ai aconteceuuma situao um pouco estranha, porque eu tinha acabadode conhecer o casal e o soldado que veio me revistar depoisde pedir os documentos de rotina, jogou a lanterna naminha cara e me perguntou se eu sabia com quem estavaandando no carro. Como sou pssimo com nomes, olheipara o policial e de fato no lembrava o nome deles... masai, a mulher [Yone da Silva Denne] que tava no banco de

    trs falou: isso ridculo, o nome dele tal tal tal, eu souesposa dele e desfez o impasse. A gente foi liberado, nosencontramos no restaurante e, claro, camos conversando

    sobre a batida, comentando sobre outras situaes que jhavamos passado, at comentei que tinha achado a batidamuito agressiva... Enm, jantamos e no me lembro mais

    os assuntos da conversa, falamos apenas o trivial de umasituao como essa. Na hora de ir embora o marido [SaididinDenne] fez uma piada do tipo: agora vamos voltar com o

    Raul, porque voc muito azarado.

    Vieram as duas moas comigo. O que foi estranho queagente veio l da praia e entrou na [rua] Pinheiro Machado,fez aquela volta pra ir pra rua Ipiranga e veio de novo outrabatida, que me pareceu tambm do exrcito... era pessoalfardado. Essa histria da patrulha, se era ou no era amesma da outra blitz, vou dizer o seguinte: eu no sei e nahora eu quei convicto de que no era. No houve nada que

    me dissesse que era a mesma patrulha que tinha mudado delocal.

    A gente entrou na rua eu acho que ele estava na frente, masna hora que passamos eu acho que eu quei na frente, pois

    no tenho nenhuma memria de que pudesse ter visto o quetinha acontecido com ele durante a batida. Eu parei e fuiliberado, sem nenhum teatrinho, at com mais rapidez doque no caso l da praia. A casa, ou o prdio, onde o casalmorava e onde as moas estavam hospedadas, era no mais

    que 200 metros da batida. Eu olhei assim pelo espelinho evi que estava longe, vi que eles no estavam olhando proscarros que j tinham passado da batida e quei convicto

    de que no ia ser estranho parar ali para deixa-las. Fiquei

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    na entrada do prdio esperando o Raul passar... esperei 5,10, 15, 20 minutos... passou mais de uma hora e nada. Nosei exatamente quanto tempo eu esperei, mas foi mais deuma hora. As moas subiram e eu quei convicto de que ele

    tinha sido preso. O sentido de que tinha sido um acaso cou

    muito presente pra mim, em nenhum momento eu suspeiteique houvesse uma situao na qual ele tivesse sido alvo deum tipo de vigilncia que levasse a que o sistema repressivopudesse antecipar o trajeto.

    No ca muito claro o que aconteceu logo aps a priso,pois as lembranas de Ismail e Lessa so diferentes, comoveremos a seguir:

    Chegando no apartamento do Raul, isso no era mais de1h30, 2hs da manh, encontrei o Lessa que estava dormindo.Relatei o que tinha acontecido, com aquele tom convicto deque tinha sido tudo um acaso, que ele [Raul Amaro] haviasido prso em uma batida. De certa maneira ele [Lessa]reagiu de modo a parecer que achava isso tambm, porqueinclusive ele cou com aquela idia de que: ah no, ele vai

    ser solto, uma triagem, era uma experincia que a gente

    j tinha visto acontecer muitas vezes. Ele [Lessa], agiu comoquem est em sintonia comigo em relao a isto, foi umacaso.

    Ficamos no apartamento at amanhecer, ou seja, houvetempo suciente para que se houvesse um perigo iminente,

    teria vindo a polcia, ou o exrcito l no apartamento. Emnenhum momento passou pela minha cabea qualquerhiptese sobre o fato de que ele [Lessa] estava dormindol por algum outro motivo que no fosse aquele que me foi

    contado, de que ele pernoitava no apartamento porque erade Niteri, por questes prticas. Em nenhum momento,apesar do Raul estar preso, eu tive a sensao de que apresena do Lessa tinha algum signicado poltico. Tanto

    que camos l e em nenhum momento eu me senti ameaado,

    ou na iminncia de uma invaso do apartamento. Eu no soumaluco, no teria cado. Tanto que, quando ns saimos

    de manh, eu deixei minhas coisas l no apartamento e eletambm no me disse pra tirar. [Depois] eu achei que era

    mais um temdo comportamento dele no sentido de que: euno posso deixar nada que leve a que ele tenha algum tipo deinformao ou algum tipo de idia a respeito de que eu souum cara politicamente importante e que ele vai saber que a

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    minha presena tem um signicado maior.

    A teve aquela histria de que, na minha memria eu melembro claramente, que ele falou to querendo ir pra casa do

    Luiz Antnio`. Como eu tinha acabado de conhecer o LuizAntnio, nessa minha ida ao Rio, eu no tinha amizade comele e eu tinha amigos meus no Rio ali naquele momento, eudisse: no, prero ir pra casa de amigos, porque eu quero

    entender o que est se passando, queria ir pra um lugaronde eu pudesse sentar com calma, ler os jornais e estarcom pessoas que eu pudesse ver o que fazer. Foi isso queaconteceu na minha memria.

    Tanto que tenho essa ideia de que chegando l, quando eudisse ao [Srgio] Perazzo, relatei a priso do Raul, relateia noite toda, relatei a presena do Lessa, quando eu faleio nome do Lessa o Perazzo disse: opa!; soou de maneirabem particular e depois o Perazzo falou: um militante etc,etc e cou evidente que tinha um sentido pro Perazzo.

    Ficamos mais um pouco l na casa da sogra do Perazzo ede manh que fomos para o apartamento do Raul paraeu pegar minha mala e minhas coisas que estavam l. Eu

    me lembro que foi o Raul Figueredo junto, que era o maridoda [Maria]Carmem (irm de Raul Amaro), fomos nstrs. Chegando no apartamento, eu no sei se subi com oPerazzo ou se eu subi sozinho, mas acho que subi com ele.Eu peguei minhas coisas e descemos, o Raul [Figueredo]estava l embaixo, conversamos um pouco e voltamos parao apartamento da sogra do Perazzo. Ficamos l um tempo,claro que conversando sobre o assunto, que era o que tavamobilizando a gente naquele momento e quando estvamos

    almoando tocou o telefone e era o Raul [Amaro]. A deuum alvio danado, eu lembro a expresso do Srgio de alvio.Ns estvamos em uma sala onde estava a mesa do almooe o telefone no era exatamente no mesmo lugar, mas era nocorredor. Se a pessoa falasse no telefone, voc no via e foiisso que aconteceu. Agente ouvia a voz do Srgio [Perazzo] ede repente ele teve a reao de alvio, veio at a parede comuma cara de sorriso e falou: o Raul!, a ele voltou a falarno telefone, e [depois] ele voltou [de novo com a cara na

    parede] e falou: mas ele t com a polcia..., a foi horrvel.Foi a que teve a histria, na passagem dele [Raul Amaro]por ali, que ele disse que tinha estado ali numa festa e quetinha esquecido a chave dele l, que era aquela chave que

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    tinha cado comigo, porque a chave dele ele tinha deixado

    com o Lessa.

    Eduardo Lessa, recorda a partir do momento em que foi

    acordado pela manh por Ismail:

    De manh cedo, fui acordado por um rapaz que eu noconhecia, com sotaque paulista, que me deu a notcia deque o Raul e mais duas pessoas que se encontravam com eleno carro tinham sido detidos pela polcia. Ele me disse queformavam um grupo dividido em dois carros. Ele, que estavano outro carro, prximo ao do Raul, tambm tinha sidomomentaneamente retido, mas liberado a seguir. Disse que

    tinha procurado um amigo do Raul para relatar o ocorrido eque esse amigo tinha pedido a ele que me avisasse e dissesseque eu deveria comparecer imediatamente sua casa. Esseamigo do Raul, formado em medicina, morava na AvenidaOswaldo Cruz, no Flamengo. Fomos at l.

    Eu j conhecia esse mdico, cujo nome eu nem recordavana data do nosso primeiro encontro, mas que vocs merelembraram depois. Eu sabia que ele era pessoa de plenaconana do Raul, diferentemente do rapaz que fora me

    avisar, que eu nunca tinha visto anteriormente. Ao nosencontrarmos em casa desse mdico, que, cou claro,

    sabia que eu e o Raul estvamos engajados em algumtipo de militncia de esquerda, me declarou que iria ato apartamento do Raul, em Santa Teresa, para recolherqualquer material comprometedor que l houvesse. Eume ofereci para ir com ele, mas, com rmeza e cortesia,

    ele deixou claro que preferia fazer isso sem mim. Decertotemia, com razo, que, se a polcia aparecesse nessa hora, a

    situao caria mais complicada para todos. Como eu nopodia mesmo ir at l se no fosse com ele, pois estava semmeu carro, concordei em afastar-me e deixar a operao deresgate do material por conta dele.

    (...)

    Embora talvez desnecessrio, vale mencionar por que noretirei eu mesmo esse material, com o auxlio do rapazque me fora avisar da priso do Raul. O motivo era que eu

    no sabia de quem se tratava. Somente ele, de ns dois, nomomento, que dispunha de um carro, e seria arriscadorevelar a um desconhecido que o Raul guardava consigo essematerial subversivo; da ter eu concludo que seria melhor

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    fazer isso com a ajuda do amigo mdico, sabidamente deconana, que eu encontraria logo a seguir. Vale destacar

    que, de carro, em uma manh de domingo, bem cedo, otrajeto de ida e vinda entre a Rua Santa Cristina e a Avenida

    Oswaldo Cruz levava poucos minutos.

    Srgio Perazzo, que teria sido procurado por Ismail nodomingo, dia 1 de Agosto, pela manh, na verso de Ismail,e por ele e por Lessa, na verso deste, lembra que:

    O outro carro com nosso amigo, que tambm era engenheiro,mas com carteira do CREA em dia, foi liberado. Para se dartempo para pensar, ele rodou pela cidade at as seis horas,

    hora em que achou razovel me telefonar.Contou-me, ento, que no apartamento do Raul tambmestava hospedado o Lessa. Lessa era um colega de turmado Raul que havia se metido numa organizao clandestina,embora no soubssemos at que ponto era o seucomprometimento.

    Estvamos diante do seguinte problema: o mapa inocentepoderia ser interpretado, como de fato foi, como um mapa

    preparatrio para assalto a algum banco ou sequestro,o que, na poca, acontecia frequentemente. Era bvio queo apartamento do Raul seria revistado. No s o Lessaseria encontrado, como a mala deste amigo que estavahospedado l e que poderia ser incriminado de graa. Eraurgente avisar o Lessa pessoalmente (ele no atenderia umachamada telefnica), e tirar a mala do apartamento; e foi oque zemos imediatamente. Por muito pouco no entramos

    numa grande fria (seramos presos como cmplices) porque,

    meia hora depois que samos de l, incluindo o Lessa, quecou por conta prpria, agentes do DOPS, na presena do

    prprio Raul, revistaram o apartamento de cabo a rabo.

    Um pouco antes dessa operao de resgate e revista, aindana casa da minha sogra, recebi um telefonema do Raul,provavelmente do lugar onde estava preso. Neste telefonemaRaul me perguntou se tinha esquecido a chave de sua casana festa e eu disse que sim. Combinou ento de passar ondeeu estava para apanh-la. Foi neste intervalo curto de tempo

    que avisamos o Lessa, resgatamos a mala e voltamos para acasa da minha sogra.

    Logo depois de detido na blitz da rua Ipiranga, Raul

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    Amaro permaneceu preso durante toda a manh dedomingo, possivelmente no DOPS-GB. Por volta da hora doalmoo, foi levado casa de seus pais na Gvea. De acordo

    com relato registrado por sua me:Passava das 13,00 horas quando Raul Amaro apareceu emcasa de seus pais procura de uma chave do apartamento,acompanhado da rdio-patrulha. Seus pais despediram-seconantes, esperando que voltasse da a pouco. Logo que

    lesaiu, no meio das conversas da famlia perplexa, surgiua estria dos mapinhas que teriam ocasionado a priso.Seus pais resolveram seguir atrs da rdio-patrulha paradiscutir o ridculo da questo, mas, chegados porta de seu

    apartamento, no puderam entrar. O mesmo aconteceu como cunhado, Raul Figueiredo Filho, advogado. s 20,00 horas,Raul Amaro foi levado algemado na rdio-patrulha pelaturma do Sr. Mrio Borges que negou dizer para onde serialevado, dizendo ser assunto da competncia do ExrcitoNacional.

    Raul Amaro foi levado a casa de seus pais, porque, deincio, armara polcia que l residia; depois, quando

    os policiais constataram que isso no era verdade, alegouque precisava pegar a chave do seu apartamento. Com essepretexto, conseguiu ligar para Srgio Perazzo e perguntarse no havia esquecido a chave na festa. Com essa desculpaele conseguiu duas coisas importantes: a primeira foi avisaros pais de que estava sendo preso; a outra, no s ganhartempo para que os amigos que estavam hospedados emseu apartamento, em especial Eduardo Lessa, pudessem

    sair, mas tambm retirar todo material comprometedor, eassim proteger a todos.

    Nos dias que se seguiram priso, seus pais tentaramsem sucesso, localizar para onde teriam levado o lho elogo contrataram Marcelo Cerqueira, conhecido advogadode presos polticos, para que o defendesse. Nos registrosfeitos por Mariana, ela diz:

    Segunda-feira, 02 de agsto, a famlia e um advogadotentaram localiz-lo intilmente, o mesmo acontecendonos dias subsequentes. Foi feita uma perfeita cortina - nose tinha informao - de onde estava, mas tdas as notcias

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    Priso A histria oral 55

    diziam que estaria muito bem tratado, pois no havia maistorturas! Por duas vzes, foi insinuado por militares que,sendo rapaz muito inteligente e intelectual, poderia ser ocrebro do terrorismo! (grifos no original)

    Sobre a insinuao feita pelos militares, de queele poderia ser o crebro do terrorismo, Maria Coletarecorda que nos contatos de Mariana com os militarespara receber notcias de seu lho, em algum momentochegaram a sugerir que Raul Amaro seria o lugar-tenentede Carlos Lamarca. Isso gerou tal estado de tenso queo advogado Marcelo Cerqueira disse aos seus pais que o

    caso era muito grande e que ele sozinho no daria conta.Foi ento que eles contrataram outro advogado, de perlmais conservador, mas que tambm no pde fazer nada.A acusao dos militares no passava de uma grandefalcia, cuidadosamente montada para dar ao caso maisimportncia do que na realidade tinha, mas isso tema queabordaremos mais adiante no itemAo de Infraestrutura -Fardamento.

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    Priso Os documentos

    DOPS

    Segundo o Relatrio14produzido pelo chefe do Serviode Buscas Ostensivas do Departamento de Ordem Polticae Social (DOPS/DO/SBO), Mrio Borges, produzido entre osdias 02 e 06 de agosto de 1971, Raul Amaro foi preso juntocom Saididin Denne e sua esposa Yone da Silva Denne,na madrugada do dia 1 de agosto em atitude suspeita

    durante a realizao de uma Operao Pra-Pedro15na rua Ipiranga no bairro das Laranjeiras. Assim elesdescrevem o momento da abordagem:

    Na revista procedida no interior do auto e em seus ocupantes,foram encontrados no porta-luvas do referido auto, trscroquis de ruas do Estado de So Paulo-Capital, e nablsa de Yone, croquis de ruas do Estado da Guanabara,que posteriormente foi identicado como da localizao da

    verdadeira moradia de Raul Amaro.

    Na Informao16do SBO/DO/DOPS do dia 18 de agosto,que contm uma verso sobre a priso produzida por MrioBorges aps a morte de Raul Amaro, consta que os agentesdo DOPS, ao realizarem um interrogatrio preliminar,vericaram agrante divergncia no endereo verdadeirode Raul Amaro. Enquanto ele armava morar na rua MaryPessoa, n 175, na Gvea (residncia de seus pais), Yonearmava que o croqui encontrado em seu poder, com oendereo da rua Santa Cristina, em Santa Tereza, orientavachegar casa dele [Raul].

    Logo depois de preso na blitz da Rua Ipiranga, RaulAmaro foi levado ao DOPS e l chado, colhidos os seusdados pessoais e tiradas as fotos de identicao, com ainscrio DOPS-GB 12.936 1-8-71. Nesse momento, vrios

    documentos so produzidos, como o Boletim de Presos- Chapa 12.936, da Secretaria de Segurana Pblica doEstado da Guanabara, a identicao datiloscpica, todoscom data do dia 1 de agosto.

    14 APERJ. FundoPolcia Poltica, SetorSecreto, Pasta 89, .421/422.

    15 No encontramosuma informaoprecisa sobre do queseja operao Pra-Pedro. No contextousado, bem como emoutros documentospesquisados no fundoPolcia Poltica doAPERJ, so operaesde blitz em pontosestratgicos da cidadecom o m de fazerum pente-no para

    prender opositoresdo regime.

    16APERJ. FundoPolcia Poltica, SetorSecreto, Pasta 89, .425/427.

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    bem possvel que Raul tenhaprestado declaraes j nesseprimeiro momento no DOPS, tendo

    que se explicar, mas no h nenhumdocumento sobre isso. possveltambm que Raul Amaro tenhaapanhado, mas no a ponto de deixarmarcas visveis. O general Adyr Fizade Castro diz que Raul Amaro haviasido chicoteado com o no DOPS17.Como veremos adiante, Raul levado

    para a casa dos pais horas depois procura da chave de seu apartamento,mas ningum notou qualquer marcaaparente. Alex Polari de Alverga,que estava preso no DOPS naquelapoca, em testemunho dado na aodeclaratria movida por Marianacontra a Unio, possivelmente se

    refere a esse primeiro momento deRaul Amaro na carceragem do DOPS:

    estava preso no DOPS, quando da priso de Raul Amaro; queviu quando chegou, conduzido por policiais da Secretaria deSegurana; que era um m de semana e que Raul chegou

    bastante espancado e amendrontado, mas que andava efalava; que no dia seguinte ao da priso, Raul foi retirado doxadrez do DOPS, e levado por policiais da PE.18

    J Aquiles Ferrari, tambm em testemunho no processo,lembrou que:

    conheceu Raul Amaro no DOPS, quando o mesmo ali chegoupreso, isto porque o depoente tambm estava preso naquelaocasio; que Raul chegou ao DOPS andando normalmente...que Raul saiu do DOPS andando com seus prprios ps; queRaul ao sair do DOPS se despediu dos outros presos, estandoperfeitamente lcido.19

    Preso por volta da 1h30 da madrugada do dia 1 deagosto (um domingo), a Informao do DOPS/DO/SBOdiz que os agentes do DOPS compareceram a Rua Mary

    17 Os anos de chumbo:a memria militar sobrea represso/ Introduoe organizao MariaCelina DAraujo, GlaucioAry Dillon Soares, CelsoCastro. Rio de Janeiro:Relume-Dumar, 1994.p. 70.

    18 Ao Declaratriann 241.0087/99, 9 Varada Justia Federal do Rio

    de Janeiro, s. 214.

    19 Ao Declaratria nn 241.0087/99, 9 Varada Justia Federal do Riode Janeiro, s. 217.

    DOPS - Servio Tcnico -Chapa n 12936

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    Priso Os documentos| DOPS 59

    Pessoa, n 175 - Gvea em companhia do detido, a m devericar qual era seu real endereo, mas no detalham omomento em que isso ocorreu. Entretanto, pelo relatrio

    produzido por Mariana, sabemos que isso ocorreu porvolta das 13 horas.

    A referida Informao tambm no menciona o fato,trazido por Srgio Perazzo e Ismail Xavier, sobre essaprocura pela chave de seu apartamento. Diz apenas quea passagem na casa dos pais teria por objetivo conferir oreal endereo de Raul Amaro. Mas a histria oral contaque, por obra do acaso, a hospedagem de Ismail na casa de

    Raul e todo aquele episdio da cpia da chave e da procurapor ela, serviram de elementos para que Raul criasse umlibi que no s ganhasse tempo antes de ir com a polciaao seu apartamento, como servisse de alerta para Lessaabandonar o local e retirar o material comprometedor.

    Depois de passar pela casa onde estava hospedado SrgioPerazzo, sempre com a desculpa de pegar a chave que

    tinha esquecido na festa do dia anterior, nesse mesmo local- na verdade, a dita chave estava em poder de Ismail - Raulfoi levado pelos policiais para sua casa em Santa Tereza.Na revista ao apartamento, os agentes do DOPS disseramter encontrado farto material subversivo, destacando-se um mimegrafo, dois transmissores e Receptores derdio de construo caseira, farta literatura de politizaoSubversiva, impressos subversivos e jornais clandestinos,

    todo esse material proveniente das organizaessubversivas MURD e MR-8.

    Os pais de Raul, Mariana e Joaquim Rodrigo, que noseu prprio carro haviam seguido a rdio-patrulha at oapartamento da Santa Cristina, no tiveram permissodos policiais para entrar, mas permaneceram do lado defora do prdio, esperando para ver o que aconteceria comseu lho. Pelo relatrio de Mariana, Raul Amaro cou atarde inteira no apartamento com os policiais, at cerca de20h, quando ento foi levado algemado na rdio-patrulhapela turma do Sr. Mrio Borges, que se negou a dizer para

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    onde seria levado, dizendo ser assunto da competncia doExrcito Nacional.

    No foi possvel descobrir qual o lugar exato para o

    qual Raul teria sido levado sob a custdia de agentesde segurana, mas de se supor que para algum localclandestino. desse momento que surge a primeiraDeclarao do Interrogado20 aos agentes do DOI-CODI doI Exrcito, com data ainda do dia 1 de agosto de 1971, naqual conta a histria de seu envolvimento com a polticae cria o personagem Renato Marcondes Pedrosa paraesconder suas relaes com Eduardo Lessa e o MR-8.

    Clandestino, pois saindo de suacasa s 20h sob a custdia do ExrcitoNacional, segundo informou MrioBorges, levou em torno de 4 horas paraque Raul voltasse ao DOPS, conformeComunicao21 feita pelo delegadoWalter Dantas, s 01: