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Facebook: uma mesa de debates ou uma arena política digital?Facebook: a panel discussion or political arena digital?DOI

Luiz Ademir de OLiveirA, ALexAndre AugustO dA COstA, dAiAnA mAriA veigA sigiLiAnO

resumO

A introdução das redes sociais digitais no cotidiano das sociedades con-temporâneas tem suscitado debates nos campos da Ciência Política e da Comunicação sobre a influência destes meios na munição de elementos para uma maior participação democrática. Buscando contribuir nesta pauta, este trabalho trava uma discussão teórica sobre as transformações do conceito de deliberação. No segundo tópico, são discutidas as questões de poder que permeiam as ações e comentários dos internautas. No último eixo temático, são abordados como as novas ferramentas criam condições e uma atmosfera para a configuração de espaços deliberativos, e ao, mesmo tempo, propiciam a reprodução de uma arena que se trava no espaço político para as redes (arena política digital). Ao final, é feita a coleta — pela mineração de dados — e a análise de conteúdo dos comentários da divulgação dos áudios da conversa entre o ex-presidente Lula e Dilma Rousseff e na fanpage do portal G1— às vésperas de seu afastamento da presidência da República em 2016.

Palavras-chave: deliberação; arena Política; conflitos, violência simbólica; redes sociais digitais.

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AbstrACt

The introduction of digital social networks in everyday life of contempo-rary societies, has sparked debates in the fields of political science and com-munication about the influence of these media on the ammunition elements for greater democratic participation. Seeking to contribute to this agenda, this work hangs a theoretical discussion on the transformation of the concept of deliberation. In the second topic, the power issues that permeate the actions and comments of Internet users are discussed. In the last thematic area, they are covered as new tools create conditions and atmosphere for the configura-tion of deliberative spaces, and, simultaneously, provide playback of an arena that is fought in the political space for the networks (digital political arena). Finally, the collection is made - the data mining - and the content analysis of comments to the disclosure of the audio conversation between the former president Lula and the president Dilma Rousseff and the fan page of the portal G1 on the eve of his departure from the presidency the republic in 2016..

Key words: deliberation, the Political arena; conflict; symbolic violence; digital social networKs

1. COnsiderAções iniCiAis

Este artigo busca fazer um debate teórico e uma aplicação empírica sobre como se dão as relações discursivas nas redes sociais digitais a partir do encon-tro de duas abordagens distintas: argumentativa (deliberacionista) e pluralista agonística. No primeiro eixo é traçado uma linha histórica sobre o surgimento e as mudanças no conceito de deliberação, sobretudo a partir dos principais nomes da teoria (HABERMAS, 1984; RAWLS, 1993) – que até então tinham um viés decisionístico1 – para uma visão dos aspectos argumentativos da teoria (MENDONÇA, 2011; AVRTIZER, 2007; MAIA, 2000). Em contraponto são abordadas as críticas sobre a viabilidade e a aplicação empírica deste sistema (MIGUEL, 2011; HONNETH, 2009). Este caminho conduz este artigo a pensar em outro eixo, em que são consideradas como constituintes da conversação publica aspectos de poder e conflito. Neste ponto é apresentada a proposta plu-ralista agonista de Chantal Mouffe (2001), autora que defende que as diferenças

1 Conceito utilizado por Avrtzer (2000).

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não devem ser suprimidas, mas colocadas à mesa em meio a regras de respeito às opiniões alheias, com vistas a um debate maduro.

Este suporte teórico lançará luz a um recorte empírico de grande repercus-são política recente no Brasil: a reverberação entre os internautas na fanpage2 do Facebook do portal de notícias G1 (pertencente às Organizações Globo) sobre os diálogos entre a presidente Dilma Rousseff (PT) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vazadas para a imprensa3, autorizados ilegalmente pelo juiz Sérgio Moro4, responsável pela condução da Operação Lava Jato. Esta opera-ção apura desvios de dinheiro público na Petrobras. O grampo, divulgado no dia 16 de março – um dia antes da presidente da República nomear o ex-pre-sidente Lula para ministro da Casa Civil –, gerou muita polêmica, pois a tônica que foi explorada nos noticiários era de que o novo subordinado de Dilma acei-tou o cargo para fugir da jurisdição do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba com receio de ser preso. A escolha deste artigo para este recorte foi feita, além dos fatos elencados acima, porque o portal de notícias G1 (aqui em específico a fanpage do Facebook) pertence ao grupo Globo, detentora do canal de TV que divulgou os grampos.

A hipótese que tentaremos confirmar ou refutar neste recorte de grande repercussão política é de que na internet – principalmente por meio de redes sociais digitais como o Facebook – apesar de fornecer elementos comunicati-vos e discursivos para o apoderamento do cidadão e a construção de um debate democrático e plural, também pode ser um terreno fértil para conflitos que se configuram, às vezes, em uma violência simbólica de um discurso dominante sobre outros mais frágeis ou menos aceitos. Dada a importância e o alcance da internet5 na vida cotidiana dos brasileiros, torna-se imprescindível observar

2 Páginas de fãs do Facebook feitas exclusivamente para personalidades, autoridades políticas e empresas..

3 Disponível em: <http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2016/03/pf-libera-documento-que-mostra-

ligacao-entre-lula-e-dilma.html>. Accesso em 5 jul. 2016.

4 A conversa entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a respeito

do termo de posse dele como ministro-chefe da Casa Civil foi feita quase duas horas depois de o juiz

federal Sérgio Moro mandar a Polícia Federal suspender as interceptações telefônicas de Lula. Segundo

um documento da própria Polícia Federal, o diálogo entre Dilma e Lula foi interceptado às 13h32, desta

quarta-feira (16). No entanto, o juiz Sérgio Moro havia determinado às 11h20 o fim das interceptações

dos terminais telefônicos ligados ao ex-presidente. Disponível em: <http://g1.globo.com/pr/parana/

noticia/2016/03/conversa-entre-dilma-e-lula-foi-grampeada-apos-despacho-de-moro.html>. Acesso

em 06 jul. 2016.

5 Dados de 2014 divulgados em 2016 mostram estes números. Disponível em: <http://g1.globo.com/

tecnologia/noticia/2016/04/internet-chega-pela-1-vez-mais-de-50-das-casas-no-brasil-mostra-ibge.

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como se manifestam os diálogos entre os internautas através de comentários nas redes sociais digitais.

2. POder e COnfLitOs: A PersPeCtivA deLiberACiOnistA

2.1 O PênduLO dO deLiberACiOnismO – mudAnçAs em um COntinum

Para compreendermos com clareza como se desenvolveu, ao longo do tempo, o conceito de deliberação, cabe recorrer ao notável percurso tão bem explicitado por Leonardo Avritzer (2000) sobre as mudanças na interpretação teórica: de um forte viés decisionístico – até meados dos anos 1970 – para um entendimento mais argumentativo. Na primeira metade do século XX, a representação demo-crática entrou em crise. As sociedades se ampliaram e diversificaram. As diferen-ças culturais nunca tiveram tão latentes.

Max Weber (1999) observava este movimento do avanço democrático com ceticismo. Defendia que os conflitos entre tradições culturais eram irreconciliá-veis e não poderiam ser solucionados no debate político e que caberia à ciência a resolução dos mesmos. O autor argumentava que a racionalidade administra-tiva – certo modus operandi em que a burocracia tal qual ocorre nas empresas, era essencial para o funcionamento do sistema capitalista e que a estimulação do debate e a abertura de decisões ampliadas aos trabalhadores dificultariam o progresso (WEBER, 1999). Nesta mesma vertente, Joseph Schumpeter (1961) defendia que não era possível resolver conflitos racionalmente (pela ciência), pois as concepções e visões de vida de cada um se localizam fora do alcance da lógica. No pensamento de Schumpeter, dois elementos do deliberacionismo decisionís-tico despontariam: a rejeição de formas públicas de discussão e argumentação e a identificação das práticas decisórias com o processo de escolha de governantes (AVRITZER, 2000).

No livro “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, Schumpeter (1961) descarta as arenas públicas de conversação e enfatiza a identificação de práticas decisio-nísticas na eleição dos governantes (algo que se aproxima da “vontade da maio-ria” de Rousseau). Schumpeter (1961) também era cético sobre a construção de uma opinião bem elaborada por uma maioria por meio da argumentação. Neste sentido, Schumpeter defende que a deliberação democrática não deve ser res-trita a uma representação de várias vontades dispostas na arena política, mas sim por uma autorização (pelo voto), para que os governantes tomem suas decisões

html>. Acesso em 6 jul. 2016.

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seguindo suas próprias convicções (AVRITZER, 2000). Esse pressuposto teórico coaduna com o pensamento de Bernard Manin (1995), sobre a representação do tipo parlamentarista inglês, em que os representados elegem os representantes, não para defenderem suas demandas particulares, mas como governantes autô-nomos, que não têm que dar satisfação dos seus atos para os eleitores, tendo que a natureza da representação é de um mandato livre.

As indicações de Schumpeter vão ao encontro de outro pensador, o sociólogo Anthony Downs (1999). Por meio da teoria que ficou conhecida como “Teoria da Escolha Racional”, defendia que governantes e eleitores agem de forma inteligível em um processo de complementaridade. Os primeiros, pertencentes a uma elite política (intelligentsia) – são motivados por diversos fatores, entre eles, visibili-dade e uso do poder, e precisam do voto para concretizarem seus objetivos. Já os segundos, nos processos eleitorais, elaboram um ranking de preferências em que calculam quais candidatos têm mais condições de atender a maioria destas demandas e fornecer-lhes benefícios: se são os que estão no poder, ou os que são da oposição (AVRITZER, 2000). Desta forma, Downs (1999) ignora o aspecto argumentativo do processo deliberativo, atribuindo à escolha racional – diferen-temente de um diálogo ou interação entre os indivíduos – o processo decisionís-tico, privado e particular, em que ideias pré-concebidas a respeito dos políticos são as que importam nas eleições.

Os nomes do front que resgatariam os princípios argumentativos da teoria deliberacionista (AVRTZER, 2000), embora não sejam os fundadores do conceito, como salienta Mendonça6 (2014) – são John Rawls (1993) e Habermas (1984). Enquanto o primeiro direciona seu olhar sobre o papel do indivíduo no processo democrático pelos princípios da justiça, da escolha racional, e o que denomina como “véu da ignorância”; o segundo ocupa-se em observar o movimento cole-tivo de deliberação por meio de uma esfera pública argumentativa e da ação comunicativa para a resolução de conflitos, colocando as diferenças em suspen-são. Porém, ambos acreditavam que a deliberação caminha no sentido da busca de um consenso.

O filósofo John Rawls (1993), no trabalho “Teoria da Justiça”, ainda inspirado na teoria da “escolha racional”, defendia o que chamava de “racionalidade delibe-rativa”, que consiste em um preceito de justiça, que envolve um exercício mental

6 Mendonça (2014) argumenta no paper “Antes de Habermas, para além de Habermas: uma abordagem

pragmatista da democracia deliberativa”, que muitas das características atribuídas ao pensador alemão,

na verdade, encontraram inspiração em correntes pragmatistas, principalmente de pensadores

como Peirce e Mead. Ler mais em: <http://www.encontroabcp2014.cienciapolitica.org.br/resources/

anais/14/1403120307_ARQUIVO_MendoncaABCP2014.pdf>. Acesso em 18 jul. 2016.

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em que “as opiniões ou julgamentos relevantes são aqueles produzidos em con-dições fa¬voráveis para deliberações e julgamentos em geral” (RAWLS, 1993, p. 58). Ainda neste trabalho, o teórico defendia que a racionalidade deliberativa dos indivíduos era formada a partir dos anseios de um mundo melhor si mesmos e para as futuras gerações. Nesta visão, segundo o autor, “nosso bem é determi-nado pelo plano de vida que adotaríamos com racionalidade deliberativa plena se o futuro fosse adequadamente previsto e adequadamente realizado na imagina-ção” (RAWLS, 1993, p. 421).

A harmonia social, que visa ao consenso e ao bom convívio entre os indiví-duos, estaria assegurada pelo o que Rawls chama de "véu de ignorância", que con-site no fato de que "ninguém possa tirar vantagens ou desvantagens da escolha dos princípios por sorte, ou por circunstâncias sociais” (RAWLS, 1993, p. 38). Neste ideal de sociedade regulada por uma concepção pública ou senso de jus-tiça, cada um reconheceria o seu papel, aceitaria os mesmos princípios e acre-ditaria que as instituições seriam guardiãs dessas conquistas. Neste sentido, o teórico argumenta que “é de se esperar que, a partir do momento que vimos a visão de contrato, que a teoria da justiça seja parte da teoria da escolha racional” (RAWLS, 1993, p. 58). Em outras palavras, a ideia de uma posição inicial neutra (véu de ignorância) e a busca de um consenso são constituintes de uma relação de fair play em que os princípios de justiça se transformam em uma teoria da escolha racional.

Neste movimento, as diferenças são suspensas em nome de uma deliberação decisionística. Esta concepção de um consenso hipotético, que também se apro-xima dos pressupostos rousseanos, não é a única do pensador no livro “Teoria da Justiça”. Rawls abre, neste ponto, timidademente, um espaço para outra visão em que contesta a qualidade da decisão da maioria ao indagar que “[...] a troca de opiniões com os outros questiona a nossa parcialidade e amplia a nossa perspec-tiva” (RAWLS, 1993, p. 358).

Duas décadas adiante, em “Liberalismo Político”, ao debater as diferentes con-cepções de justiça, desde os gregos (Platão e Aristóteles), até autores como Kant e Mill, Rawls supera a própria teoria da escolha racional, que ignorava as diferen-ças e admite que [nos países liberais] a presença do conflito se faz presente pelo encontro de visões de mundo legítimas e abrangentes. Introduz então a ideia da razoabilidade (RAWLS, 2000).

Se em “Teoria da Justiça”, os valores dos indivíduos assumiam um aspecto particular e desinteressado com o todo, em “Liberalismo Político”, o autor reco-nhece a natureza do conflito e identifica que há interesses em disputa e que é pre-ciso uma relação contratual que supere estas diferenças. As cláusulas deste docu-mento devem estar expressas na Carta Magna ou Constituição de um país em

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que: 1) as questões de justiça devem ser resolvidas à luz dos valores políticos; e 2) que os princípios expressos neste acordo devem ter peso suficiente para superar quaisquer outros valores que possam entrar em conflito com este regime.

Ao admitir que os conflitos são importantes para balizar a sociedade, Rawls defende que uma doutrina abrangente que compreenda um amplo leque de valo-res e virtudes do homem também deve fornecer ferramentas para o exercício prático da razão. Dessa forma, pode ajudar a construir uma cidadania democrá-tica em que “cidadãos livres e iguais podem razoavelmente exigir uns dos outros com respeito às suas visões abrangentes e razoáveis” (RAWLS, 2000, p. 106).

Os pressupostos lançados por Rawls, constituintes de uma racionalidade deli-berativa, atacam, de certa forma, os calços da estrutura decisionistica da delibe-ração, pois substituem a ideia de que o consenso somente se alcançaria no voto e lançam, como proposta alternativa, uma visão de que este entendimento também é conquistado no choque de diferentes visões de mundo. Desta forma, Rawls (2000) abre a cancela para um rico debate sobre a deliberação argumentativa. Porém, ao mesmo tempo, surge uma questão. Quais seriam estes espaços alterna-tivos em que se travam estas disputas?

Este vácuo é perfeitamente aproveitado pelo sociólogo alemão Jürgen Habermas. Em seu primeiro trabalho, “Mudança Estrutural da Esfera Pública”, o sociólogo identifica o surgimento de um espaço argumentativo que ele deno-mina pelo mesmo nome. Esta esfera, segundo Habermas (1984), é uma inven-ção burguesa do século XVIII e é constituída por locais de conversação de temas relativos aos cidadãos como política, economia, e que ocorre por exemplo em bares, cafés e salões. Nestes locais, os indivíduos discutem os temas da vida e utilizam-se de estratégias discursivas para tentar sensibilizar os governantes dos conflitos e anseios da sociedade. Os representantes, por sinal, ficam sob o radar dos representados e, em alguma medida, são pressionados para dar satisfações de seus atos por meio da publicidade de suas ações. A esfera pública preenche, na visão de Habermas, a lacuna entre o universo político do Estado e a vida privada dos cidadãos e produz como um dos seus efeitos uma opinião pública calcada na argumentação ou fala externada das pessoas.

Este rico conceito de esfera pública Habermas ainda passaria por transforma-ções significativas anos mais tarde. O consenso, um dos objetivos de uma grande esfera pública, começa a ceder lugar a um espaço deliberativo, discursivo, em que o que importa é a “qualidade deliberativa das trocas discursivas em fóruns exclusivos, como parlamentos ou cortes judiciais [...] E mesmo a negociação e a barganha ganham espaço num modelo em que o consenso deixa de ser tão cen-tral” (MIGUEL, 2011, p.8).

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Essa mudança é evidente em “Teoria da ação Comunicativa”, em que Habermas (1987) — como bem analisou Avrtzer (2000) — defende a ideia de um consenso a ser buscado, não pela suspensão de argumentos, mas, ao contrário, pela exposição pública destes posicionamentos por meio de dois mecanismos: a ação comunicativa e a reflexividade. O primeiro consiste em apreender o mundo e transformá-lo por meio da expressão das reivindicações e da experiência empí-rica adquirida desta prática discursiva entre os sujeitos. Já a segunda parte do pressuposto de que as trocas entre os indivíduos se dão por meio de fluxos comu-nicativos. Quando estes canais são quebrados por meio de arguições arbitrárias, é necessário que entre a “ação comunicativa” para restabelecer o diálogo e buscar o entendimento ou mesmo o consenso.

Com esta estrutura, a deliberação sairia de um caráter estritamente individual utilizado nas eleições para tornar-se uma forma discursiva, permanente do exer-cício crítico. Porém, Habermas (2004) alerta que para o sistema de cooperação entre os indivíduos não se reduzir a uma esfera pública burguesa deve se pautar em fóruns organizados voltados para um viés deliberativo:

A deliberação refere-se a certa atitude voltada para a cooperação social, ou seja, a essa abertura à persuasão mediante razões relativas às pretensões dos outros como às nossas próprias. O meio deliberativo é uma troca bem-intencionada de visões — incluindo os relatos dos participantes sobre sua própria compreensão de seus respectivos interesses vitais. (HABERMAS, 2004, p. 283).

Estes espaços de discussão não devem apenas evitar conflitos e buscar o con-senso, mas respeitar as diferenças entre os participantes e estabelecer acordos, a fim dos cidadãos levarem com mais clareza e legitimidade suas opiniões e rei-vindicações aos governantes. Desta maneira, Habermas dá um salto significativo em sua teoria tratada no livro “Mudança Estrutural da Esfera Pública” décadas antes. A invenção burguesa se ramificou e está presente de forma complexa em outros espaços da sociedade ligando periferias aos centros de decisão do poder.

Apesar de identificar que há inúmeros espaços deliberativos presentes nas esferas públicas, Habermas não estabelece o arcabouço deste sistema7, ou seja,

7 Esta lacuna, na visão de Leonardo Avritzer, deve ser exercida pela sociedade civil organizada (partícipe)

por meio de conselhos e ONGs e ganha legitimidade à medida que adquire “identidade ou solidariedade

parcial exercida anteriormente” (AVRITZER, 2007, p. 458). Ainda na visão deste pensador, ao fazer

uma releitura de Urbinati (2010), os representantes, longe de serem uma casta intelectual distante da

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não institucionaliza como se daria essa democracia deliberativa. Esta omissão é criticada pelo cientista político Luís Felipe Miguel (2011), que acredita que, por mais que se tenha avançado com o reconhecimento de espaços de inserção “das esferas da sociedade civil como espaço de efetivação das práticas deliberativas, [..] as exigências do processo deliberativo continuam bem esvaziadas, numa reação cada vez mais extremada às críticas ao utopismo do primeiro momento” (MIGUEL, 2011, p.8). A luta por representação, apesar das críticas que Miguel (2011) faz ao deliberacionismo, não caminha em uma direção oposta, mas para-lela com esta outra corrente de pensamento. .

2.2 A questãO dO COnfLitO: LutAs PeLO POder nAs ArenAs POLítiCAs

Um dos grandes críticos da visão habermasiana é Axel Honneth, que o suce-deu na Escola de Frankfurt em 1996. Este denuncia que Habermas pautou suas teses de sistema e de mundo da vida, mais voltado para um viés teórico-analítica do que empírica e que ignorou o fato de que as disputas se dão mais por con-flitos do que por consenso na busca de reconhecimento social. Honneth (2009) busca – ao contrário de Habermas – nos conflitos, os aspectos emotivos, morais e de autoestima, a maneira como os indivíduos estabelecem formas de reconhe-cimento e princípios de justiça que sejam legítimos ou não. Mais precisamente, tenta compreender como se originam o desrespeito, os ataques de violência às identidades e às convicções de cada um e defende que o entendimento está pau-tado não no consenso, mas em uma forma de reconhecimento mútuo em que estas diferenças são mantidas.

Apesar de não ser a preocupação central deste artigo, cabe salientar que há uma corrente em ascensão da junção destas duas visões distintas de parti-cipação cidadã (a deliberação e a luta por reconhecimento). A primeira serve como um mecanismo para que os indivíduos lidem com as tensões, enquanto a última é importante para que os mesmos questionem os reais valores de justiça e busquem a autorrealização (MENDONÇA, 2011). É neste sentido que Ricardo Fabrino Mendonça defende que estas visões, apesar de antagônicas, não são irreconciliáveis:

Esses apontamentos evidenciam que a democracia deliberativa não precisa ser entendida como um mecanismo de agregação de diferenças por meio de uma espécie de

realidade de onde vivem, se legitimam pela “afinidade ou identificação de um conjunto de indivíduos

com a situação vivida por outros indivíduos” (AVRITZER, 2007, p. 457).

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pasteurização discursiva [...] A deliberação que defendemos é receptiva à diferença exatamente porque não requer o apagamento do eu [...] Visto que tais lutas se conformam, muitas vezes, na expressão pública da diferença que não aspira ao alcance de consensos, mas ao reconhecimento de perspectivas, valores, crenças e preferências, elas podem ser buscadas deliberativamente [...]. [...]. Desta forma] deliberação e reconhecimento não só podem caminhar juntos como se enriquecem mutuamente (MENDONÇA, 2011, p.7).

Ao contrário de Mendonça – apesar da brilhante defesa que faz em não pola-rizar de forma radical as duas diferentes concepções – Robert Dahl (2012) enfa-tiza que a amenização do teor conflitivo nas disputas políticas não é um caminho viável. Para o teórico americano, à medida que se acirram a competição entre visões antagônicas dos estratos sociais, os conflitos tornam-se mais latentes e antagônicos e defende que a forma de se substituir o consenso está pautada nos direitos individuais conquistados. Na visão de Dahl, os conflitos devem ser acei-tos como elementos constitutivos de uma política democrática. “O conflito torna-se um aspecto inevitável da vida política e o pensamento e as práticas políticas tendem a aceitar o conflito, não como uma aberração, mas como uma caracterís-tica normal da política” (DAHL, 2012, p. 345).

Neste mesmo sentido, Miguel (2011) defende que ignorar a existência de con-flitos seria negar a própria característica da política democrática:

A construção da democracia tanto abraça quanto se contrapõe ao caráter agonístico da luta política. Tal tensão não pode ser eliminada, seja na prática, seja na reflexão teórica, pois a busca de uma democracia isenta do conflito político nega seu próprio caráter democrático (MIGUEL, 2011, p. 27)

Ao interpretar Iris Marion Young (2000), Miguel (2011) ainda defende que, na sociedade, apesar das divergências entre as diferentes perspectivas de mundo, as visões antagônicas podem se complementar por meio do reconhecimento mútuo, que podem produzir, “senão o consenso, ao menos a convivência respeitosa e a superação da unilateralidade cega” (MIGUEL, 2011, p. 33).O cientista político encerra sua crítica ao deliberacionismo ao admitir que considera “um retrocesso o fato de que, na voga da ‘democracia deliberativa’, as concepções críticas sobre a esfera política tenham paulatinamente desinflado o caráter conflitivo da política” (MIGUEL, 2011, p.34-35).

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Facebook: uma mesa de debates ou uma arena política digital?

2.3 guerrA de visões de mundO: umA questãO de POder

Conflitos de interesses de diferentes matizes no escopo social significam rela-ções de poder em disputa. Sobre este aspecto, Chantal Mouffe (2001) chama a atenção de que há uma necessidade latente de se reconhecer esta última dimen-são. Para a autora, na formulação de uma teoria da esfera pública em que o con-senso é obtido de uma forma racional, tem-se ignorado o modelo dominante da política democrática e negado a questão do poder e do conflito como centrais nas formações das identidades coletivas (MOUFFE, 2001). A pensadora fundamenta suas ideias na distinção entre o “político” e a “política” para formar o modelo de democracia ao qual defende, denominado:"pluralismo agonista”. Enquanto teó-ricos como Hanna Arendt veem no político um espaço de deliberação publica, Mouffe identifica nesta esfera uma arena de poder e conflitos. Como define, mais precisamente:

Por "o político", refiro-me à dimensão de antagonismo inerente a todas as sociedades humanas, antagonismo este que pode tomar diferentes formas e emerge em diversas formas de relações sociais. "Política", por outro lado, se refere ao conjunto de práticas, discursos e instituições que buscam estabelecer uma certa ordem e organizar a coexistência humana em condições que são sempre poten¬cialmente conflituosas porque são afetadas pela dimensão do "político"(MOUFFE, 2001, p. 20).

Nesta perspectiva, a política democrática deve trabalhar, não para construir e, ao mesmo tempo eliminar os inimigos, mas em outro sentido, construir formas compatíveis com os valores plurais (MOUFFE, 2001). Para a superação do con-flito e a realização de um modelo democrático pluralista, Mouffe propõe a trans-formação do “antagonismo” existente entre os “inimigos” em um “agonismo” entre “adversários”:

No reino da política isto pressupõe que o "outro" não mais seja visto como um inimigo a ser destruído, mas como um ad¬versário, isto é, alguém cujas ideias nós questionamos mas cujo direito em defen¬der tais ideias não é colocado em questão. Entretanto, esta categoria do adversário não elimina o antagonismo e deve ser diferen¬ciada da noção liberal de competidor, com a qual é às vezes confundida. Um adversá¬rio é um inimigo legítimo, um inimigo com quem nós comungamos

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a adesão aos mes¬mos princípios ético-políticos da democra¬cia [...] Nós podemos dizer que o objetivo da política democrática é transformar o antagonismo em agonismo (MOUFFE, 2001, p. 20-21).

As implicações desta formulação pluralista agonística trazem consequências para a forma como se é feita a leitura da política contemporânea. De maneira contrária ao modelo deliberacionista, o pluralismo agonístico não elimina as pai-xões, visando a um consenso racional, muito menos o seu afastamento para a esfera privada; mas propõe, ao contrário, a mobilização destas tensões na pro-moção de metas democráticas.

Em outras palavras, seria fundamental para uma democracia ter dispositivos capazes de dar vazão e espaço a estas paixões e que permitisse o enfrentamento de visões de mundo diferentes, dentro das regras democráticas, de forma que os indivíduos não vejam o outro como inimigos, mas como adversários.

Uma excessiva ênfase no consenso, unida ao rechaço da confrontação, conduz à apatia e ao distanciamento com relação à participação política. Ainda pior, o resultado pode ser a cristalização das paixões coletivas em torno de questões que não podem ser resolvidas mediante um processo democrático e a explosão dos antagonismos pode deixar em pedaços os próprios fundamentos da civilidade (MOUFFE, 2001, p. 17).

É importante frisar, no entanto, que, na visão de Mouffe, o consenso pre-gado em uma esfera pública democrática não é algo inatingível. Para a autora, ele ocorre em questões pontuais e em determinados contextos históricos. Apesar desta ressalva, Mendonça (2011) vê este posicionamento de Mouffe como um falso problema. Segundo o cientista político, a ideia de uma deliberação pasteu-rizada, sem confronto de ideias, provém do equívoco de se pensar que é possível chegar a consensos substantivos e a uma compreensão inadequada dos fluxos de mutualidade.

Apesar de a crítica pertinente feita por Mendonça (2011) apontar para um rico caminho de entendimento mais flexível do que na visão habermasiana, este artigo defende a ideia de que as categorizações de Mouffe (2001) fornecem importantes subsídios para se buscara materialidade e os padrões de comportamento que vão tanto de uma perspectiva conflitiva de antagonismo quanto a um debate maduro agonista. Essa defesa justifica-se na parte metodológica deste trabalho em que serão utilizadas categorias dicotômicas (deliberacionistas versus agonísticas) na

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busca de se identificar quais visões são mais latentes nas redes sociais digitais no recorte abordado: se em um espaço propício ao debate deliberacionista argu-mentativo ou pelo conflito (agonismos e antagonismos).

As relações de conflito e poder que permeiam o cotidiano dos indivíduos levantadas por Mouffe (2001), têm em Michel Foucault e Pierre Bourdieu seus pilares estruturais. Para Foucault (2001), o poder permeia todo o corpo social, e é constituído historicamente, como uma rede produtiva, produzindo, induzindo à ação, produzindo discursos.

Onde há poder, ele se exerce. Ninguém é, propriamente falando, seu titular; e, no entanto, ele sempre se exerce em determinada direção, com uns de um lado e outros do outro; não se sabe ao certo quem o detém; mas se sabe quem não o possui (FOUCAULT, 2001, p. 45).

De maneira muito embasada, o filósofo francês desnaturalizou a ideia de que o poder é algo dado, ao defender que este circula nas mãos, tanto de opresso-res como, por vezes, de oprimidos. Estes últimos sofrem as consequências do arcabouço social que os disciplina, como uma máquina de adestrar corpos. Isso ocorre em várias instituições como: escolas, quartéis, asilos presídios e manicô-mios. Em “Microfísica do Poder”, Foucault (2001) insere outro importante con-ceito: o de micropoder. Este ocorre, na teoria do pensador, em diferentes níveis e pode ser integrado ao Estado ou não:

[...] as análises indicaram claramente que os poderes periféricos e moleculares não foram confiscados e absorvidos pelo aparelho de Estado. Não são necessariamente criados pelo Estado... os micro-poderes existem integrados ou não ao Estado (FOUCAULT, 2001, p. 12).

Esta afirmação fornece elementos para se pensar que, em uma esfera pública, os indivíduos podem utilizar do micropoder para tentar influenciar as instâncias superiores como preconiza o pensamento habermasiano. De maneira mais clara, se imaginarmos o atual cenário de convergência como uma espécie de arena digi-tal, não é difícil supor que, nas posições antagônicas em disputa, seja por hege-monia ou visando um certo respeito ou entendimento, o micropoder também é exercido de forma latente.

Em outra frente teórica sobre as relações de poder, Pierre Bourdieu (1989) argumenta que a estrutura social tem forte influência na disposição dos

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indivíduos e é marcada por tensões, tanto as provenientes de lutas por melhores posições na hierarquia dentro de determinadas esferas quanto pelas divisões de classe da sociedade. De maneira mais específica, o sociólogo argumenta que o mundo é dividido em campos sociais, que são estruturas estruturantes que deter-minam as posições que os indivíduos ocupam nestes meios para que se exerçam, plenamente, o funcionamento e fortalecimento dos mesmos, em um exercício permanente de poder marcado pela disputa:

O princípio do movimento perpétuo que agita o campo não reside num qualquer primeiro motor imóvel – o Rei-Sol neste caso – mas sim na própria luta que, sendo produzida pelas estruturas constitutivas do campo, reproduz as estruturas e as hierarquias deste. Ele reside nas acções e nas reacções dos agentes que, a menos que se excluam do jogo e caiam no nada, não têm outra escolha a não ser lutar para manterem ou melhorarem a sua posição no campo, quer dizer, para conservarem ou aumentarem o capital específico que só no campo se gera, contribuindo assim para fazer pesar sobre todos os outros os constrangimentos, frequentemente vividos como insuportáveis, que nascem da concorrência (BOURDIEU, 1989, p. 85).

Neste raciocínio, o campo impõe uma série de procedimentos que são natu-ralizados no indivíduo, que age naturalmente, sem perceber, muitas vezes, o que está fazendo. Este agir é definido por Bourdieu como habitus, que é “um conhecimento adquirido e também um haver, um capital (de um sujeito trans-cendental na tradição idealista) o habitus, a hexis, indica a disposição incorpo-rada, quase postural –, não de um espírito universal, mas de um sujeito em ação” (BOURDIEU, 1989, p. 61).

O habitus tem um poder unificador que constrói a realidade por meio da socialização dos corpos, através de princípios organizadores de um conheci-mento adquirido em uma determinada experiência social inserida em um tem-po-espaço (BOURDIEU, 2001). Porém, esta relação de poder pode se materializar em uma violência simbólica e prevalecer, mesmo após o desaparecimento das condições de dominação (BOURDIEU, 2001). Esta relação de convivência, no entanto, é desigual e ocorre pelo consenso entre quem domina e quem é domi-nado em uma relação recíproca de coerção e adesão das imposições, muitas vezes, quase imperceptíveis, mas que afeta diretamente o comportamento dos indivíduos. Se pensarmos nos discursos manifestados nas redes sociais digitais como o Facebook, é possível identificar, com certa clareza, que há discursos

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Facebook: uma mesa de debates ou uma arena política digital?

naturalizados (principalmente estereótipos ou de ódio), que buscam suprimir outros que buscam o diálogo e a reflexão por formas argumentativas.

Bourdieu (2001) ainda traz uma contribuição muito importante para o debate político no que diz respeito à luta por hegemonia. Para o pensador francês, esta ocorre em todas as clivagens sociais na busca por legitimação e dominação de conhecimentos. Na esfera política, caracteriza-se como o poder de determinar os rumos que as pessoas devem seguir (BOURDIEU, 2001).

As correntes teóricas expostas por Mouffe, Foucault e Bourdieu pavimentam o terreno para se discutir as hipóteses deste artigo de que as redes sociais digitais se transformaram, de certa forma, em uma arena política digital, onde fervilham argumentos que vão desde uma busca de uma discussão madura, buscando con-sensos e entendimentos; a uma violência simbólica em que o pensamento alheio é totalmente ignorado ou mesmo da luta por hegemonia e posições na estrutura social. Em todas as correntes, as relações de poder devem ser levadas a cabo.

3. redes sOCiAis dA internet: umA ArenA POLítiCA digitAL?

Com a popularização da Internet e o aumento das possibilidades de acesso às ferramentas de informação pelo processo de convergência digital, vários teóri-cos acreditavam que este meio levaria a sociedade a um novo patamar de redes sociais colaborativas e de inteligência (Lemos, 2002, 2003; Lévy, 1998, 1999, 2004). Para Lemos (2003, p.12), as transformações oriundas deste processo de conver-gência das telecomunicações e da informática levariam ainda ao surgimento de uma nova forma de produção de sentido da sociedade, a cibercultura, oriunda da “relação simbiótica entre sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base micro-eletrônica”.

Neste mesmo sentido, Castells (1999) entende que estas mudanças são produ-tos do paradigma tecnológico, que começou a tomar forma a partir dos anos 60 com o desenvolvimento das tecnologias de informação. Porém, Castells discorda que vivemos em uma sociedade da informação ou do conhecimento e defende que a grande mudança estrutural se deu a partir capilarização das relações.

As redes ao longo da história têm constituído uma grande vantagem e um grande problema por oposição a outras formas de organização social. Por um lado, são as formas de organização mais flexíveis e adaptáveis, seguindo de um modo muito eficiente o caminho evolutivo dos esquemas sociais humanos (CASTELLS, 1999, p.17).

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Essa capitalização da sociedade em redes está ainda mais evidente nos dias atuais, com a popularização dos sites de redes sociais que são compostos de estru-turas que permitem a comunicação mediada por computador e a interação entre os internautas gerando “fluxos de informações e trocais sociais que impactam essas estruturas” (RECUERO, 2009, p. 24). Para Santaella (2010), estes espaços têm como principal característica uma interação incessante e uma alta capaci-dade de “adaptação e auto-organização que são próprias dos sistemas complexos e que se expressam, no caso, em comportamentos coletivos descentralizados” (SANTAELLA, 2010, p. 272).

O site de rede social mais conhecido no mundo é o Facebook. Criado em 2004 por Mark Zuckerberg, tinha, inicialmente, o objetivo de “criar uma rede de con-tatos em um momento crucial da vida de um jovem universitário: o momento em que ele sai da escola e vai para a universidade” (RECUERO, 2009, p. 172). Mas, de certa forma, constitui-se numa estrutura privada, onde “apenas usuários que fazem parte da mesma rede podem ver o perfil uns dos outros” (RECUERO, 2009, p. 172). Nos últimos anos, o Facebook modernizou-se e ampliou ainda mais sua atuação com a criação de fanpages (páginas de notícias, personalidades ou pessoas públicas), que permitem um novo tipo de interação, até mesmo entre usuários que não são “amigos” uns dos outros. Estas mudanças possibilitam o confronto de ideias e visões de mundo totalmente distintas mesmo entre usuá-rios que não são seguidores uns dos outros. Para isso, basta seguir uma fanpage e interagir.

Por meio da exposição inadvertida8 (BRUNDIDGE, 2010), têm-se como aspec-tos positivos os atalhos informacionais9 que reduzem os custos de participação

8 Matéria do Jornal El Pais em sua edição eletrônica denominado, “Usuários transformam seus murais

no Facebook em ‘bolhas’ ideológicas”, revela estudo de um grupo de cientistas políticos do da rede

social publicado na revista Science que demonstrou que o algoritmo responsável por induzir a escolha

de amigos e notícias aos usuários do Facebook pode propiciar o surgimento de bolhas ideológicas,

reduzindo a diversidade ideológica. O estudo envolveu mais de 10 milhões de usuários em todo o mundo

identificou que a rede social é uma verdadeira caixa de ressonância das próprias ideias que o usuário

compartilha. A amostra identificou que “de todos os links vistos pelas pessoas que se consideram

progressistas, apenas 22% desafiam sua forma de pensar. Os conservadores veem cerca de 33% de

notícias que não correspondem com sua ideologia. Sem a intervenção do algoritmo, os progressistas

teriam visto 24% de notícias incômodas e, os conservadores, 35%”. Disponível em: <http://brasil.elpais.

com/brasil/2015/05/06/tecnologia/1430934202_446201.html>. Acesso em 22 jul. 2016.

9 Relatório da empresa Quartz que analisou 10 países, destacou que o Brasil é líder mundial entre as

nações em que os usuários na internet utilizam prioritariamente o Facebook como fonte de informações,

sendo 67%. O relatório ainda identificou que o país é também líder na utilização da rede social para fins

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política e propiciam o fortalecimento de certos laços sociais entre os indivíduos e a construção de novas esferas de conversação (ROSSINI & LEAL, 2011). Por outro lado, as informações como vídeos, memes10 e textos que são publicadas e compartilhadas nas linhas do tempo das redes sociais digitais podem favorecer o surgimento de novas tensões entre os usuários e formar certas arenas políticas digitais, onde são travadas disputas simbólicas sobre hegemonia e posições polí-ticas, que podem ocorrer, até mesmo, por meio da violência. Em entrevista ao Jornal do Comércio11, Wilson Gomes (2015) destaca que, com a entrada das redes sociais digitais, aumentou o interesse do brasileiro sobre as pautas políticas:

Os brasileiros adoram falar de política, opinar. Não importa o valor dessa opinião, o quão fundada ela é ou em quanta informação ela se embasa. Mas algumas distinções têm de ser feitas nesse caso. A primeira é sobre de que política se fala. Boa parte das pessoas fala do jogo político, de maneira superficial, mas se interessa menos pela política comum que se trava no Legislativo e no Executivo, a não ser quando existe uma questão de polarização, como neste momento. [...]. As novas agendas políticas são completamente presentes nesse ambiente e discutidas à exaustão (GOMES, em entrevista à edição eletrônica do Jornal do Comércio em 28 de set. 2015).

Observados estes aspectos, é possível questionar se as redes sociais digitais constituem, de fato, uma nova “arena conversacional” ou uma “esfera pública digital”. Rousiley Maia (2000) chama a atenção para as abordagens estritamente relacionadas ao potencial tecnológico que anunciavam que a internet propiciaria o surgimento de uma ciberdemocracia ou democracia digital que, por vezes, são carregadas de exageros.

A pesquisadora destaca que ao mesmo tempo em que as novas tecnologias pavimentam o caminho de um ideal de comunicação democrática, oferecendo mais possibilidades de participação, podem levar ainda a algumas “formas extre-mas de centralização de poder” (MAIA, 2000, p. 2). Neste ponto, para a autora, o

diversos com 80%. Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/e-noticias/cerca-de-70-dos-

brasileiros-se-informam-pelo-facebook/>. Acesso em 18 jul. 2016.

10 Linguagem humorística que consiste em usar imagens com legendas fora do contexto. São muito

utilizadas em sites de redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram.

11 Disponível em: <http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2015/09/politica/458472-politicos-estao-perdendo-

oportunidades-fora-das-redes-avalia-gomes.html>. Acesso em 20 jul. 2016.

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alto custo de acesso às tecnologias digitais são uma barreira para a democratiza-ção do espaço cibernético. Outro aspecto importante é que, por si sós, estrutura comunicacional e possibilidades técnicas não garantem uma prática democrática efetiva. Para isso, é preciso que os usuários tenham disponibilidade, motivações e interesses para um debate político crítico (MAIA, 2000). A autora ainda destaca que é improvável que alcancemos uma cultura política deliberativa plena, em que os cidadãos tenham um interesse constante em discussões públicas sobre seus problemas e tentem resolvê-los discursivamente, em um debate dialógico. Porém, reconhece que

Não é irreal, contudo, supor que as pessoas estarão (e já estão) envolvidas em questões que afetam mais diretamente as suas vidas, e que se engajam em debates específicos, considerados relevantes ou significativos para uma ação comum efetiva (MAIA, 2000, p. 6-7).

Porém, para se alcançar a argumentação ideal (habermasiana), a autora evi-dencia que é preciso condições, como: 1) universalidade, 2) racionalidade, 2) não-coerção e 3) reciprocidade (MAIA, 2000). Estes elementos, essenciais para um debate racional deliberativo (decisionístico ou não) nem sempre encontram solo fértil nas discussões políticas travadas na internet. Quanto aos estudos empíricos de deliberação de Wilhem (1999) e Hill e Hughes (1998), citados por Maia (2000), ela argumenta que:

(..) a grande maioria dos participantes em listas de discussão política e chats expressam a própria opinião, “buscam” e “disponibilizam” informação, sem que se vinculem a um debate propriamente dito. A prática argumentativa, o dizer e contra-dizer com vistas a resolver discursivamente (“por razões”) impasses ou diferenças de pontos de vista, é relativamente reduzida se comparada com outras modalidades de comunicação nesses grupos (MAIA, 2000, p. 9)

Estas observações, feitas muito tempo antes do surgimento e da populari-zação dos sites de redes sociais como Orkut e Facebook, estimulam, nos dias atuais, algumas indagações que estão presentes nas indagações de pesquisado-res da comunicação e da ciência política. Estes canais são, de fato, esferas públi-cas virtuais deliberativas em que diálogos racionais são travados, em busca de soluções para os temas importantes do cotidiano dos cidadãos visando à

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cooperação–mesmo se admitindo disputas em trocas argumentativas? Ou serão estes meios fossos em que se aprofundam antagonismos de opiniões que apenas são reforçadas e lançadas em uma arena política digital em que o argumento que vence nem sempre é o mais racional, mas o que consegue se impor por meio da violência simbólica?

Sob este aspecto, Wilson Gomes (2015) acredita que a intolerância é um movi-mento novo que tem contaminado as redes sociais digitais e defende que o anoni-mato é a sua maior chave de desencadeamento.

O discurso de ódio é outra coisa, pois manifesta desprezo com o outro simplesmente pelo fato de ele ser outro. Acho que há muito ódio nesse sentido. Existe um princípio básico para quem frequenta determinados ambientes que é “nunca leia os comentários” (dos sites de notícias), pois são terríveis, as pessoas dizem coisas inimagináveis. Nesses lugares, diferentemente do Facebook, o comentário é mais grosseiro por ser o mais anônimo. Então, a escala do ódio se dá quando você é anônimo. Quando você pode ser responsabilizado por isso e receber repressão social, você tende a se conter mais (GOMES, em entrevista à edição eletrônica do Jornal do Comércio, em 28 de set. 2015)12.

A partir deste percurso teórico e conceitual, o artigo se propõe a debater estas questões, ao tentar iluminar algumas zonas de penumbra que surgem nos desa-fios de se compreender o papel das novas tecnologias na construção (ou não) de uma sociedade mais democrática e plural. Para tal finalidade, este trabalho buscou confrontar argumentos entre deliberacionistas, defensores da luta por hegemonia e antagonismos.

4. AnáLise: O grAmPO inéditO que virOu POLêmiCA em tOdO O brAsiL

Enfrentando sérias dificuldades para governar no segundo mandato, com a presidência da Câmara dirigida por um adversário político declarado – à época, Eduardo Cunha (PMDB), que aceitou o pedido de impeachment elaborado

12 Disponível em: <http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2015/09/politica/458472-politicos-estao-perdendo-

oportunidades-fora-das-redes-avalia-gomes.html>. Acesso em 20 jul. 2016.

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por Miguel Reale e Janaína Paschoal, em dezembro de 2015 – a presidente da República Dilma Rousseff articulou a entrada do seu maior cabo eleitoral, Luiz Inácio Lula da Silva, para ser ministro da Casa Civil, na tentativa de aumentar o diálogo e barrar o processo de cassação. No dia 16 de março de 2016, por volta de 13h45, o governo, por meio de uma nota, anunciou o nome do ex-presidente no lugar de Jacques Wagner.

Por volta das 18h30 do mesmo dia, a GloboNews divulgou – com autori-zação do juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, que apura desvios de dinheiro público na Petrobras e favorecimentos de políticos nos governos do PT – áudios de uma conversa da presidente Dilma Rousseff com Lula, tra-zendo alguns detalhes da posse do ex-governante que ocorreria na manhã do dia seguinte. O grampo gerou muita polêmica e rapidamente tomou conta dos noti-ciários de todo o Brasil, além da internet. Gravações particulares de autoridades com foro privilegiado vazadas para a imprensa constituíram um fato inédito no Brasil, colocando em xeque a legalidade democrática. A situação agravou-se com a publicação do termo de posse pelo Planalto, somente com a assinatura de Lula. Setores da oposição mobilizaram-se rapidamente para entrar com ações no dia seguinte e anular a nomeação do novo ministro.

Na quinta-feira, 17 de março de 2016, neste clima de tensão, ocorreu a cerimô-nia de posse de Lula como ministro da Casa Civil com transmissão dos principais canais de TV aberta no país. A polêmica do evento se intercalou com manifes-tações “pró” e “contra” em todo o país e ações em varas federais que tentavam suspender a nomeação de Lula. No dia seguinte, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes13 acatou um mandado de segurança do PSDB e PPS, que alegava que a ida de Lula para o governo tinha como razão dar foro privilegiado ao ex-presidente, garantindo que somente seria julgado pela Suprema Corte e não pelo juiz Sérgio Moro. O clima de tensão não foi latente apenas nas ruas, mas se manifestou, em boa parte, nas redes sociais digitais, principalmente no Facebook e no Twitter.

Diante destes fatos e do percurso teórico até aqui delineado, que reforça o papel da internet como um espaço de diálogos e conflitos, torna-se imprescin-dível e necessário estudar a repercussão deste caso na fanpage do portal G1 no Facebook, pertencente às Organizações Globo.

13 Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,gilmar-mendes-suspende-posse-de-

lula-e-mantem-processo-com-moro,10000022110>. Acesso em 24 jul. 2016.

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Facebook: uma mesa de debates ou uma arena política digital?

4.1 metOdOLOgiA

Na tentativa de identificar se os debates14 públicos no Facebook se configuram de uma maneira mais dialógica ou dicotômica, adotou-se uma metodologia que consiste na combinação de procedimentos de observação e mineração dos dados gerados na rede social (RECUERO, 2012; RECUERO; BASTOS & ZAGO, 2015).

Num primeiro momento, foi feita a coleta manual dos 307 comentários publi-cados sobre a notícia do grampo envolvendo a conversa entre Dilma Rousseff e o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva na fanpage G1 – a página de notícias da Globo – no Facebook. Em seguida, partiu-se para a mineração dos dados, que consiste na análise individual das publicações e identificação de contextos recorrentes.

Cabe destacar que, mesmo numa abordagem deliberacionista, não se exclui a questão dos conflitos, como salientam Mendonça (2011), Rousiley Maia (2000) e Axel Honneth (2009). Desta forma, a metodologia aplicada neste trabalho buscou aspectos da inspiração argumentativa em sua análise, mas colocou no mesmo pêndulo e em igual medida as questões de poder (aqui categorizadas em antago-nismos ou agonismos) que se travam através do conflito (MOUFFE, 2001). Esta proposta de interação entre as duas abordagens buscou categorizar quais os tipos de conflitos são mais latentes.

Esclarecidos estes pontos, esta pesquisa estabeleceu as seguintes categorias para destrinchar os comentários na fanpage do G1 no Facebook: 1) deliberacionista: foi utilizado como o método de observação a “reciprocidade argumentativa”15 (MENDONÇA, 2011, p. 5), que consiste em “mapear os choques argumentati-vos entre discursos, remontando a natureza de uma conversação abstrata”. Este método permitiu identificar tipos de enquadramentos ou enfoques predominan-tes; 2) Agonística: Foram considerados tanto os pontos de antagonismos (opiniões adversárias) quanto tentativas de superação pelo agonismo (posições antagôni-cas, porém respeitosas entre os interlocutores). Neste segundo item, este trabalho considerou como pontos antagonistas as mudanças bruscas de assuntos e mani-festações de violência simbólica (um discurso tentando abafar o outro) e como

14 Neste caso em especial, os comentários a respeito de uma notícia de grande repercussão política.

15 Neste artigo foi feita a opção por este segundo elemento elencado por Mendonça (2011) nas

análises deliberativas on-line. O primeiro conceito, que não foi utilizado neste trabalho, diz respeito

à reciprocidade direta que tem como elementos principais a observação de quatro indicadores: 1)

interações claras sem menção explícita; 2) intenção de dialogar por meio de respostas aos comentários;

3) contraargumentos à posição defendida e 4) apreço ou repúdio (like e dislike). Ler mais em: <http://

dx.doi.org/10.1590/S0104-62762011000100007>. Acesso em 27 jul. 2016.

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agonísticas respostas aos comentários “sem ofensas” entre os interlocutores. Este percurso metodológico visou a identificar se em alguma medida – ao

menos neste caso – as redes sociais digitais são espaços de conversações ou mera reprodução de disputas que se travam nas arenas políticas.

4.2 AnáLise: O grAmPO de diLmA e A rePerCussãO nA fAnPAge dO POrtAL g1 nO fACebOOk

A coleta de dados foi realizada no mesmo dia em que os grampos foram vaza-dos para o canal GloboNews e posteriormente reproduzidos no Jornal Nacional (16 de março) e identificou que, na fanpage do G1 no Facebook, 2.366 pessoas rea-giram à publicação, com 812 compartilhamentos e 307 comentários. O texto do link em que estavam os áudios do grampo, direcionando para a reportagem do Jornal Nacional, utilizou ainda três indexações: #G1, #política e #LavaJato, como é demonstrado:

OUÇA áudio de ligação entre Lula e Dilma Rousseff, divulgado pelo juiz federal Sergio Moro. Planalto fala em Constituição violada. Após a divulgação, houve protestos em vários estados e panelaços http://glo.bo/1pMEmk8 #G1 #política #LavaJato (NOTÍCIA PUBLICADA na fanpage do portal G1 no Facebook em 16 de mar. 2016).

Quanto à primeira categoria pesquisada, deliberacionista, que possibilita a identificação de choques argumentativos entre discursos e os tipos de enquadra-mentos ou enfoques predominantes, foi observado que a maioria dos comentá-rios não debateu as informações presentes na notícia. A seção assemelha-se a uma espécie de fórum de divulgação – o que destaca a capacidade das fanpages de estabelecer conexões assimétricas16. Um exemplo que ilustra como a notícia não é discutida como tal, mas reinterpretada, por um viés, em muitas ocasiões, humorístico, é o comentário com o maior número de curtidas (196) e 34 replies17 que fez uma analogia da notícia do grampo ao reality show Big Brother Brasil da TV Globo. Pautado pela intertextualidade, a publicação traça um paralelo entre a notícia divulgada na fanpage e as regras do programa: “Para quem não entende de política, mas entende de BBB, a história é mais ou menos assim: A Dilma deu

16 Aquelas que não dependem essencialmente da reciprocidade na criação de interações (RECUERO,

2012).

17 Respostas a um comentário.

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o anjo para o Lula, porque ele ajudou ela a virar líder” (S. S., COMENTÁRIO NA FANPAGE GLOBONEWS NO FACEBOOK, 16 de março de 2016).

As respostas dos interagentes18 a este comentário seguiram a mesma tendên-cia, levando-a para um contexto humorístico e intertextual. “Acho que a Dilma tem mais afinidade com o Lula, por isso deu o anjo para ele”, comentou (O. A.) um dos interagentes. “Lula é um bom jogador”, retrucou (S. S.), quem puxou os comentários. Foi observado ainda que o comentário de maior repercussão dia-loga diretamente com a relação que o telespectador brasileiro tem com a televi-são. De acordo com Wolton (1996), a TV generalista é fator de identidade cultural e de integração social, aspecto que pode ser observado na publicação. Mesmo não estando relacionada à reportagem, a analogia foi rapidamente assimilada pelos interagentes ressaltando a influência da TV no cotidiano do público.

Em um outro ponto de discussão, um internauta (D.S.) indagou sobre a inércia do povo: “SERÁ QUE OS ELEITORES BRASILEIROS ESTÃO COM A SÍNDROME DE ESTOCOLMO ???”. Neste aspecto, o foco da discussão foi dire-cionado para a identidade do povo brasileiro e as informações da reportagem nem apareceram.

De uma maneira mais precisa, sob a luz desta primeira categoria, deliberacio-nista, foram identificados como enfoques predominantes (padrões mais salien-tes) nas respostas à notícia publicada: a) os comentários (em grande parte) não debateram as informações presentes na notícia – a seção transformou-se em uma espécie de fórum de divulgação, o que destaca a capacidade das fanpages de estabelecer conexões assimétricas; b) os comentários repercutiram a discus-são iniciada pelo interagente e não apresentaram e/ou comentaram o que inte-grava a reportagem e seguiu-se então um “efeito avalanche” de respostas segui-das de outras, fugindo do tema inicial; c) foram utilizados muitos recursos de vídeo, hiperlinks de outras notícias e convocações de manifestações; d) O grande número de conexões assimétricas e polarizações mostram que a publicação (notí-cia) serviu apenas como pretexto para as interações e não como base para as argumentações, com vistas a estabelecer um diálogo propositivo. As interações mostram posicionamentos já arraigados dos internautas que se alternam em um fórum de defesas de pontos de vista e ideias já estabelecidas; e) há uma identifi-cação forte com a televisão – isso foi demonstrado nos comentários fazendo ana-logia ao BBB – e à identidade brasileira. Tais elementos identificados por meio da mineração de dados forneceram subsídios para a detecção de três parâmetros predominantes no comportamento neste ambiente de deliberação: a polarização,

18 Segundo Primo (2003, p.8) o termo interagente é aquele que “emana a ideia de interação, ou seja, a

ação (ou relação) que acontece entre participantes”.

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divulgação e falta de informação. Ou seja, as redes sociais – no caso as fanpages – estimulam conexões assimétricas, que, por sua vez, propiciam a pluralidade de discussões que se desdobram em três questões: polarização, divulgação e falta de informação.

O foco da interação social entre os usuários do Facebook é baseado nos vín-culos pessoais, profissionais e de amizade. Isto é, na maioria das vezes, o inte-ragente apenas transpõe para a rede social suas relações do dia-a-dia. Porém, as fanpages – como a analisada, a do portal G1 – permitem que usuários que não se conhecem troquem informações, estabeleçam um diálogo mesmo que não tenham vínculos. Essas conexões assimétricas se distanciam das conexões simé-tricas características do Facebook, trazendo possibilidades de uma maior plura-lidade19 às discussões.

Quanto ao tripé comportamental, mencionado anteriormente, cabe observar alguns aspectos que são preponderantes: 1) Polarização: os diálogos, na maioria dos comentários, se estabelecem a partir da oposição das ideias e não da argu-mentação. A dimensão do conflito, como assinala Mendonça (2011), se faz pre-sente e expressa publicamente, as diferentes visões de mundo, sem necessaria-mente visar um consenso; 2) Divulgação: o espaço dos comentários serve como “oportunidade” de divulgação de manifestações, vídeos e conteúdos próprios sobre a temática; 3) Falta de Informação: o conteúdo da reportagem é apenas um pretexto para que os interagentes apresentem sua própria perspectiva, sem relação com os ‘fatos’ presentes na notícia.

Neste último ponto foi identificado que nenhum trecho da reportagem em todos os comentários pesquisados é destacado pelos interagentes. Cabe observar que este tem sido um problema que a Rede Globo vem enfrentando há algum tempo. Os interagentes não clicam nos links, apenas leem o título da postagem20, compartilham e comentam o conteúdo, limitando-se a análises e intepretações precárias. Este último tópico coaduna com o pensamento de Maia (2000) que acredita ser improvável que alcancemos uma cultura política deliberativa plena, já que, para isso, os cidadãos precisam, além das ferramentas tecnológicas à dis-

19 Porém, estudos recentes apontam a crescente preocupação dos cientistas sociais do Facebook de que o

site de rede social venha favorecendo a formação de bolhas ideológicas, como analisadas anteriormente

neste artigo. Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2015/05/06/tecnologia/1430934202_446201.

html>. Acesso em 27 jul. 2016.

20 Pesquisa da empresa Digital Content Next identificou que 43% dos usuários do Facebook não fazem

ideia da origem do conteúdo que compartilham e comentam. Disponível em: <http://noticias.r7.com/

tecnologia-e-ciencia/voit/43-dos-usuarios-do-facebook-desconhecem-origem-dos-textos-que-leem-

13052016?platform=hootsuite>. Acesso em 27 jul. 2016.

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posição, ter grande interesse, motivação e disponibilidade para adentrarem em discussões e debates públicos para na busca de resolvê-los discursivamente.

Na segunda categoria (agonística), que considerou tanto os pontos de antago-nismos (opiniões adversárias) quanto as tentativas de superação pelo agonismo (posições antagônicas, porém respeitosas entre os interlocutores), foi identifi-cado um latente viés de conflito na amostragem dos comentários sobre o diálogo vazado para a imprensa entre Lula e Dilma Rousseff. Foram detectados 62 focos de antagonismos – posições contrárias e fugas do assunto em pauta– e 21 focos de agonismo. Dentre os primeiros, 14 deles foram identificados como de violência simbólica: palavras de ódio ao PT, à principal liderança (Lula), ojeriza aos políti-cos em geral e xingamentos. Em um destes comentários, foi feito uma menção a um ataque terrorista: “Vem p cá Estado Islâmico e exploda o Palácio do Planalto” (B. V., COMENTÁRIO NA FANPAGE GLOBONEWS NO FACEBOOK, 16 de março de 2016).

Em outro relato de violência simbólica, um dos internautas pede a intervenção militar: “Cadê os militares?! [...] Cade o exército?! [...] Agora seria uma boa hora para uma intervenção, repito intervenção, nao golpe que nem em 64” (J. G. V., COMENTÁRIO NA FANPAGE GLOBONEWS NO FACEBOOK, 16 de março de 2016).

Na perspectiva de Honneth (2009) de tentar identificar a raiz dos conflitos, cabe ressaltar alguns pontos relevantes a estes comportamentos. Em entrevista à Folha de São Paulo, Manuel Castells afirmou que a ideia do brasileiro gene-roso é um mito e que as redes sociais apenas refletem o comportamento real da população:

A imagem mítica do brasileiro simpático existe só no samba. Na relação entre as pessoas, sempre foi violento. A sociedade brasileira não é simpática, é uma sociedade que se mata. Esse é o Brasil que vemos hoje na internet. A única coisa que a internet faz é expressar abertamente o que é a sociedade em sua diversidade. Trata-se de um espelho. Como hoje não precisam passar pelos meios tradicionais de comunicação, as pessoas aparecem como realmente são (CASTELLS, em entrevista ao portal FolhaUol, em 18 maio de 2015)21.

21 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/05/1630173-internet-so-evidencia-

violencia-social-brasileira-afirma-sociologo-espanhol.shtml>. Acesso em 27 jul. 2016.

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Durante parte da entrevista, o sociólogo sustenta o argumento de que “o que somos” é um problema da cultura e que a internet não potencializa o ódio, mas é um novo canal em que a liberdade se manifesta, sem restrições. Provavelmente um sexista, um racista ou quem defende o militarismo encontrará na rede quem também se identifica com este pensamento e se sentirá mais motivado a conti-nuar defendendo seu ponto de vista radical (CASTELLS, 2015).

Em relação a este mesmo aspecto, em entrevista à edição eletrônica do jornal El Pais22, o sociólogo Zigmunt Bauman argumenta que, nas redes sociais, é tão fácil adicionar ou deletar pessoas que as habilidades de um bom convívio social (aprendidas no trabalho, entre amigos e “na rua”) são suspensas em nome da pra-ticidade de uma zona de conforto. É como se um internauta qualquer pensasse: “se me incomoda ou pensa diferente de mim, vou excluir, bloquear ou deixar de seguir”23. De maneira mais específica, defende Bauman:

As redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia… Muita gente as usa não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que veem são os reflexos de suas próprias caras. As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha (BAUMAN, em entrevista à edição eletrônica do jornal El Pais em 9 de jan. 2016).

Nesta perspectiva, é cada vez mais importante se considerar os aspectos das relações de poder, que, como observa Mouffe (2001), são centrais nas disputas discursivas. Em relação a isso, principalmente as afirmações que criminalizam o Partido dos Trabalhadores (PT) nesta amostragem – é importante ressaltar que parte do ódio à legenda, pode ter como uma das razões possíveis o fato de o par-tido estar no poder há 14 anos e ter importantes lideranças, como José Dirceu, na prisão. Isso trouxe reflexos incalculáveis na percepção pública e, em grande medida, pode ter contribuído para o esvaziamento profundo da base do governo Dilma que embarcou no processo de impeachment.

22 Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2015/12/30/cultura/1451504427_675885.html>. Acesso

em 27 jul. 2016.

23 No Facebook consiste em desabilitar a função “seguir”. A partir de então não é possível mais

acompanhar espontaneamente, de forma automática na linha do tempo o que o outro publica.

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Além disso, os constantes casos de corrupção – desde o chamado “Mensalão [do PT]” até a recente operação Lava Jato – e o viés predominantemente nega-tivo da cobertura jornalística brasileira nos últimos anos podem ter contribuído, em grande medida, para o desgaste do partido e levado a uma associação nega-tiva por parte da população. Soma-se a isso um aumento significativo do cresci-mento da direita24 no país que agregou parte do centro político consigo – vide a reeleição de Dilma Rousseff que venceu Aécio Neves (PSDB) por 54,5 milhões contra 51,04 milhões na votação mais apertada da história do Brasil. Soma-se a isso a evidência, cada vez maior, de setores deste espectro da ala conservadora – alguns até, adversários históricos do PT – que estão conquistando espaços de visibilidade nos noticiários e nas redes sociais digitais, como é o caso do deputado federal Jair Messias Bolsonaro (PSC).

No caso da objeção à Lula, talvez, o viés negativo com que os internautas se referiram a ele neste recorte pode, em alguma medida, encontrar razões no fato dele ser alvo da operação Lava Jato (que alega que o ex-presidente teria se beneficiado ilicitamente e adquirido um sítio em Atibaia –SP e um apartamento no Guarujá -SP com dinheiro desviado de empreiteiras da Petrobras). De certa forma, a indicação de que Lula é o favorito nas pesquisas25 como um dos possíveis candidatos a presidente em 2018, também o coloca em evidência, abrindo espa-ços para debates acalorados dos que o rejeitam e dos que o defendem nas redes sociais digitais.

No segundo aspecto da categoria agonística [o agonismo] dentro da proposta de “pluralismo agonista” de Mouffe (2001) – que defende que, para superar os conflitos existentes na sociedade, a democracia deve, além de considerar a dis-puta que está sempre em pauta, oferecer condições para que os inimigos sejam considerados adversários – foram encontradas algumas evidências, como indica a citação abaixo, destacada no comentário de uma internauta:

Minha gente, eu aceito vcs se manifestarem, decretarem luto, mas eu pergunto: vai adiantar? Nao vai! E sabe por quê? Porque o poder está nas mãos deles, e fomos nós que os

24 Pesquisa Datafolha divulgada em setembro de 2014 mostra que 45% da população se identifica com

temas relacionados à direita contra 35% da esquerda. Em novembro de 2013 o mesmo instituto havia

identificado que 41% estavam situados à esquerda, e 39%, à direita. Disponível em: <http://datafolha.folha.

uol.com.br/eleicoes/2014/09/1512693-direita-supera-esquerda-no-brasil.shtml>. Acesso em 27 jul. 2016.

25 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/07/1792488-lula-lidera-disputa-mas-nao-

venceria-o-segundo-turno-diz-datafolha.shtml>. Acesso em 27 jul. 2016.

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colocamos lá e vamos ter que aguentar até a próxima eleiçao. Dilma não vai renunciar! Podemos ficar de braços cruzados? Nao! Mas tbm nao adiante. Hoje, todos nós brasileiros somos uma vergunha, com os maiores escândalos de corrupção do mundo, somos motivo de piada, o que me entristece muito (L. R., COMENTÁRIO NA FANPAGE GLOBONEWS NO FACEBOOK, 16 de março de 2016).

A citação anterior mostra a superação do conflito por meio do respeito (acei-tação de outros posicionamentos contrários) e, ao mesmo tempo, a livre expres-são da opinião. Demonstra ainda, de maneira empírica, a superação da visão do outro como um inimigo e a transformação deste olhar sobre o próximo em um adversário. Em outras palavras, esta é uma manifestação política democrática na passagem de um antagonismo a um agonismo (MOUFFE, 2001).

No entanto, ao se debruçar sobre os dados e ser constatado um número três vezes superior de pontos de conflito (62 focos de antagonismos x 21 de agonismo), é possível deduzir, no recorte deste artigo, que as redes sociais – neste caso espe-cífico, o Facebook – têm se mostrado um espaço semelhante a uma arena digital, que, mesmo admitindo-se ter certos traços argumentativos, vêm reproduzindo tensões próprias das disputas políticas por hegemonia e poder.

5. COnsiderAções finAis

Há poucas dúvidas de que o avanço das tecnologias da informação, sobretudo a internet, por meio das redes sociais digitais, proporcionou uma maior prolifera-ção de debates em torno das questões públicas. Neste sentido, os desdobramen-tos da teoria habermasiana de que há várias esferas públicas inseridas em todo o tecido social se tornam cada vez mais relevantes. Porém, o que este trabalho buscou identificar como hipótese é de que os espaços discursivos – em especí-fico o Facebook – diante de um assunto polêmico e de grande repercussão, como foi o da divulgação dos áudios do grampo da conversa entre Dilma Rousseff e Lula, às vésperas da votação da abertura da sequência do processo de impeach-ment, fornecem não apenas condições para a construção de um debate argumen-tativo e plural, mas também levam à ocorrência de conflitos e relações de poder que estão em constante disputa.

Apesar deste artigo concordar com as afirmações de Dahl (2012) e Miguel (2011) de que uma democracia sem conflito vai ao encontro do princípio de liber-dade de opinião e de que as disputas constituem o próprio cerne da política, cabe

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salientar, porém, como foi demonstrado neste recorte, que algumas destas con-traposições se dão em forma de violência simbólica.

No que se refere à primeira categoria, a argumentação reflexiva (MENDONÇA, 2011) deu subsídios importantes para um entendimento das principais formas discursivas (fluxos mais amplos) que emergem do emara-nhado de opiniões nos comentários das redes sociais digitais. Isso mostra que é possível a superação da abordagem clássica do deliberacionismo que visava ao alcance de consensos (HABERMAS, 1984; RAWLS, 1971) para um entendimento mais reflexivo (condizente com os tempos de redes) de que comportamentos são influenciadores uns dos outros na concepção de fortes argumentos das opiniões públicas.

Porém, como destacou Maia (2000), as novas tecnologias por si só não dão conta de alavancar todo este processo. É preciso um certo engajamento do cida-dão nas questões públicas. Quando falta interesse, também se tornam escassas as informações sobre assuntos políticos. Talvez aí se explique porque 43% dos inter-nautas no Facebook em todo o mundo, como apontou pesquisa da Digital Content Next26, desconhecem os conteúdos que compartilham ou interagem. Como foi identificado em ambas as categorias (deliberacionista e agonística), existem diversos enfoques sobre o tema, que, em grande parte, fugiram totalmente do assunto, como, por exemplo, pedidos de manifestações e comparações com o futebol, personagens humorísticos e programas de televisão como o Big Brother Brasil (BBB). Estes elementos reforçam uma das hipóteses apresentadas neste artigo a de que as redes sociais digitais constituem um espaço em que se trava uma espécie de arena política digital.

No olhar da proposta pluralista agonística de Mouffe (2001) que visava à supe-ração de conflitos por meio do agonismo (entendimento e respeito da opinião adversária), foi constatado nesta amostra que refletem uma tendência de acirra-mento dos conflitos e de posições arraigadas, em detrimento de uma perspectiva dialógica. Isso foi evidente na quase total desvinculação dos comentários sobre o tema (notícia) publicado pela fanpage do G1 e pelas ocorrências de violência simbólica que agrediram, em certa medida, atores centrais na matéria como o ex-presidente Lula, Dilma Rousseff, o PT, além de um latente ódio à política de uma forma geral.

A trajetória teórica que iluminou o recorte empírico deste trabalho ainda nos permite constatar que as redes sociais digitais fornecem elementos imprescindí-veis para um amplo debate discursivo, e podem sim, constituir uma ampla teia

26 Disponível em :<http://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/voit/43-dos-usuarios-do-facebook-

desconhecem-origem-dos-textos-que-leem-13052016?platform=hootsuite>. Acesso em 27 jul. 2016.

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argumentativa que contribui para a participação democrática. Porém, como lem-brou Bauman (2016), o contato estritamente virtual, sem um engajamento que combine outras formas de interação como a “face a face” pode produzir “zonas de conforto” em que cada grupo defende seu ponto de vista e tem dificuldade de conviver com a opinião alheia. Aí pode estar uma das raízes da violência, como propõe Honneth (2009) sobre a necessidade de se identificar a origem dos con-flitos. Estas preocupações ainda inquietam os pesquisadores da comunicação e da ciência política. As redes sociais digitais têm este caráter dicotômico: são um terreno de oportunidades de uma real democracia, mas também, por outro lado, podem se configurar em um espaço hostil, onde não há lugar para o diálogo.

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Facebook: uma mesa de debates ou uma arena política digital?