vd novas perspectivas final 02-08-2012

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    Novas Perspectivas paraa Antropologia Jurdica

    na Amrica Latina:o Direito e o Pensamento Decolonial

    Coleo Pensando o Direito no Sculo XXI

    Volume IV

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    Aldacy Coutinho (Brasil)

    Alfonso de Julios-Campuzano (Espanha)

    lvaro Sanchez Bravo (Espanha)

    Andrs Botero Bernal (Colmbia)

    Anna Romano (Itlia)

    Antonio Carlos Wolkmer (Brasil)Antonio Pena Freire (Espanha)

    Augusto Jaeger Jnior (Brasil)

    Cludia Rosane Roesler (Brasil)

    David Sanchez Rubio (Espanha)

    Fernando Galindo (Espanha)

    Filippo Satta (Itlia)

    Friedrich Mller (Alemanha)

    Jess Antonio de La Torre Rangel (Mxico)

    Jos Abreu Faria Bilhim (Portugal)

    Jos Calvo Gonzlez (Espanha)

    Jos Luis Serrano (Espanha)

    Jos Noronha Rodrigues (Portugal)

    Juan Ruiz Manero (Espanha)Luigi Ferrajoli (Itlia)

    Luis Carlos Cancellier de Olivo (Brasil)

    Manuel Atienza Rodrguez (Espanha)

    Peter Hberle (Alemanha)

    Ricardo Sebstian Piana (Argentina)

    Sandra Negro (Argentina)

    Thomas Simon (ustria)

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    Reitora

    Roselane NeckelVice-Reitora

    Lcia Helena Pacheco

    CENTRO DE CINCIAS JURDICAS

    DiretoraOlga Maria Boschi Aguiar de Oliveira.

    Vice-DiretorUbaldo Cesar Balthazar

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO

    CoordenadorLuiz Otvio Pimentel

    SubcoordenadorArno Dal Ri Jnior

    FUNDAO JOS ARTHUR BOITEUX

    Presidente do Conselho EditorialLuis Carlos Cancellier de Olivo

    Conselho EditorialAntnio Carlos Wolkmer

    Eduardo de Avelar LamyHorcio Wanderlei Rodrigues

    Joo dos Passos Martins Neto

    Jos Isaac Pilati

    Jos Rubens Morato LeiteRicardo Soares Stersi dos Santos

    Conselho Editorial da Coleo

    Editora Fundao BoiteuxUFSC CCJ 2 andar sala 216

    Campus Universitrio Trindade Caixa Postal 6510Florianpolis/SC 88.036-970 Fone: (48) 3233-0390

    [email protected] www.funjab.ufsc.br

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    Thais Luzia ColaoEloise da Silveira Petter Damzio

    Coleo Pensando o Direito no Sculo XXI

    Volume IV

    Florianpolis, SC, 2012

    Novas Perspectivas paraa Antropologia Jurdica

    na Amrica Latina:o Direito e o Pensamento Decolonial

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    2012 Dos autores

    Coordenao EditorialDenise Aparecida Bunn

    Capa e Projeto GrcoRita Castelan Minatto

    Editorao

    Claudio Jos GirardiRevisoSergio Luiz Meira

    ImpressoGrfca e Editora Copiart Ltda.

    Catalogao na publicao por: Onlia Silva Guimares CRB-14/071

    C683n Colao, Thais Luzia Novas perspectivas para a antropologia jurdica na Amrica Latina : o direito e o pensamento decolonial / Thais Luzia Colao, Eloise da Silveira Petter Damzio. Florianpolis : Fundao Boiteux, 2012. 224p. (Pensando o Direito no Sculo XXI) rea de Concentrao:

    Direito, Estado e Sociedade

    Inclui bibliograa ISBN: 978-85-7840-077-4

    1. Direito e antropologia Amrica Latina. 2. Etnologia jurdica. 3. Sociologia jurdica. 4. Propriedade intelectual. 5. Pluralismo jurdico. I. Damzio, Eloise da Silveira Petter. II. Ttulo.

    CDU: 397:34

    Obra publicada com recursos do PROEX/CAPES.

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    SUMRIO

    Introduo 07

    A Constituio de um Pretenso Saber JurdicoUniversal e o Colonialismo 15

    1 O Ponto Zero do Conhecimento e aSubalternizao dos Saberes Locais 15

    2 Francisco de Vitria e os Debates de Valladollid:Os Direitos dos ndios 23

    3 O Iluminismo: Evoluo, Estado de Naturezae Direito Ocidental 40

    A Antropologia Jurdica, o Colonialismo e o Direito:entre os Saberes Universais e os Saberes Locais 55

    1 Os Estudos Antropolgicos e o Colonialismo:Raa e Cultura 55

    2 A Antropologia Jurdica: O Direito OcidentalUniversal e o Direito Primitivo Local 68

    O Multiculturalismo Ocial e o Discurso

    do Desenvolvimento 831 A Subalternizao de Saberes no Discurso

    do Desenvolvimento 832 O Multiculturalismo Ocial 883 Direitos Humanos, Direitos Indgenas

    e Pluralismo Jurdico Multiculturalista 99

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    O Pensamento Decolonial Latino-Americano 113

    1 Estudos Ps-Coloniais e Decoloniais 1132 O Pensamento Decolonial e a Modernidade/Colonialidade 124

    3 A Decolonialidade e a Emergncia dos Saberes Locais 143

    Novas Perspectivas para a Antropologia Jurdicana Amrica Latina: Aportes Decoloniais 151

    1 Interculturalidade, Pluralismo Jurdico e EstadoPlurinacional 151

    2 Ecologia Poltica e Propriedade Intelectual:Um Enfoque Decolonial da Natureza 166

    3 Direito, Redes e Decolonialidade 1774 O Direito Pensado a Partir dos Saberes Locais:A Decolonialidade do Conhecimento 186

    Concluso 201

    Referncias Bibliogrcas 207

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    INTRODUO

    H vrias geraes, muitos pensadores produzem teoriasjurdicas que dizem respeito a todas as pessoas do planeta. Paraeles o direito, assim como a economia ou a poltica, somentepode ser identicado em sua forma verdadeira a partir domodelo europeu de conhecimento. Tal padro representaria onico caminho para uma humanidade plena; sendo assim eledeveria ser ampliado para o resto do mundo.

    Ao se colocar como o nico conhecimento vlido,as reexes sobre o direito que foram elaboradas a partir daEuropa subalternizaram os demais saberes tanto no interior desua prpria histria como tambm em relao aos territrioscolonizados. A pretenso era substituir a diversidade dos sabereslocais por um conhecimento supostamente universal e neutro.

    Entretanto, presenciamos um momento histrico no qualos saberes considerados como locais, inferiores e primitivosentram em cena, no apenas exigindo reconhecimento e inclusonos padres de conhecimento eurocntricos. Pelo contrrio,atuam questionando a prpria constituio histrica dessarelao de conhecimento pautada na subalternizao de saberes.

    Nesse contexto, podemos destacar a emergncia de uma

    pluralidade de perspectivas de estudos na Amrica Latina.Acreditamos que tais esferas de reexo permitem abrirespaos para novas formas de pensamento e conhecimento no

    vinculadas a um saber de carter universalista.

    No interior de tais perspectivas so de grande relevnciaos estudos decoloniais1 latino-americanos, principalmente com

    1 Preferimos utilizar o termo decolonial e no descolonial. O conceitoem ingls decoloniality; sobre esse termo existe um consenso entre os autoresvinculados a essa perspectiva de estudo. J com relao traduo paraespanhol e portugus no h uma posio unnime. Entretanto, preferimos o

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    relao s temticas do estado plurinacional, da interculturalidade

    e do pluralismo jurdico, das novas constituies da Bolvia edo Equador, bem como dos recentes trabalhos sobre a questoambiental e o ciberespao.

    O pensamento decolonial reete sobre a colonizaocomo um grande evento prolongado e de muitas rupturas e nocomo uma etapa histrica j superada. Neste sentido fala emcolonialidade. Porm no se trata de um campo exclusivamente

    acadmico, mas refere-se, sobretudo, a uma nova tendnciapoltica e epistemolgica. Envolve vrios atores sociais e reete odesenrolar de um processo que permite no apenas a crtica dosdiscursos ocidentais e dos modelos explicativos modernos,como tambm a emergncia de distintos saberes que surgem apartir de lugares outros de pensamento.

    Com este livro buscaremos, especicamente, mostrarcomo a ideia de um modelo de direito ocidental universalserviu para estabelecer a colonialidade do conhecimento eassim subalternizar saberes. Para fraturar esta relao colonial necessrio romper com este padro e comear a pensar odireito a partir dos diferentes mundos e culturas.

    A antropologia jurdica, enquanto campo de estudo quetradicionalmente estuda as culturas locais e os seus sistemasjurdicos, uma esfera privilegiada que se abre nos cursos deDireito para estas novas perspectivas. Entretanto, no mais comouma disciplina eurocntrica fechada em si mesma, mas comoum espao de investigao plural, direcionada principalmentepara uma crtica da viso hegemnica do direito.

    termo decolonial, pelos mesmos motivos que Walsh (2009, p. 15-16). A autoraprefere utilizar o termo decolonial, suprimindo o s para marcar umadistino com o significado de descolonizar em seu sentido clssico. Deste

    modo quer salientar que a inteno no desfazer o colonial ou revert-lo, ouseja, superar o momento colonial pelo momento ps-colonial. A inteno provocar um posicionamento contnuo de transgredir e insurgir. O decolonialimplica, portanto, uma luta contnua.

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    Buscando delinear um possvel caminho em direo ao

    que nos propomos com este trabalho, dividiremos o livro emcinco captulos.

    No primeiro captulo analisaremos como se constituiu his-toricamente um pretenso saber jurdico universal que se imaginoucomo deslocalizado e assim subalternizou os saberes locais.

    Nesta discusso importante considerar as noesde imaginrio do ponto zero, teopoltica e egopoltica do

    conhecimento como conceitos chaves para pensar histori-camente estes processos subalternizadores de povos e sabres.Explicaremos como as discusses e reexes sobre o outro,feitas a partir de um pretenso universal que tem o poder de pensaro local, surgem no discurso do direito muito antes do sculoXIX e da formao da disciplina cientca Antropologia Jurdica.Neste cenrio ser considerado o papel de Francisco de Vitria e

    os debates de Valladollid no sculo XVI como momentos iniciaisdo estabelecimento deste padro eurocntrico de conhecimento.

    Alm disso, reetiremos como o Iluminismo e suas ideias deevoluo, estado de natureza e direito, contriburam para odomnio e a colonizao das demais culturas, principalmentesubalternizando e silenciando os saberes.

    Em seguida, no segundo captulo, reetiremos sobre o

    surgimento da antropologia e da antropologia jurdica, bemcomo de sua relao com o colonialismo e o direito.

    Inicialmente trataremos como a antropologia, por seruma cincia que surge com o Iluminismo, tambm est inseridano imaginrio do ponto zero, no qual o antroplogo pretendeser neutro, estando assim separado do espao e do tempo. a partir deste local deslocalizado e universal que ele estuda

    as culturas locais. Analisaremos como este imaginrio permitiuque a antropologia e a antropologia jurdica colaborassem com

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    a consolidao do colonialismo e a subalternizao dos saberes

    jurdicos locais, principalmente ao solidicar a ideia da existnciade um direito ocidental que seria universal, em detrimentode um suposto direito primitivo que seria local. Embora,muitos pensadores armem que as inocncias antropolgicas(o selvagem, o primitivo, por exemplo) foram amplamentesuperadas, a maioria das crticas fracassaram em percebere questionar a relao epistmica que estabelece saberespretensamente universais produzidos por sujeitos universais.

    O terceiro captulo abordar como o multiculturalismoocial e o discurso do desenvolvimento colaboram, mesmocom uma postura disfarada, para a subalternizao dos sa-beres locais.

    Da mesma forma que a gura do primitivo serviu parasubalternizar o outro, consideramos que a atual ideia de

    subdesenvolvido (ou em desenvolvimento, emergenteem vias de industrializao) justica os projetos deinterveno a partir de um imaginrio do ponto zero no s doconhecimento, mas tambm da justia, da moral, da felicidadeetc. O multiculturalismo ocial (dos estados e dos organismosmultilaterais) tambm remete a uma postura que aparentementedefende os saberes locais, porm faz isso sem questionar asrelaes coloniais e, desse modo, fortalece a classicao depessoas e saberes. Neste cenrio aparecem os novos direitosindgenas e tambm um pluralismo jurdico multiculturalista quepauta-se apenas no reconhecimento e incluso indgena.

    Mesmo que o multiculturalismo ocial se direcioneapenas para o reconhecimento e incluso do outro, ele abreespaos que potencialmente podem permitir rupturas na lgicasubalternizadora de conhecimento. Neste sentido, no quartocaptulo, trataremos sobre o surgimento dos estudos ps-coloniais e principalmente decoloniais. Estes ltimos surgem na

    Amrica Latina.

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    Abordaremos as principais categorias de trabalho dos

    estudos decoloniais, como sistema-mundo, moderno/colonial,colonialidade, mito da modernidade, eurocentrismo, teopolticae egopoltica do conhecimento, imaginrio do ponto zero,colonialidade do saber, decolonialidade, entre outras. A principalcontribuio dos estudos decoloniais para a antropologia jurdicae para o direito como um todo que eles permitem entender osdiscursos jurdicos pretensamente universais como construes

    que surgem a partir das relaes coloniais de conhecimento.No ltimo captulo reetiremos sobre o direito e opensamento decolonial, ou seja, sobre as novas perspectivas deestudos para a antropologia jurdica na Amrica Latina.

    Neste contexto reetiremos como os estudos sobre ainterculturalidade, pluralismo jurdico, estado plurinacional,ecologia poltica e ciberespao podem ser fundamentais

    para se pensar o direito a partir dos saberes locais. Estasnovas perspectivas permitem romper com as lgicas dosujeito universal e do objeto local, propiciando assim adecolonialidade do conhecimento no mbito jurdico.

    Fundamental, sobretudo, destacar que a principalcontribuio destas novas perspectivas de estudos para aantropologia jurdica que elas rompem com a ideia do eu

    que estuda o outro; e assim, do conhecimento universal quetem o poder de conhecer os saberes locais. Pelo contrrio, soos prprios saberes locais que emergem questionando a ideia deuniversalidade dos saberes.

    Trata-se, portanto, no apenas de uma nova maneirade pensar o direito, mas de novas formas de pensamento quedescentralizam e pluralizam o que tem sido considerado como

    jurdico ou direito.

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    CAPTULO

    I

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    VolumeIVNovasPerspectivasparaaAntropologiaJurdicanaAmricaLatina:ODireitoeoPensamentoDecolonial

    A CONSTITUIO DE UM PRETENSO

    SABER JURDICO UNIVERSALE O COLONIALISMO

    1 O Ponto Zero do Conhecimento e aSubalternizao dos Saberes Locais

    Durante os ltimos 500 anos (pelo menos) apenasuma forma de conhecer o mundo, a epistemologia ocidental,postulou-se como vlida, quer dizer a nica capaz de propiciarconhecimentos verdadeiros sobre o direito, a natureza, aeconomia, a sociedade, a moral e a felicidade das pessoas. Todasas demais formas de conhecer o mundo foram relegadas aombito da doxa, como se fossem o passado da cincia moderna,e consideradas, inclusive, como um obstculo epistemolgicopara alcanar a certeza do conhecimento.

    Nesse sentido, Castro-Gmez (2007b, p. 69) indaga:Como s uma forma de racionalidade conseguiu postular--se como a nica forma legtima de conhecer o mundo? Em

    virtude de que tipo de poder os conhecimentos outros

    foram expulsos do mapa das epistemes e degradados aocarter subdesenvolvido da doxa?

    Acreditamos que a construo de uma forma deconhecimento superior s demais se deu em virtude do imaginriode que existiriam conhecimentos vlidos para todo o mundo,produzidos por sujeitos neutros (independentes do espao e dotempo) que teriam os mtodos certos para descobrir verdades

    universais. Neste sentido, Castro-Gmez (2005b, p. 18) fala deum pretenso imaginrio do ponto zero do conhecimento.

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    ColeoPensandooDireitonoSculoXXI

    O ponto zero o imaginrio segundo o qual um observa-

    dor do mundo social pode-se colocar em uma plataforma neutrade observao e, a partir dela, pode observar tudo e ao mesmotempo no pode ser observado de nenhum ponto. Os habitan-tes do ponto zero, sejam cientistas ou lsofos, esto convenci-dos de que podem adquirir um ponto de vista sobre o qual no possvel adotar nenhum outro ponto de vista.

    Localizar-se no ponto zero signica

    [...] ter o poder de nomear pela primeira vez o mundo; de traarfronteiras para estabelecer quais conhecimentos so legtimos e quaisso ilegtimos, denindo quais comportamentos so normais e quaisso patolgicos. Por isso, o ponto zero o do comeo epistemolgicoabsoluto, mas tambm o do controle econmico e social sobre omundo. Localizar-se no ponto zero equivale a ter o poder de instituir,de representar, de construir uma viso sobre o mundo social e naturalreconhecida como legtima e autorizada pelo Estado. (CASTRO-

    GMEZ, 2005b, p. 25).

    Contudo, o ponto zero apenas um imaginrio, umailuso; nossos conhecimentos sempre so produzidos a partirde determinado local.

    Para Foucault (2002, p. 9), os saberes pretensamenteuniversais no podem ser encarados como algo produzido

    por sujeitos deslocalizados, mas so inventados por meio dediscursos. O que se denomina como conhecimento verdadeiro constitudo pelo jogo de regras, por discursos que condicionamesses saberes. A verdade um produto do poder-saber, daarticulao entre estratgias de poder e de discursos consideradoscomo verdadeiros.

    Foucault discute os procedimentos de produo de

    discursos, dando nfase aos mecanismos de poder relativos constituio das prticas discursivas. Discurso no se restringe

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    VolumeIVNovasPerspectivasparaaAntropologiaJurdicanaAmricaLatina:ODireitoeoPensamentoDecolonial

    ao seu aspecto lingustico, mas compreende os jogos estratgicos

    de ao e de reao, de pergunta e de resposta, de dominaoe de esquiva, como tambm de luta (FOUCAULT, 2002, p. 9).

    Todos os discursos so acontecimentos localizados, soproduzidos a partir de sujeitos que se situam em determinadolugar e determinado tempo. No h um conhecimento universal,melhor, ou mais justo, mas discursos que possuem uma histria;e esta no poder ser separada das relaes de poder.

    Os discursos sobre o outro que se estabeleceram sobo manto da verdade e do sujeito universal (discursos cientcose tambm jurdicos, por exemplo) mascaram tanto a quem fala,como o lugar de onde fala e a poca (tempo) que fala. Almdisso, ocultam todas as relaes de poder que perpassam aconstruo discursiva.

    Deste modo, a classicao dos seres humanos e de seussaberes oculta o fato de ser vlida a partir de uma perspectivadada ou um locus de enunciao, da experincia geo-histricae biogrca do sujeito do conhecimento, isto , das experinciashistricas do Ocidente e da forma de ver o mundo sob umponto de vista masculino (MIGNOLO, 2007b, p. 41).

    No mbito do direito, muitos estudos se atm apenas

    letra da lei, abstrada das condies histricas e sociais que aproduziram. Esquecem que o direito no apenas aquilo queest nos cdigos, mas que construdo por certos sujeitos e apartir de determinados discursos (DAMZIO, 2008, p. 214-240).

    Nesse sentido, Haraway (1995) arma que os nossosconhecimentos so sempre situados, que se produzem a partirde lugares e atores sociais concretos.

    Haraway (1995, p. 18) trata da metfora da viso,falando no apenas na sua parcialidade, mas tambm na sua

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    corporalidade, contrapondo-se, assim, viso de lugar

    nenhum, ou seja, neutra e objetiva.

    Gostaria de insistir na natureza corprea de toda viso e assim resgataro sistema sensorial que tem sido utilizado para signicar um salto parafora do corpo marcado, para um olhar conquistador que no vemde lugar nenhum. Este o olhar que inscreve miticamente todos oscorpos marcados, que possibilita categoria no marcada alegar ter opoder de ver sem ser vista, de representar, escapando representao.(HARAWAY, 1995, p. 18).

    Para Shiva (2003, p. 21), o sistema dominante de co-nhecimento tambm um sistema local, baseado em deter-minada cultura, classe e gnero, ou seja, no universal emsentido epistemolgico.

    apenas a verso globalizada de uma tradio local extremamente

    provinciana. Nascidos de uma cultura dominadora e colonizadora,os sistemas modernos de saber so, eles prprios, colonizadores.(SHIVA, 2003, p. 21).

    Assim, no h uma diferena em termos de verdadeentre saberes locais e conhecimentos verdadeiros. Ambosso produzidos a partir de discursos, ou seja, so localizados,temporais e no alheios s relaes humanas.

    Geertz (1997, p. 11) utiliza da expresso saber local como sentido de evidenciar que [...] as formas do saber so sempree inevitavelmente locais e inseparveis de seus instrumentose de seus invlucros. Para o autor, todos os fenmenossociais, polticos, jurdicos, culturais so locais. Nesse sentido,a navegao, a jardinagem, e a poesia, o direito e a etnograa

    tambm so artesanatos locais: funcionam luz do saber local(GEERTZ, 1997, p. 249).

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    Entretanto, o sistema local Europa se constituiu

    discursivamente enquanto centro no s da histria, mas doconhecimento verdadeiro e universal. A distino entre a Europae o outro (frica, sia e Amrica) foi construda a partir daEuropa e no processo da construo da identidade europeia(MIGNOLO, 2001, p. 23).

    Ou seja, deslocalizado no imaginrio ponto zero doconhecimento, o pensador europeu se proclamou como o

    detentor de um saber universal que representaria a verdade,sendo que os outros detinham saberes locais; desta formase constitui o eurocentrismo.

    Os conceitos ocidentais1 de estado, democracia, direitoshumanos, entre outros, foram com o decorrer do tempouniversalizados, silenciando muitos saberes e prticas anteriores colonizao.

    Os discursos que se estabelecem sob o manto da verdadee do sujeito universal mascaram o sujeito do conhecimento, ofato de sua localizao, de sua histria, das relaes de poderque o perpassam. De acordo com Foucault (2000, p. 12), umdos efeitos desse tipo de discurso que ao se colocar comoverdade universal, oculta e silencia os outros saberes. Sobre

    estes outros saberes silenciados, Foucault (1999, p. 11)chama-os de saberes sujeitados. So saberes consideradoscomo locais, descontnuos, menores e, assim sendo, nolegitimados pelos discursos hierarquizantes que esto de acordocom as exigncias da verdade.

    1Como j salientamos, ao nos referirmos ao Ocidente no estamos tratando

    de uma entidade homognea, mas a determinados discursos. Vale notar quemuitas construes ditas discursivamente como ocidentais so apropriaesdo mundo no ocidental ou ideias criadas a partir da relao colonial com omundo no ocidental.

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    ColeoPensandooDireitonoSculoXXI

    Nesse mesmo sentido Shiva (2003, p. 21-23), fala em

    produo de saberes desaparecidos.

    O desaparecimento do saber local por meio de sua interao como saber ocidental dominante acontece em muitos planos, por meiode muitos processos. Primeiro fazem o saber local desaparecersimplesmente no o vendo, negando sua existncia. Isso muito fcilpara o olhar distante do sistema dominante de globalizao. Em geralos sistemas ocidentais de saber so considerados universais. [...] Oprimeiro plano da violncia desencadeada contra os sistemas locais do

    saber no consider-los um saber. A invisibilidade a primeira razopelo qual os sistemas locais entram em colapso, antes de serem testadose comprovados pelo confronto com o saber dominante do Ocidente.

    A prpria distncia elimina os sistemas locais da percepo. Quandoo saber local aparece de fato no campo da viso globalizada, fazemcom que desaparea negando-lhe o status de um saber sistemtico eatribuindo-lhes os adjetivos de primitivo e anticientco.

    Alm de tornar o saber local invisvel, negando suaexistncia e legitimidade, o sistema dominante tambm faz asalternativas desaparecerem apagando a realidade que elas tentamrepresentar. Criam-se, desta forma, segundo Shiva (2003, p. 25)as monoculturas da mente, ou seja, o pensamento nico.

    Desse modo, o saber cientco dominante cria uma monoculturamental ao fazer desaparecer o espao das alternativas locais, de

    forma muito semelhante a das monoculturas de variedades de plantasimportadas, que leva substituio e destruio da diversidade local.(SHIVA, 2003, p. 25).

    Para Santos (2008, p. 106) necessrio ir alm damonocultura da cincia moderna.

    Do ponto de vista epistemolgico, a sociedade capitalista moderna

    caracteriza-se por favorecer as prticas nas quais predominamas formas de conhecimento cientco. Isto implica que apenas aignorncia destas seja verdadeiramente desqualicante. Este estatuto

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    privilegiado concedido s prticas cientcas faz com que suasintervenes na realidade humana sejam favorecidas.

    Como no h conhecimentos puros nem conhecimentoscompletos, mas h constelaes de conhecimento, evidenteque a reinvindicao da cincia moderna do seu carter universal apenas uma forma de particularismo, cuja particularidadeconsiste em ter poder para denir como particulares, locais,contextuais e situacionais todos os conhecimentos que com ela

    rivalizam (SANTOS, 2008, p. 154).Diante do papel subalternizador do conhecimento

    cientco, Santos (2008, p. 106-108) fala sobre a ecologia dossaberes. Esta se baseia no reconhecimento da pluralidade desaberes heterogneos; o conhecimento considerado comointerconhecimento.

    A ecologia dos saberes desaa as hierarquias universaise abstratas de poderes que foram naturalizadas com o decorrerdo tempo. Segundo Santos (2008, p. 108), refere-se formaepistemolgica das lutas sociais emancipatrias emergentes,sobretudo no Sul. Estas lutas tornam visveis

    [...] as realidades sociais e culturais das sociedades perifricas dosistema mundo onde a crena na cincia moderna mais tnue, onde

    as ligaes entre cincia moderna e os desgnios da dominao coloniale imperial so mais visveis, e onde outras formas de conhecimentono cientco e no ocidental persistem nas prticas sociais de vastossetores da populao. (SANTOS, 2008, p. 108).

    As epistemologias do Sul, conforme Santos (2005,p. 91-93) esto amparadas a partir de dois pontos. O primeiroconsiste em analisar que h uma pluralidade interna da cincia.

    A cincia em geral e as cincias sociais em especial tm umapluralidade interna enorme; no h uma s maneira de fazer

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    cincia, mas vrias. O segundo, diz respeito pluralidade

    externa, ou seja, as relaes entre cincia e outros saberes,populares, dos camponeses, dos povos urbanos. Saberes danossa gente que de algum jeito a cincia destruiu porqueconsiderou como saberes sem rigor, no eruditos, noformalizados nem institucionalizados.

    Foucault (1999, p. 13) fala da necessidade de umempreendimento de insurreio dos saberes sujeitados

    (menores, locais, desaparecidos). Isto possvel, pois os diversossaberes permeados por cosmologias e histrias distintas, mesmoque silenciados e ocultados pelo conhecimento ocidental,continuam vivos na memria de diferentes povos.

    Na frica, a diviso imperialista do nal do sculo XIX at o incio dosculo XX pelos pases ocidentais (o que provocou a Primeira GuerraMundial) no mudou o passado da frica pelo passado da Europa

    Ocidental. E o mesmo se aplica Amrica do Sul, onde 500 anos dedomnio colonial no apagaram a energia, a fora, e as memrias dopassado indgena (veja os eventos atuais na Bolvia, Equador, Colmbia,sul do Mxico e Guatemala), nem tampouco excluiu a histria e amemria de comunidades de ascendncia africana no Brasil, Colmbia,Equador, Venezuela e Caribe. (MIGNOLO, 2009, p. 40).

    H outros direitos, outras formas de pensar o direito

    baseadas em outras histrias e experincias e no apenas nosmodelos epistmicos jurdicos ocidentais. Estas formas deconhecimento no almejam a universalidade, mas se reconhecemenquanto locais. claro, que quando falamos em local, noqueremos dizer que os saberes so separados e no se comunicamentre si. Pelo contrrio, o local sempre interlocal, pormnunca epistemicamente universal.

    Entretanto, importante analisarmos como os conheci-mentos locais ocidentais, especicamente os jurdicos, se consti-turam enquanto universais e, assim, subalternizaram os demais.

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    Bem como, qual foi o papel da antropologia jurdica considera-

    da como estudo do outro e de seus sistemas jurdicos, nestaconstituio epistemolgica eurocntrica.

    Ao fazermos esta anlise histrica, abrimos espao para oplural e para o diverso, para aqueles que foram considerados oracomo brbaros, ora como primitivos ora como subdesenvolvidos,e assim tiveram tambm os seus saberes silenciados por umpretenso saber universal.

    2 Francisco de Vitria e os Debates deValladollid: Os Direitos dos ndios

    De acordo com Mignolo (2004, p. 668), os padres deconhecimento eurocntricos que permitiram a classicaodos seres humanos foram estabelecidos primeiro em nome

    da teopoltica do conhecimento e depois da egopoltica; taisformas de conhecimento atuaram de maneira a subalternizaroutros saberes. Os saberes que no partiam dessa perspectivade conhecimento foram logo desqualicados e consideradoscomo mitos e lendas ou como saberes tradicionais esaberes locais.

    A partir da inveno de um universal abstrato, primeiro

    Deus (teopoltica) e depois um eu transcendental (egopoltica),o colonizador (seja o cristo, o civilizado, o racional ou ocientista) construiu um discurso que apregoava a existncia deum conhecimento descontextualizado tanto no tempo comono espao.

    Desde o Renascimento at o Iluminismo, a teologiadominou a cena epistmica; ela se tornou o padro imperial doconhecimento na parte colonizada do mundo, do sculo XVIIao XVIII (MIGNOLO, 2005, p. 54).

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    O cristianismo enquanto losoa (a teologia) e enquanto

    prtica (o colonialismo nas Amricas) estabeleceu os alicerces damodernidade e tambm da colonialidade ao solidicar um lugarprivilegiado de enunciao. Era a partir da perspectiva do cristia-nismo que as outras religies, as pessoas e seus conhecimentoseram descritos classicados e hierarquizados (por exemplo, re-ligies e saberes islmicos-arbes, confucionistas-chineses, co-nhecimentos incaicos-astecas) (MIGNOLO, 2004, p. 676).

    Ou seja, o cristianismo detinha um duplo privilgio:ser um dos lugares da crena e do conhecimento humano e,alm disso, o nico lado de cuja perspectiva todas as outrascrenas e conhecimentos podiam ser descritos, classicados ehierarquizados (MIGNOLO, 2004, p. 676).

    Como exemplo inicial da constituio de um pretensosaber jurdico universalista de carter teopoltico, podemos citaro encontro entre os europeus e os ndios, no territrio que foichamado de Amrica.

    Tanto a palavra Amrica como ndios foram estabele-cidas pelos europeus e tornaram-se excludentes de todos os ou-tros nomes possveis (OSAMU, 2004, p. 22). Da mesma forma,foram os europeus, enquanto sujeitos de conhecimento, quemdeniram a humanidade e os direitos do que chamaram de n-

    dios, assim como zeram inicialmente Francisco de Vitria,Bartolom de Las Casas e Juan Gins de Seplveda.

    As discusses e reexes sobre o outro, surgem,portanto, no discurso do direito durante o sculo XVI, muitoantes da formao da disciplina cientca Antropologia Jurdica.Podemos encontr-las no incio da colonizao da Amrica,principalmente no debate de Valladolid, no qual participaram

    Las Casas e Seplveda, bem como nas reexes de Franciscode Vitria sobre o direito das gentes. Nesse momento osocidentais descobriram os ndios e comearam a deni-

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    los, estud-los, construindo assim discursos jurdicos coloniais

    sobre e em relao com esses outros.Ao se tratar de teoria poltica ou jurdica traada umalinha que se inicia com Plato e Aristteles, passando porMaquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu at chegar aos l-sofos contemporneos. Entretanto essa histria tem um desvioimportante que no levado muito em conta pela histria doOcidente. Trata-se justamente dos debates jurdicos e polticos

    desenrolados no sculo XVI, os problemas sobre o encontroentre os cristos e os outros (enormes quantidades de terratambm) cuja existncia estes desconheciam.

    O frade dominicano Francisco de Vitria consideradopor muitos como o pai do direito internacional moderno. Seutratado Relectio de Indis, de 1539, tido como fundacional nahistria dessa disciplina.

    Nos debates iniciais acerca do direito das gentes, Vitriaquestionou a moralidade que justicava o mau trato aos ndiose a legitimidade de sua escravizao por parte das autoridadescoloniais. A partir dos primeiros anos da conquista, os colonosespanhis utilizaram um sistema servil na relao com os ndios,a encomienda.2

    A implantao da encomienda (uma instituio econmica

    que os espanhis tinham estabelecido enquanto empurravam osmouros para o sul, expropriando suas terras) uma das estruturasiniciais tanto da apropriao da terra como da explorao de mode obra. O encomendero recebia em doao, da parte do Rei,um pedao de terra e um nmero signicativo de trabalhadoresindgenas como servos e escravos (MIGNOLO, 2010, p. 83).

    2Alm das encomiendas, as Bulas Papais e os requerimientoseram os documentosjurdicos da poca nos quais os juristas e os telogos debatiam para justificarou condenar as guerras empreendidas nas ndias (RUIZ, 2004, p. 79).

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    A encomiendaoutorgava o direito aos espanhis de cobrar

    tributos e explorar o trabalho dos ndios. Em troca, esteseram convertidos ao cristianismo e recebiam certa proteo(MENDOZA, 2006, p. 89).Vivendo das rendas produzidaspelos ndios, os encomenderostornaram-se os senhores naturaisda terra.

    Confrontada diante das atrocidades cometidas contra osndios pelos conquistadores espanhis, a Igreja se viu obrigada

    a criar uma noo normativa de humanidade congruentecom suas doutrinas teolgicas, que pudesse justicar aconquista que se levava adiante. Para que os ndios pudessemser convertidos, civilizados ou colonizados com legitimidade,deviam ser concebidos ontologicamente segundo a concepode ser humano preestabelecida (MENDOZA, 2006, p. 86-88).

    Tanto para Vitria como tambm para Las Casas, os ndios

    deveriam ser considerados como pertencentes humanidade etambm como possuidores de direitos. Mas, acreditamos que importante perguntar sobre quem decide o que humanidade equais so os direitos. Obviamente que so aqueles que se situamno mesmo patamar de Vitria e Las Casas; estes falam a partir desuas histrias locais e de suas concepes crists que postulamser universalmente vlidas.

    Para os telogos europeus seu conhecimento era universal,pois eles se estabeleceram epistemicamente em um lugar emque podiam conhecer sem ser conhecidos. por isso que emnenhum momento, tanto Vitria como Las Casas, cogitarampensar se os conceitos de humanidade ou direito como elesos entendiam eram os mesmos entre os ndios, tampouco separa os ndios era importante pensar sobre esses conceitos.

    A comunidade internacional, para Vitria, resulta dasociedade natural do homem; esta no se detm nos limites de

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    seu povo, mas se estende universalidade do gnero humano.

    Sua origem no contratual, mas o direito das gentes (iusgentium). Trata-se de delimitar um espao onde no reine a forabruta, mas sim certas regras que se adaptem s modalidades deuma poltica mundial que comea a se estabelecer.

    Vitria (2006) concordava que os ndios viviam em vio-lao aos direitos naturais. Entretanto argumentava que osnativos no poderiam ser considerados culpados e punidos

    por essas faltas pelo fato de ignorarem as leis naturais. ParaVitria, o direito de ocupao do novo continente no podiafundar-se na soberania legtima do papa ou do imperador, jque nenhum deles tem autoridade temporal sobre aquelas ter-ras e os povos que nelas vivem. Da mesma forma, os pecadose o paganismo no podem ser usados como justicao, uma

    vez que os ndios no estavam sob jurisdio de qualquer cor-

    te espanhola ou eclesistica.A partir do direito de comunicao e de sociabilidade

    universal, Vitria (2006) arma que os espanhis podiampercorrer as terras ocupadas pelos brbaros e, alm disso, adquirira possibilidade de estabelecer-se permanentemente na Amrica,explorar as riquezas naturais, comercializar e evangelizar.

    um dever ento dos ndios receberem os espanhis e

    propiciar a comunicao. O direito de comunicao se converte,portanto, em uma justicao da presena e permannciaespanhola na Amrica, com a exclusividade comercial includa.

    Tal direito vai, ento, legitimar a conquista colonialista que irimpor os padres eurocntricos de conhecimento.

    O pertencimento a uma mesma humanidade (espanhise ndios) um pr-requisito crucial para a elaborao de um

    direito comum que se apresenta como neutro, universal e estalicerado sobre qualidades possudas por todos os povos.

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    A ideia de um direito comum a todos os povos pressupe,

    por conseguinte, a concepo de uma natureza humana comum,ou seja, de humanidade comum, caracterizada pela racionalidade.Supe ainda que tal natureza esteja para alm do espao e dotempo, para alm da condio geogrca e corpogrca dediferentes povos e culturas. Entretanto importante destacarmoso fato de que quem dene a natureza humana comum e o direitocomum so os espanhis cristos e no os ndios.

    Assim, Vitria, ao agrupar aos quechuas, os aymaras,os nuatles, os maias etc. sob a denominao de ndios etambm ao estabelecer um padro universal de humanidade jestava incorrendo em uma classicao racial. Desta maneira,no lhe resultou difcil concluir que, embora fossem iguaisaos espanhis no mbito do direito das gentes, os ndioseram infantis e necessitavam da orientao e da proteo dos

    espanhis (MIGNOLO, 2009, p. 46).De fato, uma das consequncias que se espera do direitode comunicao que os indgenas recebam por intermdio dapresena dos espanhis, os ensinamentos sobre Cristo. Se, pela

    violncia, os ndios impedirem esta tarefa, era lcito mover umaguerra contra eles, depondo seus senhores tradicionais, aproprian-do-se de seus bens e, alm disso, submetendo-os escravido.

    Nesse contexto, os debates de Valladolid entre Gins deSeplveda e Bartolom de las Casas, que se deram entre 1550 e1551, assumem um papel fundamental.

    Esses debates, segundo Todorov (2003, p. 219-220),ocorreram porque o lsofo Gins de Seplveda, conhecidoerudito da poca, no obteve autorizao para imprimir o seutratado consagrado s guerras justas contra os ndios. Buscando

    uma espcie de recurso, solicitou um encontro diante de umgrupo de doutos, juristas e telogos, na cidade de Valladolid.Para defender o ponto de vista oposto, pronticou-se o frei

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    dominicano Bartolom de Las Casas, conhecido pela defesa

    causa dos ndios assolados pelos exrcitos espanhis. O conitono foi solucionado; mesmo depois de ouvir longos discursos(o de Las Casas dura cinco dias) os juzes no tomaram nenhumadeciso, entretanto a balana pendeu para o lado de Las Casas,pois Seplveda no obteve a autorizao para publicar seus livros.

    Bruit (1995, p. 122-125) diz que a controvrsia deValladolid se resumia em duas partes. Os dois pontos mais

    importantes da controvrsia referiam-se condio de barbriedos ndios e questo da guerra como mecanismo prvio paraa evangelizao. A primeira parte questiona se: eram os ndiosto brbaros e inferiores ao ponto de ser necessria a guerrapara tir-los desse estado? A outra questo era de direito: erajusta, em si, a guerra contra os ndios como meio de propagaro cristianismo na Amrica? A essas duas questes Seplveda

    respondeu que sim, mas Las Casas foi enftico na negativa.Para Seplveda, os povos brbaros e nesse caso os ndiosdeveriam ser considerados como separados da humanidade, poisestariam margem das condies bsicas para o reconhecimento.Pertencer humanidade era privilgio apenas dos cristos.Seplveda restringe, portanto, o direito natural somente aospovos localizados na Europa do sculo XV e XVI.

    Da mesma forma que Vitria, e em oposio aos argumentosde Seplveda, Las Casas defende a humanidade dos ndios. interessante destacar que Las Casas foi encomendero, recebendo suaencomienda por ter guerreado contra os ndios. Entretanto, em 1514ele foi sensibilizado pelas palavras do frei dominicano Antonio deMontesinos3; e assim devolveu as terras e ndios e passou defesada causa indgena (COLAO, 2000, p. 91).

    3Em 1511, durante uma missa, Antonio de Montesinos proferiu um sermoque denunciava as atividades dos encomenderose dos colonizadores em geral.Para Montesinos, estes viviam em pecado mortal (COLAO, 2000, p. 89).

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    A defesa dos ndios por parte de Las Casas, deste modo,

    j era conhecida anteriormente aos debates de Valladolid. O freidominicano j havia produzido a Brevsima relacinde la destruicinde las Indiase tambm participado da formulao das Leyes nuevas,em 1542 (revogadas em 1545). Tais leis surgiram a partir dointeresse da Coroa espanhola para diminuir o controle dosencomenderos sobre os ndios e em relao ao controle polticonas colnias.

    Nesse sentido, conforme Romano (1973, p. 48), a posiode Las Casas reete os interesses da Coroa e seu desejo de tirar os

    ndios da tutela dos encomenderos. Seplveda, enquanto partidrioda guerra justa contra os ndios e defensor do direito dosespanhis em escraviz-los, porta-voz de tais encomenderos.

    Seplveda argumenta pela natural inferioridade dosindgenas diante da maior racionalidade com a qual os

    espanhis se guiavam. A inferioridade dos ndios defendidapor Seplveda a partir do pensamento de Aristteles4sobre acondio dos escravos. Segundo Aristteles, os brbaros eramescravos por natureza. Desta forma, se os ndios so brbaros,tambm so escravos por natureza. Como justo guerrear contraos naturalmente escravos para domin-los, tambm seria justoguerrear contra os ndios para domin-los, pois estes seriamnaturalmente escravos.

    Seplveda era grande conhecedor dos textos de Aristteles,tendo inclusive traduzido alguns, e entre eles a Poltica. LasCasas, entretanto, armou que Seplveda, famoso pelo seuconhecimento das obras de Aristteles, no tinha entendido emabsoluto a sua teoria da escravido (SILVA FILHO, 2008, p. 344).

    4Aristteles (1997), em Poltica, Livro 1, afirma que os gregos so senhoresnaturais e devem comandar os brbaros, que so naturalmente escravos.

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    Las Casas (2000, p. 17-36) no contesta a teses de Aris-

    tteles de que h escravos por natureza, entretanto questionao conceito de servido natural dos indgenas.5Depois de de-nir o conceito de barbrie e os diferentes tipos de brbaros,conclui que a doutrina da escravido natural no pode se apli-car aos ndios.

    Para Seplveda justa a guerra contra os ndios, pois elesdevem ser castigados pelos crimes que cometem (idolatria e

    sacrifcio de vtimas humanas) contra a lei natural. Alm disso,a guerra evitaria o sacrifcio de pessoas inocentes, facilitaria atarefa dos evangelizadores e a propagao do cristianismo.

    Diferente de Seplveda, Las Casas (2000, p. 71-73)considera que nem a Igreja, tampouco os prncipes e reiscristos, tm jurisdio para castigar os ndios por seuscrimes. A Igreja deve proteger os inocentes para que esses

    possam obter a salvao, isto , a fora no deve ser usadacomo mtodo de evangelizao.

    Las Casas denia a guerra de modo geral como praga pestilenta,destruio e calamidade lamentvel da linhagem humana e o bomcristo, antes de decret-la, deveria ter absoluta certeza da sua licitudepor culpa da outra parte, pois nenhum cristo poderia praticar aguerra contra nenhum inel, nem molest-lo sem estar cometendo

    pecado mortal, sendo obrigado a reparar o dano causado. (COLAO,2000, p. 83).

    Porm, para Las Casas no pelo fato do pecado sermuito grave que a Igreja tem autoridade para castig-lo, mas

    5

    Las Casas nunca negou a licitude de certos tipos de escravido. Nesse sentido,aceitava o ius gentium, e assim a legalidade de se escravizar prisioneiros de umaguerra justa. Em alguns momentos Las Casas, para defender os ndios, foifavorvel escravido africana.

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    apenas em algumas situaes a Igreja, poderia se defender e

    valer seus direitos.Las Casas s admitia a guerra justa em trs situaes: se

    guerreassem contra os cristos; se perseguissem, estorvassemou impedissem a pregao da f e da religio crist matando osevangelizadores e seus seguidores; se retivessem os reinos e osbens dos cristos (COLAO, 2000, p. 83).

    Se os ndios, por exemplo, caluniassem ou injuriassem o

    nome de Deus a guerra poderia ser continuada; entretanto LasCasas evidenciava que no era esse o caso.

    Na hiptese de proteo de vida dos inocentes a Igrejatambm tinha autoridade para promover a guerra (RUIZ, 2004,p. 86-87).

    Segundo Ruiz (2004, p. 88):

    Este direito de interveno por solidariedade o que caracteriza otrao moderno na teoria jurdica internacional Vitria o primeiroa formular essa nova pessoa jurdica a Humanidade e esse novocrime a injria contra a Humanidade e nesse sentido o mestre deSalamanca realmente um divisor de guas entre duas mentalidadesjurdicas: a medieval e a moderna.

    Essa nova pessoa jurdica, a humanidade, no apenas

    um trao moderno, mas tambm colonial. Nesse sentido a ideiade humanidade (que ir incluir os ndios) reete uma retricamoderna de incluso e avano, entretanto justica uma lgicacolonial de explorao e controle das populaes indgenas.Isso a partir de um pretenso ponto zero do conhecimento quesubalterniza os demais saberes.

    Mesmo possuindo uma retrica dissidente, Las Casas

    nunca ps em questo o fato de que os ndios deveriam sercristianizados. Alm disso, os adjetivos para qualicar os ndios

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    utilizados por Las Casas, tais como inocentes, humildes,

    paccos, transmitem a imagem servil do ndio, assumindodevotamente o sacrifcio do bom cristo (BRUIT, 1995, p. 144).

    Apesar das muitas pginas dedicadas armao de que osndios so igualmente seres humanos, Las Casas no pde evitarver neles certa desigualdade que os inferiorizava racialmente: ainocncia de crianas que necessitam de orientao e converso(MIGNOLO, 2010, p. 69).

    Da mesma forma que Vitria, Las Casas consideraque os ndios pertencem humanidade, entretanto essaarmao se faz a partir da teopoltica do conhecimento, ouseja, dos espanhis cristos, de seu conhecimento local e desuas concepes crists.

    Deste modo, para defender os indgenas, Las Casas(2000, p. 17-36) estabelece uma classicao de quatro tipos de

    brbaros. Segundo ele, no era possvel aplicar aos indgenaso termo brbaro sem antes observar os diferentes tipos debarbrie que existiam tanto no texto aristotlico como naprpria realidade.

    O primeiro tipo de brbaro, de acordo com Las Casas,se aplica a uma pessoa ou a um povo que atua de modo feroz,com violncia, com irracionalidade. Alguns povos se esquecem

    das regras da razo e da generosidade, perdem a cordialidade e abenevolncia, que so caractersticas da conduta social civilizada,e assim adotam uma conduta violenta. So pessoas que no

    vivem em sociedade e que propriamente no reconhecem umgoverno, mas que em princpio so aptos para um eventualexerccio racional adequado (SALAMANCA, 2002, p. 12).

    Esta ideia foi posteriormente tratada de maneira distinta

    por Hobbes, Locke e Rousseau; estes se apoiaram na concepode uma escala que vai do estado de natureza sociedade superior

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    organizada dos seres humanos, o que para Las Casas ser a

    sociedade crist de seu tempo e, para Locke, a sociedade inglesa,da burguesia em ascenso.

    O segundo tipo de brbaro mais especico. Trata-sede um dos critrios fundamentais para caracterizar a barbriedos complexos econmicos e governamentais dos incas e dosastecas. Para Las Casas, so brbaros aqueles que carecem delocuo literal que corresponda sua linguagem, isto , a letra

    escrita. Mas no a toda escritura, a no ser grega, latina ea das lnguas vernculas da cristandade catlica e protestante(MIGNOLO, 2003b, p. 36-37).

    O cristianismo d uma importncia especial possibili-dade de ter linguagem escrita, j que se trata de uma religioque se estrutura em grande medida por sua referncia Bblia.O texto em princpio no varia e se mantm durante as geraes.

    De alguma maneira algo assim como uma espcie de reexo daeternidade divina no material e, em consequncia, algo sagradocomo tal. Por outro lado, reconhece a importncia desse recursopara uma realizao plena como ser humano. Desta maneira,o homem, em sentido pleno, deve saber ler e escrever, postoque qualquer espcie de barbarismo diz respeito a algum tipode estranheza ou diferena frente ao verdadeiramente humano

    (SALAMANCA, 2002, p. 15-16).Em consequncia disso, os espanhis asseguravam que

    os povos indgenas do Novo Mundo careciam das palavrasadequadas para nomear a Deus, cujo nome adequado e verdadeirose encontrava em latim. Brbaros tambm eram consideradosos povos que no se dedicavam ao estudo das letras, ou seja,da poesia, retrica, lgica, histria e dos demais campos de

    conhecimento que construram a literatura, isto , tudo aquilo quese escreve com a escritura alfabtica, especicamente utilizando-se as letras do alfabeto latino (MIGNOLO, 2007b, p. 43-44).

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    Para Jos de Acosta, jesuta espanhol que escreveu Historia

    moral y natural de las ndias, em 1590, a capacidade de escritura assumida como um critrio para determinar o desenvolvimentodas faculdades intelectivas de grupos humanos e, emconsequncia, permite estabelecer seu grau de humanidade(quanto mais se afasta da humanidade, mais se aproxima dabarbrie). A escala, nesse ponto, comea pela existncia daescritura alfabtica, seguida da pictrica, terminando nos povoscompletamente grafos (SALAMANCA, 2002, p. 122). Entreos ndios do Novo Mundo no tinha sido encontrada uma

    verdadeira escrita. Pelo fato desta carncia, situavam-se emum nvel inferior aos outros brbaros, como por exemplo, oschineses e japoneses.6

    6Para Acosta os critrios que definem os distintos tipos de barbarismo, almdas de tcnicas de escritura, o grau de infidelidade enquanto idolatria (emfuno da maior ou menor interveno do demnio); o grau de racionalidade

    enquanto tipo de sistemas de organizao poltica e social (Acosta atendeaos subcritrios de sedentarismo o nomadismo, solidez ou fragilidade dossistemas polticos, assim como o grau de tirania que eventualmente possamapresentar); o grau de desenvolvimento humano entendido a partir da ordemdas faculdades intelectivas e sensitivas (resultam menos brbaros aqueles nosquais as faculdades intelectivas se sobrepem as sensitivas) (SALAMANCA,2002, p. 121-122). Segundo esses critrios, Acosta classificou os brbaros emtrs categorias. Pertenceriam primeira categoria os chineses e japoneses, estespossuam repblica estvel, leis pblicas, cidades fortificadas, magistradosque so obedecidos e o mais importante, o uso e conhecimento das letras,porque onde quer que haja livros e monumentos escritos, a pessoa maishumana e poltica. Entretanto, seriam brbaros, por andarem distanciadosda recta razn, pertencente apenas aos cristos. Na segunda categoria debrbaros pertenceriam aqueles que no teriam desenvolvido a escrita econhecimentos filosficos ou civis, embora tivessem repblica e magistrados,povoados estveis, exrcitos e uma forma solene de culto religioso. Nessaclasse, Acosta inclui os mexicanos e peruanos. Com relao terceira classede brbaros, pertenceriam os selvagens semelhantes a feras, que tm somentesentimento humano, mas no tem lei nem rei. No possuem magistradosnem repblica, no permanecem na mesma habitao, ou se a tm fixa, maisse assemelha a covas de feras ou cercas de animais. Entre estes estariam os

    Caribes, sempre sedentos de sangue e cruis, os Chunchos, os Chiriguanos,os Mojos, os Yscaycingas, a maior parte dos povos do Brasil e da Flrida.Nesta classe tambm estariam os brbaros mansos, de pouco entendimento eainda que paream superar um pouco os anteriores e tenham alguma sombra

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    Acosta tambm estabeleceu uma distino entre sabedoria

    e conhecimento. A concepo do conhecimento estavadiretamente relacionada com a escritura alfabtica. Uma pessoapode ser sbia e brbara ao mesmo tempo porque carece deescritura alfabtica e assim do conhecimento (MIGNOLO,2003b, p. 37).

    O terceiro tipo de brbaro, segundo a classicao deLas Casas, complementa o primeiro. A diferena que este

    por seu carter mpio ou pela esterilidade da terra que habita feroz, cruel e carente de razo e por isso no sabe governar a simesmo por leis nem direito e tambm no pode ser governado(MIGNOLO, 2007b, p. 44). Essa categoria representava ospropriamente brbaros, conforme Las Casas.

    O quarto tipo de brbaro aquele que carece da verdadeirareligio e da f crist. Portanto, todos os inis so brbaros

    embora possam ser sbios e prudentes lsofos e polticos.Las Casas conclui que no h nao (com exceo da cristandade,isto , uma nao de f mais que uma nao de nascimento)que no tenha alguma carncia (principalmente locuo literale verdadeira religio). Pela primeira vez nesta seo Las Casasmenciona os turcos (o Imprio turco ao leste da cristandade) e osmouros (o Imprio islmico ao sul da cristandade) (MIGNOLO,

    2003b, p. 37-38).Na opinio de Las Casas os turcos e os mouros eram

    brbaros da categoria quatro. Embora tivessem alcanado umgrau de complexidade em matria de direito e organizao do

    de repblica, suas leis ou instituies so pueris. Seriam dessa forma semi-humanos ou hombres a medias que deveriam ser ensinados como se fossemcrianas para que assim aprendessem a ser homens. Entretanto se estes se

    rebelarem contra o seu bem e salvao devem ser contidos com fora epoder convenientes para que deixem a selva e se renam em agrupamento depessoas. Deste modo, deve se usar a fora para entrarem no reino dos cus.(ACOSTA, 1954).

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    estado at mesmo mais avanado que os cristos, estavam mais

    atrasados em questes morais em relao ao mundo cristo;por essa razo deveriam ser considerados como inferiores(MIGNOLO, 2007b, p. 45).

    Uma vez denidos os quatro tipos de barbrie, Las Casasfala de um quinto tipo, a barbrie negativa. Tal barbrieatravessa e inclui os quatro tipos anteriores sob um novo critrio,o da negatividade. A barbrie negativa assim chamada para

    identicar todo brbaro que se ope f crist. Aplica-se atodos os que, mesmo tendo ouvido o Evangelho, resistem ourechaam receb-lo. A razo para fazerem isso por puro dio f crist e ao nome de Cristo. Alm de no escutarem a fcrist, a impugnam e a perseguem. Las Casas, desta maneira,deniu um espao criando distintas exterioridades mediante aidenticao de distintos tipos de brbaros assim denidos porsuas carncias. As carncias denem estes quatro tipos debrbaros que Las Casas chama barbrie contrria. O dio e ainveja denem a barbrie negativa, ou seja, um quinto tipo debrbaros (MIGNOLO, 2003b, p 38).

    Las Casas conclui que a primeira, a segunda e a quartaclasse de brbaros eram secundum quid isto , quase brbaros.Os considerados propriamente brbaros eram aqueles quecareciam de direito e estado (MIGNOLO, 2007b, p. 45). Nessesentido, somente o terceiro tipo de brbaros eram os escravospor natureza, e Las Casas tentou demonstrar durante o debatede Valladolid como os ndios no deveriam ser includos entreestes. Para ele os ndios do Novo Mundo, em particular osastecas e os incas, eram racionais e no deveriam ser consideradospropriamente brbaros.

    Ao tratar os ndios como brbaros secundum quid Las Casasrefere-se a uma distino escolstica entre brbaros secundumquide brbaros simpliciter.

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    Com relao aos brbaros secundum quid, estes apenas

    so identicados como brbaros de uma maneira parcial econdicionada, isto , no absoluta. Se um povo somentebrbaro secundum quid ento resulta vivel pensar que ele podedeixar de ser brbaro sem perder necessariamente sua identidade(SALAMANCA, 2002, p. 4).

    Por outro lado, quando se diz que uma coisa brbarasimpliciterest se dando a entender que seu barbarismo forma

    parte necessria de sua prpria determinao e identicao.Com este termo se expressa o ser estranho ao que prprio dohomem enquanto homem. Obviamente se aplica principalmentesobre seres que tm a aparncia de seres humanos, mas nosquais no se encontram as caractersticas do humano enquantotal (SALAMANCA, 2002, p. 4).

    Nesse sentido, o brbaro simpliciter conta com vontade,

    com razo, mas pela disposio destas faculdades no podeagir como um ser racional. Isto permite dizer que o brbaromencionado no propriamente nem um animal, nem um serhumano pelo tipo de obras que realiza. Seria antes um homemem potncia que por sua vez se realiza como uma besta emato. Tambm no se pode confundi-lo com o bom selvagemou homem silvestre, quer dizer, com algum que vive por fora

    da sociedade, mas que no em princpio malicioso ou feroz.Esse tipo de personagem o primeiro tipo de brbaro; e este entendido como um caso particular de barbarismo secundum quid(SALAMANCA, 2002, p. 10).

    Para falar sobre a barbrie, Las Casas chama a atenosobre determinados critrios gerais para determinar o essencialno humano. O primeiro critrio a razo do homem, o que

    comum e natural a todos os homens. Ao requisito darazo se acrescenta o fato desta responder a parmetros

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    bsicos de condutas semelhantes. Ou seja, alm de possuir

    faculdades volitivas e cognitivas de carter racional, a pessoadeve se comportar segundo certas regras bsicas de conduta(SALAMANCA, 2002, p. 10).

    Desta maneira, a humanidade segue certos preceitosbsicos da lei natural, quer dizer, comporta-se segundo eles e tratade faz-los respeitar. A lei natural no s inclui uma tendncianatural a considerar como bom e justo fazer todo o possvel

    para manter a vida, mas tambm inclui o fato de organizar-se emsociedade, formar famlias, apresentar tendncia religiosidade,fazer uso de linguagem articulada, ter algum tipo de indstria,entre outros (SALAMANCA, 2002, p. 10).

    O brbaro em geral caracteriza-se em funo da negao,total ou parcial, das caractersticas que denem o homemenquanto homem. E claro, a denio do que o homem e

    consequentemente do que brbaro (mesmo que essa denioseja para defender os ndios) se realiza a partir de Las Casas, ouseja, nos limites que marcam as fronteiras da diferena coloniale estabelecem quem pode falar e como pode falar.

    Nesse sentido, Mignolo (2003b, p. 40) arma que LasCasas, apesar de sua generosidade, contribuiu para desenharos contornos do eurocentrismo.

    O pensamento de Las Casas, assim como de Vitria, aosituar os ndios na infncia da humanidade, isto , no estadode natureza, abriu a possibilidade de justicar a necessidade deevangelizar e educar os habitantes do Novo Mundo. Essascorrees eram necessrias porque muitas prticas dos ndioseram inaceitveis para os europeus e indicavam a necessidadede tutela. evidente que junto com essas obras de caridade,

    estava includo o direito dos espanhis de comercializarem comos ndios, se estabelecerem permanentemente na Amrica eexplorarem suas riquezas naturais.

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    Os discursos sobre o outro que se estabeleceram no ima-

    ginrio ponto zero do conhecimento no surgiram, portanto, du-rante os sculos XVIII e XIX com as cincias do homem, mas, sim,apareceram anteriormente, com a teopoltica do conhecimento.

    Durante o sculo XVI e o sculo XVIII, a ideia de brbaros,em seguida de selvagens, depois de primitivos, assombroua imaginao europeia, e tambm, segundo Mignolo (2004,p. 689), ajudou a estabelecer o privilgio epistmico dos sistemas

    de pensamento posteriores.

    3 O Iluminismo: Evoluo, Estado de Naturezae Direito Ocidental

    Da mesma forma que Las Casas, Seplveda e Vitria seestabeleceram como sujeitos de um saber universal; no mesmo

    sentido se posicionaram os pensadores do Iluminismo. Estesdesenvolveram suas ideias sobre estado, sociedade, direito, porexemplo, com base no local Europa como modelo universal.

    Entretanto, a pretensa universalidade do conhecimentoeuropeu serviu para que este pudesse justicar e consolidaro domnio da Europa em relao aos outros, os povoscolonizados, subalternizando seus saberes e controlando os

    territrios invadidos.

    Para Dussel (1993, p. 53) o ego cogito cartesiano (penso, logoexisto)7 foi uma continuao do ego conquiro.S foi possvel queo ego assumisse a arrogncia de falar como se fosse o olho de

    7Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar quetudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma

    coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era to firme eto certa que todas as mais extravagantes suposies dos cticos no seriamcapazes de abalar, julguei que podia aceit-la, sem escrpulo, como o primeiroprincpio da Filosofia que procurava. (DESCARTES, 1973, p. 54).

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    Deus porque sua localizao geopoltica foi determinada por sua

    existncia como colonizador (GROSFOGUEL, 2007, p. 63). Oeu colonizo o outro, a mulher, o homem vencido, continua acaminhada com o discurso da civilizao e modernizao.

    Mignolo (2004), neste sentido, fala em egopoltica doconhecimento. A egopoltica do conhecimento representoua secularizao da cosmologia crist da teopoltica doconhecimento (GROSFOGUEL, 2007, p. 63). Oego colocado

    no lugar deteo, mas o locus de enunciao e tambm a estruturasubalternizadora do conhecimento permanece.

    Todos os atributos do deus cristo caram localizados agorano sujeito cognoscente, o ego, que produziria um conhecimentopara alm do tempo e do espao(GROSFOGUEL, 2007, p. 63).

    Descartes expressa com claridade a ideia de que a sociedadepode ser observada de um lugar neutro de observao, nocontaminado pelas contingncias relativas ao espao e o tempo.Descartes substitui deus, fundamento do conhecimento nateopoltica do conhecimento da Europa da Idade Mdia, pelohomem ocidental, fundamento do conhecimento na Europados tempos modernos.

    O mito eurocntrico da modernidade encontra sustentaoem um sujeito que capaz de chegar a uma verdade universal.Este egose constitui justamente ao encobrir-se enquanto sujeitoconcreto, mascarando sua localizao nas relaes de podermundial (GROSFOGUEL, 2007, p. 63).

    Para Mignolo (2004, p. 672) no ocorreu, por conseguinte,uma ruptura paradigmtica da teopoltica do conhecimento parauma egopoltica do conhecimento, mas uma mudana no interior

    do mesmo paradigma. Esse paradigma consiste na concepoocidental que nega o carter racional do conhecimento a todas

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    as formas de conhecimento que no se pautarem pelos seus

    princpios epistemolgicos e pelas suas regras metodolgicas.8

    Se at antes de 1492 predominava uma viso orgnica do mundo emque a natureza, o homem e o conhecimento formavam parte de umtodo inter-relacionado, com a formao do sistema-mundo capitalistae a expanso colonial da Europa, esta viso orgnica comea a carsubalternizada. Imps-se pouco a pouco a ideia de que a natureza eo homem so mbitos ontologicamente separados, e que a funodo conhecimento exercer um controle racional sobre o mundo.

    Quer dizer que o conhecimento j no tem como nalidade ltima acompreenso das conexes ocultas entre todas as coisas, mas sim adecomposio da realidade em fragmentos com o m de domin-la.(CASTRO-GMES, 2007, p. 81-82).

    O acesso a novas fontes de riqueza dependia ento dainterao assimtrica entre colonos europeus e as populaesnativas. aqui, segundo Castro-Gmez, que o projeto iluminista

    pode ser visto como um discurso colonial. Nesse sentido Hardte Negri (2001, p. 132), pontuam:

    A crise da modernidade tem desde o incio uma relao ntima coma subordinao racial e a colonizao. Enquanto dentro dos seusdomnios o Estado nao e suas simultneas estruturas ideolgicastrabalham incansavelmente para criar e reproduzir a pureza do povo,do lado de fora o Estado-nao uma mquina que produz Outros,

    cria diferenas raciais e ergue fronteiras que delimitam e sustentam osujeito moderno da soberania [...]. O oriental, o africano, o amerndioso todos componentes necessrios da base negativa da identidadeeuropia e da soberania moderna como tal. O Outro escuro doIluminismo europeu sua prpria base, assim como a relaoprodutiva como os continentes negros serve de alicerce econmicopara os Estados-nao europeus.

    8Mignolo, nesse texto, faz referncia a Boaventura de Sousa Santos e a suaobra Um discurso sobre as cincias(SANTOS, 2005).

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    As ideias de evoluo e progresso so fundamentais para

    a construo dessa lgica de domnio colonial. Uma lgica quepermitir a Europa a construo de sua identidade econmicae poltica frente s colnias (CASTRO-GMEZ, 2005b, p. 33).

    Na narrao ocidental da criao, a humanidadeinteira compartilha a mesma origem com Ado e Eva comoantepassados comuns. Esta doutrina cou conhecida como omonogenismo9e todos os que a aceitavam, automaticamente

    cavam obrigados a explicar as diferenas raciais como oproduto de um processo evolutivo com atuao mais ou menosrpida das inuncias do meio. Uma das principais fontes deinspirao dessa crena do sculo XVIII na plasticidade danatureza humana foi o livro da Gnesis(HARRIS, 1979, p. 72).

    O projeto iluminista das cincias do homem buscoureconstruir a evoluo da sociedade humana. Procurou dar

    conta no s de sua origem, mas tambm tentou reconstruirracionalmente sua evoluo histrica para mostrar no queconsiste a lgica inexorvel do progresso.

    Entretanto para reconstruir racionalmente a evoluohistrica da humanidade, o projeto iluminista enfrentava um srioproblema metodolgico: como realizar observaes empricasdo passado, ou seja, como ter experincias de sociedades que

    viveram em tempos passados? A soluo para este dilemase apoiava em um raciocnio simples: a possibilidade de terobservaes cientcas somente de sociedades que vivem nopresente. Entretanto, possvel defender racionalmente a hiptesede que algumas dessas sociedades permaneceram estancadas emsua evoluo histrica, enquanto que outras realizaram progressosulteriores (CASTRO-GMES, 2005b, p. 33).

    9A corrente monogenista era predominante no pensamento antropolgicoiluminista, porm o termo monogenismo surgiu tardiamente, em 1857, comoantnimo de poligenismo.

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    A hiptese de fundo era a seguinte: como a natureza humana

    apenas uma, a histria de todas as sociedades humanas pode serreconstruda a posteriori,seguindo um mesmo padro evolutivono tempo. Mesmo que no presente tenhamos experincias deuma grande quantidade de sociedades simultneas no espao,nem todas estas sociedades so simultneas no tempo. Sersuciente observar comparativamente, seguindo o mtodoanaltico, para determinar quais dessas sociedades pertencem a

    um estgio inferior (ou anterior no tempo) e quais pertencema um estgio superior da escala evolutiva (CASTRO-GMES,2005b, p. 33). As diferenas entre os homens (que possuam umaorigem comum) resultavam de fatores externos e acidentais, quecondiziam a uma espcie de hierarquia entre os mesmos, algunspertencendo ao passado e outros ao presente.

    No discurso sobre a histria da humanidade os povos

    colonizados pela Europa apareceram no nvel mais baixoda escala de desenvolvimento, enquanto que a economia demercado, a nova cincia e as instituies poltico-jurdicasmodernas eram apresentadas como ltimo estgio da evoluosocial, cognitiva e moral da humanidade (CASTRO-GMES,2005b, p. 42).

    Assim, a maioria dos tericos sociais dos sculos XVII e

    XVIII coincidia na opinio de que a espcie humana sai poucoa pouco da ignorncia e vai atravessando diferentes estgiosde aperfeioamento at, nalmente, obter a maioridade aque chegaram as sociedades modernas europeias (CASTRO-GMES, 2005b, p. 42).

    Os pensadores do Iluminismo compartilhavam a ideia deque em um passado, mais ou menos remoto, todos os povos

    do mundo tinham conhecido uma vida social que, por sua geralsimplicidade e pela ausncia de certas instituies especcas (tais

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    como a propriedade privada da terra, o governo centralizado, as

    diferenas de classes e as religies governadas por sacerdotes),contrastava sensivelmente com a ordem social da modernaEuropa. Esta primeira fase da evoluo era chamada de estadode natureza (HARRIS, 1979, p. 33).

    Para Hobbes, o estado de natureza caracterizava-se pelaguerra de todos contra todos. Locke dizia que nesse estadohavia uma lei fundamental da razo, enquanto Rousseau falava

    do bom selvagem.O estado de natureza, para Hobbes a anttese da

    sociedade civil.

    Portanto, tudo aquilo que se infere de um tempo de guerra, em quetodo homem inimigo de todo homem, infere-se tambm do tempodurante o qual os homens vivem sem outra segurana seno a que lhespode ser oferecida pela sua prpria fora e pela sua prpria inveno.

    Numa tal condio no h lugar para o trabalho, pois o seu fruto incerto; consequentemente, no h cultivo da terra, nem navegao,nem uso das mercadorias que podem ser importadas pelo mar; no hconstrues confortveis, nem instrumentos para mover e removeras coisas que precisam de grande fora; no h conhecimento daface da Terra, nem cmputo do tempo, nem artes, nem letras; no hsociedade; e o que pior do que tudo, um medo contnuo e perigo demorte violenta. E a vida do homem solitria, miservel, srdida, brutale curta. (HOBBES, 2003, p. 109).

    Hobbes, para desenvolver a ideia de estado de natureza,utilizava-se dos relatos de viajantes europeus que estiveram na

    Amrica. Sem nunca ter sado da Europa, Hobbes fala sobre anatureza humana e sobre a condio dos povos que povoavama Amrica.

    Poder porventura pensar-se que nunca existiu um tal tempo, nemuma condio de guerra como esta, e acredito que jamais tenha sidogeralmente assim, no mundo inteiro; mas h muitos lugares onde

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    atualmente se vive assim, porque os povos selvagens de muitoslugares daAmrica,com exceo do governo de pequenas famlias, cuja

    concrdia depende da concupiscncia natural, no possuem nenhumaespcie de governo, e vivem nos nossos dias daquela maneira brutalque antes referi. Seja como for, fcil conceber qual era o gnero de

    vida quando no havia poder comum a temer, pelo gnero de vida emque os homens que anteriormente viveram sob um governo paccocostumam deixar-se cair numa guerra civil. (HOBBES, 2003, p. 110).

    Para Locke, na Amrica (mais especicamente na

    Amrica do Norte) no existia um estado civil, mas um estadode natureza. Para ele, no estado de natureza existe um direitonatural. Sendo todos iguais e independentes, ningum develesar o outro em sua vida, sua sade, sua liberdade ou seus bense cabe a cada um assegurar a execuo da lei da natureza(LOCKE, 2001, p. 84- 85).

    Para estabelecer o modo em que se organizavam as

    sociedades primitivas nesse estado de natureza, Locke (2001,p. 16-17) tambm apela para a observao das comunidadesindgenas na Amrica, tal como estas tinham sido descritas por

    viajantes, cronistas e aventureiros europeus.

    No h demonstrao mais clara deste fato que as vrias naesamericanas, que so ricas em terra e pobres em todos os confortosda vida; a natureza lhes proveu to generosamente quanto a qualquer

    outro povo com os elementos bsicos da abundncia ou seja, umsolo frtil, capaz de produzir abundantemente o que pode servir dealimento, vesturio e prazer mas, na falta de trabalho para melhorara terra, no tem um centsimo das vantagens de que desfrutamos. Eum rei de um territrio to vasto e produtivo se alimenta, se aloja e se

    veste pior que um diarista na Inglaterra.

    A observao comparativa de Locke estabelece que entre

    as sociedades contemporneas europeias e as americanas existeuma relao de no simultaneidade. Enquanto que as sociedadeseuropeias conseguiram desenvolver um modo de subsistncia

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    apoiado na diviso especializada do trabalho e no mercado

    capitalista, as sociedades americanas se encontram ancoradasem uma economia pertencente ao passado da humanidade.

    Em John Locke and Amrica: the defence of english colonialism,Barbara Arneil (1996) fala da relao entre John Locke e ocolonialismo na Amrica do Norte. Por exemplo, Arneil nos dizque Locke tinha vrios livros de exploradores que vieram paraa Amrica e que ele provavelmente modelou seu ponto de vista

    do estado de natureza10

    a partir dessas obras.Para Arneil (1996), Locke tinha interesse pessoal investido

    no sucesso das colnias. Como secretrio do Conselho deComrcio e Agricultura, ajudou a elaborar a constituioda Carolina, colnia britnica na Amrica do Norte, na qualdefendia a escravido. Locke tambm era acionista da Royal

    Africa Company,que comprava e vendia escravos. Ou seja, seus

    interesses enquanto lsofo tambm esto permeados por suaposio de homem de negcios.

    Rousseau considerava que no estado de natureza os homenseram livres e felizes. O bom selvagem de Rousseau consistiana ideia segundo a qual os povos selvagens so naturalmentebons, pois no so corrompidos pela vida em sociedade.Entretanto, no estado de natureza algumas potencialidades

    existiam de forma latente no homem primitivo que o impeliampara um afastamento cada vez maior do reino animal e oestimulavam para desenvolvimento da sociabilidade. Era asociabilidade que assinalaria a fronteira entre homens e animaise favoreceria a perfectibilidade, isto , a capacidade que oshomens tm de progredir de um estgio menos avanado paraum mais avanado.

    10Essa questo do estado de natureza em Locke ser retomada no prximocaptulo.

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    Em Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade

    entre os homens, Rousseau trata dos vrios estgios de progressopelo qual passou a humanidade. Cada estgio caracterizava-se por um novo crescimento da desigualdade entre oshomens. A desigualdade considerada uma criao humanaligada ao progresso da perfectibilidade e, especialmente, aosdesenvolvimentos sociais e morais dos seres humanos na vidaem coletividade (ROUSSEAU, 1991).

    Mesmo que a espcie humana fosse melhor e mais felizno estado de natureza, Rousseau, como acreditava na evoluo,defendia que a humanidade no poderia voltar para trs,entretanto o caminho para a liberdade poderia ser percorrido.Na sua obra Do contrato social, ele mostra como pode se dar aconstruo de uma comunidade humana sem os males dadesigualdade presente na sociedade de sua poca; diferente das

    leis que oprimiam a muitos, as leis do Estado deveriam ser iguaispara todos. Alm disso, na obra Emlio, ou Da educaoconsideraa educao como forma de criar novos homens que poderiamcriar uma nova sociedade.

    Embora as caracterizaes concretas do estado de nature-za (Hobbes, Locke, Rousseau) divergissem consideravelmente,a explicao sobre o modo como os homens saram do esta-

    do de natureza e chegaram s instituies e aos costumes queexistiam na Europa era semelhante. Em geral se aceitava que ogrande motor da histria e a primeira causa das diferenas deusos e costumes eram as variaes na efetividade do raciocnio.

    Acreditava-se que o homem civilizado tinha sado do estado denatureza literalmente pelo poder de seu pensamento, inventandoconstantemente instituies, costumes e tcnicas de subsistnciacada vez mais inteligentes, mais racionais (HARRIS, 1979, p. 33).

    Sendo assim, a imposio do direito ocidental e dasinstituies jurdicas e polticas ocidentais nos contextos

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    O universalismo baseia-se na ideia etnocentrista de

    que os produtos da losoa ocidental so vlidos urbi et orbi.O desenvolvimento do universalismo relaciona-se com anoo de sujeito, com a noo de abstrao e axiomatizao.O subjetivismo a transformao em teoria da ideia de queo sujeito est no centro do mundo e no centro do direito.

    A abstrao permite a generalizao e facilita as classicaes,tornando possvel uma cincia racional e sistemtica do direito

    baseada numa construo axiomtica de um corpo de preceitosdo direito. A axiomatizao torna possvel articular todasas regras a postulados fundadores; a ordem jurdica , nestaconcepo, uma ordem piramidal (ARNAUD, 1999, p. 205-206).

    A egopoltica do conhecimento, dessa maneira, reduz,separa e abstrai o mundo jurdico em distintos planos.

    Reduz o direito ao direito estatal, ignorando outras expressesjurdicas no estatais (pluralismo jurdico) e acreditando que o direitos norma ou instituio, sendo uma pesada herana do positivismodo sculo XIX. Com isso se acaba absolutizando a lei do Estado ese burocratiza sua estrutura; reduz tambm o saber jurdico a puralgico-analtica e normativa ignorando as conexes entre o jurdico, otico e o poltico, no s de um ponto de vista externo ao direito, mastambm em seu interior.Separa sem capacidade autocrtica o mbito do pblico e do privado,com as consequncias negativas que no mbito das garantias possuemos direitos humanos sob o predomnio da combinao entre asracionalidades instrumental e mercantil, por um lado, e a patriarcalou machista, por outro. Separa tambm o jurdico do poltico, dasrelaes de poder e do tico, silenciando as estruturas relacionaisassimtricas e desiguais entre os seres humanos. Separa a prtica e ateoria em matria de direitos humanos e a dimenso pr-violatria daps-violatria dos mesmos, s preocupando-se com esta ltima.Finalmente, abstrai o mundo jurdico do contexto scio-culturalno qual se encontra e que o condiciona. Nesta dinmica h um

    esvaziamento e uma substituio do humano corporal, composto porsujeitos com nomes e sobrenomes, com necessidades e produtoresde realidades, para seres sem atributos, fora da contingncia e

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    subordinados a suas prprias produes scio-histricas, comoso o mercado, o estado, o capital e o prprio direito. Abstrai a tais

    nveis que os juristas acreditam que nossas prprias ideias, categorias,conceitos e teorias so as que geram os fatos. (RUBIO, 2010, p. 25).

    O direito ocidental moderno, reduzido ao direito estatal eabstrado da realidade, constituiu-se no modelo ideal que deveriaser estendido para todo o planeta, como smbolo mximode evoluo e progresso e, assim, como forma de domnio e

    colonizao das demais culturas.Trata-se, porm, de uma concepo geogrca e histori-

    camente localizada que se constituir como um padro domi-nante para julgar e denir o que ou no jurdico. A partir destepretenso ponto neutro de observao todos os outros saberesjurdicos locais se transformam em primitivos, inadequados ouso simplesmente silenciados.

    Miaille (1979, p. 112) considera que

    [...] os colonizadores europeus encontraram nos territrios em quese instalavam formas de organizao social que ignoravam a noouniversalizante e abstrata de sujeito de direito; pelo contrrio, asrelaes pessoais de dependncia eram muito fortes, num universode solidariedade social representado por grupos que iam da famlia tribo. [...] foi preciso destruir esta organizao social e transformaros indivduos em sujeitos de direito, capazes de vender a sua forade trabalho.

    Clavero (1994, p. 21-22) arma, com relao AmricaLatina, que a negao do direito do colonizado comeou pelaarmao do direito do colonizador; pela negao de um direitocoletivo por um direito individual. Trata-se de direito subjetivo,individual que deve assim constituir o direito objetivo, social. A

    ordem da sociedade dever responder faculdade do indivduo.Ou seja, no h direito legtimo fora desta composio.

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    Desse modo se constri discursivamente a necessidade de

    estabelecer uma ordem de direitos universais de todos os sereshumanos como um passo para exatamente negar o direito, talcomo os povos colonizados o entendiam e praticavam.

    Podemos perceber, portanto, como a questo doconhecimento e, especicamente, a egopoltica do Iluminismo,esteve diretamente ligada com o projeto colonialista. Ossujeitos universais do conhecimento, isto , aqueles que

    estabelecem um modelo de estado e de direito pretensamentevlido para todos os povos, so os mesmos que defendem emnome de suas verdades universais a explorao e o controledos territrios colonizados.

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    A ANTROPOLOGIA JURDICA,

    O COLONIALISMO E O DIREITO:ENTRE OS SABERES UNIVERSAISE OS SABERES LOCAIS

    1 Os Estudos Antropolgicos e o Colonialismo:

    Raa e CulturaA palavra antropologia foi usada inicialmente como

    contraposio teologia e cosmologia. Com a secularizaodo conhecimento a antropologia veio a designar uma disciplinacientca que estuda o homem. Entretanto, a antropologia,enquanto disciplina cientca, no vai estudar qualquer tipo de

    homem1

    , mas essencialmente a vida, os costumes e a culturados locais, ou seja, certos grupos de homens e mulheres,estudos representados por Malinowski, Lvi-Strauss etc.

    A antropologia de carter cientco surge no interiorda egopoltica do conhecimento. uma perspectiva deconhecimento na qual o sujeito epistmico neutro, ouseja, no tem sexualidade, gnero, etnicidade, raa, classe,

    espiritualidade, valores, lngua, nem localizao epistmica.Porm, paradoxalmente, estuda estas mesmas caractersticas nospovos objetos de seu estudo.

    Quer dizer, assim como todas as cincias do homem, uma perspectiva de conhecimento surda, sem rosto. O sujeitosem rosto utua pelos cus sem ser determinado por nada nempor ningum (GROSFOGUEL, 2007, p. 64).

    1 A antropologia no se dirige nessa poca aos ocidentais, exceto aos daantiguidade (OSAMU, 2004, p. 17).

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    Por volta da metade do sculo XVIII, Georges-Louis

    Leclerc, o Conde de Buffon, segundo Laraia (2005, p. 321)tornou-se o fundador da disciplina antropologia, quando em1749 comeou a publicar a sua grande obra Histoire naturelle

    genrle et particulire des animaux.

    Buffon vai conceber uma imensa Histria Natural, uminventrio metdico e racional dos reinos da natureza. Trata-sede uma das primeiras formulaes do processo de transformao

    na natureza como processo histrico, antecipando-se assim sideias de evoluo biolgica. Alm disso, Laraia (2005, p. 321)considera que Buffon foi o primeiro estudioso a utilizar apalavra raa com referncia ao homem.

    Buffon sustenta que as raas so resultados de mutaesno interior da espcie humana (monogenismo). Essas variaesse do devido ao clima, alimentao e costumes. As raas

    so classicadas geogracamente utilizando como critrio,principalmente, as caractersticas fsicas como cor da pele, alturae traos corporais. Com relao aos homens americanos (ndios),Buffon os retrata da seguinte forma:

    O selvagem dbil e pequeno nos rgos da reproduo; no tem pelosnem barba, nem qualquer ardor por sua fmea: embora mais ligeiroque o europeu, pois possui o hbito de correr muito menos forte de

    corpo; igualmente bem menos sensvel e, no entanto, mais crduloe covarde; no demonstra qualquer vivacidade, qualquer atividadedalma; quanto do corpo, menos um exerccio, um movimento

    voluntrio, que uma necessidade de ao imposta pela necessidade:prive-o da fome e da sede e ter destrudo simultaneamente oprincpio ativo de todos os seus movimentos; ele permanecer numestpido repouso sobre suas pernas ou deitado durante dias inteiros.(GERBI, 1996, p. 21).

    Da mesma forma que os ndios so dbeis, Buffonconsidera que os animais que habitam a Amrica so inferiores:

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