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  • 7/29/2019 Valor72-2008-Votar e Ser Votado

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    Votar e ser votado

    Fbio Wanderley Reis

    As aes da Justia eleitoral a propsito de entrevistas realizadas porrgos da imprensa com pr-candidatos s eleies municipais chamam aateno para as diferenas entre o direito de votar e o de ser votado. Com osufrgio universal e a regra de uma pessoa, um voto, o direito de votar estabelecido de maneira igualitria e passa a ser um componente importantedos mecanismos pelos quais o sistema poltico democrtico busca assegurar aautonomia do cidado. O direito de ser votado, porm, ou de candidatar-se

    eleio para cargos pblicos com alguma perspectiva de xito, segue sendofortemente condicionado pela desigualdade socioeconmica e pelo acessodiferencial a recursos privados.

    natural, assim, que a legislao que visa a regular o processo eleitoral um processo de competio entre desiguais se oriente pela preocupao deneutralizar ou reduzir os efeitos da desigualdade. As relaes disso com aautonomia como valor so fatalmente complicadas. Os prprios meios decomunicao de massa tm salientado com insistncia a tenso entre o zelomanifestado pela Justia Eleitoral e o princpio constitucional que garante aliberdade de expresso, de que a liberdade de imprensa instrumentoimportante. Mas mesmo o fato de que os candidatos potenciais contem com a

    possibilidade de iniciativa autnoma e sem restries nas campanhas,incluindo a possibilidade de buscar recursos privados de vrios tipos (e comeles obter, entre outras coisas, o acesso imprensa), pode talvez ser defendidoem nome da liberdade e da autonomia.

    Os Estados Unidos do perodo mais ou menos recente ilustram osmatizes que podem ocorrer aqui. Por um lado, como anlises qualificadas tmapontado (veja-se, por exemplo, J. S. Hacker e P. Pierson, Tax Politics andthe Struggle over Activist Government, 2007), os xitos do PartidoRepublicano nos cortes regressivos de impostos e em debilitar a capacidade detaxao e o ativismo socialmente orientado do governo do pas se ligam com a

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    estratgia de mobilizao de bases que resultam corresponder a uma elitefinanceiramente poderosa. Por outro lado, uma novidade positiva dacampanha agora empreendida por Barack Obama foi a mobilizao que semostrou capaz de realizar de uma mirade de fontes de financiamento

    populares e dispersas. Alis, a crer nas declaraes do prprio Obama, o fatomesmo de que acabe de recuar, alegadamente por desconfiar dos trunfosrepublicanos, do compromisso de aceitar as limitaes do financiamento

    pblico para sua campanha na eleio geral se seu concorrente fizesse omesmo ressalta o que a situao contm de equvoco. difcil imaginar, dequalquer forma, que o xito obtido por Obama na mobilizao de apoiofinanceiro disperso no dependa, em parte, justamente de condies de maiorigualdade socioeconmica do que as que temos no Brasil. E, de passagem, a

    desigualdade brasileira traz muito boas razes, a meu ver, para a luta pelofinanciamento pblico das campanhas eleitorais e da atividade poltica emgeral.

    Sem dvida, a questo geral a de sempre: como conciliar autonomiaindividual e interesse pblico, mercado (ou comunidade, com sua dinmicaespontnea) e regulao. Certos postulados de ampla vigncia nas cinciassociais nas ltimas dcadas sustentam que os estmulos ou a coero por partedo Estado tendem a ser necessrios para a ao coletiva de grupos grandes edispersos e possvel contrapor-lhes, em particular em favor da dinmicacomunitria, as revelaes de pesquisas recentes (E. Ostrom, Policies thatCrowd out Reciprocity and Collective Action, 2005) em que os incentivos e

    presses ou regulaes governamentais surgem como resultando em criarobstculos operao dos estmulos que podem responder pela eficcia daao espontnea ao nvel popular ou de grass-roots. Como formula B. Frey(citado por Ostrom), uma constituio concebida para tratantes tende aexpulsar as virtudes cvicas. Com certeza temos a uma advertncia bem-

    vinda quanto necessidade de procurar o equilbrio. Infelizmente, porm, hlonga experincia a dar razo prudncia da perspectiva contrria, que, comoem Madison, indica que melhor, ao legislar, contar com os tratantes.

    Seja como for, quanto forma especfica do problema no momento, evidente que o empenho regulador e igualizante da legislao eleitoral se

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    presta a confuses e exageros. problemtico lidar de maneira segura, porexemplo, com a idia de determinar legalmente um perodo em que a

    propaganda se faria com legitimidade e pretender proibi-la fora dele. Essaidia chega facilmente ao limite inaceitvel em que a ao do governo como

    tal, ou da oposio que se choca com o governo, se torna passvel de dennciacomo propaganda imprpria afinal, a democracia eleitoral se assenta,idealmente, na expectativa de que os eleitores observem a atuao de governoe oposio e decidam recompens-la ou puni-la. E o que se esperaria dosmeios de comunicao que fossem os veculos de transmisso adequada dasinformaes pertinentes e de discusso e avaliao criteriosa do mrito dasaes correspondentes em qualquer momento dado no falando da

    preferncia de polticos e candidatos por gatos ou cachorros, mas discutindo,

    sim, idias, biografias e programas. De maneira a facilitar a tarefa doseleitores e dificultar a vida dos tratantes.

    Valor Econmico, 30/6/2008

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