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    Moldar e acomodar-se

    Fbio Wanderley Reis

    Uma velha regra do mtodo sociolgico, formulada pelo socilogofrancs mile Durkheim, mandava tratar os fatos sociais como coisas.Durkheim procurava realar, com essa regra, o carter externo e oaspecto de causalidade objetiva que marcaria os produtos da vida emsociedade, a cuja coero a conscincia dos indivduos no poderia escapar.

    Discusses mais recentes ligam esse trao objetivo e causal com o

    fato de que ele a cristalizao que Jon Elster designa como causalidadesupraintencional das interaes em que os agentes individuais e grupaisatuam intencionalmente e buscam, no limite de modo racional, objetivos

    prprios de qualquer natureza. Em contraste com esse tipo de causalidade,e aqum do nvel do comportamento intencional e racional supostoespecialmente pela cincia econmica, Elster fala da causalidadesubintencional, em que o comportamento humano condicionado(eventualmente determinado) por fatores de que se ocupam disciplinas

    como as cincias naturais e biolgicas e a psicologia, em particular achamada psicologia profunda. De qualquer forma, do ponto de vista doestudo da sociedade e da poltica, surge aqui o problema de comoapreender adequadamente, para usar linguagem sugerida por ThomasMeyer, a tenso entre a possibilidade de moldar o contexto sociopolticogeral e a necessidade de tom-lo como dado e ajustar-se ou acomodar-se a ele e, naturalmente, o de como ir alm da tenso por meio damoldagem que resulte realisticamente do ajuste, ou do diagnstico

    acurado dos mecanismos de causalidade em operao.

    No plano da causalidade supraintencional, a crise econmica quevimos atravessando ilustra de maneira assombrosa como o comportamentointencional e supostamente racional de muitos pode redundar, com ofuncionamento do mercado, em mecanismos causais deletrios no nvelagregado. Se ela mostra, por outro lado, a necessidade de contar com oEstado como o foco de uma intencionalidade ou racionalidade coletiva, os

    embaraos com que defronta a ao do Estado reiteram a evidncia de queele prprio , em ampla medida, a resultante de fatos sociais coisificados

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    que surgem como dados a que deve ajustar-se e que constrangem suacapacidade de iniciativa e moldagem.

    Mas o noticirio da ltima semana, ou pouco mais, nos tem exposto

    intensamente ao impacto de fatores que operam antes no plano dacausalidade subintencional. H, para comear, o cncer da ministra DilmaRoussef, com respeito ao qual uma ocorrncia alheia ao campo intencionaldo jogo de manobras e estratgias da poltica interfere nesse jogo aoameaar afastar uma candidata potencialmente forte da disputa presidencialde 2010. No obstante as razes bvias para que o assunto seja tratado comdelicadeza, fatal que ele seja objeto de especulaes e clculos nos meios

    polticos. Naturalmente, o desafio do equilbrio entre moldar e ajustar-se

    assume feies pessoais dramticas para a prpria ministra, mas se colocatambm para o governo e as foras polticas que a tm como candidatavirtual.

    H, alm disso, o susto mundial do surto de gripe suna. Dependendoda fora que venha a adquirir, ele pode tornar em boa medida irrelevantesmuitos dos problemas que tm recheado a agenda poltica e econmica degovernos e atores variados em diferentes pases. Ao lado dos efeitos

    imediatos que se tm feito sentir sobre a dinmica econmica jcomprometida pela crise, sua importncia poltica potencial tem tambmtransparecido nos poucos dias desde a emergncia do tema no noticirio.Que responsabilidade atribuir a este ou aquele governo ou autoridadequanto a possveis atrasos ou deficincias nas providncias iniciais?Estaro diferentes governos, includo o brasileiro, em condies de agircom rapidez e eficincia a respeito? Qual o eventual impacto do surto sobreas relaes entre pases?

    Mas mesmo o entrevero ocorrido h dias no Supremo TribunalFederal merece ser visto na tica da causalidade subintencional, o que semdvida parte importante do que o episdio teve de chocante. Afinal, oSTF o lugar por excelncia em que se esperaria o comportamentoracional e a operao zelosa e lcida da intencionalidade na conduo dadeliberao sobre assuntos frequentemente de crucial importncia. lamentvel, e da o choque, ver seus integrantes envolvidos em bate-boca

    em que turvos motivos psicolgicos afloram e lhes escapam ao controle.

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    Numa dinmica em que o presidente do colegiado e da sesso obviamente aconduziu desde antes de maneira inepta, fui pessoalmente impactado emespecial por sua risada de escrnio fazendo fundo sonoro, a certa altura,

    para a imagem do ministro Joaquim Barbosa a dirigir-lhe acusaes

    pesadas e inequivocamente ofensivas. Se inadmissvel que o presidentedo STF tenha o escrnio como recurso na conduo de suas sesses, ascoisas se tornam mais feias diante da patente nota falsa do escrnio o risoforado e nervoso de quem se v atingido e, levado ao descontrole, noencontra a reao apropriadamente sbria que se esperaria dasresponsabilidades institucionais do chefe do poder judicirio que ele

    prprio invocara semanas antes.

    Como forma de ajustar-se ao desastre como dado, o ensaio dedesagravo da sesso do dia 29 era provavelmente recomendvel do pontode vista institucional. Pena, de certo modo, que a prpria psicologia do STFtenha impedido que fosse unnime mesmo na ausncia de JoaquimBarbosa.

    Valor Econmico, 4/5/2009

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