valor05-a sombra da vara torta

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  • 7/30/2019 Valor05-A Sombra Da Vara Torta

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    A sombra da vara torta

    Fbio Wanderley Reis

    Os debates entre candidatos Presidncia da Cmara dos Deputadosensejaram que Aldo Rebelo retomasse, ao dizer que culpar as instituies

    polticas pelos nossos males culpar a sombra da vara torta, uma imagem

    pouco usada no pas, mas que encerra boa advertncia quanto s relaes entre

    instituies polticas e substrato social. Por certo, a viso das instituies

    polticas como mera sombra ignora o papel que elas podem cumprir na

    transformao do prprio substrato. Mas a imagem se ope ao

    institucionalismo estreito e desatento articulao entre o que h de

    artificial nas regras e dispositivos legais e o carter denso e viscoso dosfatos estruturais e culturais. Essa articulao pode mesmo ser vista como o

    aspecto crucial no entendimento mais adequado do processo de construo de

    instituies polticas genunas: nele, o artificialismo institucional-legal (o

    institucional como objeto de manipulaes deliberadas, includas as tentativas

    de reforma) se orienta pelo esforo de diagnstico acurado das condies do

    substrato de interesses e padres culturais justamente para poder pegar, ou

    para enraizar-se de modo propcio, tornando efetiva a eventual reforma

    institucional ao transformar as instituies modificadas em parte real do

    contexto relevante para as aes cotidianas de todos.

    Naturalmente, essa perspectiva reconhece que tambm as aes que se

    desenvolvem num quadro de instituies deficientes tm nele um contexto que

    as condiciona. Desse ngulo, a prpria disputa pela Presidncia da Cmara

    que acabamos de ver surge, ironicamente, como sombra de vara torta. Tm

    sido festejados certos aspectos da disputa de agora, como os debates entre os

    candidatos, que se mostram positivos no confronto com o processo que elegeu

    Severino Cavalcanti. Mas note-se a estranheza que adquire o fato mesmo de

    haver uma campanha, com debates, caa a votos dispersos e resultados em boa

    medida incertos, se o comparamos para ficar no mbito de sistemas

    presidencialistas com o que vimos h pouco nos Estados Unidos: sabia-se, e

    era objeto h tempos de comentrios na imprensa, que Nancy Pelosi seria a

    presidente da Cmara de Representantes se os Democratas viessem a control-

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    nibus ou pega-tudo, sem que com isso negassem seus compromissos

    sociais iniciais.

    Mas h outros problemas com as concepes vigentes entre ns. Assim,

    a nfase exclusiva ou excessiva na identidade se envolve em paradoxos: porque no representar as tendncias dentro de cada partido, mesmo pequeno,

    ou por que no representar, no limite, os prprios indivduos,

    comprometendo assim a idia mesma de representao? Alm disso, preciso

    reconhecer que as identidades podem ser de tipos variados: por exemplo,

    identidades fundadas na percepo sofisticada do universo sociopoltico e da

    insero do prprio eleitor nele ou, em vez disso, o sentido difuso e

    intelectualmente precrio de uma identidade popular (pobre, descamisado,

    ou mesmo trabalhador, brasileiro), eventualmente passvel demanipulao em sua singeleza. Como o segundo tipo claramente predomina

    entre os eleitores do pas, qual a melhor sombra a projetar dessa particular

    vara torta de tanta importncia? Haver alternativa aos paradoxos de um

    populismo institucionalmente produtivo? E como superar os erros do

    promissor experimento lulo-petista?

    Valor Econmico, 5/2/2007

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