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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES FACULDADE INTEGRADA AVM PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU A RELAÇÃO ENTRE O CÉREBRO ADOLESCENTE EM DESENVOLVIMENTO E A APRENDIZAGEM Bianca Joaquim Albuquerque de Melo Rio de Janeiro 2017 ORIENTADORA: Profª Drª Marta Relvas DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORAL

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  • UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

    FACULDADE INTEGRADA AVM

    PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

    A RELAÇÃO ENTRE O CÉREBRO ADOLESCENTE EM

    DESENVOLVIMENTO E A APRENDIZAGEM

    Bianca Joaquim Albuquerque de Melo

    Rio de Janeiro 2017

    ORIENTADORA:

    Profª Drª Marta Relvas

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  • UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

    FACULDADE INTEGRADA AVM

    PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

    A RELAÇÃO ENTRE O CÉREBRO ADOLESCENTE EM

    DESENVOLVIMENTO E A APRENDIZAGEM

    Rio de Janeiro 2017

    Apresentação de monografia à AVM como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Neurociência Pedagógica. Por: Bianca Joaquim Albuquerque de Melo

  • DEDICATÓRIA

    Dedico este trabalho a meus pais e meus alunos.

  • AGRADECIMENTOS

    Toda trajetória possui uma história. Essa começou com uma

    anotação em minha agenda após uma conversa enriquecedora: "Pesquisar:

    Neurociência Pedagógica - Profª Marta Relvas".

    Nas palavras da própria Marta Relvas: "não há como estudar

    neurociência e não mudar", e é verdade. É uma jornada de aprendizagem,

    afinal, e essa sempre traz consigo alguma mudança. Desenvolvi um olhar mais

    atento e sigo aperfeiçoando minha prática docente, e a Professora Marta faz

    parte deste processo. Muito obrigada pelo feedback sempre atencioso, por

    sempre responder minhas dúvidas em sala de aula, por instigar minha

    curiosidade sobre esse órgão incrível que é o cérebro e, principalmente, por

    aproximar a neurociência e a realidade de muitos educadores.

    Ninguém faz nada sozinho. Este trabalho não existiria se não fossem

    os pesquisadores que pavimentaram todo o caminho até aqui e os professores

    que me ajudaram a navegar por ele, mas ele também não seria o que é agora

    se não fossem as pessoas incríveis que me apoiaram nesta jornada, mesmo

    que de formas inusitadas. Esta é uma pequena expressão da minha imensa

    gratidão àqueles que torcem por mim.

    Gostaria de agradecer à minha mãe, uma pessoa incrível e minha

    primeira (e melhor!) professora. Aprendo muito contigo todos os dias e, se hoje

    realizo meu sonho de ensinar, é graças a todo o seu apoio e amor

    incondicionais.

    Ao meu pai e também colega de turma, gostaria de agradecer por

    todo o incentivo ao longo do curso e da vida. Fico genuinamente feliz ao ver

    você fazendo o que ama, e isso me incentiva a continuar fazendo o que amo

    também, da melhor forma possível.

  • A todos os meus alunos, saibam que o que me deixa mais feliz é ver

    vocês aprendendo e evoluindo a cada dia. A alegria que vocês sentem quando

    fazem alguma coisa nova me atinge também. É um privilégio acompanhar

    vocês. Obrigada pelo acolhimento e pelo carinho. Esta monografia é todinha

    para cada um de vocês, do início ao fim.

    Quem tem amigos tem tudo nesta vida, e eu tenho a certeza disso

    sempre que penso em Luisa, Wagner e Jônatas. Obrigada por todas as pep

    talks, extremamente necessárias que uma pessoa precisa quando resolve fazer

    duas monografias em um semestre. Amo vocês e todas as coincidências que

    nos uniram de um modo tão incrível. Nada é por acaso e vocês são provas

    vivas disso.

    Pedro, obrigada por acompanhar tudo ao longo de todos esses

    anos. Você me conheceu quando eu não fazia ideia de quem queria ser nesta

    vida e tem estado presente desde então, acompanhando todas as alegrias e

    percalços dessa trajetória, mostrando músicas ou algo engraçado que você

    acha que vou gostar também. Isso faz toda a diferença.

    Um agradecimento especial à Nathália, um anjo na minha vida e

    uma excelente revisora! Obrigada por ceder seu tempo para revisar este

    trabalho e também por todo dia me lembrar que há algo bom que merece ser

    apreciado e reconhecido. Seu olhar atento fez uma diferença significativa neste

    trabalho.

    Finalmente, agradeço também aos companheiros de turma e

    também ao corpo docente e aos funcionários da UCAM/AVM.

  • RESUMO

    A presente pesquisa tem como tema o desenvolvimento do cérebro

    durante a adolescência e sua relação com o processo de aprendizagem, e

    aborda o desenvolvimento das estruturas que compõem o sistema nervoso a

    partir da concepção até a adolescência. A relevância deste tema se justifica

    pelos diversos desafios enfrentados por docentes que lecionam diretamente

    para essa faixa etária, principalmente no que tange a potencialização do

    engajamento dos alunos em sala de aula. Esta pesquisa identifica as

    modificações que ocorrem no sistema de recompensa do indivíduo como as

    principais determinantes para a motivação de agir ou não agir do adolescente,

    dialogando também com os desafios encontrados pelos mesmos ao longo

    desta etapa da vida que compreende inúmeras mudanças de caráter brusco

    que causam um grande impacto tanto no âmbito biológico quanto também no

    psicológico, social e familiar. A adolescência é um período ainda repleto de

    potencialidades e desafios do ponto de vista educacional, pois é também

    durante esta etapa que o jovem passa mais intensamente por um processo de

    autodescoberta que o auxiliará na tomada de diversas decisões de grande

    importância para o seu futuro, como a escolha da carreira.

    Palavras-chave: adolescência, cérebro, aprendizagem.

  • METODOLOGIA

    Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e em artigos sobre o

    desenvolvimento cerebral e também os principais aspectos neurobiológicos da

    adolescência e seu impacto na aprendizagem do indivíduo.

    Pesquisadores como Sarah-Jayne Blakemore, Mark Bear, Barry

    Connors, Michael Paradiso, Roberto Lent, Laurie Lundy-Ekman, Eric Kandel,

    Jay Giedd, Suzana Herculano-Houzel, Angelo Machado, Jair Soares e Rhoshel

    Lenroot, figuram entre os diversos autores pesquisados, que apresentam

    contribuições significativas na área de neurociência.

  • SUMÁRIO Introdução 09

    Capítulo I - Formação do Sistema Nervoso 10

    1.1. O que é o sistema nervoso e o que ele faz 10

    1.2. Estrutura e fisiologia do sistema nervoso 11

    1.2.1. Sistema Nervoso Central 12

    1.2.2. Sistema Nervoso Periférico 15

    1.3. Formação e desenvolvimento das estruturas do sistema nervoso 16

    Capítulo II - Aspectos neurobiológicos da adolescência 21

    2.1. O que é a adolescência 21

    2.2. O desenvolvimento do cérebro durante a adolescência 23

    2.3. O papel do sistema de recompensa na busca por prazer durante a

    adolescência 29

    Capítulo III - Adolescência e aprendizagem: explorando as

    potencialidades do cérebro em desenvolvimento 32

    3.1. Adolescência e plasticidade cerebral 32

    3.2. Reorganização do mapa mental corporal e aprendizagem motora 35

    3.3. O sistema de recompensa e o cérebro social: possibilidades de

    aprendizagem motivada e significativa 36

    Conclusão 41

    Referências 43

  • 9

    INTRODUÇÃO

    Blakemore e Mills (2014) definem a adolescência como o período

    compreendido entre a puberdade e a aquisição de independência e

    autossuficiência. Tal etapa da vida está associada a mudanças

    comportamentais, sociais, físicas e cognitivas.

    Santos (2000, p. 61) salienta que a adolescência é uma fase em que

    os jovens tendem a se afastar de seus núcleos familiares, e que devem ser

    estimulados a tomar suas próprias decisões e a expressar livremente suas

    emoções, o que muito se correlaciona com as mudanças desencadeadas pela

    puberdade: o jovem passa a buscar identificação fora de seu grupo familiar,

    como apontou Herculano-Houzel (2005) e o processo de reorganização

    química e estrutural pelo qual seu cérebro passa exerce grande influência

    sobre seu comportamento e autopercepção.

    O cérebro adolescente, por estar em transição, ainda é um cérebro

    explorador, que solidifica sua aprendizagem com o passar do tempo e

    desenvolve sua capacidade de abstração, se tornando capaz de tomar

    decisões mais complexas baseando-se mais em experiências próprias ou

    alheias e menos no empirismo. Por ser uma etapa importante do

    desenvolvimento humano, pesquisadores como Fuhrmann, Knoll e Blakemore

    (2015) apresentam fortes indícios de que a adolescência seja um dos períodos

    com maior potencial de plasticidade cerebral, juntamente ao início da infância,

    e ressaltam a importância de se explorar ao máximo as potencialidades do

    cérebro adolescente.

    Esta pesquisa trata sobre as principais mudanças que ocorrem

    durante a adolescência, principalmente no que tange os aspectos

    neurobiológicos, e como isso reflete na aprendizagem dos jovens.

  • 10

    CAPÍTULO I

    FORMAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO

    Para compreender o funcionamento do cérebro do adolescente, é

    necessário compreender a estrutura e funcionamento do cérebro humano e

    como ele se forma.

    Este capítulo apresenta uma visão geral do sistema nervoso, de sua

    estrutura e fisiologia e também do seu processo de formação no estágio

    intrauterino.

    1.1. O que é o sistema nervoso e o que ele faz

    O sistema nervoso é composto de um conjunto de órgãos do corpo

    humano, cuja principal função é captar estímulos recebidos do ambiente e

    processá-los, elaborando respostas a eles e as enviando para o órgão

    correspondente. Em suma, é o sistema responsável pelo controle e regulação

    de toda a atividade realizada pelo corpo humano e está diretamente

    relacionado à percepção (KANDEL et al, 2013, p. 338).

    Portanto, o sistema nervoso é parte fundamental do ser humano,

    pois é através do estudo do mesmo que é possível a compreensão dos

    fenômenos que ocorrem no desenvolvimento humano.

    No exercício de suas funções, a principal responsabilidade do

    sistema nervoso é a captura de estímulos externos, que são recebidos de

    diversos pontos do corpo, encaminhados ao cérebro e então interpretados,

    gerando uma resposta ou reação. Embora tais respostas sejam comumente

    associadas ao movimento, elas podem consistir também em falas,

    pensamentos, emoções e outros aspectos, sejam eles comportamentais ou

  • 11

    não, voluntários ou não. Além disso, as células nervosas também são capazes

    de armazenar, integrar e selecionar informações (BRANDÃO, 2004, p.3).

    Conforme Bear, Connors e Paradiso (2007), o sistema nervoso

    também é responsável pela coordenação dos comportamentos considerados

    involuntários no corpo humano, ou seja, ele não opera apenas em nível

    consciente. O ser humano não possui total consciência ou controle sobre todos

    os seus comportamentos, principalmente aqueles que tangem o aspecto

    biológico.

    Alguns exemplos disso são a hiperecplexia, que é o termo clínico

    para a reação de sobressalto diante de situações inesperadas (BEAR,

    CONNORS e PARADISO, 2007, p. 124) e também o mecanismo do bulbo

    encefálico que impede que o indivíduo prenda a sua respiração

    indefinidamente. Além disso, o bulbo comanda diversas funções autônomas no

    corpo.

    Por ser responsável por eventos que ocorrem em toda a extensão

    corporal, o sistema nervoso permeia todo o corpo, sendo classificado em

    Sistema Nervoso Central (SNC) e Sistema Nervoso Periférico (SNP)

    (BRANDÃO, 2004, p. 4). As células presentes no Sistema Nervoso Periférico

    são altamente especializadas no que tange às funções dos órgãos em que

    atuam.

    Versar-se-á sobre a estrutura do sistema nervoso e sua fisiologia a

    seguir.

    1.2. Estrutura e fisiologia do sistema nervoso

    O sistema nervoso divide-se em duas categorias: o Sistema Nervoso

    Central (SNC) e o Sistema Nervoso Periférico (SNP). O Sistema Nervoso

    Central é composto do encéfalo e medula espinhal, enquanto o Sistema

    Nervoso Periférico ainda é subdividido em Sistema Nervoso Periférico

  • 12

    Somático, que é responsável pela regulação das ações voluntárias, e em

    Sistema Nervoso Periférico Autônomo, que atua regulando funções orgânicas

    e, portanto, ações involuntárias (MACHADO, 2005, p. 11).

    O Sistema Nervoso Periférico Autônomo ainda se subdivide em

    Simpático e Parassimpático, que possuem funções contrárias. O Sistema

    Nervoso Autônomo trabalha de modo a manter o equilíbrio do corpo, também

    conhecido como homeostase (BRANDÃO, 2004, p. 18).

    Figura 1: Divisão do sistema nervoso, conforme critérios anatômicos (BRANDÃO, 2004, p.5).

    1.2.1 Sistema Nervoso Central

    Lent (2001, p.9) afirma que o Sistema Nervoso Central (SNC)

    engloba todas as estruturas localizadas dentro do crânio e também a coluna

    vertebral. É nele que se concentra a maior parte dos neurônios. Ele é

    subdividido anatomicamente em encéfalo e medula espinhal.

  • 13

    O encéfalo corresponde à parte contida dentro da caixa craniana, e

    suas funções são as mais complexas do Sistema Nervoso Central, pois essa é

    a estrutura responsável pela cognição e a capacidade afetiva humana. Ele é

    composto de três partes: o cérebro, o cerebelo e o tronco encefálico (LENT,

    2001, p. 9).

    A superfície do cérebro, chamada de córtex cerebral, possui

    diversas rugas, conhecidas como giros e sulcos. O cérebro se divide em dois

    hemisférios, que estão associados a funções distintas e trabalham de forma

    espelhada no corpo (o hemisfério direito é responsável pelo controle do lado

    esquerdo do corpo e vice-versa). Ainda conforme Lent (2001, p. 12) ele é

    dividido em cinco grandes regiões, chamadas de lobos:parietal, occipital,

    frontal, temporal e insular, também conhecido como ínsula.

    Figura 2: Lobos frontal, parietal, temporal e ocipital, tronco encefálico e medula espinhal (LENT, 2001, p.12).

    Situado na parte traseira (caudal) do cérebro, o cerebelo possui tal

    nome por se assemelhar a um cérebro de menor tamanho, que também possui

    dois hemisférios, embora não haja um sulco que os separa de forma definida.

  • 14

    O cerebelo é a estrutura do encéfalo responsável pelo equilíbrio e

    pela memória procedural, onde são armazenadas ações automatizadas, para

    que o nível de consciência do indivíduo se mantenha disponível para a

    realização de tarefas mais complexas (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2007).

    Figura 3: Visão da superfície medial direita do encéfalo e da medula espinal, componentes do Sistema Nervoso Central (BRANDÃO, 2004, p. 5).

    O tronco encefálico é de onde emerge a maioria dos nervos

    cranianos (LENT, 2001, p. 12). Ele se subdivide em mesencéfalo e diencéfalo,

    e é o responsável por conectar o encéfalo à medula espinhal, transmitindo

    estímulos que se originam no Sistema Nervoso Periférico até o Sistema

    Nervoso Central e também enviando as respostas a esses estímulos,

    realizando o caminho inverso.

    O Sistema Nervoso Central apresenta ainda uma extensão,

    responsável pela condução de estímulos e respostas, que funciona como uma

    rota de comunicação entre o Sistema Nervoso Central e o Sistema Nervoso

  • 15

    Periférico, que é a medula espinhal (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2007 e

    LENT, 2001).

    1.2.2. Sistema Nervoso Periférico

    O Sistema Nervoso Periférico possui uma menor proporção de

    neurônios em comparação ao Sistema Nervoso Central, apresentando uma

    grande rede de fibras nervosas presentes em diversos tecidos e órgãos do

    corpo. Seus nervos podem ser encontrados em quase todas as partes do corpo

    e, conforme Lent (2001, p.7), enquanto uma das extremidades do nervo está

    localizada em algum órgão, a outra se encontra inserida no Sistema Nervoso

    Central.

    Portanto, embora não sejam os únicos elementos que formam o

    Sistema Nervoso Periférico, os nervos desempenham o importante papel de

    conectar os tecidos e órgãos ao Sistema Nervoso Central. Ainda de acordo

    com o autor supracitado, os nervos localizados mais próximos às estruturas do

    Sistema Nervoso Central são mais espessos, por conterem maior quantidade

    de fibras. Ao longo de seu trajeto, eles se ramificam, tornando-se mais finos,

    principalmente nas terminações nervosas ligadas a órgãos. É nesse ponto em

    que são observadas células nervosas com maior grau de especialidade.

    Os nervos do Sistema Nervoso Periférico se dividem em espinhais e

    cranianos. Os nervos cranianos se unem ao Sistema Nervoso Central através

    de orifícios presentes no crânio, enquanto os nervos espinhais o fazem através

    de canais na coluna vertebral (LENT, 2001, p. 8).

    As estruturas do Sistema Nervoso Periférico são responsáveis pela

    captação dos estímulos e também pela realização de sinapses, que os

    transmitirão até o Sistema Nervoso Central, onde esses estímulos serão

    interpretados e também onde será gerada uma resposta adequada para os

    mesmos, que será encaminhada de volta ao Sistema Nervoso Periférico

    (LENT, 2001, p.8).

  • 16

    As sinapses realizam todo o processo de comunicação entre as

    células nervosas, através da utilização de substâncias chamadas

    neurotransmissores, que são transportados pelos contatos sinápticos. Sinapses

    são regiões ativas de contato entre células e terminações nervosas

    (BRANDÃO, 2004), podendo ser excitatórias ou inibitórias.

    As sinapses excitatórias são caracterizadas pela presença de fendas

    sinápticas mais largas, atuando com o objetivo de incitar um disparo no

    neurônio pós-sináptico, que se propagará pelo seu axônio, enquanto as

    sinapses inibitórias atuam com objetivo oposto, ou seja, visando inibir tais

    disparos (HENDELLMAN, 2015).

    Nesta seção foram abordados os principais aspectos estruturais e

    funcionais do sistema nervoso. A seguir, abordar-se-á as etapas de formação e

    desenvolvimento do mesmo.

    1.3. Formação e desenvolvimento das estruturas do sistema

    nervoso

    Para que seja possível compreender como se dá o desenvolvimento

    do sistema nervoso, é importante conhecer os estágios do desenvolvimento

    humano. Sobre ele, de acordo com Lundy-Ekman (2011, p. 76) há diversas

    influências, tanto genéticas quanto ambientais, que atuam sobre as células do

    corpo ao longo desse processo.

    Ainda conforme a autora, o processo de desenvolvimento humano

    tem início dentro do útero, onde algumas de suas etapas se completam, e

    continua após o nascimento. O sistema nervoso é desenvolvido a partir da

    camada mais externa do embrião, conhecida como ectoderma, ainda durante o

    estágio embrionário.

    A autora apresenta a classificação dos três estágios do

    desenvolvimento humano que ocorrem no período intrauterino, em ordem: pré-

  • 17

    embrionário, embrionário e fetal. O estágio pré-embrionário dura até a segunda

    semana de gestação. Primeiramente, o óvulo é fertilizado na tuba uterina, e

    então inicia o processo de divisão celular enquanto desce pela trompa até

    chegar ao útero. Nesta etapa de desenvolvimento, esse grupo de células forma

    uma esfera chamada blastocisto, que se implantará no endométrio.

    Lundy-Ekman (2011, p. 76) afirma que nesse processo de

    implantação, já é possível perceber a ocorrência da diferenciação celular, pois

    a parte interna do blastocisto dá origem às camadas ectoderma e endoderma,

    enquanto sua parte externa formará parte da placenta.

    Durante o estágio embrionário, que se inicia na segunda semana de

    gestação, a especialização celular se torna mais proeminente com a formação

    dos órgãos. O ectoderma dá origem aos órgãos sensoriais, à epiderme e ao

    sistema nervoso, enquanto o mesoderma forma músculos, ossos e também os

    sistemas circulatório e excretor. O endoderma origina o fígado, pâncreas,

    sistema respiratório e o trato digestivo (LUNDY-EKMAN, 2011, p. 77).

    Ainda segundo Lundy-Ekman (2011, p. 77) o sistema nervoso

    começa a se formar ainda no estágio embrionário, e tal processo se inicia ainda

    nas primeiras semanas de gestação, com a formação do tubo neural, que

    perpassa toda a extensão do embrião. De acordo com a autora, quando ocorre

    o fechamento das extremidades desse tubo, o encéfalo começa a se formar.

    Tal fechamento ocorre primeiramente no que virá a ser a região cervical.

    Uma vez fechado, células adjacentes a ele se separam desta

    estrutura e do vestígio de ectoderma, formando a crista neural. Todo esse

    processo descrito por Lundy-Ekman (2011) ocorre na camada externa do

    embrião e, quando a crista neural se forma, o ectoderma remanescente do qual

    as células que formaram a crista se separaram fecha-se sobre tais estruturas.

    A autora aponta a crista neural como a base do desenvolvimento de

    grande parte do Sistema Nervoso Periférico, com exceção dos axônios dos

    neurônios motores, que têm sua origem na seção ventral do tubo neural.

  • 18

    Ainda antes do primeiro mês de gestação, há o desenvolvimento da

    camada do manto, ou parede interna, que dará origem à substância cinzenta,

    enquanto a camada marginal, ou parede externa, dará origem à substância

    branca. Conforme as células da camada do manto se multiplicam ao longo do

    tubo neural, ocorre a formação de sulcos em cada um dos lados do tubo,

    correspondentes às seções ventral e dorsal (LUNDY-EKMAN, 2011, p. 78). A

    seção ventral corresponde à placa motora ou basal, que dará origem a

    neurônios motores, enquanto a seção dorsal corresponde à placa alar ou

    associativa. Os neurônios presentes nesta região são responsáveis pelo

    processamento de informações sensoriais.

    Antes do terceiro mês de gestação, conforme a autora, os

    segmentos da medula espinhal já se encontram ligados às vértebras

    correspondentes e já se projetam as raízes dos nervos espinhais partindo da

    medula.

    A formação do encéfalo tem início por volta do vigésimo oitavo dia

    de gestação (LUNDY-EKMAN, 2011, p. 79), quando a futura região do tubo

    neural se dilata, expandindo-se em três regiões, sendo elas o rombencéfalo (ou

    encéfalo posterior), o mesencéfalo (ou encéfalo médio) e o prosencéfalo (ou

    encéfalo anterior). Posteriormente a isso, ocorrem mais dilatações que

    delimitarão cinco regiões distintas no encéfalo.

    O rombencéfalo será dividido em duas seções, de modo que o

    mielencéfalo corresponde à seção inferior e o metencéfalo, à superior. A autora

    afirma que, posteriormente, tais seções se diferenciam para dar origem à

    medula oblonga, ao cerebelo e à ponte. A camada do manto originará os

    núcleos profundos e o córtex.

    Neste processo de dilatação descrito por Lundy-Ekman (2011, p.

    80), o mesencéfalo mantém o mesmo nome, enquanto o prosencéfalo se divide

    em diencéfalo (região posterior), que contém o tálamo e o hipotálamo, e em

    telencéfalo (região anterior), que dará origem aos hemisférios cerebrais, que se

  • 19

    expandem de modo a englobar o diencéfalo, e posteriormente de modo

    ventrolateral, de modo a formar o lobo temporal.

    As células epiteliais que compunham o revestimento do tubo neural

    contribuem para a produção de neurônios e glia, e os neurônios iniciam sua

    migração até suas localizações finais, onde se diferenciarão. Lundy-Ekman

    (2011, p. 81) explica que a especialização de cada neurônio é determinada

    pela sua localização, e não geneticamente, e faz parte do processo de

    organização do sistema nervoso, que envolve também o crescimento de

    axônios e dendritos, o início da formação das sinapses e a morte seletiva de

    neurônios.

    Para que os neurônios se tornem funcionais, é necessário que seus

    axônios sejam revestidos pela bainha de mielina, em um processo chamado de

    mielinização, que ocorre do nascimento até aproximadamente três anos de

    idade (LUNDY-EKMAN, 2011, p. 82).

    Figura 4: Esquematização do desenvolvimento encefálico. Adaptado de Lunday-Eckman (2011, p. 82)

  • 20

    Neste capítulo, foram abordados os principais aspectos do sistema

    nervoso, sua classificação e seu processo de formação. O próximo capítulo

    tratará sobre os aspectos neurobiológicos da adolescência, no que este

    período consiste e quais as principais mudanças que ocorrem no mesmo.

  • 21

    CAPÍTULO II

    ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA ADOLESCÊNCIA

    A adolescência é um período do desenvolvimento humano que

    ocorre entre a infância e a vida adulta, marcado pelo desenvolvimento físico,

    mental e comportamental dos indivíduos (FERREIRA e NELAS, 2006). Além

    desses processos biológicos e sociais, a adolescência também é uma etapa de

    autoconhecimento, em que os jovens buscam sua identificação perante a um

    grupo não familiar e dão início ao processo de desenvolvimento da própria

    independência (SANTOS, 2000, p. 60).

    2.1. O que é a adolescência

    Ainda conforme Ferreira e Nelas (2006), há pouco consenso quanto

    à definição dessa etapa da vida, pois a adolescência é um processo complexo

    cujas etapas, embora muitas já mapeadas, ainda são consideradas complexas.

    Eisenstein (2005) realça tal dissonância ao comparar os limites cronológicos

    estabelecidos para a adolescência por diversas organizações. Em seu estudo,

    a autora apurou que a Organização Mundial de Saúde (OMS) estabelece o

    período entre 10 e 19 anos como adolescência, enquanto a Organização das

    Nações Unidas (ONU) utiliza, para fins estatísticos e políticos um critério que

    classifica adolescentes aqueles entre 15 e 24 anos, e, no Brasil, a Lei nº 8069

    de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),

    estabelece os seguintes critérios:

    Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

    Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. (BRASIL, 1990)

  • 22

    Einenstein (2005) enfatiza que, como os parâmetros biológicos e

    psicossociais variam em diferentes indivíduos, a idade cronológica pode não

    ser o melhor critério a ser adotado em estudos de diversas esferas sobre a

    adolescência, devido à assincronia de maturação entre indivíduos com a

    mesma faixa etária.

    O início da adolescência se dá com a chegada da puberdade, que é

    o momento em que o indivíduo atinge sua capacidade reprodutiva. Einenstein

    (2005) define puberdade como:

    [...] o fenômeno biológico que se refere às mudanças morfológicas e fisiológicas (forma, tamanho e função) resultantes da reativação dos mecanismos neuro-hormonais do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal-gonadal. Estas mudanças corporais conhecidas como os fenômenos da pubarca ou adrenarca e gonadarca são parte de um processo contínuo e dinâmico que se inicia durante a vida fetal e termina com o completo crescimento e fusão total das epífises ósseas, com o desenvolvimento das características sexuais secundárias, com a completa maturação da mulher e do homem e de sua capacidade de fecundação, através de ovulação e espermatogênese, respectivamente, garantindo a perpetuação da espécie humana. (EINENSTEIN, 2005)

    Todavia, a puberdade é apenas uma parte do processo de

    maturação englobado pela adolescência. Além disso, quanto ao aspecto

    biológico, ainda não foi possível atribuir um fator que, isolado, seja

    determinante para que se dê início à puberdade, considerara o marco inicial da

    adolescência (HERCULANO-HOUZEL, 2005).

    O hipotálamo é a estrutura responsável por desencadear a série de

    mudanças ocorridas neste período, promovendo ajustes fisiológicos e

    hormonais que resultarão na puberdade e, por consequência, na adolescência.

    Tal estrutura realiza a mediação entre o sistema nervoso e o endócrino, sendo

    responsável pela manutenção das funções vitais e também pela homeostase,

    ou seja, o equilíbrio do organismo (BRANDÃO, 2004, p. 11).

    Ainda conforme Brandão (2004, p. 12), o hipotálamo realiza o

    intermédio do meio interno com o externo, atuando sobre o sistema endócrino,

    responsável pela produção de hormônios, o Sistema Nervoso Autônomo e o

  • 23

    sistema de recompensa, atuando em conjunto com o sistema límbico. As

    mudanças enfrentadas pelos adolescentes são controladas principalmente pelo

    hipotálamo e a hipófise, a principal glândula produtora de hormônios do corpo

    humano, que atuam em conjunto como uma central de comando do corpo.

    Herculano-Houzel (2005) confirma que o cérebro atinge, no início da

    adolescência, seu tamanho adulto. Portanto, as transformações que ocorrem

    nesse período concernem muito mais os aspectos biológicos e sociais, e o

    tamanho do cérebro não é um fator tão determinante quanto sua estrutura, que

    será discutida a seguir.

    2.2. O desenvolvimento do cérebro durante a adolescência

    O que ocorre no cérebro durante este período é um amadurecimento

    funcional, que engloba um conjunto de reorganizações tanto estruturais quanto

    químicas, mudanças significativas no sistema de recompensa. As habilidades

    motoras são solidificadas, devido a alterações ocorridas nos núcleos da base.

    O amadurecimento da área pré-frontal do cérebro possibilita o desenvolvimento

    do raciocínio abstrato e também o aprendizado social. O jovem passa a ser

    capaz de antecipar as consequências de suas ações e a prever os seus efeitos

    antes de realizá-las.

    O hipotálamo é a estrutura responsável por disparar os impulsos

    nervosos que originarão as primeiras manifestações do fenômeno da

    adolescência no corpo humano. Isso acontece a partir do momento em que o

    freio hipotalâmico é removido, desinibindo-o. Nos primeiros anos de vida, o

    hipotálamo se encontra desinibido e realiza altas descargas de hormônios no

    corpo humano, em conjunto com a hipófise. Todavia, em algum momento,

    ocorre a inibição do hipotálamo, que só será desinibido novamente no início da

    adolescência (HERCULANO-HOUZEL, 2005).

    A reativação do hipotálamo se dá quando a concentração de leptina

    atinge um determinado nível, o que informa ao hipotálamo que o organismo

  • 24

    está adequado para entrar na puberdade. A leptina é um hormônio cuja função

    é auxiliar o hipotálamo na homeostase, auxiliando também a regulação da

    ingestão alimentar, dimunuindo-a, e no gasto de energia, aumentando a

    queima energética (ROMERO e ZANESCO, 2006).

    Uma vez reativado, o hipotálamo torna a liberar grandes quantidades

    de hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) que, no início da infância,

    estimulou a produção de grandes quantidades de estrogênio e testosterona,

    produzidos pelas gônadas, nos bebês. Na adolescência, tal processo torna a

    ocorrer: quando o freio hipotalâmico é removido, o hormônio liberador de

    gonadotrofina estimula a hipófise a produzir quantidade elevada de hormônio

    do crescimento (GH), que leva ao estirão de crescimento presenciado em

    adolescentes, e também de gonadotrofinas no sangue, que estimulam a

    produção de hormônios sexuais (testosterona, progesterona e estrogênio)

    pelas gônadas (ROMERO e ZANESCO, 2006). A quantidade elevada de

    hormônios sexuais no sangue gera um ciclo de retroalimentação no

    hipotálamo, de modo que os pulsos hipotalâmicos de hormônio liberador de

    gonadotrofina desencadeiam o processo biológico da adolescência.

    O que ocorre durante a adolescência é uma grande reorganização

    química, que influencia diretamente na quantidade de neurotransmissores, e

    também uma reorganização estrutural. Ambos aspectos influenciam

    diretamente o processo de comunicação entre os neurônios, que ocorre

    através das sinapses.

    Conforme apresentado no capítulo anterior, as sinapses são os

    pontos de conexão e comunicação entre os neurônios. No período da infância,

    há uma alta atividade sináptica no cérebro, também conhecido como um

    período de exuberância sináptica. Em comparação com o cérebro adulto, o

    cérebro infantil realiza aproximadamente o dobro de sinapses. Portanto, entre a

    infância e a idade adulta, ocorre um período de poda sináptica, em que as

    sinapses excedentes são eliminadas. Estudos combinados por Herculano-

    Houzel (2005) apontam que o número de sinapses no córtex humano continua

    em uma crescente durante todo o período da infância, atingindo seu pico no

  • 25

    início da adolescência, quando então passa a decrescer, à medida que as

    podas sinápticas ocorrem.

    Todavia, este processo de poda não representa um retrocesso nas

    habilidades adquiridas pelo ser humano em desenvolvimento, e sim um

    processo de maturação que, após explorar diversas conexões neurais durante

    a infância, passa a identificar quais são as conexões mais eficientes e a

    eliminar as menos utilizadas.

    Em outras palavras, a poda sináptica faz parte de um processo de

    maturação cerebral, pois significa que um adulto gastará menos energia ao

    realizar tarefas complexas, enquanto uma criança ou um jovem ainda

    apresentam um gasto energético elevado relacionado à atividade cerebral,

    mesmo que executando tarefas mais simples. Portanto, a poda sináptica é

    parte importante de um processo em que o organismo humano ganha mais

    eficiência, tanto do ponto de vista funcional quanto do energético. Giedd et al

    (1999) realizaram um estudo de imagem que constatou a queda de

    concentração de substância cinzenta no cérebro humano.

    Além disso, como a infância é uma etapa de exploração de

    possibilidades e aquisição de habilidades, enquanto na adolescência e na vida

    adulta, embora o processo de aprendizagem ainda persista, ele se dá de uma

    forma menos intensa que em crianças, em parte porque não ocorrem tantas

    sinapses quanto neste período, mas é o processo de poda sináptica que

    possibilita o refinamento das habilidades do adulto. Portanto, enquanto o

    aprendizado de uma criança ocorre de forma mais empírica, o aprendizado do

    adulto ocorre também com base em observações, experiências e antecipação

    de consequências (HERCULANO-HOUZEL, 2005).

    É possível perceber, com base nos autores supracitados, como a

    adolescência se encontra entre esses dois períodos, o cérebro do adolescente

    se encontra no meio-termo: ele continua aprendendo de forma empírica,

    estando sujeito às influências do ambiente, mas também já possui maior

    capacidade para extrair aprendizados com base na experiência, embora este

  • 26

    mecanismo ainda não esteja completamente lapidado, o que acontecerá ao

    longo desse processo de maturação cerebral.

    Figura 5: Imagens de ressonância magnética mostrando a variação de massa cinzenta no cérebro durante a infância e a adolescência (LENROOT e GIEDD, 2006).

    É possível observar na Figura 5 que a diminuição no volume de

    substância cinzenta, ou seja, a poda sináptica, não ocorre da mesma forma em

    todas as estruturas do cérebro. Os estudos de Giedd et al (1999) e Lenroot e

    Giedd (2006) mostram que as áreas iniciam o processo de poda sináptica em

    momentos diferentes.

    As regiões da área posterior cortical, que possuem função sensorial,

    são as primeiras a iniciar esse processo de amadurecimento, o que pode

    acontecer enquanto outras regiões ainda estão em processo de expansão,

    como no caso do córtex frontal e do lobo temporal, que seguem em expansão

    até cerca dos 16 ou 17 anos. O processo de poda nessas áreas, portanto, só

    tem início após o término dessa expansão (LENROOT e GIEDD, 2006).

  • 27

    Apesar da redução da massa cinzenta, o volume do cérebro não

    diminui durante a adolescência. Isso ocorre porque, concomitantemente à poda

    sináptica e à redução de massa cinzenta no cérebro do adolescente, ocorre o

    aumento contínuo e linear da substância branca na região subcortical,

    resultante do processo de mielinização, o que ocasiona o espessamento das

    fibras nervosas. Tal processo também é observado no trabalho de Lenroot e

    Giedd (2006).

    Figura 6: comparação do volume de substância cinzenta em diversas áreas do cérebro em indivíduos dos 4 aos 22 anos de idade, agrupados por gênero. Em sentido horário,

    iniciando no primeiro quadrante (topo, à esquerda): concentração de substância cinzenta na região frontal; concentração de substância cinzenta na região parietal;

    concentração de substância cinzenta na região temporal; concentração de substância branca (LENROOT e GIEDD, 2006).

  • 28

    Ao observar os gráficos da Figura 6, é possível constatar que o

    volume de substância cinzenta passa a decrescer primeiro na região parietal,

    enquanto esse processo de poda se dá mais tardiamente nas regiões frontal e

    temporal, enquanto o volume de substância branca se encontra em uma

    crescente.

    A mielinização também é uma parte importante do desenvolvimento

    cerebral, pois a mielina é um isolante que permite que a condução de impulsos

    elétricos entre os neurônios ocorra de forma mais rápida e sem perdas, ou

    seja, com o objetivo de agilizar a comunicação entre as estruturas cerebrais

    (HERCULANO-HOUZEL, 2005).

    Ainda conforme a autora, tal processo de mielinização ocorre

    concomitantemente ao aperfeiçoamento da memória de trabalho, possibilitando

    também que o processo de leitura se torne mais fácil para o indivíduo. O ganho

    de substância branca ao longo da adolescência também favorece a capacidade

    de manutenção do foco por períodos mais longos que os das crianças.

    Portanto, a mielinização ocorre com o propósito de solidificar as conexões

    neurais.

    O córtex frontal é a última estrutura a passar por esse processo de

    maturação, tanto no âmbito estrutural quanto no funcional, sendo portanto a

    última estrutura a finalizar seu processo de mielinização, atingindo o pico de

    substância branca aproximadamente aos 30 anos (HERCULANO-HOUZEL,

    2005). Tal região do cérebro é responsável pelo planejamento e antecipação

    de consequências dos atos.

    O processo de mielinização, assim como a poda sináptica, está

    relacionado também à economia energética. Ao longo da adolescência, o

    indivíduo se torna capaz de desenvolver tarefas cada vez mais complexas, com

    um gasto energético menor, tornando o cérebro um órgão muito mais eficiente.

    Além dos processos anteriormente mencionados, outra mudança

    significativa que ocorre durante a adolescência é a reestruturação do sistema

    de recompensa e de controle de impulsos, que será discutida a seguir.

  • 29

    2.3. O papel do sistema de recompensa na busca por prazer

    durante a adolescência

    Anteriormente, discutiu-se sobre algumas das principais mudanças

    estruturais ocorridas no cérebro durante a adolescência, entre elas o fenômeno

    da poda sináptica. O desenvolvimento cerebral nesta fase consiste tanto de

    perdas quanto de ganhos, como já constatado por Herculano-Houzel (2005) e

    por Lenroot e Gied (2006), funcionando como um sistema de compensação,

    que visa o amadurecimento do órgão e o ganho de eficiência funcional.

    Portanto, a perda de massa cinzenta causada pela poda sináptica e

    o ganho de massa ou substância branca resultante da mielinização, que

    ilustram bem tal processo de compensação, não são as únicas mudanças que

    ocorrem neste período.

    O sistema de controle de impulsos passa por um fenômeno

    chamado de perda de função transiente, o que, segundo Herculano-Houzel

    (2005), faz com que o mesmo se torne mais difícil de ser disparado por

    atividades outrora prazerosas, devido a uma redução de receptores nervosos

    na área do estriado ventral.

    Ainda segundo a autora, há uma grande quantidade de receptores

    nervosos localizados na área do estriado ventral durante a infância. Tais

    receptores são ativados por dopamina, e o resultado dessa ativação é a

    sensação de prazer. Quanto mais receptores há nessa área, maior é a ativação

    dos mesmos ao reagir com a dopamina e também, portanto, a sensação de

    prazer.

    A redução dessa quantidade de receptores significa que atividades

    que anteriormente eram consideradas muito prazerosas pelo indivíduo passam

    a ser consideradas menos satisfatórias em comparação ao que antes eram

    durante a adolescência, pois o sistema de recompensa se torna mais difícil de

    ser ativado do que antes, o que leva o jovem a perder o interesse por essas

  • 30

    coisas e a buscar novas atividades, diferentes daquelas que o agradavam

    anteriormente.

    Herculano-Houzel (2005) ressalta que o que ocasiona o

    característico tédio no adolescente neurotípico não é uma queda na produção

    de dopamina, mas sim a redução na quantidade de receptores na área do

    estriado ventral. O objetivo dessa redução é fomentar a busca por novos

    estímulos, visando o amadurecimento do indivíduo e, a longo prazo, a

    manutenção da espécie, já que é durante esse período que o jovem inicia seu

    afastamento do núcleo familiar e passa a procurar outros grupos, buscando

    futuramente estabelecer o seu próprio.

    Todos esses eventos constituem uma etapa necessária de

    desenvolvimento de autonomia e independência, além de aprendizado das

    regras de convivência da sociedade. Herculano-Houzel caracteriza o sistema

    de recompensa como "o conjunto de estruturas do cérebro responsáveis por

    premiar com prazer ou bem-estar [...] comportamentos que acabaram de se

    mostrar úteis ou interessantes" (HERCULANO-HOUZEL, 2005), oferecendo

    uma gratificação instantânea pela realização desses comportamentos.

    Além disso, o sistema de recompensa também é capaz de avaliar, a

    partir da experiência obtida com atividades previamente ou com a expectativa

    ou imaginação de prazeres futuros, qual a motivação que se tem para realizar

    alguma atividade, ou seja, qual será o benefício trazido por ela. Desse modo, a

    autora afirma, que é esse sistema o responsável por motivar ou não indivíduo

    para a realização de alguma atividade.

    "Ativar o sistema de recompensa" significa aumentar o funcionamento de dois de seus componentes mais importantes: a área tegmentar ventral e o estriado ventral. A primeira recebe dos sentidos informações sobre o que está acontecendo com o corpo, e recebe do córtex pré-frontal, na parte da frente do cérebro, informações sobre as intenções que guiaram o comportamento atual. Se detectam que algo interessante acabou de acontecer (por exemplo, o comportamento atingiu seu objetivo, ou ao contrário, produziu algo de novo ou surpreendente), os neurônios da área tegmentar ventral despejam dopamina sobre os do estriado ventral. (Herculano-Houzel, p. 86)

  • 31

    A dopamina, segundo Bahena-Trujillo et al (2000) é o

    neurotransmissor mais importante do Sistema Nervoso Central dos mamíferos

    e atua na regulação de diversas funções motoras e emocionais, além de

    desempenhar papel importante na comunicação neuroendócrina.

    Quanto mais dopamina é liberada durante alguma atividade, mais

    prazerosa a mesma é considerada pelo sistema de recompensa, conforme os

    autores supracitados. O estriado ventral é a estrutura que recebe a dopamina e

    que se comunica com a região do cérebro responsável pela tomada de

    decisões (córtex pré-frontal) e também com os núcleos da base, que estão

    ligados à internalização de determinado comportamento.

    Ao se realizar algo prazeroso, a mensagem que é encaminhada para

    tais estruturas é que tal atividade é satisfatória e deve ser repetida. Como o

    córtex pré-frontal ainda não completou seu processo de maturação,

    adolescentes estão mais passíveis de tomar decisões sem antes ponderar

    possíveis consequências negativas ou antecipar seus efeitos, o que pode

    resultar em comportamentos de risco, principalmente no que concerne ao vício

    em substâncias como álcool e outras drogas (SOARES, GONÇALVES e

    WERNER JUNIOR, 2010).

    Neste capítulo, obteve-se um panorama dos principais marcos do

    desenvolvimento do cérebro durante a adolescência. A seguir, discutir-se-á

    sobre o impacto dessas mudanças na aprendizagem do indivíduo neste

    período da vida.

  • 32

    CAPÍTULO III

    ADOLESCÊNCIA E APRENDIZAGEM: EXPLORANDO

    AS POTENCIALIDADES DO CÉREBRO EM

    DESENVOLVIMENTO

    Nos capítulos anteriores, abordou-se aspectos referentes ao

    desenvolvimento cerebral propriamente dito. O objetivo deste capítulo é

    apresentar e discutir algumas possibilidades que o cérebro do adolescente

    oferece no que tange à aprendizagem, e apresentar possíveis abordagens,

    tendo em vista as pesquisas realizadas para a realização desta.

    3.1. Adolescência e plasticidade cerebral

    Fuhrmann, Knoll e Blakemore (2015) definem o termo plasticidade

    como a habilidade do sistema nervoso de adaptar sua função e estrutura em

    resposta às demandas do ambiente, assim como experiências e também

    mudanças fisiológicas.

    Dos Santos (2011) aponta que o ato de aprender é um ato de

    plasticidade cerebral regulado por fatores intrínsecos, que correspondem à

    genética e a outros marcadores biológicos, e extrínsecos, que correspondem

    às experiências e à socialização dos sujeitos. Enquanto os fatores intrínsecos

    são de difícil modificação e são muitas vezes dados como pressupostos, os

    fatores extrínsecos são de grande importância no desenvolvimento do

    indivíduo.

    Na adolescência, principalmente no contexto escolar, os jovens

    tendem a possuir maiores discrepâncias entre si do que o que se observa na

    Educação Infantil e nas séries iniciais devido à assincronia de maturação,

    apresentada por Einenstein (2005), que influencia diretamente a puberdade e

  • 33

    os eventos e ela subsequentes. Portanto, professores que trabalham

    diretamente com esse segmento se deparam constantemente com esse

    desafio, tanto no que pauta as questões comportamentais quanto sociais e

    biológicas.

    Tanto a memória quanto a aprendizagem estão atreladas aos

    processos neurais responsáveis por processos neuropsicológicos, como a

    atenção e a motivação, entre outros (SÁ e MEDALHA, 2009). Tais processos

    se dão através das sinapses, sendo, portanto, intrinsecamente relacionados à

    plasticidade cerebral.

    Fuhrmann, Knoll e Blakemore (2015) também afirmam que o cérebro

    possui um determinado nível de plasticidade ao longo da vida, o que permite

    que o homem continue capaz de aprender, e classificam esse tipo de

    plasticidade como, em tradução própria, "plasticidade dependente de

    experiências". Tais experiências variam conforme o contexto do indivíduo, mas

    a modificação do cérebro ocorre devido àquela experiência, ou estímulo.

    Todavia, o mesmo grupo de pesquisadores apresenta um outro tipo

    de plasticidade neural, que conta com a existência de uma experiência ou

    estímulo ao qual o cérebro será exposto em uma determinada janela de tempo,

    de modo que o cérebro passa a esperar por aquele acontecimento. Este tipo de

    plasticidade é conhecida, em tradução própria, como "plasticidade expectante

    de experiência", e sua ocorrência se dá com maior frequência em períodos de

    maior sensibilidade do desenvolvimento neural.

    O período de aquisição de linguagem, por exemplo, apresenta um

    nível mais elevado de plasticidade cerebral durante a infância. Um dos

    exemplos citados por Fuhrmann, Knoll e Blakemore (2015) é o da surdez

    congênita, que ocasiona em um processamento sintático de gramática

    diferente do apresentado nos indivíduos ouvintes, mas que não interfere no

    processamento semântico da linguagem. Isso ocorre porque a aquisição de

    linguagem se dá de formas diferentes em indivíduos ouvintes e surdos, já que

    são utilizados diferentes sistemas de representação, dando origem a diferentes

  • 34

    esquemas mentais de representação. Sendo assim, é possível dizer que a

    aquisição de linguagem e a atribuição de significados estão relacionadas à

    plasticidade expectante de experiências, enquanto a decodificação sintática se

    relaciona à plasticidade dependente de experiências.

    Diversos estudos trazidos por Fuhrmann, Knoll e Blakemore (2015)

    apontam a infância como um dos períodos de maior sensibilidade do

    desenvolvimento neural, mas recentemente os pesquisadores da área de

    neurociência começaram a considerar possível que a adolescência também

    seja um desses períodos com potencial de plasticidade cerebral mais elevado.

    Há diversas evidências que apontam para essa hipótese, como o

    desenvolvimento da memória de trabalho, que evolui consideravelmente

    durante a adolescência e que finaliza seu desenvolvimento concomitantemente

    à conclusão da mielinização da área frontal do cérebro.

    Devido à adolescência se encontrar em um ponto de inflexão do

    desenvolvimento neural, em que o cérebro dos jovens se aproxima cada vez

    mais do cérebro adulto, mas sem ainda ser um cérebro adulto e maduro de

    fato, este ainda é um período fértil para fomentar a aprendizagem de formas

    diversas, trabalhar com experimentos, materiais concretos e também incorporar

    movimento e atividades exploratórias às práticas pedagógicas. Herculano-

    Houzel (2005) enfatiza o prazer que as novidades despertam no cérebro do

    adolescente e que eles necessitam de muito mais estímulos para que fiquem e

    se mantenham atentos e motivados, logo é importante apresentar abordagens

    e atividades diferenciadas para que o aprendizado dos mesmos seja mais

    significativo.

    Duas das consequências mais significativas da adolescência se dão

    pela reorganização do sistema de recompensa, que influencia diretamente no

    comportamento do jovem em desenvolvimento, e também pelo estirão do

    crescimento que ocorre na adolescência, que leva a uma reorganização

    completa do organismo do sujeito, mudando significativamente a relação que

    um jovem estabelece com o seu corpo. Ambos aspectos e suas respectivas

    correlações com a aprendizagem serão discutidos a seguir.

  • 35

    3.2. Reorganização do mapa mental corporal e aprendizagem

    motora

    O adolescente cresce mais rapidamente que na infância e passa por

    um período de remapeamento espacial, que é dificultado pois seu córtex

    parietal já iniciou seu processo de poda sináptica. Portanto, a adolescência é

    um período importante de reorganização espacial do sujeito, em que ele

    precisa realizar um maior esforço mental para se adaptar às transformações

    físicas que ocorrem em seu corpo, como apontado por Herculano-Houzel

    (2005).

    Além disso, ainda conforme a autora, o aprendizado motor na

    adolescência passa por outros desafios, relacionado à redução dos núcleos da

    base, que são os responsáveis pela solidificação de aprendizado motor, que

    pode envolver habilidades como tocar um instrumento, praticar algum esporte

    ou até mesmo para auxiliar na pronúncia das palavras em um novo idioma.

    Todavia, por ainda ser um corpo em desenvolvimento, há

    possibilidades de se realizar um trabalho motor significativo com os jovens, já

    que o amadurecimento corporal do adolescente do sexo masculino proporciona

    um aumento em seu metabolismo que, quando estimulado adequadamente,

    tende a aumentar a velocidade, força e resistência física (RÉ, 2011).

    Ré (2011) aponta que, em se tratando de adolescentes do sexo

    feminino, não há um ganho acentuado de massa muscular após a menarca,

    pois não há elevação significativa nos níveis de testosterona. O que ocorre,

    portanto, é um aumento do percentual de gordura corporal, concentrado

    principalmente nos seios e quadris.

    Todavia, as conclusões trazidas por Ré (2011) não implicam que o

    desenvolvimento motor nas jovens do sexo feminino se torne estagnado após a

    menarca, pois os fatores externos podem contribuir para obter a melhora no

    desempenho motor, em jovens de ambos os sexos. Embora a pesquisa de Ré

    seja voltada para o treinamento desportivo, ela traz contribuições fundamentais

  • 36

    para a compreensão do desenvolvimento motor durante a adolescência, e

    reforça a importância de manter tais aspectos na rotina de desenvolvimento

    dos adolescentes.

    Muito se fala em aquisição de habilidades motoras ao longo da

    infância (SARAIVA e RODRIGUES, 2010), mas devido às podas sinápticas e

    redução dos núcleos da base, é importante enfatizar o reforço e também o

    refinamento dessas habilidades adquiridas, e a adolescência se mostra um

    período propício para estimulá-las, pois quanto mais consciência corporal o

    jovem tiver, quanto mais ele trabalhar a lateralidade e desenvolver seus

    diferentes níveis de coordenação motora, mais esquemas mentais existirão em

    seu cérebro, trazendo mais possibilidades para a aprendizagem do indivíduo.

    3.3. O sistema de recompensa e o cérebro social:

    possibilidades de aprendizagem motivada e significativa

    Ao abordar as diferentes manifestações provocadas pelas mudanças

    que ocorrem no cérebro durante a adolescência, Herculano-Houzel (2005)

    enfatiza a busca por novos estímulos e a aquisição de novos interesses que

    ocorre durante este período, assim como a busca por novas interações sociais.

    Tal busca propicia novas oportunidades de aprendizagem que se

    encontram em contextos diferentes daqueles até então vivenciados pelos

    jovens, pois "a aprendizagem decorre de diversas situações, inclusive de

    circunstâncias informais que ocorrem fora do contexto escolar ou acadêmico"

    (DE BASTANI BUSNELLO, SCHAEFER e KRISTENSEN, 2009).

    Devido às mudanças neurobiológicas deste período, a adolescência

    se apresenta como uma etapa do desenvolvimento em que o processo de

    ressignificação ocorre de forma mais intensa, já que é nesta etapa em que o

    jovem visa construir sua própria identidade, descobrir novos gostos, novos

    grupos, além de encontrar seu lugar fora do que foi pré-estabelecido no núcleo

    familiar (HERCULANO-HOUZEL, 2005).

  • 37

    Outros estudos, como o de Kilford, Garrett e Blakemore (2016)

    apontam a importância da socialização na adolescência, pois é neste período

    que se dá início à formação de relacionamentos mais complexos e com mais

    nuances em comparação ao que ocorre durante a infância.

    Os autores também enfatizam que os aspectos neurobiológicos do

    desenvolvimento do cérebro social tornam a adolescência um período propício

    para trabalhar as interações sociais em contextos diversos.

    Figura 7: regiões associadas ao cérebro social: córtex dorsal medial pré-frontal (dmPFC), junção tempoparietal (TPJ), sulco temporal posterior superior (pSTS), córtex

    temporal anterior (ATC) e giro frontal inferior (IFG) (KILFORD, GARRETT e BLAKEMORE, 2016).

    Kilford, Garrett e Blakemore (2016) definem o cérebro social

    corresponde às regiões do cérebro que estão relacionadas a processos de

    cognição social, que são necessários para que o adolescente seja capaz de

    realizar as tarefas inerentes à socialização.

  • 38

    Algumas das áreas pertencentes ao cérebro social podem ser vistas

    na Figura 7, como: o córtex dorsal medial pré-frontal e a junção tempoparietal,

    envolvidas na decodificação de estados mentais, o sulco temporal posterior

    superior, envolvido na observação de faces e movimentos, o córtex temporal

    anterior, envolvido na aplicação de conhecimento social e o giro frontal inferior,

    que participa na compreensão das ações e emoções alheias.

    A pesquisa realizada por Kilford, Garrett e Blakemore (2016) afirma

    que as regiões correspondentes ao cérebro social são algumas das áreas

    cerebrais cujos processos de desenvolvimento se dão de forma mais

    prolongada, se modificando de forma mais intensa durante a adolescência e

    atingindo sua estabilidade funcional no início da vida adulta.

    Tais estruturas estão relacionadas ao processamento dos diferentes

    estímulos que recebemos durante interações sociais. O reconhecimento da

    face, como apontado pelos autores, é um dos mais cruciais, pois é esse

    recurso que nos possibilita extrair diversas informações durante uma interação.

    Como essas estruturas possuem um aperfeiçoamento mais

    proeminente durante a adolescência, isso atribui mais nuances e possibilidades

    a essas interações em comparação ao que ocorria durante a infância. Isso

    explica, por exemplo, porque um adolescente é capaz de compreender

    recursos estilísticos como ironia ou sarcasmo em uma interação social,

    enquanto a criança, de modo geral, não consegue, pois ainda não possui essas

    estruturas devidamente desenvolvidas para realizar o processamento

    adequado.

    O giro frontal inferior, envolvido na compreensão das ações e

    emoções alheias, inicia seu desenvolvimento durante a infância, mas há fortes

    indícios em diversos estudos combinados por Kilford, Garrett e Blakemore

    (2016) que apontam um desenvolvimento proeminente dessas estruturas ao

    longo da adolescência, que possuem correlação com o desenvolvimento de

    sensibilidade para com o outro e também a empatia.

  • 39

    Foulkes e Blakemore (2016) sugerem que a adolescência seja um

    período de alta sensibilidade aos estímulos sociais, tanto positivos quanto

    negativos. Tal sensibilidade pode partir da necessidade do jovem de se

    identificar e ser aceito perante a um determinado grupo social, o que pode

    trazer comportamentos de risco como consequência, em tentativas de agradar

    seu possível novo grupo social.

    Estudos apresentados pelas autoras supracitadas mostram que

    adolescentes são mais influenciados pelas opiniões de outros adolescentes em

    comparação às opiniões de adultos, além de serem mais passíveis de engajar

    em comportamentos de risco quando acompanhados de outros jovens, e que

    os jovens lidam com os estímulos originados de relações sociais de forma

    diferente dos adultos.

    Portanto, é importante que seja feito um trabalho afetivo-social

    também no ambiente escolar, tornando-o mais significativo e dinâmico para o

    jovem, de modo a se assemelhar àquilo que ele busca em ambientes não

    formais de aprendizagem. É necessário que o ambiente escolar seja capaz de

    dialogar com o ambiente que o cerca, que é de onde seus alunos vêm e para

    onde eles vão quando o dia escolar se encerra, tendo em vista que há uma

    relação intrínseca envolvendo escola, alunos e comunidade (SARTORI e

    SOARES, 2005).

    Esse diálogo se faz necessário principalmente no que tange o

    comportamento de risco entre jovens, como o abuso de substâncias

    psicotrópicas em uma faixa etária altamente propensa a desenvolver riscos,

    como frequentemente apresentado por Herculano-Houzel (2005), assim como

    a questão da prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), que,

    como apontado por Martins et al (2006), é algo que não afeta apenas o âmbito

    individual, como também é uma questão de saúde pública.

    Outra questão de grande importância envolve a violência escolar em

    suas diversas manifestações, como apontado por Marriel et al (2006), que

  • 40

    apresenta também a questão da autoestima em adolescentes e a necessidade

    de validação e aceitação por outros grupos sociais.

    Como apontado por Herculano-Houzel (2005), a adolescência é um

    período em que os jovens assimilam ideias de comportamentos e regras de

    convivência social, de como se portar perante a determinados grupos e tratar

    as pessoas ao seu redor. Portanto, faz-se necessário que o ambiente escolar

    apresente estratégias para trabalhar tais questões, dado que são

    intrinsecamente relacionadas à forma que esses jovens serão inseridos na

    sociedade. É importante que a aprendizagem dos indivíduos possa contemplar

    mais que os aspectos intelectuais, mas também os sociais, fisiológicos,

    psicológicos, contribuindo para uma formação holística e significativa para os

    indivíduos.

  • 41

    CONCLUSÃO

    Com base no que foi exposto nesta pesquisa, é possível constatar

    que a adolescência é um período do desenvolvimento humano repleto de

    possibilidades pois, no que tange o aspecto neurobiológico, o próprio cérebro

    está voltado para a aquisição de novos aprendizados e a busca por novas

    experiências (HERCULANO-HOUZEL, 2005).

    Ainda de acordo com a autora, a adolescência traz consigo uma

    sucessão de perdas e ganhos, sejam no aspecto biológico, social, psicológico,

    motor ou intelectual. O cérebro em desenvolvimento, antes de atingir sua

    maturação, realiza um processo de corte de excessos com o objetivo de se

    tornar uma estrutura mais eficiente e econômica ao atingir a vida adulta. São

    diversas transformações, rápidas e concomitantes, que causam impactos

    significativos nesses jovens em desenvolvimento.

    Diante de tais mudanças, a escola e os professores que trabalham

    diretamente com essa faixa etária podem realizar um processo mais eficaz de

    mediação da aprendizagem, trabalhando de forma mais dinâmica e significativa

    com os jovens ao promover atividades que dialoguem diretamente com as

    áreas mais críticas do desenvolvimento da adolescência.

    Durante a adolescência, o jovem se depara com um novo corpo que

    não condiz com o esquema mental já disposto em seu cérebro (CHOUDHURY

    et al, 2007), sendo, portanto, de grande importância que a questão da

    motricidade continue sendo trabalhada com esse grupo.

    O trabalho concreto, que é muito valorizado durante a infância, é

    também fundamental na adolescência, de modo a maximizar os esquemas

    mentais que os jovens têm para desenvolver sua capacidade de abstração

    (WEIL et al, 2013).

  • 42

    Além disso, as questões sociais como a convivência em grupos, a

    compreensão de regras e valores como o respeito e a empatia também são de

    grande importância nessa etapa da vida, pois concernem ao desenvolvimento

    do jovem como um ser complexo, o que envolve também sua inteligência

    emocional (RÊGO e ROCHA, 2009).

    Em conclusão, cabe ao educador que lida diretamente com

    adolescentes ter um olhar holístico para com seus educandos, compreensão

    das mudanças que os mesmos enfrentam durante este período da vida e

    comprometimento e empenho para oferecer a eles uma experiência dinâmica e

    significativa de aprendizagem.

  • 43

    REFERÊNCIAS

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  • 46

    ÍNDICE

    Folha de rosto 02

    Dedicatória 03

    Agradecimentos 04

    Resumo 06

    Metodologia 07

    Sumário 08

    Introdução 09

    Capítulo I - Formação do Sistema Nervoso 10

    1.1. O que é o sistema nervoso e o que ele faz 10

    1.2. Estrutura e fisiologia do sistema nervoso 11

    1.2.1. Sistema Nervoso Central 12

    1.2.2. Sistema Nervoso Periférico 15

    1.3. Formação e desenvolvimento das estruturas do sistema

    nervoso 16

    Capítulo II - Aspectos neurobiológicos da adolescência 21

    2.1. O que é a adolescência 21

    2.2. O desenvolvimento do cérebro durante a adolescência 23

    2.3. O papel do sistema de recompensa na busca por prazer

    durante a adolescência 29

    Capítulo III - Adolescência e aprendizagem: explorando as

    potencialidades do cérebro em desenvolvimento 32

    3.1. Adolescência e plasticidade cerebral 32

    3.2. Reorganização do mapa mental corporal e aprendizagem

    motora 35

    3.3. O sistema de recompensa e o cérebro social: possibilidades

    de aprendizagem motivada e significativa 36

    Conclusão 41

    Referências 43

    Índice 46

    Índice de figuras 47

  • 47

    ÍNDICE DE FIGURAS

    Figura 1: Divisão do sistema nervoso, conforme critérios anatômicos

    (BRANDÃO, 2004, p.5). ................................................................................... 12

    Figura 2: Lobos frontal, parietal, temporal e ocipital, tronco encefálico e medula

    espinhal (LENT, 2001, p.12). ........................................................................... 13

    Figura 3: Visão da superfície medial direita do encéfalo e da medula espinal,

    componentes do Sistema Nervoso Central (BRANDÃO, 2004, p. 5). .............. 14

    Figura 4: Esquematização do desenvolvimento encefálico. Adaptado de

    Lunday-Eckman (2011, p. 82) .......................................................................... 19

    Figura 5: Imagens de ressonância magnética mostrando a variação de massa

    cinzenta no cérebro durante a infância e a adolescência (LENROOT e GIEDD,

    2006). ............................................................................................................... 26

    Figura 6: comparação do volume de substância cinzenta em diversas áreas do

    cérebro em indivíduos dos 4 aos 22 anos de idade, agrupados por gênero. Em

    sentido horário, iniciando no primeiro quadrante (topo, à esquerda):

    concentração de substância cinzenta na região frontal; concentração de

    substância cinzenta na região parietal; concentração de substância cinzenta na

    região temporal; concentração de substância branca (LENROOT e GIEDD,

    2006). ............................................................................................................... 27

    Figura 7: regiões associadas ao cérebro social: córtex dorsal medial pré-frontal

    (dmPFC), junção tempoparietal (TPJ), sulco temporal posterior superior

    (pSTS), córtex temporal anterior (ATC) e giro frontal inferior (IFG) (KILFORD,

    GARRETT e BLAKEMORE, 2016). .................................................................. 37