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Revista de Cultura "Terras d' Água" Benavente Nº1 - Outubro de 2001

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  • Revista de Cultura

  • DirectorPresidente da Cmara Municipal de Benavente

    Coordenao EditorialCristina Gonalves

    Concepo GrficaSandra FigueirasCristina GonalvesExecuo GrficaCharana - Artes Grficas Lda.

    ISSN - 1645 - 1996Depsito Legal - 168345/01

    Benavente, Outubro 2001

    Revista de CulturaTerras dgua

    Terras dguaREVISTA DE CULTURA DO MUSEU MUNICIPAL DE BENAVENTE

  • Revista de Cultura Terras dgua

    B e n a v e n t e

    N1 - Outubro de 2001

  • SumrioNota de Abertura 9

    Comemoraes do VIII centenrio da doao do Foral de BenaventeActas das 1.s Jornadas de Histria Local 11Sesso de aberturaPercursos Romanos em Benavente, Clementino AmaroOs sculos XVI e XVII, Justino Mendes de AlmeidaUm passeio pela Histria de Benavente, Joaquim Verssimo SerroO inventrio do Arquivo Histrico Municipal, Francisco Correia

    rea-escola recriou 800 anos do concelho - Escola EB 2, 3 de Duarte Lopes, 49Ins Gonalves e Mrio J. Silva

    Estudos e reflexes

    Olaria Romana da Garrocheira, 55Clementino AmaroA atalaia de Belmonte na fronteira do territrio da Ordem de Santiago, 67Cristina Gonalves e Clementino AmaroNotas histricas sobre a ponte de Benavente, 83Sandra FerreiraSubsdios para a histria da aldeia de Santo Estvo, 99Alfredo Betmio de AlmeidaDo paleoltico aos nossos dias - a nobreza da caa em Samora Correia, 105Mrio GonalvesMuseus e educao, 113Leonardo CharruUma interveno de Conservao e Restauro numa pea etnogrfica, 125Carlos HenriquesAs palavras do Fado - A potica de Carlos Conde, 135 Domingos LoboStio RAMSAR 211 - Reserva Natural do Esturio do Tejo, 145Ricardo Esprito Santo

  • Nota de abertura

    9

    Terras d'gua constitui talvez a mais simples imagem que identifica esta regio e apresenta-se agora, tambm, como um ttulo que se pretende inspirador para uma publicao peridica, sob a forma de uma revista anual de cultura do municpio de Benavente. Assumindo, desde logo, uma vertente marcadamente regional, as orientaes definidas para a estrutura editorial desta publicao contemplam e privilegiam a multidisciplinaridade, concorrendo para um entendimento, o mais abrangente possvel, da realidade desta comunidade. Com efeito, nosso objectivo criar um espao onde se possam cruzar mltiplas leituras, no domnio da Histria, da Antropologia, da Economia, do Ambiente, entre tantas outras.A inovao e um permanente desafio participao representam igualmente propsitos que orientam esta revista de cultura, no sentido de promover e contribuir para o conhecimento da nossa histria local e para a percepo de uma dinmica que evidencia uma clara identidade regional.

    Este primeiro nmero encontra-se formalmente dividido em duas partes, na primeira publicamos as actas das Jornadas de Histria Local, comemorativas do VIII Centenrio da doao do Foral a Benavente, que tiveram lugar em Novembro de 2000 e na segunda parte apresentamos um elenco de oito artigos.

    As 1.s Jornadas de Histria Local, representaram um momento de reflexo sobre os oito sculos de histria deste concelho, onde relevamos as participaes do Professor Doutor Justino Mendes de Almeida, do Professor Doutor Verssimo Serro, do Dr. Clementino Amaro e do Dr. Francisco Correia. Perante uma assistncia participativa que ultrapassou largamente a centena, constituda na sua maior parte por docentes, as comunicaes proferidas foram um importante contributo para a divulgao da histria de Benavente, desde a ocupao romana neste territrio at ao sculo XVIII. Neste dia foi ainda lanado o Inventrio do Arquivo Histrico de Benavente, trabalho coordenado pelo Dr. Francisco Correia que coloca em destaque a documentao presente neste Arquivo Histrico, enquanto referncia no quadro de qualquer investigao de mbito regional que possa ser realizada.

    Ainda integrado nesta primeira parte, temos um trabalho que reflecte as actividades desenvolvidas pela comunidade educativa de Benavente no mbito das comemoraes do Foral, denominado rea-escola recriou 800 anos de histria.

  • A Olaria romana da Garrocheira, da autoria de Clementino Amaro, integrava-se num projecto mais vasto denominado A ocupao romana na margem esquerda do Tejo e resultou de uma campanha arqueolgica realizada em 1987. Publicado em 1990 pelo Museu Monogrfico de Conmbriga, a importncia deste stio arqueolgico do ponto de vista local, justifica a sua publicao nesta revista, embora neste momento este complexo de fornos se encontre coberto no sentido de garantir a sua preservao e conservao.

    A atalaia de Belmonte na fronteira dos territrios da Ordem de Santiago, integra-se num projecto de investigao da responsabilidade de Cristina Gonalves e Clementino Amaro. A atalaia de Belmonte uma estrutura militar, construda em taipa, cuja referncia documental mais antiga data de 1207 e onde ocorre uma ocupao sistemtica at final dos sculo XVI.

    Este artigo relativo ponte de Benavente Notas Histricas sobre a ponte de Benavente, resulta duma investigao realizada por Sandra Ferreira no Arquivo Histrico de Benavente e salienta, muito oportunamente, a localizao e caractersticas de cada uma das pontes que atravessaram o rio Sorraia, nesta vila.

    Entre a documentao existente num pequeno fundo local existente no Museu Municipal, existe um artigo indito e manuscrito de Alfredo Betmio de Almeida relativo Aldeia de Santo Estvo, datado de meados do sculo XX. Neste primeiro nmero da revista decidimos integr-lo uma vez que constitui um dos poucos trabalhos existentes sobre Santo Estvo.

    Mrio Gonalves, traz-nos como tema a caa, Do paleoltico aos nossos dias a nobreza, da caa em Samora Correia, apresentando uma abordagem breve que recorre a diversas fontes histricas, dando ainda um enfoque especial caa corrio.

    A reflexo apresentada por Leonardo Charru, Museus, educao e sociedade, uma complementaridade difcil para o tempo ps-moderno prope uma anlise transversal em torno das mltiplas dependncias estabelecidas pelo homem.

    Uma interveno de conservao e restauro numa pea etnogrfica, o artigo apresentado por Carlos Henriques, onde so enunciados os princpios e a metodologia utilizada no decurso de uma interveno realizada num carro de bois tradicional da lezria, o carro lezro.

    Domingos Lobo, "As palavras do fado - a potica de Carlos Conde", revela-nos um dos poetas que, formalmente, se props renovar o fado a partir do final dos anos 20 do sculo passado.

    Na perspectiva do patrimnio natural, Ricardo Esprito Santo caracteriza o "Stio Ramsar 211 - Reserva Natural do Esturio do Tejo", enunciando os diversos critrios definidos internacionalmente para a classificao destas zonas hmidas de particular interesse no mbito do desenvolvimento sustentvel.

    Cristina Gonalves

  • JornadasdeHistria

    Benavente

    Local

    17 de Novembro de 2000

    Comemoraes do VIII centenrio da doao do Foral de BenaventeActas das Jornadas de Histria Local

    11

  • Integrados no processo da Reconquista surgiram por todo o territrio, os concelhos, como resultado das necessidades de povoamento, defesa e organizao. Benavente, graas sua localizao privilegiada no contexto das terras do baixo Tejo, facilitando as comunicaes entre Lisboa, Santarm e vora, surge ento como o segundo concelho institudo na margem esquerda e quase contemporneo da fundao da nacionalidade (1143).

    Com efeito, em 25 de Maro de 1200, Pelgio, Mestre da Ordem Militar de vora, mais tarde designada de Avis, concede Carta de Foral aos "povoadores de Benavente, tanto presentes como futuros", cuja confirmao feita pelo rei D. Sancho I, em 1200

    No entanto, a urgncia do povoamento destas terras baixas sujeitas a todos os momentos de transgresso fluvial e determinantes, do ponto de vista estratgico para a consolidao do reino ainda em construo, era j evidente numa directiva emanada pelo prprio rei, no ano de 1199, procurando incentivar a fixao de colonos francos nesta regio.

    O Foral ou Carta de Foral enquanto instrumento jurdico que reconhece e legaliza a capacidade de autonomia dos orgos colectivos e dos magistrados do concelho concorre, em definitivo, para a fixao de populao nesta vila e para o inevitvel desenvolvimento de ordem social, poltico e econmico.

    O Foral de Benavente, semelhana dos demais forais existentes, contm todas as normas que regulamentam a relao dos seus habitantes entre si e destes com a entidade outorgante, no caso a Ordem Militar de Avis. No conjunto, a partir da anlise do documento podemos inferir aspectos relativos administrao da justia, administrao do territrio, defesa, relaes entre grupos sociais, actividades econmicas, privilgios e impostos.

    Comemoraes dos VIII Centenrio da doao do foral de Benavente

    Benavente, cumpriu no ano 2000, 800 anos de histria. Para o efeito, foi definido um programa para as comemoraes do VIII Centenrio da Doao do Foral de Benavente, que se pretendeu abrangente no que respeita ao envolvimento de toda a populao e ainda na programao apresentada

    Terras dgua

  • Programa

    10.00 horasAbertura das Jornadas

    10.15 horasPercursos Romanos em BenaventeDr. Clementino Amaro

    Debate

    11.15 horasOs sculos XVI e XVIIProf. Doutor Justino Mendes de Almeida

    Debate

    15.00 horasUm passeio pela Histria de BenaventeProf. Doutor J. Verssimo Serro

    Debate

    16.00 horas - Lanamento da publicaoInventrio do Arquivo Histrico de BenaventeDr. Francisco Correia

    17.00 horas - Sesso de encerramento

    17.30 horas - Porto de honraJornadas

    deHistria

    Benavente

    Local

    17 de Novembro de 2000

    Revista de Cultura

  • Actas das Jornadas

    Terras dgua

  • Sesso de aberturaPresidente da Cmara, Antnio Jos Ganho - Ex.mo Senhor Professor Verssimo Serro, Ex.mo Senhor Professor Justino Mendes de Almeida, um ilustre conterrneo, Senhor Dr. Clementino Amaro, primeiro Director do Museu Municipal de Benavente, um homem que conhece bem a nossa terra, Ex.mos participantes nestas Jornadas de Histria. Cabe-me, enquanto anfitrio, saudar e agradecer a disponibilidade dos oradores que so, quanto a mim, pela sua qualidade e reconhecida competncia, a garantia do sucesso destas Jornadas Comemorativas dos 800 anos da atribuio do Foral Vila de Benavente. Enquanto anfitrio, quero tambm manifestar a minha alegria pelo facto de ver aqui uma plateia constituda, na sua maioria, por professores das nossas escolas, o que significa a importncia que a escola d pesquisa e analise da Histria local, como contributo para a formao e educao da identidade cultural dos nossos jovens alunos. Muito obrigado, pois, pela vossa participao.

    No me vou alargar muito, mas gostaria de deixar uma palavra de felicitao pela ideia de realizar uma iniciativa deste cariz porque, creio, que a comemorao destes 800 anos no podia deixar de ter um momento que significasse realmente a sua importncia, a importncia de uma vida colectiva de mais de oito sculos e aqui temos, necessariamente, que nos referir atribuio do foral. Esta nossa histria de oito sculos j foi analisada por benaventenses ilustres, recordo a excelente monografia que temos do Professor lvaro Rodrigues d'Azevedo, completada pelo

    Doutor Ruy d'Azevedo, recordo tambm, neste momento, a importncia que teve o grupo de jovens estudantes universitrios de Benavente, do qual fizeram parte o Doutor Justino Mendes de Almeida e o Doutor Alfredo Betmio d'Almeida, e que, com a sua pesquisa, com o seu trabalho enquanto Benaventenses, contriburam com subsdios importantes para o melhor conhecimento da nossa histria local. Eu julgo que na analise e pesquisa destes oitocentos anos de histria, ns encontramos um porto seguro, no apenas para a preservao das nossas razes e da nossa identidade cultural, mas para nos referenciarmos num pas, num mundo que se transforma no dia-a-dia em que se vo perdendo valores. importante ter-mos esta ligao, para que os possamos reconhecer e diferenciar, porque o mundo que se globaliza no pode ser melhor se no tiver, necessariamente, a dimenso cultural das regies, direi mesmo, das prprias sub-regies. E ns somos um povo da lezria ribatejana, temos a, nesta ligao terra, nesta ligao ao sector primrio, o fundamental das nossas razes. Estou certo que no possvel pensar no futuro, aceitar os novos desafios do futuro, sem termos, seguramente, os ps muito bem assentes no passado, do qual nos orgulhamos. Antes de terminar gostaria de pedir a vossa compreenso, sobretudo Ex.ma mesa, pelo facto de no me ser possvel participar e assistir aos trabalhos destas Jornadas, mas tenho compromissos inadiveis, que resultam da minha actividade enquanto Presidente da Cmara. No entanto, queria aproveitar esta oportunidade para entregar aos ilustres membros que constituem este painel, uma lembrana da Cmara Municipal de Benavente e das Comemoraes do Foral.

    Terras dgua

  • Prof. Doutor Joaquim Verssimo Serro - Ex.mo Senhor Presidente da Cmara Municipal de Benavente, desta acolhedora vila de Benavente, Senhor Professor Antnio Jos Ganho, Ex.mo Senhor Vereador da Cultura, Ex.ma Senhora Directora do Museu Municipal, Dr. Clementino Amaro, meu querido confrade da Academia de Histria, Senhor Reitor Justino Mendes d'Almeida, Reitor da Universidade Autnoma de Lisboa e Vice-Presidente da Academia Portuguesa da Histria, o que significa meu companheiro e amigo de todas as horas. Habitantes de Benavente, amigos de Benavente, benaventenses, aqueles que esto nesta sala incluindo os que so professores e os que so alunos.

    Minhas Senhoras e meus Senhores, as minhas primeiras palavras so para agradecer a acolhida do Senhor Presidente da Cmara, eu j tive o gosto de o conhecer na Academia de Histria e pude, de facto, comprovar que uma pessoa distinta na sua maneira de ser, amvel no trato. Trs com ele toda a hospitalidade de Benavente, leva-a para Lisboa e para toda a parte, ao mesmo tempo, aquilo a que ns chamamos uma pessoa de bem, de cultura, sobretudo um filho da sua terra, um extremoso pela sua terra.

    Eu no lhes oculto que j no vinha a Benavente h cinco anos, tive que acompanhar trs irmos meus amigos num momento doloroso da sua vida familiar mas, hoje, fiquei maravilhado com o encanto urbanstico de Benavente. que hmuitas terras que crescem, mas crescem anrquicas, um crescimento desumano que ns no sentimos na alma. Hoje toda esta parte nova, a abertura de ruas, a Domus Municipalis, os Bombeiros, o Centro Cultural, as ruas, tudo isto mostra um progresso que no apenas oficializado pelo poder central, um progresso querido, desejado e exigido pelos prprios filhos da terra, tendo frente o Senhor Presidente da Cmara. De maneira que isto uma verdade muito sria, Benavente est uma linda terra.

    J l vai o tempo em que saamos de Salvaterra passvamos ao lado de Benavente, ou vnhamos aqui ao Solar onde se comia muito bem e se cantava o fado e seguamos. Hoje vale a pena! Nessa altura Benavente era uma terra pequena, sem toda essa irradiao urbanstica que passou a ter. Hoje, Benavente est a valorizar-se consideravelmente no plano da arquitectura civil, jardins, locais de lazer, e at mesmo como local que deseja e estreita os laos de cultura entre os seus prprios habitantes e os que vm de longe, de maneira que as minhas primeiras palavras so para saudar, tambm a pessoa do Senhor Presidente. Benavente est hoje a dar cartas, no sentido de uma terra que acompanha o progresso mas ao mesmo tempo que no esquece o seu passado e, outra lio a tirar do nosso encontro, foi o patrocnio que a Cmara da Presidncia do Senhor Professor Antnio Jos Ganho deu a este colquio, a esta Jornada cultural destinada a comemorar o VIII Centenrio do Foral de Benavente e faz-lo de uma maneira condigna, com uma larga participao de professores e de pessoas da terra. Foi a Cmara Municipal que idealizou esta Jornada Cultural e que ainda teve a gentileza de fazer com que ns voltemos para Lisboa, ou eu para Santarm, com as mo cheias de coisas lindas. Coisas feitas com muito gosto, foram feitas, de facto, do empenhamento de agradar quem vem at ns, essa que a verdadeira hospitalidade.

    Hoje tarde na minha conferncia vou falar de hospedeiros, cartas de hospedeiros que foram dadas por D. Manuel, aqui, quer dizer que isto j era um local onde se estava bem, onde valia a pena parar e comer e portanto havia hospedeiros rgios. Os hospedeiros desse tempo so os hospedeiros de hoje, so aqueles que nos abrem os braos e nos dizem, venham at ns que sero bem recebidos. Isto uma grande lio no Portugal de hoje, um Portugal que em termos nacionais, patriticos, no admite fuses, admite distines pessoais de ideologia, de crenas, de sentimento que so muito legtimas em quem as tem.

    Revista de Cultura

  • Agora quando se trata de trabalhar para o bem comum, para aquilo que se chama a felicidade colectiva dos habitantes as pessoas, independentemente das suas crenas, do as suas mos para honrar as terras, para as enobrecer e para que o governo colectivo seja, de facto, mais feliz.

    Senhor Presidente, a Academia Portuguesa da Histria que o Senhor Reitor Justino Mendes de Almeida e eu prprio aqui representamos, est muito feliz de colaborar com este evento comemorativo do VIII Centenrio do Foral de Benavente e tudo aquilo que vossa excelncia deseje de colaborao com a Academia, envio de livros, tambm no que diz respeito ao Museu Municipal, temos s vezes livros raros, creio que temos uma 1 edio de Duarte Lopes e Filippo Pigaffeta, um dia a Academia poder escolher entre os nossos livros antigos duas ou trs dezenas para poderem estar expostos numa Exposio de Livros Antigos da Academia de Histria, o que uma maneira de colaborar-mos com Benavente.

    Estamos muito gratos com a maneira como fomos recebidos pelo Senhor Presidente, uma maneira amvel e aberta com que inaugurou o nosso colquio o que significa comear bem.No fundo, a Histria de Benavente merece ser conhecida e ser amada e quem melhor a pode conhecer que os Benaventenses e, quem melhor pode expandir o amor que tem pela sua terra que os prprios Benaventenses. Senhor Presidente, o Conselho Acadmico pediu-me para entregar a V. Ex., para ficar na sua posse, a medalha alusiva nossa restaurao. A Academia foi fundada em 1720 por D. Joo V, com o nome de Academia Real da Histria Portuguesa e a Academia no tempo de D. Joo V teve uma grande aurola,

    depois veio D. Jos I, o Marqus de Pombal era acadmico mas pouco ajudou a Academia deixando-a extenuar. Mais tarde, a Academia da Cincias, fundada por D. Maria, vibrou o golpe de morte da Academia de Histria sem esta nunca se extinguir e a Academia de Histria morreu para muita gente, sem sofrimento. Deixou de existir porque at os seus ltimos membros entraram na Academia de Cincias de Lisboa, passou a aglutinar tudo, incluindo a Histria, mesmo a Academia de Histria.

    At que, em 1936, um Ministro devotado ao sentimento nacional, que foi o Dr. Caio Pacheco, restaurou a Academia e em vez de Academia Real da Histria Portuguesa passou a ser a Academia Portuguesa de Histria. Ns somos, portanto, os discpulos herdeiros da Academia Joanina, s fomos restaurados h 63 anos. Quando algum no pas ou no estrangeiro me pergunta: Ento a Academia muito antiga?, eu repondo, 1720, j tem 260 anos, s tivemos um tempo em que adormeceu mas acordou ao fim de 100 anos de adormecida e foi restaurada em 1936.

    Temos esta medalha que uma lembrana muito modesta, em relao s bondades que colocou nas nossas mos, mas entrego-a com muito amor da relao futura que ns queremos estabelecer com Benavente. E no temos melhor embaixador na Academia de Histria, que um benaventense ilustre que o Senhor Professor Justino Mendes de Almeida, Reitor da Universidade Autnoma de Lisboa, um benaventense que ama a sua terra com alma e corao.

    Presidente da Cmara, Antnio Jos Ganho Obrigado.

    Terras dgua

  • Terras dgua

    Dr. Clementino AmaroPercursos Romanos em Benavente

    A comunicao oral apresentada no decurso das Jornadas de Histria Local, em Novembro de 2000, teve como propsito fazer uma abordagem presena romana no territrio onde hoje se insere o concelho de Benavente. Do que na altura foi referido, ficaram algumas observaes que talvez justifique serem agora registadas.

    Falar da ocupao romana em Benavente no tarefa fcil j que at ao momento foram identificados poucos vestgios na regio.Fazendo um levantamento sobre o que j foi identificado no terreno e escrito sobre o mesmo, podemos verificar que existem dois importantes pontos de erradiao de vias, a partir de Olisipo (Lisboa), e de Scallabis (Santarm), com percursos que convergem at capital da Lusitnia, Emerita Augusta (Mrida), .No estudo desenvolvido por Vasco Gil Mantas sobre o "Comrcio Martimo e Sociedade nos Portos Romanos do Tejo e do Sado", apresentado no Seixal em 1991, na planta referente s vias romanas, , ressalta a ausencia de vias na regio em anlise.Uma das razes poder estar associada boa navegabilidade dos rios e ribeiras que atravessam o territrio (Rio Sorraia e Ribeira de Santo Estevo) na margem esquerda do Tejo, nomeadamente no perodo romano, o que permitia escoar matrias-primas e produtos por estas vias naturais, como deveria ser o caso com a produo de nforas na Garrocheira e na Herdade do Rio Frio (Alcochete). At meados do sculo XX ainda se transportava parte da produo da regio por via fluvial, como o arroz.Vasco Gil Mantas defende que navios de grande calado poderiam subir o Tejo at Ierabriga, na regio

    (Fig.1)

    (Fig.2)

    hoje de Alenquer. Assim, o aparente vazio de estradas secundrias no mais do que uma rede viria concebida em perfeita articulao com a rede fluvial oferecida pela regio e capaz de proceder ligao entre as gentes e os produtos.No estudo elaborado pelo professor Jorge de Alarco sobre a "Identificao das Cidades da Lusitnia", (na obra Les Villes de Lusitanie Romaine, editions du CNRS, 1990), onde se procura identificar 34 civitates, na regio em causa, feita referncia a Bardili e a Concordia ambas de localizao incerta, . Quanto a Concordia esta poder situar-se no vale do Sorraia ou ainda na regio de Mora ou Lavre. Quanto primeira, Plnio cita os Turduli qui Bardili ou seja os Trdulos chamados Bardilos. Atendendo que o Tejo foi uma das vias de penetrao destes povos, avana o professor Jorge de Alarco com a proposta de a localizao mais provvel dos Bardilos ser junto ao curso inferior do Tejo, hipoteticamente no vale do Sorraia.Ao longo dos tempos tm sido identificados vestgios romanos neste territrio, recolhidos por pessoas ligadas vila, outros em resultado de trabalhos pontuais de prospeco de campo. Enquadram-se, na sua maioria, em achados identificveis com villae, (Monte da Parreira), necrpoles, (Courela das Caveiras), fornos, (Garrocheira) e achados avulsos, mas ainda em nmero pouco expressivo.Algumas razes que podem levar escassa identificao de stios romanos, para alm de uma prospeco de campo sistemtica, uma delas poder estar associada a algumas rectificaes dos percursos dos rios para controlo das cheias. No perodo romano o "rio velho" passava muito perto da olaria romana da Garrocheira, agora encontra-se a cerca de quilmetro e meio.

    (Fig.3)

  • Ser importante fazer-se um trabalho de levantamento dos percursos antigos dos rios, bem como proceder a um estudo atento da cartografia antiga. Outra realidade que caracteriza o Ribatejo que cerca de 90% do seu territrio est abaixo da cota de 200 metros, regio sujeita assim a cheias constantes, proporcionando grandes depsitos aluviais, situao que contribui para camuflar vestgios arqueolgicos, mesmo que seja uma povoao.Uma das estradas que a sul estabeleceria, de alguma forma, ligao com esta regio a que vinha de Montemor-o-Novo at ao Montijo (antiga Aldeia Galega). Subsiste como estrada real a partir do perodo Medieval. Ainda se encontra transitvel dentro da Herdade do Rio Frio, local alis utilizado por JosSaramago no romance Memorial do Convento. Esta estrada passa relativamente perto da olaria romana do Porto dos Cacos. O acesso fluvial aos fornos hoje encontra-se seco, em parte devido a assoreamento. A produo anfrica no vale do Tejo foi at ao momento identificada s na margem esquerda do rio, desde Muge at ao Seixal. No Barreiro, na Quinta da Machada, Cludio Torres localizou um forno do sculo XV. Esta situao tem a ver com a presena de barreiros e de floresta na regio e de uma rede fluvial acessvel, na qual se incluem os vrios esteiros que existiam.A vasta produo de nforas est directamente associada grande riqueza de peixe da costa e do esturio e fcil obteno de sal. At finais dos anos setenta Troia e o vale do Sado era o limite conhecido de grande produo de preparados de peixe e de molhos.A partir de incios da dcada de oitenta do-se os primeiros achados de ncleos fabris em Cacilhas e Casa dos Bicos (Lisboa). Entretanto nas obras que tm decorrido na Baixa Pombalina permitiram identificar vrios centros fabris, um deles musealizado (Ncleo Arqueolgico da Rua dos Correeiros).

    Revista de Cultura

    O vale do Tejo, a par do Sado, passa a ser a segunda regio conhecida de produo de conservas de peixe em grande escala, tanto a nvel do comrcio regional como exportando para vastos domnios do imprio romano.A importncia econmica do baixo Tejo, para alm da explorao das matas e dos barreiros, tem o gado cavalar e alguns olivais. O cavalo Lusitano vrias vezes referido na literatura clssica e est representado em alguns mosaicos, dadas as suas qualidades excepcionais. A caa deveria ser igualmente uma importante actividade que se prolongou por toda a Idade Mdia e Moderna, com a vinda da corte para os palcios de Salvaterra de Magos e Almeirim.A chamada "Outra Banda" nunca foi vista no sentido de divrcio, mas sim de complementaridade entre as duas margens. De um lado os solos baslticos proporcinam a produo de cereais, vinha, o olival e rvores de fruto. A terra "spera" por sua vez, proporcina a charneca e tudo o que dela se explora.Um dos recursos da regio que comea a ser insuficiente, a partir do sculo XVII, para as necessidades de Lisboa, a lenha e o carvo. Da a iniciativa do Marqus de Pombal em instalar a fbrica de vidros na Marinha Grande, substituindo a de Coina. Neste momento assistimos destruio de grandes reas de mata, nomeadamente na regio de Palmela. Num pas com reas urbanizveis para cerca de 28 milhes de habitantes, quando estamos beira dos 10 milhes, a disperso de construo, - quando se deveria redimensionar as reas a urbanizar -, destruindo irremediavelmente importantes reas rurais, algo de, pelo menos, preocupante.Uma das tarefas que competiam s autarquias era zelar pela limpeza dos rios e das valas, para minimizar o efeito das cheias. Assim, a Cmara de Benavente precisou de realizar dinheiro para esta tarefa, como consta em documento que se passa a transcrever:

  • Manda El-Rei, pela Secretaria de Estado dos Negcios do Ministrio do Reino, 3 Repartio, que a Cmara de Benavente faa entregar no cofre das Fbricas em Vila Franca de Xira, e pr disposio do Provedor das Lezrias a quantia de trs contos e quarenta mil reis que se acham no cofre da referida Cmara proveniente do desbaste da Mata da Garrocheira, cujos fundos devem ser aplicados em benefcio da agricultura de Coruche e Benavente livrando os campos, pela abertura do Vau de Gravulho, das inundaes a que esto sujeitos, tudo na conformidade das ordens do Soberano Congresso, e parecer da Comisso de Agricultura datado de 29 de Maro do ano prximo passado; devendo a mesma Cmara dar parte por esta Secretaria de Estado, de assim o haver cumprido. Palcio de Queluz em 23 de Setembro de 1822. (Segue assinatura)".Passando-se fase do debate, foi posta a questo, pelo Professor Verssimo Serro, por onde passaria a estrada entre vora e Santarm. Dado o deserto epigrfico que caracteriza a margem sul do Tejo at Alccer do Sal (expresso do colega Jos Cardim Ribeiro) e a falta de marcos milirios e outros vestgios, parece-nos que a referida via passasse a norte da regio aqui abordada.O Professor Verssimo Serro referu ainda as variaes de percurso do Tejo e a sua descrio feita por Damio de Gois, no sculo XVI, com zonas hoje agrcolas ou de pecuria e que na altura eram zonas de rio, com maior caudal portanto, e que chegou a "beijar" os degraus do Pao de Almeirim.A interveno do Professor Jos d'Encarnao refere igualmente o papel de complementaridade entre a margem esquerda e direita do Tejo. Daqui sai o sal, madeira, barreiros e do outro lado o olival e as vinhas. Referu a preocupao actual do presidente da autarquia de Oeiras, do ponto de vista urbanstico, em plantar oliveiras, recuperadas no Alqueva, nas rotundas

    e noutros espaos verdes, uma das antigas riquezas do concelho.Quanto s estradas, adianta que enquanto na margem direita facilmente se rasgam vias, aqui na margem esquerda, andar-se-ia de barco. A falta de inscries passa tambm pela falta de matria-prima para as fazer. Os fornos da Garrocheira laboram at ao sculo III. As olarias mais perto da foz do rio desenvolvem-se a partir daquela data. Os cavalos tm grande importncia durante todo o imprio. Por sua vez o circo de Lisboa, onde tero corrido cavalos desta regio, construdo por finais do sculo III. E o Professor Jos d'Encarnao conclui, dizendo: "Nos sculos I-II as pessoas que aqui estavam no viviam para aqui, viviam para exportar, para mandar produtos para Itlia, para o sul da Glia, eventualmente at ao norte de frica. A partir do sculo III, com aquilo que se costuma dizer "a crise do sculo III", que crise sim mas na Pennsula Itlica, no h crise nenhuma no actual territrio portugus. No territrio da Pennsula Ibrica ns vemos um ritmo de crescimentode tal maneira que h, de facto, cidades que querem os seus smbolos (como o circo de Lisboa). No sculo III j no havia o hbito de fazer inscries, infelizmente para ns porque acabamos por no saber quem eram as pessoas que aqui habitavam. Estamos convictos, por uma ou duas inscries encontradas nos arredores do local a que o Doutor Justino Mendes de Almeida se referiu, que se referem a Olisiponenses. Portanto esta zona est muito dependente de Lisboa. Vive do comrcio com Lisboa. No entanto, um desafio final que fao. Nesses fornos (Garrocheira) cada vez mais vamos encontrar, no digo marcas de oleiros, mas provavelmente grafismos. Esses sim, podem-nos dar alguma informao sobre quem era efectivamente a populao deste local.

    Terras dgua

  • Revista de Cultura

    Fig.1 - Localizao e principais vias de comunicao das cidades martimas lusitanas, segundo Vasco Gil Mantas

  • Fig.2 - As principais vias romanas dos esturios do Tejo e Sado, segundo Vasco Gil Mantas

    Terras dgua

  • Revista de Cultura

    Fig.3 - Carta das civitates da Lusitnia, segundo Jorge de Alarco

  • No se trata propriamente de fazer uma histria da vida durante esse perodo, porque falta a documentao, mas sim de apresentar alguns tpicos histricos que possibilitem a sua caracterizao. Quando digo que falta a documentao, no quero significar que no exista, mas que no est ainda minha disposio. A documentao que tem vindo a ser publicada, ou pelo menos referenciada, com o patrocnio da Cmara Municipal, permitir que algum se abalance a redigir uma histria desta vila, j que, como natural, o estudo histrico-descritivo de lvaro Rodrigues de Azevedo, continuado por Ruy de Azevedo, sendo excelente para a poca em que foi redigido os especialistas consideram-no um dos trs melhores trabalhos monogrficos publicados (os outros dois so as monografias de Sintra e Monte Real, por Joo Martins da Silva Marques e Manuel Heleno) o estudo histrico-descritivo por lvaro Rodrigues de Azevedo, dizia, carece de actualizao, no obstante as anotaes que lhe aditou na reedio feita em 1981 o Dr. Alfredo Betmio de Almeida.Apresentaremos assim uma srie de quadros ilustradores de Benavente quinhentista e seiscentista, e logo depois algumas concluses. 1. A grande figura histrica de Benavente no sculo XVI sem dvida Duarte Lopes. certo que a sua actuao foi longe daqui, situa-se no Congo; mas daqui partiu e foi com ele que o nome da sua terra chegou mais longe.

    Professor Doutor Justino Mendes de Almeida

    Duarte Lopes mereceu a ateno de alguns dos melhores historiadores portugueses: foi primeiro Manuel Lopes de Almeida, da Faculdade de Letras de Coimbra, e depois Manuel Heleno, da Faculdade de Letras de Lisboa. Recentemente, um ilustre gegrafo, Ildio do Amaral, dedicou-lhe um profundo estudo, na reedio da Relao do Reino de Congo, em boa hora promovida pela Cmara Municipal de Benavente, nas comemoraes, que decorrem, dos 800 anos da concesso do foral Vila. O Municpio tem perfeita noo dos valores histricos de Benavente e no quis por isso deixar passar este aniversrio sem recordar uma das suas figuras mais representativas. Na falta de documentao local que refira directamente o nome de Duarte Lopes, f-lo da forma mais significativa, atravs da publicao de um texto que, tendo corrido em verso italiana, e sob autoria de escritor italiano, deve ser atribudo ao seu verdadeiro autor ou relator, que foi o benaventense Duarte Lopes.

    Ocupei-me j deste assunto, mas nunca de mais repeti-lo, quando se trata de restituir uma obra ao seu verdadeiro autor e de o colocar no devido lugar, que por direito prprio lhe pertence, na historiografia dos descobrimentos e da colonizao portuguesa quinhentista.Quem foi Duarte Lopes ? O que a Relatione del Reame di Congo et delle Circonvicine Contrade ou Relao do Reino de Congo e das Terras Circunvizinhas ?

    Os sculos XVI e XVII

    Terras dgua

  • Os estudos sobre Duarte Lopes foram iniciados por dois professores de Histria: o Doutor Manuel Heleno, da Universidade de Lisboa, e o Doutor Manuel Lopes de Almeida, da Universidade de Coimbra. Com isto no esqueo as contribuies de outros estudiosos portugueses como Antnio de Saldanha da Gama, D. Jos de Lacerda, Fr. Francisco de S. Lus, Serpa Pinto, o Visconde de Santarm, Luciano Cordeiro, Manuel de Oliveira Ramos, Ernesto de Vasconcelos, Fortunato de Almeida e, recentemente, Fr. Francisco Leite de Faria no seu trabalho Ecos Literrios e Impacto Cultural dos Descobrimentos Portugueses no Atlntico.Mais recentemente ainda, como gegrafo, o estudo introdutrio do Prof. Ildio do Amaral na reimpresso da Relao do Reino de Congo. Mas ao Doutor Lopes de Almeida, tambm, como Duarte Lopes, benaventense, que se devem os mais profundos e extensos trabalhos, apresentados no vol. III, ns. 8-10, 1927, da revista Biblos, na dissertao de licenciatura em Cincias Histrico-Geogrficas apresentada em Setembro de 1929 Faculdade de Letras de Coimbra (trabalho dedicado a Dom Manuel Gonalves Cerejeira e que est indito) e em artigo publicado em 1936 no opsculo BENAVENTE: Exposio-Feira do Distrito de Santarm. Sobretudo no que respeita a Duarte Lopes, cidado benaventense.As palavras do Prof. Manuel de Oliveira Ramos: "Duarte Lopes o nome mais representativo do nosso trabalho de explorao no sculo XVI em frica, seria estmulo bastante para que um benaventense de brios, e para mais com assinalada vocao para os estudos histricos, procurasse averiguar mais algumas informaes que completassem os dados escassos

    oferecidos por Barbosa Machado na Biblioteca Lusitana, e natural seria que o fizesse percorrendo os arquivos, oficiais e particulares de Benavente, em busca de novos elementos relativos a Duarte Lopes e sua famlia, alargando a investigao histria de Benavente no sculo XVI. Assim procedeu o Prof. Lopes de Almeida.

    Percorreu o Tombo do Concelho desta Villa de Benavente (1574); o Tombo da Igreja Matriz de Benavente (1544-1876); o Livro dos acordos e Regim.t do Sor Santo Espritu desta villa de benavte ho qual mandou fazer Fr.c Gllz caval.r e provedor dos espritaes e capellas do almoxarifado de Setuvaal (1527-1564); e o Tombo do Hospital do Esprito Santo (1499), documentao a que recorreram igualmente lvaro Rodrigues d'Azevedo e Ruy d'Azevedo para elaborao da sua monografia Benavente Estudo Histrico-Descritivo.

    As concluses a que chegou foram as seguintes:Entre as famlias gradas que durante os scs. XV, XVI e XVII tiveram assento e representao em Benavente, sobre as quais os documentos dos arquivos locais informam largamente, no das menos ilustres a que usou o apelido Lopes. Alguns dos seus membros, clrigos e seculares, exerceram naquele tempo as magistraturas que maior honra e lustre podiam comportar. Gente de posses, senhores de bens de raiz, lavradores como a maior parte dos principais da terra, o seu nome anda ligado quelas instituies que, para servir o comum, requeriam dos mandatrios honra, devoo e inteligncia.

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  • histria da terra anda intimamente ligada a histria dos seus institutos de benemerncia pblica, contando-se entre os mais antigos, que se sabe terem existido na vila, a Confraria do Esprito Santo, com a sua origem no sculo XIII, e a que veio suceder a Irmandade da Santa Casa da Misericrdia em 1560, fundada pelos confrades da primeira e com igual finalidade: assistncia social, sobretudo hospitalizao de enfermos pobres. nestas instituies, principalmente na Misericrdia, que a famlia Lopes tem uma aco relevante.Assim, Ruy Lopes, lavrador, almoxarife do mestre de Avis, Dom Jorge de Lencastre, em 1536, e mordormo do Hospital em 1537, quem pe em linguagem o compromisso latino da velha Confraria do Esprito Santo, no ano de 1544, "por ordem do visitador eclesistico, mestre Gaspar".

    Em 21 de Dezembro de 1560 instituiu-se a Confraria e Irmandade da Misericrdia, tendo-se inscrito logo, como seus irmos fundadores, quarenta e trs pessoas de todas as classes sociais. Em seguida, a nova Irmandade tratou de eleger provedor e seus eleitores que organizaram uma lista de doze nomes, seis nobres ou de maior condio, e seis de mecnicos, para manter igualdade no servio. Como mordomo de fora, saiu eleito Gonalo Lopes, entre os restantes vogais da Mesa Administrativa, Amrique Lopes, Cosme Lopes e Simo Lopes, todos de maior condio.

    Em Fevereiro de 1561, era prior da matriz e irmo da Misericrdia o Dr. Dom Braz Lopes. Esta famlia Lopes no deixa mais de estar ligada vida da Misericrdia de Benavente, quase sempre na gesto dos seus negcios, algumas vezes legando-lhe os seus bens. No ano de

    1615, eleito provedor da Santa Casa Frei Ferno Lopes, o qual, por seus grandes merecimentos e virtudes, foi digno de ser reeleito no ano de 1639; e em 1668, Francisca Lopes, a "Pespeneca", lega Misericrdia todos os seus bens, constitudos por grandes valores em dinheiro e ainda "as estalagens e casas de sobrado e terreas com seus quintaes no beco dos asucres e forno da prassa".A esta famlia pertenceu Duarte Lopes, homem que tanto a i lustrar ia . Documento que diga particularmente respeito ao explorador quinhentista, em arquivos de Benavente, ainda se no encontrou, o que facilmente se explica, se considerarmos que a maior parte da sua vida decorreu fora da sua terra natal. Se j havia registos paroquiais locais ao tempo, o que a investigao ainda no revelou, poderia ao menos conhecer-se a data do nascimento e o nome dos seus mais prximos parentes, e avaliar que educao lhe poderiam ter dado. Era ele homem muito culto certamente, como se deduz da Relao ditada ao italiano Filippo Pigafetta: pem-se a problemas que s um homem servido por uma boa cultura e esclarecida inteligncia podia abordar. A sua famlia, constituda embora na maior parte por lavradores, contou muitos letrados entre os seus membros, e foram talvez estes que prepararam a atmosfera familiar em que se desenvolveu a inteligncia e a agudeza crtica de Duarte Lopes.2. Filippo Pigafetta, ao iniciar a verso italiana da Relao do Reino de Congo (se, antes desta, ter havido uma primeira redaco portuguesa, devida ao prprio Duarte Lopes, um problema bibliogrfico j levantado, mas ainda no dilucidado), apresenta-nos dados biogrficos muito importantes de Duarte Lopes:

    Terras dgua

  • "No ano de 1578, em que se embarcou Dom Sebastio, Rei de Portugal, para conquista do Reino de Marrocos, Duarte Lopes, natural de Benavente, terra de 24 milhas distante de Lisboa, na margem austral do rio Tejo, navegou tambm, no ms de Abril, para o porto de Luanda, sito no reino de Congo, em uma nau, chamada Santo Antnio, pertencente a um seu tio, carregada de mercadorias diversas para aquele Reino; e foi seguida de um patacho (que um navio pequeno), ao qual deu de contnuo boa conserva, prestando-lhe auxlio e guiando-o com os lumes de noite, a fim que no se apartasse do rumo que ela levava.Na dedicatria da obra ao "muito ilustre e reverendssimo Monsenhor Antnio Migliore, bispo de So Marcos e comendador do Santo Esprito", j Pigafetta nos informara que Duarte Lopes (que o Prof. Lus de Albuquerque diz ser de ascendncia judaica) vivera no Reino do Congo cerca de doze anos e lhe transmitira a Relao em portugus, que ele, Pigafetta, de imediato trasladava para italiano. Acrescenta que "a notcia das cousas neste livro contidas peregrina e conveniente a homens de estado e de grande engenho, e a filsofos e gegrafos".

    Aps a estada em frica, Duarte Lopes vem Europa enviado pelo rei do Congo, D. lvaro I, para o representar junto do rei de Portugal e do papa Sixto V, e por esta embaixada que conhece em Roma Pigafetta, a quem transmite a sua relao; se no fora este facto, talvez desconhecssemos hoje tudo quanto Duarte Lopes viu em frica, e no o contaramos como primeiro grande explorador daquele continente.Assentes definitivamente os Portugueses no Congo, e movido o soberano daquele reino do piedoso propsito de no deixar perder ali o Cristianismo, desejando ainda que os seus povos atingissem um grau

    de maior civilizao, deliberou enviar um novo embaixador Europa. Concorrendo alguns Senhores quela honra, o rei, a fim de no desagradar a nenhum, elegeu Duarte Lopes molto prattico delle cose que se encontrava ento naquela corte. Expedido com o favor e benevolncia rgia, com amplas informaes por escrito do que havia a tratar junto do rei de Portugal e de Sua Santidade, trazia cartas de credencial e autoridade, salvo-conduto e isenes, e todos os privilgios como convinha a um embaixador.

    Assim, deveria apresentar as cartas ao rei D. Filipe, narrando-lhe o estado religioso em que se encontrava o reino do Congo, em virtude de dissenes internas e, sobretudo, pela falta de religiosos evangelizadores; que lhe pedisse confessores e pregadores bastantes para que o Evangelho se mantivesse naquelas remotssimas regies. Alm disso, devia apresentar-lhe diversas amostras dos metais existentes no pas, e oferecer-lhe, em seu nome, o trfico livre do minrio por todos os seus antecessores at ento denegado. Semelhantemente, ao Papa beijasse os ps de sua parte, e lhe apresentasse tambm as cartas que relatavam os miserveis trabalhos e grande detrimento que havia sofrido o seu povo na f crist, recomendando a Sua Santidade que, como Pai universal de todos os cristos, tivesse compaixo de tantos fiis, os quais, pela falta de sacerdotes que os ilustrassem na santa F e lhes administrassem os Sacramentos da Igreja, pouco a pouco se iam perdendo.Despachado com esta misso, partiu da corte, e andou em vrios servios do Rei, entretendo-se ainda naquelas regies cerca de oito meses, ao fim do que, em Janeiro, se embarcou numa nau de 100 toneladas que se dirigia com a sua carga para Lisboa.

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  • Comeam aqui as desventuras da viagem, que o tempo de que disponho no permite descrever, at que enfim Duarte Lopes acolhido benignamente por Filipe II, em Sevilha, mas, dificuldades surgidas em consequncia da morte do rei do Congo, que o enviara, e porque Filipe II se ocupava exclusivamente da guerra com a Inglaterra, goraram-se as conversaes. ento que se encaminha para Roma, a fim de expor ao papa Sixto V a smula da sua embaixada, para no postergar a inteno daquele rei que o havia enviado. Acolhido com satisfao pelo Papa, a quem narrou o estado miservel em que se encontravam os povos cristos do reino do Congo, a decadncia sofrida no culto e servio de Deus pelo diminuto nmero de sacerdotes que ministrassem os Sacramentos da Igreja, pedia insistentemente missionrios que baptizassem e confessassem, tendo em vista que aquelas inumerveis gentes estavam dispostas a receber a semente de vida, e respeitosamente os acolheriam. O rei do Congo animosamente se propunha tambm edificar uma casa, na qual houvesse mestres para o servio divino e conjuntamente ensinassem aos jovens do pas as lnguas cultas e as artes liberais, a doutrina e os mistrios da religio, preparando assim homens doutos e nimos vigilantes que espalhassem e fortalecessem a F. E ainda um hospital, que fosse o recurso e albergue dos pobres e tambm dos estrangeiros e navegantes, para a encontrarem toda a classe de medicamentos, hospedagem e restauro de suas necessidades.Com tais propsitos, chegou a Roma Duarte Lopes, e s esperava de Sua Santidade a licena para formar aquele seminrio e hospital, suplicando-lhe ainda concedesse jubileus e indulgncias, que tais obras salutferas convm em todos os pases cristos, em especial naqueles to remotos.Escutado com interesse, foi-lhe certificado, porm, que, pertencendo o reino do Congo ao rei de Espanha,

    a este devia dirigir-se. por esta ocasio que Duarte Lopes dita a Pigafetta, por ordem de Antnio Migliore, a sua Relao do Reino de Congo, em Maio do ano de 1589. Duarte Lopes promete voltar o mais cedo possvel, e ento informar mais detidamente. E parte para o Congo.

    Desde ento, no mais se ouviu falar dele, e s a Relao de Reino Congo ficou para nos dizer que o homem que to claramente soube informar sobre as coisas africanas no era um aventureiro, mas um explorador capacssimo, daqueles que sentiam em si a demonaca paixo de tudo desvendar, na frase de Egon Friedell.

    3. Das edies e tradues da Relatione del Reame di Congo quem melhor nos informa o nosso ilustre confrade Frei Francisco Leite de Faria, no trabalho que j mencionei:"Em 1591 publicou-se em Roma a "Relatione del Reame di Congo et dellle Circonvicine Contrade", isto , a "Relao do Reino de Congo e das Regies Limtrofes", redigida pelo italiano Filippo Pigafetta e tirada dos escritos e consideraes verbais do portugus Duarte Lopes, que como embaixador do rei do Congo tinha chegado a Roma. Esse livro, adornado com mapas e gravuras, descreve o Congo e relata a sua histria, narrando como foi descoberto pelos Portugueses, que convertem os seus chefes F Catlica. Em 1728 e 1753 essa primeira edio em italiano reeditou-se em Veneza; a traduo holandesa apareceu em 1596 e teve as reedies de 1650, 1658, 1706, sem indicao do ano, e 1727; em 1597 publicou-se em alemo, lngua em que teve as reedies de 1609, a abreviada de 1628 e a de 1791 e no mesmo de 1597 tambm se publicou em ingls, lngua em que (se) reeditou abreviadamente em 1625 e 1905 na colectnea de Purchas e integralmente em 1745, 1747, 1752 e 1881.

    Terras dgua

  • Em 1598 publicou-se em latim e em 1624 reeditou-se nessa lngua. Em francs s se publicou em 1883, 1963 e 1965 na Blgica, e a traduo portuguesa apareceu em 1951, feita por Rosa Capeans, que em 1949 tinha publicado a edio fac-similar da italiana de 1591. Acabo de indicar, em diversas lnguas, 27 edies da relao sobre o Congo escrita por Duarte Lopes e Filippo Pigafetta, o que mostra ter tido essa obra, que se refere ao descobrimento do Congo pelos portugueses, aprecivel eco literrio e impacto cultural."A Relao do Reino de Congo um documento do mais alto interesse para a Histria da Colonizao Portuguesa, e a sua vulgarizao em toda a Europa prova quanto a matria dela era desconhecida ento. O seu objecto tudo quanto deve entrar na histria natural e na histria civil dum pas. H nela a notcia circunstanciada do curso do Nilo, dos limites do Congo e suas provncias, a histria poltica do pas, o problema do trfico e negcios com os naturais, dos quais d uma larga e viva descrio: seus costumes, ritos e armas singulares e estranhas. Possuem marfim e ferro em abundncia, alguns entregam-se antropofagia, e a sua lngua dificilmente assimilvel.A supremacia dos Portugueses era to grande naquele Reino, que os prncipes do Congo tinham no s tomado os nomes portugueses e os ttulos das diversas jerarquias da nobreza de Portugal, mas at os principais senhores tinham adoptado o vesturio portugus, e as mulheres do pas imitavam mesmo os usos das mulheres de Lisboa. Na Relao se declara que antes da entrada e estabelecimento dos Portugueses os habitantes no tinham a menor ideia da arte de escrever. Foram estes que ali a introduziram. Durante as suas viagens pelo interior, encontrou Duarte Lopes alguns fortes construdos pelos Portugueses, e refere que cada um dos Sobas, ou Senhores, pagava um tributo a el-rei de Portugal. Mas, foram sobretudo os

    problemas de ordem geogrfica que mais interessaram a Europa culta do tempo, pois a toda a hora os conhecimentos geogrficos se renovavam.A obra desafia ainda hoje os estudiosos do conhecimento de frica no sc. XVI, pois das variadas matrias de que se ocupa apenas duas foram especificamente estudadas, tanto quanto sei: o problema do Nilo visto por Duarte Lopes, objecto de um estudo indito do Prof. Lopes de Almeida; e a matria mdica do Congo, tema de uma comunicao apresentada ao Primeiro Congresso Nacional de Antropologia Colonial pela Dr Rosa Capeans. Isto sem esquecer os trabalhos parcelares do Prof. Manuel Heleno.Seria ainda interessante determinar na Relao do Reino de Congo (se que ainda se no fez!) a parte que propriamente de Duarte Lopes e aquela que da exclusiva autoria de Filippo Pigafetta. Requeria-se isto numa boa edio crtica em que os resultados das suas exploraes fossem metodicamente comparados aos das viagens dos grandes exploradores estrangeiros que se lhe seguiram, devidamente esclarecidos pelas cartas portuguesas ou de viagens portuguesas desse tempo.

    4. As revelaes de Duarte Lopes no causaram em Portugal tanta sensao como no resto da Europa, o que explica o silncio feito sua volta e at o esquecimento. que essas revelaes no representavam alto grau de novidade para os Portugueses, habituados como estvamos a frequentes contactos com as costas e o interior de frica, possuindo dessas regies fartas notcias e conhecimentos. Algumas informaes de Duarte Lopes foram at impugnadas, em particular por Frei Joo dos Santos, na sua Etipia Oriental, em consequncia de referncias fantsticas que na Relao se lem, como a existncia das Amazonas e de "outras muitas cousas que no h nas ditas terras".

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  • Mas isto pode bem ter sido obra do redactor italiano, que afeioou e amplificou "a primitica relao, introduzindo alguma coisa que pudesse seduzir o interesse dos contemporneos, mais solicitado pelo elemento fantstico da narrao do que pela certeza dos descobrimentos expressos".No obstante a existncia de um grupo contestatrio do valor da Relao grupo no numeroso e, a meu ver, menos esclarecido -, esta tem sido considerada pelos especialistas, como Lon Cahun, e continua a ser, uma fonte preciosa para o conhecimento da frica pelos Europeus.

    Quando em tempos intentei organizar um catlogo circunstanciado dos escritores de Benavente, logo pensei comear por Duarte Lopes.Mas foi Duarte Lopes, o primeiro conhecedor do Congo, onde viveu cerca de 12 anos, tambm um escritor? Sem dvida, e temos disso provas irrefutveis, ainda que no conheamos, at hoje, directamente, os seus textos.

    Um testemunho autntico da existncia de escritos de Duarte Lopes -nos dado pelo italiano Filippo Pigafetta, na obra Relatione del Reame di Congo et delle Circonvicine Contrade, impressa em Roma em 1591 e traduzida para portugus pela Dr. Rosa Capeans, republicada h pouco pela Cmara da nossa terra. Logo no ttulo se declara: Relao do Reino de Congo e das Terras Circunvizinhas, "tirada dos escritos e discursos de Duarte Lopes, portugus". H ainda na obra de Pigafetta outros passos interessantes, que convm lembrar: Pg. 18: "No ano de 1578, em que se embarcou Dom

    Sebastio, rei de Portugal, para a conquista do reino de Marrocos, Duarte Lopes, natural de Benavente, terra 24 milhas distante de Lisboa, na margem austral do rio Tejo, navegou tambm, no ms de Abril, para o porto de Luanda, sito no reino de Congo, em uma nau chamada Santo Antnio, pertencente a um seu tio, carregada de mercadorias diversas para aquele reino

    Pg. 155: "Sendo feitas estas Relaes e Tbuas principalmente para representarem o reino de Congo, e no se podendo conseguir isso bem na Tbua Geral de frica, que o Senhor Duarte tinha trazido daquelas comarcas"

    Pg. 160 "At agora, ningum tem representado to bem, no desenho, a frica, o Cabo de Boa Esperana, os lagos do Nilo e os montes de onde desce, e os reinos do Preste Joo e de Congo, como o Senhor nosso Duarte, com a sua grande carta"

    "Glria autntica da aco portuguesa ultramarina, Duarte Lopes deixou-nos uma contribuio famosa para o conhecimento do continente africano, e o seu nome deve ser inscrito como um dos de maior relevo da histria desse continente."

    Praticamente tudo o que se sabe acerca de Duarte Lopes o que nos transmite o italiano Pigafetta. Seria, pois, necessrio prosseguir em bibliotecas e arquivos, portugueses e estrangeiros, a busca de mais informaes acerca deste Homem notvel, pioneiro no conhecimento directo das terras do Congo e das suas populaes.

    Terras dgua

  • Duarte Lopes e os seus trabalhos alcanaram projeco europeia no sculo de Quinhentos. Agora, que tanto se fala da integrao de Portugal na Europa, vem a propsito recordar esse Portugus ilustre, que levou to longe e elevou to alto o nome de Benavente.Por tudo isto, decidimos abrir a galeria dos Escritores de Benavente, com o nome de Duarte Lopes, figura cimeira de Benavente quinhentista.

    Fui, talvez, demasiado longo.

    Que esta minha interveno tenha apenas o significado de uma dupla homenagem: ao valor e coragem do infatigvel pioneiro, explorador sertanejo do Congo, e ao historiador, que foi Presidente da nossa Academia e Benaventense ilustre, a quem se devem os primeiros estudos, ainda por prosseguir, sobre a Epopeia no receemos o termo! Desse baro assinalado: Duarte Lopes.

    5 . Um segundo quadro, este dramtico, diz respeito ao terramoto que em 26 de Janeiro de 1531 destruiu a vila. H, a este propsito, o relato de uma testemunha de origem espanhola, j publicado, enviado ao Marqus de Tarifa, no qual se refere que houve mortes em Benavente e o facto singular de que se encontrava aposentado no pao o rei D. Joo III, que dali partiu para Alhos Vedros. Era o pao mestral da Ordem de Avis, em tempos do administrador ou mestre da Ordem, D. Jorge de Lencastre, tio de D. Joo III.

    A testemunha espanhola diz mais que "isto comum em todo o Reino, especialmente nas partes marginais do Tejo, onde o dano muito grande".

    Ficamos assim a saber que Benavente foi fortemente abalada por um sismo em 1531, e esta uma das causas por que os testemunhos histricos desta vila so to dificilmente encontrveis.

    6. Remontam ao sc. XVI, depois de 1551, as armas de Benavente, que no so consequncia de um diploma real, mas sim de iniciativa da prpria edilidade. O significado dos smbolos que as decoram bem conhecido: antes de mais, a cruz de Avis para testemunhar que Benavente vila da Ordem, e um dos seus mais considerveis domnios. A representao das "travas" ou "peias" uma aluso antiga dependncia da Ordem de Calatrava, que deixou de existir na primeira metade do sc. XV, mais precisamente a partir de 1436. Para a gravao da cruz de Avis e das travas o Municpio tomou por modelo as representaes que se viam na lpide do pao mestral.

    O Senhor Afonso de Dornelas, que foi um dos mais competentes heraldistas portugueses, explica que a representao do estandarte tambm uma iniciativa do Municpio, "no tendo a ver com o estandarte real, smbolo de supremacia rgia, que s podia ser usado pelas povoaes que levavam um corpo de tropas guerra, o que no consta ter sucedido em Benavente".

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  • Poderamos ficar por aqui no que respeita s armas de Benavente, mas convm desfazer um equvoco resultante de uma tradio que pode correr o risco de ser assumida como verdade histrica.

    Refere o Dr. Ruy de Azevedo que no manuscrito de lvaro Rodrigues de Azevedo se l um artigo intitulado "As travas das Armas de Benavente",no qual se escreve: " tradio local que a vargem era antigamente um vasto paul onde se criavam muitos cavalos bravios que, colhidos, eram peados com travas de ferro como algemas: e que esta foi a origem das travas emblemticas que nas armas de Benavente figuram."

    O tema foi retomado pelo Prof. Jos Hermano Saraiva, quando recentemente dedicou um programa nossa terra e todos lhe estamos muito gratos por isso, em termos tais, servido por uma imaginao prodigiosa, que pode ter levado algum a tomar como credvel a explicao que apresentou, baseada numa tradio, e no num facto histrico. Trata-se, a nosso ver, de uma simples interpretao popular. O povo tem explicao para tudo, sua maneira, evidente, mas tenta encontrar explicao para tudo. "Peias" representadas num braso, s poderiam aludir ao seu uso para prender ou suster o gado. Tanto mais que, desde os tempos mais antigos, os autores latinos registaram a agilidade dos animais criados beira do Tejo. Diziam mais: que as guas concebiam do vento, e o humanista eborense Andr de Resende cujo 5. centenrio do nascimento se est a comemorar este

    ano quem nos conta que, aqui em Benavente, um lavrador, em casa de quem pernoitou, lhe referiu esse acontecimento, pelo menos, teratolgico, se no pura inveno. No se reparou que as "travas" no so exclusivas do braso de Benavente, mas se vem tambm na representao herldica do Alandroal e de Juromenha, tambm senhorios da Ordem de Avis.Pois bem, e para terminar, as "travas" do braso de Benavente nada tm a ver com isso, e so simples aluso primeira dependncia da vila da Ordem de Calatrava, situada em Espanha, doada pelo rei de Castela Sancho III a cavaleiros da Ordem de Cister para que a defendessem dos Mouros. Alguns desses monges vieram estabelecer-se em vora onde fundaram uma Ordem Militar, a Ordem de vora, que mais tarde se transferiu para Avis, vindo a ser designada por Ordem de Avis.

    A Ordem de Calatrava foi a primeira Ordem de Cavalaria fundada na Pennsula Ibrica. do nome da vila que deriva o seu nome, vindo a adoptar a regra de S. Bento. Ordem de Calatrava, repito, esto ligadas as origens de Benavente. tambm por esta razo que no braso de Benavente esto representadas as duas "travas" ou peias, smbolo da Ordem Militar de Calatrava e que a Ordem de Avis por algum tempo usou. esta a explicao que deve ser apresentada, e no qualquer outra por muito imaginosa que seja.

    7. Agora duas notas relativas ao sc. XVII.

    Terras dgua

  • No ano de 1644 o Rossio do Moinho de Vento, ou Rossio de Vento, porque na parte mais elevada existia um moinho, passou a ser designado por Rossio do Calvrio, depois que, naquela data foi erigido um cruzeiro, em mrmore de Estremoz, que tem gravada no pedestal a seguinte inscrio:

    ESTA OBRA MANDARO FAZER OSIRMOS DOS SANTOS PASSOS EMO ANNO 1644

    A fundao da Confraria e Irmandade dos Santos Passos, qual se deve a construo do belo cruzeiro, anterior carta de confirmao que lhe passada em 7 de Maro de 1646, em nome do rei D. Joo IV. Conhecemos os estatutos da Irmandade, que, no prlogo ao cap. 1., esclarecem:

    "O povo da vila de Benavente ordena, de sua prpria e livre vontade, sem serem constrangidos por pessoa alguma, e s para servio de Deus e bem de suas almas, a Irmandade dos Santos Passos de Nosso Senhor Jesus Cristo em a matriz da mesma vila, para o que ordenam este compromisso na ordem seguinte."

    Seguem-se os artigos dos Estatutos, apresentados para aprovao em Julho de 1645.Quer dizer: a confraria funda-se em data anterior promulgao dos Estatutos, o que se prova com a

    ereco do cruzeiro em 1644. S depois, em 1645, pede confirmao rgia para a sua existncia, que lhe concedida em Maro de 1646.O Cruzeiro do Calvrio que, a partir do sc. XIX, passou a substituir a velha designao de Rossio do Moinho de Vento, o mais antigo monumento de uma obra de caridade e assistncia aos irmos benaventenses carecidos de apoio moral e material. Deve, por isso, ser preservado e respeitado, dada a inteno com que foi erguido, e ser considerado como o verdadeiro ex-lbris de Benavente.

    8. Falmos de um facto ocorrido em tempos do rei D. Joo IV. oportuno que se faa agora aluso, para que se no esquea, a um homem que ajudou a colocar no trono portugus, usurpado pelo rei de Espanha, o Duque de Bragana, como rei legtimo de Portugal. Refiro-me, j se adivinha, a Lus Godinho. Mas, Lus Godinho seria mesmo natural de Benavente ?

    A notcia -nos transmitida pelo conde da Ericeira, D. Lus de Meneses, na sua obra Histria de Portugal Restaurado, como acontecimento ocorrido no Pao da Ribeira, residncia da Duquesa de Mntua, Margarida de ustria, neta de Filipe IV de Espanha; em 1634, foi nomeada vice-rainha de Portugal, era a executora da poltica do primeiro-ministro espanhol, o conde-duque de Olivares, que tinha por objectivo a unidade peninsular.

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  • Escreve o conde da Ericeira:

    "Alguns dos archeiros tudescos que guardavam o Pao querendo ganhar uma porta que ia para o quarto da Duquesa de Mntua, a acharam j ocupada por Lus Godinho Benavente, criado do Duque de Bragana, e por outras pessoas que o acompanhavam, os quais, matando um tudesco e ferindo outros, os fizeram retirar."

    O nome de Lus Godinho, mas sem o apelido Benavente, tambm mencionado na lista dos Nobres que intervieram na Revoluo, citada na obra Relao de tudo o que se passou na felice acclamao del Rey D. Joo o quarto. No se pense que h contradio entre a informao do conde da Ericeira: "Lus Godinho Benavente, criado do Duque de Bragana", e a incluso do nome de Lus Godinho na lista dos Nobres a que me referi. Entenda-se que a palavra "criado" no tinha o significado moderno que hoje lhe damos; trata-se de um vocbulo que, ao longo da histria da lngua portuguesa, adquiriu uma riqueza semntica singular: entre os sentidos com que foi usado, salienta-se o de pagem de reis, prncipes ou altos senhores. lvaro Rodrigues de Azevedo e Ruy de Azevedo registaram, no Estudo Histrico-Descritivo, a existncia em Benavente de uma famlia importante de apelido Godinho, a partir, pelo menos, do sc. XV. Os ilustres historiadores vo mais longe: em fins do sc. XVI e princpios do XVII, residia na vila Cristvo Godinho, proprietrio e tabelio, casado com Catarina Velha, os quais poderiam muito bem ter sido os pais ou parentes prximos de Lus Godinho, o heri de 1640.

    Analisemos agora o nome do nosso conterrneo, sob a forma plena que lhe d o conde da Ericeira, "Lus Godinho Benavente", e sob a forma abreviada que outros lhe do, "Lus Godinho", para concluir que a segunda no elimina a primeira. Para tanto, comparemo-lo, nada mais, nada menos, do que com o nome do maior poeta portugus: Lus Vaz de Cames.

    Lus: um nome de origem germnica; alemo Ludwig, a palavra passou para o francs Louis. Lus veio-nos, pois, da Frana, ou directamente, ou por intermdio da Espanha, onde h Lois. Daqui se conclui que a palavra deve terminar em s, e no em z, como muitas vezes se v.

    O alemo Ludwig foi latinizado em Ludovicus e em Aloysius. Uma e outra forma foram utilizadas pelos nossos autores que escreveram em latim. Na chapa de cobre, que se colocou nos fundamentos da esttua de Cames em Lisboa, l-se, no texto gravado em latim, Ludovicus para o nome do Rei (sabe-se que a esttua foi inaugurada por D. Lus) e Aloisius para o nome do Poeta.Vaz: propriamente patronmico de Vasco. Muitos patronmicos perderam essa categoria prpria e passaram a simples apelidos. Quer dizer: quem, em tempos modernos, se chame Enes ou Eanes, Fernandes, Henriques, Vaz ou Vasques, no quer significar que seu pai se chamasse Joo, Fernando, Henrique ou Vasco. Vaz, proveniente do genitivo Velasci, de Velascus, significava ao princpio "filho de Vasco". Vasco palavra de origem obscura, embora talvez ibrica.

  • Cames: um nome geogrfico, correspondente ao topnimo galego Cmos, local de origem do primeiro Cames que veio para Portugal, Vasco Peres/Pires de Cames, em tempos do rei D. Fernando. Desempenhou funes de alcaide em Alenquer e, com a morte do Rei, aliou-se ao partido de D. Leonor Teles contra o Mestre de Avis, D. Joo. Foi difcil convenc-lo a passar-se para o lado do Mestre, que, como relata Ferno Lopes se deslocou pessoalmente a Alenquer para o dissuadir da sua obstinada posio, que, por fim, conseguiu.Passemos agora ao nome do nosso Lus Godinho Benavente ou Lus Godinho.

    Lus: est explicado, tal como o explicmos no nome de Cames.

    Godinho: apelido existente em Benavente nos sculos XVI e XVII, como dissemos, de origem germnica, latinizado em Godinus. O apelido j vem registado nos Nobilirios dos P.M.H. Com a mesma raiz de Guda, de Goda e de Godo, de que parece ser um diminutivo, so nomes de origem germnica certa, mas o seu timo incerto, porque podem ligar-se a vrios radicais.

    Benavente, igual a de Benavente, forma paralela a de Cames. Assim se designava a origem ou provenincia da pessoa referida no nome prprio e no primeiro apelido. O nome genrico podia ser usado em pleno

    Lus Vaz de CamesLus Godinho (de) BenaventeOu em abreviadoLus VazLus Godinhosem que a omisso do nome da terra de origem ou provenincia prejudicasse a identificao da pessoa.Julgo assim perfeitamente identificado, como cidado benaventense, Lus Godinho, um dos heris da Restaurao de 1640.Dei uma certa nfase a este acontecimento, porque outro benaventense ilustre, o historiador Manuel Lopes de Almeida, se ocupou destas matrias na sua famosa tese de doutoramento na Faculdade de Letras de Coimbra, intitulada Notcias da Aclamao e Outros Sucessos, e tambm porque em Benavente, desde velhos tempos, se comemora, com grande entusiasmo, esse acontecimento festivo, na madrugada do 1. De Dezembro daquela que, pelos Portugueses de h trezentos e sessenta anos, foi chamada "manh pura e radiosa", adjectivos auspiciosos para a Liberdade ento reconquistada.

    Apresentei apenas alguns aspectos significativos dos fastos benaventenses, ou benaventinos, nos sculos XVI e XVII, de entre tantos outros a que poderia aludir. Porque a temtica muito vasta, fico vossa disposio para responder a quaisquer questes que entendam formular.

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  • Professor Doutor Joaquim Verssimo SerroUm passeio pela Histria de Benavente

    Comeo por agradecer a amvel convite do Senhor Professor Antnio Jos Ganho, ilustre Presidente da Cmara Municipal de Benavente, para participar neste Colquio comemorativo do oitavo centenrio do vosso Foral. Estendo o agradecimento ao Vereador da Cultura, Senhor Francisco Sousa Dias, e Directora do Museu Municipal, Senhora Dra. Cristina Gonalves, organizadora deste encontro. Tambm no quero esquecer o Senhor Dr. Francisco Correia, Director do Arquivo Distrital de Santarm, que lana hoje mais um valioso livro acerca da histria benaventense. E, por ltimo, desejo saudar o meu velho e admirado amigo, Senhor Professor Doutor Justino Mendes de Almeida, Reitor da Universidade Autnoma Lus de Cames, cuja dedicao pela terra que lhe foi bero se encontra na mesma altura da obra consagrada que vem dedicando cultura portuguesa.

    Um olhar sobre a histria de Benavente, a que poderia tambm chamar um passado pela histria antiga desta vila, corresponde a salientar acontecimentos e a evocar figuras que se prendem vida local. S que um passeio no deve jamais fazer-se sozinho, para captarmos todo o encanto que se desprende desse mundo de evocaes. Posso dizer que me encontro em boa companhia para recordar as razes portuguesas de Benavente, pela valia dos participantes que enchem este Auditrio e, entre os quais, encontro jovens professores e estudantes. Todos eles vidos de conhecer o passado de Benavente, de uma terra que possui gloriosos ttulos a enobrecerem o seu braso como se a conscincia do presente no pudesse dispensar as lembranas do tempo antigo.

    Certo que no vou debruar-me nas origens remotas da vossa terra, porque seria um tema infindvel para contar.

    No se esquea da teoria do "homo taganus" defendida, no sculo passado, pelo general Carlos Ribeiro e, na primeira metade do sculo XX, pelo Professor Antnio Mendes Correia, da Universidade do Porto. Julgavam os dois arquelogos que, na zona ribeirinha que vai de Muge a Benavente teriam vivido, entre as idades da pedra lascada e da pedra polida, tribos sedentrias de pescadores que deixaram nos concheiros rastro da sua existncia. Com a boa cultura arqueolgica que o define, tambm o Dr. Clementino Amaro nos falou de uma Benavente com origens romanas, como se depreende dos restos que nesta regio se tm encontrado. No vai to longe o meu projecto, uma vez que somente me debruo sobre notcias que se pretendem j no tempo da histria portuguesa.

    Como sabem, a estratgica de D. Afonso Henriques, antes ainda do Tratado de Zamora, assentou numa forma de reconquista crist que lhe franqueasse o domnio dos castelos meridionais. Necessitava, para o efeito, de controlar a zona do baixo Tejo, tanto a que conduzia, atravs da fortaleza de Santarm, posse de Lisboa como a que se abria na margem esquerda do rio em direco ao Alentejo. Nessa perspectiva entende-se o significado da batalha de Ourique, em 25 de Julho de 1139, ainda que o local do fossado seja ainda hoje objecto de discusso.

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  • Mas situando-se o prlio na zona de Castro Verde ou em Vila Ch de Ourique, nas cercanias de Santarm entende-se que Benavente tenha surgido como reduto ou atalaia na marcha de Afonso Henriques para o sul.E basta olhar para o mapa das operaes militares no tempo do primeiro monarca, para se compreender a importncia estratgica que a terra passou a usufruir.

    Situada na zona terminal do rio Sorraia e a duas lguas da sua juno ao Tejo, Benavente beneficiava do apoio guerreiro do castelo de Coruche, uma das chaves do rei de Portugal para a abertura do Alto Alentejo. Quer dizer que a fixao de um pequeno ncleo de colonos nos finais do sculo XII, tornou Benavente um ponto estratgico para a defesa do interior do Sorraia contra qualquer ataque dos mouros. No se cr, ao contrrio do que sucedia em Coruche, que a terra fosse dominada por um castelo, por no constituir um ponto altaneiro. A sua vocao haveria de comprovar-se no quadro geogrfico da regio, por ser uma passagem obrigatria nos caminhos oriundos do Alentejo e que buscavam uma sada para o rio Tejo. Digamos que Benavente se imps, no quadro militar e geogrfico da primeira dinastia, como a porta fluvial do Sorraia com destino a Lisboa. Por aqui, circulavam as pessoas, os vveres e os produtos no duplo sentido do interior para o litoral.

    Assim se entende a tese de um ilustre benaventense, o Professor Doutor Rui Pinto de Azevedo, ao mostrar a filiao da terra da ordem dos monges-cavaleiros de Calatrava. O seu primeiro nome foi de Freires de vora, com a prova documentada de que no ano de 1199 j estavam aqui fixados. Como as restantes ordens de cavalaria, tambm os de Calatrava possuam

    dois objectivos: em tempo de guerra acompanhavam os monarcas na prossecuo da reconquista crist; em tempo de paz faziam povoar as terras, para as transformar em centros de vida e em osis agrcolas. Ainda que Benavente estivesse no meio de uma regio abundante em produtos da natureza e do rio, a terra recebeu esse influxo dos monges depois chamados de Avis, como estes j haviam feito em relao ao povoamento da vila de Coruche.

    Em 25 de Maro do ano seguinte, 1200, Mestre Pelgio concedia uma carta de foro, juntamente com os seus frades, aos povoadores de Benavente, tanto presentes quanto futuros. Recebiam eles o foro de Coruche, com a obrigao de os cavaleiros serem obrigados a acompanhar o monarca nas incurses feitas em territrio inimigo.

    Quem no estivesse nos fossados, via-se compelido a pagar o tributo da fossadeira que correspondia iseno do servio militar. Nos fins do sculo XII existia, pois, em Benavente uma vida comunitria, embora incipiente, mas j com duas vertentes marcadas: a militar, ao servio da coroa, e a agrcola, para o fomento da terra.Alis, no foral de 1200 encontra-se uma referncia a "fornos", locais onde se produziam artefactos de barro ou de cermica. Encontra-se no diploma uma aluso a "milhos", ou seja cereais que eram triturados para a obteno de farinha. Mencionam-se as "tendas", o que pressupe stios onde se fazia comrcio, no ainda monetrio, mas alicerado numa economia natural, para a venda e troca de produtos,. No foral de 1200 fala-se tambm de "gado", no sentido de que o gado de Benavente no podia ser onerado a ttulo algum, condio essencial para

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  • proteger a vida comercial e agrcola. Tal como sucedia no foral de Coruche com os benefcios para a recolha do peixe do rio Sorraia, a populao de Benavente usufrua de idntico direito quanto ao peixe recolhido no Tejo. Tudo isto mostra a importncia da terra que estava aqui a desenvolver-se nas suas promissoras actividades.

    Sejamos ainda mais claros no exame do tema. No caso de Benavente, prova-se que em 1199 a terra tem moradores, que no ano seguinte recebe um foral e que no ano de 1201 se faz sentir nela a proteco do Papa Inocncio III. O que equivale a afirmar que o ncleo de vida implantado em Benavente era j importante. A vila de Coruche possua um castelo que apenas se revestiria de valor estratgico se fosse atacado pelos mouros. Ao passo que a vossa terra surgia como guarda-avanada da defesa do Sorraia. Entretanto, o rei D. Afonso II, no ano de 1218 confirmava o foral de 1200, o que basta para documentar o crescente surto da populao no quadro geo-histrico do Portugal coevo. Pode, no entanto, questionar-se a origem do timo Benavente e, sem descermos ao fundo do problema, torna-se possvel alinhar duas a trs ideias sobre o tema.

    Os nossos mais ilustres toponomistas, para somente mencionar o Dr. Joaquim da Silveira e o Professor Jos Pedro Machado, sustentam no ser ainda possvel encontrar a soluo para o caso. O topnimo no o nico que existe em Portugal, pois conhecem-se terras com o idntico nome nos concelhos da Guarda e de Sousel. No pas vizinho encontra-se um Benavente no muito longe de Mrida e uma outra na provncia de Zamora. Na Itlia existem vrias Benaventes, com o nome de Ben Venito, a significar uma povoao agradvel para viver.

    No creio que tal fosse a origem do topnimo portugus, que bem poderia significar, para as populaes vizinhas, um local onde sopra vento favorvel. Neste sentido e no passando de uma hiptese de trabalho, a planura de Benavente poderia assumir o sentido de stio onde o vento sopra favorvel de todos os lados. Voltando a referir a bula de Inocncio III, de 1201, cumpre salientar a valia de um diploma em que as pessoas e bens de vrias igrejas eram postas sob a proteco da Ordem Militar dos freires de vora, mais tarde de Avis. No despiciendo conhecer o nome das terras abrangidas pelo diploma papal: vora, Santarm, Lisboa, Mafra, Coruche, Alcanede, Alpedriz, Roriz, Panoias e Benavente. No caso concreto desta vila, no se esqueam que muitos dos seus cavaleiros acompanharam os nossos monarcas D. Sancho II e D. Afonso III na conquista dos castelos do Baixo Alentejo e do Algarve. Quero eu dizer que os homens de Benavente tiveram um papel activo na finalizao da reconquista crist. Estes e outros dados vm na monografia sobre Benavente da autoria do Dr, lvaro Rodrigues de Azevedo e que surgiu na terceira edio, prefaciada pelo Senhor Professor Doutor Justino Mendes de Almeida, filho ilustre desta vila.

    Depreende-se das fontes publicadas na Histria Florestal, Cinegtica e Agrcola, cujos quatro primeiros volumes se devem ao labor do Professor Engenheiro Carlos Baeta Neves, que a terra de Benavente, no sculo XIV, estava rodeada de florestas e bosques, terreno portanto frtil para a arte da montaria. conhecida uma carta de privilgio de D. Fernando, do ano de 1367, a dar licena aos moradores de Benavente para cortarem madeira na ribeira de Canha. Uma outra carta de sentena, esta de

    Terras dgua

  • D. Joo I, antigo mestre de Avis, declarava pertencer ao monarca "a dzima do peixe que se pescar no rio de Benavente". Sabe-se que no vosso rio, que era ao mesmo tempo de gua doce e salgada, andavam barcas em busca de peixe para a alimentao humana e, tambm, para a venda ao pblico. O rei da Boa Memria autorizava a pesca, mas reservando para a coroa a dzima do peixe pescado.

    Ainda do tempo de D. Fernando, cumpre no esquecer a carta de privilgio em que o monarca escusa os moradores de Benavente de servirem nas obras dos muros da alcova de Santarm. Decerto que alegaram a distncia em que viviam da mesma vila e o prejuzo que resultava da sua ausncia para a lavoura dos campos de Benavente. Nas proximidades da terra existia uma Quinta da Foz, coutada em benefcio de D. Guiomar, mulher de Joo Afonso Telo de Meneses, condes de Ourm. Esta senhora obteve do rei D. Fernando que ningum fosse pastar gado para a mencionada Quinta, pois quem o fizesse arriscava-se a severas penas. Estes factos provam quo cobiadas pela sua riqueza eram as terras ao redor de Benavente e como a classe senhorial delas beneficiou.Os itinerrios rgios de D. Joo I e D. Duarte, publicados pelo Professor Humberto Baquero Moreno documentam as passagens da corte pela terra de Benavente. Tratava-se de um ponto obrigatrio de trajecto entre a vila de Alcochete e o pao de Almeirim, o mesmo sucedendo quando os monarcas vinham de Coruche a caminho de Lisboa. A aposentadoria na terra implica a existncia de casas cmodas para alojar os Reis e a nobreza que os acompanhava.A estada em Benavente documenta-se ainda melhor no tempo de D. Joo II, atravs dos seus itinerrios, para fugir aos rigores da peste que se fazia sentir nas vizinhanas da capital.

    Existe uma abundante seara a mondar nesse domnio histrico, para levar mais longe o conhecimento que j se possui acerca de Benavente como estncia rgia.Garcia de Resende escreveu na Vida e Feitos, del Rei D. Joo II que "El Rei partiu de Benavente em huma barca e por trazer bom vento e boa viagem veio em poucas horas at ao Tejo e da foi at Alcochete at as bestas virem"...

    Muitos outros casos se podiam mencionar sobre o valor da terra como ponto de passagem da corte. Insistimos que Benavente j no se subordinava dependncia regional de Coruche por haver ganho uma autonomia prpria como localidade ribeirinha. Desde meados do sculo XV que dispunha de melhores meios de assistncia. Tenha-se presente que,D. Afonso V nomeou Ferno de Eanes, estribeiro do infante D. Fernando, para o cargo de provedor das albergarias de Benavente e Salvaterra. Podiam ali receber-se peregrinos, gente enferma ou casada , que dispunham deux um prato de sopa para comer de um catre para dormir.

    No incio de reinado de D. Manuel, mais precisamente no ano de 1496, era alcaide - mor de Benavente um fidalgo de nome Figueira. Como guardador da mata de Asseiceira do Paul surge um Frei Joo Vaz, da Ordem Franciscana. Como local de fixao para os moradores e de passagem para os viajantes , Benavente dispunha de vrias estalagens. No dia 21 de Fevereiro de 1498, um Joo Fernandes, morador em Benavente, foi autorizado a abrir uma estalagem numas casas suas. Onze anos depois, surge uma nova estalagem a rogo de Martim Fernandes, morador na mesma vila, podendo ele ostentar o ttulo de "estalajadeiro". Estes dados servem para comprovar a valia do crescimento urbano de Benavente, agora como um local onde os

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  • viajantes encontravam boas condies para se alojar e permanecer. Quanto vila de Coruche, mergulhara no seu destino de terra do interior, como a vida circunscrita ao labor agrcola que lhe vinha das guas do Sorraia.Entrado no sculo de Quinhentos, acentua-se o surto urbano e regional de Benavente, como vila para sempre integrada no complexo geo-econmico do rio Tejo. No ano de 1501, a vila dispunha de um mdico ou "fsico", de nome lvaro Castelhano, que recebeu carta para o exerccio da medicina, passada pelo fsico-mr Vasco de Lucena. Aqui tambm vivia um monteiro- -mr incumbido das montarias de Benavente, Samora Correia e Salvaterra de Magos, denominado Ferno Gomes. Quando este fecha os olhos em 1521, a montaria passa a ser pertena de Antnio Lopes.Quando da morte do rei D. Manuel, trs estalagens estavam aqui em plena actividade, o que mostra a irradiao de Benavente como um ponto de trajecto obrigatrio na margem esquerda do Tejo.

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    Aps o trgico acidente que vitimou o prncipe D. Afonso, em 13 de Julho de 1491, na ento vila de Santarm, a corte portuguesa deixou de assentar nos seus paos. A atraco de Almeirim, como "Sintra de inverno" de D. Manuel a D. Sebastio levava os nossos Reis a tomarem o caminho que liga Alcochete a Salvaterra e a Muge e, depois, at Almeirim. A fixao ou a passagem por Benavente eram marcos fulcrais do caminho rgio, o que permite conjecturar que a vida municipal se tinha desenvolvido. As actas camarrias de 1559 a 1564, publicadas pelo senhor Dr. Francisco Correia, bastam para documentar o processo local e regional de Benavente. Enquanto Salvaterra de Magosmostrava ainda as delcias das suas coutadas, num desejo de fixao da corte que veio a acentuar-se nos meados do sculo XVIII, a vila de Benavente apresentava j uma fisionomia regional que a impunha como a terra mais importante da foz do Sorraia.

  • O numeramento de 1527, mandado efectuar pelo rei D. Joo III, contm dados de valor para a histria local. Benavente pertencia Ordem Militar de Avis, sendo a jurisdio e as rendas do monarca e cabendo o governo espiritual da terra diocese de vora. Os "moradores" ou "vizinhos" cifravam-se em 199, o que pressupe uma populao na casa dos 800 habitantes. Mas os casais andavam ao redor de 49, o que num cmputo largo permite considerar uma populao envolvente de 200 habitantes. Reunindo a gente da terra e dos casais, a vila contaria com 1000 habitantes. Ao passo que Salvaterra no excedia os 600 habitantes e Samora Correia os 250 com mais 5 casais em torno. Acrescente-se que a vila de Muge, realenga, tinha apenas 360 habitantes e 9 casais ao redor.

    Muitos outros dados se poderiam acrescentar sobre a evoluo histrica de Benavente, desde os finais do sculo XII aos alvores de quinhentos. Longe de mim a pretenso de haver esgotado o tema, quando apenas desejei chamar a ateno dos jovens investigadores aqui presentes para o interesse da histria de Benavente e numa demorada pesquisa em bibliotecas e arquivos. Vou mais longe ao afirmar que a Vila de Benavente merece um novo empreendimento, na senda do que os Doutores Rui de Azevedo, Manuel Lopes de Almeida e Justino Mendes de Almeida, todos eles benaventenses ilustres e os primeiros de saudosa memria, j consagraram sua terra natal. Tudo o que se fizer nesse sentido, merece justos louvores.

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  • Dr. Francisco CorreiaLanamento do Inventrio do Arquivo Histrico Municipal de Benavente

    As minhas primeiras palavras so de agradecimento.Ao Presidente da Cmara Municipal de Benavente, Antnio Jos Ganho, e demais vereao, pela disponibilidade, desde sempre demonstrada, para as questes da Cultura e do Patrimnio Cultural, sem a qual seria impensvel a concretizao deste trabalho.Agradeo igualmente, Directora do Museu Municipal, Dr. Cristina Gonalves, pela entusistica colaborao neste projectoUm agradecimento especial Dr. Sandra Ferreira que ao longo deste ltimo ano foi colaboradora inexcedvel, em trabalho e dedicao.Por fim, agradeo a todos vs pela gentileza da vossa presena que muito valoriza esta sesso de lanamento.Este projecto de organizao do Arquivo Municipal de Benavente nasce na sequncia do I Colquio sobre Histria Regional e Local, realizado em Santarm, de 11 a 13 de Novembro de 1987, numa organizao da escola Superior de Educao de Santarm.A comunicao que, na altura, proferimos sobre "Os Arquivos e a Investigao em Histria Regional e Local", e as ideias defendidas da necessidade de um intercmbio entre historiadores e arquivistas, no sentido da valorizao do nosso patrimnio arquivstico local, foram ouvidas.De entre as instituies autrquicas representadas

    neste evento e que, desde logo, manifestaram o seu interesse por esta temtica dos arquivos locais, destacou-se a Cmara Municipal de Benavente.No ano de 1988, viramos, em representao do Arquivo Distrital de Santarm, a assinar um protocolo de apoio tcnico com este municpio protocolo, ainda hoje, em vigor , visando a organizao e a inventariao do seu arquivo municipal.E tal como este, muitos outros trabalhos de apoio tcnico tm sido desenvolvidos pelo Arquivo Distrital de Santarm junto de outras autarquias deste distrito, como sejam, as de Coruche, Alpiara e Salvaterra de Magos, tentando, desta forma, suprir uma falta que, ainda hoje, se verifica a nvel local de tcnicos superiores de arquivo, em nmero suficiente.Uma poltica de descentralizao da actividade arquivstica, por um lado, e um forte incremento das investigaes em Histria regional e local, so duas das causas apontadas para este recente incentivo organizao dos nossos arquivos locais.Quanto primeira, longe vo os tempos em que o iderio arquivstico defendia o depsito em Lisboa e em mais ou trs centros urbanos do Pas, de todo o patrimnio arquivstico nacional - iderio que esteve na origem da incorporao de muita documentao local no Arquivo nacional da Torre do Tombo e

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  • noutros arquivos de maior dimenso, no sculo XIX.Particularmente com Jlio Dantas, j neste sculo, estas ideias centralizadoras viriam a ser abandonadas, tambm, atendendo vastido do patrimnio documental local, criando em capital de distrito um Arquivo Distrital (Decreto-lei n. 19.952, de 27 de Junho de 1931), com funes de preservao e tratamento desse mesmo patrimnio.Nos ltimos vinte anos, assistiu-se a um forte desenvolvimento da temtica dos arquivos: a criao de uma direco-geral, autonomizando esta actividade (em 1988 - precisamente o ano do incio do presente trabalho no Arquivo Municipal de Benavente), primeiro com o Instituto Portugus de Arquivos (IPA) e, desde 1992, com o Instituto dos Arquivos Nac iona i s/Tor r e do Tombo ( IAN/TT) ; seguidamente, com a publicao da Lei de Bases dos Arquivos (Decreto-lei n. 16/93, de 23 de Janeiro), onde, pela primeira vez, so previstas as sanes respectivas, ficando, desta forma, regulamentada a poltica arquivstica nacional.Para alm deste corpo legislativo, tm sido realizados, ao longo da ltima dcada, grandes investimentos em infra-estruturas nos arquivos dependentes do Ministrio da Cultura: desde o novo edifcio do ArquivoNacional da Torre do Tombo, inaugurado em 1990, que todas as instalaes dos diversos arquivos distritais tm sofrido obras assinalveis, quer atravs da

    construo de edifcios de raiz, quer atravs da adaptao e remodelao das existentes.Os arquivos municipais no foram esquecidos nestes incentivos do poder central, tendo sido criado em 1998 um Programa de Apoio Rede de Arquivos Municipais (PARAM), atravs do qual os municpios tm sua disposio verbas para ajuda na construo ou apetrechamento de infra-estruturas arquivsticas.Os historiadores podem, assim, ver alargadas as suas fontes de investigao, tambm a nvel local.E no ser demais insistir na importncia da investigao que se realiza nos nossos arquivos locais, para o aprofundamento da nossa Histria Nacional.O Professor Doutor Jorge Borges de Macedo, saudoso director-geral do Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, rgo de gesto da poltica nacional de arquivos, nas mltiplas reunies de directores de Arquivos Distritais a que presidiu, nunca deixou de se referir necessidade da organizao dos arquivos locais, e na importncia do estudo do seu acervo para o aprofundamento de tantos e tantos temas da Histria Nacional.Espero que este trabalho vai de encontro a essas preocupaes da moderna historiografia, que corresponde, igualmente, a uma nova poltica arquivstica, existente no nosso pas.

    Muito Obrigado.

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  • Francisco Souza DiasVerador do Pelouro da Cultura

    Senhor Professor Doutor Verssimo Serro, Senhor Professor Doutor Justino Mendes de Almeida, Dr. Francisco Correia, meus queridos amigos, permitam-me que os trate assim. Eu estou nervoso ! Para uma pessoa que comeou a sua actividade profissional, em Benavente, como encarregado geral de gado, estar perante to douta assembleia, provoca uma certa inibio. No entanto, compete-me este papel de encerrar este agradvel convvio que foram as 1.s Jornadas de Histria , comemorativas do VIII Centenrio da doao do Foral de Benavente.Esta circunstncia sugere-me o seguinte episdio: uma vez um jornalista alemo passou por Santarm e viu um senhor a podar a vinha, falou com ele e depois escreveu num jornal alemo:contactei um agricultor do Ribatejo que falava fluentemente o ingls, arranhava o alemo e tinha conhecimentos de histria de Portugal e de histria universal muito vastos, enorme a cultura geral dos agricultores do Ribatejo. Era o Alexandre Herculano que estava a podar a sua vinha, em Vale de Lobos.

    Assim, lembrando-me de como conhecida a grande cultura geral de um agricultor do Ribatejo sinto-me vontade para o fazer.O objectivo da Cmara Municipal, no mbito das comemoraes dos 800 anos do Foral como referiu, esta manh, o Senhor Presidente da Cmara, que devemos encarar o passado no de