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Scripta Nova REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS
SOCIALES Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XVII, núm. 428, 1 de febrero de 2013 [Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]
Ficha bibliográfica:
DALLABRIDA, Valdir Roque; Walter Marcos Knaesel BIRKNER; Edson
Luiz COGO. Gestão territorial e desenvolvimento: avanços e desafios dos
processos de descentralização político-administrativa no Brasil. Scripta Nova.
Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona:
Universidad de Barcelona, 1 de febrero de 2013, vol. XVII, nº
428..[ISSN: 1138-9788].
GESTÃO TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO: AVANÇOS E
DESAFIOS DOS PROCESSOS DE DESCENTRALIZAÇÃO
POLÍTICO-ADMINISTRATIVA NO BRASIL
Valdir Roque Dallabrida Universidade do Contestado (UnC)
Walter Marcos Knaesel Birkner Universidade do Contestado (UnC)
Edson Luiz Cogo Universidade do Contestado (UnC)
Recibido: 26 de abril de 2011. Devuelto para correcciones: 22 de febrero de 2012. Aceptado: 20 de marzo
de 2012.
Gestão territorial e desenvolvimento: avanços e desafios dos processos de
descentralização político-administrativa no Brasil (Resumo)
Para contribuir adequadamente com a gestão territorial e o desenvolvimento,
não basta prover as regiões de estruturas subnacionais de gestão do
desenvolvimento. Implica, primeiro, em construir a região, pela
institucionalização de um consenso racional sobre qual regionalização é mais
adequada. Como se trata de um processo histórico, não é possível fazer via
decreto governamental. Segundo, trata-se da necessidade de um diálogo mais
aberto entre governo e sociedade regional. Este é o desafio, pois é recorrente
ainda uma prática política clientelista e fisiológica, comprometendo o
http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-428.htmmailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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exercício da cidadania democrática. Paralelamente, de parte da sociedade
regional, existem o corporativismo setorial e os bairrismos regionais, sem uma
visão integrada de região. Propomo-nos a investigar a inter-relação entre a
descentralização, as estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento, as
capacidades estatais e as escalas espaciais da ação pública, analisando sua
interferência no processo de desenvolvimento, tendo como referência a
experiência de descentralização do estado de Santa Catarina - BR.
Palavras chave: gestão territorial, desenvolvimento regional,
descentralização político-administrativa, governança territorial.
Territorial Management and Development: advances and challenges of
the processes of political decentralization in Brazil (Abstract)
To an adequately contribution about territorial management and development,
it is not enough to supply the regions with sub national structures of
development management. Firstly, it is necessary to construct the region,
trough the institutionalization of a rational agreement about what a
regionalization is more adequately. Because it is an historical process, it is not
possible to do it trough governmental decree. Secondly, is necessary a more
extensive dialog between govern and regional society. That is the challenge,
being also recurring a physiologist and clientelist practice, undermining
democratic exercise of citizenship. At the same time, sectors of society also
has corporatism and regional, regional parochialism, without an integrated
vision of region. Therefore, the porpoise is to investigate the relation between
decentralization, under national structures of development management, state
capacities and spatial scales of public action, analyzing their interferences
within development process. The reference to do this research is the
decentralization experience of Santa Catarina state-BR.
Key words: territorial management, regional development, political
decentralization, territorial governance.
Gestión Territorial y Desarrollo: avances y desafíos de los procesos de
descentralización político-administrativa en Brasil (Resumen)
Para contribuir de manera apropiada a la gestión territorial y el desarrollo, no
sólo es suficiente organizar en las regiones estructuras sub-nacionales de
gestión del desarrollo. Implica, en primer lugar, la construcción de la región,
por la institucionalización de un consenso racional sobre cual la
regionalización es más adecuada. Como se trata de un proceso histórico, no es
posible hacerlo a través de decreto del gobierno. En segundo lugar, esta la
necesidad de un diálogo más abierto entre el gobierno y la sociedad regional.
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Este es el desafío, por el hecho de que prevalece una práctica política de
clientelismo y fisiologismo, que afectan negativamente el ejercicio de la
ciudadanía democrática. Al mismo tiempo, de parte de la sociedad regional,
permanece el corporativismo sectorial, el parroquialismo, sin una visión
integral de la región. Se propuso investigar la interacción entre la
descentralización, las estructuras sub-nacionales de gestión del desarrollo, la
capacidad del Estado y las escalas espaciales de la acción pública, el análisis
de su injerencia en el proceso de desarrollo, teniendo como referencia a la
experiencia de descentralización del Estado de Santa Catarina-BR.
Palabras clave: gestión territorial, desarrollo regional, descentralización
político-administrativa, gobernanza territorial.
Este texto apresenta o resultado final de um projeto de pesquisa que se propôs
investigar a inter-relação entre a descentralização, as estruturas subnacionais
de gestão do desenvolvimento, as capacidades estatais e as escalas espaciais
da ação pública, analisando sua interferência no processo de desenvolvimento
regional do estado de Santa Catarina (SC)[1]. A investigação se deteve às
experiências recentes de descentralização, na sua dimensão político-
administrativa.
Metodologicamente, priorizamos o uso de entrevistas com questões abertas,
atingindo informantes qualificados, envolvidos nos processos de
descentralização ocorridos entre 1990 e 2010, sejam eles lideranças políticas,
autoridades, lideranças empresariais, sociais e institucionais. Privilegiamos
municípios das quatro regiões do Estado: o oeste, a serra, o norte e a região
litorânea. Com isso, procuramos atingir uma amostra significativa de
municípios de todo o Estado. Para tal, entrevistamos lideranças de 20 cidades
de diferentes regiões do Estado. A análise documental também mereceu
destaque na investigação, principalmente para a análise dos processos
pretéritos. Além disso, algumas informações foram resgatadas de documentos
oficiais, publicações disponíveis em artigos, sejam produções com a
participação pessoal, ou de outros pesquisadores.
Aqui, sintetizamos as principais conclusões resultantes da referida
investigação. Inicialmente, situamos o tema de investigação no estado da arte.
Na seqüência, vem uma explicitação do(s) problema(s) de investigação, para,
em seguida, sintetizar os resultados da pesquisa, considerando as entrevistas e
a análise documental. Finalizamos com algumas considerações reflexivas e
novos indicativos de investigação.
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Estado da arte e explicitação de debates teóricos sobre o tema em
questão
Utilizamos alguns conceitos que consideramos necessária sua definição a fim
de facilitar a compreensão do leitor: (a) Gestão Territorial - refere-se aos
processos de tomada de decisão dos atores sociais, econômicos e
institucionais de um determinado âmbito espacial, sobre a apropriação e uso
dos territórios, com vistas à definição de estratégias de desenvolvimento;
(b) Desenvolvimento (local, regional, territorial) - um processo de mudança
estrutural empreendido por uma sociedade organizada territorialmente,
sustentado na potencialização dos ativos e recursos (genéricos e específicos,
materiais e imateriais) existentes no local, com vistas à dinamização
econômica e à melhoria da qualidade de vida de sua população;
(c) Descentralização (na sua dimensão político-administrativa) – refere-se às
iniciativas de transferência de poder decisório, ou atribuições, ou delegação de
funções, do Estado nacional aos governos subnacionais, ou do governo
estadual às suas regiões, uma regionalização com autonomia política,
financeira e institucional; difere-se de desconcentração, podendo esta ser uma
parte do processo de descentralização, caracterizando-se, no entanto, esta
última como transferência de atribuições das instâncias centrais de poder para
órgãos regionais, os quais não dispõem de poder para decisão; (d) Estruturas
Subnacionais de Gestão do Desenvolvimento – referem-se às diferentes
estruturas institucionais envolvidas no processo de desenvolvimento, tais
como fóruns, conselhos, secretarias, agências e consórcios de
desenvolvimento[2].
Há décadas, a descentralização na gestão pública é vista como a forma mais
adequada de exercício da democracia. Uma das ideias subjacentes a esta
argumentação é a de que, se a soberania reside no povo de um país, cada
indivíduo constitui parte igual desta soberania e, por consequência, tem igual
direito de participar no governo do Estado, mesmo admitindo a necessidade
deste como poder regulador.
O tema descentralização político-administrativa é abordado por diferentes
vários autores. Em geral, o foco é centrado na defesa do exercício da
cidadania, pelo direito à participação em estruturas subnacionais de gestão do
desenvolvimento. No quadro 1, é feita uma síntese argumental, a partir de
autores[3].
Quadro 1.
Síntese de enfoques sobre descentralização e estruturas subnacionais de
gestão do desenvolvimento
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Autores defendem a constituição de arenas em que os processos de definição das políticas e/ou estratégias de desenvolvimento sejam
definidas, argumentando que: Síntese argumental Autor(es) Constituam-se em uma esfera pública plural e inclusiva, que seja tanto induzida pelo Estado, no entanto, controlada pela
sociedade. Fleury,
2006 Os processos de descentralização, apesar de desejáveis, não representem um risco à fragilização de decisões do tipo
macro, pela maior possibilidade de controle dos atores locais, geralmente, mais despreparados e mais susceptíveis às
pressões dos atores com maior poder político e econômico. Peck, 2005
A gestão social do desenvolvimento privilegie formas de exercício da cidadania que vá além do tradicional modelo liberal
de democracia representativa, o que implica na defesa de um modelo participativo/deliberativo de democracia. Dagnino,
2002 No processo conflituoso, não consensual, de construção dos lugares, das regiões e territórios, além de escalas de decisão
interescalares, existem projetos de sociedade divergentes, onde diferentes agentes em diferentes escalas se dispõem e
agem.
Acselrad,
2002;
Vainer,
2003 Atores e poderes na nova ordem mundial ignoram e tiram do jogo os espaços nacionais dos territórios, quando se trata de
controle e decisão. Esta avalanche devastadora, precisa ser enfrentada pela cidadania e prática democrática da sociedade,
pois a possibilidade do surgimento efetivo de um contrapoder dependerá de fatores mais complexos que podem
eventualmente brotar da sociedade civil.
Dupas,
2002
Na criação de inovações institucionais como fóruns e conselhos em que ocorre a participação comunitária, precisa se ter o
cuidado para que os atores das comunidades e dos movimentos sociais não sejam submetidos às relações de poder
político ou ao domínio do discurso de especialistas, na construção de coalizões locais para a disputa de recursos públicos.
Acselrad,
2002
Fonte: Elaboração própria, a partir da bibliografia referenciada.
O reingresso do Estado nas agendas políticas e acadêmicas – já não mais
como problema senão como solução[4] -, junto às apelações por seu
fortalecimento, se sustenta no reconhecimento da presença do Estado como
condição necessária para o desenvolvimento equitativo das sociedades. Esta
postura recente representa um avanço frente às propostas que sustentavam que
o mercado geraria por si mesmo condições de crescimento e integração social,
tanto pelas evidências apresentadas por alguns países, como pelos resultados
em termos do crescimento das desigualdades sociais e da pobreza na maioria
dos países. Essas demandas para o aumento da capacidade estatal no manejo
das questões públicas e na promoção de estratégias de desenvolvimento
regional, equitativo e endógeno, requerem investigações que analisem as
transformações do Estado ocorridas nas últimas décadas e identifiquem as
capacidades existentes junto com os novos requerimentos e condições.
A questão do papel do Estado no processo de desenvolvimento (local, regional,
territorial), já tem pautado muitos debates, com diferentes posicionamentos.
Constatam-se, ainda, visões liberais e neoliberais que defendem a retirada do
Estado do âmbito econômico, deixando o comando da economia às leis do
livre mercado, a ponto de alguns autores chegaram a decretar o fim do Estado-
Nação. No entanto, vários autores propõem a revitalização do papel do Estado
nos processos de desenvolvimento. Veja-se uma síntese argumental sobre a
temática, no quadro 2.
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Quadro 2.
Síntese de abordagens sobre o papel do Estado no desenvolvimento
Autores defendem um papel de destaque do Estado no processo de desenvolvimento, propondo: Síntese argumental Autor(es) Que o Estado assuma a função de ator principal na regulação e controle dos processos econômicos e sociais
ocorridos territorialmente, apoiando a estruturação de redes público-privadas de atuação e negociação, propiciando
acordos de poder compartilhados. Que, junto com as instituições locais, o Estado assuma o papel de mediador dos
impactos da globalização econômica, dando forma a interesses e identidades, impedindo certos resultados ou
favorecendo e potencializando outros.
Weiss, 2003a/b
A defesa do caráter estratégico do Estado para explicar as diferentes fortalezas/debilidades e os graus de êxito com
que os espaços nacionais enfrentam os desafios da globalização. Weis, 1998
Estabelecer uma comunicação estratégica com os atores territoriais, com o fim de definir a inserção dos territórios
no processo de globalização,propondo uma estratégia de desenvolvimento do tipo bottom-up nacionalmente
articulada, situando-se no plano da meta-governança, coordenando, orientando e agindo coerentemente, no nível
regional e nacional, no fortalecimento e reprodução das redes econômicas e institucionais locais e regionais,
estimulando a formação de uma nova base de coalizão.
Fernández, 2003
Fonte: Elaboração própria, a partir da bibliografia referenciada.
Por outro lado, diferentes autores têm abordado a questão da
multiescalaridade dos processos socioeconômicos e culturais, fazendo
diferentes indicativos, os quais são sintetizados no quadro 3.
Quadro 3.
Síntese de abordagens sobre multiescalaridade
Autores propõem políticas e/ou estratégias de desenvolvimento que: Síntese argumental Autor(es) Explorem conexões e fluxos virtuosos e externos; contemplem uma política governamental de caráter distributivo
integrando as instituições nacionais nas regiões; contemplem uma política descentralizada em que o Estado selecione
oportunidades para as regiões, reforce estratégias de baixo para cima e regule a competitividade internacional. Amin, 2008
Concebam as regiões na sua dimensão relacional, como um nexo de múltiplas e assimétricas interdependências, com
foco na conectividade interrescalar. Amin, 2008;
Brenner,
2001 Considerem a realidade como um cenário espacial conformado por distintas escalaridades cujas dinâmicas se superpõem
e interpenetram, a partir do que a abordagem e o enfrentamento dos problemas devem ter, então, a natureza transescalar,
ou seja, implica em agir e trabalhar em todas as escalas, não ficar apenas na escala localizada. Em síntese, é
imprescindível buscar construir estratégias multiescalares para a análise dos fenômenos sobre os quais se deseja intervir.
Fernández e
Dallabrida,
2010a; Brandão,
2007 Resultem do enfrentamento de interesses diferenciados, transescalares, o que implica em construir o desenvolvimento
em múltiplas escalas espaciais e instâncias de poder. Brandão,
2004 Exijam táticas transescalares, no entanto, concebendo o local como espaço de controle e de dominação e também como
a arena onde cooperação e competição encontram espaço de articulação, pois os processos de organização territorial
escalar são campos de ação política e estratégica tanto para os grupos, social, econômica e politicamente
marginalizados, como para os poderosos, as elites.
Vainer,
2002; Jonas,
2006
Considerem que as relações entre atores interorganizacionais e interinstitucionais, bem como as estratégias de gestão,
são transescalares. Fischer,
2002 Considerem a escala como definidora dos diferentes níveis de análise, pois não se trata de analisar o mesmo fenômeno
em escalas diferentes, sim de compreender que são fenômenos diferentes porque são apreendidos em diferentes níveis
de abstração. Egler (1991)
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Mais do que a distinção entre o global e o local, deva-se observar a vinculação entre estes circuitos, considerando fluxos
e conexões inter e transescalares, sendo necessária a análise de fenômenos que ocorrem em escalas intermediárias
(regiões) ou meso-escalares (mesorregiões), incluindo a nacional.
Haesbaert
(1999)
Fonte: Elaboração própria, a partir da bibliografia referenciada.
Percebe-se nas argumentações dos autores citados a preocupação de que os
processos de desenvolvimento localizados (local, regional, territorial)
considerem a situação de multiescalaridade dos processos socioeconômicos e
culturais, além da existência de distintas escalaridades cujas dinâmicas se
superpõem, com muito mais ênfase na atualidade.
Explicitação de possíveis questões para a investigação
A temática aqui apresentada remete a uma grande variedade de questões de
investigação. São listadas algumas delas, que serviram de parâmetro para a
investigação e podem se tornar referências para novos estudos.
Considerando os processos de descentralização ocorridos no Brasil de 1990
até 2010, algumas questões são pertinentes. Quais foram seus objetivos?
Quais foram os resultados de ditos processos em termos de (a) fortalecimento
e criação de capacidades estatais nas instâncias regionais e (b) promoção e
criação de um desenvolvimento territorial mais integrado? Qual a situação de
tais experiências quanto à sua continuidade? Qual o vínculo (ou as relações)
que se estabelecem no nível regional entre o Estado e os diversos atores com
recursos de poder para incidir no desenvolvimento territorial? Que atores se
fortaleceram e quais foram prejudicados com a implementação das políticas
orientadas ao fomento do desenvolvimento regional no contexto dos processos
de descentralização?
Vejamos algumas interrogações sobre o Estado. Quais suas principais
modificações nos anos recentes? Como estas incidiram nas políticas públicas?
Quais foram os resultados dessas transformações? Resultante desses processos,
o Estado se fortaleceu ou se debilitou, em termos de capacidades estatais?
Como se estabeleceram as relações e articulações entre os diversos níveis da
estatalidade (verticais - Nação/Estado[Província]/Município; horizontais -
entre as estruturas estatais) nas regiões? Com que capacidades contam as
estruturas estatais para planejar e implementar políticas públicas orientadas à
promoção do desenvolvimento regional.
Por fim, sobre as escalas espaciais da ação pública, considerando uma
realidade contemporânea de multiescalaridade dos processos socioeconômicos
e culturais e a existência de distintas escalaridades cujas dinâmicas se
superpõem e interpenetram, outras questões são exigem investigação. Qual
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escala espacial é utilizada para nortear o planejamento e a gestão territorial
nas experiências em análise? Como esta questão tem sido considerada nos
diferentes processos de planejamento e gestão territorial? Nas diferentes
formas de ação pública e/ou nos processos de planejamento e gestão territorial,
existem indícios de pensar uma política multiescalar? Quais? Quais são os
atores, agentes e sujeitos? Quais são seus interesses concretos, seus
instrumentos táticos e estratégicos? Atuam em que escala espacial? As
determinações dos fenômenos estudados se dão em que escala espacial? Em
que escala esses fenômenos se manifestam (local, metropolitana, nacional)?
Onde estão os centros de decisão e comando determinantes dos fatos
territoriais sob análise?
Consideramos impossível responder a essa listagem de questões em uma única
investigação. Em parte, a pesquisa que resultou em nossa análise tangencia
tais interrogações, em níveis diferentes de profundidade. No entanto, é
possível sistematizar as questões acima explicitadas, numa pergunta síntese:
qual a inter-relação entre a descentralização, as estruturas subnacionais de
gestão do desenvolvimento, as capacidades estatais e as escalas espaciais da
ação pública, e qual sua interferência no processo de desenvolvimento
regional em Santa Catarina? Reconhecemos que as demais questões
explicitadas demanda estudos que precisarão ter continuidade em outras
investigações.
Contextualização histórica e fases do processo de descentralização no
Estado de Santa Catarina
Inicialmente ressaltamos que, embora boa parte da literatura sobre o tema
considere que a descentralização político-administrativa do estado de Santa
Catarina tenha sido instituída no ano de 2003, inúmeras ações com
características de descentralização foram implantadas em períodos anteriores.
Para caracterizar o processo de descentralização político-administrativa do
estado catarinense, optamos por fazer um recorte temporal, centrando a
descrição a partir da década de 1990. É possível fazer dois recortes
metodológicos considerando os diferentes processos que, direta ou
indiretamente, intencionavam descentralizar: o primeiro recorte, o que foi
previsto nos Planos de Governo da época; o segundo, considerando apenas os
dois principais processos, a instituição dos Fóruns de Desenvolvimento
Regional Integrado (FDRIs) - década de 1990 - e das Secretarias de
Desenvolvimento Regional (SDRs), com seus respectivos Conselhos de
Desenvolvimento Regional (CDRs) – a partir de 2003[5].
Verificando os Planos de Governo, percebem-se diferentes iniciativas. A
retrospectiva descrita no quadro 4 sintetiza as propostas apresentadas pelos
http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_edn5
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governos, com destaque para as políticas públicas com intenção de
descentralizar[6].
Quadro 4.
Planos de Governo do Estado de SC
Período Plano Governador Característica de Descentralização
1987-
1991
Rumo à Nova
Sociedade
Catarinense
Pedro Ivo
Campos
Delegação aos municípios e a segmentos da sociedade, a gestão dos serviços públicos,
execução de obras de interesse local, por meio de transferência de recursos e
responsabilidades. 1991-
1994 Plano Sim
Vilson
Kleinubing Transferência para a iniciativa privada de atividades executadas pelo Estado.
1995-
1999 Viva Santa
Catarina
Paulo Afonso
Evangelista
Vieira
Mobilização da sociedade no processo decisório e busca de parcerias. Neste período,
foram criados os Fóruns de Desenvolvimento Regional Integrado nas regiões do
Estado.
1999-
2002 Mais Santa
Catarina Esperidião Amim
Fortalecimento da administração municipal, por meio do estabelecimento de
prioridades regionais e viabilidade de execução; municipalização de programas
voltados à pessoa humana; instituição em todas as regiões do Estado de Colegiados da
Administração Pública Estadual. 2003-
2006 2007-
2010
Plano 15 Luiz Henrique da
Silveira Descentralização da Administração Pública Estadual com a criação das Secretarias de
Estado de Desenvolvimento Regional.
Fonte: Adaptado de Binotto, Ribeiro, Dallabrida e Siqueira (2010, p.198).
Em 1996, iniciou-se a constituição dos Fóruns de Desenvolvimento, por
iniciativa das Associações de Municípios das diferentes regiões[7]. A partir de
então, os Fóruns se reproduziram nas microrregiões catarinenses, expandindo
sua atuação até 2002. A partir de 2003, passaram por um processo de
esvaziamento de seu papel, com a criação das Secretarias Regionais de
Desenvolvimento, pelo Governo do Estado[8]. No entanto, as Associações de
Municípios, que articularam a criação dos fóruns de cada região, ainda
continuam existindo, com níveis diferentes de dinamismo e protagonismo. Em
alguns casos, sua ação se confunde, concorre ou até se sobrepõe às atividades
das Secretarias.
No ano de 2003, por meio da Lei Complementar nº 243, o Governo do Estado
de Santa Catarina criou 29 Secretarias de Desenvolvimento Regional,
dividindo o estado em microrregiões. Tais estruturas estatais previram a
organização de conselhos, como órgãos de consulta e deliberação das
prioridades regionais. O Art. 9º desta lei previu que a execução das atividades
da administração estadual passasse a ser descentralizada e desconcentrada,
operacionalizada preponderantemente pelas secretarias e por outros órgãos de
atuação regional. A referida Lei normatizou o funcionamento e atuação das
secretarias e teve como finalidade propor uma nova organização regional,
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descentralizar as funções administrativas, desconcentrar a máquina pública,
bem como, proporcionar o desenvolvimento das regiões. As secretarias
também passaram a ser responsáveis pela regionalização do planejamento e a
execução orçamentária, pela articulação que resultasse no engajamento,
integração e participação das comunidades, com vistas ao atendimento das
demandas nas suas áreas de atuação, pelo acompanhamento das audiências do
orçamento estadual regionalizado, com ênfase para o planejamento, fomento e
indução à geração de emprego e renda na região.
Caberia ainda às Secretarias: a execução de atividades, ações, programas e
projetos das Secretarias de Estado Centrais[9]; apoio aos municípios na
execução de atividades, ações, programas e projetos; apoio à comunidade
organizada, por intermédio de convênio ou de acordo; gerenciar, avaliar e
controlar as ações governamentais na região; e articular a integração com os
demais organismos governamentais. Da mesma forma as Secretarias, por
intermédio do Secretário de Desenvolvimento Regional, cargo nomeado pelo
Governador do Estado, passariam a representar o Governo Estadual na
respectiva região. Passou a ter como órgão consultivo e deliberativo o
Conselho de Desenvolvimento Regional e o suporte de oito gerências para
planejar e executar atividades que promovam o desenvolvimento territorial.
Aos Conselhos coube a função de definir e deliberar as prioridades, bem como,
servir de instrumento de consulta do governo sobre as ações públicas
estaduais a serem executadas na região. Os Conselhos Regionais são
subordinados ao Conselho Estadual de Desenvolvimento, presidido pelo
Governador e, integrado pelo Vice-Governador, pelos Secretários de Estado
do Planejamento, da Fazenda, do Desenvolvimento Sustentável, de
Coordenação e Articulação, bem como, pelo Secretário Executivo de
Articulação Internacional, além de um representante de cada um dos
Conselhos.
O estado catarinense passou por mais duas reformas administrativas. A
primeira, através da Lei Complementar nº 284, de 28 de fevereiro de 2005.
Dentre as modificações propostas, previu-se que a nova estrutura do Governo
Estadual seria organizada em dois níveis, o setorial e o regional. O primeiro,
responsável pela definição das políticas do setor, pela normatização e controle
dos programas e ações de Governo nas suas áreas de atuação. O segundo, com
o papel de coordenar e executar os programas, obras e ações de governo nas
suas respectivas regiões. A segunda reforma ocorreu por meio da Lei
Complementar nº 381, de 07 de maio de 2007, que dispôs sobre o modelo de
gestão e a estrutura organizacional da Administração Pública Estadual. A lei
manteve a estrutura organizacional da administração pública nos níveis
setorial e regional. Como acréscimo, foi criada a figura da Agência de
Desenvolvimento Regional, com um órgão descentralizado da estrutura do
Estado, proposto para motivar o engajamento, a integração e a participação da
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sociedade organizada para, de forma planejada, implementar e executar
políticas públicas e viabilizar instrumentos de desenvolvimento econômico
sustentável para a geração de novas oportunidades de trabalho e renda. Nestas
reformas administrativas foram criadas mais Secretarias, chegando,
atualmente, a 36 regiões de descentralização[10].
Tanto os Fóruns de Desenvolvimento, como as Secretarias constituíram-se em
estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento.
Uma inferência comparativa entre as experiências de SC e do RS
É possível fazer uma relação entre a experiência de descentralização de Santa
Catarina com as estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento do Rio
Grande do Sul (RS). No RS, desde o início da década de 1990, se iniciou a
implantação de Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes) nas
diferentes regiões. Atualmente, são 28 regiões com seus conselhos.
Os Coredes resistiram às mudanças de governo que ocorreram no RS ao longo
de mais de 20 anos de sua existência. Alguns conselhos foram instalados a
partir de 1991, apesar de que sua regulamentação legal foi feita apenas em
1994. Os Coredes têm desempenhado o papel de fóruns de concertação
social[11], envolvendo na sua constituição e prática, representações dos
governos municipais e estadual, do meio empresarial, das instituições (ensino,
igrejas, associações diversas) e dos setores sociais e populares. Poderíamos
dizer que a dimensão de fóruns de discussão e definição de estratégias de
desenvolvimento regional, na experiência dos Coredes, tem sido devidamente
contemplada. No entanto, não têm sido muitos os avanços na dimensão
operacional do processo de gestão do desenvolvimento. Há experiências de
agências e consórcios de desenvolvimento, porém, estudos realizados têm
demonstrado que carecem de uma integração destes com a dinâmica dos
Coredes[12].
Exploratoriamente, poderia se levantar algumas interrogações. Uma delas: até
que ponto a experiência das Secretarias de SC poderiam servir de referência
na realidade do RS, para tornarem-se uma estrutura operacional do processo
de desenvolvimento? Claro, que não se trata apenas de reproduzir a
experiência. Precisariam ser consideradas as críticas que são feitas à
experiência catarinense, tais como, o excessivo controle do Estado, a
burocratização e o clientelismo político que se observa no processo de
gestão[13]. No entanto, em algumas publicações é defendido o papel dos
Consórcios Intermunicipais de Desenvolvimento como estruturas tático-
operacionais do processo de gestão do desenvolvimento[14]. Estas e outras
questões permanecem como tema para aprofundamento em futuras
investigações.
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Análise do processo de descentralização no Estado de Santa Catarina
A seguir, sintetizamos os resultados da pesquisa, considerando as entrevistas e
a análise documental. Para fins didáticos, subdividimos o texto, considerando
algumas especificidades temáticas[15]. Metodologicamente, preferimos não
hierarquizar e quantificar as falas, ou reproduzi-las em tabelas. Com isso,
tratam-se muito mais de impressões manifestadas pelos entrevistados, sem
dar-lhes uma ordem de importância pela quantidade de vezes em que foram
expressas. No entanto, serão destacadas as falas repetidas mais vezes nas
entrevistas. Serão agrupadas em subitens, atendendo a ordem das questões
feitas aos entrevistados, no atendimento aos objetivos da investigação em
referência.
Vínculos entre o Estado e os diversos atores com recursos de poder nas
diferentes fases do processo de descentralização
Sobre a implantação das Secretarias Regionais, a partir de 2003, em
substituição aos Fóruns de Desenvolvimento, as respostas dos entrevistados
apontam que houveperdas profundas no aspecto político e no aspecto da
aprendizagem social, porque na medida em que se criou uma
estrutura governamental na região, com a responsabilidade de articular o
processo de gestão do desenvolvimento, houve uma tendência à acomodação
social, repassando-se ao governo e aos políticos o papel de definidores das
estratégias de desenvolvimento. Assim, entendem os entrevistados, que
permanece reduzida a participação da sociedade na gestão do
desenvolvimento regional.
Os Conselhos de Desenvolvimento, segundo alguns posicionamentos,
cumprem uma função formal. Assim, as Secretarias têm dificuldade de fazer
um planejamento regional. Como há pouca participação da sociedade, não há
uma apropriação pelos atores sociais dos projetos e ações definidos nas
regiões. Em geral, poder-se-ia afirmar, com base nos depoimentos da pesquisa,
que os atores mais prejudicados no processo de descentralização atual são os
representantes da sociedade civil e desta os setores mais fragilizados, tais
como as representações da agricultura familiar, as organizações não-
governamentais e os setores populares.
Ainda sobre a questão de quem se fortaleceu, ou perdeu poder com a
desarticulação dos Fóruns de Desenvolvimento que existiram até 2002, é
quase unânime a resposta dos entrevistados de que com a criação das
Secretarias de Estado nas regiões se fortaleceram os atores políticos
institucionalizados, com a consequente redução das possibilidades da
sociedade civil interferir na gestão pública. Justificam, dentre outros motivos,
http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_edn15
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pelo fato de que “até mesmo os representantes da sociedade, sua indicação é
feita por critérios de preferência política, pelos prefeitos dos municípios”
(conforme previsto na Lei de criação das Secretarias). Alguns entrevistados
chegam a afirmar que “os conselhos se partidarizaram e a sociedade ficou de
fora”.
Um dos entrevistados faz um depoimento importante que tem relação com a
participação social antes e depois da instituição das Secretarias. “As entidades
de classe, associações empresariais, universidades, estavam mais presentes
nos Fóruns, do que nas Secretarias; nestas, participam as representações que
vêem alguma possibilidade de se beneficiar financeiramente; nos fóruns a
participação era mais voltada ao debate das questões regionais, que poderiam
se transformar em projetos com recursos financeiros, ou não; nas Secretarias,
pouco se discute questões sobre desenvolvimento regional; se discute
distribuição de recursos disponíveis no orçamento do Estado, e o
desenvolvimento não se faz só com ações do Estado”.
Outro entrevistado fez a seguinte manifestação: “os fóruns pensavam o futuro;
os CDRs não foram formados para isso; estão lá para decidir sobre aplicação
de recursos do orçamento do Estado; logo não pensam o futuro, não pensam o
desenvolvimento como projeto de uma região”. Essa ideia é reforçada em
outra entrevista: “os Conselhos não substituem a dimensão de fórum, pois as
pessoas que estão lá orientam suas decisões de acordo com a visão do partido
do governo, dos políticos que têm mais poder de influência; é uma extensão
das Secretarias e há interferência da dimensão partidária; criaram-se estruturas
de governo para substituir os fóruns, no entanto, deixaram-se os fóruns de
lado e o debate sobre o desenvolvimento virou uma questão de governo, não
mais da sociedade”.
Complementando, segundo alguns dos entrevistados, as Secretarias foram
criadas pelo Governo do Estado para se tornarem “uma extensão do governo
na região, não como órgão de articulação regional”. Para outros, a
descentralização, representa divisão de poder. No entanto, “com a falta de
atendimento dos reclames regionais, ocorre o descrédito; as pessoas não se
sentem valorizadas”. Para um dos entrevistados, “as SDRs representaram um
processo de desconcentração e não uma descentralização, pois só
descentralizou estruturas, pessoal, no entanto, as decisões ficaram com o
governo central, ou secretarias centrais”. Assim sendo, "a descentralização
não aconteceu na prática e as Secretarias representaram mais custos para o
Estado, sem grandes resultados”.
Veja-se que vários dos depoimentos, mesmo que possam ser considerados
demasiadamente críticos, pela sua repetição, revelam, no mínimo, que as
regiões se sentiram usurpadas de poder e a sociedade civil reclama mais
participação nas decisões. Ou seja, a sociedade não se sente devidamente
-
representada na composição dos Conselhos, constituídos, pelos prefeitos,
presidentes da Câmara de Vereadores e duas pessoas indicadas pelo Prefeito,
em cada município. É uma questão que merece consideração!
Principais modificações do Estado e suas capacidades no período analisado
Relacionadas às modificações do Estado e suas capacidades no período
analisado e incidência nas políticas de desenvolvimento regional, várias
questões merecem referência, considerando a descrição do teor das entrevistas.
Sobre a importância das Secretarias e seus Conselhos Regionais, há uma
unanimidade no posicionamento dos entrevistados: trata-se de um processo
irreversível. Para a maioria dos entrevistados, o processo de descentralização
não é discutível, não tem volta; o que precisa é um redesenho do processo. Os
principais depoimentos indicam que as Secretarias contribuíram para o Estado
estar mais perto do povo. No entanto, afirmam alguns, isso “não significa
mais eficiência; pelo contrário, alguns projetos aprovados nos Conselhos
Regionais levam mais tempo para serem executados, pois as Secretarias atuam
como um gargalo, um filtro técnico-operacional; antes se dirigia as demandas
diretamente às secretarias centrais; hoje as demandas da região precisam
passar pelo fórum das Secretarias Regionais”. Um dos entrevistados afirma
veementemente: “a existência das Secretarias é inquestionável, não há volta; a
forma como foi feito é que deve ser revista; se não ocorrerem mudanças,
recairá no descrédito, não só as Secretarias, também todo o tipo de estruturas
de gestão existentes nas regiões”.
Considerando que em 2010 houve um novo processo eleitoral, nem mesmo os
partidos de oposição ao governo que criou as Secretarias, rejeitaram a
experiência. Todos os candidatos defenderam a descentralização. O principal
motivo parece ser o fato de que o Estado, estando mais perto, gera maior
expectativa na população sobre a possibilidade de acesso a mais recursos
públicos às regiões.
No entanto, são propostas modificações e avanços. Por exemplo, quando se
referem aos recursos humanos que atuam nas Secretarias, o questionamento é
sua falta de qualificação. Mantém-se ainda o critério político para a indicação
dos funcionários, com exceção de uma pequena parte deles que são
funcionários de carreira. Com isso, a ideia de que acaba sendo “um cabide de
empregos”, é reforçada. Outra questão que ficou evidente na fala de diversos
entrevistados é a questão da autonomia financeira das Secretarias. Segundo
entrevistados, para melhorar a ação das Secretarias precisaria existir
autonomia financeira regionalmente: assim, se debateria e priorizaria os
projetos regionais. “Como não tem autonomia financeira, nem existem
critérios de definição de prioridades, o poder de decisão sobre os recursos é do
-
governo e das secretarias centrais”; predomina a ideia do “aprova tudo”. Além
disso, “políticos regionais têm influência nas decisões das Secretarias”,
defendendo interesses de seus “curais eleitorais”.
Sobre o papel exercido nas Secretarias pelos Comitês Temáticos, em algumas
entrevistas é ressaltada a sua importância. No entanto, são apontados
indicativos sobre em que precisam avançar. Um deles é que precisam ter
“maior participação das pessoas que não são do setor público, além de se
sentir a falta de pessoas de algumas especialidades profissionais, na sua
composição”. Além disso, funcionários entrevistados ressaltam que há pressão
política no direcionamento de suas decisões, apesar de terem a função de
fornecer subsídios técnicos para fundamentar as decisões dos conselheiros.
A influência do poder político nas atividades dos comitês e do conselho
subverte o processo. “Conselheiros acabam votando pela pressão política, pois
têm medo de assumir posições individuais que contrariem interesses dos que
tem mais poder político, por medo de poder receber represálias”. Assim,
afirma um dos entrevistados, “há um verdadeiro conluio, todos votando em
tudo para não se comprometer e se envolver em conflitos”. Uma das
justificativas apontadas é que o voto dos conselheiros sendo público favorece
tais práticas, sugerindo que o voto deveria ser secreto para que a decisão dos
conselheiros fosse mais livre.
Sobre o debate recorrente em relação à representatividade dos membros que
compõem os Conselhos de Desenvolvimento nas regiões, e se a prática é mais,
ou menos, democrática, é importante considerar o posicionamento de um dos
entrevistados, que tem uma experiência como ex-secretário e liderança
política, no entanto, atua no meio acadêmico. Para este entrevistado, “o
modelo de descentralização foi discutido pelo governo na campanha política
de 2002, recebendo aprovação da sociedade”. Segundo o entrevistado, o
objetivo das Secretarias Regionais foi reequilibrar o desenvolvimento nas
regiões, objetivando a retenção da evasão populacional do interior para o
litoral, ou seja, as regiões menos desenvolvidas receberiam mais
investimentos. Afirma ele, que as secretarias centrais da capital resistiram
inicialmente e continuam resistindo em dividir o poder. Os titulares de tais
secretarias, muitos deles deputados eleitos, foram os que resistiram mais, pois
isso não interessava ao seu eleitorado mais litorâneo, geralmente. Segundo ele,
ainda ocorre isso atualmente.
No entanto, o entrevistado afirma que, considerando que o padrão de
descentralização de SC está sustentado no modelo de democracia
representativa, logo, “a prática tem que ser assim, pois não se pode subverter o
processo”. Refere-se ao fato da concentração do poder nas mãos dos políticos
(Prefeito, Presidente da Câmara de Vereadores, representantes das estruturas
estatais e da sociedade, indicados pelo prefeito). “Se pensarmos em partir para
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um processo de representação mais deliberativa da sociedade, estamos
negando a legitimação do processo democrático que ocorre na democracia
representativa, na qual a sociedade outorga pelo voto popular poder ao
prefeito e aos vereadores para representá-los”. Logo, segundo o entrevistado,
é legítimo que nos Conselhos, os representantes políticos tenham maior poder.
A possibilidade de conciliação entre a democracia representativa e a
participativa ou deliberativa, segundo o entrevistado, estaria contemplada na
medida em que nos Conselhos estão dois representantes da sociedade por
município, ficando uma representação paritária.
Defende ainda o entrevistado que o cargo nas secretarias centrais não deveria
ser para político, sim para um técnico. Nas regionais, sim, o cargo de
secretário deveria ser ocupado por um político. Sua defesa em colocar um
técnico nas secretarias centrais e os políticos nas secretarias regionais é
justificada no seguinte argumento: “A política é o poder, não o regramento”.
Ou seja, “a gestão das coisas públicas implica em disputa de poder. Gerir as
Secretarias é um ato político”. Na medida em que o poder fica pulverizado nas
regiões – por exemplo, pelo fato de que tem um número muito grande de
secretarias regionais -, de tal forma que não seja interessante o seu exercício -,
a tendência é as decisões refluírem para o centro, para a capital. Assim sendo,
afirma o ex-secretário, “o cargo de secretário regional fica cada vez mais
relegado a pessoas que não tem um grande respaldo político, logo, passam a
ter reduzida força de reivindicar pela região. A estrutura atual, não estimula
lideranças representativas assumir o cargo de secretário regional, o que é
negativo para a representatividade regional frente ao poder centralizador do
governo”.
Como encaminhamento, o referido entrevistado defende a redução do número
de secretarias, o que é referendado por muitos outros entrevistados. Afirma
que considera o aumento das secretarias, ocorrido depois da regionalização
inicial – que eram 22 -, um processo de banalização; “virou um grande cabide
de emprego”. Com isso, as Secretarias têm seu poder de decisão reduzido.
Sobre as críticas que a academia faz ao processo de descentralização, o
mesmo entrevistado reafirmou que, ao criticar o processo, a mesma se
equivoca no seguinte: “descentralização, numa democracia representativa, não
significa em instaurar um grande processo de democracia participativa. A
descentralização representa uma mudança no fórum da decisão política – no
caso, das instâncias centralizadas para os fóruns das Secretarias nas regiões -,
no entanto, a decisão política é legitimada democraticamente pelas regras da
democracia representativa, onde o povo elege seus representantes e lhes
outorga poder de decisão em seu nome”. Ainda segundo o entrevistado,
precisamos criar uma “teoria da democracia participativa ou deliberativa”. O
que existe, afirma, são “estudos intuitivos a partir de experiências idealizadas
por alguém e realizadas sob as mais diferentes práticas”.
-
Sobre as modificações do Estado e de suas capacidades, de maneira geral, os
entrevistados reconhecem que, com a criação das Secretarias, o Estado passou
a fazer-se mais presente nas regiões. No entanto, vários problemas ainda são
apontados, exigindo avanços no processo de descentralização, o que exigiria
mais tempo. Sobre a questão da participação da sociedade na gestão pública
em uma democracia representativa, esta questão é polêmica, mas precisa ser
enfrentada pela academia, principalmente, no que se refere à necessidade de
avançar da dimensão da participação, mesmo que com representatividade,
para práticas de participação com poder deliberativo.
A questão da escala espacial nos diferentes processos de planejamento e
gestão do desenvolvimento
Várias manifestações dos entrevistados reforçam a ideia que os recortes
territoriais minúsculos das Secretarias reduzem a possibilidade de programas
regionais, resumindo-se a uma somatória de demandas municipais. Segundo
estes, antes as Associações de Municípios e os Fóruns de Desenvolvimento,
em geral, atendiam melhor a questão da escala de ação pública. Além disso, o
recorte territorial das Secretarias, feito por decreto, não atende à questão de
identidade regional, o que ocorria mais na divisão regional anterior, com
recortes territoriais construídos historicamente. A questão da escala justifica-
se pelo fato de que algumas ações e projetos, necessariamente, precisam ter
dimensão que vai além do recorte das Secretarias Regionais.
Um entrevistado defendeu que “as Secretarias deveriam ter obedecido ao
mesmo recorte das Associações de Municípios, pois, não ocorrendo,
representa um desrespeito à identidade das regiões; há uma disputa por cargos
políticos, por isso, quanto mais secretarias houver, aumenta a possibilidade de
atender às demandas por cargos; no entanto, retroceder no número de
Secretarias agora, é problemático”. Outros entrevistados reforçam este
argumento, afirmando que nas Secretarias há uma valorização das demandas
municipais. O problema é que “os municípios ainda pensam muito em si,
tendo dificuldade de planejar ações intermunicipais, sendo que os municípios
maiores concentram as decisões e os recursos”. Além disso, afirmam alguns,
“as decisões estão focalizadas na obtenção de recursos” que vem de diferentes
fontes. Prioriza-se o sistema de “projetos de balcão”, ou “balcão de troca de
favores”, ao invés de programas integrados de desenvolvimento. Com isso a
questão da escala de ação pública fica prejudicada.
Para superar ações desarticuladas entre municípios, Associações de
Municípios, Secretarias de Desenvolvimento Regional e demais órgãos do
Estado, um dos entrevistados defendeu a institucionalização de “um grupo
gestor”, com o fim de oportunizar “uma articulação da gestão das ações de
desenvolvimento regional”. Em geral, “municípios e estados têm fóruns
-
diferentes para discutir seus problemas, prejudicando ações integradas
regionalmente”. Há bons exemplos, no entanto. Um exemplo de atuação
regional articulada é a atuação do Fórum da Mesorregião Grande Fronteira do
Mercosul[16].
De maneira geral, pode-se observar que uma das questões que menos tem sido
destacada pelos entrevistados foi a questão da escala da ação pública e sua
interferência no planejamento e gestão do desenvolvimento regional. Mostra
ser uma questão que exige aprofundamento futuro.
Considerações finais
Além de retomar às principais questões reafirmadas no processo de
investigação, tem-se como propósito apontar possíveis parâmetros
organizacionais de estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento que
poderiam ser contempladas nos processos de descentralização político-
administrativa[17].
Em entrevistas realizadas, algumas delas apontam justificativas sobre a
dificuldade na qualificação das estruturas de gestão: a máquina
pública precisaria diminuir a burocracia; as estruturas de
governo trabalham ainda muito setorialmente e os setores não se comunicam
entre si; as regionalizações são criadas por interesses políticos; falta uma visão
sistêmica de governança. Sintetizando, pelas entrevistas, é possível concluir
que ao prover as regiões de estruturas subnacionais de gestão do
desenvolvimento, o problema não se resolve com a montagem de estruturas
físicas de governo.
Os problemas parecem de ser de duas ordens. O primeiro trata-se da
necessidade de “construir a região”. Para o geógrafo Anssi Paasi (1986), o
estágio superior da construção histórica de uma nova unidade territorial, que é
a sua institucionalização, envolve quatro aspectos, os quais não
necessariamente constituem etapas consecutivas. São eles: (a) a definição da
forma ou abrangência territorial; (b) a formação de uma imagem conceitual e
simbólica; (c) o desenvolvimento de instituições regionais e a incorporação da
existência da região às práticas e formas de organização da sociedade; (d) o
estabelecimento da região como parte de um sistema de regiões, com papel
administrativo definido, associada à consciência regional da comunidade. A
prática, neste sentido, é muito equivocada, como se percebe na realidade
analisada. Como se trata de um processo histórico, não é possível fazer
regionalizações via decreto governamental. Os setores dos governos criam
suas regionalizações, muitas vezes não coincidindo com o recorte territorial,
outras vezes se sobrepondo.
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O segundo desafio: trata-se da necessidade de um diálogo mais aberto entre
governo e sociedade regional. Pelas falas de alguns entrevistados, percebe-se
que na percepção deles os políticos têm “medo de perder poder”. Isso resulta
da prática política de clientelismo, caudilhismo, coronelismo, ou ainda de
fisiologismo político. E essas práticas viciadas de fazer política partidária
comprometem o exercício da democracia cidadã, que apesar de ser aceita por
praticamente todos, a observação da prática dá indícios de que poucos a
exercitam de verdade, principalmente, os que dispõem de mais poder de
decisão, no caso das Secretarias, os atores políticos[18]. Paralelamente, de
parte da sociedade regional, existe o corporativismo setorial, os bairrismos
regionais, seus interesses individualizados localmente, sem uma visão
integrada de região, macrorregião, país.
Parte das falas dos entrevistados direcionam-se à avaliação da atuação das
Secretarias, apontando possíveis mudanças no processo. Segundo estes, o
processo de descentralização não é discutível, não tem volta; o que precisa é
um redesenho do processo. Com base nas entrevistas e na observação direta
dos pesquisadores, algumas questões precisam ser retomadas. Uma delas é o
papel das Secretarias. Na percepção de muitos entrevistados, com a
desarticulação dos Fóruns e instalação das Secretarias nas regiões, o debate
sobre desenvolvimento virou uma questão de governo e a sociedade não se
sente envolvida no processo. O formato atual dos Conselhos Regionais não se
apresenta adequado para discutir o projeto de desenvolvimento de uma região.
Mesmo que pela prescrição legal não seja este o único objetivo, no
entendimento de grande parte dos entrevistados, sua função se resume em
decidir sobre aplicação de recursos do orçamento do Estado. Isso ocorre pelo
fato de que as Secretarias de Desenvolvimento Regional e seus respectivos
Conselhos são considerados uma estrutura de governo. Assim sendo, não
substituem a dimensão de fórum. Parte dos entrevistados considera que as
pessoas que estão lá, orientam suas decisões de acordo com a visão do partido
do governo, dos políticos que têm mais poder de influência. Em síntese: a
desarticulação dos Fóruns, com a criação das Secretarias, na visão de parte
dos entrevistados, representou a retirada do poder de decisão da sociedade
regional sobre a definição de estratégias de desenvolvimento.
Sobre o questionamento de manter ou não a estrutura atual das Secretarias,
interpretando as falas, é possível concluir que o principal motivo que justifica
a defesa das mesmas é o fato de que o Estado estando mais perto, gera para a
população uma maior expectativa de conseguir acessar mais recursos públicos
para a região[19]. Veja-se: esta argumentação pode levar a um entendimento
problemático. A população aceita e apóia a existência das Secretarias não por
considerar uma instância na qual possam participar, exercitar a democracia
cidadã, sim pelo fato de vislumbrar a possibilidade de conseguir mais recursos
do orçamento do Estado para sua região. Assim, a visão de desenvolvimento
regional resume-se à possibilidade de se conseguir alguns poucos
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investimentos que o orçamento estadual possa oportunizar. Eis um desafio a
superar!
Em relação à propostas de modificações e avanços nas Secretarias, são
apontadas, nas entrevistas, as seguintes: necessidade de qualificação dos
recursos humanos que atuam nas Secretarias, além de indicação por critérios
não políticos; necessidade de autonomia financeira das Secretarias;
revalorização do papel exercido nas Secretarias pelos Comitês
Temáticos,[20] como grupos de trabalho integrados paritariamente por
membros do setor público e privado que se encarreguem de avaliar as
demandas ou projetos, subsidiando tecnicamente os gestores (esta questão é
relevante, pois relatos demonstraram que em algumas regiões não funcionam
regularmente); reduzir o número de Secretarias, preferencialmente, atendendo
aos recortes originais das Associações de Municípios; aumentar a
representatividade da sociedade civil nos Conselhos de Desenvolvimento das
regiões.
Em relação à argumentação da necessidade de redução do número de
secretarias, várias são as justificativas apresentadas nas entrevistas. Uma delas
é que o recorte territorial precisa ser significativo para estimular lideranças
políticas de expressão assumir o cargo, o que, como consequência, aumentaria
o poder de reivindicação regional. Outra, é que os recortes territoriais
minúsculos das Secretarias restringem a possibilidade de programas regionais,
com o que as ações propostas resumem-se a uma somatória de demandas dos
municípios, sem uma visão de região.
Quanto à defesa da necessidade de aumentar a representatividade da sociedade
civil nos Conselhos de Desenvolvimento, dentre as justificativas, aparece a
ideia de que na aprovação dos projetos, ainda prepondera muito a força
política, seja do Secretário Regional, das lideranças políticas regionais
(senador, deputados, prefeitos e vereadores). Em geral, muitos entrevistados
não reconhecem a propalada paridade de representação entre o Estado e a
sociedade civil.
Algumas análises referem-se ao fato de que é necessário ter-se claro que o
padrão de descentralização do Estado catarinense está sustentado no modelo
de democracia representativa. Logo, a questão da representatividade da
sociedade civil versus o poder dos que ocupam cargos de governo e seus
apoiadores (políticos da base partidária), merece uma maior reflexão,
passando pela rediscussão do que seja democracia representativa e democracia
participativa ou deliberativa. Mais: como afirmou um dos entrevistados,
participar é diferente de deliberar. Isso implica que a reivindicação não deve
se restringir ao direito de participar no processo de gestão e desenvolvimento
territorial. Exige que se avance, reivindicando o direito de decidir, deliberar.
Ou seja, o debate sobre democracia e suas variantes – representativa,
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participativa, deliberativa – precisa ser retomado, tanto academicamente,
quanto na sociedade.
Quando aparecem falas que relacionam o papel das Secretarias e das
Associações de Municípios nas regiões, a principal defesa é que deveria haver
coincidência entre o recorte territorial de ambas as estruturas, facilitando a
gestão integrada do desenvolvimento. Não havendo coincidência no recorte
territorial, torna-se mais complexo definir projetos regionais, além do fato de
que a região perde com a fragmentação, pois reduz sua força de pressão
política, logo de decisão. Isso tem relação com a questão da escala da ação
pública.
Eis mais um desafio: apontar possíveis parâmetros organizacionais de
estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento que poderiam ser
contempladas nos processos de descentralização político-administrativa. As
falas das entrevistas pouco contribuíram para o atendimento deste último
objetivo da investigação. No entanto, com base em estudos bibliográficos,
debates acompanhados pessoalmente, seja junto às lideranças, ou mesmo no
campo acadêmico, são feitos na sequência alguns comentários indicativos,
mesmo reconhecendo que o tema mereça maior aprofundamento. Para facilitar
o entendimento, são feitas observações comparativas das Secretarias de
Desenvolvimento Regional de SC com os Conselhos Regionais de
Desenvolvimento do RS. Antes de tudo, uma observação. Considera-se que o
processo de gestão do desenvolvimento tem duas dimensões: uma, a de fórum
de concertação público-privada; outra, a de institucionalidade voltada para o
planejamento tático e operacional das ações de desenvolvimento local e
regional.
Considerando o que está previsto regimentalmente, o padrão de estrutura
organizacional dos Coredes do RS, parece atender minimamente a primeira
das dimensões do processo de gestão do desenvolvimento, a de fórum de
concertação público-privada. Seu Conselho de Representantes prevê a
participação de representações do setor público (membros dos poderes
Executivo e Legislativo, técnicos ou gestores dos órgãos públicos presentes na
região), representações do setor econômico (lideranças empresariais e de
trabalhadores), representações da sociedade civil organizada (associações de
bairros e de interesse em geral), além de representantes institucionais
regionais (setores educacionais, culturais e religiosos). Entende-se que esta
dimensão não é contemplada pelos Conselhos de Desenvolvimento Regional
no Estado de SC. Não é apenas uma percepção pessoal, as falas dos
entrevistados reafirmaram em várias argumentações esta questão. Tal defesa é
sustentada no entendimento de que o fórum de concertação público-privada,
independente de sua forma de constituição, precisa instituir-se como uma
instância de articulação política, discussão e formação de consensos
-
relacionados ao desenvolvimento regional, contemplando a participação dos
diversos atores que atuam regionalmente. Eis o desafio!
A segunda dimensão do processo de gestão e desenvolvimento territorial, a
de institucionalidade voltada para o planejamento tático e operacional, no caso
dos Coredes, é uma questão que ainda está em aberto. Os Coredes decidem
sobre um percentual de recursos do orçamento estadual a ser aplicado em
projetos regionais e municipais. A execução é feita diretamente pelos órgãos
estaduais, ou via repasse de recursos aos municípios. O que ocorre é que, até o
momento, o percentual do orçamento disponibilizado para decisão nas regiões,
é muito pequeno. No caso das Secretarias, no Estado de SC, o planejamento e
operacionalização das ações ou projetos, propostas nos Conselhos e
contempladas com recursos das Secretarias Centrais, são executadas, ou
diretamente pelo Estado, ou pelos municípios, via repasse de recursos
oriundos do orçamento estadual. A diferença em relação ao RS é que existem
estruturas do Estado localizadas nas regiões. No RS, governos passados
planejaram a implantação de Centros Regionais de Desenvolvimento, ou de
Casas de Governo. Ambas as iniciativas, não chegaram a ter um
funcionamento efetivo. De qualquer forma, nem no RS, nem em SC, a
dimensão de institucionalidades voltadas ao planejamento tático e
operacional no processo de gestão e desenvolvimento está devidamente
resolvida. Existem algumas iniciativas de Agências Regionais de
Desenvolvimento, alguns casos de Consórcios Públicos, no entanto, com
problemas, tanto de concepção, como operacionais.
Em estudos já realizados, projeções indicativas são feitas. Uma delas é a
possibilidade dos Consórcios Públicos, sob a forma de Consórcios
Intermunicipais de Desenvolvimento, assumirem o papel
de institucionalidades voltadas ao planejamento tático e operacional das ações
de desenvolvimento local e regional[21]. Trata-se de consórcios organizados
de acordo com a legislação vigente no Brasil[22]. Justifica-se a estruturação
dos Consórcios Intermunicipais de Desenvolvimento, por se entender que os
mesmos, consideradas as possibilidades de estruturação prevista na legislação
vigente, sejam capazes de contribuir para o planejamento tático, a
operacionalização e a execução das ações de desenvolvimento local e regional,
definidas em espaços de concertação público-privada, por meio de estruturas
de governança territorial, como, por exemplo, os Coredes do RS[23].
Os consórcios públicos poderão assumir a responsabilidade de gerenciar os
recursos que serão alocados aos projetos e ações demandados nas instâncias
de concertação público-privada. Adicionalmente, estas estruturas de gestão,
poderão assumir a responsabilidade de elaborar os projetos executivos, licitar,
contratar com terceiros, efetuar os pagamentos, fiscalizar a execução, ter
contabilidade própria, movimentar os recursos em contas bancárias próprias,
enfim, atuar como uma autarquia, conforme previsto na lei que os institui. O
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instituto do consórcio público foi criado por pressão dos municípios
exatamente para viabilizar a associação de entes públicos para a execução de
projetos e atividades. É a forma de viabilizar técnica e financeiramente
projetos e ações que os pequenos e médios municípios, de forma isolada, não
têm condições de executar[24].
Entende-se, no entanto, que a viabilidade dos consórcios públicos depende,
em grande parte, de um exercício de desprendimento por parte dos gestores
públicos para transferir o poder de gerir os recursos. Por outro lado, outras
formas organizacionais de gestão do desenvolvimento existentes nas regiões,
como os arranjos produtivos locais, incubadoras regionais, agências de
desenvolvimento, entre outros, não devem ser renegadas neste contexto. Ao
contrário, devem ser estimuladas a participar de todas as discussões dentro das
instâncias de concertação público-privada e a inserir suas demandas nas
alternativas de desenvolvimento propostas regionalmente. Entende-se, ainda,
que a cooperação interfederativa através de consórcios públicos potencializa a
capacidade de ação e investimento, em especial dos pequenos e médios
municípios, constituindo-se em instrumento de gestão tática e operacional
para viabilizar políticas públicas de desenvolvimento regional articuladas
regionalmente, compatibilizando as ações dos entes públicos e privados de
determinado espaço geográfico, repercutindo em maior eficiência no uso dos
recursos públicos[25].
O contexto e estruturas aqui referidas constituem as bases da proposta de um
novo paradigma a ser construído para a gestão e desenvolvimento territorial.
Este novo paradigma pressupõe três fundamentos: a valorização e
potencialização das forças econômicas e sociais locais e regionais, a
participação da sociedade civil, do Estado e do mercado e a cooperação
interfederativa, resultando em maior eficiência no uso dos recursos
públicos[26].
A Figura 1 sintetiza o que poderia ser considerada uma estrutura de gestão do
desenvolvimento regional. É uma primeira reflexão que no futuro pretende-se
seja repensada. Assim, antes de ser uma proposta definitiva, universal, espera
cumprir um papel de instigação para a reflexão de mais investigadores,
colegas da academia, gestores e lideranças.
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Figura 1. Estrutura de Gestão do Desenvolvimento Regional. Fonte: Adaptada de Zimmermann e Dallabrida (2012).
Por fim, referindo-se ao propósito de investigar a inter-relação entre a
descentralização, as estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento, as
capacidades estatais e as escalas espaciais da ação pública, analisando sua
interferência no processo de desenvolvimento regional, espera-se que esta
investigação tenha dado uma contribuição inicial, conforme aqui descrito.
Mais: as referências críticas feitas aqui à experiência do Estado de Santa
Catarina, na sua maioria, podem ser estendidas às experiências de outros
estados brasileiros. Por outro lado, pela leitura de relatos referentes às
experiências de descentralização de outros países, é possível afirmar que
algumas questões poderiam ser generalizadas. Futuros trabalhos deverão
avançar no debate, quem sabe, analisando comparativamente experiências
brasileiras e mundiais.
Notas
[1] Refere-se ao Projeto Gestão Territorial e Desenvolvimento: Descentralização, Estruturas
Subnacionais de Gestão do Desenvolvimento, Capacidades Estatais e Escalas de Ação Pública. Sua
execução ocorreu durante os anos de 2010 e 2011, no Programa de Mestrado em Desenvolvimento
Regional da UnC, contando com apoio financeiro da FAPESC. Resultados preliminares da referida
investigação, também, foram publicados em Dallabrida (2011).
[2] Conceitos aprofundados em Dallabrida, 2007, 2009, 2010b; Ribeiro, 2009; Dallabrida e Fernández,
2008; Agostini, Bandeira e Dallabrida, 2009.
http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref1http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref2
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[3] Retoma-se abordagem feita em Dallabrida, Büttenbender, Rover e Birkner, 2009.
[4] Conf. Evans, 1996.
[5] Algumas obras que aprofundam o tema: Rover, 2007; Birkner, 2006.
[6] Nesta parte do texto utilizam-se algumas referências ao tema, feitas em: Binotto, Ribeiro, Dallabrida e
Siqueira, 2010 e Dallabrida, Büttenbender, Rover e Birkner, 2009. Além disso, para síntese da estrutura e
organização funcional das SDRs, foram consultadas informações disponíveis em folhetos e sites oficiais
do Governo do Estado de SC.
[7] As Associações de Municípios de Santa Catarina surgiram no final da década de sessenta, motivadas
por uma política federal. A primeira associação surgiu em Rio do Sul em 1968, seguida de outras, num
processo de mimese, nos anos seguintes. Sobre o tema, ver: Birkner, 2006.
[8] Alguns autores chegam a argumentar que a criação das SDRs teve uma clara intenção de
esvaziamento do papel assumido pelos FDRIs. Ver: Filippim e Abrucio, 2010.
[9] Quando se menciona as secretarias centrais, faz-se referência às Secretarias de Estado da estrutura
central de Governo, com sede em Florianópolis, a capital do Estado de SC, também chamadas de
Secretarias Setoriais.
[10] As informações oficiais, a estrutura organizacional e a localização das 36 Secretarias de
Desenvolvimento Regional-SC, ver no
endereço: http://www.sc.gov.br/conteudo/governo/paginas/index_secretariasregionais.htm.
[11] Concertação social, entendida como o processo em que representantes das diferentes redes de poder
socioterritorial, através de procedimentos voluntários de conciliação e mediação, assumem a prática da
gestão territorial de forma descentralizada. É fundamental que seja através de processos de concertação
social que a sociedade de uma determinada região organizada em suas redes de poder socioterritorial,
democraticamente, se proponha construir consensos mínimos que representem as decisões acordadas
naquele momento histórico, no que se refere à superação dos seus desafios (estratégias de
desenvolvimento). Isso implica na participação cidadã dos diferentes atores sociais, econômicos e
institucionais, como protagonistas do processo (Dallabrida, 2003; 2007).
[12] Ver Dallabrida e Zimmermann, 2009.
[13] Algumas obras que fazem análises críticas à experiência: Binotto, Ribeiro, Dallabrida e Siqueira,
2010; Dallabrida, Büttenbender, Rover e Birkner, 2009; Filippin e Abrucio, 2010; Birkner, 2008; Theis,
2009. Recentemente foi publicada uma obra que, em vários capítulos, analisa as experiências de
descentralização do RS e SC, além da Argentina e Chile: Dallabrida, 2011.
[14] Abordagem feita em: Dallabrida e Zimmermann, 2009 e Dallabrida, 2010b.
[15] As frases transcritas entre aspas (“...”), nesta parte do texto, correspondem à síntese das falas dos
entrevistados.
[16] Trata-se de uma regionalização implantada durantes as últimas décadas pelo Ministério da Integração
Nacional, definindo políticas de desenvolvimento específicas para regiões do país que estão em processo
de estagnação econômica.
[17] Além do Brasil, um dos países da América Latina que tem uma experiência histórica de
descentralização é o Chile. No entanto, da mesma forma que nas experiências brasileiras, análises
apontam várias limitações. Boisier (2010), é uma obra referência sobre o tema.
[18] Ator político, aqui, refere-se aos que ocupam cargos no Poder Executivo e Legislativo, além das
lideranças partidárias.
http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref3http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref4http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref5http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref6http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref7http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref8http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref9http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref10http://www.sc.gov.br/conteudo/governo/paginas/index_secretariasregionais.htmhttp://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref11http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref12http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref13http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref14http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref15http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref16http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref17http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-428.htm#_ednref18
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[19] Alguns estudos, ainda não publicados, demonstram que há uma certa tendência de, percentualmente,
haver uma maior distribuição de recursos para as regiões mais interioranas.
[20] As propostas de modificações, até esse ponto, são coincidentes com aspectos apontados por Birkner
e Tomio, 2011 e Birkner, Tomio e Bazzanella, 2010.
[21] Este tema já foi tratado, preliminarmente, em Dallabrida e Zimmermann, 2009. No entanto, em
Zimmermann e Dallabrida, 2012, o tema é aprofundado, descrevendo questões conceituais, legais e
organizativas sobre os Consórcios Intermunicipais de Desenvolvimento. As projeções indicativas feitas
neste texto acompanham a linha de raciocínio defendido nas obras referidas.
[22] Ver: Brasil, 2005 e Brasil, 2007.
[23] Mesmo assim, considera-se necessário que sejam superados alguns de seus vícios na prática dos
Coredes. Indicativos dos avanços necessários são apontados em obras recentes: Dallabrida e Büttenbender,
2008; Dallabrida, 2009; Dallabrida, Büttenbender, Rover e Birkner, 2009.
[24] Conf. Zimmermann e Dallabrida, 2012.
[25] Conf. Zimmermann e Dallabrida, 2012.
[26] Conf. Zimmermann e Dallabrida, 2012.
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