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Registro Revista do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba FUNDAÇÃO PRÓ-MEMÓRIA DE INDAIATUBA Estado de São Paulo - Brasil 2003

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Registro Revista do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba

FUNDAÇÃO PRÓ-MEMÓRIA DE INDAIATUBA Estado de São Paulo - Brasil

2003

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REGISTRO Revista do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba FUNDAÇÃO PRÓ-MEMÓRIA DE INDAIATUBA Sede/Arquivo Permanente: Avenida Jácomo Nazário, 1046 Bairro Cidade Nova – CEP 13.334-047 - Indaiatuba – SP Fone: (0--19) 3834 6633 /3894 5654 - Fax (0--19) 3825 1933 Arquivo Intermediário: Rua Sargento Max Wolf Filho, 245 Bairro Cidade Nova – CEP 13334-130 - Indaiatuba - SP Fone: (0--19) 3834 8984 / E-mail: [email protected] http://www.promemoriadeindaiatuba.hpg.com.br Museu Municipal: Rua Pedro Gonçalves, 477 Jardim Pau Preto – CEP 13330-000 – Indaiatuba-SP Fone: (0--19) 3875 8383 http://www.museumunicipaldeindaiatuba.kit.net

Conselho Editorial Deize Clotildes Barnabé de Morais José Luiz Sigrist Lauro Ratti Jr. Rubens de Campos Penteado

Sônia Maria Fonseca Créditos da publicação Preparação dos originais: Sônia Maria Fonseca Concepção da capa: Raquel Cristina Mariotto, Sônia Maria Fonseca Projeto gráfico da capa: Paula Salazar, Rodrigo Alexandre Mariotto

Tradutores: Pedro Condoleo de Queiroz (inglês); Maria Cristina Portella (francês) Revisão final: Sônia Maria Fonseca

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

REGISTRO: Revista do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba/Fundação Pró-Memória de Indaiatuba. V.2, Nº 2, Julho 2003 – Indaiatuba (SP): Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, 2003. 88p.; 27,94 cm. Publicação anual ISSN 1678-9784 ___ 1. Arquivologia – Periódicos. 2. Arquivo Público Municipal – Indaiatuba - São Paulo (Estado). I. Título.

Tiragem: 1000 exemplares

Esta revista tem o apoio da Associação de Arquivistas de São Paulo – ARQ-SP.

Impressão:

Grafipress Artes Gráficas Ltda.

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SUMÁRIO

Apresentação...........................................................................................................................5 Arquivos Municipais: especificidades político-institucionais.................................................7 Viviane Tessitore Da Periferia ao Centro: obstáculos e perspectivas dos arquivos municipais........................12 Cláudio Dutra Crespo; Maria da Conceição Carnevale Alcance da Descrição Arquivística e o Processo de Automação..........................................23 André Porto Ancona Lopez O Potencial Pedagógico dos Arquivos Históricos: relato da experiência do Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora (MG)...........................................................................35 Elione Silva Guimarães; Francisco Carlos Limp Pinheiro

Ferramentas de Gerenciamento para a Conservação Preventiva de Acervos ......................47 Ingrid Beck Cupins e Arquivos: uma abordagem ecológica.....................................................................68 Celso do Lago Paiva

O Arquivo em foco

...............................................................................................................................................81 Intercâmbio

...............................................................................................................................................84 Linha editorial e normas para publicação

...............................................................................................................................................89

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APRESENTAÇÃO O lançamento do número um da revista Registro ocorreu em julho de 2002, na cidade do Rio de Janeiro, durante o Simpósio Internacional de Arquivos Municipais. Fizemos um segundo lançamento em Florianópolis, por ocasião do X Encontro

Catarinense de Arquivos, nos dias 2 à 4 de setembro do mesmo ano. Na seqüência, a publicação foi apresentada aos profissionais do estado, em evento realizado anualmente pela Associação de Arquivistas de São Paulo (ARQ-SP), em comemoração ao dia do arquivista. De lá para cá temos recebido sempre referências elogiosas, o que tem renovado nosso ânimo no propósito de melhorar cada vez mais o nível da revista e dar nossa parcela de contribuição ao aprimoramento da arquivística no Brasil. Diante disso criamos a seção Intercâmbio, ora inaugurada com uma carta do sr. Ignacio González Casasnovas, Diretor do Centro de Referências da Fundación Histórica Tavera ( denominação alterada, em 25 de junho de 2002, para Fundación de Estudios Históricos MAPFRE TAVERA). Há que se promover muito intercâmbio e difusão do conhecimento na área de arquivística, segundo as palavras de Sidrach Carvalho Neto, Diretor do Arquivo Público Municipal de Santa Cruz Cabrália, estado da Bahia. De fato, dadas as dimensões continentais do Brasil, o isolamento dos profissionais da área é uma imposição natural quase intransponível, mesmo numa era apregoada como a da informação. Num universo de 5.507 municípios brasileiros, poucos (não totalizam 5%!) são aqueles que possuem arquivos implantados com amparo legal e contam com pessoal técnico, apesar da prerrogativa expressa no artigo 216 da Constituição de 88. O Arquivo Público Municipal de Indaiatuba quer fazer a revista Registro chegar sistematicamente a grande parte desses municípios, como forma de sensibilizar e incentivar os detentores dos poderes públicos a alterar a modesta proporção numérica dessa realidade.

O Conselho Editorial

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ARQUIVOS MUNICIPAIS: ESPECIFICIDADES POLÍTICO-INSTITUCIONAIS1

Viviane Tessitore*

A revalorização do município, a partir da promulgação da Constituição brasileira de 1988, que ampliou suas competências e recursos, a luta pela descentralização político-administrativa e a redescoberta da história regional têm contribuído para despertar o interesse de administradores, pesquisadores e da própria comunidade pelo patrimônio arquivístico municipal. Um número crescente de Arquivos Públicos Municipais está sendo criado e estruturado2 e há uma considerável demanda por informação especializada nessa área. Este texto pretende contribuir para o debate de questões que reputamos fundamentais no processo de constituição de órgãos e sistemas voltados para a preservação dos documentos municipais. Comecemos por refletir, ainda que brevemente, sobre o papel do município no Brasil. 1. O Município: entidade estatal e comunidade. O município no Brasil é “entidade estatal integrante da nossa Federação”, decorrendo dessa posição singular a sua autonomia político-administrativa, “diversamente do que ocorre nas demais Federações, em que os municípios são circunscrições territoriais meramente administrativas”, como salienta o jurista Hely Lopes Meirelles, em seu Direito Administrativo Brasileiro3. Essa autonomia é conferida ao Poder Municipal em três aspectos: político, administrativo e financeiro, gerando uma rede de órgãos e cargos que lhe permitem atuar nas áreas de seu “peculiar interesse”4, em resposta a uma demanda social de serviços da qual está mais próximo do que os poderes públicos estadual ou federal. É que, na verdade, o município não constitui somente uma instância político-administrativa e jurídica, mas também – e sobretudo – expressa uma realidade social específica e

1 Texto baseado em trabalho apresentado na qualidade de vice-diretora do Núcleo de São Paulo da Associação dos Arquivistas Brasileiros, na Mesa “Implantação de Arquivos Municipais”, durante a 3ª Conferência Nacional de Arquivos Públicos, promovida pelo Fórum de Diretores de Arquivos Estaduais, Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais e Arquivo Público Mineiro, em Belo Horizonte, de 20 a 23 de outubro de 1991. * Historiógrafa do Centro de Documentação e Informação Científica “Prof. Casemiro dos Reis Filho” (CEDIC) /PUC-SP. 2 Podemos citar como exemplos o Arquivo Municipal de Amparo (SP) e Arquivo Municipal de Belo Horizonte (MG). 3 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 2ª ed. revista e ampliada. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1966. P.46-7. 4 Peculiar interesse municipal é a predominância desse interesse para o município, em relação ao eventual interesse estadual ou federal acerca do mesmo assunto. (Cf. Hely Lopes Meirelles, op. cit. p.277).

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geograficamente localizada, como “uma coletividade natural e necessária, como totalidade orgânica, que independe do estatuto jurídico”5. Identificado como coletividade antes que como instância de poder, o município e suas reivindicações nunca perderam sua força, entre momentos de centralização e descentralização do Estado ao longo da história brasileira. Durante o Período Colonial, as Câmaras Municipais chegam a acumular, inclusive, funções judiciárias, tendo suas funções administrativas ampliadas pelas Ordenações Filipinas (1603). Embora, no Império, as Câmaras tenham sido enfraquecidas por sua subordinação ao Presidente da Província e por sua dependência da Assembléia Legislativa Provincial para a aprovação de diversas matérias, continuaram a exercer “o governo econômico e municipal das cidades e vilas”6 e a ser o veículo de expressão dos interesses locais. Com a República, o Poder Municipal teve assegurada sua autonomia – embora ainda não seja a pretendida pelos municipalistas-, possibilitando-lhe melhor adequar-se às peculiaridades locais. Falar em município é, assim, falar em comunidade, não enquanto mero “agrupamento humano em um determinado espaço geográfico”, mas enquanto “uma totalidade orgânica que cresce e se transforma continuamente pelas suas experiências, vida política, crenças, lendas, aspirações, artes, tecnologia, meios de comunicação etc.”7 No trato das questões relativas aos arquivos municipais, devemos, pois, considerar o município nessas duas dimensões: unidade político-administrativa e comunidade. 2. Arquivos Municipais: implantação ou modernização? Ao falarmos em implantação de Arquivos Municipais, um primeiro questionamento nos ocorre: por quê implantação? O Governo Municipal, sendo um poder autônomo, possui órgãos e funcionalismo próprios, com a finalidade de atender à demanda local de serviços, os quais, seja qual for sua amplitude e complexidade, acumulam documentos no exercício de suas funções. A necessidade de guardar essa massa documental, ao menos durante a sua vigência administrativa, faz com que todas as Prefeituras tenham um serviço de arquivo acoplado ao de protocolo e expediente. Aliás, desde a Colônia, havia uma preocupação com a guarda dos documentos para uso administrativo; as Ordenações Filipinas já determinavam, em 1603, com relação às Câmaras Municipais: “e farão guardar em uma arca grande e boa todos os forais, tombos e privilégios pertencentes ao Conselho”8.

5 CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Arquivos Municipais: problemas de jurisdição. Boletim do Centro de Memória da UNICAMP, Campinas (SP), 1(2): 18-19, jul.-dez. 1989. p.18. 6 Lei imperial, de 25 de março de 1824 (Constituição Política do Império), art. 167. 7 MACHADO, Helena Corrêa. Arquivo e Comunidade. Arquivo Rio Claro, Rio Claro (SP), 8(2): 28-33, jul. 1989, p. 29. 8 MACHADO, Helena Corrêa. Política Municipal de Arquivos: considerações sobre um modelo sistêmico para a Cidade do Rio de Janeiro. Acervo, Rio de Janeiro, 2(2): 43-54, jul.-dez. 1987.

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O município, portanto, possui arquivo; a função de arquivar sempre esteve presente não só nas administrações municipais, mas em qualquer administração. Qual é, porém, o papel que esses arquivos desempenham? Voltados para os valores imediatos da documentação, ocupam-se, fundamentalmente, de sua fase corrente, sendo que as atividades de recebimento, registro, distribuição, expedição e acompanhamento de documentos acabam por predominar em detrimento das atividades de arquivamento. Cumprida a função em razão da qual os documentos foram gerados e ultrapassados os prazos legais de guarda, boa parte dos administradores não vê problemas em acumular esses conjuntos documentais em depósitos onde o caos domina, ou em destruí-los indiscriminadamente, sem qualquer processo de avaliação em moldes técnicos. Os valores culturais e científicos que o documento assume, mesmo quando cessada sua função primeira, sua condição de testemunho da trajetória daquela comunidade não são levados em consideração e o que deveria ser o patrimônio arquivístico municipal se transforma em “corpo estranho e indesejável”, que se quer eliminar na primeira oportunidade. Há um outro extremo a considerar: os municípios que possuem os chamados “Arquivos Históricos”. Normalmente ligados à área cultural e responsáveis pela custódia da documentação de caráter permanente, não mantêm qualquer vínculo com a produção documental recente do Governo Municipal. Repositórios do “passado”, não são realimentados, devido à falta de percepção de que nenhum documento de arquivo nasce para servir à história, mas que muitos, por registrarem os mais variados aspectos da realidade social, acabam por se tornar fontes para a pesquisa, e devido à falta, portanto, de visão de que é o documento administrativo de hoje que poderá ser o documento histórico de amanhã. Deixam de cumprir sua função de apoio ao processo decisório da Administração, que, por sua vez, prescinde do conhecimento sobre o que ocorreu, como se as questões ligadas à educação, saúde, obras etc. não dependessem das informações contidas em relatórios, processos, mapas já arquivados. O Arquivo Histórico é visto como uma questão de cultura e um serviço a pesquisadores, enquanto o Arquivo da Prefeitura é uma questão de administração e a ela serve, sem que se estabeleça nenhuma ligação entre eles. Conforme diagnosticaram Ana Maria Camargo e Helena Corrêa Machado, em Diretrizes para a modernização de arquivos municipais, “numa visão atomizada do fluxo documental, em que cada fase parece dispor de autonomia em relação às outras, os municípios não têm encontrado, ao longo do tempo, soluções institucionais que propiciem a organização de um arquivo onde os diferentes estágios da documentação se integrem de forma harmoniosa.”9 Assim, mais do que a ausência de arquivos e a necessidade de sua implantação, os municípios sofrem a ausência de uma política arquivística conseqüente e reclamam um processo de modernização de seus serviços de arquivo. Modernização que não significa,

9 CAMARGO, Ana Maria de Almeida e MACHADO, Helena Corrêa. Diretrizes para a modernização de arquivos municipais. São Paulo, AAB-SP / CENADEM, 1990. p. 9.

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prioritariamente, edifícios e equipamentos de última geração, mas essa integração harmoniosa das três idades do documento – corrente, intermediária e permanente -, e seu funcionamento em moldes técnicos, a fim de que essa massa documental sirva à administração, à comunidade e à pesquisa científica. 3. O Arquivo Público do Município e sua finalidade: No bojo desse processo de modernização, tem sido criado o Arquivo Público Municipal, naquelas localidades que ainda não o possuíam, conceituado pelo Dicionário de

Terminologia Arquivística como “instituição responsável pelos conjuntos de documentos acumulados pelos órgãos dos poderes executivo e legislativo no âmbito da administração municipal direta ou indireta”10. Heloísa Bellotto, resenhando obra de Vicenta Cortés Alonso, reafirma esse conceito: “Será a acumulação orgânica da documentação produzida pelos órgãos municipais o que denominamos arquivos municipais”.11 Encarregado das fases intermediária e permanente, ou apenas desta última, tem como finalidade primeira a preservação do patrimônio arquivístico gerado pela administração municipal. Outras funções que venha a assumir – sobre as quais falaremos adiante – serão complementares a esta, que não pode ser jamais relegada a segundo plano, sob pena de o Arquivo Público desviar-se da razão de sua constituição. Galba Ribeiro, ao tratar das linhas de acervo em arquivos municipais, não vê sentido em “excluir do acervo do arquivo municipal os conjuntos documentais provenientes de órgãos da administração pública municipal”12. Não se trata apenas de uma ausência de sentido em tal procedimento; quem o adota revela um total desconhecimento da finalidade primordial dessas instituições. O que, à primeira vista, parece óbvio, sem acarretar maiores dificuldades, não é, todavia, uma tarefa tão simples. A não existência de uma visão sistêmica do fluxo documental e a não definição de uma política de arquivos fizeram com que os destinos da documentação municipal, cujo uso administrativo cessou, fossem os mais diversos. A par daquele mais comum – porões, cozinhas, banheiros e outros locais pouco indicados para depósitos de documentos, onde estes são simplesmente empilhados, como já mencionamos -, outros foram definidos. Quando houve alguma iniciativa no sentido de preservar o que se considerou documentação histórica (particularmente aquela mais antiga acumulada pelas Câmaras), a Administração não via embaraços em entregá-la à custódia de Museus, Fundações Culturais municipais, estaduais e/ou federais e das Universidades13. Existem mesmo casos em que o Arquivo Público Estadual reclama para si a guarda da documentação dos municípios, desconhecendo o princípio do domicílio legal do documento e sua função junto à comunidade com a qual está relacionado14. Esses procedimentos evidenciam o

10 BELLOTTO, Heloísa Liberalli e CAMARGO, Ana Maria de Almeida (coords.). Dicionário de Terminologia Arquivística. São Paulo, AAB-SP / SEC, 1996. p.7. 11 BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Para organizar a memória e as gestões municipais. Arquivo Rio Claro, Rio Claro (SP), 2(2): 24-29, jul.1983. p.26. 12 DI MAMBRO, Galba Ribeiro. Linhas de acervo em arquivos municipais. Arquivo Rio Claro, Rio Claro (SP), 7(1): 4-8, jan.1988. p.5. 13 É o caso dos Museus Históricos e Pedagógicos do Estado de São Paulo, que têm abrigado a documentação de diversas cidades onde estão sediados. 14 O Arquivo Público do Estado de Mato Grosso do Sul chegou a desenvolver campanha nesse sentido.

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distanciamento do Poder Público Municipal em face de um arquivo que considera efetivamente “morto”, sem serventia alguma para ele e, portanto, descartável, não pela eliminação, mas pela alienação desse patrimônio municipal. Não raro, essas instituições (com exceção dos Arquivos Estaduais) não possuem os meios, nem o pessoal especializado para tratar os documentos, que permanecem apenas “depositados” ali. Por outro lado, sua vinculação com esferas de poder mais amplas pode acabar na transferência do acervo entregue a sua custódia para localidades que com ele não mantém qualquer relação. A recuperação desses conjuntos documentais demanda negociações nem sempre fáceis ou rápidas, requerendo a flexibilidade precisa para a adoção das soluções viáveis em cada caso. Em municípios com poucos recursos ou naqueles em que os equipamentos já existentes possuem espaço livre e adequado, nada impede que essas áreas disponíveis sejam utilizadas para a instalação do Arquivo Público Municipal, desde que ele mantenha identidade própria. Devemos ressaltar ainda uma vez que, como bem colocou Heloísa Bellotto, “ a dupla face da informação contida nos documentos deve ser igualmente clara: a face da informação gerencial e a do testemunho histórico”15. Se, de um lado, os arquivos públicos sempre despertaram o interesse dos pesquisadores, devido à diversidade de áreas recobertas por eles, fruto do contínuo alargamento da ação do Estado Moderno, não menor deve ser o interesse dos administradores e dos cidadãos em geral. Para os primeiros, são essenciais, se querem garantir a eficácia na definição de metas, elaboração de propostas e avaliação de resultados. Aos segundos, garantem o direito de acesso às ações do poder público, “como é dever desse mesmo poder garantir (...), de modo a se construir uma interação dinâmica entre governantes e governados”16. 4. Especificidades de atuação do Arquivo Municipal As considerações que tecemos até aqui poderiam aplicar-se, ressalvadas as dimensões próprias de cada nível governamental, a qualquer arquivo público, seja ele municipal, estadual ou nacional. Porém, o Arquivo Municipal tem uma outra dimensão que não devemos desconsiderar: sua aproximação com um município que não se limita, como já colocamos, à entidade estatal, mas se confunde com a comunidade que, numa conjunção de interesses, originou a cidade e nela vivenciou e vivencia suas experiências, conferindo-lhe feições próprias. Nesse sentido, há algumas especificidades na atuação desses Arquivos, sobre as quais vale a pena refletir. A primeira delas refere-se a documentos públicos que, não sendo produzidos, nem recebidos por órgãos municipais, têm o município como referência. Estado e União, tanto em sua face executiva, quanto judiciária, mantém representações locais, pela própria extensão territorial do Brasil. Sendo o município a unidade político-administrativa que corresponde a um agrupamento natural e, assim, mais próxima da realidade social, as funções estaduais e federais se materializam nele, resultando numa produção documental intimamente associada às características, interesses e necessidades daquela coletividade. Essa documentação tem um significado mais completo ao permanecer na região onde foi

15 BELLOTTO, Heloísa Liberalli .Op.cit. p.26. 16 MACHADO, Helena Corrêa. Política Municipal de Arquivos ... p. 43.

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acumulada do que ao ser transferida para depósitos centrais nos Arquivos Estaduais ou no Nacional. Essa questão poderia ser solucionada com a criação de depósitos regionais desses Arquivos. Não havendo, contudo, tais depósitos e na medida em que o Arquivo Público Municipal possua condições para tanto, seria lícito conceder-lhe a guarda dessa documentação? Chamamos a atenção para o fato de que nunca se trataria de uma incorporação natural desses documentos ao acervo, desconsiderando o seu domicílio legal, mas de uma delegação de competência do Arquivo Estadual ou Nacional ao Arquivo Municipal. O instituto da delegação de competência é, aliás, uma outra questão a ser comentada. Muito comum no Império, quando funcionários municipais participavam ou eram responsáveis pela fiscalização da instrução e das obras públicas, pela realização de eleições, pela arrecadação de tributos, entre outras, não desapareceu com a República, pois as deficiências do aparelho estatal e a amplitude do território a ser recoberto só tornam muitas vezes possível a presença das instâncias regional e central do poder através dos órgãos municipais. Com isso, à produção documental propriamente municipal soma-se aquela proveniente dessa delegação de funções, não constituindo, pois, no acervo dos Arquivos Municipais, uma anomalia, mas a expressão dessa inter-relação. A delegação de competências e a representação de órgãos estaduais e federais no município fazem ainda com que existam registros significativos da vida municipal – educação, saúde, obras, segurança, justiça etc. – no Arquivo Público Estadual e no Arquivo Nacional. Evidentemente o Arquivo Municipal não deverá reivindicar para si tais registros, mas poderá, ampliando seus serviços, referenciá-los colocando a informação mais próxima de seus usuários potenciais. A constatação de que, para além dos órgãos do poder local, há toda uma produção documental que se municipaliza, no sentido de que o destino da ação passa a ter, para os usuários do Arquivo, um significado tão relevante quanto sua origem, nos leva a pensar em ampliações da atuação do Arquivo Municipal, que não teriam razão de ser em outros arquivos públicos, na medida em que são vinculados a níveis governamentais distanciados de cada comunidade em sua expressão mais concreta. Altera-se o conceito do que é público: não apenas o que emana do poder público, mas o que é de “uso do povo”, como o define o Código Civil Brasileiro, ou seja, o que é de interesse público, devendo ser conhecido e compartilhado por todos.17 Nessa perspectiva, o Arquivo Municipal pode interessar-se pela documentação não governamental, acumulada por entidades privadas ou pessoas, cuja atuação mantém relações com a coletividade em questão ou têm o município como cenário. Pode chegar mesmo a abrigar documentos não convencionais como os ligados à arte, à música, à literatura e às manifestações populares, e a desenvolver programas especiais, como o de documentação oral. Em resumo, o Arquivo Municipal pode interessar-se pelo que interessa à comunidade, por tudo que constitui sua memória.18

17 Para desenvolvimento desse tema ver o artigo de Ana Maria de Almeida Camargo, “O público e o privado: contribuição para o debate em torno da caracterização de documentos e arquivos”, publicado no Arquivo: boletim histórico e informativo, São Paulo, 9(2): 57-64, jul.-dez. 1988. 18 Para o Município de Corumbá, por exemplo, situado no Pantanal mato-grossense, com toda uma riqueza em usos e costumes, lendas, cancioneiro e crenças, os registros orais preservam parte essencial de sua memória, de sua identidade.

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Pode-se alegar que esses são campos de atuação de Museus, Centros de Documentação, Memória e Pesquisa. Não estamos desconsiderando esse aspecto. Entretanto, nem todos os municípios possuem essa abundância de instituições culturais e científicas. O Arquivo Municipal acaba, então, por ser a opção mais adequada para abrigá-los. Mesmo quando o Município possui tais instituições, perguntamo-nos por quê não realizar um trabalho integrado, ao invés de ações compartimentadas e isoladas, em benefício da própria comunidade.19 Desejamos ressaltar que as ampliações no campo de atuação do Arquivo Municipal devem ser sempre significativas para a comunidade na qual está inserido e não aleatórias. Não há um modelo universal a ser seguido. A guarda ou não de arquivos privados, o recolhimento ou não de depoimentos orais por parte do Arquivo dependerão das características peculiares a cada coletividade. O importante é que essas decisões levem em conta “o contexto amplo do município em questão, seja do ponto de vista da administração municipal, da economia, cultura, relações sociais e políticas”20. Além disso, vale a pena enfatizar que qualquer dessas ampliações supõe um Arquivo Municipal capaz de cumprir sua função primordial de gestor do patrimônio arquivístico da Administração Pública local, tarefa de fôlego em si mesma e com inúmeros obstáculos a serem vencidos, quer ao nível da infra-estrutura e dos recursos humanos, quer ao nível legal e político.21

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Para organizar a memória e as gestões municipais. Arquivo Rio Claro, Rio Claro (SP), 2(2): 24-29, jul.1983.

BELLOTTO, Heloísa Liberalli e CAMARGO, Ana Maria de Almeida (coords.). Dicionário de Terminologia Arquivística. São Paulo, AAB-SP / SEC, 1996.

CAMARGO, Ana Maria de Almeida. O público e o privado: contribuição para o debate em torno da caracterização de documentos e arquivos. Arquivo: boletim histórico e informativo, São Paulo, 9(2): 57-64, jul.-dez.1988.

CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Arquivos Municipais: problemas de jurisdição. Boletim do Centro de Memória da UNICAMP, Campinas (SP), 1(2):18-19, jul.-dez. 1989.

CAMARGO, Ana Maria de Almeida e MACHADO, Helena Corrêa. Como implantar Arquivos Públicos Municipais. São Paulo, Arquivo do Estado / Imprensa Oficial, 1999. (Como Fazer, 3)

19 Um exemplo dessa integração é dado pelo Município de Juiz de Fora (MG), conforme relatou o Prof. Galba Ribeiro no artigo já citado. 20 DI MAMBRO, Galba Ribeiro. Op. cit. p.6. 21 Sugestões quanto à configuração legal, instalações, recursos materiais e humanos dos Arquivos Públicos Municipais podem ser encontradas na obra de Ana Maria de Almeida Camargo e de Helena Corrêa Machado, Como Implantar Arquivos Públicos Municipais. São Paulo, Arquivo do Estado / Imprensa Oficial, 1999. (Como Fazer, 3).

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CAMARGO, Ana Maria de Almeida e MACHADO, Helena Corrêa. Diretrizes para modernização de arquivos municipais. São Paulo, AAB-SP / CENADEM, 1990.

DI MAMBRO, Galba Ribeiro. Linhas de acervo em arquivos municipais. Arquivo Rio Claro, Rio Claro (SP), 7(1): 4-8, jan. 1988.

MACHADO, Helena Corrêa. Arquivo e Comunidade. Arquivo Rio Claro, Rio Claro (SP), 8(2): 28-33, jul. 1989.

MACHADO, Helena Corrêa. Política Municipal de Arquivos: considerações sobre um modelo sistêmico para a Cidade do Rio de Janeiro. Acervo, Rio de Janeiro, 2(2): 43-54, jul.-dez. 1987.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 2ª ed. revista e ampliada. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1966.

TITLE

Municipal archives: politico-institutional particularities.

TITRE Archives Municipales: spécificités politique-institutionelles.

RESUMO

O despertar do interesse de diversos segmentos da sociedade pelo patrimônio arquivístico municipal, sobretudo a partir da revalorização do município e da história regional, tem aumentado a demanda por informação especializada nessa área. Este texto pretende contribuir para o debate de questões que reputamos fundamentais na criação e implantação de órgãos voltados para a preservação da documentação municipal.

ABSTRACT The awakening of the interest of several sectors of society in the municipal archival patrimony, mainly since the reevaluation of county and regional history, has increased the demand for information specialized in this field. This text proposes to contribute to the debate of issues that we consider fundamental for the creation and implementation of offices destined to the preservation of municipal documents.

RÉSUMÉ Le réveil de l'intérêt de divers segments de la société par le patrimoine archivistique municipale, surtout à partir de la revalorisation de la ville et de l´histoire régionale, a augmenté la demande par des informations spécialisées dans ce secteur. Ce texte prétend contribuer au débat de questions que nous réputons des fondamentales dans la création et l'implantation d´agences dirigées vers la conservation de la documentation municipale.

PALAVRAS-CHAVE

Arquivos municipais; patrimônio, preservação, documentos municipais. KEYWORDS

Municipal archives; patrimony; preservation, municipal documents. MOTS-CLÉS

Archives Municipales; patrimoine; preservation, documentation municipale.

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DA PERIFERIA AO CENTRO: OBSTÁCULOS E PERSPECTIVAS DOS ARQUIVOS MUNICIPAIS

Claudio Dutra Crespo* Maria da Conceição Carnevale*

Introdução

A opção pela temática da organização dos arquivos municipais decorre, basicamente, de três fatores. O primeiro se refere à importância que os municípios adquiriram a partir do processo de redemocratização consolidado na Constituição Federal de 1988. O segundo resulta dos desafios encontrados para se estabelecer uma política de arquivos no município de Jacareí. O último se refere à oportunidade de explicitar uma reflexão, a partir do recorte da arquivística integrada, sobre os problemas e perspectivas do tratamento dos arquivos municipais dentro desse campo do conhecimento no país. Os arquivos municipais são, aqui, entendidos como um conjunto de informações registradas orgânicas, produzidas ou recebidas no decurso das atividades dos diversos setores da Prefeitura, dos órgãos da administração indireta e da Câmara do município. Elas podem estar registradas em diversos suportes, mensuráveis por metros lineares, unidades ou bits. No livro A Imagem e a Sombra da Arquivística, Luís Carlos Lopes22 relacionou as principais obras do pensamento arquivístico elaboradas nos últimos cem anos. Segundo o autor, as mais representativas na área. A partir da seleção realizada, compreende-se que há três grandes correntes no campo da arquivística contemporânea. Elas são delimitadas pela criação e redefinição dos conceitos básicos da disciplina e pelas práticas de tratamento dos documentos de arquivos. A arquivística tradicional, fundada no contexto de criação do Manual dos arquivistas holandeses (1898), voltou-se para os documentos em suporte papel e privilegiou a ordenação original na organização dos documentos. Os arquivos de custódia definitiva foram, então, tomados como objeto de estudo sistemático, inserindo a arquivística como disciplina auxiliar da história. As obras da arquivística tradicional se referem à organização de arquivos públicos. São construções que abordam, em geral, o arranjo, a conservação e a descrição dos documentos de arquivos. A intervenção direta na produção documental, na utilização administrativa dos arquivos e na avaliação não se constituem como seus objetos de estudos. A obra Arquivos modernos: princípios e técnicas de Theodore Schellenberg (1956, 1973, 2002), trouxe à baila a importância dos arquivos para a administração. O caráter histórico da disciplina vigente à época foi relativizado e se compreendeu o tratamento dos arquivos

*Mestres em Comunicação, Imagem e Informação, Especialistas em Organização, Planejamento e Direção de Arquivos /UFF. [email protected] [email protected] 22 LOPES, Luis Carlos. A Imagem e a Sombra da Arquivística. Rio de Janeiro: Arquivo Público do Rio de Janeiro,1998. P.64-8.

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permanentes como resultado das práticas que deveriam ser realizadas desde a criação dos documentos. O record management, outra corrente da arquivística, foi forjada em um ambiente social que evidenciava a necessidade de inserção dos arquivistas na administração dos arquivos, em sua fases corrente e intermediária. Originou-se da impossibilidade de se lidar, nos moldes tradicionais, com as massas documentais cada vez maiores, especialmente nas administrações dos EUA e do Canadá, principalmente a partir da segunda metade do século XX. O record management se constituiu em um conjunto de regras que visavam a gestão dos documentos (criação, tramitação, uso e descarte) e baseou suas práticas nos manuais de organização de documentos de interesse para as administrações. Entende-se que a arquivística integrada é a corrente do pensamento arquivístico internacional mais desenvolvida do ponto de vista científico, apesar de sua influência ainda pontual. Os avanços nos seus pressupostos, do ponto de vista da constituição de uma disciplina científica, aberta a outros domínios do saber, dentro de uma concepção multidisciplinar, requerem maior expansão em termos de aplicabilidade. Porém, nos aspectos teóricos, se concorda com o seu avanço na análise do objeto, das funções e da metodologia. As características dessa corrente se referem à organização da informação orgânica registrada em todas as suas fases, sem fragmentações; à intervinculação das funções da arquivística, especialmente, no que se refere aos procedimentos de classificação, avaliação e descrição; à redefinição do papel da arquivística, compreendendo os problemas informacionais em conjunto com outras disciplinas que têm a informação como objeto. Faz-se isto a partir de práticas técnico-científicas, utilizando-se a pesquisa e visualizando as ações de gerenciamento das informações nos arquivos correntes, intermediários e permanentes, reconhecendo-se as peculiaridades de cada fase. Desde 1982, com a obra Les

archives au XX siécle e vários artigos sobre a arquivística e, principalmente, em 1998, com o livro, Os fundamentos da disciplina arquivística e, em 1999, com Les fonctions de

l’archivistique contemporaine, os canadenses Carol Couture e Jean-Yves Rousseau deram essa nova perspectiva à disciplina, tratando-a no seio da realidade quebequense, de onde surgiram sinais de contestação dos critérios que geraram a dicotomia entre records e

archives. No Brasil, essa concepção da disciplina tem sua análise e difusão através das obras A informação e os arquivos: teorias e práticas (1996), A gestão da informação: as organizações, os arquivos e a informática aplicada (1997), .A Imagem e a Sombra da

Arquivística (1998), A Nova Arquivística na Modernização Administrativa: papéis e sistemas de assessoria (2000), todos de autoria de Luís Carlos Lopes. Há, ainda, o livro A

Formação e a Pesquisa em Arquivística no Mundo Contemporâneo (1999), escrito por Carol Couture, Jocelyne Martineau e Daniel Ducharme e traduzido por Luís Carlos Lopes. A noção de campo, arrolada nesse estudo, informa sobre o espaço de relações objetivas e de produções simbólicas dos agentes especializados dentro de uma coletividade (grupos sociais). Constitui-se em universos relativamente autônomos, caracterizados pelo habitus

de seus agentes, nos espaços sociais em que estão inseridos. De acordo com Pierre Bourdieu (1998), o princípio unificador e gerador de todas as práticas, na maioria das vezes descritas como escolhas ou até mesmo vocações, não é outra coisa senão o habitus. Um sistema de disposições inconscientes que constitui o produto da interiorização das

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estruturas objetivas, onde tende-se a produzir práticas e, por esta via, carreiras ajustadas às estruturas objetivas. O habitus é, portanto, um conhecimento adquirido. Na realidade, ele indica uma disposição incorporada, a postura assumida por um agente ou ator dentro de um determinado contexto social. Há por trás desse conceito um conjunto comportamental por ele definido, construído com bens simbólicos ao longo da história. Estes são formados por elementos culturais, como as tradições, os costumes, a linguagem etc. São constituídos de acordo com as classes sociais existentes em sociedades historicamente determinadas. Os indivíduos, dentro das diferentes esferas ou camadas sociais, vão identificando-se com aqueles que lhes são próximos, apropriando-se do habitus. Tal comportamento é o resultado não de uma inspiração em um modelo mas no desejo inconsciente que predispõe os indivíduos a adquirirem certas atitudes. Há, portanto, uma identificação, o estabelecimento de uma identidade proveniente das relações mantidas entre os indivíduos de diferentes posições sociais. A partir das análises de Bourdieu podemos compreender algumas permanências no campo da arquivística no país, cujos reflexos incidem sobre a organização dos arquivos municipais. A investigação partiu do exame crítico de trabalhos que versam sobre a organização de arquivos municipais e de textos básicos que tratam de aspectos teóricos e metodólogicos do fazer arquivístico. A partir desse patamar se procurou compreender os efeitos teóricos, dos administrativos e políticos, resultantes da gestão arquivística, mais especificamente no que concerne aos arquivos do município de Jacareí. De modo geral, o trabalho está dividido em dois eixos bastante nítidos. O primeiro, enfocou os traços fundamentais e as permanências que identificam e delimitam a área desse conhecimento no país, a partir de dados e da reflexão sobre os arquivos municipais. O segundo, tendo como ponto de partida os pressupostos teórico-metodológicos adotados pelos arquivistas, analisou os aspectos mais específicos da gestão dos arquivos municipais. Os arquivos municipais e seus problemas As transformações sociais e tecnológicas ocorridas no ocidente, a partir da segunda metade do século XX, ilustrada pelo domínio do audiovisual e da informática, criaram uma situação precursora de novos rumos para a arquivística. A gestão da informação se tornou, em tese, um novo problema para essa disciplina, tanto do ponto de vista cognitivo quanto do prático. No seio dessas mudanças passou-se a discutir os conceitos fundamentais e as metodologias empregadas na organização dos arquivos. O objetivo desse empreendimento era a construção de uma área técnica-científica que atenda aos desafios de uma gestão moderna e eficiente das informações registradas de natureza arquivística. No cenário brasileiro, essas questões aparecem ainda de forma bastante incipiente, comparando-se com o nível de discussões já realizados, sobretudo, entre europeus e norte-americanos. Verifica-se, assim, que no Brasil há o predomínio do empirismo e de soluções baseadas no senso comum para o tratamento das informações contidas nos arquivos. No caso dos arquivos municipais, a situação se agrava com a ausência da efetivação de políticas públicas voltadas para o tratamento desses conjuntos documentais.

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A desorganização no tratamento das informações arquivísticas, realidade da maioria dos arquivos públicos municipais, é ainda mais evidente à medida que se contradiz com a importância adquirida pelos municípios a partir do processo de redemocratização e do pacto federativo consolidado pela Constituição Federal de 1988. Após a promulgação da Carta Magna, os municípios brasileiros assumiram um papel de grande importância nas relações entre o Estado e a sociedade. Maria Odila Kahl Fonseca (1996), ao analisar a questão do acesso às informações e aos documentos produzidos e a transparência das administrações municipais, revela o descaso das prefeituras com os seus arquivos. Seu questionamento refere-se ao baixo grau de institucionalização dos arquivos públicos municipais, a ausência de uma visão dos arquivos existentes como órgão de administração e como instrumentos do processo decisório e a dispersão dos fundos de arquivos recolhidos. Considerando-se que as funções mais tradicionais dos arquivos têm sido o recolhimento, a preservação e o acesso aos documentos de valor permanente, nota-se que, ainda assim, esses órgãos não estão conseguindo desempenhar o seu papel. A ineficiência no uso dos documentos de arquivo para as atividades administrativas do dia- a-dia, o acúmulo de massas documentais e, conseqüentemente, a diminuição dos espaços físicos nos setores, a morosidade em acessar e fazer tramitar os processos e a perda de acervo por eliminação indiscriminada são problemas comuns existentes nos municípios, apesar disso não significar, na maioria dos casos para as suas administrações, um problema cognitivo e técnico-científico. Em Jacareí, as pesquisas para decisões administrativas e históricas enfrentam o obstáculo da ausência de fontes ou de sua desorganização e acúmulo. Essa situação é decorrente de vários anos de não tratamento das massas documentais provenientes das diversas administrações pelas quais a cidade atravessou. O relato puro e simples dos problemas da não-gestão dos arquivos já se tornou lugar comum dentro da disciplina. A questão que se coloca é então o de interpretá-los visando a construção de soluções baseadas em pressupostos teóricos da disciplina e que estejam abertas às propostas interdisciplinares que contribuam com técnicas adequadas as soluções dos problemas informacionais e comunicacionais enfrentados pela disciplina, construindo, assim, novos caminhos. Cabem aos profissionais da área a tarefa de conferir racionalidade as suas práticas, através da elaboração de trabalhos técnico-científicos e da aplicação de metodologias fundamentadas que dêem conta da complexidade do trabalho. As indagações sobre as razões desse conjunto de problemas são muitas e, para entendê-las, uma série de fatores devem ser considerados. Inicialmente, entende-se que há pouca difusão do conhecimento existente sobre a disciplina arquivística entre a grande maioria de profissionais que trabalham em atividades que lidam cotidianamente com a informação orgânica. Os conceitos e práticas arquivísticas não estão, na maioria dos casos, no rol dos conhecimentos e das técnicas utilizáveis para solucionar os problemas de gestão ou modernização das administrações. Habitualmente, os arquivos têm ocupado um lugar periférico nos projetos de modernização e de reformas existentes nas várias esferas administrativas, especialmente as municipais. A arquivística, nesse sentido, é um conhecimento isolado e os arquivos não representam um problema, no sentido filosófico, nem uma questão estratégica. Prova disso é a raridade de programas voltados para a gestão da informação arquivística, a não ser por sua faceta tecnológica.

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A crença na solução de todos os problemas informacionais e comunicacionais através dos recursos da informática é uma questão que se coloca para arquivística. Os administradores, analistas de sistemas, programadores, políticos e seus staffs, imbuídos da voracidade de modernização, na maioria das vezes, abordam os problemas de gestão da informação somente a partir da informatização, da redução de espaços, da manipulação tecnológica das informações. Em geral, ocupa-se dos processos de informatização dos trâmites, da digitalização ou da microfilmagem de documentos - essa última mais raramente. Os computadores, as redes e as demais ferramentas da informática, ícones da modernidade e instrumentos do trabalho arquivístico, aparecem com muito mais clareza dentro do processo. Os arquivos são lembrados em último caso e, geralmente, como depósitos de documentos inativos - os chamados “arquivos mortos”. Paradoxalmente, quando se tem em vista tratar a modernização administrativa pelos seus problemas mais significativos, surgem questões que esbarram na eficiência, no acesso e controle das informações e no exercício da cidadania. Tais questões não têm respostas sem que haja a implantação de um programa de gestão arquivística. Isso por se referirem mais especificamente aos conteúdos informacionais do que aos meios tecnológicos de transmissão, ainda que os suportes onde estão os registros sejam importantes no trabalho arquivístico. Questões como o plano de classificação dos documentos e informações, os valores, a prescrição, os prazos de guarda e a eliminação dos documentos não são respondidos pelo aparato tecnológico. Há a necessidade de um trabalho técnico-científico baseado no estudo das atividades, das funções e da estrutura pública, da história, da legislação arquivística e das demais que regem as matérias, as quais a municipalidade está envolvida. O reduzido número de trabalhos de gestão de arquivos municipais e as deficiências quanto à implantação de propostas de classificação, de avaliação e soluções de aplicabilidade das tecnologias da informação são importantes entraves e desafios encontrados no processo de organização dos conjuntos documentais municipais. Outro fator relevante sobre as origens dos problemas arquivísticos é a hegemonia da concepção tradicional dos arquivos e da arquivística presente no Brasil. A força do senso comum e as práticas que o reforçam dentro do campo da arquivística corrobora a idéia de disciplina auxiliar da história. A concepção da instituição arquivística está limitada ao recolhimento e custódia, à organização e preservação e à difusão das informações contidas no patrimônio arquivístico municipal e nas coleções de valores históricos que compõem o acervo. O modelo tradicional ainda é marcante nos vários órgãos que têm sob sua responsabilidade a custódia do patrimônio material, ou seja, dos documentos produzidos pela administração pública municipal. A análise dos dados da página do Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ) e do website

Arquivos e Municípios, além de mostrarem números bastante incipientes em termos de institucionalização de arquivos públicos e de implantação de sistemas ou redes de arquivos municipais, revelam também que a maior parte das instituições arquivísticas foram criadas e são mantidas como órgãos da cultura e depositárias da história municipal. São raros os arquivos concebidos como órgão de gestão estratégica das administrações municipais. O que se percebe é a designação do arquivo como lugar de memória, tal como relata Pierre Nora (1984). Lugares esses que presentificam o passado e servem como referência na busca da sua recuperação. Eles permitem transformar o invisível em visível e são capazes

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de materializar o passado, torná-lo palpável e próximo de nosso mundo, de nossa realidade. Segundo o autor, quanto menos a memória é vivida mais ela necessita de suportes exteriores. “Daí a obsessão pelo arquivo que marca o contemporâneo e que afeta simultaneamente a conservação de todo o presente e a preservação integral de todo o passado.”23 O senso comum das atividades dos corpos burocráticos municipais brasileiros e a cultura administrativa pouco pragmática encontradas, em especial, nas administrações públicas têm sido um outro obstáculo à gestão dos arquivos. Associa-se a esses a falta de percepção da informação arquivística como recurso estratégico e o formalismo das práticas arquivísticas. Habermas (l984) rompeu com o formalismo ao apontar a possibilidade de interação entre o agir estratégico e o agir comunicativo, entre a perspectiva prática e a teórica, simbólica. O autor reconheceu os limites do formalismo para a compreensão da sociedade contemporânea; a inoperância desse tipo de ação frente à dinâmica social. O mesmo autor (1989), em seu livro Consciência moral e agir comunicativo, nos trouxe a compreensão da historicidade das noções de moral e da implicação entre o conhecimento disponível em uma sociedade, a visão global do mundo e o comportamento das pessoas. Ele descreveu o agir estratégico e o agir comunicativo como posturas a serem adotadas diante dos problemas. A partir da reflexão de Habermas, o formalismo e as práticas espontaneístas presentes na cultura administrativa brasileira e nos atores sociais ligados ao campo arquivístico podem ser compreendidos como um agir burocrático. Esse decorre, no nosso caso, do comportamento pouco reflexivo diante dos desafios colocados pelos fenômenos informacionais contemporâneos. A execução das práticas arquivísticas segue a lógica formal, onde os significados são desconsiderados. A postura dos profissionais da informação frente aos problemas arquivísticos tem sido, em sua maioria, de reprodução dos tradicionais conceitos e procedimentos técnicos. São posturas hegemônicas, possíveis dentro do contexto científico e sócio-político da arquivística brasileira. O lugar secundário dessa disciplina, o habitus vigente no campo, a subordinação à esfera pública burocrática e a tradição administrativa patrimonialista compõem esse cenário. Nesse contexto estão, também, os dispositivos legais referentes aos arquivos. Apesar de sua importância, eles mostram-se insuficientes para a implementação de uma política arquivística nas instituições por estarem afastados do conhecimento da área, das soluções técnicas fundamentadas na teoria e da aplicação dos avanços tecnológicos nas atividades como resposta aos desafios contemporâneos da gestão da informação. Assim, a constituição de uma prática validada por uma teoria é a pedra fundamental para não permanecer apenas no legalismo. A última questão a ser destacada, e é a origem dos principais problemas da área, refere-se a formação e a qualificação dos profissionais que lidam, direta ou indiretamente, com a informação arquivística. Muitas são as teorias que procuram explicar as razões para esse problema. Na maioria dos casos, as respostas são formalistas e acabam por limitar-se ao

23 NORA, Pierre Entre memória e história: a problemática dos lugares. Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em História e do Departamento de História . São Paulo, n.10, dez.1993.

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aspecto da literatura traduzida no Brasil e o descompasso entre o que está sendo produzido e a difusão dos trabalhos. O problema maior é que a literatura que nos é oferecida não é alvo de discussões e debates, tanto nas universidades quanto nas instituições e associações de arquivistas. Independentemente do número de trabalhos publicados é primordial que haja uma discussão dos temas abordados. A ausência de debates de idéias contribui para a inércia da área no Brasil. Isso ocorre, ainda, porque a arquivística é considerada mais como uma área do fazer do que do saber. A separação entre teoria e prática contribui para o atraso da área. Nesse sentido, pode-se afirmar que não existe, no país, uma comunidade arquivística. Poucas pesquisas são realizadas e os currículos dos cursos universitários não atendem as novas demandas. Apesar de ser uma área com fins técnicos, isso não significa abandonar uma permanente reflexão sobre a aplicabilidade do trabalho, através de pesquisas. Para se dominar um conhecimento científico ou técnico é preciso que ensino e pesquisa se desenvolvam lado a lado, pois um não se realiza sem o outro. Para se “transmitir” conhecimento é preciso que se domine o “fazer” conhecimento. Quando uma teoria é ensinada, não se estabelece uma relação com a prática do trabalho em arquivos. Não basta conhecer a teoria das três idades, mas compreender o que isso significa, em termos reais, quando nos deparamos com uma dada massa documental. Como aplicar a teoria, estabelecer valores aos documentos, classificar, descrever, avaliar? Muitas dessas perguntas ficam sem respostas. A fragilidade teórica da área, a sua pouca visibilidade no campo científico e a condição de exclusão da maioria de seus agentes têm sido as razões pelas quais ocupa lugar secundário no mundo acadêmico e nas administrações públicas. Assim, todos os profissionais envolvidos ratificam o modus operandi já consagrado nos trabalhos arquivísticos e constroem o cenário, hoje bastante hegemônico, da área.

As perspectivas de transformação Ao se tratar das perspectivas é importante ressaltar que se parte, nesse artigo, dos avanços acumulados pelo campo da arquivística no Brasil. Não se quer, nem se poderia estabelecer, nesse momento, um marco zero nas ações da área, muito menos esgotar o tema. Entende-se que as conquistas serão graduais; por conseqüência das questões políticas que envolvem as transformações em toda área de conhecimento, tanto no seu aspecto teórico quanto prático, pelos obstáculos epistemológicos da disciplina e pelas mediações com a cultura administrativa do país e entre os próprios profissionais. Após uma reflexão crítica sobre os arquivos municipais compreende-se que as mudanças necessárias terão que romper com a atual hegemonia da arquivística no país. Defende-se uma disciplina científica, autônoma e que estabeleça fronteiras com outros saberes a fim de buscar soluções para os seus problemas informacionais. A ruptura com o status quo da disciplina, no Brasil, é condição sine qua non para a composição de um conhecimento de cunho científico.

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A cisão com os paradigmas burocráticos, formalistas, maximalistas e com o senso comum espontaneísta das práticas arquivísticas são fundamentais para a construção de um campo científico. O estabelecimento de ações minimalistas na transformação da arquivística praticada e pensada no país é vital. Acredita-se que os estudos de caso, constituídos como objetos de pesquisa, propondo soluções específicas, são um recurso metodológico possível. O caso específico pode conter, em estado microscópico, os problemas mais gerais. Entende-se que os estudos de caso são mais significativos que as propostas maximalistas existentes. Os pressupostos da arquivística integrada são defendidos neste texto como possibilidade de afirmação desta disciplina, inserida nos ramos das ciências sociais aplicadas, no que tange à pesquisa e à prática técnico-científica. As teorias devem encontrar espaço para a sua aplicação, isto é, para orientar a organização de arquivos. Acredita-se que ao organizá-los, segundo os postulados da arquivística integrada, se faz o tratamento dos arquivos independente de suas idades e inter-relacionando os procedimentos básicos. Valoriza-se a pesquisa e as metodologias capazes de responder aos problemas de gestão dos arquivos frente aos avanços informacionais atuais. De nosso ponto de vista, a principal questão política a ser enfrentada é a da inclusão da gestão da informação arquivística na pauta de planejamento estratégico das administrações municipais. As práticas arquivísticas devem ser elaboradas e divulgadas como possibilidades de atualização dos serviços de arquivo e a modernização da gestão da informação. É preciso superar os atuais métodos artesanais empregados para gerir e acumular informações e documentos. A ocupação do espaço na gestão político-administrativa, através das soluções de classificação, avaliação, controle informatizado dos documentos, padronização de formulários e outras espécies documentais, devem partir dos profissionais engajados na reconstrução do campo e no estabelecimento de produtos reais, ou seja, arquivos organizados. Acredita-se que a organização dos arquivos municipais consiste em implementar um conjunto de procedimentos técnicos fundamentados na teoria da disciplina e que correspondam aos princípios definidores do objeto e da própria disciplina. Pensa-se que no estado atual, os esforços devem se voltar no sentido de fazer da classificação, da avaliação, do controle da produção documental e do uso da informática aplicada aos arquivos o epicentro do trabalho. Defende-se a adoção de propostas classificatórias que organizem os arquivos independentemente de suas idades, estabelecendo a classificação na origem, ou seja, na fonte produtora ou recebedora dos documentos. A classificação é compreendida como procedimento intelectual e físico sobre os arquivos, baseado em uma hierarquização das suas informações, mantendo-se a relação orgânica entre elas. A classificação de fundos deve resultar do processo de pesquisa sobre a instituição e ser a representação ideológica das informações contidas nos documentos referentes às estruturas, às funções, principalmente, às atividades de uma da entidade (Lopes, 1997). Um passo importante para a gestão dos arquivos municipais, além dos procedimentos básicos de definição da classificação e da avaliação, é a intervenção dos arquivistas na

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produção documental como estratégia facilitadora de inserção nos arquivos correntes. Couture (1999) define a produção documental como uma das funções cujas atividades são a padronização de tipologias e o controle da produção e reprodução de documentos, de acordo com as necessidades de cada atividade. Através da intervenção dos arquivistas na padronização de formulários, de modelos de relatórios, de correspondências é possível criar um maior número de tipologias específicas para cada atividade com classificação e definição diplomática previamente definidas. Essa ação facilitaria a organização dos documentos nos arquivos correntes e a sua avaliação. Evidentemente, o plano de classificação dos documentos deve ser o primeiro instrumento a ser construído após os levantamentos necessários ao diagnóstico e projeto de trabalho. Por exemplo, são comuns formulários específicos para compra de material, relatórios de atividades e outros. Esse fato pode ser relevante para se romper com o problema das dificuldades de classificação dos documentos encontrados pelos profissionais que não conhecem o trabalho técnico nos arquivos. Crê-se que nem todas as tipologias terão uma intervenção tão específica, porém, grande parte pode ser padronizada. Deve-se partir dos modelos mais comuns aos mais complexos. Acredita-se que essa intervenção possa ser significativa na gestão dos arquivos correntes. Porém, ela deve ser implantada modularmente em conjunto com a classificação e as demais funções arquivísticas. Por último, entende-se que as perspectivas podem se consolidar se houver maior engajamento dos profissionais na transformação da arquivística local. O profissional da área que acumule conhecimentos oriundos de sua prática de organização de arquivos e que desenvolva os aspectos teóricos da disciplina dentro da realidade em que estão envolvidos. Quer-se um arquivista-pesquisador. Pensa-se que, para fazer evoluir a arquivística, deve haver criatividade e inovações científicas, construídas do esforço criador do pensamento de profissionais da área. Os interesses dos indivíduos em construir um campo arquivístico de caráter científico, os conhecimentos produzidos e a ambiência cultural e política são fatores que trarão sinais de mudanças ao estatuto atual da arquivística no Brasil.

Considerações finais A transição entre o lugar periférico ocupado pelos arquivos municipais e a sua colocação como ponto estratégico para as administrações e para a pesquisa requer mudanças graduais e significativas no campo desse saber no Brasil. Essas mudanças vão do engajamento dos profissionais da área à reflexão sobre o papel da disciplina e à construção de seus instrumentos básicos de trabalho. A localização central dos arquivos municipais demandará esforços diversos que reconstruam a disciplina em patamares científicos mais elaborados. Conclui-se que a organização dos arquivos municipais carece de propostas mais sistematizadas, que atendam aos desafios da gestão. As soluções técnico-científicas devem abranger questões colocadas pelas tecnologias da informação e romper com o distanciamento entre a teoria e práticas existentes nesse campo. A ruptura com o domínio hegemônico da arquivística espontaneísta e com o agir burocrático é uma condição para que a gestão da informação arquivística se constitua em objeto valorizado de estudo e de trabalho.

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Defende-se a tese de que só com uma teoria válida se pode construir uma prática eficiente e afirmar-se como um saber constituído. O reconhecimento do estatuto da arquivística como um saber passa pela estruturação de suas atividades e de seu campo. Há a necessidade de se estabelecer relações de interdisciplinaridade, sem que haja a subserviência a quaisquer domínios do conhecimento humano. É preciso, ainda, romper com os elementos de exclusão social e política nos quais a arquivística está inserida. O engajamento sócio-político mais abrangente, que interferem na condição social dos agentes e na relação de poder com outros segmentos sociais, é fator importante para a ruptura com a exclusão social imposta a este campo. Entende-se que parte dos problemas levantados se refere à conjuntura política do país e as relações de poder nas quais a arquivística está inserida. Como em todos os fenômenos sociais, não há um descolamento destes problemas da realidade social. Porém, há possibilidade de ações minimalistas. Apesar do vínculo dos problemas arquivísticos com as questões macro-estruturais do país, as intervenções localizadas podem criar paradigmas de tratamento técnico-científico dos arquivos municipais. A gestão dos arquivos municipais deve se pautar na racionalidade das técnicas administrativas e arquivísticas. É necessário identificar os problemas e formular questões que se materializem em práticas de organização de arquivos fundamentadas teoricamente. A compreensão dos problemas da gestão dos arquivos, dentro de uma perspectiva de investigação científica, pode trazer soluções ao tratamento técnico de arquivos. Conclui-se que a gestão dos arquivos municipais pressupõe as seguintes questões: a racionalidade das práticas administrativas; a constituição de um problema prático ou teórico que estabeleça o desenvolvimento de um trabalho; o entendimento da informação registrada como recurso estratégico das instituições para melhoria das suas ações; a concepção da informação arquivística como fragmento de conhecimento sobre os assuntos das administrações municipais e dela como um todo; a existência de profissionais da informação capazes de propor soluções ou melhorias ao trabalho de natureza arquivística.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, l998. BRASIL. Lei nº 8.159, de 9 de janeiro de 1991. Dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. v.29, nº 6, p. 455, jan. 1991, Seção I. CARNEVALE, Maria da Conceição. Os arquivos históricos e o trabalho arquivístico no Rio de Janeiro. Niterói (RJ): UFF, 2000. 209p. Dissertação de mestrado. COUTURE, Carol. Les fonctions de l’archivistique contemporaine, Quebec: 1999.

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Sites visitados: http://www.arquivonacional.gov.br/conarq/qsomos/ent.htm http://www.geocites.com/arquivosmunicipais/

TITLE

From the margin to the center: obstacles and perspectives of municipal archives.

TITRE De la Phériferie au centre: obstacles et perspectives des archives municipales.

RESUMO O objetivo deste artigo foi enfocar os problemas e as perspectivas de transformação na organização dos arquivos municipais. A análise partiu de dois eixos. O primeiro abordou traços fundamentais e permanências do campo da arquivística no país. O segundo analisou os aspectos específicos, como as funções arquivísticas e o problema das massas documentais. Confirmou-se que há uma separação entre a teoria e as práticas de organização dos arquivos, em especial, os municipais. Conclui-se que a arquivística tem avançado nos últimos anos, porém, no que se refere à organização dos arquivos municipais, as soluções têm sido, caracteristicamente, maximalistas. Buscam respostas em áreas cujos estudos ainda são incipientes, burocráticos e fragmentados. Esse conjunto, de modo geral, resulta em um trabalho marcado pelo senso comum e sem fundamentos técnicos.

ABSTRACT

This article examines the transformation of the municipal archive organization and its troubles and perspectives. The analysis focus has two central points. The first issues the fundamental aspects and permanencies of the archivistic area in Brazil. The second analyzes specific aspects, like archivistic functions and mass of documents accumulated. This study confirms a separation between archivistic theory and the practices administered to the municipal archive organization. The conclusion is that Archivistics has advanced in the past years, however, when the concern is about the municipal archive organization, the solutions have been maximalistic, i.e., answers are searched in areas on which studies are still incipient, bureaucratic and fragmented. This situation, generically, results in a work characterized by common sense and without technical foundation.

RÉSUMÉ

L´objectif de cet article a été focaliser les problèmes et les perspectives de transformation dans l'organisation des archives municipales. L'analyse est parti de deux axes. Le premier a abordé des traces fondamentales et des permanences du champ de l'archivistique dans le pays. Le deuxième a analysé les aspects spécifiques, comme les fonctions archivistiques et le problème du volume documentaire. Il s'est confirmé qu'il y a une séparation entre la théorie et les pratiques d'organisation de fichiers, en particulier, les municipales. Il s'est conclu que l'archivistique a avancé dans les dernières années, néanmoins, en ce qui concerne l'organisation des archives municipales, les solutions ont été, caractéristiquement, maximalistes. Les réponses sont cherchées dans des secteurs dont les études sont encore naissants, bureaucratiques et fragmentés.Cet ensemble de manière générale, résulte dans un travail marqué par le sens commun et sans fondements technique.

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PALAVRAS-CHAVE

arquivos municipais, campo da arquivística, gestão de arquivos.

KEYWORDS

municipal archives, field of archivistics, record management.

MOTS – CLÉS Archives municipales; champ de l'archivistique; gestion d'archives.

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ALCANCE DA DESCRIÇÃO ARQUIVÍSTICA E O PROCESSO DE AUTOMAÇÃO24

André Porto Ancona Lopez**

A organização arquivística de qualquer acervo pressupõe não apenas as atividades de classificação25, mas também as de descrição26. Somente a descrição arquivística garante a compreensão ampla do conteúdo de um acervo; possibilita tanto o conhecimento como a localização dos documentos que o integram; a descrição não pode ser dissociada da atividade de classificação. Nesse sentido, podemos afirmar que as atividades de classificação só conseguem ter seus objetivos plenamente atingidos mediante a descrição documental. Sem a descrição corre-se o risco de criar uma situação análoga à do analfabeto diante de um livro, que ele pode pegar e folhear, mas ao qual não pode ter acesso completo por não possuir meios que lhe permitiriam compreender a informação. A classificação arquivística, desprovida das atividades de descrição, somente é inteligível para as pessoas que organizaram o acervo.

Uma discussão mais sistematizada sobre a automatização da descrição arquivística passa, necessariamente, por uma reflexão mais acurada sobre o alcance desta atividade, suas ferramentas e o tipo de conjunto a ser descrito. Acreditamos que soluções distintas deverão ser adotadas para diferentes combinações de tais fatores.

1. O alcance da descrição arquivística

Antes da discussão da automação é preciso definirmos melhor a que nos referimos com a expressão descrição arquivística. De acordo com o Dicionário de terminologia

arquivística27, a descrição estaria mais afeta às atividades dos arquivos permanentes, com a

elaboração de instrumentos de pesquisa28. Nesse sentido, a questão proposta poderia ter dois encaminhamentos: como automatizar a descrição arquivística de conjuntos documentais classificados e descritos a partir de massas documentais acumuladas29; ou

24 Trabalho apresentado na mesa redonda Automação da descrição arquivística, integrante do Fórum de debates sobre automação da descrição de acervos arquivísticos em História das Ciências e da Saúde, promovido pela Casa de Oswaldo Cruz. ** Doutor e mestre em História Social pela FFLCH-USP; especialista em arquivos pelo IEB-USP; professor da Universidade Estadual de Maringá; professor do Curso de Especialização em Arquivos do IEB-USP. [email protected]

25 “Classificação: seqüência de operações que, de acordo com as diferentes estruturas, funções e atividades da entidade produtora, visam a distribuir os documentos de um arquivo.” (Dicionário de terminologia arquivística; p.16); o mesmo que arranjo.

26 “Descrição: fase do tratamento arquivístico destinada à elaboração de instrumentos de pesquisa para facilitar o conhecimento e a consulta dos fundos documentais e das coleções dos arquivos.” (Idem; p.32).

27 Cf. Idem.

28 “Instrumento de pesquisa: obra de referência, publicada ou não, que identifica, localiza, resume ou transcreve em diferentes graus e amplitudes, fundos,. grupos, séries e peças documentais existentes num arquivo permanente, com a finalidade de controle e de acesso ao acervo.” (Idem; p.45).

29 Entendemos a massa documental como o grande volume de documentos acumulados de maneira desordenada que o arquivista é obrigado a organizar bem posteriormente à criação e utilização institucional

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como proceder com relação ao ciclo vital30 de tal modo que na ponta final do processo de avaliação31 — o arquivo permanente32 — a descrição se torne automatizada. Essa segunda opção implicaria na adoção de um sentido mais lato, conceitualmente mais abrangente, da descrição arquivística, incorporando os instrumentos de controle33 sob sua égide e considerando as atividades de descrição presentes em todas as fases do ciclo vital arquivístico. De qualquer modo nunca se poderá perder de vista o horizonte dos documentos permanentes.

2. As ferramentas da descrição

Outra indagação a ser feita diz respeito ao tipo de ferramenta a ser utilizada em cada uma das possibilidades de descrição. A norma internacional de descrição arquivística —

ISAD (G) —, por exemplo, apesar de uma pretensão universal, ainda tem uma aplicação muito restrita no universo dos instrumentos de controle dos arquivos correntes34 e intermediários35. O principal problema encontra-se no fato de a norma não contemplar a condição sine qua non para a descrição arquivística, que é a classificação, aumentando o fosso existente entre a teoria e a prática arquivística. A tradição ibérica e latino-americana da confecção de instrumentos de pesquisa também não é totalmente adequada à descrição de documentos mais próximos ao uso administrativo; tampouco existem estudos mais sistematizados sobre a integração deste sistema com a ISAD (G)36. Por outro lado, os instrumentos de controle mais usuais, e que atualmente têm sido aprimorados com a disseminação da informática, são incapazes de alcançar os resultados requeridos pelo arquivo permanente, sobretudo porque tendem a não acompanhar os documentos no ciclo vital. O problema geral diz respeito ao silêncio que os sistemas de descrição fazem em relação às atividades de classificação.

dos mesmos. A massa documental se contrapõe a um sistema arquivístico que promova um acompanhamento contínuo dos documentos desde o momento da criação destes até sua destinação final. 30 “Ciclo vital dos documentos: sucessão de fases por que passam os documentos, desde o momento em que são criados até a sua destinação final.” (Dicionário de terminologia arquivística; p.15.). 31 “Avaliação: processo de análise de arquivos, visando a estabelecer sua destinação de acordo com os valores que lhes forem atribuídos.” (IDEM; p.11). 32 “Arquivo permanente: conjunto de documentos custodiados em caráter definitivo, em função de seu valor.” (IDEM; p.8). 33 “Instrumentos de controle: instrumentos elaborados nas fases de identificação e avaliação. [...] os instrumentos de controle são os seguintes: fichários de organismos, fichários de tipos documentais, controles de séries, planos de classificação, registros topográficos, registro gráfico de depósitos; e na fase de avaliação: relações, tabelas de temporalidade, registros gerais de entrada e saída, relações de eliminação, informes e projetos de eliminação, relação de testemunhos resultantes de amostragem etc.” (Diccionario de terminología archivística; p.40; tradução livre). Tais instrumentos, que estão ligados à descrição para os espanhóis, não são contemplados na versão brasileira de terminologia arquivística. 34 “Arquivo corrente: conjunto de documentos estreitamente vinculados aos objetivos imediatos para os quais foram produzidos ou recebidos no cumprimento de atividades-fim e atividades-meio e que se conservam junto aos órgãos produtores em razão de sua vigência e da freqüência com que são consultados.”(Dicionário de terminologia arquivística; p. 6). 35 “Arquivo intermediário: conjunto de documentos originários de arquivos correntes, com pouco uso freqüente, que aguardam, em depósito de armazenamento temporário, sua destinação final.” (IDEM; p.7). 36 Para um mapeamento mais detalhado sobre a ISAD (G) ver LOPEZ, A. International Standard Archival Description.

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A importância de um instrumento como a ISAD (G) para a comunidade arquivística é mais evidente quando pensamos nas possibilidades abertas pelo avanço da informática em nível mundial. Para que a troca eletrônica de informações sobre os acervos seja satisfatória é necessário que, cada vez mais, os arquivistas comecem a falar a mesma língua. Nesse sentido, é fundamental o estabelecimento de diretrizes básicas para todas as atividades relacionadas à organização arquivística, principalmente a classificação.

Entretanto, a ISAD(G) é passível de algumas críticas. Uma delas seria sobre a representatividade internacional da norma — há um descompasso entre os países representados na Comissão ad hoc, responsável pela elaboração da norma, e os grandes produtores de documentos em nível mundial37. Outra crítica refere-se ao tratamento dado pela norma à relação entre as atividades de descrição e as de classificação arquivística.. Essa segunda questão diz respeito à falta de uma definição mais precisa, pela norma, sobre a premência das atividades de classificação arquivística, destacando-se, na opinião de Heredia Herrera, a ausência de qualquer definição para os grupos e as coleções38. A definição de tais termos nos parece fundamental dentro das atividades de classificação, por se referir à relação existente entre os documentos e seus produtores, conforme o princípio da proveniência39. Na realidade, a maior preocupação da norma está em satisfazer as demandas de consulta, limitando o vínculo orgânico das unidades documentais apenas ao fundo de arquivo. A proveniência, como sabemos, identifica a organicidade entre os documentos e as atividades que os produziram, configurando uma relação hierárquica dentro do fundo arquivístico, que não é contemplada pela ISAD(G). Esse silêncio é mais forte no que se refere à definição dos tipos documentais40; isto é, o estabelecimento de séries documentais41, definidas de acordo com as atividades do titular, atreladas a espécies documentais42 específicas.

Outro ponto a ser salientado, principalmente na tradição arquivística ibérica e latino-americana, é a adoção, de longa data, de procedimentos de descrição que estabelecem parâmetros para a confecção de diferentes tipos

37 Cf. HEREDIA HERRERA, A. La norma ISAD(G) y su terminología; p.19-21. Apesar de a versão de 1999 da ISAD(G) ter procurado ampliar o escopo de representatividade, ao contemplar exemplificações em português (Brasil) e italiano, a questão de uma normalização terminológica mais aprofundada continua necessária conforme apontamos em texto anterior. Ver: LOPEZ, A. Op. cit. 38 HEREDIA HERRERA, A. Op. cit. 39 “Princípio da proveniência: princípio segundo o qual os arquivos originários de uma instituição ou de uma pessoa devem manter sua individualidade, não sendo misturados aos de origem diversa.” (Dicionário de terminologia arquivística; p.61). 40 “Tipo documental: configuração que assume uma espécie documental de acordo com a atividade que a gerou.” (IDEM; p.74). “Tipologia: o tipo de documento que pode existir em uma unidade de descrição, por exemplo: cartas, livros de atas.” ( CONSEJO INTERNACIONAL DE ARCHIVOS. Op. cit.; p.15). Para uma discussão mais detalhada sobre os tipos documentais ver LOPEZ, A. Tipologia documental de partidos e associações políticas brasileiras e BELLOTTO, H. Como fazer a análise diplomática e análise tipológica de documento de arquivo. 41 “Série: seqüência de unidades de um mesmo tipo documental.” (Dicionário de terminologia arquivística; p.69). “Série: Documentos organizados de acordo com o procedimento administrativo ou conservados como uma unidade porque são o resultado da mesma gestão ou procedimento, ou da mesma atividade, têm uma mesma tipologia, ou devido a qualquer outra relação derivada de sua criação, recepção ou utilização.” (CONSEJO INTERNACIONAL DE ARCHIVOS. ISAD (G); p.15). 42 “Espécie documental: configuração que assume um documento de acordo com a disposição e a natureza das informações nele contidas.” Dicionário de terminologia arquivística; p.34).

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de instrumentos de pesquisa43. Tais instrumentos são definidos de acordo com a hierarquia do conjunto documental a ser descrito: guia para a instituição, descrevendo sumariamente os fundos; inventários para conjuntos menores como fundos e/ou grupos, descrevendo sumariamente as séries; catálogos quando se deseja atingir peças individualizadas do acervo. É lógico que a ISAD (G) não impede que esses instrumentos, feitas as devidas adaptações, se enquadrem na norma. Porém seria conveniente que o CIA se dispusesse a vincular à norma diretrizes mínimas que remetessem a descrição à classificação arquivística e à organicidade dos documentos de arquivo44. Dito de outra maneira, a norma peca por sua excessiva generalidade. Ao tentar contemplar tudo o que pode ir na descrição arquivística, a norma relegou a um segundo plano as informações mínimas que devem, necessariamente, constar de qualquer trabalho de natureza arquivística.

É preciso, a despeito dos problemas apresentados, valorizar os méritos da ISAD (G). Ela é, sem dúvida, uma primeira referência fundamental para qualquer atividade de descrição — ressalvando que tal atividade não pode ser executada de maneira isolada em relação à classificação. Talvez seja melhor, entretanto, encará-la mais como uma diretriz geral do que uma norma propriamente dita. A utilização dos princípios da estrutura multinível45 proposta pela ISAD (G), somada a uma classificação arquivística guiada pelo princípio da proveniência, pode atingir resultados promissores. Os arquivistas, de modo geral, teriam a incumbência de propor soluções para as deficiências, ou omissões, da norma. Aos arquivistas de tradição ibérica caberia retomar a definição dos instrumentos de pesquisa clássicos, adaptando-os à nova realidade, propondo, dentro da própria ISAD (G), as padronizações de guia, inventários e catálogos. A norma, apesar de não contemplar todos os arquivos de modo ideal, tem a vantagem de estar realmente se constituindo em uma diretriz internacional, sendo cada vez mais utilizada e discutida.

3. O tipo de acervo A terceira variável refere-se ao tipo de conjunto documental a ser descrito. Ela está em relação direta como o alcance pretendido para a descrição. Por exemplo, arquivos pessoais, permanentes por natureza, terão sempre sua classificação e descrição arquivísticas feitas após o encerramento do fundo, com a morte do titular. Mesmo nos casos em que o próprio titular inicia esse processo de organização46 — e caberia discutir se esse tipo de organização é verdadeiramente arquivística ou não —, o ponto de partida continua a ser a massa documental acumulada. Situação similar seria aquela enfrentada por coleções que, embora não tenham organicidade arquivística, são contempladas pela ISAD(G) como material passível de descrição arquivística47. No outro extremo teríamos arquivos 43 Um manual pormenorizado sobre os diferentes tipos de instrumentos de pesquisa pode ser visto em Lopez, A. Como descrever documentos de arquivo. 44 Outra solução seria a constituição de amplo debate, a exemplo do que vem sendo feito na Espanha, para a consolidação de normas nacionais para a aplicação da ISAD (G).

45 Alguns aspectos norteadores da descrição multinível estão esquematizados em SILVA, J. Descrição multinível: regras da descrição multinível.

46 Como exemplo de organização arquivística de arquivo pessoal iniciada pelo próprio titular ver FRAIZ, P. A dimensão autobiográfica dos arquivos pessoais: o arquivo de Gustavo Capanema. 47 A coleção de cartões postais do Arquivo Municipal de La Coruña constitui um exemplo de descrição que mescla a tradição ibérica de instrumentos de pesquisa com a norma ISAD (G) e que, por sua própria natureza,

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institucionais, com os ciclos vitais regidos por eficientes tabelas de temporalidade, para quem a automatização da descrição poderia dar-se mediante ajustes nos instrumentos de controle do trâmite e da avaliação. É preciso que se tenha em mente que há situações em que, devido à própria natureza dos acervos, a automação da descrição não poderá ser pensada senão na forma de informatização de dados, posterior ao processo de classificação.

4. A automação da descrição arquivística

O tipo ideal da automação seria aquela na qual as atividades de produção e controle documental encontram-se intimamente ligadas com a preservação permanente e, portanto, com sua descrição. Nesse sentido, é mister traçar um quadro de possibilidades entre o que se vai descrever e como será feita essa descrição. De acordo com tais possibilidades teríamos, então, os seguintes caminhos:

4.1. descrição automatizada, preparada juntamente com o controle do ciclo vital

A inserção das atividades de descrição, ou pelo menos de uma preparação para tais atividades, já no arquivo corrente — considerando a existência de um sistema de eliminação48, transferência49 e recolhimento50 sistematizado, eficaz e em pleno funcionamento — em arquivos administrativos de natureza institucional representaria um passo inicial em direção à automatização da descrição. Nesse caso, uma vez definido o tipo de instrumento desejado, bastaria incorporar as informações requeridas nos instrumentos de controle e, igualmente importante, manter tais informações juntas com os documentos nas atividades de transferência e recolhimento. A sistematização de informações geradas para o controle durante a organização pode ajudar a constituir ótimos instrumentos de pesquisa. Dados como o plano de classificação51, os critérios de ordenação52 dos documentos nas séries, o arrolamento das datas-limite53, dos tipos documentais, e outros serão ótimos pontos de partida.

Na organização arquivística, é necessário ter sempre em mente a importância das atividades de descrição. Igualmente importante é prever os instrumentos de pesquisa que poderão ser produzidos como resultado direto da classificação arquivística. Muitas vezes uma só poderá ter sua descrição informatizada a posteriori de sua constituição e, no máximo, concomitantemente à sua classificação. Ver SUARÉZ RODRíGUEZ, M. La colección de tarjetas postales en el Archivo Municipal. 48 “Eliminação: destruição de documentos que, na avaliação, forem considerados sem valor para guarda permanente.” (Dicionário de terminologia arquivística; p.32). 49 “Transferência: passagem de documentos do arquivo corrente para o arquivo intermediário.” (IDEM; p.75). 50 “Recolhimento: passagem de documentos do arquivo intermediário para o arquivo permanente.” (IDEM; p.64). 51 Plano de classificação: o mesmo que quadro de arranjo; é o esquema geral da classificação dos documentos, separando as séries e os respectivos grupos que compõem o fundo de arquivo. “Instrumento de

controle resultante da fase de identificação, que reflete a organização de um fundo documental ou da

totalidade dos fundos de um arquivo e contém os dados essenciais de sua estrutura (denominação de grupos,

séries, datas-limite etc.).” (Diccionario de terminología archivística; p.30). 52 “Ordenação: disposição dos documentos de uma série, a partir de elemento convencionado para sua recuperação [alfabético, cronológico, geográfico, numérico-cronológico, numérico simples, temático, temático-dicionário, temático-enciclopédico].” (Dicionário de terminologia arquivística; p.55 e ss.). 53 “Datas-limite: elemento de identificação cronológica em que são mencionados os anos de início e término do período abrangido pelos documentos de um processo, dossiê, série, fundo ou coleção.” (IDEM; p.22).

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informação, secundária no momento da classificação, pode vir a ser muito importante para a descrição. Um bom planejamento pode concentrar esforços, ao coletar essa informação durante a classificação, agilizando a produção dos instrumentos.

Muitas vezes as tecnologias informatizadas de controle de informação aplicadas aos documentos administrativos trazem consigo todos os dados necessários à descrição arquivística. No entanto, infelizmente, tais dados acabam por ser eliminados no momento em que o valor imediato do documento é esvaziado. Uma articulação mais eficaz entre o organismo responsável pela atividade e o setor responsável pelo arquivamento das provas da execução da mesma atividade seria a saída mais lógica e eficaz. Muitas vezes, as atividades de descrição podem ser iniciadas durante a própria classificação dos documentos. Entretanto, normalmente isso não ocorre e as atividades de descrição acabam sendo realizadas em um momento posterior à classificação arquivística, como uma atividade à parte. Nestes casos, a descrição costuma ser mais trabalhosa, justamente por ter que partir do zero, sem contar com informações previamente reunidas pela classificação arquivística. Do mesmo modo, a simples descrição de conjuntos documentais que não estejam devidamente classificados na organização arquivística é uma tarefa não recomendada, já que tende a apresentar resultados incompletos e excessivamente transitórios. Sem as referências mínimas da classificação a descrição tende a esvaziar os significados dos documentos.

4.2. descrição automatizada, feita em consonância com a classificação arquivística, após o recolhimento

Tratam-se das situações onde, pela própria natureza do acervo, ou por falha no controle do recolhimento, os documentos do arquivo permanente deverão ser classificados, posto que os dados de seu contexto de produção arquivística estão, momentaneamente, indisponíveis. Tais dados somente se tornam incorporados aos documentos a partir da classificação. Como a organização de tais conjuntos implica também em descrevê-los, recomenda-se que ambas atividades sejam feitas concomitantemente. Uma boa descrição, entretanto, requer um planejamento adequado que leve em conta tanto o estabelecimento de prioridades (que conjuntos descrever? que instrumento realizar?), como a infra-estrutura necessária para tal atividade. A confecção de instrumentos de pesquisa constitui uma das atividades essenciais de qualquer instituição detentora de acervos. O ideal é que sua elaboração ocorra par e passo com sua informatização, de tal sorte que, ao final do processo de organização, não apenas o contexto de produção arquivística estará recomposto — evidenciado em um plano de classificação —, como o instrumento de pesquisa será produzido automaticamente.

A escolha do instrumento de pesquisa a ser produzido deve ser feita em função do estabelecimento de uma política de descrição por parte da entidade. Essa política deve, em primeiro lugar, voltar-se para a efetivação do acesso a todos os arquivos de forma mais ou menos uniforme. Infelizmente, é muito comum encontrar instituições que direcionam grandes esforços para a classificação e descrição detalhada de determinadas séries ou coleções, relegando a um segundo plano o restante de seu acervo. É importante lembrar que a importância (histórica, artística, estética etc.) atribuída a determinados documentos é sempre embasada em critérios alheios às atividades do arquivo. Nesse sentido, a descrição sistemática de unidades documentais (por meio de catálogos) só deve se impor quando a

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totalidade do acervo já estiver devidamente descrita em inventários. Não obstante, muitas vezes o perfil dos acervos e do tipo de consulta de que são objeto demandam uma referenciação mais individualizada. Para esses casos, uma boa política de descrição será capaz de estabelecer as prioridades.

A primeira atividade de descrição de qualquer instituição detentora de acervos arquivísticos deve ser a elaboração de um guia — o que não implica, necessariamente, edições esteticamente agradáveis. É a maneira mais rápida e eficiente de disponibilizar aos pesquisadores em geral uma visão mais global do acervo e da instituição de guarda. Mesmo em instituições cujo acervo ainda não esteja completamente organizado, o mapeamento geral feito por um guia é fundamental para que se possa conhecer melhor a situação dos documentos e, assim, elaborar estratégias de organização.

Se o consulente dispuser de um guia, que lhe apresente o perfil de cada conjunto documental armazenado pela instituição, poderá localizar rapidamente os documentos de seu interesse, utilizando, então, inventários. A descrição individualizada de todo o acervo, feita sem a elaboração prévia de um quadro de classificação, é incapaz de apresentar um panorama geral de cada série documental, tal como faria, por exemplo, um inventário. Ainda por meio dos inventários, ele conseguirá localizar documentos específicos — quando for o caso — mediante a compreensão dos critérios de ordenação interna das séries. Com estes dois instrumentos, o acesso pleno aos acervos pode ser efetivado.

Os demais instrumentos responsáveis por descrições mais detalhadas de cada unidade documental devem ser encarados como um refinamento da política de descrição da instituição. A valorização dada, no passado, à confecção de catálogos é desproporcional à importância prática desta atividade. Os esforços para a realização dos catálogos e índices somente devem ser mobilizados quando o guia e os inventários estiverem plenamente finalizados. Apenas em algumas situações excepcionais, ligadas à política de acervo da instituição, ou a interesses muito específicos de consulta, é que o tratamento descritivo de unidades se justifica. A descrição extremamente detalhada de peças documentais isoladas, por meio de catálogos e índices, deve ser encarada como uma exceção no universo dos arquivos. Não obstante, quando necessária, deverá ser realizada com todo o rigor, tomando o cuidado de não desligar os documentos de seu contexto de produção, evidenciado pelo fundo e pela série. O caráter serial e coletivo dos documentos arquivísticos coloca a série — e não os documentos isolados — como a unidade documental básica.

4.3. descrição automatizada: feita após as demais atividades

Nessa situação a informatização constitui apenas um acesso eletrônico a documentos já classificados, tornando o computador somente uma ferramenta mais ágil e eficiente. É preciso que ter em mente que, em muitos casos, devido à própria natureza e ao percurso do acervo, este é o único caminho viável. No entanto, a interferência na descrição documental já no momento da classificação auxilia para que tal situação não seja atingida. Não obstante, sobretudo em acervos que já foram classificados a algum tempo, esse quadro é irreversível.

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Para os documentos permanentes convencionais já existentes no arquivo a informatização também pode se dar na forma de controle dos documentos através de listagens ou instrumentos de pesquisa como guias, inventários, catálogos etc. A intervenção informática nos arquivos permanentes ainda teria função de, por meio de cópias digitas, restringir a consulta aos documentos originais, contribuindo para sua preservação física. É necessário alertar que a legislação ainda não reconhece valor legal em cópias digitais não certificadas. Deste modo, a solução para o problema de redução de espaço sem perda de valor jurídico ainda está na microfilmagem e não na digitalização de acervos.

5. Utilização de recursos informáticos na descrição arquivística

A primeira etapa de qualquer projeto de descrição informatizada é, ao lado do conhecimento profundo da instituição e do acervo, a adoção de uma política geral que estabeleça e sistematize as prioridades. Antes de optar por qualquer processo de informatização há que se saber o que será informatizado e quais resultados espera-se obter. Via de regra, os projetos podem assumir dois caminhos: a descrição informatizada de novos54 documentos (eletrônicos ou convencionais), ou a descrição informatizada de documentos convencionais já existentes. O primeiro caso implica na adoção de uma política de informatização clara pela entidade produtora dos arquivos; o segundo aplica-se tanto para as instituições de guarda de acervo como para as entidades produtoras.

A informatização de novos documentos desde a sua criação no arquivo corrente, implica sobretudo em um processo de análise da função, da durabilidade, do valor legal de tais documentos, da política de avaliação e, principalmente, da certificação dos metadados55. O gerenciamento de tais documentos não mais se dará por meio de listagens, porém por bancos de dados e metadados que deverão ser produzidos e atualizados automaticamente, conforme a criação e o andamento dos documentos. A extensão deste controle automatizado para as fases seguintes do ciclo vital dos documentos estabelecerá rotinas eficientes e racionais para a avaliação e a eliminação, além de garantir o recolhimento de documentos já classificados ao arquivo permanente. Neste momento, igualmente, deverão ser produzidos os instrumentos de pesquisa por meio dos relatórios automatizados.

No segundo caso, as interferências no arquivo corrente, no caso de atuarem sobre os documentos convencionais já constituídos, geralmente estarão limitadas a listagens de controle de trâmite e localização/circulação de documentos. Tais instrumentos de controle podem ter um papel muito importante quando do estabelecimento de tabelas de

54 “Os arquivos contemporâneos caracterizam-se pelo grande volume de documentos e pela coexistência de diversos suportes de informação. Ao lado do suporte tradicional, o papel, surgem filmes, fitas magnéticas, discos óticos etc.” (LOPEZ, A. Tipologia documental de partidos e associações políticas brasileiras; p.34). Ver também: SCHELLENBERG, T. Arquivos modernos...; p.18-19 e CARUCCI, P. Il documento contemporaneo. Cap.1: Gli archivi conteporanei; p.13-26. 55 O metadado “é o dado sobre o dado. Trata-se de um importante elemento de autenticidade para o documento eletrônico, uma vez que descreve como a informação foi registrada. O metadado mapeia as relações administrativa e documentária de um documento eletrônico dentro do sistema de gerenciamento, durante o seu ciclo vital, fornecendo parte do contexto e da estrutura desse documento e, portanto, deve ser preservado.” (RONDINELLI, R.. Fidedignidade e autenticidade do documento eletrônico; p.476).

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temporalidade, permitindo um conhecimento mais sistemático do tempo de utilização de cada documento. Nas atividades de transferência e recolhimento tais listagens devem continuar a fazer parte do processo de gestão arquivística, tanto para impedir a formação de uma massa documental acumulada, como para que os documentos do arquivo permanente possam ser arquivisticamente contextualizados em função de sua geração administrativa e não em função dos dados informacionais. O resultado final deste processo deverá ser a geração automática de relatórios que passem a cumprir o papel de instrumentos de pesquisa, adequando-se às demandas da política de descrição da instituição, integrando-se às diretrizes da ISAD (G) e ao tipo de instrumento desejado.

As soluções informáticas escolhidas devem estar sempre de acordo com a idade arquivística do conjunto de documentos no qual se dará a intervenção. É bom frisar, mais uma vez, que os dados do contexto de produção, bem como uma discussão sobre o valor probatório dos conjuntos documentais, não podem jamais ser relegados a um segundo plano. Por exemplo, em um arquivo corrente a informática pode ajudar na criação de um protocolo eletrônico que racionalize o ciclo vital e ajude a ter um maior controle sobre o trâmite. Isso permitirá saber com exatidão onde se encontra cada documento, que poderá ser tanto digital como convencional. Entretanto, é preciso lembrar que os atos administrativos exarados nos documentos produzem conseqüências e, justamente por essa característica, devem ser preservados como prova de tais ações administrativas. Assim, a automação do controle do trâmite deve ser estendida para o controle do ciclo vital, possibilitando a plena recuperação do documento arquivado.

A eficiência da automação deverá certamente ser estendida para as atividades de descrição dos conjuntos permanentes. Isto significa que um projeto de informatização de novos documentos deve ter uma amplitude global, não se restringindo às ações administrativas imediatas, mas abarcando todo o ciclo de vida do documento. Um bom planejamento resultará na automatização, pelo próprio sistema, de todas as atividades posteriores ao trâmite, incluindo os instrumentos de controle e de pesquisa.

Deste modo, no outro extremo do ciclo de vida dos documentos arquivísticos, podemos ter a gestão eletrônica de documentos auxiliando nas atividades de consulta aos registros permanentes. A ação da informática pode dar-se, por exemplo, através de instrumentos de pesquisa informatizados, ou pela disponibilização de cópias digitais de documentos, contribuindo também para a preservação física do acervo. Ressalve-se que, neste último caso, o acesso será franqueado à uma cópia eletrônica do documento, isto é, à informação contida no documento e não ao documento propriamente dito; por extensão, sua autenticidade — e seu valor probatório — estará sujeita a questionamentos, caso as medidas técnicas preconizadas por lei não tenham sido adotadas.

A gestão de documentos nos arquivos não pode ser entendida como sinônimo do gerenciamento de informações de conteúdo dos documentos; apenas o conteúdo informativo dos documentos não permite identificar nem os dados contextuais da proveniência arquivística, nem o valor testemunhal das atividades do titular. No gerenciamento arquivístico de documentos que apresentam valores testemunhais legais, as

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conseqüências de uma informatização que somente leve em consideração a informação primária56 podem ser desastrosas. De nada adiantaria, por exemplo, do ponto de vista legal, copiar eletronicamente —e gerenciar— todos os dados de prontuários de funcionários a fim de economizar espaço de arquivamento, se o controle dos códigos de validação dos documentos originais não for feito. Tampouco seria efetivo simplesmente scanear tais códigos, pois, na ausência de metadados reconhecidos por lei, as cópias digitais não teriam nenhum valor legal.

A necessidade de se preservar, além da informação, a autenticidade documental obriga a adoção de códigos de legitimação eletrônica que sejam duradouros. Há ainda obrigação de que o sistema esteja planejado para realizar atualizações sistemáticas, de modo a evitar o comprometimento do valor probatório dos documentos por conta da obsolescência tecnológica. O descaso com essa questão pode levar a situações de comprometimento total da informação.

A gestão eletrônica de informações difere da gestão arquivística de documentos na medida em que seu foco de preocupação são as informações contidas no documentos, e não o documento contextualizado, apto a produzir conseqüências e provar atos administrativos. O significado arquivístico do documento pode, muitas vezes, ser distinto daquele que parece mais evidente pela análise do seu conteúdo. Qualquer tipo de gestão que leve em conta apenas a informação compromete seriamente o próprio conceito de documento de arquivo, que engloba tanto os registros produzidos como os documentos acumulados. Com a ampla disseminação da informática, que permite infinitas reciclagens da mesma informação em contextos totalmente distintos, a situação se agrava, sendo mais difícil identificar pistas sobre o contexto de produção do documento sem os dados acerca de sua geração.

Muitas vezes tem-se buscado, tanto para os procedimentos eletrônicos da classificação como para a descrição documental, a inserção dos “conteúdos” dos documentos em imensos bancos de dados, alimentados pela ilusão (quase cientificista) de que esta classificação detalhada é satisfatória para dar conta de todas (ou quase todas) as buscas possíveis; confunde-se análise documentária com organização arquivística. Deste modo, assume-se uma determinada interpretação da informação como a única “leitura” correta, ou, pelo menos, como a mais capacitada para sintetizar, de modo quase universal, as informações em questão. Ressalve-se que tal “universalidade” não é assumida explicitamente, na maioria das vezes.

As reciclagens e reproduções de documentos são fenômenos comuns e também devem ser observados com cuidado, principalmente no universo informático em que vivemos. Muitas vezes a informação de um documento é reproduzida em outro, como certas fotografias, por

56 Estamos entendendo por informação primária do documento os dados cuja compreensão se dá independentemente de qualquer tipo de contextualização ou análise.

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exemplo. Nesse caso, o conteúdo informativo primário permanece igual, porém torna-se um documento absolutamente diferente em termos de arquivalia

57.

É preciso ter em conta que muitos dos projetos apregoados como gestão eletrônica de documentos na verdade gerenciam apenas a informação, eliminando completamente as referências de contexto arquivístico dos documentos. Nesta direção podemos enquadrar muitas das propostas de GED disponíveis no mercado hoje, as quais - com inspiração biblioteconômica e apesar de se autodenominarem como gestão de documentos - são voltadas para o gerenciamento de informações. Não obstante, muitas dessas tecnologias, se bem aplicadas, podem realmente dotar os arquivos de mais qualidade e eficiência, desde que funcionem como complemento, sem corromper os princípios básicos da arquivologia. Tais propostas necessitam ser adaptadas para um enfoque mais arquivístico, valorizando os dados contextuais e o valor probatório dos documentos.

As grandes massas documentais acumuladas, compostas por documentos convencionais, poderão, com a contribuição da informática, ser reintegradas a um estatuto arquivístico. Do mesmo modo, o avanço do controle eletrônico, desde o trâmite até as atividades de transferência e recolhimento, é um fator fundamental para impedir a formação de novas massas documentais acumuladas.

REFÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Como fazer análise diplomática e análise tipológica de documento de arquivo. São Paulo: AESP/IMESP, 2002. (Projeto Como Fazer, 8).

CARUCCI, Paola. Il documento contemporaneo: diplomatica e criteri di edizione.

Roma: La Nuova Italia Scientifica, 1987. (Beni Culturali, 1).

CONSEJO INTERNACIONAL DE ARCHIVOS. ISAD (G): norma internacional general de descripcion archivística. Trad. Luiz García et. al. Madrid: Ministerio de Cultura, 1995.

DICCIONARIO DE TERMINOLOGÍA ARCHIVÍSTICA. 2ª ed. Madrid: Ministerio de Cultura, 1995. (Normas Técnicas de la Subdirección General de los Archivos Estatales, 1).

DICIONÁRIO DE TERMINOLOGIA ARQUIVÍSTICA. São Paulo: AAB-SP; Secretaria de Estado da Cultura, 1996.

HEREDIA HERRERA, Antonia. La norma ISAD(G) y su terminología: análisis, estudio y alternativas. Madrid: ANABAD; Arco, 1995. (Normas).

57 Termo derivado do hispânico archivalia, sem similar na língua portuguesa; seu significado aproximado seria algo como valor arquivístico; Cf. Lopez, A. Tipologia documental de partidos e associações políticas brasileiras, p.44.

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FRAIZ, Priscila. A dimensão autobiográfica dos arquivos pessoais: o arquivo de Gustavo Capanema. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.11, n.21, 1998, p.59-87.

LOPEZ, André Porto Ancona. Como descrever documentos de arquivo: elaboração de instrumentos de pesquisa. São Paulo: AESP/IMESP; 2002. (Projeto Como Fazer, 6).

_______________________. International Standard Archival Description: observações sobre a ISAD (G). Revista Histórica. São Paulo: Arquivo do Estado de São Paulo, n. 7, p. 38-46, Jun.-Ago. 2002.

_______________________. Tipologia documental de partidos e associações políticas brasileiras. São Paulo: História Social USP; Loyola, 1999. (Série Teses).

RONDINELLI, Rosely Curi. Fidedignidade e autenticidade do documento eletrônico:

uma abordagem arquivística. In: INTEGRAR, Congresso Internacional de Arquivos, Bibliotecas, Centros de Documentação e Museus, 1º. Textos. São Paulo: IMESP, 2002; p.471-483.

SCHELLENBERG, Theodore Roosevelt. Arquivos modernos: princípios e técnicas. Trad. Nilza Teixeira Soares. Rio de Janeiro: FGV, 1974. SILVA, Jaime Antunes da.Descrição multinível: regras da descrição multinível. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ARQUIVOLOGIA, 10º, 1994, São Paulo. Anais do 10º Congresso Brasileiro de Arquivologia: rumos e consolidação da arquivologia. São Paulo: AAB-SP, 1998. (cd-rom). SUÁREZ RODRÍGUEZ, Maria de la O. La colección de tarjetas postales en el Archivo Municipal. In: Catálogo de la colección de postales. La Coruña: AHM,1998.

TITLE Archival description range and automation process.

TITRE

Approche de l´analyse archivistique et le processus d´automatisation.

RESUMO O artigo discute as condições e possibilidades da automatização da descrição documental a partir de três variáveis: o alcance da descrição arquivística, as ferramentas da descrição e o tipo de acervo. Considera ainda, para o conjunto documental a ser descrito, nível de aplicação de tabelas de temporalidade, quando for o caso, ou a existência de massa documental acumulada. Todos esses aspectos exigem uma solidificação de patamares teóricos-metodológicos, sobretudo aqueles referentes à questão da classificação. Por fim, reflete sobre a aplicação de recursos informáticos nos arquivos, destacando a geração de novos documentos eletrônicos e as diferenças entre a gestão arquivística de documentos e o gerenciamento de informações. Como forma de tornar o texto mais acessível, a definição dos termos técnicos arquivísticos utilizados na argumentação encontra-se nas notas de rodapé.

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ABSTRACT The article discusses the conditions and possibilities of automation of the documental description from three variables: range of archival description, description tools and the type of the documents. It still takes in consideration, for the description target, the application level of disposal lists, when applicable, or the existence of accumulated documental mass. All these aspects demand a solidification of the archival theoretical-methodological basis, especially those related to arrangement issues. It finally ponders about the application of electronic resources on archives emphasizing the creation of new electronic records and the differences between archival records management and information management. In order to make the text more accessible, the archival technical terms used are defined on the footnotes.

RÉSUMÉ L´article discute les conditions et possibilités de l´automatisation de l´analyse documentaire à partir de trois variables: l´approche de la description archivistique, les outils de la description et le type de fond. Il considère encore, pour l´ensemble documentaire à être décrit, niveau d´application de tableaux de conservation, quand ce sera le cas, ou l´existence de volume documentaire accumulé. Tous ces aspects exigent une solidification de plates-formes théoriques – méthodologiques, surtout ces qui concernent la question de classification. Finalement, l´article réflechit sur l´application de ressources de l´informatique dans les archives, en détachant la génération de nouveaux documents électroniques et les différences entre la gestion archivistique de documents et la gestion des informations. Avec l´intention de rendre le texte plus accesible, la définition des termes técniques archivistiques pris dans l´argumentation se trouve dans le bas de page.

PALAVRAS-CHAVE

automação de atividades no arquivo; ciclo vital de documentos arquivo; classificação arquivística; descrição arquivística; documentos eletrônicos.

KEY-WORDS

Archival activities automation; archival description; electronic records; records life cycle; records management.

MOTS – CLÉS Automatisation d'activités dans l'archive, cycle essentiel de documents archive; classification archivistique; analyse archivistique, documents électroniques.

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O POTENCIAL PEDAGÓGICO DOS ARQUIVOS HISTÓRICOS: RELATO DA EXPERIÊNCIA DO ARQUIVO HISTÓRICO DA CIDADE DE JUIZ DE FORA

Elione Silva Guimarães*

Francisco Carlos Limp Pinheiro**

1. ARQUIVO ESCOLA: FUNDAMENTOS DA PROPOSTA

Denominamos Arquivo-Escola o serviço educativo que implantamos no Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora (doravante usaremos a sigla AHCJF). Para tal, existe uma sala de aula, em nossas dependências, equipada com televisão, retroprojetor, projetor de slides e vídeo, apta a receber trinta alunos. O que nos levou a implantar este serviço educativo foi a percepção do grande potencial didático-pedagógico de nosso acervo e a vontade política de abri-lo a um outro público que não o acadêmico, o escolar do ensino fundamental e médio. Nossa preocupação foi otimizar o uso didático da documentação sob nossa custódia e tornar a atividade educativa cotidiana e permanente no Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora. Hugh W. L. Payne, arquivista do Arquivo Nacional da Guiana, ensina que “O desenvolvimento de laços entre os arquivos e a educação não depende só da compreensão do papel que a educação deve exercer no mundo contemporâneo, igualmente importantes são o reconhecimento do verdadeiro valor dos arquivos como fonte educativa e a vontade de transformar o valor educativo potencial dos arquivos em programas positivos realistas”58.

Foi o que fizemos ao criar o Arquivo-Escola. Acreditamos que o “arquivo, seja onde for, ilustra de forma irrefutável e motivadora, a História. Não fosse ele o custodiador de suas fontes” e que “É a História do que está mais perto — e nem por isso menos importante — a que será mais fácil ao escolar detectar”59. Essa crença levou-nos a abrir o Arquivo Histórico ao público escolar. Para nossa satisfação, os resultados foram surpreendentes do ponto de vista didático-pedagógico, conforme relataremos a seguir. Constatamos, na prática, o que diz o idealizador dos serviços educativos nos arquivos franceses, Charles Braibant que “o melhor meio de tornar sensível aos alunos os fatos da

* Professora de História responsável pelo Projeto Educativo “Arquivo-Escola: um Arquivo que ensina”.

Graduada em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Especialista em História de Minas Gerais pela mesma Universidade; Mestre em História Econômica e Social pela Universidade Federal Fluminense.

** Funcionário do Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora. Graduado em Historia e Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Especialista em Organização de Arquivos, pela mesma Universidade e Bacharel em Direito pela Faculdade Vianna Júnior.

58 Apud BELLOTO, Heloísa Liberalli. Difusão editorial, cultural e educativa em arquivos. Arquivos Permanentes: tratamento documental. São Paulo: T. A. Queiroz Editor,1991. p.150. 59 Idem Ibid. 151-2.

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História Nacional é mostrar-lhes, pelo documento, a repercussão dos mesmos em sua província, seu distrito, sua cidade”60

. E o que afirma G. Ermisse quando considera que, “Graças à História Local, o aluno se apodera de suas referências culturais que lhe permitem conhecer melhor e amar sua cidade e sua região e, talvez, interessar-se mais por essa História Geral que lhe parece, muitas vezes austera e afastada do seu meio”61

Estas assertivas ficaram-nos evidentes nas visitas que recebemos, nas aulas de História no Arquivo Histórico e no atendimento a alunos isolados ou em grupos. A experiência que adquirimos, desde a primeira aula experimental, em outubro de 1995, até a presente data, nos permite dizer, como Heloísa Bellotto, que “A educação não pode perder as possibilidades didáticas do Arquivo: tornar a História de uma vez por todas, uma disciplina que se entenda e que não se decore. E o arquivo, senão contemplar a importante força social que lhe oferece o mundo escolar, estará perdendo a oportunidade de completar melhor a sua necessária participação na vida nacional. Contribuindo para a formação integral do adolescente, estará ai plasmado, até maior número e melhor qualidade de seus futuros usuários”62.

2. BREVE APRESENTAÇÃO DE JUIZ DE FORA E DO ARQUIVO HISTÓRICO

DA CIDADE:

2.1 . Pequeno Histórico da Cidade de Juiz de Fora

Juiz de Fora surgiu às margens do caminho entre a Corte (Rio de Janeiro) e a região das minas. O povoamento da região teve início no começo do século passado, principalmente quando a região mineradora entrou em decadência e a região da Zona da Mata Mineira aflora-se como região cafeeira, com realce para Juiz de Fora. Devido à importância da produção cafeeira, a cidade foi sendo dotada, aos poucos, de uma infra-estrutura básica que possibilitou o seu futuro desenvolvimento como principal centro urbano e industrial da Zona da Mata, posição que manteve até a segunda década do século XX. Após um período de relativa decadência econômica, a cidade torna-se um grande centro prestador de serviços (saúde, educação etc.), atendendo à toda população da Zona da Mata e parte do Sul de Minas e do Estado do Rio de Janeiro. Na década de setenta do século XX, a cidade retoma sua vocação industrial, com a instalação de grandes empresas de metalurgia e siderurgia, como a Paraibuna de Metais e a Siderúrgica Mendes Júnior — atual Belgo Mineira. Recentemente, instalou-se no município a indústria automobilística Mercedes-Benz, estando previsto, ainda, a construção de uma hidrelétrica e uma termelétrica. O município é

60 Apud BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Op.cit. p.152. 61 Idem Ibid. p.153. 62 Idem ibid. p.162.

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considerado, pela imprensa especializada, um dos melhores municípios brasileiros para se investir, destacando-se pelos seus índices de qualidade de vida.

2.2. O Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora

Criado em 1973 o Arquivo Histórico de Juiz de Fora enfrentou uma série de dificuldades ao longo dos anos posteriores, sendo praticamente abandonado. Correu-se o risco de perder-se um valioso acervo, composto por documentos administrativos, que remontam a 1853. O Arquivo Histórico foi criado em 27 de abril de 1973, pelo então prefeito Itamar Franco, através da Lei n. 4.329, regulamentada pelos Decretos n. 1.388 e 1.404, de 8 de dezembro e 19 de dezembro de 1.973, respectivamente. O Arquivo foi criado como uma Divisão da Secretaria Municipal de Cultura. Não localizamos documentos sobre as atividades deste Arquivo Histórico ou das razões para que a lei de sua criação e/ou suas atividades caíssem em esquecimento. Durante anos, a documentação administrativa que registra a História do município foi condenada a ser transferida de um depósito a outro, amontoada em porões, garagens e outros locais inadequados, sofrendo a ação dos roedores e do tempo. Em 1985, a Prefeitura de Juiz de Fora, através de um convênio com a Universidade Federal de Juiz de Fora, iniciou a implementação de um projeto de organização, arranjo e descrição da documentação de valor permanente, armazenada desorganizadamente no que então era denominado “arquivo morto” da Prefeitura. A partir de então deu-se início à recuperação e disponibilização, para os pesquisadores e os cidadãos, de um rico acervo documental. Em julho de 1990 a Lei nº 7.772 autorizou a criação da Divisão de Arquivo Histórico, sendo a mesma regulamentada em dezembro de 1996, pelo Decreto nº 5.795. Atualmente a Divisão de Arquivo Histórico é integrante do Departamento de Comunicações Administrativas, da Secretaria de Administração. Mas uma proposta de reforma administrativa está para ser votada pela Câmara Municipal, o que implicará uma nova mudança no organograma da PJF. O acervo do AHCJF é composto pelos documentos da Câmara Municipal (1853/1930), Livros de Notas dos Distritos, documentos da Prefeitura de Juiz de Fora (1930/45). Possui a custódia dos processos judiciais do Fórum Benjamin Colluci (1830/1945), Livros de Notas do Primeiro Ofício de Juiz de Fora e Processos da Justiça do Trabalho. Deste acervo, apenas o último conjunto documental ainda não foi organizado e colocado à disposição do Público, pois foi recolhido em dezembro de 2.000. Nos últimos anos, com a valorização de pesquisas voltadas para a História regional, diversos pesquisadores da Zona da Mata Mineira têm desenvolvido estudos calcados na documentação do AHCJF. Todavia, parte considerável do acervo permanece inexplorado pelos estudiosos. 3. UM ARQUIVO QUE ENSINA: RELATOS DE EXPERIÊNCIAS

As atividades do Arquivo-Escola tiveram início em outubro de 1995, quando recebemos uma primeira turma, em caráter experimental, composta por um grupo de alunos da oitava série do ensino fundamental, do horário noturno, de uma escola pública municipal (E.M.

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Dante Jaime Brochado). O tema apresentado foi A transição do trabalho escravo para o

trabalho livre em Juiz de Fora. Juiz de Fora foi o maior centro escravista de Minas Gerais, na segunda metade do século XIX, e o acervo do AHCJF é rico em documentos do período. Selecionamos uma série de documentos que permitissem aos estudantes perceberem como havia se dado a exploração do trabalho escravo no município, a chegada dos imigrantes (alemães e italianos), as condições de vida e trabalho destes grupos sociais, as formas de superação do trabalho escravo etc.

Realizamos uma exposição composta por documentos tais como: escrituras de compra e venda de escravos, cartas de alforrias, processos criminais envolvendo cativos, documentos da Câmara Municipal relativos a epidemias de cólera, tendo como principais vítimas escravos e trabalhadores livres pobres, muitos deles estrangeiros, documentos solicitando vinda de imigrantes para o município etc. A exposição foi acompanhada de uma palestra, realizada pelos coordenadores do Arquivo-Escola e dela participaram diversos estagiários do AHCJF, estudantes do curso de História, que auxiliaram os visitantes na leitura e explicaram o conteúdo dos documentos. Outros documentos relativos à cidade compuseram a exposição: mapas, documento que ordena eleição para ampliar número de vereadores quando da elevação de vila à cidade, jornais de fins do século XIX início do século XX. O professor responsável solicitou aos alunos que aproveitassem a oportunidade para realizar uma atividade: deveriam imaginar-se jornalistas, que viviam e trabalhavam em Juiz de Fora no período em foco, e tinham a missão de realizar uma matéria sobre um dos “acontecimentos” da época. Tal tarefa foi desempenhada com êxito, sendo que todos realizaram o solicitado (ver exemplos em anexo).

Já neste primeiro contato com o público escolar surpreendemo-nos com o impacto que nossa palestra, e a exposição dos documentos, promoveram nos estudantes, ao proporcionar o contato entre o indivíduo e o registro de sua história. Foi neste momento que muitos estudantes recuperaram a memória perdida da escravidão em Juiz de Fora e ampliaram seus conhecimentos sobre o tema. Ao entrar em contato com documentos que contavam histórias de acontecimentos ocorridos em fazendas que hoje são bairros, em ruas por onde transitam, bem no coração da cidade, os estudantes interessaram-se em questionar o processo de formação social e urbano do município, relacionado-os com a História geral/nacional (questionaram sobre as formas de exploração do trabalho, como se deram as lutas e resistências dos grupos sociais, as intervenções que contribuíram para a melhoria das condições de salubridade e saneamento, etc.). Em princípio, a visita encerrar-se-ia nesse contato. Contudo, surpreendemo-nos ao vê-los voltarem, e sem seus professores. Motivados pelas informações recebidas na aula e sedentos de novos conhecimentos, alguns retornaram, fora do horário de aula, chegando a sacrificar o tempo de almoço (visto que boa parte deles trabalhavam e não tinham muito tempo disponível). No ano seguinte, 1996, enviamos correspondência a todas as Escolas do município (da rede pública e particular), informando-as sobre nossa proposta de trabalho e colocando-nos à disposição dos interessados. Não tardou muito para que os primeiros aparecessem. Principalmente atraímos os professores do ensino fundamental de primeira a quarta série.

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Os professores das séries iniciais necessitam ensinar a história do município, mas, geralmente, não têm muito onde buscar subsídios para suas aulas. Neste sentido, o Arquivo representa para eles um verdadeiro achado e um aliado no processo ensino-aprendizagem. Embora haja uma grande produção historiográfica sobre a cidade de Juiz de Fora, sua divulgação é restrita (pois a maioria são monografias e teses não publicadas), dificultando o acesso dos professores. E, de qualquer forma, o Arquivo proporciona o contato direto do aluno com o registro vivo da História, o que torna o estudo mais atraente. Além dos professores das séries iniciais, somos muito procurados pelos professores e alunos de quinta a oitava série e do ensino médio. Mesmo não trabalhando mais com a História da cidade, os professores podem buscar as ressonância dos acontecimentos da História Geral/Nacional em seu município. No caso de Juiz de Fora, o município foi o maior concentrador de mão-de-obra escrava e produtor de café na segunda metade do século XIX, e a riqueza gerada por esta produção, foi investida em indústrias, transformando-o no maior centro industrial de Minas Gerais, mantendo esta posição durante as primeiras décadas do século XX, sendo denominada de Manchester Mineira. Junto ao desenvolvimento industrial, um forte movimento operário se fez presente.

TABELA X: NÚMERO DE VISITAS POR NÍVEL DE ENSINO

SÉRIE 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Total FUNDAMENTAL (1a a 4a) 21 18 21 10 29 99 FUNDAMENTAL (5a a 8a) 1 19 22 14 15 9 80 ENSINO MÉDIO 20 11 8 2 41 SUPERIOR 2 1 1 7 11 FUNCIONÁRIOS DA PJF 2 2 CAPACITAÇÃO 1 1 PRÉ-VESTIBULAR 1 1 TOTAL 1 64 51 36 34 49 235 FONTE: Livro de Assinaturas de visitantes do Arquivo-Escola. Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora.

Assim, não é difícil ao professor trabalhar concomitantemente a História geral/nacional e a Local. Ao trabalhar a História da Revolução Industrial Inglesa, por exemplo, o professor traz o aluno ao Arquivo, para que, através dos documentos, ele recupere informações sobre as fábricas, as lutas operárias etc.; ao trabalhar a escravidão no Novo Mundo e/ou no Brasil, pode-se estudar, paralelamente, a escravidão no município. Assim, sucessivamente, diversos outros temas podem ser abordados pelo educador, tomando como referência suas repercussões na História local. Para utilizar o serviço educativo do AHCJF, os educadores entram em contato com os responsáveis pelo Arquivo-Escola e agendam dia, horário, tema, número de alunos. Caso o professor queira, ele pode utilizar as dependências do Arquivo-Escola e o acervo do AHCJF para ministrar suas aulas e atividades. Neste caso, ele terá o auxílio de um dos coordenadores do serviço educativo, que o ajudará no que for necessário. Todavia, a prática tem sido os professores solicitarem que os coordenadores façam toda a apresentação. Ao receber um grupo de alunos, a primeira etapa sempre é apresentar o Arquivo. De forma simples, explicamos o que é um arquivo, qual a sua importância e quais os documentos que

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estão sob a guarda do AHCJF. Assim, acreditamos estar despertando no educando a necessidade da preservação e conservação dos documentos que registram a História. Em seguida tratamos o tema solicitado, utilizando exposição de documentos, mapas, slides, filmes, etc. No caso dos slides, os mesmos contêm imagens das principais regiões da cidade, que remontam ao final do século XIX, até mais recentes, de fins do século XX. Estes slides permitem “um passeio” por Juiz de Fora ao longo dos anos, possibilitando aos estudantes perceberem a modificação no espaço urbano, a destruição de parte do nosso patrimônio arquitetônico e a permanência de outros (tombados e preservados). Percebem que é possível preservar o patrimônio arquitetônico sem destruí-lo (como, por exemplo, o prédio da antiga Fábrica Santa Cruz, — preservado em sua fachada — onde hoje funciona o Santa Cruz Shopping e o prédio do antigo Palace Hotel — onde funciona um conjunto de salas). Temos uma reprodução dos filmes da “Carriço Filmes”. João Carriço foi um pioneiro do cine-jornalismo brasileiro e registrou o cotidiano de Juiz de Fora nos décadas de 30 a 50 do século XX. Temos em nosso acervo aproximadamente 9 horas de filmes deste acervo, em VHS. Os mesmos permitem aos alunos perceberem o vestuário de época, os costumes, o dia-a-dia, os esportes; os festejos populares, tais como festas cívicas, carnavais, procissões etc.; visitas de personalidades, como artistas de renome, governadores, ministros e presidentes da república. Além, das transformações urbanas.

Constatamos que muitas crianças das Escolas da periferia da cidade conhece apenas o bairro onde moram, sendo quase nulo o conhecimento do sítio histórico que deu origem à cidade. Com isto, as professoras que utilizam os nossos serviços educativos, antes de percorrerem a cidade com os alunos, vêm com os mesmos ao Arquivo, para depois realizarem um city tour. Assim, conforme relato das educadoras, tem sido muito mais proveitoso para os estudantes esta atividade. Além dos estudantes do ensino fundamental e médio, temos atendido ao corpo docente de algumas escolas e a alunos da disciplina História para o Ensino Fundamental (Curso de Pedagogia) e da Faculdade de Turismo de Santos Dumont (município vizinho a Juiz de Fora). Os dois primeiros grupos solicitaram a apresentação do tema “O potencial didático-

pedagógico dos Arquivos”, com o objetivo de conhecerem melhor a documentação e como utilizá-la em suas atividades diárias. Os alunos do curso de turismo se interessaram pela História de Juiz de Fora e região, visando conhece-la mais profundamente e elaborar projetos de exploração do potencial turístico e histórico. Os usuários de nossos serviços relataram-nos, posteriormente, que após as nossa apresentações passaram a ver a cidade com outros olhos. Assim, as ruas, os prédios, os parques, ganharam um referencial para a recuperação de memórias e histórias. Observamos que existem várias leituras da cidade, dependendo tanto da região em que reside o aluno, como da classe social à que pertence. O olhar de um aluno carente da periferia é diferente do olhar de um estudante de classe média ou alta. Ao falarmos de um mesmo assunto ou ao mostrarmos a imagem de um mesmo prédio ou rua, os comentários dos educandos são diferentes, pois cada um o relaciona à sua memória. Por exemplo, ao mostrarmos a imagem da Santa Casa de Misericórdia (um dos principais hospitais da cidade), a criança da periferia a relaciona com doenças que sofreu ou sofridas por membros de sua família; a criança de classe média e alta, a relaciona às profissões de seus pais: médicos, enfermeiras

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etc. Ao falarmos sobre Juiz de Fora no cenário imperial, os alunos da periferia querem saber, preferencialmente, sobre escravidão, as de classe média e alta sobre imigração. A equipe de profissionais do Arquivo elaborou um livro e um multimídia sobre escravidão no município, um dos temas mais solicitados para apresentação. O livro Aspectos

Cotidianos da Escravidão em Juiz de Fora/ foi elaborado pelas professoras Elione Silva Guimarães e Valéria Alves Guimarães. Procurou retratar o dia-a-dia dos escravos em Juiz de Fora: suas condições de vida e moradia, suas várias formas de resistência etc. A partir deste texto, um estagiário do arquivo, estudante de informática, elaborou um multimídia. O objetivo do livro era auxiliar os professores, dando subsídios para suas aulas e visava os alunos do ensino fundamental. Infelizmente, não conseguimos a publicação do mesmo, que é utilizado apenas internamente. Um outro multimídia foi elaborado. Idealizado pela professora Elione Silva Guimarães e elaborado pelo estagiário Delane Elízio. Este multimídia aborda, de forma muito simples (pois está voltado para as séries iniciais do ensino fundamental), as origens e o desenvolvimento da cidade, e intitula-se Juiz de Fora: conhecendo a sua História, tema mais solicitado para apresentação das séries fundamentais.

TABELA COM OS TEMAS APRESENTADOS PELO ARQUIVO-ESCOLA

TEMAS SOLICITADOS Total de escola JUIZ DE FORA ONTEM E HOJE: MODIFICAÇÃO NO ESPAÇO URBANO

(SLIDES, CARRIÇO FILMES, DOCUMENTOS) 49

ARQUIVO HISTÓRICO E A PRESERVAÇÃO DAS FONTES ESCRITAS 44 JUIZ DE FORA NO CENARIO IMPERIAL 41 ASPECTOS COTIDIANOS DA ESCRAVIDÃO EM JUIZ DE FORA 31 HISTÓRIA DE JUIZ DE FORA - PATRIMONIO HISTÓRICO E DOCUMENTAL 21 BAIRRO COSTA CARVALHO (HISTÓRICO) 12 HISTÓRICO DE ESCOLAS 6 POTENCIAL PEDAGÓGICO DOS ARQUIVOS 5 INDUSTRIALIZAÇÃO DE JUIZ DE FORA 4 OS IMIGRANTES EM JUIZ DE FORA 4 ESCRAVIDÃO E IMIGRAÇÃO EM JUIZ DE FORA 2 ESTUDO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO 2 ORGANIZAÇÃO OPERÁRIO DO FINAL DO SEC XIX E INCIO SEC XX 2 RIO PARAIBUNA 2 ARQUVIVO HISTÓRICO: ACERVO, EXPERIÊNCIAS,POSSIBILIDADES DE PESQUISA (semana de Hist. Da UFJF)

1 BAIRRO JOQUÉI (HISTÓRICO) 1 CERVEJARIA JOSÉ WEISS 1 EDUCAÇAO EM JUIZ DE FORA 1 FONTES CRIMINAIS E A PESQUISA HISTÓRICA 1 GREVE OPERARIA DE 1912 1 HISTÓRIA DA RELIGIÃO EM JUIZ DE FORA 1 PLANO DIRETOR DE JUIZ DE FORA 1 REVOLUÇÃO DE 30 EM JUIZ DE FORA 1 TRANSIÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO PARA O TRABALHO LIVRE 1 FONTE: Livro de Assinaturas de visitantes do Arquivo-Escola. Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora

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Muitos resultados positivos foram obtidos pelos educadores que fizeram uso de nossos serviços. Além das “reportagens”, já mencionadas acima, outras atividades relevantes foram realizadas. Podemos citar, entre elas, a elaboração de uma exposição, sobre o tema escravidão, promovida pelos alunos da oitava série da E. M. Dante Jaime Brochado, realizada no rol da Secretaria Municipal de Educação em 1997. Após trabalhar o tema em sala de aula, a professora levou os alunos ao Arquivo para que conhecessem a escravidão em Juiz de Fora, mostrou-lhes o multimídia sobre escravidão, documentos foram apresentados e palestras foram realizadas. Devidamente munidos de conhecimentos, os alunos elaboraram um “livro” sobre a escravidão, com pequenos trechos de textos, elaborados por eles mesmos, e figuras. Confeccionaram uma maquete de uma fazenda de café. Estes trabalhos compuseram a referida exposição. Após a realização destas atividades, os alunos se recusaram a voltar a ter “aulas tradicionais”. Queriam que todas as aulas relacionassem a História Geral/Nacional com a Local. Queriam voltar ao arquivo para conhecer novos temas. E, o mais surpreendente, queriam que a professora aplicasse uma prova (que não estava em seus planos), para demonstrarem seus conhecimentos por escrito. No mesmo ano (1997), alunos da quinta e oitava séries, por ocasião do mês de maio (mês em que comemoramos o aniversário de Juiz de Fora), envolveram-se em um campanha de conscientização da necessidade de preservação da natureza, principalmente do rio que corta a cidade, o Rio Paraibuna (Campanha promovida pela Prefeitura e Companhia de Saneamento — Paraibuna te quero vivo). Os alunos leram poemas de poetas locais que têm o rio como inspiração, visitaram o arquivo para conhecer, pelos documentos, as várias obras de retificação do rio — aterramentos, alargamentos, quebra de cachoeiras etc. — desde o período imperial. Deste trabalho resultou a elaboração de cartazes e de raps (ver anexo X). Várias Escolas Públicas promoveram atividades semelhantes e, algumas delas, após a visita ao arquivo, levaram os alunos para um abraço simbólico ao rio Paraibuna, e ao fim, após a composição dos raps, os alunos retornavam às margens do Paraibuna para ali cantar.

No ano seguinte (1998), trabalhando a Revolução Industrial Inglesa e o Movimento Operário nos séculos XVIII/XIX, a professora relacionou os mesmos ao processo de desenvolvimento industrial e à organização operária em Juiz de Fora, destacando as semelhanças. Neste contexto, comentou com os alunos sobre um movimento grevista local, ocorrido em 1912, do qual resultou a morte de uma pessoa, pelo corpo policial. Este fato originou a abertura de um processo criminal, que encontra-se sob a custódia do AHCJF. Os estudantes (alunos de uma escola pública) foram ao arquivo, espontaneamente, para conhecer tal processo. No arquivo, foi colocado um estagiário para acompanhá-los na leitura dos autos, e também de jornais do período que noticiaram o fato. Empolgados com a leitura dos documentos, os alunos solicitaram auxílio para transformar aquela história individual em uma peça teatral. Por coincidência, um dos estagiários do arquivo trabalhava com teatro e prontificou-se a auxilia-los, adaptando a história do processo a uma linguagem teatral. Na escola, montaram cenário, figurinos, ensaiaram a peça e apresentaram-na para todos os alunos. Assim também agiram alunos da Escola Municipal Olinda de Paula. Todos os anos, esta escola realiza uma semana cultural. No ano de 1998, solicitaram aos funcionários do AHCJF que participassem da mesma, realizando, na escola, uma palestra sobre a

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escravidão, para todos os alunos. Nesta semana, foi exibido um vídeo realizado por estudantes e professores da escola. O vídeo, ambientado em Juiz de Fora no período Imperial, tinha por pano de fundo a epidemia de cólera-morbo, que em 1855 atingiu o município, fazendo suas principais vítimas os escravos e a população carente. Após as apresentações que realizamos para os alunos de uma das escolas particulares, fomos brindados com uma série de cartas dos alunos da terceira série do ensino fundamental. As cartas agradeciam pelo nosso trabalho e comentavam os novos conhecimentos adquiridos. Em uma das cartas, a criança dizia que agora entendia porque a cidade chama-se Juiz de Fora, pois até então, ela pensava que o motivo do nome era por ter ocorrido um jogo de futebol e o juiz que apitou a partida veio de fora (anexo X).

Em 1999, fomos procurados por um professor de uma escola estadual de um bairro da periferia de Juiz de Fora. O professor, assim como os demais funcionários da escola, estavam preocupados com a destruição que os alunos, ano após ano, vinham praticando na escola e no bairro. Para tentar superar o problema, elaboraram um projeto que visava conscientizar os alunos da necessidade e importância da preservação, em vários níveis. Este projeto contou com o apoio da comunidade e dos comerciantes do bairro — que financiaram camisas para uniformizar os alunos em suas saídas da escola e todo o material da campanha. O projeto foi denominado “Projeto Preservar”. As atividades, iniciadas em 1999, tiveram continuidade em 2.000. Das mesmas faziam parte visitas aos sítios históricos, museus, bibliotecas e ao AHCJF. A visita ao AHCJF, ocorreu em fins de 2000, com a exposição de documentos que retratam vários episódios da história local, com enfoque à necessidade de preservação do patrimônio histórico, em particular, e do patrimônio público em geral. Encerrando a campanha, foi programado um abraço a uma praça do bairro, com a participação de alunos, professores e comunidade. No ano 2000, predominaram os pedidos de apresentações relativas aos 150 anos de Juiz de Fora, em decorrência de uma ampla divulgação desta data na mídia. Fomos convidados para irmos a uma Escola Municipal, de ensino fundamental de primeira a quarta série, apresentar para todas as turmas palestras e exposição (slides, filmes e alguns documentos) sobre História de Juiz de Fora - Patrimônio Histórico e Documental. Dedicamos uma semana a esta escola, apresentando no matutino e no vespertino. Uma das turmas compunha-se de crianças com dificuldades de aprendizagem e, para nossa surpresa, foi esta a turma que mais participou e se interessou, tendo durado a apresentação quase o dobro do tempo programado. Em cinco anos de existência, o serviço educativo Arquivo-Escola já recebeu a visita de 5.364 estudantes e profissionais de educação, numa média de aproximadamente 1.067 pessoas por ano. Embora os professores que mais utilizam o Arquivo-Escola sejam os do ensino de primeira a quarta série e os de história, o serviço pode ser utilizado por profissionais de todas as áreas do conhecimento, bem como em atividades inter-disciplinares.

ANO NÚMERO DE VISISTANTES 1995 26* 1996 1017 1997 1035 1998 912

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1999 1078 2000 1296

TOTAL 5364 FONTE: Livro de Assinaturas de visitantes do Arquivo-Escola. Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora. * Visita experimental, não incluída na média apresentada.

As experiências que acabamos de relatar podem ser adaptadas a todos os municípios dentro de suas especificidades. Para tanto, é necessário que onde há arquivos se implante serviço semelhante ao nosso. Onde não há, que se lute para criá-los. Temos certeza que a utilização dos arquivos no processo de ensino contribuirá para uma melhor aprendizagem. Desta forma, estamos contribuindo para ampliar o nível de inclusão social no município, pois nosso trabalho auxilia na formação de indivíduos politicamente conscientes, futuros cidadãos participativos e cientes de sua importância enquanto agentes da história.

ANEXOS:

RUA DA LIBERDADE SE TRANSFORMA EM “ILHA DE SAPUCAIA”

Ontem à tarde, a Câmara Municipal de Juiz de Fora recebeu uma carta do único morador da rua da Liberdade pedindo que fossem tomadas providências, a bem da saúde pública e do respeito ao Código de Posturas Municipais. O senhor Francisco Rodrigues de Almeida protesta contra os moradores da rua Direita, que em pleno dia não olvidam em dar parte aos corvos, atirando aves mortas e resíduos culinários, os quais, em decomposição, afetam as fossas nasais dos transeuntes e dos que ali habitam. A quantidade de vegetação que cresce na dita rua é tal que, cotidianamente, 3 felizes animais vão ali pastorear. Nota-se ali, também, a presença de pessoas que cortam capim e o conduzem em carroças, o que prova a abundância dessa alimentação para os irracionais! O senhor Francisco de Almeida solicita à Câmara Municipal que tome em consideração o seu protesto e ponha em prática medidas que coíbam tais abusos e que promova o respeito ao Código de Posturas Municipais, bem assim como o respeito pela higiene pública, que por sua vez não prima no lugar! ______________________________________________________________ Reportagem de Rute França Rodrigues Juiz de Fora, 02/04/1886

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AMEAÇA DO CÓLERA PROVOCA PÂNICO NA VILA DO PARAIBUNA A Vila de Santo Antônio do Paraibuna tenta, de todas as formas, evitar que o Cólera-Morbus, que já fez várias vítimas na Côrte1 , chegue à Província de Minas Gerais. Chegou hoje à Vila uma Circular do Palácio da Província de Minas Gerais indicando as medidas preventivas que devem ser tomadas pela população, com o objetivo de se tentar evitar a manifestação da doença entre nós. As medidas preventivas que devem ser tomadas pela população são: Primeiro: Em todas as povoações deve ser mantido o maior aceio possível. Segundo: Deverão ser caiados todos os edifícios públicos e os particulares, sendo que a Câmara deverá mandar aos respectivos proprietários, que forem pobres, o cal que for necessário para esse fim. Terceiro: Os víveres e mais gêneros existentes nas casas de negócio serão inspecionados, e não se venderão ao povo, para a sua alimentação, os que estiverem corruptos. Quarto: Quando haja probabilidade de invasão daquela epidemia, deverá a Câmara Municipal fazer queimar quaisquer substâncias desinfectantes. Quinto: Serão desinfectados fora das povoações todos os gêneros que d”ora em diante para aí vierem da Côrte, devendo para esse fim haver um acordo entre os respectivos negociantes, para que nenhuma tropa vinda da Côrte e conduzindo esses gêneros tenha ingresso nessa povoação sem o prévio emprego desta medida. Sexto: As malas do Correio direto, estabelecida entre esse município e a Côrte, serão desinfectadas em lugar distante das povoações. Com essas medidas, a Vila do Paraibuna tentará impedir a invasão da epidemia e acalmar a população, que anda alarmada e teme que essa epidemia se instale entre nós. _________________________________________________________________________ Reportagem: Marcelo de Barros Portela Vila de Santo Antônio do Paraibuna, 21/09/1855.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BELLOTO, Heloísa Liberalli. Difusão editorial, cultural e educativa em arquivos. Arquivos Permanentes: tratamento documental. São Paulo: T. A. Queiroz Editor,1991. p.147-63. PAYNE, Hugh W. L. Education and archives. London, IX International Congress on Archives, 1980. (mimeogr.)

TITLE

The Pedagogical Potential of Historical Archives: report of the experience of the Historical Archive of the city of Juiz de Fora, State of Minas Gerais.

TITRE Le Potentiel Pedagogique des Archives Historiques: rapport de l´expérience de l´Archive Historique de la Ville de Juiz de Fora.

RESUMO O presente artigo tem por objetivo relatar a experiência do serviço educativo, denominado Arquivo-Escola, implantado pelo Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora, ressaltando o potencial didático-pedagógico dos arquivos. Este serviço está em funcionamento deste 1996 e recebe uma média de 1.067 visitantes por ano.

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ABSTRACT The aim of the present article is to report the experience of the educational service, named School-Archive, implemented by the Historical Archives of the City of Juiz de Fora, Minas Gerais, highlighting the didactic-pedagogical potential of the archives. This service has been working since 1996 and receives na average of 1,067 per year.

RÉSUMÉ Le présent article a comme but raconter l´expérience du service éducatif, nomé Archive - École, implanté par l´Archive Historique de la Ville de Juiz de Fora, relevant le potentiel didatique – pédagogique des archives. Ce service est en fonctionnement depuis 1.996 et reçoit une moyenne de 1.067 visiteurs par an.

PALAVRAS-CHAVE Educação; arquivo; história.

KEY-WORDS Education; archives; history.

MOTS-CLÉS

Activités éducatives; archives; contenu d´histoire.

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FERRAMENTAS DE GERENCIAMENTO PARA A CONSERVAÇÃO

PREVENTIVA DE ACERVOS

Ingrid Beck∗

Antecedentes: o Projeto CPBA

Em 1996, um grupo de pessoas envolvidas em atividades de preservação de acervos foram convidadas a participar da estruturação de um projeto cooperativo objetivando a difusão do conhecimento da Conservação Preventiva nas instituições, em todo o país. Em 1997, com o apoio de Vitae, da Fundação Mellon e da Commission on Preservation and Access, foi lançado o Projeto Cooperativo Interinstitucional Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos, com a realização de seminários nas cinco regiões e a distribuição gratuita de uma coleção de 52 textos traduzidos, tratando da preservação de acervos textuais, fotográficos, cinematográficos, áudio e vídeo magnéticos, e digitais.

Nos anos que se seguiram o Projeto CPBA conseguiu ampliar laços de cooperação com um grande número de instituições. Os participantes dos primeiros seminários tiveram uma função fundamental como multiplicadores. Graças aos desdobramentos ocorridos a partir desses multiplicadores em todo o país, o Projeto recebeu, em 1998, do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade.

Em 2001 o projeto CPBA lançou uma segunda edição de suas publicações, também disponíveis on line em sua página www.cpba.net. Naquele momento já haviam ocorrido mais de 120 eventos, em cooperação com instituições, e cerca de 7 mil pessoas . Os últimos eventos realizados foram o I Encontro Sobre Digitalização e Microfilmagem de Preservação, em cooperação com o Arquivo Público Mineiro e o I Encontro sobre o Ensino de Preservação, em parceria com a Escola de Biblioteconomia da UNIRIO.

Na segunda edição, o conjunto de publicações recebeu um acréscimo, o Manual do RLG para Microfilmagem de Documentos. A página virtual, hoje hospedada na UNICAMP, continua disponibilizando gratuitamente todos os seus produtos, como os 53 textos já publicados, um banco de dados, com mais de 2.000 instituições cadastradas, para servir de plataforma para o intercâmbio e a cooperação.

O CPBA pretende, em continuidade, apoiar projetos de tradução e publicações, contando com parceiros no Brasil, visando disponibilizar ferramentas atualizadas para a preservação dos acervos.

O que é Conservação Preventiva

Fazem parte da Conservação Preventiva as ações de preservação não interventivas, que visam a salvaguarda a longo prazo. A Conservação Preventiva atende melhor às

∗ Coordenadora de Preservacão de Documentos no Arquivo Nacional de 1982 a 2000. Docente da disciplina de Conservação Preventiva, no Departamento de Ciência da Informação, da UFF. Coordenadora do Projeto CPBA. Presidente da Câmara Técnica de Conservação de Documentos do CONARQ e do Comitê de Arquitetura Arquivística para Clima Tropical, da Associação Latino-Americana de Arquivos. Consultora em preservação de acervos. [email protected]

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necessidades de preservação de nossos acervos, quando nossas instituições convivem com as adversidades do clima tropical e com a realidade de orçamentos limitados.

O desafio da Conservação Preventiva é encontrar soluções de custo possível, mas também adequadas e eficazes, que beneficiem os acervos de uma forma mais ampla63. Ela se respalda no conhecimento científico multidisciplinar que, nos últimos anos tem apresentando avanços consideráveis. Este impulso na pesquisa e no desenvolvimento científico e tecnológico em prol de preservação da memória cultural se deve em grande parte à rede de informação global, a Internet. Através dela é possível a comunicação entre profissionais que antes estavam separados pelas distâncias geográficas, facilitando o seu acesso ao conhecimento e seu envolvimento, pelo intercâmbio, no desenvolvimento científico.

Na Conservação Preventiva, a decisão sobre os procedimentos adequados exige, em primeiro lugar, o conhecimento sobre o comportamento dos diferentes materiais que constituem os acervos no decorrer do tempo, isto é, entender da interatividade dos próprios constituintes dos materiais e destes com o ambiente que os abriga.

Conhecer este ambiente significa entender da funcionalidade de um edifício como agente de proteção ou de risco, de climatologia, dos perigos de alguns poluentes e dos efeitos das radiações luminosas sobre cada tipo de acervo. Fazem também parte deste ambiente os invólucros, como pastas, caixas e mobiliário, devendo-se conhecer a melhor funcionalidade e qualidade de preservação desses materiais, para cada tipo de acervo.

Por outro lado, além desta análise das possíveis alterações físicas dos meios de registro, deve-se ainda entender da fragilidade dos documentos legíveis por máquina, em meio eletrônico, magnético e digital, quanto à rápida obsolescência de equipamentos e programas que permitem o acesso à informação.

Com base nas publicações disponíveis na página do projeto CPBA, www.cpba.net, os profissionais envolvidos com a salvaguarda dos acervos têm à sua disposição ferramentas gerenciais que deverão orientar o planejamento de ações de preservação desses diferentes acervos.

O que significa planejar

A conservação preventiva nos obriga a planejar. As informações sobre as condições de preservação do acervo são de suma importância. Não há como precisar as quantidades a serem tratadas, os recursos humanos envolvidos, os métodos, o equipamento, material e tempo, sem falar ainda nos custos, sem dados quantitativos confiáveis. A pesquisa para a obtenção de dados sobre as condições e necessidades de preservação são fundamentais em qualquer iniciativa de planejamento.

A pesquisa parte da coleta e análise de dados relativos às condições do edifício, às condições ambientais e de guarda. Considerando que a preservação do acervo é de interesse da instituição deve-se contar com a cooperação entre as diferentes áreas, tanto administrativas como técnicas, no processo de planejamento de preservação.

63 Ver ZÚÑIGA, Solange Sette G. de. A importância de um programa de preservação em arquivos públicos e privados. In: Registro, Ano 1, n° 1, junho de 2002, p.71-89.

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Um excelente guia de planejamento de preservação publicado pelo projeto CPBA64 em 1997, está disponível em segunda edição revisada, sob o número 37, “Programa de planejamento de preservação: um manual para auto instrução de bibliotecas”, editado por Jan Merril Oldham e Jutta Red Scott. Outra leitura essencial é o publicado pelo Projeto CPBA, de número 32, “Planejamento de um programa eficaz de manutenção de acervos” de Karen Garlik.

Ambos fornecem recomendações valiosas para todas as etapas do planejamento, a começar pela importância de que o planejamento seja incentivado e apoiado pela direção, para que tenha o seu respaldo e possa ser conduzido de forma cooperativa. Para que este plano venha a ter validade, há necessidade de que todas as áreas técnicas participem e assumam suas parcelas de responsabilidade, já na fase dos levantamentos de dados.

Na primeira etapa, mesmo que o acervo arquivístico seja constituído de registros únicos, devemos identificar as prioridades institucionais para a sua preservação. Isto se fará, com a contribuição dos arquivistas, gerentes das coleções e de acesso, confrontando as coleções quanto ao valor intrínseco e à freqüência de consulta. Do ponto de vista da fragilidade dos materiais constituintes, do estado de conservação e das condições em que se encontram armazenados, a contribuição será do gerente de preservação.

Além da participação das gerências técnicas, as gerências administrativas, como de recursos humanos, manutenção e orçamento, deverão ser envolvidas no processo de levantamento, considerando possíveis necessidades de criação ou ampliação de algumas atividades, o que poderá exigir investimentos consistentes de recursos humanos por contratação ou remanejamento interno, envolvendo o treinamento de pessoal.

A avaliação se estende também à gerência de manutenção do edifício, pois a partir das condições de conservação das instalações é que poderão ser avaliadas eventuais situações impróprias à conservação e à segurança dos acervos. A gerência de orçamento poderá facilitar o desenvolvimento de ações mais imediatas e indicar possibilidades e limitações, que serão dados importantes numa fase posterior do planejamento.

A definição dos objetivos da pesquisa indicará o que de deseja levantar e a amplitude da coleta, que poderá ser limitada às condições de alguns acervos, prevendo ações de microfilmagem, digitalização e reacondicionamento, ou também avaliar o edifício quanto a riscos e condições ambientais, objetivando a melhoria do clima nas áreas de armazenamento e a redução dos riscos de acidentes, por água ou fogo.

Esta avaliação poderá evidenciar a situação geral do edifício e do meio ambiente interno, contemplando todo o acervo ali guardado, ou restringir-se a algumas áreas consideradas mais críticas, ou ainda limitar-se às áreas específicas dos conjuntos documentais considerados prioritários.

Os levantamentos de elementos de risco, referentes às condições do edifício e suas instalações, avaliam um universo muito diversificado, e são, normalmente, realizados por meio de pesquisas item a item, não por amostragem. A pesquisa das condições ambientais, como veremos mais à frente, é feita um determinado período ou pelo monitoramento permanente, nas diferentes áreas de depósito, utilizando dataloggers eletrônicos. Também neste caso não se aplica o método de amostragem.

64 Disponível em www.cpba.net

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Outra rotina de monitoramento importante, e que precisa ser realizada item a item, especialmente em regiões de clima tropical, é inspeção periódica de infestações de insetos, com vistas a controlar65 o desenvolvimento desses focos, antes que estes se disseminem pelo acervo. O mapeamento dos focos será uma ferramenta imprescindível, pois indicará problemas de reinfestação, possivelmente ligados a fatores ambientais.

Já na avaliação das condições das coleções, dependendo de sua extensão, a pesquisa poderá ser por amostragem. Uma vez identificados os conjuntos documentais que, em ordem de prioridade, merecem um levantamento mais detalhado para planejar melhores condições de preservação, iniciam-se as atividades de levantamento.

A preparação do plano de levantamento é ainda função das gerências técnicas, que precisarão definir com clareza os objetivos de cada pesquisa e formular os questionários, tendo em mente os dados que serão necessários para o planejamento das ações pretendidas. As informações obtidas nestes levantamentos podem muitas vezes atender ao planejamento de duas ações, como a reformatação e o reacondicionamento. Nos dois casos as informações sobre as medidas dos documentos serão muito úteis. Mas há perguntas que podem ser direcionadas para um determinado tipo de atividade, como, por exemplo, sobre registros contendo imagens em cores e meios tons, ou papéis muito escurecidos. Estes atendem especificamente a projetos de reformatação.

Os dados coletados e registrados nas planilhas terão que ser tabulados posteriormente, com auxílio de uma base de dados. As reuniões com o programador devem anteceder à finalização dos questionários, porque estes poderão ser modelados a partir das informações sobre os recursos do programa. É interessante eleger um programa que permita o relacionamento de dados, além de relatórios estatísticos.

Cabe também às gerências técnicas treinar as equipes que irão aplicar as pesquisas. O treinamento deve ser constituído de duas partes. A primeira fornecerá aos aplicadores o conhecimento necessário sobre o tema da pesquisa e a segunda irá habilitar os aplicadores ao preenchimento da planilha, e deverá incluir testes de aplicação.

Avaliar as condições de um livro exige conhecer a funcionalidade da encadernação e os danos mais importantes que comprometem a integridade da obra em si e de seu conteúdo. Avaliar as condições de climáticas exigirá que o aplicador compreenda a relação entre a temperatura, a umidade absoluta e as complexas variações que podem ocorrer na umidade relativa do ar, influenciando as condições de preservação.

Talvez pareça exagero, mas instrumentalizar estes aplicadores com o máximo de informação, inclusive da metodologia de pesquisa que será utilizada, irá resultar num maior envolvimento destes técnicos na proposta da instituição e consequentemente na qualidade do levantamento. Idealmente estes técnicos deveriam ser funcionários do quadro, pois assim o treinamento seria um investimento de grande valor para o futuro, prevendo as atividades que deverão ser implementadas.

A equipe de aplicadores deverá receber a orientação para o preenchimento dos questionários, de maneira precisa e uniforme. Recomenda-se promover testes de aplicação, onde poderão aparecer problemas de má compreensão e também novas idéias para a formulação mais adequada de algumas perguntas. A confiabilidade da avaliação dependerá

65Ver REMÉDIO, Maria Aparecida. Controle do Ataque de Insetos em Bibliotecas e Arquivos: uma experiência com CO2 e N2. In: Registro, Ano 1, n° 1, junho de 2002, p.66-70.

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em grande parte destes testes preliminares, e eles deverão ser repetidos até que não mais ocorram dúvidas entre os aplicadores.

Uma vez tabulados, os dados voltam às mãos dos gerentes envolvidos no planejamento para que estes procedam à sua análise. A partir dela é que eles poderão avaliar com clareza os problemas e as necessidades de investimento.

Esta é a grande vantagem do levantamento. Contando com dados quantitativos, os investimentos prioritários poderão ser justificados e sua execução contará com um planejamento mais realista em termos de investimentos associados, prazos de execução e custos. Da mesma forma, as ações a serem desenvolvidas a médio e longo prazos estarão asseguradas em um plano estratégico, que poderá ainda fornecer subsídios para a elaboração de projetos.

Por ser um produto que resultou da cooperação de todo o corpo institucional, o resultado do planejamento deverá ser um documento escrito, e será referência para todas as atividades institucionais voltadas para a salvaguarda do acervo.

FERRAMENTAS DE LEVANTAMENTO DE COLEÇÕES

Basicamente há dois tipos de levantamento. O que avalia individualmente, item por item e o que utiliza a metodologia de amostragem aleatória. Carl Drott66 adequou o método de pesquisa por amostragem aleatória às necessidades de investigação em bibliotecas, podendo ter inúmeras aplicações. Como a pesquisa é uma etapa do planejamento que não deve demandar muito tempo, o método por amostragem é usado para avaliar usuários, condições de uso e acesso, mas é especialmente recomendado para avaliar coleções.

Segundo Drott, a necessidade de usarmos o método de pesquisa aleatória depende do universo a ser pesquisado. Muitas vezes este universo é tão pequeno que nós podemos estudá-lo todo, individualmente. Por exemplo, uma biblioteca de livros até 900 exemplares. Coletamos os dados diretamente de cada item. Neste caso a precisão é total. Porém, na maioria dos casos, a coleção é tão grande que nos impede, por questões de tempo e esforço, de examinar todo o conjunto. Em tais casos precisamos trabalhar com amostragem, e comprovar o nível de precisão.

Nestas pesquisas é também importante delimitar os conjuntos a serem pesquisados, com vistas a obter relatórios objetivos. Por exemplo, se avaliamos um acervo documental por meio de uma única amostra, sem criar sub-conjuntos de interesse, os resultados poderão trazer informações inconsistentes em relação a problemas específicos ou a determinadas coleções. A pesquisa deve ser dirigida em separado, para cada universo do qual desejamos informações, como, por exemplo, documentos encadernados, coleções avulsas em papel ácido, coleções fotográficas, acervo de filmes, entre outros.

Quando usamos um método de amostragem, não podemos ter certeza de que os dados colhidos irão refletir exatamente o mesmo resultado que teríamos, se investigássemos a coleção inteira. Por esta razão precisamos trabalhar com métodos estatísticos já consagrados, nos quais a margem de acerto pode ser previamente estabelecida. A amostragem aleatória permite realizar pesquisas, independente do volume total de itens,

66 Random Sampling: A Tool for Library Research. In : College & Research Libraries, 30 (Marco de 1969): 119-25.

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com níveis de acerto elevados. Esta precisão depende do tamanho da amostra. A medida em que se aumenta quantitativamente a amostra, eleva-se a precisão dos dados.

O tamanho da amostra é, portanto, estabelecido com base na precisão desejada. Esta precisão deve ser calculada, prevendo dois possíveis tipos de erro: tolerância e confiança. A tolerância é também chamada de margem de tolerância. É uma medida expressa em percentuais. Por exemplo, se tivéssemos dado uma tolerância de 4% para uma pesquisa em determinada coleção de arquitetura e o resultado deu que 15% das plantas excedem ao formato das mapotecas, teríamos certeza de que entre 11 e 19 % das plantas excedem de fato às medidas das mapotecas. A confiança ou nível de confiança é expresso como porcentagem e representa o quanto podemos estar seguros de que a resposta verdadeira está dentro dos limites estabelecidos pela tolerância. No caso das plantas, se a confiança fosse 95%, haveria então 95% de chances de que entre 11 e 19 % das plantas excedem ao tamanho das mapotecas. Isto significa que haveria apenas uma chance em 20 de a afirmativa estar errada.

Por meio da tabela apresentada a seguir, elaborada por Carl Drott, podemos selecionar, com base nos níveis de confiança e tolerância, o tamanho da amostra. Na maioria das pesquisas na área de ciências humanas é usado o nível de confiança de 95%. Se a esta confiança aplicamos uma margem de tolerância de 5%, com base na referida tabela, chega-se a um tamanho de amostra de 384 itens. Nível de Confiança = 99% Nível de Confiança = 90%

Tolerância Tamanho Amostra Tolerância Tamanho Amostra

± 0,5 66.358 ± 0,5 27.060

± 1,0 16.590 ± 1,0 6.765

± 2 4.147 ± 2 1.691

± 3 1.843 ± 3 752

± 5 664 ± 5 271

± 7 339 ± 7 138

± 10 166 ± 10 68

Nível de Confiança = 95% Nível de Confiança = 80%

Tolerância Tamanho Amostra Tolerância Tamanho Amostra

± 0,5 38.416 ± 0,5 16.435

± 1,0 9.604 ± 1,0 4.109

± 2 2.401 ± 2 1.027

± 3 1067 ± 3 457

± 5 384 ± 5 164

± 7 196 ± 7 84

± 10 96 ± 10 41

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Figura 1: Tabela apresentada por Carl Drott, onde a Confiança e a Tolerância determinam o tamanho da

amostra67

.

Entretanto, para chegarmos ao cálculo final da amostra, precisamos incorporar ainda o cálculo da variabilidade, sobre uma estimativa de resposta. Matematicamente falando, devemos calcular o desvio padrão.

Se, por exemplo, soubermos estimar que cerca de 20 % das plantas apresentam medidas superiores ao padrão de medida das gavetas, podemos indicar este valor como o percentual de variabilidade. Considerando que 20% se escreve como vinte centésimos ou ainda 0,20, calcula-se o fator de correção sobre o desvio padrão da seguinte forma: 1,00 – 0,20 = 0,80 0,20 x 0,80 = 0,16

O valor obtido é ainda multiplicado por 4:

0,16 x 4 = 0,64

Este será o fator de correção, que, multiplicado sobre o tamanho da amostra, no caso 384, irá fornecer o tamanho corrigido da amostra:

0,64 x 384 = 246

Uma vez estabelecido o tamanho, inicia-se a seleção da amostra a ser pesquisada. Para isto deve-se usar o conceito matemático de aleatoriedade, utilizando números aleatórios. Muitos livros sobre amostragem ou estatísticas incluem tabelas de números aleatórios. Os números sorteados pela Loteria Federal são bons exemplos de números aleatórios.

Drott indicou como exemplo a seguinte coluna de números aleatórios: 173493 533251 081831 987384 381849

Para aplicar o método, vamos simular uma situação. Um arquivista precisa levantar as necessidades de reacondicionamento de um fundo documental com 9.972 caixas, porque parte das caixas se encontra em mau estado. O arquivista irá trabalhar com a Confiança de 95 % , e a Tolerância em ± 5 %.

O tamanho da amostra, de acordo com a tabela de Drott é de 384 itens. O arquivista estima que não mais que 30% das caixas terão que ser substituídas, portanto irá calcular o fator de correção da seguinte forma:

1,00 - 0,30 = 0,70 0,30 x 0,70 = 0,21 0,21 x 4 = 0,84 0,84 x 384 = 322

O fundo a ser avaliado consiste em cerca de 9.972 caixas dispostas em 277 estantes. Cada estante tem 6 prateleiras, e há 6 caixas em cada prateleira. O arquivista optou em retirar a 67 Os valores desta tabela se baseiam em fórmulas derivadas do Relatório Mg-ML-100, da Community

Systems Foundation, Ann Arbor, Michigan.

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amostra de 322 caixas da seguinte forma: selecionar com base em números aleatórios 36 estantes, destas 3 prateleiras e destas prateleiras 3 caixas (36 x3x 3 = 324).

Para identificar as estantes, ele usou 36 conjuntos de números aleatórios com 4 dígitos, separando os dois primeiros dígitos como os dois primeiros números das estantes, pois todos caberiam em 99. Veja:

38 - 76 45 - 79 27 - 63 37 - 88 98 - 25 26 - 17 30 - 75 28 - 72 10 - 64 68 - 47 73 - 88 83 - 02 97 - 56 34 - 12 57 - 31 50 - 20 56 - 93 57 - 13 23 - 94 54 - 67 94 - 08 17 - 14 30 - 98 94 - 77 53 - 93 14 - 37 45 - 67 86 - 51 68 - 49 67 - 42 19 - 10 70 - 63 22 - 31 34 - 92 34 - 79 30 - 83

Para converter os outros dois dígitos em números de 0 a 72, o arquivista preparou o seguinte fator de conversão: 100/72 = 1,38.

Desta forma, dividindo os dígitos da a segunda coluna pelo fator de conversão, ele chegou aos números das estantes. Veja o exemplo dos dois primeiros números : 38 - 76 76 / 1,38 = 55

O número da estante é 3855.

45 - 79 79 / 1,38 = 52 O número da estante é 4557

Para selecionar aleatoriamente três das seis prateleiras de uma estante, ele usou outra coluna de dígitos aleatórios, a saber: 1740 3789 7022

Retirou os dois dígitos da primeira coluna e converteu-os em números de 1 a 6 (não existe a prateleira zero). 00 a 15 é convertido em 1 16 a 31 “ 2 32 a 47 “ 3 48 a 63 “ 4 64 a 79 “ 5 80 a 95 “ 6 96 a 99 exclua

Resultado: Números aleatórios Prateleira Caixa 1740 2 3789 3 7022 5

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Para retirar três das seis caixas das prateleiras selecionadas, ele usou os dois últimos dígitos, convertidos pela mesma tabela, em números de 1 a 6. Números aleatórios Prateleira Caixa 1740 3 3789 6 7022 2

Combinando todas essas regras, o arquivista pôde selecionar aleatoriamente suas amostras. Depois de ordenar todos os números, ele retirou as amostras para realizar o levantamento, aplicando os questionários previamente formulados.

Os dados do levantamento foram tabulados com a ajuda de um programa informático, fornecendo relatórios em percentuais, a saber.

21% ±5% de caixas de cartão de boa qualidade, em bom estado(entre 16 e 26%) = entre 1.595 e 2.592 caixas com qualidade de preservação, em bom estado, sem necessidade de substituição (média: 2.094 caixas).

79% ± 5 % de caixas de papelão ondulado kraft, sem qualidade de preservação (entre 74 e 84 %) = entre 7380 e 8376 unidades (média: 7.878 caixas).

Destas,

38% ± 5% rasgadas e deformadas, indicando que não suportam bem o peso dos documentos e expondo os registros à poeira.

24% ± 5% rasgadas e deformadas, e ainda pequenas para o formato dos documentos, provocando amassamentos e rasgos nos documentos.

Resultado: 62% ±5 (entre 57 e 67 %) = entre 4.490 e 5.278 caixas (média: 4.884 caixas) estão expondo o acervo em risco, a saber.

38% ± 5% (entre 33 e 43%) = entre 2.600 e 3.430 (média: 2.994 caixas) precisam

ser substituídas , em formato padrão.

24% ± 5% (entre 19 e 29%)= entre 1.496 e 2.304 caixas (média: 1.890 caixas)

precisam ser substituídas, em formato maior.

O arquivista considerou ainda os dados da área de aquisição, que informou ter adquirido as caixas de papelão ondulado kraft há cerca de 6 anos. Confirmou ainda, com a área de acesso de que grande parcela desta documentação é muito consultada. A área de preservação considerou que o papelão ondulado kraft não é adequado para a preservação dos documentos, e só foi adquirido na época porque não haviam caixas de outro cartão adequado, disponíveis no mercado.

Analisando estes dados, a equipe chegou à conclusão que:

� Um número muito expressivo de embalagens se encontra em mau estado, colocando os documentos em risco;

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� As caixas não apresentam condições de resistência adequadas à sua função, visto que se deterioraram em muito pouco tempo;

� Um número significativo de documentos estava sendo danificado pela própria embalagem, uma vez que estas eram de medidas inferiores às dos documentos;

� O material constituinte das caixas não era apropriado para a preservação, por ser ácido e assim acelerar a degradação dos documentos.

Para um investimento definitivo justificava-se a substituição de todas as caixas de cartão inadequado, visto que mesmo as que ainda se encontravam em bom estado deveriam apresentar problemas, em breve. Com a análise dos dados, ele obteve informações que orientaram o planejamento do projeto de reacondicionamento, a saber:

� Adquirir, a curto prazo, de 3.000 caixas de tamanho padrão e de 2.000 caixas de novo padrão de formato, para abrigar adequadamente os documentos de medidas maiores;

� Adquirir a médio prazo outras 2.000 caixas de formato padrão, para substituição, num segundo momento, das caixas de papel kraft, ainda em melhor estado;

� Procurar no mercado caixas de cartão alcalino;

� Combinar as atividades de reacondicionamento com a limpeza dos documentos.

Ferramentas de gerenciamento ambiental

As condições adversas do clima tropical tem sido um tema de preocupação constante para a preservação dos acervos. É fato comprovado de que os acervos mantidos em condições estáveis de baixa temperatura e umidade relativa tem sua vida útil ampliada. Entretanto, em climas quentes e úmidos a adequação aos parâmetros considerados ideais exige uma redução drástica da temperatura e umidade relativa por meios mecânicos, o que representa altos custos de investimento, de manutenção e de consumo energético, com resultados nem sempre compensatórios para a preservação de nossos acervos.

Para que possamos avaliar condições climáticas de nossos depósitos de documentos precisamos, em primeiro lugar, de um equipamento para medir e monitorar estas condições. Por outro lado, precisamos compreender como ocorrem as flutuações de umidade relativa e como elas afetam negativamente as coleções. São estas as ferramentas de gerenciamento ambiental. Fazendo-nos valer delas, podemos reunir os elementos necessários para promover níveis aceitáveis e estáveis de condicionamento ambiental, com o emprego de recursos de baixo custo e de baixo consumo energético.

O ar é capaz de manter em sua composição a água na forma de vapor. A quantidade de água no ar é chamada Umidade Absoluta, medida em gramas de vapor por metro cúbico de ar (g/m3). O ar, a uma dada temperatura, pode manter um quantidade máxima de água na forma de vapor. Nessa condição diz-se que a Umidade Relativa é 100 %, ou seja, o ar encontra-se na sua capacidade máxima de manter a água na forma de vapor. É também dito que está saturado.

Uma umidade relativa de 50 % significa que o ar encontra-se com uma quantidade de vapor d’água igual à metade do máximo. Ou seja, a Umidade Relativa é a forma de expressar em percentuais a quantidade de água que o ar está retendo, em relação à capacidade total de água que o ar poderia reter.

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Existe uma particularidade na propriedade do ar: quanto mais quente o ar, mais vapor de água ele pode reter. Por exemplo:

a 0ºC o ar suporta até 6 g/m3 a 10ºC “ “ 10 g/m3 a 20ºC “ “ 17 g/m3 a 30ºC “ “ 30 g/m3

Considere um ambiente a 30ºC e saturado (Umidade Relativa = 100 % e Umidade Absoluta = 30 g/m3). Se a temperatura abaixar para 20ºC ele poderá suportar somente 17 g/m3. O excesso (13 g/m3) se transformará em líquido. É o fenômeno da condensação.

Considerando ainda o ambiente a 30ºC e saturado. Se agora ele for aquecido, poderá suportar mais água na forma de vapor. Ou seja, sua Umidade Relativa será agora menor que 100%.

Para verificar estas variações, encontram-se hoje disponíveis no mercado dataloggers

eletrônicos munidos de sensores e que armazenam os dados. Conectados a um computador, os níveis de temperatura e umidade relativa, que são captados pelos sensores, podem ser lidos por meio de gráficos, permitindo-nos assim acompanhar a ocorrência das variações em períodos de um dia, uma semana, um mês ou até de um ano.

Figura 2: Escala psicrométrica simplificada, segundo Gary Thompson, indicando, pela linha tracejada, o conteúdo de vapor d’água em g/m³(à direita), a 25°C de temperatura e 65%. de umidade relativa.

Observando a escala psicrométrica (Figura 2), que mostra a relação entre a temperatura, umidade relativa e a umidade absoluta, seguindo a linha de uma mesma umidade relativa, à medida que esta se desloca para a direita e que a temperatura se eleva, aumenta também a quantidade de água presente, em g/m³. Desta forma, se a água está presente no ar, em forma

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de vapor, certamente está apta a se integrar aos materiais, pois existe uma tendência de equilíbrio, de temperatura e umidade, entre os materiais e o meio.

Assim pode-se dizer que o importante é manter estável o nível de vapor d’água presente no ar, medido em g/m³, e que a leitura da umidade relativa sem considerar a temperatura é equivocada, pois as variações de temperatura resultam em diferentes quantidades de vapor de água, interagindo com os materiais de arquivo.

A grande dificuldade está na manutenção desses parâmetros climáticos. O emprego de sistemas mecânicos de climatização é pouco eficiente, especialmente em espaços amplos e vazados. Com a infiltração do calor externo costumam ocorrer oscilações de temperatura e de umidade relativa do ar. Essas variações bruscas são muito mais maléficas para a maioria dos materiais porque provocam repetidas aquisições e perdas de água.

Como a maioria dos sistemas de ar condicionado encontrados no mercado são desenvolvidos para o resfriamento do ar, além dos problemas de oscilações bruscas que provocam nos níveis de umidade relativa, causam a condensação da umidade presente. Este problema se agrava quando estes refrigeradores de ar são desligados ao final do dia, o que é muito comum, justificado pela crise energética e pela contenção de custos. Nestes ambientes, ao ser desligado o equipamento, o ar reaquece e aumenta sua capacidade de reter água. No dia seguinte, ao ser religado, a temperatura é reduzida bruscamente e cai o ponto de saturação, ocorrendo o fenômeno de condensação. Em outras palavras, o ar resfriado perde a capacidade de reter o vapor d’água, que condensa nas superfícies mais frias.

A condensação ocorre primeiro nos materiais de esfriamento rápido, como as chapas metálicas das estantes e paredes de alvenaria. A água resultante da condensação é rapidamente absorvida pelos materiais mais porosos e higroscópicos, como couros e papéis. Em condições de acentuada umidade, o curto período de tempo entre o desligamento do ar e o religamento, no dia seguinte, não é suficiente para uma completa evaporação da umidade absorvida pelos materiais. Assim, no momento em que o sistema de refrigeração volta a ser ligado, mais vapor é condensado e mais água passa a ser absorvida, fazendo com que a umidade se acumule nos materiais, gerando mofo.

Segundo Franciza Toledo68 os esforços em melhorias devem ser por isto direcionados à obtenção de níveis de temperatura e umidade relativa estáveis, mas próximos dos valores externos, sejam eles baixos ou altos.

Usando aparelhos desumidificadores controlados por umidostatos, é possível reduzir a umidade relativa de 70% e mantê-la em torno de 60%, com a manutenção da temperatura ambiente em torno de 27oC . O mais importante, segundo Franciza, é que a remoção de apenas 2.5 g/m³ de vapor d’água do ar, não causará danos para a estrutura dos materiais, desde que os níveis obtidos permaneçam constantes.

Segundo ela, há ainda a possibilidade de combinações de aparelhos e sistemas. A combinação da ventilação diurna, nos dias ensolarados, e o aquecimento, ou a desumidificação, nos dias chuvosos, tem sido usada com sucesso pelo Instituto Getty de

68 Meio Ambiente para a Preservação de Arquivos - Texto preparado por Franciza, para o Manual de Arquitetura Arquivística em Clima Tropical, em fase de elaboraçã,o pela Associação Latino-Americana de Arquivos, 2003.

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Conservação, desde 2000, em climas subtropicais69. Nas zonas tropicais, particularmente nas regiões equatoriais, é possível diminuir um pouco a temperatura e a umidade relativa internas através da combinação do uso da ventilação noturna, e da desumidificação diurna.

Métodos alternativos como estes começam a ser implantados no Brasil. Um deles, com a consultoria de Franciza Toledo70, usa a ventilação e desumidificacão mecânicas, num projeto para o controle climático da nova reserva técnica do Departamento de Etnografia do Museu Goeldi, em Belém do Pará, sob o patrocínio da Fundação Vitae e do Instituto Getty de Conservação.

Com base nos dados do monitoramento das áreas de armazenamento, as causas das variações climáticas poderão ser estudados, para promover as melhorias nas condições ambientais. Para os acervos em papel, desde que haja um esforço para estabilizar os níveis de temperatura e umidade relativa, podem ser aceitos patamares mais elevados.

Outras ferramentas de gerenciamento ambiental estão descritas em duas publicações do projeto CPBA, as de número 18, “Isopermas: uma ferramenta para o gerenciamento ambiental”, de Donald K. Sebera e a de número 19, “Novas Ferramentas para Preservação, de James A. Reilly, Douglas W. Nishimura e Edwasrd Zinn. Sua leitura será de grande utilidade para o planejamento de ações de conservação preventiva.

Na primeira publicação, o autor quantifica o efeito dos fatores ambientais de temperatura e umidade relativa do ar sobre a expectativa de vida útil prevista para as coleções em suporte de papel, facilitando a compreensão de como pequenas melhorias podem resultar em anos de sobrevida para os acervos. O estudo tem sua compreensão facilitada por meio de gráficos, os diagramas das Isopermas, tomando como padrão de referência a linha de Isoperma 1,0 - à temperatura de 20 °C e umidade relativa de 50%. As linhas à direita, à medida em que encontram níveis de temperatura e umidade relativa mais alta, o fator de cálculo para preservação diminui devido à aceleração das reações de oxidação e hidrólise.

TEMPERATURA

69 Maekawa, S. & Toledo, F., 2002. ‘Controlled ventilation and heating to preserve collections in historic buildings in hot and humid regions’. Preprints ICOM-CC 13

th Triennial Meeting, Rio de Janeiro, Brasil. p..

58-65.

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Figura 3: Diagrama de Isopermeas, da publicação de Donald Sebera, mostrando o eixo-

referência 1,0. A partir deste, os eixos da esquerda aumentam o Indice de Preservação, em

anos, enquanto que os da direita o reduzem este índice. Na segunda publicação, de número 19, “Novas Ferramentas para Preservação”, os autores, partindo do monitoramento das condições de temperatura e umidade relativa ao longo do ano, demonstram o Índice de Preservação – IP, com base no estudo das Isopermas. Nela apresentam um método absoluto que relaciona a deterioração química em função da temperatura e umidade relativa. Trata-se do Índice de Preservação - IP, expresso em anos, que fornece uma idéia geral de quanto tempo seria necessário para materiais orgânicos vulneráveis (slide colorido) apresentarem sinais de degradação devido à oxidação e à hidrólise. Esse índice tem sido usado como uma ferramenta útil na avaliação das condições ambientais de edificações que abrigam acervos. Figura 4: Tabela de definição de valores de IP mostrando o tempo de vida previsto, em anos, de materiais orgânicos de vida curta sob várias combinações de condições de temperatura e UR Adaptação de Saulo Güths para a tabela encontrada em “Novas ferramentas para Preservação”.

O Sistema de Gerenciamento Térmico CLIMUS foi desenvolvido no Brasil, pelo engenheiro mecânico Saulo Güths71, do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina, a partir dos estudos de Sebera e Reilly, sendo uma ferramenta de gerenciamento climático para ambientes de preservação de comprovada eficiência. A partir do monitoramento dos dados de temperatura e umidade relativa, o sistema apresenta, em tempo real, o Índice de Preservação (IP) e o Índice de Efeito Tempo sobre a Preservação (IETP). Esses parâmetros são referentes a uma previsão do tempo de degradação de material orgânico frágil sujeito a oxidação e hidrólise. Os dados são registrados automaticamente no disco rígido do computador e apresentados na tela, sobre

70 [email protected]. 71 [email protected].

UUUU

RRRR

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uma planta baixa da edificação. O sistema também possibilita o acionamento automático de recursos de ventilação e desumidificação, ou alarmes.

Uma vez levantados os dados sobre o comportamento climático do edifício, deverão ser averiguadas as causas, em cooperação com as gerências de manutenção do edifício. A partir de uma análise de fatos e circunstâncias, deverão ser promovidas as ações visando obter as melhorias possíveis, como mudar as áreas de armazenamento, procurando localizá-las nos lados do edifício que recebam menor insolação, combinando recursos arquitetônicos que promovam a circulação e a renovação do ar.

Com estes recursos incorporados e o emprego combinado de desumidificadores e ventiladores, mesmo que as coleções não estejam abrigadas em condições consideradas ideais, pelo menos não estarão sujeitas aos altos valores, nem às variações súbitas, de temperatura e umidade, que são uma das principais ameaças à preservação de materiais. É fundamental ter-se sempre em mente os objetivos e encontrar as soluções, dentro dos meios disponíveis.

No caso de coleções que requerem ambientes especialmente climatizados, com controle permanente de temperatura e umidade relativa, recomenda-se a concentração do acervo em um espaço reduzido, o que facilitará a manutenção de níveis baixos e estáveis. Para isto o monitoramento precisa ser permanente.

Conclusão

Os responsáveis pela guarda e preservação dos acervos documentais convivem em seu dia-a-dia com os problemas dos climas extremos, edifícios, pouco adequados para abrigar e preservar as coleções e de políticas restritivas, em função da escassez de recursos e da falta de pessoal especializado.

Uma poderosa ferramenta para a solução destes problemas pode ser a cooperação. Com os recursos que hoje dispomos de comunicação pela Internet podemos organizar projetos, envolvendo pequenas e grandes instituições, contornando assim o isolamento e os recursos escassos e mal distribuídos.

O planejamento é novamente o requisito mais importante. Assim como ele deve funcionar a nível de nossas próprias instituições, dando consistência, respaldo e assegurando a continuidade dos programas, ele será essencial nas ações cooperativas entre instituições. A cooperação é também atrativa para as organizações de apoio e fomento, pelo seu efeito multiplicador.

O impressionante retorno que o Projeto Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos - CPBA obteve das instituições parceiras em todo o país mostrou que é hora de ampliar as ações cooperativas em favor da preservação de nossa memória, a exemplo dos projetos de microfilmagem cooperativa, realizados na Europa e na América do Norte, que contam com outra ferramenta importantíssima, a base de dados ERROM72, que disponibiliza informações sobre os títulos já microfilmados, evitando assim a duplicação de esforços. A última publicação do Projeto CPBA, de número 53, ”Manual do RLG para Microfilmmagem de Documentos”, traz um guia para a microfilmagem cooperativa.

72 European Register of Microform Masters - http://www.eromm.org/

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As iniciativas de cooperação deveriam também considerar a necessidade urgente da formação profissional, em nível de graduação, para a formação de gerentes de preservação. Nesse sentido, o projeto CPBA poderá colaborar com novos projetos de publicação e, em curto prazo, promover treinamentos direcionados às necessidades mais urgentes, habilitando profissionais que estão familiarizados com a gerência de acervos, para a gerência de preservação. Sua página na Internet já é uma plataforma para o intercâmbio e a cooperação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Agradecimentos

Quero agradecer aos queridos colegas Franciza Toledo e Saulo Güths, por sua valiosa colaboração na construção deste texto.

TITLE

Management tools for preventive preservation of documents.

TITRE Outils de gestion pour la conservation préventive de fonds.

RESUMO

Este artigo apresenta ferramentas para o planejamento de preservação. Fala de como aplicar pesquisas para o levantamento de riscos em relação ao edifício, de infestações de insetos nos acervos e detalha a metodologia de levantamento por amostragem aleatória de coleções. Enfatiza a necessidade do monitoramento das condições de temperatura e umidade relativa do ar, com vistas a buscar meios para estabilizar estes parâmetros em níveis aceitáveis para a preservação. Conclui comentando sobre a importância de projetos cooperativos para a preservação dos acervos e a necessidade urgente de programas de formação de gerentes de preservação, em nível de graduação.

ABSTRACT This article presents tools for preservation planning. It speaks of how to predict risks related to the building and insect infestation, and details collection survey methodology using random sampling. It emphasizes the need of temperature and relative humidity monitoring, in order to create ways to stabilize these parameters on acceptable preservation levels. Concluding, it comments the importance of cooperative preservation projects and the urgency to prepare preservation managers, at a graduation level.

RÉSUMÉ

Cet article présente les outils pour la planification de conservation. On parle de comment appliquer les recherches pour l´enquête de risques concernant le bâtiment; d´infestations d´insectes dans les fonds et détaille la méthodologie d'enquête par échantillonage aléatoire de fonds. Il souligne la nécessité de monitorage des conditions de température et humidité relative de l'air, avec l´objectif de chercher des moyens pour stabiliser ces paramètres à des niveaux acceptables de conservation.Il conclut en commentant sur l'importance de projets coopératifs pour la conservation des fonds et la nécessité urgente de programmes de formation de gérants de conservation, à niveau de graduation.

PALAVRAS-CHAVE

Planejamento; amostragem; umidade relativa; cooperação; graduação.

KEY WORDS Planning; sampling; relative humidity; cooperation; graduation.

MOTS – CLÉS Planification; échantillonnage; humidité relative; coopération; graduation.

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CUPINS E ARQUIVOS: ABORDAGEM ECOLÓGICA73

Celso Lago Paiva∗

Introdução Entre as muitas ameaças ao patrimônio histórico edificado, contam-se os cupins como uma das mais perniciosas. A ação desses insetos estende-se às estruturas de madeira, paredes de taipa-de-mão e de taipa-de-pilão, retábulos, altares, escadas e mais peças de madeira e muitas vezes somente é percebida quando os danos causados são de grande extensão, comprometendo com freqüência a própria estabilidade estrutural da edificação. Os cupins (Insecta, Isoptera) visam, ao atacar objetos estruturas de madeira, consumir celulose neles contidos, que em seu sistema digestivo é metabolizada em açúcares energéticos, sendo aproveitados os pequenos teores de água e sais minerais existentes na madeira. É justamente a celulose o principal componente da maior parte dos suportes físicos de documentos, representados por papéis e papelões variados, além de livros que há nas bibliotecas auxiliares de arquivo. Os danos causados por cupins a livros e documentos podem ser severos74. Nos últimos anos diversas edificações antigas foram adaptadas para abrigar arquivos públicos e históricos. Abordo neste artigo, com enfoque ecológico, o

ambiente das edificações com relação à fauna deletéria a documentos, especialmente cupins (insetos da ordem Isoptera). A maioria dos problemas de infestação por cupins ocorre por negligência ou falta de conhecimento de proprietários e administradores das edificações acerca da ecologia dos Isoptera. Os diretores de arquivos devem se lembrar que cada documento do acervo sob sua guarda está inserido em ambientes progressivamente mais complexos e que de forma crescente fogem de seu controle: o documento em si, a caixa ou pasta em que está contido, o armário ou prateleira, a sala, o edifício, o entorno do edifício, o bairro, a cidade, e assim sucessivamente. Quanto mais

73 Este artigo foi publicado originalmente sob o título “Cupins e o patrimônio histórico edificado”, In: FONTES, Luiz R. e BERTI FILHO, Evôneo (eds). Cupins: o desafio do conhecimento. Piracicaba: FEALQ, 1998. p.133-62. Por tratar-se de assunto em que o autor é especialista renomado optou-se pela sua publicação após ampliação e revisão adaptando-o à realidade arquivística.

∗Engenheiro agrônomo (ESALQ/ USP); Analista Ambiental, Instituto Brasileiro do Meio

Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Parque Nacional do Serra do Cipó, Santana do Riacho MG. http://www.geocities.com/RainForest/9468/foto.htm. [email protected]. 74 BORROR, Donald; DELONG, Dwight M. Trad. Diva Diniz Correa et al. Introdução ao estudo dos insetos. São Paulo: Edgard Blücher, 1988. p.100.

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variáveis forem conhecidas e controláveis, tanto maior será a estabilidade do arquivo em relação a fatores ambientes adversos rotineiros ou eventuais.

As duas espécies de cupins urbanos mais comuns e destruidores (Cryptotermes

brevis, Kalotermitidae, o cupim da madeira seca; Coptotermes havilandi, Rhinotermitidae, o cupim subterrâneo) são exóticas e há muito instaladas no Brasil (Cryptotermes já no século XIX).

A atividade dessas espécies intensificou-se, segundo os proprietários e gerentes de edificações, desde a década de 1980. Esse fato pode estar ligado à marcada depressão das populações de predadores naturais, especialmente aves, incidentes sobre fêmeas colonizadoras voadores, em decorrência do desmatamento progressivo dos arredores das cidades e ampliação da área urbana. O caráter inóspito da maioria das urbes para o estabelecimento de faunas ornitológicas permanentes e diversificadas contribui para a baixa predação dos adultos, restrita geralmente a pardais (Passer domesticus, Ploceidae), de baixa eficiência como predadores de insetos se comparados, por exemplo, a predadores especializados como espécies de Caprimulgidae (arapaçus), Apodidae (andorinhões), Picidae (pica-paus), Dendrocolaptidae (subideiras), Tyrannidae (bentevi, siriri, tesourinha) e Hirundinidae (andorinhas) (Paiva 1998).

Predador altamente eficiente no meio urbano é a lagartixa Hemidactilus mabouia (Reptilia, Gekkonidae; obs. pes.), que ocorre em densidades baixas e insuficientes para predar os milhares de adultos de cupins que acorrem a cada edificação nas revoadas maiores. Esses répteis, muito sensíveis aos inseticidas, devem ser ativamente protegidos75.

Características gerais de edificações coloniais e imperiais com relação ao ataque por cupins

Algumas características de edificações antigas devem ser mencionadas por sua importância na interação com os Isoptera.

Quanto ao sistema construtivo, dos quatro sistemas adotados no Brasil (taipa-de-mão, taipa-de-pilão, alvenaria de adobes e alvenaria de pedras) as duas modalidades de taipa são os mais suscetíveis aos cupins (Paiva 1998).

A taipa-de-mão apresenta hoje na grande maioria das edificações estudadas severo ataque nos seus paus-a-pique, que muitas vezes perdem praticamente toda sua massa, fornecendo volume abrigado para seções de ninhos de cupins-arbóreos. O ataque é favorecido pelo gretamento da taipa que recobre a grade de paus-a-pique e ripas. Ripas e embiras são também atacados. Devido à grande solidez da estrutura da gaiola, a estabilidade geral da edificação não é ameaçada.

A “juçara” (jiçara, palmito ou palmito-branco; Euterpe edulis, Arecaceae) sempre foi nos períodos colonial e imperial o material eleito para ripamento das paredes-de-mão e de telhados e para paus-a-pique, pela facilidade de desdobramento e

75 Constatei que os lagartos rupícolas (habitantes de rochas) conhecidos como “calangos” (Tropidurus torquatus e Tropidurus itambere, Reptilia, Iguanidae, Brasil centro-oriental) estão se adaptando à vida nas cidades, sendo encontrados com frequência crescente sobre paredes e telhados. Mesmo sendo diurnos, poderão se converter em predadores eficientes de adultos de Isoptera no fim do dia, período de grande afluência de fêmeas aladas de cupins às edificações.

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abundância nas florestas76 é material virtualmente imune a cupins e fungos, desde que resguardado de umidade pluvial direta.

Já no Império o “palmiteiro” passa a escassear, sendo empregado para o ripamento os “bambu” e “taquaras” (Bambusa vulgaris e outras espécies, Poaceae), de qualidades mecânicas inferiores e menos resistente a brocas e cupins77.

Devido à degradação da estrutura das paredes-de-mão estas foram substituídas em muitas edificações por tabiques de adobes ou, mais recentemente, de tijolos.

Outros elementos da gaiola (da taipa-de-mão e da alvenaria de adobes) podem eventualmente ser objeto de ataques termíticos limitados: cunhais, frechais, traves, peças de contraventamento e, especialmente, nabos de colunas e burros. No sul de Minas a madeira empregada preferencialmente para essas estruturas é a “aroeira” (Astronium urundeuva, Anacardiaceae), imune aos cupins, mesmo “no tempo” (exposta à chuva).

A taipa-de-pilão não apresenta interesse aos cupins xilófagos, mas eventualmente algumas peças de madeira usadas horizontalmente para travamento no interior das paredes podem fornecer-lhes alimento. Paredes nessa técnica podem ser perfuradas quando os cupins esgotam a madeira nas paredes-de-mão que servem de tabiques internos, e também para permitir contato entre o solo e o madeiramento do telhado. Surge então intrincada rede de galerias que acaba muitas vezes por ameaçar a estabilidade estrutural das paredes, nesse caso auto-portantes.

“É o cupim, o implacavel termita [...] que corróe as paredes [...]” afirmou em 1938 Paulo Duarte, com relação aos monumentos históricos erigidos em taipa-de-pilão. Schmidt78 documentou destruição parcial de muros de taipa-de-pilão em Taubaté, São Paulo: “Mais do que o tempo, parece, o cupim é perigoso inimigo das paredes de terra socada, pois estas à sua ação não resistem, são broqueadas de lado a lado, e em pouco tempo apresentam buracos de vários palmos de diâmetro que as atravessam de uma face para outra”. Verifiquei maior incidência de perfurações termíticas em edificações do último quartel do século XIX, quando a taipa-de-pilão era de fatura mais displicente, utilizando terra mal escolhida, resultando material construtivo (taipa) de menor densidade e dureza.

A alvenaria de adobes (adobos, em Minas Gerais) representa campo limitado para o desenvolvimento de cupins. Nunca os danos constatados foram severos, apesar da abundância de esterco ou de palha na massa desses tijolos crus e no reboco, com exceção de muros.

76 PAIVA, Celso Lago. História da técnica das construções coloniais em São Paulo. Indaiatuba (SP): Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, 1996.p.9; Construções rurais coloniais no quadrilátero do açúcar, Estado de São Paulo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, Piracicaba, 5:37-46, 1997. 77 No nordeste a palmeira fornecedor de material para ripamentos e para caibros em edificações coloniais é a “carnaúba” (Copernicia cerifera, Arecaceae), substituída em certas regiões do Brasil Central pelo “carandá” (Copernicia australis), ambas de elevada resistência a insetos minadores. Em Minas Gerais e Goiás a abundância nos pastos da “macaúba” (Acrocomia sclerocarpa, Arecaceae) ensejou sua utilização rotineira como material para ripamento de telhados e taipa-de-mão, sendo praticamente imune aos insetos minadores, se protegida da umidade pluvial. 78 SCHMIDT, Carlos Borges. Construções de taipa: alguns aspectos do seu emprêgo e da sua técnica. Boletim de Agricultura, 47:129-58 (+ 12 pranchas), São Paulo, 1946. p.133. Figuras 6 e 7.

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A alvenaria de pedras pode fornecer espaço, ainda que limitado, para os ninhos dos cupins-arbóreos. Sua importância reside no fato de socos e fundações em aparelhos de pedra-seca permitirem fácil locomoção dos cupins entre o solo e as paredes acima.

O reboco colonial e imperial classicamente contém esterco curtido, pelo que deve ser responsável por certas infestações encontradas em Minas Gerais e São Paulo, mais danosas quando atingem pinturas murais.

O meio mais favorável para o desenvolvimento de cupins em edificações históricas (incluindo as do final do Império e início da República, erigidas em tijolões), depois dos elementos da taipa-de-mão, é o madeiramento dos telhados. Em telhados originais bem conservados o ataque é limitado pela excelência das madeiras empregadas, rigorosamente selecionadas pelos construtores nas então abundantes florestas brasileiras. Nesse caso somente aparecem problemas na eventualidade de infiltração de água pluvial (com conseqüente proliferação de fungos xilófilos) e em alterações ulteriores. Constatei severos ataques em cachorros dos séculos XIX e XX em certas regiões do sul de Minas Gerais (entre Carrancas e Congonhas) em que foi utilizada madeira de qualidade inferior, mais facilmente encontrada nessa região de campos, cerrados e capoeiras, na qual a maioria das florestas há muito desapareceu.

Característica importante dos telhados coloniais é o fato das telhas em posição de canais prescindirem de sulcos ou ressaltos transversais que as travem nas ripas, facilitando seu escorregamento, o que provoca freqüentes infiltrações pluviais.

Outro meio favorável a cupins é o das envasaduras (portas e janelas). Nelas a qualidade da madeira limita os danos, que parecem ser mais restritos a fungos que, destruindo a celulose, atraem os cupins e facilitam seu ataque. Constata-se com freqüência que a peça mais danificada é o peitoril de janelas e o terço basal das ombreiras de portas, mais expostos à umidade pluvial e de infiltração do solo. Ocasionalmente são atacados por cupins as treliças (gelosias, rótulas e bandeiras), os escuros, as tábuas de fechamento do sobrearco e das engras e os respectivos alizares.

Poucas edificações antigas dispõem de forros de madeira. Mas o ataque eventual nestes é altamente pernicioso quando apresentam pinturas a têmpera, como nas igrejas e capelas. Nesse caso a aplicação de inseticidas em base aquosa pode danificar a pintura.

Finalmente, certas estruturas fixas de madeira podem fornecer abrigo e alimento para os cupins: escadas, balcões em balanço, balaustradas, colunas de alpendres, tabuados de sobrados e cabideiros embutidos em paredes, todos elementos construtivos freqüentes nas construções coloniais.

De uma forma geral, edificações antigas são especialmente propícias a infestações por cupins, o que as torna inapropriadas para instalação de arquivos. Pés-direitos altos, freqüente ausência de forros, presença de pisos de tábuas, paredes de taipa-de-mão e de adobos altamente permeáveis ao vapor e a gases, dificultam ou impossibilitam expurgo utilizando gases tóxicos ou inertes (asfixiantes) e inviabilizam climatização (controle de temperatura) e filtragem do ar (para retenção de poeira), recomendados em instalações e acervos arquivísticos.

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Paiva79 apresenta e comenta diversos estudos de casos de edificações antigas danificadas por cupins.

Condições favoráveis ao ataque por Isoptera

Praticamente todas as estruturas de uma edificação antiga (e novas) podem ser atacadas e danificadas por cupins e abrigar ninhos desses insetos, com exceção daquelas elaboradas em pedras e cerâmica. A partir de tais ninhos os insetos podem atacar o acervo do arquivo. As edificações e suas estruturas são suscetíveis ao ataque de cupins sempre que algumas condições propícias existirem:

1. Emprego de madeiras moles ou suscetíveis ao ataque de cupins

Este é o fator mais importante, geralmente suficiente, para o estabelecimento e desenvolvimento de colônias de cupins de madeira seca (como o cupim urbano Cryptotermes brevis), que tem seus ninhos no interior da peças atacadas. Para os cupins subterrâneos ou arbóreos é fator importante mas não determinante.

Edificações voltadas à instalação de arquivos devem conter o mínimo possível de madeiras, especialmente no volume útil de armazenamento; móveis, molduras, escadas, estantes devem ser preferencialmente metálicos.

2. Presença de madeira e derivados enterrados e livres na edificação e no entorno

Constituem fonte secundária de recursos tróficos para comunidades de cupins as peças de madeira e derivados existentes no volume centralizado pela edificação antiga (ou nova, como acentuou Luiz Roberto Fontes80), como restos de materiais de reformas e restauros deixados aterrados ou em meio à vegetação do entorno, pedaços de madeira livre e inútil no desvão do telhado, caixas e caixotes de madeira ou papelão armazenados e material arquivístico encaixotado ou fora de estantes estivadas.

Com freqüência vêem-se materiais como os citados servirem de atrativos para cupins, especialmente cupins arbóreos que podem, com o tempo, a atacar o acervo antes de serem detectados.

Lembre-se que objetos de madeira bruta, apenas lavrada, muito antigos, deteriorados ou que tenham um histórico de exposição à chuva são especialmente atrativos para cupins. Aumenta essa atração a presença de fungos xilófagos ativos ou inativos81 e ataques anteriores por cupins, ainda que debelados.

79 PAIVA, Celso Lago.Cupins e o patrimônio histórico edificado. In: FONTES, Luiz R. e BERTI FILHO, Evôneo (eds). Cupins: o desafio do conhecimento. Piracicaba: FEALQ, 1998. p.133-62. 80 FONTES, Luiz Roberto. Cupins em áreas urbanas. In: BERTI FILHO, Evoneo e FONTES, Luiz Roberto (eds.). Alguns aspectos atuais da biologia e controle de cupins. Piracicaba: FEALQ, 1995. p.57-75;________________. Controle de cupins em ambientes urbanos. In: Anais do 2º Simpósio Latino-Americano sobre Controle de Pragas Urbanas. São Paulo: ExpoPrag, 1996. p.53-68. 81 Cf. BARBERINI, Gustavo Baillod. Protección de la madera contra los termites - aspectos ambientales. In: BERTI Filho, Evoneo e FONTES, Luiz Roberto, 1995, eds. Alguns aspectos atuais da biologia e controle de cupins. Piracicaba: FEALQ, 1995. p.169-70 e COSTA-LEONARDO, Ana M. A metodologia de iscas para controle de cupins subterrâneos. Revista de Agricultura, Piracicaba, 71(3):337-45, 1996.

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3. Elevada umidade de solo e atmosférica

As fundações de pedras, tijolos ou de taipa-de-pilão retiram ativamente água do solo e a transmitem às paredes e ao ar do interior dos prédios (como já citou Luiz Saia para alicerces de pedra).

Os cupins tem sua atividade intensificada em condições de elevada umidade ambiente e no substrato de alimentação. A umidade parece favorecer igualmente a atividade de perfuração, especialmente no caso de madeiras duras. A umidade pode ser fator determinante para favorecimento da atividade dos cupins arbóreos ou subterrâneos (especialmente Coptotermes havilandi, em implantações urbanas) que raramente faltam em edificações antigas. Para a espécie Coptotermes formosanus, altamente nociva e ainda não encontrada no Brasil, alta umidade ambiente é requisito essencial para o estabelecimento de colônias.

Ambientes com umidade do ar elevada favorecem desenvolvimento de fungos cromógenos (manchadores de papéis) e de fungos celulolíticos que, além de atacarem os papéis, servem de atrativo para cupins.

Muitas edificações antigas situam-se em encostas úmidas, ao lado de cursos-d’água ou em fundos de vales nos quais o lençol freático encontra-se elevado em boa parte do ano. Esse é o caso do Solar do Colégio em Tócos, bairro rural de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, no qual se instalou em 2002 o Arquivo Público Municipal. Segundo Paes, Soffiati Neto e Silva82, a área da “Fazenda do Colégio” é alagável e conta com lençol freático alto; a umidade e o calor favorecem o desenvolvimento de cupins. Informam que a edificação, fechada por quatro anos, após obras de restauração quase concluídas, tinha o madeiramento todo tomado por galerias de cupins. Segundo folheto do próprio Arquivo, o “Solar, construído na segunda metade do século XVII [...] instala-se em suave elevação em relação aos arredores, protegido dos alagamentos na época das chuvas”.

Umidade atmosférica alta aumenta os custos de manutenção ao forçar funcionamento por tempo prolongado dos equipamentos de climatização.

Algumas edificações antigas são ocasionalmente invadidas por torrentes estacionais (enxurradas).

Entre as atividades e atitudes que favorecem a manutenção de umidade ambiente elevada em edificações antigas contam-se:

υ todas aquelas que impedem ou dificultam a iluminação (ver Manejo inadequado da luz ambiente);

υ lavagem de pisos e paredes;

υ tolerância de árvores no entorno imediato;

υ ausência de estruturas e métodos modernos de drenagem;

υ presença de pavimentos impermeabilizantes no entorno (calçadas de concreto, asfalto); 82 PAES, Sylvia Marcia; SOFFIATI NETTO, Aristides Arthur; SILVA, Leonardo de Vasconcellos, 2000. [Manifesto] Sobre o Arquivo Público Municipal de Campos dos Goytacazes-RJ [Brasil]. Disponível na Internet: http://www.geocities.com/lagopaiva/arquivo.htm. 22 mar. 2000 (criação).

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υ existência de banheiros, lavatórios, cozinhas e calhas pluviais internas;

υ escorregamento e trincas de telhas, especialmente das canais (em contato com as ripas);

υ selamento das ripas do telhado, permitindo retorno de águas pluviais;

υ pinturas impermeabilizantes nas paredes, quando na técnica colonial o revestimento único era a caiação, altamente permeável à água e seu vapor.

Em edificações sujeitas a inundações ocasionais ou lençóis freáticos elevados a instalação de arquivos é desaconselhada.

4. Manejo inadequado da luz ambiente

Cupins são geralmente fotófobos. Iniciam ataques apenas em condições de baixa luminosidade. O suprimento insuficiente de luz ambiente sempre favorece sua atividade e pode mesmo ser o fator preponderante para o início e manutenção do ataque.

De diversas formas os usuários de edificações antigas podem obstar o fornecimento de luz ambiente e favorecer os térmitas.

Como a luz pode alterar e danificar documentos, devem ser estudadas estratégias de manejo ambiente de forma a mantê-los protegidas da luz, ao mesmo tempo que o ambiente permaneça bem iluminado de forma a desestimular proliferação de cupins.

5. Manejo inadequado da temperatura ambiente

Altas temperaturas favorecem a atividade de cupins. Tendem a aumentar a temperatura das edificações:

υ substituição de telhas coloniais originais por telhas industriais (ver Manejo da luz ambiente);

υ utilização de excessivas telhas transparentes;

υ obturação de envasaduras e vãos originais;

υ falta de manejo de umidade ambiente (devido à capacidade do vapor-d’água de armazenar calor, ambientes com elevada tensão de vapor são normalmente mais quentes);

υ tolerância de equipamentos emitentes de umidade e calor.

6. Manejo incorreto da vegetação

Fontes83 alertou para a importância da vegetação arbórea na hospedagem de ninhos de cupins subterrâneos que passam a atacar edificações próximas.

83 FONTES, Luiz Carlos. op.cit.

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Minha experiência confirma o fato, que considero mais sério em áreas rurais. Freqüentemente verificam-se danos pesados em edificações onde não se encontram os respectivos ninhos de cupins.

Outros inconvenientes da vegetação arbórea na vizinhança imediata das edificações antigas, com relação a cupins, são o sombreamento, o prolongamento da umidade das paredes e do telhado após as chuvas, a queda de galhos, ramos e folhas (que, penetrando em vãos, podem alimentar os insetos e reter umidade) e a penetração de raízes na edificação (fato assaz comum).

Como medida profilática, deve-se extirpar a vegetação arbórea (com remoção de suas raízes) num raio de vinte metros, sempre que possível.

Medidas com provável impacto sobre as populações de insetos-praga, como os cupins, são: a proteção das áreas de vegetação nativa (florestas, cerrados, brejos, capoeiras, catanduvas, restingas, campos rupestres, mangues), o incentivo ao reflorestamento heterogêneo, em áreas rurais, o aumento das áreas de parques urbanos extensos e de vegetação variada, a arborização variada das ruas e praças, e o incentivo à conservação dos quintais residenciais, de forma a manter populações estáveis de inimigos naturais, especialmente aves (ver Introdução).

7. Falta de manutenção periódica

Edificações com manutenção deficiente são sujeitas a escorregamento das telhas e conseqüente infiltração de água pluvial que certamente permitem desenvolvimento de fungos atrativos para cupins.

Falta de monitoramento de infestações termíticas propicia ataques severos dificilmente controláveis.

Especialmente favoráveis a cupins são as infiltrações provindas de vazamentos de encanamentos, detectáveis em inspeções periódicas.

8. Obras de restauração mal conduzidas

Obras de restauração devem sempre considerar o eventual ataque de cupins às edificações. Medidas preventivas, incluindo o manejo ambiente (interno e no entorno) são obrigatórias, aproveitando-se as intervenções físicas na estrutura.

Em caso de desconhecimento da biologia dos insetos, o restaurador corre o risco de mascarar infestação existente e fornecer condições ainda mais propícias para seu desenvolvimento.

9. Manejo inadequado das infestações

Fontes84 exemplificou casos de manejo inadequado de cupins em edificações antigas. Muitas infestações por cupins nessas edificações são manejadas por pessoas que ignoram a complexidade de fatores envolvidos.

Os erros mais comumente constatados são:

υ falta de acompanhamento periódico por especialista;

84 Idem, ibid.

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υ desconhecimento das características do sistema construtivo respectivo;

υ falta de identificação da espécie presente;

υ desconhecimento da ecologia da espécie de Isoptera envolvida;

υ ausência de manejo ambiente integrado;

υ ausência de esforços para localização e destruição dos ninhos;

υ inexistência de Plano de Manejo específico a cada caso;

υ ausência de monitoração de infestações em edificações e árvores próximas;

υ utilização de gases asfixiantes (método de “atmosfera modificada” utilizando-se CO, CO2, N2) e tóxicos (brometo de metila, fosfina e inseticidas voláteis), de brevíssimo ou nenhum efeito residual;

υ utilização de termiticidas líquidos voláteis e de baixa persistência (ver Cupins e incêndios, adiante);

υ pincelamento ou pulverização de inseticidas comerciais, sem qualquer tratamento em profundidade;

υ utilização de querosene como solvente (ver Cupins e incêndios, adiante);

υ desconhecimento de técnicas e conhecimentos modernos de hidráulica, entomologia, engenharia, e mais disciplinas envolvidas;

υ falta de pesquisa e do entendimento das condições ecológicas da edificação e de seu entorno85.

10. Ausência de Plano de Manejo

O Plano de Manejo é instrumento indispensável para o gerenciamento a médio e longo prazos de edificações antigas, devendo ser reavaliado e realimentado em inspeções periódicas.

Esse Plano tem caráter integrado, prevendo atividades e medidas a serem tomadas por diversos profissionais, visando garantir a perenidade do bem e a minoração dos impactos previsíveis.

Entre as medidas mais importantes a serem consideradas está a prevenção de infestações e reinfestações por térmitas. O Plano deve mencionar e dirigir a implantação de diversas medidas que considerem o sistema edificação/ entorno/ utilização para sucesso da prevenção.

Interação de cupins com outros organismos

São conhecidas certas interações entre isópteros e outros organismos.

85 PAIVA, Celso do Lago. Parecer Técnico. Caracterização e levantamento do entorno físico e ecológico imediato das edificações do sítio histórico do Casarão do Pau Preto, Indaiatuba. Campinas: s.ed.2002. Mimeografado.23 p. (12 fotos).

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υ Fungos. Pesquisas recentes indicam que madeiras infestadas por fungos xilófilos atraem cupins86. Minha experiência é a de que fungos e cupins atacam simultaneamente as mesmas peças expostas à umidade e à poeira na maioria das edificações pesquisadas. O ataque por fungos precede a infestação por cupins, especialmente no caso de madeiras duras, como a peroba e as canelas, normalmente imunes a insetos xilófagos. Tanto fungos quanto cupins são favorecidos por altas temperaturas e umidade ambiente elevada e constante. Umidade elevada permite o desenvolvimento de fungos celulolíticos cromógenos, cujos esporos mancham indelevelmente os papéis atacados.

υ Formigas. Diversas espécies noturnas de formigas (Hymenoptera, Insecta) utilizam-se dos túneis abertos pelos cupins no material das paredes de edificações antigas, ampliando-os com freqüência, podendo brocar e manchar documentos.

υ Baratas. Diversas espécies de baratas domésticas (Blattidae, Orthoptera, Insecta) podem coexistir nos mesmos ambientes onde proliferam os cupins-arbóreos, desde que encontrem ali alimentos armazenados; por abrigarem em seu sistema digestivo microrganismos capazes de digerir celulose, podem danificar ativamente documentos armazenados em condições de alta umidade, ou em períodos úmidos.

υ Traças-de-livros. Diversas espécies de insetos fotófobos da ordem Thysanura, dos gêneros Lepisma, Ctenolepisma e Thermobia ocorrem em bibliotecas, arquivos e depósitos de produtos comerciais com condições inadequadas de controle de umidade e de luz; os danos a documentos e livros podem ser significativos.

υ Brocas e carunchos. Muitas espécies de diversas famílias de Coleoptera (besouros) atacam madeiras de construção e podem coexistir com cupins, sendo favorecidos pelos mesmos fatores ambientes e por descuidos na manutenção; diversas espécies de coleópteros podem destruir documentos e livros.

υ Ratos. As três espécies de roedores domésticos (camundongo, rato e ratazana; Muridae Rodentia, Mammalia) podem se utilizar das paredes perfuradas pelos cupins e com estruturas deterioradas por fungos para abrir seus próprios túneis de comunicação. Edificações antigas fornecem abrigos múltiplos para roedores, de difícil localização. Ratos e especialmente camundongos (Mus musculus) podem ser responsáveis por danos de monta a documentos armazenados em condições impróprias.

υ Morcegos. Os morcegos de diversas famílias (Chiroptera, Mammalia) são freqüentemente encontrados refugiando-se nas mesmas edificações com problemas sérios de cupins-subterrâneos, pois esses organismos compartilham dois fatores ambientes indispensáveis: escuridão e elevada umidade atmosférica. Dessa forma, ambientes onde existam baratas e morcegos pedem rigorosa inspeção para localização de cupins. Ambientes com morcegos são focos da doença histoplasmose, o que se constitui em risco não desprezível para funcionários de arquivos abrigados em edificações antigas.

86 BARBERINI, Gustavo Baillod. Op. cit; COSTA-LEONARDO, Ana M. Op.cit.

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Cupins e incêndios

A perfuração das peças maiores de madeira pelos cupins aumenta sua permeabilidade ao oxigênio, facilitando o ataque pelo fogo. Esse problema é agravado em peças também atacadas por fungos.

Constitui grave infração às normas de segurança patrimonial o uso de querosene como veículo de termiticidas comerciais, por aumentar esse líquido a combustibilidade da madeira, especialmente em arquivos, nos quais se acumulam bens combustíveis87.

O próprio arquivo, por ser depositário de grande quantidade de material altamente combustível, representa risco adicional para edificações antigas, normalmente suscetíveis a incêndios.

Conclusão

Cupins (Isoptera) são causadores de estragos significativos em edificações antigas (coloniais e imperiais) e novas no Brasil. Afetam edificações erigidas em taipa-de-mão, taipa-de-pilão, alvenaria de adobes e de tijolos. Nas edificações de alvenaria de pedras e de tijolos os danos atingem envasaduras, telhados e outras estruturas de madeira.

Entre as medidas de controle e de prevenção de infestações termíticas em edificações destaca-se a monitoração ambiente, incluindo manejo de luz, temperatura e umidade, pesquisa de peças de madeira e derivados e manejo da vegetação no entorno. Medidas culturais incluem conhecimento dos sistemas construtivos coloniais e imperiais, conhecimento da biologia de Isoptera e utilização correta do imóvel. Medidas profissionais são: aplicação de técnicas de controle adaptadas para cada caso, elaboração de Plano de Manejo (periodicamente reavaliado) e manutenção periódica das edificações.

Cupins presentes em edificações podem danificar materiais de acervos arquivísticos. Considero incompatíveis as edificações antigas com seu uso para instalação de arquivos, pelo alto risco de infestações por cupins, pela impossibilidade de controle ambiente (climatização) e pela dificuldade de proceder ao controle de poeira por filtragem do ar. Edificações antigas são normalmente mais úmidas, favorecendo infestações por cupins e desenvolvimento de fungos celulolíticos.

Adaptar as velhas construções para compatibilizá-las com atividades arquivísticas exigirá obras custosas e descaracterizadoras, implicando em destruição parcial, eliminação de estruturas originais perda da autenticidade do bem edificado.

Proponho que arquivos públicos e históricos sejam alojados em edificações especialmente projetadas para esse fim, providas de rede de drenagem projetada por profissionais, e que os conselhos de defesa e tombamento de bens históricos

87 Deve-se lembrar a grande eficiência do bórax (Na2B4O7.10 H2O) como retardante do fogo (para esta questão cf. MICHOTTE, Félicien. La science du feu: étude théorique et pratique de l’incendie; le feu, ses causes, sa prévention, son extinction. Paris : H. Dunod et E. Pinat, 1912 ; PAIVA, Celso Lago . Op.cit, 1998) ao se ensaiá-lo como cupinicida (aliás de baixo custo, indecomponível, facilmente absorvível pela madeira, não volátil, persistente, inodoro e pouco tóxico ao homem).

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edificados rejeitem a priori instalação de arquivos (e bibliotecas) em edificações antigas tombadas, como uso incompatível com conservação desses bens.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBERINI, Gustavo Baillod. Protección de la madera contra los termites - aspectos ambientales. In: BERTI Filho, Evoneo e FONTES, Luiz Roberto, 1995, eds. Alguns aspectos atuais da biologia e controle de cupins. Piracicaba: FEALQ, 1995. p.169-70.

BAZIN, Germain. L’architecture religieuse baroque au Brésil. Tome I. Étude historique et morphologique. Tome II. Répertoire monumenta. Documentation photographique. São Paulo/Paris: Museu de Arte/Librairie Plon, [1956/1958].

BORROR, Donald; DELONG, Dwight M. Trad. Diva Diniz Correa et al. Introdução ao estudo dos insetos. São Paulo: Edgard Blücher, 1988.

COSTA-LEONARDO, Ana M. A metodologia de iscas para controle de cupins subterrâneos. Revista de Agricultura, Piracicaba, 71(3):337-45, 1996.

DUARTE, Paulo. Contra o vandalismo e o extermínio. São Paulo: Departamento de Cultura, 1938.

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PAES, Sylvia Marcia; SOFFIATI NETTO, Aristides Arthur; SILVA, Leonardo de Vasconcellos, 2000. [Manifesto] Sobre o Arquivo Público Municipal de Campos dos Goytacazes-RJ [Brasil]. Disponível na Internet: http://www.geocities.com/lagopaiva/arquivo.htm. 22 mar. 2000 (criação).

PAIVA, Celso Lago. História da técnica das construções coloniais em São Paulo. Indaiatuba (SP): Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, 1996. 49 p.

_________________. Construções rurais coloniais no quadrilátero do açúcar, Estado de São Paulo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, Piracicaba, 5:37-46, 1997.

_________________.Cupins e o patrimônio histórico edificado. In: FONTES, Luiz R. e BERTI FILHO, Evôneo (eds). Cupins: o desafio do conhecimento. Piracicaba: FEALQ, 1998. p.133-62.

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SAIA, Luiz. Notas sobre a arquitetura rural paulista do segundo século. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 8:211-75, Rio de Janeiro,1944.

SCHMIDT, Carlos Borges. Construções de taipa: alguns aspectos do seu emprêgo e da sua técnica. Boletim de Agricultura, 47:129-58 (+ 12 pranchas), São Paulo, 1946.

TITLE

Termites and archives: an ecological approach.

TITRE Termites et archives: un abordage écologique.

RESUMO

Acervos de arquivos públicos e privados podem ser objeto de ataque de cupins (Insecta, Isoptera). Entre os fatores que favorecem esse ataque estão: elevada umidade ambiente, altas temperaturas, manejo inadequado da luz, condições impróprias de armazenamento de documentos, agressividade das espécies exóticas de cupins hoje estabelecidas no Brasil, utilização de edificações inadequadas e, principalmente, falta de manutenção periódica das edificações.

ABSTRACT Documents in archives may be attacked and damaged by termites (Isoptera) belonging to several species. Among the several factors that favor the attack are: high environmental humidity, high temperatures, low light diffusion, inappropriate conditions of document storage, aggressivity of alien species of termites today occurring in Brazil, choice of old buildings and mainly lack of periodic maintenance of the old buildings.

RÉSUMÉ Les fonds des archives publics et privées peuvent être objet d'attaque de termites (Insecta, Isoptera). Entre les facteurs qui favorisent cette attaque il y en a : élevée humidité ambiante, hautes températures, maniement inadéquat de la lumière, conditions impropres de magazinage de documents, agressivité des espèces exotiques de termites aujourd'hui établis au Brésil, utilisation de constructions inadéquates et, principalement, absence d´entretien périodique des constructions.

PALAVRAS-CHAVE Cupins em arquivos; climatização; controle de umidade; edificações antigas.

KEY-WORDS Termites in archives; ideal temperature conditions; humidity control; old buildings.

MOTS - CLÉS Termites dans les archives; Isoptera; climatisation; contrôle de humidité; constructions anciennes.

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O ARQUIVO EM FOCO

A Fundação Pró-Memória de Indaiatuba e a Implantação do Sistema Municipal de Arquivos – Histórico e lei de criação A Fundação Pró-Memória de Indaiatuba foi criada, oficialmente, em 21/09/88, através da Lei Municipal n.º 2437, tendo por base o Arquivo Público e Histórico do Município de Rio Claro. No entanto, apesar de ter os membros de seu Conselho administrativo nomeados e empossados, ela não chegou a funcionar em virtude da falta de recursos humanos e materiais. Tempos depois, com a promulgação da Constituição Federal, de 05/10/88, todas as fundações criadas ou mantidas pelo Poder Público foram consideradas públicas, levando à alteração do texto da lei (a Fundação tinha sido criada como pessoa jurídica de direito privado). Surgiu, assim, a Lei n.º 3081, de 20/12/93. De acordo com a Lei nº 3081/93, cabia a Fundação: custodiar, proteger e organizar o Arquivo Público de Indaiatuba, o Museu do Município e a Biblioteca Pública Rui Barbosa e promover as ações destinadas a preservar o patrimônio histórico, cultural e ambiental de Indaiatuba. Além disso, competia-lhe a implantação e gerenciamento do Sistema Municipal de Arquivos, instituído pela Lei n.º 3076, de 16/12/93 ( reproduzida ao fim desse texto). Diante do grande volume de trabalho, conselheiros e a então diretora Janice Gonçalves optaram por priorizar a organização do Arquivo Público, tendo em vista a precariedade em que se encontrava grande parte dos documentos produzidos pela Administração Municipal. Para tanto, firmou-se um convênio com a Secretaria Municipal da Cultura, estabelecendo que o Museu e a Biblioteca ficariam, temporariamente, sob sua responsabilidade. Quanto ao Arquivo Público, nos primeiros meses de trabalho, coube aos três arquivistas, sob a orientação constante da Diretora, proceder ao levantamento das transformações sofridas pela estrutura administrativa da Prefeitura, através da consulta à legislação municipal, cujos livros haviam sido recolhidos no decorrer do mês de fevereiro. Tal tarefa objetivava a implantação do Sistema Municipal de Arquivos. Ao mesmo tempo, eram percorridas algumas secretarias com o intuito de iniciar o recolhimento de documentos que estivessem em condições precárias de acondicionamento (principalmente, jornais, fotos e livros de registro da administração). Uma vez concluída esta etapa, mais teórica, os arquivistas partiram para o trabalho de campo, percorrendo sistematicamente todos os órgãos municipais, a fim de elaborarem um quadro mais aprofundado da produção documental de cada um deles. Simultaneamente, toda a equipe engajou-se na organização do acervo do Arquivo Permanente (até então, documentos de caráter intermediário e permanente confundiam-se nos depósitos da Prefeitura Municipal), cujo acesso seria permitido à população a partir de outubro de 1994. Procedeu-se, então, a higienização e organização dos diversos fundos públicos e privados (a esta altura, o Arquivo vinha recebendo uma série de doações de moradores da cidade preocupados em preservar a sua história), ao mesmo tempo em que eram elaborados os

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instrumentos de pesquisa. Além disso, começaram a ser indexadas todas as matérias jornalísticas relevantes para a história do Município ou que tratassem de questões relativas à preservação do patrimônio e foi criada uma “recorteca”, com a finalidade de agilizar a consulta e preservar os jornais do acervo. Aos poucos, surgiram também uma série de projetos, programas e grupos de trabalho, alguns dirigidos para o público externo da instituição e outros voltados para os funcionários municipais, preparando-os para as mudanças que estavam por vir com a implantação do Sistema Municipal de Arquivos. Dentre eles, podemos citar: o Grupo de História Oral, o Programa Integração Arquivo-Escola, o Programa de Assistência Técnica aos Arquivos Correntes da Prefeitura Municipal de Indaiatuba e o Grupo de Trabalho sobre Políticas de Preservação. O Programa de Assistência Técnica aos Arquivos Correntes da Prefeitura Municipal de Indaiatuba, foi criado em julho de 1994 e destinava-se aos funcionários públicos municipais que lidavam mais diretamente com os documentos de arquivo. Ele visava a troca de conhecimentos e experiências entre estes funcionários e a equipe do Arquivo, o estímulo à padronização de procedimentos e à adoção de soluções tecnicamente adequadas, bem como o estabelecimento de um canal permanente de comunicação entre a Fundação Pró-Memória e os demais órgãos municipais, visando alcançar mudanças gradativas na mentalidade-padrão do funcionalismo, no tocante à produção, controle e guarda de documentos. Para tanto, o Programa contava com cursos periódicos de 9 horas/aula cada, um plantão de dúvidas de 1 hora/dia e um informativo mensal. Um outro projeto, elaborado em 1995 pela Fundação em parceria com o SAAE – Serviço de Abastecimento de Água e Esgoto da cidade, foi o “Museu de Água de Indaiatuba”. Destinado a funcionar na antiga Casa de Bombas da Represa do Coppini, construída em 1937, ele pretendia reunir documentos e artigos informativos sobre a água que servissem de material didático para escolas. Com isso, unir-se-iam as campanhas de conscientização sobre a preservação ambiental e do patrimônio cultural. No entanto, apesar de todos os esforços, muitos destes projetos, foram extintos ou tiveram seu ritmo bastante reduzido. Pode-se dizer que uma das principais causas desse problema foi, sem dúvida, o fato dos funcionários da Administração Municipal, em todos os seus escalões, não conferirem o devido valor aos documentos de arquivo, o que se refletiu nas verbas escassas, na falta de recursos humanos, na constante rotatividade de funcionários da Prefeitura (tornando, praticamente, infrutíferos os cursos de treinamento) e no raro atendimento às orientações técnicas transmitidas pelo Arquivo Público Municipal. Este, na verdade, era visto como um mero depósito, obrigado a receber documentos sempre que conviesse aos vários departamentos. Diante disso, a Fundação viu-se obrigada a tomar medidas drásticas, a mais marcante adotada a partir do segundo semestre de 1996 e reforçada em 1997, após a posse do novo prefeito: a recusa em aceitar transferências de documentos sem que se fizesse a identificação e avaliação dos documentos nem se definisse o representante do órgão solicitante na Comissão de Análise de Documentos de Arquivo (C.A.D.A.). A partir daí, os representantes começaram a ser indicados e, em agosto de 1997, aconteceu a primeira reunião da CADA, que teve como pauta a discussão dos objetivos do Sistema

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Municipal de Arquivos, os procedimentos adotados para sua implantação e funcionamento, o papel da Comissão (que tinha, dentre outras, a função de estudar como os documentos são produzidos e sugerir algumas providências, quando necessário) e a apreciação da minuta do Regimento Interno da CADA e de uma proposta de cronograma de atividades para o segundo semestre de 1997. Mas estas não foram as únicas dificuldades enfrentadas pela equipe do Arquivo, em sua trajetória. No final de abril de 1997, durante uma reforma, funcionários da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos localizaram, em um de seus barracões, documentos em estado precário, espalhados pelo chão em sacos plásticos e caixas de papelão. Tratavam-se de documentos antigos da Prefeitura Municipal de Indaiatuba, entre eles balancetes mensais datados do início do século, correspondência ativa e passiva, notas fiscais, comprovantes de arrecadação, talões e guias de recolhimento de impostos, plantas de obras públicas e particulares e publicações antigas, como volumes de leis da Província. Para piorar a situação, quase na mesma época, surgem denúncias de irregularidades na concessão de sepulturas perpétuas e remanejamento de ossadas, aumentando a procura por informações acerca do assunto e obrigando a pesquisa intensa às Certidões de Óbito e Livros de Registro de Sepultamento e de Protocolo de Requerimentos. Com o intuito de, senão solucionar, pelo menos minimizar os problemas com a Administração, realizou-se, em maio de 1997, uma nova reunião com os Secretários Municipais (a primeira acontecera em 1994 para apresentação do “Diagnóstico dos Arquivos da Prefeitura Municipal de Indaiatuba: administração direta e indireta”). Seus principais objetivos eram: • destacar a importância do Arquivo Público Municipal; • orientar a formação da Comissão de Análise de Documentos de Arquivo; • conscientizar os secretários quanto à importância da preservação do patrimônio

arquivístico, incentivando-os a promover a sua organização tecnicamente correta, a propiciar condições adequadas de trabalho aos funcionários diretamente responsáveis pelos documentos de arquivo e a melhorar a qualidade dos depósitos de documentos (em sua maioria, considerados de regular a péssimo) e

• salientar a importância do treinamento técnico arquivístico dos funcionários, sobretudo aqueles que trabalham mais diretamente com os documentos.

Outro fato marcante do ano de 1997 foram as bem-sucedidas negociações com vistas à mudança das sedes da Fundação e do Arquivo Intermediário, os quais já não dispunham de espaço para acomodar adequadamente documentos e consulentes. Embora, desde 1995, o Conselho Administrativo e a Superintendente viessem negociando esta mudança, ela só ocorreu de fato em fevereiro de 1998. Em novas instalações, a equipe ganhou novo ânimo. O Arquivo Intermediário, transferido para a antiga sede do Arquivo Permanente, passou a contar com infra-estrutura mínima que permitisse o seu funcionamento em período integral (até então, a organização dos documentos era feita em esquema de revezamento, duas a três vezes por semana, dadas as péssimas condições do ambiente). O Arquivo Permanente, por sua vez, mais amplo e arejado, além de acomodar seu acervo passou a ter condições de programar futuras

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transferências. Também os consulentes e funcionários foram beneficiados em virtude do maior espaço da sala de consulta e da área administrativa. Além disso, a mudança possibilitou maior comodidade quando da realização de atividades de difusão cultural. Em agosto de 1998 foi realizado um dos eventos mais importantes que a Fundação Pró-Memória promoveu - o “I Encontro de Arquivos Municipais do Estado de São Paulo”-, que reuniu representantes de diversos arquivos municipais do Estado para apresentarem suas experiências e discutirem seus problemas e as possíveis formas de solucioná-los.

Lei n.º 3.076 de 16 de Dezembro de 1993

"Dispõe sobre o patrimônio arquivístico de Indaiatuba e institui o Sistema Municipal de Arquivos."

Flávio Tonin, Prefeito do Município de Indaiatuba, usando das atribuições que lhe

são conferidas por lei, Faz Saber que a Câmara Municipal aprovou a ele sanciona e promulga a seguinte

lei: Art. 1º- Cabe ao Município de Indaiatuba a proteção de seu patrimônio arquivístico. Art. 2º- O patrimônio arquivístico de que trata a presente lei engloba documentos de

qualquer natureza produzidos ou recebidos no desempenho de atividades orgânicas por pessoa natural ou jurídica, a nível municipal.

§ 1º- Consideram-se públicos os documentos cuja acumulação é produto do exercício de atividades de pessoas jurídicas de direito público interno.

§ 2º- Consideram-se privados os documentos cuja acumulação é produto do exercício de atividades de pessoas naturais ou jurídicas de direito privado.

§ 3º- Ficam organizadas sob forma sistêmica as atividades de administração e proteção do patrimônio arquivístico de Indaiatuba, na esfera da documentação pública.

Art. 4º- Integram o Sistema Municipal de Arquivos todas as unidades da Administração pública municipal direta e indireta onde se realizam atividades de arquivo, consideradas em função das fases em que se subdivide o ciclo vital dos documentos:

I - fase corrente ou ativa; II- fase intermediária; III- fase final ou permanente. Art. 5º- Os arquivos correntes ficam sob a custódia centralizada dos órgãos

responsáveis pela acumulação dos documentos produzidos e recebidos pelas diferentes unidades administrativas como conseqüência natural de suas funções.

Parágrafo único - A custódia a que se refere este artigo implica: I - a guarda e conservação temporária dos documentos, vedada sua destruição

parcial ou total; II - o direito de disciplinar o acesso aos documentos. Art. 6º - As unidades responsáveis pela custódia de arquivos correntes compete,

além das atribuições que lhe são próprias: I- sistematizar a acumulação dos documentos de forma a espelhar as funções e

atividades dos órgãos de origem; II- participar do levantamento da produção documental para fins de elaboração de planos de destinação de documentos de arquivo e respectivas tabelas de temporalidade;

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III- encaminhar os documentos, de acordo com os prazos fixados pelas tabelas de temporalidade, à Divisão de Arquivo Intermediário da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba.

Art. 7º - Os documentos da fase intermediária ficam sob a custódia da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, através de sua Divisão de Arquivo Intermediário.

Parágrafo único - A custódia a que se refere este artigo compreende o cumprimento dos planos de destinação de documentos de arquivo, continuando como prerrogativa dos órgãos de origem o direito de disciplinar o acesso a eles.

Art. 8º - A Divisão de Arquivo Intermediário da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba compete, além das atribuições que lhe são próprias:

I - prestar assistência técnica aos órgãos encarregados da custódia de arquivos correntes, com vistas não só à racionalização da produção documental e controle de seu crescimento, mas também à implantação de sistemas adequados de recuperação de informações;

II- proceder ao levantamento e análise da produção documental e elaborar, com a assessoria das unidades administrativas, os planos de destinação de documentos de arquivo e respectivas tabelas de temporalidade;

III- submeter os planos de destinação ao juízo da Comissão de Análise de Documentos de Arquivo, executando as operações de descarte por ela determinadas;

IV- encaminhar à Divisão de Arquivo Permanente da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, de acordo com tabelas de temporalidade, os documentos cuja guarda definitiva for indicada pela Comissão.

§ 1º- A Comissão de Análise de Documentos de Arquivo de que tratam os incisos III e IV deste artigo, obrigatoriamente convocada pelo Conselho Administrativo da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba para deliberar sobre a destinação final de documentos, será integrada por um representante do referido Conselho, pelo diretor da Fundação, por dois profissionais da área jurídica, sendo um por indicação da l13ª Sub-Secção da OAB-SP, por autoridade administrativa da instituição de origem dos documentos avaliados, por dois especialistas da área de História, sendo um por indicação da APEOESP - Regional de Indaiatuba, e por outros especialistas cuja colaboração aquele colegiado julgue indispensável.

§ 2º - O processo de análise, cujos critérios serão divulgados, levará em conta os prazos prescricionais legais e o valor probatório e informativo dos documentos, fazendo recair o descarte, de preferência, sobre as cópias, duplicatas e textos com equivalentes recapitulativos. Art. 9º- Os documentos de valor permanente ficam sob a custódia da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba através de sua Divisão de Arquivo Permanente.

Parágrafo Único - A custódia a que se refere este artigo implica: I - a guarda e conservação permanentes dos documentos, vedada sua destruição

parcial ou total; II- o direito de disciplinar o acesso aos documentos.

Art. l0º - À Divisão de Arquivo Permanente da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba compete, além das atribuições que lhe são próprias, descrever e divulgar seu acervo através de instrumentos de pesquisa.

Art. 11- O Sistema Municipal de Arquivos reivindicará para si, através dos órgãos que o integram, a custódia dos documentos públicos do município que se acharem fora de sua jurisdição administrativa.

Art. 12- A proteção do patrimônio arquivístico de Indaiatuba, na esfera da documentação de caráter privado, cabe à Fundação Pró-Memória de Indaiatuba.

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Art. 13- O Arquivo Público do Município de Indaiatuba manterá, no âmbito de sua atuação, um cadastro dos documentos acumulados por pessoas naturais ou jurídicas de direito privado.

Art. 14- Através de seu Conselho Administrativo, fica a Fundação Pró-Memória de Indaiatuba autorizada a classificar como de interesse público municipal documentos de natureza particular previamente cadastrados.

Parágrafo único - O pronunciamento do Conselho não implica a transferência automática dos documentos ao Arquivo Público da Fundação, mas o propósito de assegurar sua preferência no processo de aquisição.

Art. 15- Para os fins da presente lei, as unidades responsáveis pela proteção do patrimônio arquivístico municipal poderão, a critério do Conselho Administrativo da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba:

I - celebrar convênios com entidades diversas; II- transferir a instituições competentes os documentos públicos e privados cuja

custódia for justamente reclamada. Art. 16- Os casos omissos e as dúvidas serão resolvidos pelo Conselho

Administrativo da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba. Art. 17- Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação. Art. 18- Revogam-se as disposições em contrário. Prefeitura Municipal de Indaiatuba, aos 16 de dezembro de 1993.

Flávio Tonin Prefeito Municipal

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LLIINNHHAA EEDDIITTOORRIIAALL EE NNOORRMMAASS PPAARRAA PPUUBBLLIICCAAÇÇÕÕEESS � A revista Registro é uma publicação anual do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba especializada na área de arquivística/arquivologia e áreas correlatas.

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ERRATA

Onde se lê Leia-se

2 V.1, N° 2 V.2, N°2 5 5.507 municípios brasileiros 5.561 municípios brasileiros ( segundo dados do

IBGE relativos ao ano de 2001) 25 www.geocites.com/arquivosmunicipais/ www. geocities.com/arquivosmunicipais/ 61 uma vez ü uma vez que estas eram de medidas inferiores às

dos documentos 82 p. 82-85 p. 82-87 83 SAAE- Serviço de Abastecimento de Água e Esgoto SAAE- Serviço Autônomo de Água e Esgoto