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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano LI, número 18 (2.645) Cidade do Vaticano terça-feira 5 de maio de 2020 Colaboração internacional para curas e vacinas O CONVITE NO FINAL D O REGINA CAELI NESTE NÚMERO Pág. 2: Francisco instituiu a Fundação vaticana João Paulo I; Rescriptum ex audientia Sanctissimi; Para aprofundar a figura, o pensamento e os ensinamentos do Pontífice veneziano; pág. 3: Audiência geral de quarta-feira; págs. 4-5: Entrevista a David Sassoli, presidente do parlamento europeu, por Andrea Monda; pág. 6: O Papa propôs «um plano para ressurgir» depois da Covid-19; pág. 7: Informações; Proximidade de Francisco aos vendedores que não podem trabalhar; pág. 8: Regina caeli de domingo 3 de maio.

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Page 1: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E …...coração, até à oposição e à obstina-ção (cf. Sb 2, 14-15). É curioso, cha-ma a atenção ver como, nas perse-guições

Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano LI, número 18 (2.645) Cidade do Vaticano terça-feira 5 de maio de 2020

Colaboração internacionalpara curas e vacinas

O CONVITE NO FINAL D O REGINA CAELI

NESTE NÚMERO

Pág. 2: Francisco instituiu a Fundação vaticana João Paulo I; Rescriptum ex audientia Sanctissimi; Paraaprofundar a figura, o pensamento e os ensinamentos do Pontífice veneziano; pág. 3: Audiência geral dequarta-feira; págs. 4-5: Entrevista a David Sassoli, presidente do parlamento europeu, por Andrea Monda;pág. 6: O Papa propôs «um plano para ressurgir» depois da Covid-19; pág. 7: Informações; Proximidadede Francisco aos vendedores que não podem trabalhar; pág. 8: Regina caeli de domingo 3 de maio.

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 5 de maio de 2020, número 18

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Cidade do Vaticanoredazione.p ortoghese.or@sp c.va

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

ANDREA MONDAd i re t o r

Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

telefone +390669899420fax +390669883675

TIPO GRAFIA VAT I C A N A EDITRICEL’OS S E R VAT O R E ROMANO

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Francisco instituiu a Fundação vaticana João Paulo I

A atualidade do Papa LucianiPIETRO PAROLIN

Em resposta à proposta de criar umorganismo destinado a aprofundar afigura, o pensamento e os ensina-mentos de João Paulo I (26 de agos-to de 1978 — 28 de setembro de1978), o Santo Padre Francisco insti-tuiu a Fundação Vaticana João Pau-lo I no passado dia 17 de fevereiro.

O Papa João Paulo I foi e conti-nua a ser um ponto de referência nahistória da Igreja universal, cuja im-portância — como S. João Paulo IItinha salientado — é inversamenteproporcional à duração do seu pon-tificado muito breve: «magis ostentus

quam datus». A história de AlbinoLuciani é a de um pastor próximodo povo, centrado no essencial da fée com uma extraordinária sensibili-dade social. O seu magistério éatual. Proximidade, humildade, sim-plicidade, insistência na misericórdiade Deus, amor ao próximo e solida-riedade são os seus traços marcantes.

Foi um bispo que viveu a expe-riência do Concílio Ecuménico Vati-cano II, aplicou-a e, no seu brevepontificado, fez avançar a Igreja pe-los principais caminhos por ela indi-cados: a subida às fontes do Evange-lho e um renovado espírito missio-nário, a colegialidade episcopal, o

serviço na pobreza eclesial, a buscada unidade cristã, o diálogo inter-re-ligioso, o diálogo com mundo con-temporâneo e internacional, condu-zido com perseverança e determina-ção, em favor da justiça e da paz.

Estou a pensar, por exemplo, nassuas audiências gerais e na sua insis-tência na pobreza eclesial, na frater-nidade universal e no amor ativo pe-los pobres: quis incluir entre os pre-ceitos tradicionais da Igreja ummandato sobre obras de solidarieda-de que propôs aos bispos italianos.

Recordo aqui o seu apelo no An -gelus de 10 de setembro de 1978 a fa-vor da paz no Médio Oriente, com

o convite à oração dirigido aos presi-dentes de diferentes credos. Umapelo que já tinha formulado no seudiscurso de 31 de agosto ao CorpoDiplomático, no qual, libertando-sede presunções de protagonismo geo-político, definiu a natureza e a pecu-liaridade da ação diplomática daSanta Sé do ponto de vista da fé.Ao receber então os mais de cem re-presentantes das missões internacio-nais presentes na inauguração doseu pontificado, salientou como «onosso coração está aberto a todos ospovos, a todas as culturas e a todasas raças», e depois afirmou: «Nãotemos certamente soluções milagro-sas para os grandes problemas mun-diais, podemos todavia oferecer algomuito precioso: um espírito que aju-de a resolver esses problemas e oscoloque na dimensão essencial, a daabertura aos valores da caridade uni-versal... para que a Igreja, humildemensageira do Evangelho a todos ospovos da terra, contribua para criarum clima de justiça, fraternidade,solidariedade e esperança, sem aqual o mundo não pode viver». Eassim, na sequência da Constituiçãoconciliar Gaudium et spes, como emtantas mensagens de São Paulo VI,moveu-se na esteira da grande diplo-macia que muitos frutos deram àIgreja, alimentando-se de caridade.

Com a sua morte repentina, estahistória da Igreja empenhada emservir o mundo não foi interrompi-da. A perspectiva marcada pelo seubreve pontificado não era um parên-tesis. Embora o governo da Igrejade João Paulo I não tenha podidoprolongar-se na história, ele ajudou— explevit tempora multa — a reforçaro desígnio de uma Igreja próximada dor do povo e da sua sede de ca-ridade.

Através da causa de canonizaçãode João Paulo I, a aquisição das fon-tes foi realizada hoje, iniciando umtrabalho de pesquisa e de elaboraçãoimportante do ponto de vista histó-rico e historiográfico. É agora possí-vel, portanto, oferecer a memória doPapa Luciani, para que o seu valorhistórico possa ser plenamente resti-tuído nas contingências históricaspor ele vividas com o rigor analíticoque lhe é devido e abrir novas pers-petivas de estudo sobre a sua obra.

A este respeito, a constituição deuma nova Fundação ad hoc p o decumprir legitimamente a tarefa nãosó de proteger todo o patrimóniodos escritos e da obra de João PauloI, mas também de incentivar o estu-do sistemático e a difusão do seupensamento e da sua espiritualidade.Ainda mais motivados pela conside-ração de como a sua figura e a suamensagem são extraordinariamenteatuais.

Rescriptumex audientia Sanctissimi

Para aprofundar a figura, o pensamentoe os ensinamentos do Pontífice veneziano

O Papa Francisco, com Rescriptum ex audientia Ss.mide 17 de fevereiro de 2020, erigiu a “Fundação VaticanaJoão Paulo I”, de acordo com o Código de Direito Ca-nónico e com a Lei Fundamental do Estado da Cidadedo Vaticano, indo assim ao encontro da proposta decriar uma entidade destinada a aprofundar a figura, opensamento e os ensinamentos do seu venerado prede-cessor, o Papa João Paulo I — Albino Luciani (26 deagosto de 1978 — 28 de setembro de 1978) — e a pro-mover o estudo e a divulgação dos seus escritos (cf.Estatuto, art. 1).

Mais especificamente, a Fundação pretende:— proteger e preservar o património cultural e reli-

gioso deixado pelo Papa João Paulo I;— promover iniciativas tais como congressos, reu-

niões, seminários, sessões de estudo;— estabelecer prémios e bolsas de estudo;— editar tanto os resultados dos próprios estudos e

investigações como obras de terceiros;

— propor-se como ponto de referência, em Itália eno estrangeiro, para quem trabalha no mesmo campo ecom os mesmos objetivos (Estatuto, artigo 2º).

Ao mesmo tempo, o Sumo Pontífice nomeou Presi-dente da Fundação o Senhor Cardeal Pietro Parolin,Secretário de Estado. Em aplicação de quanto dispostono artigo 4º, § 1 do Estatuto, o mesmo Presidente no-meou os membros do Conselho de Administração, porum período de cinco anos, nas pessoas de: Dr.ª Stefa-nia Falasca, que assume igualmente as funções de vice-presidente da Fundação; Senhor Cardeal BeniaminoStella; Rev.mo Mons. Andrea Celli; Re.do Pe. DavideFiocco; Dr.ª Lina Petri; e Dr. Alfonso Cauteruccio.

Para realizar as suas atividades, a Fundação recorre aum Comité Científico, composto por seis membros, es-colhidos entre personalidades de comprovada compe-tência e experiência, mas com a possibilidade de sertemporariamente alargado a iniciativas, projetos, estu-dos, investigação ou consultas específicas.

O Santo Padre Francisco, naAudiência concedida ao abaixoassinado Cardeal Secretário deEstado a 10 de fevereiro de2020, decidiu instituir a Funda-ção Vaticana João Paulo I, compersonalidade jurídica canónicae civil e com sede na Secretariade Estado.

O objectivo da Fundação é avalorização e a divulgação doconhecimento do pensamento,das obras e do exemplo do PapaJoão Paulo I.

A Fundação será regida pelasleis canónicas, pelas leis em vi-gor na Cidade do Vaticano e

pelo anexo Estatuto, aprovadopelo Sumo Pontífice, e deve serconsiderado como parte inte-grante do presente Ato.

O Santo Padre Francisco no-meou igualmente, nos termos epara os efeitos do artigo 7º doEstatuto, o Presidente da Fun-dação na pessoa do abaixo assi-nado Secretário de Estado.

Va t i c a n o ,17 de fevereiro de 2020

PIETRO CA R D. PAROLIN

Secretário de Estadode Sua Santidade

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número 18, terça-feira 5 de maio de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Fim às perseguiçõescontra os cristãos

Sobre a última Bem-aventurança

C AT E Q U E S E

«Neste momento, há muitos cristãos que sofrem perseguições em várias partesdo mundo», por isso «devemos esperar e rezar para que as suas tribulaçõestenham fim quanto antes»: com efeito, eles «são os membros sangrantesdo corpo de Cristo que é a Igreja». Foi quanto desejou o Papa Franciscodurante a audiência geral de 29 de abril, concluindo o ciclo de catequesessobre as Bem-aventuranças evangélicas. Na Biblioteca particular do PalácioApostólico do Vaticano, onde teve lugar o encontro semanal de quarta-feira,desde que foram tomadas as medidas anti-agrupamento destinadas a conter ocontágio do coronavírus, o Pontífice comentou a oitava e última bem-aventurança, que se refere aos «perseguidos por causa da justiça, pois deles é oreino do céu» (Mt 5, 10).

sim: “Eles são idealistas ou fanáti-cos...”. É assim que eles pensam.

Se o mundo vive em função dodinheiro, quem quer que demons-tre que a vida pode ser vivida nodom e na renúncia torna-se um in-cómodo para o sistema de ganân-cia. Esta palavra “incómo do” éfundamental, pois só o testemunhocristão, que é tão bom para tantaspessoas porque o seguem, incomo-da aqueles que têm uma mentalida-de mundana. Vivem-no como umarepreensão. Quando se manifesta asantidade e sobressai a vida dos fi-lhos de Deus, em tal beleza há al-go de incómodo que exige uma to-mada de posição: ou deixar-sequestionar e abrir-se ao bem, ourejeitar aquela luz e endurecer ocoração, até à oposição e à obstina-ção (cf. Sb 2, 14-15). É curioso, cha-ma a atenção ver como, nas perse-guições dos mártires, a hostilidadecresce até à obstinação. É suficien-te considerar as perseguições do sé-culo passado, das ditaduras euro-peias: como se chega à obstinaçãocontra os cristãos, contra o teste-munho cristão e contra a heroicida-de dos cristãos.

Mas isto demonstra que o dramada perseguição é também o lugarda libertação da submissão ao su-cesso, à vanglória e aos compro-missos do mundo. Do que se ale-gra quem é rejeitado pelo mundopor causa de Cristo? Regozija-sepor ter encontrado algo que valemais do que o mundo inteiro. Pois,«de que servirá ao homem ganharo mundo inteiro, se vier a perder asua vida?» (Mc 8, 36). Que vanta-gem há nisto?

É doloroso recordar que, nestemomento, há muitos cristãos quepadecem perseguição em váriaspartes do mundo, e devemos espe-rar e rezar para que a sua tribula-ção seja impedida o mais rapida-mente possível. Há muitos: osmártires de hoje são mais numero-sos do que os mártires dos primei-ros séculos. Manifestemos a nossa

proximidade a estes irmãos e ir-mãs: somos um só corpo, e estescristãos são os membros ensan-guentados do Corpo de Cristo,que é a Igreja.

Mas devemos ter também o cui-dado de não ler esta bem-aventu-rança numa perspetiva de vitimis-mo, de autocomiseração. Com efei-to, o desprezo pelos homens nemsempre é sinónimo de perseguição:logo depois, Jesus diz que os cris-tãos são o «sal da terra», e alertacontra o perigo de “perder o sa-b or”; caso contrário, o sal «paranada mais serve, a não ser para serlançado fora e pisado pelos ho-mens» (Mt 5, 13). Portanto, existetambém um desprezo que é pornossa culpa, quando perdemos osabor de Cristo e do Evangelho.

É preciso ser fiel à senda humil-de das bem-aventuranças, pois éisto que leva a ser de Cristo e nãodo mundo. Vale a pena recordar oitinerário de São Paulo: quando sejulgava justo, na realidade era umperseguidor, mas quando desco-briu que era um perseguidor, tor-nou-se um homem de amor, en-frentando com júbilo os sofrimen-tos da perseguição que suportava(cf. Cl 1, 24).

A exclusão e a perseguição, seDeus nos concede a graça, tornam-nos semelhantes a Cristo Crucifica-do e, associando-nos à sua Paixão,são a manifestação da vida nova.Esta vida é a mesma de Cristo, quepor nós homens e pela nossa salva-ção foi «desprezado e rejeitado pe-los homens» (cf. Is 53, 3; At 8, 30-35). Aceitar o seu Espírito pode le-var-nos a ter tanto amor no nossocoração, a ponto de oferecermos avida pelo mundo, sem ceder a

compromissos com as suas faláciase aceitando a sua rejeição. Os com-promissos com o mundo são o pe-rigo: o cristão é sempre tentado aceder a compromissos com o mun-do, com o espírito do mundo. Esta— rejeitar os compromissos e seguiro caminho de Jesus Cristo — é a vi-da do Reino dos Céus, a maior ale-gria, a verdadeira felicidade. Alémdisso, nas perseguições há semprea presença de Jesus que nos acom-panha, a presença de Jesus que nosconsola e a força do Espírito quenos ajuda a seguir em frente. Nãodesanimemos quando uma vidacoerente com o Evangelho atrai asperseguições das pessoas: há o Es-pírito que nos ampara neste cami-nho.

No final da catequese, antes derecitar o Pai-Nosso e de conceder abênção, o Papa saudou em váriaslínguas os fiéis que o seguiam atravésdos meios de comunicação, entre elesos de expressão portuguesa.

Saúdo os ouvintes de línguaportuguesa e confio ao bom Deusa vossa vida e a dos vossos familia-res. Rezai também vós por mim!Que as vossas famílias se reúnamdiariamente para a reza do terçosob o olhar da Virgem Mãe, paraque nelas não se acabe jamais oóleo da fé e da alegria, que brotada vida dos seus membros em co-munhão com Deus. Obrigado!

Dirijo um pensamento especialaos jovens, aos idosos, aos doentese aos recém-casados. Exorto todosa ser testemunhas de Cristo Res-suscitado, que mostra aos discípu-los as chagas já gloriosas da suaPaixão. Abençoo-vos de coração!

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!Com a audiência de hoje concluí-mos o percurso das bem-aventu-ranças evangélicas. Como ouvimos,na última proclama-se a alegria es-catológica de quantos são persegui-dos por causa da justiça.

Esta bem-aventurança anuncia amesma felicidade da primeira: oreino dos Céus pertence aos perse-guidos, assim como aos pobres emespírito; portanto, compreendemosque chegamos ao fim de um per-curso unitário desvendado nosanúncios precedentes.

A pobreza de espírito, o pranto,a mansidão, a sede de santidade, amisericórdia, a purificação do cora-ção e as obras de paz podem levarà perseguição por causa de Cristo,mas no final esta perseguição émotivo de alegria e de grande re-compensa nos Céus. A vereda dasbem-aventuranças é um caminhopascal que conduz de uma vida emconformidade com o mundo para avida segundo Deus, de uma exis-tência guiada pela carne — isto é,pelo egoísmo — para a vida orien-tada pelo Espírito.

Com os seus ídolos, os seuscompromissos e as suas priorida-des, o mundo não pode aprovar es-te tipo de existência. As “e s t ru t u r a sde pecado” (cf. Discurso aos partici-pantes no simpósio “Novas formas defraternidade solidária, inclusão, inte-gração e inovação”, 5 de fevereiro de2020: «A idolatria do dinheiro, aganância e a corrupção são todas“estruturas de pecado” - como JoãoPaulo II as definiu - causadas pela“globalização da indiferença”»),frequentemente produzidas pelamentalidade humana, tão alheiasao Espírito da Verdade que o mun-do não pode receber (cf. Jo 14, 17),não podem deixar de rejeitar a po-breza, ou a mansidão, ou a pureza,declarando que a vida segundo oEvangelho é como um erro e umproblema, portanto como algo amarginalizar. O mundo pensa as-

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número 18, terça-feira 5 de maio de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 4/5

Entrevista a David Sassoli presidente do parlamento europeu

Europa significaatenção concreta às pessoas

ANDREA MONDA

Ouvimo-nos telefonicamente comDavid Sassoli, presidente do Parla-mento Europeu, numa data altamen-te simbólica, 25 de abril, e a conversaabordou o tema dos valores, da liber-dade, da democracia e do pluralismoque estão subjacentes a esse aniversá-rio. Não se trata de temas abstratos,daquela “fonte” da qual provém ocuidado e a atenção pela vida concre-ta das pessoas, que é a dimensão apartir da qual devemos recomeçar areconstruir uma Europa capaz de sairmais forte da tremenda crise da pan-demia de Covid-19.

O Papa Francisco dedicou recentemente,em várias ocasiões, muito espaço nosseus discursos ao tema da Europa. Porexemplo, na mensagem Urbi et Orbi dePáscoa, ele disse o seguinte: «Depois da

Parlamento Europeu, que efeito lhe cau-sou ouvir estas palavras do Santo Pa-d re ?

O efeito de uma chamada corretapara enfrentar esta passagem históri-ca com responsabilidade, porque éverdade que a Europa é uma comuni-dade de interesses, mas não podedeixar de ser uma comunidade dedestino. E, neste momento, o apelodo Santo Padre é particularmente im-portante porque nos pede para estar-mos atentos a todas as pessoas. Creioque este é o momento em que a Eu-ropa dos Estados, das nações, dosgovernos, pode reforçar as suas insti-tuições para estar próxima de todosos cidadãos, os do Norte e os do Sul.Para fazer o quê? Em primeiro lugar,rever o próprio modelo de desenvol-vimento, para poder proteger melhoras pessoas e também para salvaguar-

Como é possível encontrar sempre esteequilíbrio difícil mas necessário, sobretu-do neste momento?

Estamos numa mudança de fase eprecisaremos de visão e pragmatismo.A Europa não se constrói apenasimaginando-a de maneira iluminista.A Europa é um grande espaço de de-bate político e queremos que o sejacada vez mais. Mas queremos tam-bém que seja um espaço de participa-ção e não apenas de crua defesa dosinteresses nacionais. É por isso que oespaço europeu também pode ser umexemplo e um modelo para os ou-tros, não pensando que somos me-lhores do que os outros, mas que lhespodemos oferecer um património im-portante. Devemos mostrar que emliberdade, em democracia, respeitan-do os direitos fundamentais do indi-víduo e o valor da vida, vivemos me-lhor e podemos melhorar os nossospadrões de vida. Se a Europa se des-moronar, quem poderia hoje nomundo manter erguida a bandeirados direitos humanos? Neste momen-to o mundo está a pedir mais demo-cracia, não menos democracia.

O Papa disse: «dar nova prova de so-lidariedade, inclusive recorrendo a solu-ções inovadoras»; concretamente: as me-didas que tiveram origem no ConselhoEuropeu de 23 de abril, por exemplo, oRecovery Fund, podem ser vistas comoaquelas soluções inovadoras de que oPapa fala?

Sim, na miséria da política, o Con-selho deu um importante passo emfrente. Entrámos há um mês e meiode mãos vazias, sem os instrumentosnecessários para lidar com uma crisetão profunda que deixará traumasprofundos nas nossas sociedades.Hoje estamos a sair dela um poucomelhor equipados, com intervençõesque foram feitas tempestivamente, al-gumas das quais esperadas há muitotempo, mas que foram feitas com ra-pidez. No Conselho de quinta-feira,foi tomada uma decisão: abrir um“canteiro de reconstrução” para daruma resposta comum e europeia àemergência. Este é o passo em frente;não era dado por certo. Temos agorade basear este plano de reconstruçãona solidariedade. Permita, contudo,que diga que considero que desta cri-se não sairemos resolvendo apenasquestões materiais; penso que saire-mos desta crise se as questões mate-riais forem combinadas com uma re-cuperação de valores, esses valoreseuropeus que hoje são indispensá-veis. Por conseguinte, é bom abrir ocanteiro e o debate que se vai desen-

II Guerra Mundial, este Continente pô-de ressurgir graças a um espírito concre-to de solidariedade, que lhe permitiu su-perar as rivalidades do passado. Émuito urgente, sobretudo nas circunstân-cias presentes, que tais rivalidades nãoretomem vigor; antes, pelo contrário, to-dos se reconheçam como parte dumaúnica família e se apoiem mutuamente.Hoje, à sua frente, a União Europeiatem um desafio epocal, de que dependeránão apenas o futuro dela, mas tambémo do mundo inteiro. Não se perca estaocasião para dar nova prova de solida-riedade, inclusive recorrendo a soluçõesinovadoras». Queria perguntar-lhe, co-mo católico, como cidadão, como repre-sentante político e como Presidente do

dar os valores que o Santo Padreenumerou e que são um elemento in-dispensável para sustentar os desafiosque o mundo global nos propõe. Te-mos uma responsabilidade que dizrespeito também ao património devalores que estes setenta anos nos de-ram: liberdade, democracia, pluralis-mo. Penso que neste momento deve-mos ser ainda mais orgulhosamentefiéis aos valores europeus, porque omundo precisa deles.

A União Europeia encontra-se na con-dição de ter que harmonizar a origemideal dos pais fundadores, com a reali-dade, incluindo a financeira, exigida nosvários momentos históricos e políticos.

mos de ter uma ideia clara, a médio elongo prazo, acerca de para ondequeremos ir, o que queremos fazer ecomo queremos reconstruir. Quere-mos recuar os ponteiros do relógioou queremos pôr o relógio na horacerta, na qual, com grande dificulda-de, a história nos colocou? Hoje emdia, o relógio não pode voltar atrás.Nisto, o forte apelo que o Papa Fran-cisco nos faz é muito mais precioso:ele tem razão e compreende a ques-tão, porque a democracia é reforçadase olhar para as pessoas, para cadapessoa, para os interesses e necessida-des de cada pessoa. Depois, o desafioconsiste em restabelecer a ligação, emredescobrir uma vocação. Então éverdade, temos um plano de recons-trução, um “plano Marshall”, mas aocontrário da Segunda Guerra Mun-dial, deve ser financiado pelos euro-peus e não por outros; um planoque, por exemplo, deve dizer-nosquanta mudança queremos no nossomodelo económico, quanto queremosinvestir na reconstrução do green deale da Europa digital... A pandemiacolocou-nos um desafio, uma mudan-ça de fase, uma mudança de ritmo, eisto deve ver-nos muito cuidadosos ecapazes de captar os novos elemen-tos. Devemos isto não só à tradição eaos valores da Europa; devemos istotambém às pessoas que morreram, àspessoas que nos deixaram, a esta dorque o mundo está a sentir. Temos desair dela, protegendo melhor as nos-sas sociedades. A reconstrução é feitade muitas coisas, contém muitos in-g re d i e n t e s .

Há alguns dias, quando foi entrevista-do pelo Vatican News, Andrea Riccardidisse que, segundo ele, a pandemia nãotorna mais difícil, mas sim mais fácil aação em conjunto e, por conseguinte, quetodos procurem de forma coesa mudar asituação. Mas ele próprio notou como aEuropa no passado, e talvez ainda hoje,esteja a negligenciar os temas humanos,os temas da ligação. Esta atenção às

pessoas que o Papa Francisco insiste emrecordar-nos é a resposta para o verda-deiro problema da sociedade europeia,das sociedades ocidentais, o problema dagrande solidão das pessoas. Paradoxal-mente, o coronavírus que nos condenaao isolamento revelou um facto que jáestava presente, esta grande solidão.Não cabe à política responder, e de quemodo?

Estou convencido de que esta fase,mesmo tão dolorosa, está a fazeremergir muitos elementos de humani-dade. Também a política, quando saidos contrastes, talvez até dê provasdesta humanidade. Refiro-me, porexemplo, a certas medidas, a boaspráticas que muitos governos euro-peus, tanto do Norte como do Sul,adotaram neste momento e que tal-vez possam ser úteis e servir deexemplo. Em Portugal, foi promulga-da uma lei para dar um direção fictí-cia aos desabrigados e aos migrantese para lhes permitir o acesso aos ser-viços sociais e de saúde. Penso queesta forma de enfrentar a crise, apro-veitando as experiências das socieda-des civis, é muito importante, porqueuma política sem cidadãos vive numatorre de marfim e transforma-se emburocracia. Por conseguinte, pensoque desta época sairemos reforçandoa humanidade que neste momentoem todos os países se está a manifes-tar, é uma grande riqueza e será tam-bém a redenção desta época. Então,também não devemos cair nas visõesdo Iluminismo, porque sabemos quenão basta imaginar o novo mundo,temos de o construir. Temos de fazeristo passo a passo, batalha após bata-lha, apoiando cada passagem comconsenso, porque democracia é con-senso, encontrando soluções atravésde decisões partilhadas. Este é o mo-mento de grandes reflexões sobre aforma como a política é. Gostaria, noentanto, de salientar que estamos aassistir a coisas extraordinárias quefazem parte da generosidade dos ho-

mens e mulheres que lutam nestemomento, que arregaçam as mangas;pensemos em todas as associaçõesque neste momento estão a ser mobi-lizadas na Europa: que energia estãoa exprimir! Creio, portanto, que po-demos estar cheios de esperança, emrelação ao cansaço, à dor destesacontecimentos dramáticos. Para nós,isto é uma necessidade: precisamosde carregar e recarregar a esperança,e só o podemos fazer se estivermosperto das pessoas.

Que papel pode desempenhar a UniãoEuropeia no cenário global pós-pandé-mico? Pode a UE tornar-se um modeloa seguir?

Deve tornar-se um modelo, pois,caso contrário, não teria qualquerfunção. Infelizmente, no espaço euro-peu existem vírus para além da Co-vid, que sempre atormentaram o es-pírito europeu. Um é certamente oantissemitismo e o outro é o naciona-lismo, que são os motores que produ-zem divisão, construção do inimigo,ódio e até guerras na Europa. Temosde tornar o espaço europeu, que já é,ainda mais, um ponto de referência.Mas um espaço de liberdade não po-de viver sem responsabilidade e soli-dariedade. Creio que esta é a vocaçãoda Europa que os nossos pais nos de-ram nestes setenta anos, e temos deinvestir nela. A Europa não pode serútil apenas para si mesma, porquenão teria visão, não teria horizontes.É claro que é útil para os europeus,para os nossos países, ficar no mun-do, caso contrário seriam marginali-zados, mas também é útil para omundo ter um ponto de referência.Não queremos sair desta crise commais autoritarismo e imperialismo,mas com mais democracia e partici-pação.

Há alguns meses, numa entrevista aL’Osservatore Romano, Massimo Cac-ciari utilizou esta expressão: «A Europaé velha, decrépita. Precisa de um fertili-zante e, olhando em volta, digo isto co-mo não-crente, o único fertilizante quevejo em circulação é a Igreja Católica,os católicos». Na sua opinião, poderá aIgreja Católica, os católicos, desempe-nhar hoje esse papel para regenerar nãoo Velho Continente, mas um continentevelho?

Sim, podem, mas isto não deveconstituir um álibi para aqueles quenão são católicos, porque existe o ris-co de atribuir aos católicos uma res-ponsabilidade que deve pertencer atodos. É sempre um fardo para osoutros e isto não é bom. Segundo aCarta a Diogneto, os cristãos vivemem sociedade, não fora dela. E ou-tros devem também viver em socieda-de e devem colaborar. Todos devemfazer a sua parte. Na Europa há tan-tas sensibilidades, muitas culturas ecada um deve assumir a sua quota-parte de responsabilidade. Certamen-te que os católicos, os cristãos, o fa-rão, mas neste momento creio que éa Europa no seu conjunto que deveter ombros largos para assumir umafunção aos olhos do mundo. Para os

cristãos, creio que é natural pensarque a vida dos outros, daqueles queestão fora do nosso espaço, seja igualà nossa, que eles devem ter os mes-mos direitos. Isto é normal para oscristãos. É por isto que considero queas palavras do Papa Francisco estão aimpressionar toda as pessoas e a cha-mar todos à responsabilidade, mesmoos não-crentes.

A sociedade precisa sempre de ser rege-nerada. Recordo a figura do SenadorRoberto Ruffilli, que a 16 de abril de1988 foi barbaramente assassinado porterroristas; pode-se pensar que do pontode vista cristão para “fertilizar” é preci-so dar a vida, a semente que morreproduz muito fruto. Ruffilli tinha dedi-cado toda a sua vida a este ideal de li-berdade e democracia, o seu livro intitu-lava-se “Il cittadino come arbitro”. Ho-je, nesta crise na Europa, também a de-mocracia está em questão?

Fui muito amigo do Roberto. Oseu testemunho é deveras um exem-plo. Esse título, “Il citadino come arbi-t ro ” [“O Cidadão como Árbitro”], émuito atual. Chama-nos a assegurarque tudo o que sai da crise seja feitopelas pessoas, e não apenas para co-ser rasgões dentro da dinâmica dopoder. É por isso que temos de sairdesta crise, reforçando os processosdemocráticos. Mas quantas pessoasestão hoje a trabalhar para dividir oespaço europeu? E por que razão hátanto esforço para nos dividir, paranos tornar mais fracos, para nos frag-mentar, para restituir cada um à suapequena pátria? Por que razão existeesta dinâmica que vem forte de forada Europa e que desencadeia este de-sejo de nos tornar fracos? Mas nãotemos exército, não fazemos guerra,não invadimos países... Creio que aresposta é porque os valores euro-peus e o direito europeu são, nestemomento, elementos de forte contra-dição em relação às dinâmicas glo-bais que veem uma retomada do au-toritarismo. Foi por isso que o PapaFrancisco fez muito bem em chamaros europeus à responsabilidade, paraque neste momento possam ser umponto de referência para a reapro-priação de valores que são verdadei-ramente importantes para o homem:o valor da vida, o valor dos direitosinalienáveis das pessoas, o direito àliberdade; referências que considera-mos garantidas, mas que no mundonão o são.

O Cardeal de Luxemburgo, Hollerith,tem razão, quando afirmou recentementeem “La Civiltà Cattolica” “A Europanão pode ser reconstruída sem umaideia da Europa, sem ideais”?

Certamente. Mas temos ideais,mesmo que nos custe muito expressá-los. O problema é que muitas vezes oegoísmo das nações, um mau senti-mento nacionalista, a ideia de que eusou melhor do que o outro, impe-dem-nos de desenvolver o nosso po-tencial e de manifestar a nossa identi-dade. Creio que esta crise pode seruma oportunidade para nos libertar-mos de muitas cadeias.

volver, procurando conciliar sensibili-dades, pontos de vista e interesses. Oimportante a salientar é que ouvimosde todos os Chefes de Governo oapelo a uma saída comum da crise.Dela, ou saímos juntos, ou seria umdeclínio para todos; não tínhamos acerteza disto há algumas semanas.

O senhor manifestou a necessidade deum plano Marshall de recuperação, fi-nanciado diretamente pelos países daUnião. Seria uma estratégia que eviden-ciaria a força da União Europeia, massobretudo a sua capacidade de coesão eapoio. Parece-me que esta seja a mensa-gem da qual realmente precisamos: pro-ximidade e não distância. Pelo papelque desempenha, percebe que houve uminício, uma mudança, que a dimensãosocial entrou no centro do pensamentoda União Europeia?

Sim, porque, semana após semana,todos tomaram consciência da pro-fundidade da crise. E de como sãointerdependentes e interligadas aseconomias de cada Estado. A Europaconstrói-se com as suas crises, diziaJean Monnet. É assim mesmo. E emcada momento difícil todos compre-endem que não se pode fazê-lo sozi-nho, que ninguém é autossuficiente.Dissemos isto há seis semanas: ousaímos dela com uma União Euro-peia mais bem equipada e mais forteou dela não sairemos. Para o fazer-mos agora, teremos de reforçar o ní-vel institucional da União e torná-lacapaz de liderar a nova fase. Deve-mos lutar contra o egoísmo? Sim, de-vemos. Devemos lutar contra umavelha ideia nacionalista que existe emtodos os países? Sim. Mas, neste mo-mento, todos sentimos a necessidadede poder enfrentar o mundo, se asnossas instituições, o quadro demo-crático europeu, for mais robusto ecapaz de tomar decisões rapidamen-te. Portanto, não se trata apenas desoluções para a crise enquanto tal;precisamos de soluções para a mu-dança de fase que esta crise impõe atodos. Faço um exemplo: não pode-mos e não queremos renunciar às li-berdades e à democracia, mas temostambém de as adaptar, para que se-jam mais capazes de responder tem-pestivamente. Precisamos de apoiarum processo de saída da crise, reven-do a nossa forma de ser. Reforçar aEuropa significa também mudar aEuropa, adaptando os instrumentoscom que entrámos na tempestade.Creio que este é um esforço que dizrespeito a Bruxelas, mas também atodas as capitais, a todos os países;também eles têm de mudar. Precisa-

LA B O R AT Ó R I O PÓS-PA N D E M I A

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página 6 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 5 de maio de 2020, número 18

A coragem de uma nova imaginação do possívelO Papa propôs «um plano para ressurgir» depois da Covid-19

O Papa Francisco tem um “plano parare s s u rg i r ” após a pandemia da Covid-19: é dirigido à humanidade inteira eestá contido por escrito numa cartaredigida em espanhol — a sua línguamaterna — enviada a “Vida Nueva”,revista e portal de notícias religiosas eeclesiásticas, que a publicou no dia 17de abril.

«Jesus apresentou-se diante delas edisse-lhes: “Alegrai-vos”» (cf. Mt 28,9).* São as primeiras palavras doRessuscitado depois que Maria Ma-dalena e a outra Maria descobriramo sepulcro vazio, deparando-se como anjo. O Senhor vai ao encontrodelas para transformar o seu luto emalegria e para as consolar no meiodas aflições (cf. Jr 31, 13). É o Res-suscitado que quer ressuscitar as mu-lheres e, com elas, a humanidade in-teira para uma nova vida. Quer quecomecemos a participar já da condi-ção de ressuscitados que nos espera.

Convidar à alegria poderia pare-cer-nos uma provocação, e até umapiada de mau gosto, diante das gra-ves consequências que estamos a so-frer por causa da Covid-19. Não sãopoucos aqueles que, como os discí-pulos de Emaús, o podem conside-rar um gesto de ignorância ou irres-ponsabilidade (cf. Lc 24, 17-19). Co-mo as primeiras discípulas que fo-ram ao sepulcro, vivemos circunda-dos por um clima de dor e de incer-teza, que nos leva a perguntar-nos:«Quem removerá a pedra do sepul-cro para nós?» (Mc 16, 3). Como en-frentaremos esta situação, que nosdominou completamente? O impac-to de tudo o que está a acontecer, asgraves consequências que já se assi-nalam e se divisam, a dor e o lutopelos nossos entes queridos deso-rientam-nos, angustiam-nos e parali-sam-nos. É o peso da pedra sepul-cral que se impõe perante o futuro eque, com o seu realismo, ameaça en-terrar toda a esperança. É o peso daangústia de pessoas vulneráveis eidosas que passam pela quarentenana solidão mais absoluta, é o pesodas famílias que já não sabem comopôr na mesa um prato de comida, éo peso dos profissionais da saúde eda segurança, quando se sentemexaustos e sobrecarregados... estepeso que parece ter a última palavra.

No entanto, é comovedor recordara atitude das mulheres do Evange-lho. Perante as dúvidas, o sofrimen-to, a perplexidade e até o medo daperseguição e de tudo o que lhespoderia ter acontecido, conseguirampôr-se em movimento e não se dei-xarem paralisar pelo que estava aacontecer. Por amor ao Mestre, ecom aquele típico génio feminino,insubstituível e abençoado, foramcapazes de aceitar a vida tal como seapresentava e, astutamente, de con-tornar os obstáculos para estar ao la-do do seu Senhor. Ao contrário demuitos dos Apóstolos que fugiram,dominados pelo medo e pela insegu-rança, que negaram o Senhor e fugi-ram (cf. Jo 18, 25-27), elas, sem fugirnem ignorar o que estava a aconte-cer, sem fugir nem escapar... sim-plesmente souberam estar presentese acompanhar. Como as primeirasdiscípulas que, no meio da escuridãoe do desânimo, encheram a sua bol-sa de óleos aromáticos e partiram

para ungir o Mestre sepultado (cf.Mc 16, 1), também nós pudemos ver,durante este tempo, muitos que pro-curaram levar a unção da correspon-sabilidade para cuidar e não pôr emrisco a vida dos outros. Ao contráriodos que fugiram na esperança de sesalvar a si próprios, fomos testemu-nhas do modo como vizinhos e fa-miliares se comprometeram, com es-forço e sacrifício, a permanecer emcasa e assim a impedir a propaga-ção. Descobrimos que muitas pes-soas, que já viviam e tinham de en-frentar a pandemia da exclusão e daindiferença, continuaram a trabalhar,acompanhando e apoiando-se umasàs outras, para que a situação seja(ou melhor, fosse) menos dolorosa.Vimos a unção ser derramada pormédicos, enfermeiros e enfermeiras,armazenistas, pessoal de limpeza,cuidadores, transportadores, forçasde segurança, voluntários, sacerdo-tes, religiosas, avós, educadores emuitos outros que tiveram a cora-gem de oferecer tudo o que tinhampara proporcionar um pouco de cui-dado, calma e coragem diante destasituação. Não obstante a perguntacontinuasse a ser a mesma: «Quemremoverá a pedra do sepulcro paranós?» (Mc 16, 3), nenhum deles dei-xou de fazer o que sentia que podiae devia dar.

E foi justamente ali, no meio dassuas ocupações e preocupações, queas discípulas foram surpreendidaspor um anúncio veemente: «Não es-tá aqui, ressuscitou!». A unção delasnão era para a morte, mas para a vi-da. A sua vigilância e acompanha-mento do Senhor, até na morte e nomaior desespero, não foi em vão;aliás, permitiu-lhes ser ungidas pelaRessurreição: não estavam sozinhas,Ele estava vivo e precedia-as ao lon-go do caminho. Só uma notícia vee-mente era capaz de quebrar o círcu-lo que as impedia de ver que a pe-dra já tinha sido removida, e que operfume derramado tinha mais capa-cidade de propagação do que aquiloque as ameaçava. Esta é a fonte danossa alegria e esperança, que trans-forma a nossa ação: as nossas un-ções, a nossa dedicação... o nosso vi-

giar e acompanhar de todas as for-mas possíveis neste tempo não sãonem serão vãos: não é dedicação àmorte. Todas as vezes que participa-mos na Paixão do Senhor, acompa-nhamos a paixão dos nossos irmãos,vivendo também a mesma paixão, osnossos ouvidos ouvirão a novidadeda Ressurreição: não estamos sozi-nhos, o Senhor precede-nos no nos-so caminho, removendo as pedrasque nos paralisam. Esta boa novafez com que aquelas mulheres vol-tassem a percorrer os seus passos embusca dos Apóstolos e dos discípu-los que ficaram escondidos para lhesdizer: «A vida arrancada, destruída,aniquilada na Cruz despertou e vol-tou a palpitar» (R. Guardini, El Se-ñor, 504). Esta é a nossa esperança,aquela que não nos poderá ser ar-rancada, silenciada nem contamina-da. Toda a vida de serviço e amorque oferecestes neste tempo voltaráa pulsar. É suficiente abrir uma fen-da para que a unção que o Senhornos quer conceder se propague comforça inexorável e nos permita con-templar a dolorosa realidade comum olhar renovador.

E, como as mulheres do Evange-lho, também nós somos insistente-mente convidados a percorrer de no-vo os nossos passos, deixando-nostransformar por este anúncio: com asua novidade, o Senhor pode reno-var sempre a nossa vida e a da nossacomunidade (cf. Evangelii gaudium,11). Nesta terra desolada, o Senhorcompromete-se a regenerar a belezae a fazer renascer a esperança: «Eisque vou fazer uma obra nova, que jásurge: não a vedes?» (Is 43, 19).Deus jamais abandona o seu povo,está sempre ao seu lado, especial-mente quando a dor se torna maisp re s e n t e .

Se pudemos aprender algo em to-do este tempo, é que ninguém sesalva sozinho. As fronteiras caem, asparedes desabam e todos os discur-sos fundamentalistas se dissolvemperante uma presença quase imper-cetível, que manifesta a fragilidadede que somos feitos. A Páscoa con-voca-nos e convida-nos a recordar

esta outra presença discreta e respei-tosa, generosa e reconciliadora, ca-paz de não quebrar a cana rachada,nem de apagar a mecha que aindafumega (cf. Is 42, 2-3), para fazerpulsar a nova vida que quer conce-der a todos nós. É o sopro do Espí-rito que abre horizontes, desperta acriatividade e nos renova na fraterni-dade para dizer “p re s e n t e ” (ou, eis-me) perante a enorme e inadiável ta-refa que nos espera. É urgente dis-cernir e encontrar a pulsação do Es-pírito para dar impulso, juntamentecom outros, a dinâmicas que possamtestemunhar e canalizar a nova vidaque o Senhor quer gerar neste mo-mento concreto da história. Este é otempo favorável do Senhor, que nospede para não nos conformarmosnem nos contentarmos e, ainda me-nos, para não nos justificarmos comlógicas substitutivas ou paliativas,que nos impedem de suportar o im-pacto e as graves consequências doque estamos a viver. Este é o mo-mento propício para encontrar a co-ragem de uma nova imaginação dopossível, com o realismo que só oEvangelho nos pode oferecer. O Es-pírito, que não se deixa fechar neminstrumentalizar com esquemas, mo-dalidades e estruturas fixas ou cadu-cas, propõe-nos que nos unamos aoseu movimento, capaz de «renovartodas as coisas» (Ap 21, 5).

Neste momento, compreendemosa importância de «unir toda a famí-lia humana na busca de um desen-volvimento sustentável e integral»(Carta Encíclica Laudato si’, 24 demaio de 2015, n. 13). Cada ação indi-vidual não é um ato isolado, para obem ou para o mal. Tem consequên-cias para os outros, pois na nossaCasa comum tudo está interligado;as autoridades da saúde ordenam oconfinamento em casa, mas são aspessoas que o tornam possível, cons-cientes da sua corresponsabilidadepara impedir a pandemia. «Umaemergência como a da Covid-19 der-rota-se antes de tudo com os anti-corpos da solidariedade» (PontifíciaAcademia para a Vida. Pandemia efraternidade universal, Nota sobre aemergência de Covid-19, março de2020, pág. 4). Uma lição que inter-romperá todo o fatalismo em quenos imergimos e nos permitirá sen-tir-nos novamente criadores e prota-gonistas de uma história comum e,assim, responder juntos a tantos ma-les que afligem milhões de pessoasno mundo inteiro. Não podemosdar-nos ao luxo de escrever a histó-ria presente e futura virando as cos-tas ao sofrimento de tantos. É o Se-nhor que nos perguntará de novo:«Onde está o teu irmão?» (Gn 4, 9)e, na nossa capacidade de resposta,possa revelar-se a alma dos nossospovos, aquele reservatório de espe-rança, fé e caridade em que fomosgerados e que, durante muito tem-po, anestesiamos e silenciamos.

Annibale Carracci, «Mulheres piedosas no sepulcro» (1600 aprox.)

CO N T I N UA NA PÁGINA 7

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número 18, terça-feira 5 de maio de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

INFORMAÇÕES

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

A 26 de abril

— Do Senhor Cardeal Rubén Sala-zar Gómez, ao governo pastoral daArquidiocese Metropolitana de Bo-gotá (Colômbia).

— De D. Paul K. Bakyenga, ao go-verno pastoral da Arquidiocese Me-tropolitana de Mbarara (Uganda).

A 30 de abril

— De D. Luigi Stucchi, ao cargo deBispo Auxiliar da Arquidiocese deMilão (Itália).

— De D. Erminio De Scalzi, ao car-go de Bispo Auxiliar da Arquidioce-se de Milão (Itália).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

No dia 25 de abril

Núncio Apostólico no Níger, D. Mi-chael Francis Crotty, atualmenteNúncio Apostólico no Burkina Faso.

No dia 26 de abril— Arcebispo Metropolitano de Bo-gotá (Colômbia), D. Luis José Rue-da Aparicio, até agora ArcebispoMetropolitano de Popayán.

— Arcebispo Metropolitano de Mba-rara (Uganda), D. Lambert Baino-

mugisha, até esta data Auxiliar damesma Sede Arquiepiscopal.— Consultores da Congregação paraa Educação Católica, os Senhores:Dr. Sjur Bergan, “Head of the De-partment of Higher Education andHistory Teaching” junto do Conse-lho da Europa (Noruega-França); eProf. Gerald M. Cattaro, Professor e“Executive Director” do “Center forCatholic School Leadership, Admi-nistration and Policy” na FordhamUniversity de Nova Iorque (EstadosUnidos da América).

No dia 30 de abril— Bispo Coadjutor da ArquidioceseMetropolitana de Agrigento (Itália),o Rev.mo Mons. Alessandro Damia-no, até agora Vigário-Geral da mes-ma Diocese.

D. Alessandro Damiano nasceu a 13de julho de 1960 em Trapani (Itália),e recebeu a Ordenação sacerdotal a 24de abril de 1987.

— Bispo Auxiliar da Arquidiocese deMilão (Itália), o Rev.do Pe. LucaRaimondi, simultaneamente eleitoBispo Titular de Feradi Maius.

D. Luca Raimondi nasceu em Cer-nusco sul Naviglio (Itália), a 22 denovembro de 1966, e foi ordenado Sa-cerdote a 13 de junho de 1992.

— Bispo Auxiliar da Arquidiocese deMilão (Itália), o Rev.do Pe. Giusep-pe Natale Vegezzi, simultaneamenteeleito Bispo Titular de Turres Con-c o rd i a e .

D. Giuseppe Natale Vergezzi nasceuem Nerviano (Itália), a 30 de janeirode 1960, e recebeu a Ordenação sacer-dotal a 9 de junho de 1984.

Prelados falecidosAdormeceram no Senhor:

A 23 de abrilD. Patrick Leo McCartie, BispoEmérito de Northampton, no ReinoUnido.

O venerando Prelado nasceu a 5 desetembro de 1925 em Hartlepool, Dio-cese de Hexham and Newcastle (ReinoUnido). Recebeu a Ordenação sacerdo-tal a 17 de julho de 1949, e a Orde-nação episcopal a 20 de maio de 1977.Era o sacerdote mais idoso da Ingla-terra e do País de Gales.

A 26 de abrilD. Emilio Simeón Allué, ex-Auxiliarde Boston (Estados Unidos da Amé-rica), por causa da Covid-19.

O saudoso Prelado nasceu a 18 defevereiro de 1935 em Huesca, na Espa-nha. Recebeu a Ordenação sacerdotal a22 de dezembro de 1966, e a Ordena-ção episcopal a 17 de setembro de1996.

A 28 de abrilD. Silas Silvius Njiru, Bispo Eméritode Meru, no Quénia. O Prelado fa-leceu no hospital italiano de Rivoli,por causa da Covid-19.

O venerando Prelado nasceu em Ke-vote (Quénia), a 10 de outubro de1928. Foi ordenado Sacerdote a 17 dedezembro de 1955, e ordenado Bispo a1 de janeiro de 1976.

Proximidade de Francisco aos vendedores que não podem trabalhar

Os jornais de rua, recurso para os pobres e desabrigados

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 6

A coragem de uma nova imaginaçãodo possível

Publicamos o texto da carta — dadaa conhecer a 27 de abril — que oPapa escreveu a 21 do mesmo mês“ao mundo dos jornais de rua”.

D.S.M., 21 de abril de 2020As vidas de milhões de pessoas nonosso mundo, que já se confrontamcom tantos desafios difíceis e opri-midas pela pandemia, mudaram eestão a ser postas à prova. As pes-soas mais frágeis, os invisíveis, osdesabrigados correm o risco de pa-gar a conta mais alta.

Por isso, quero saudar o mundodos jornais de rua e, em especial, osseus vendedores, na sua maioria de-sabrigados, gravemente marginali-zados, desempregados: milhares depessoas em todo o mundo vivem etêm um emprego graças à vendadestes jornais extraordinários.

Em Itália estou a pensar na belaexperiência de Scarp de' tenis, oprojeto da Caritas que permite amais de 130 pessoas em dificuldade

ter um rendimento e com ele acederaos direitos fundamentais de cida-dania. E isto não é tudo. Estou apensar na experiência de mais de100 jornais de rua de todo o mun-do, publicados em 35 países dife-rentes e em 25 línguas diversas, quegarantem trabalho e rendimentos amais de 20.500 pessoas desabriga-dos no mundo. Há muitas semanasque os jornais de rua não são ven-didos e os seus vendedores nãoconseguem trabalhar. Desejo ex-pressar a minha proximidade a jor-nalistas, voluntários, pessoas que vi-vem graças a estes projetos e que,nestes tempos, trabalham com mui-tas ideias inovadoras. A pandemiatornou o vosso trabalho difícil, mastenho a certeza de que a grande re-de de jornais de rua do mundo vol-tará mais forte do que antes. Olharpara as pessoas mais pobres, nestesdias, pode ajudar-nos a todos a to-mar consciência do que realmentenos está a acontecer e da nossa ver-dadeira condição. A todos vós, a

minha mensagem de encorajamentoe de amizade fraterna. Obrigadopelo trabalho que desempenhais,pela informação que distribuís e pe-las histórias de esperança que con-tais.

Se agirmos como um só povo, atédiante das outras epidemias que nosameaçam, poderemos ter um impac-to real. Seremos capazes de agir deforma responsável perante a fomeque muitos sofrem, conscientes deque há comida para todos? Conti-nuaremos a olhar para o outro lado,com um silêncio cúmplice face aguerras alimentadas por desejos dedomínio e de poder? Estaremos dis-postos a mudar os estilos de vidaque afogam muitos na pobreza, pro-movendo e encontrando a coragemde levar uma vida mais austera ehumana, que permita uma distribui-ção equitativa dos recursos? Toma-remos, como Comunidade interna-cional, as medidas necessárias paraimpedir a devastação do meio am-biente, ou continuaremos a negar aevidência? A globalização da indife-rença continuará a ameaçar e a ten-tar o nosso caminho... Que ela nosencontre com os necessários anticor-

pos da justiça, da caridade e da soli-dariedade. Não devemos ter medode viver a alternativa da civilizaçãodo amor, que é «uma civilização daesperança: contra a angústia e o me-do, a tristeza e o desânimo, a passi-vidade e o cansaço. A civilização doamor constrói-se diariamente, seminterrupções. Pressupõe um esforçoconcertado de todos. Para isto, re-quer uma comunidade de irmãoscomprometidos» (Eduardo Pironio,Diálogo con laicos, Buenos Aires,1986).

Espero que, neste tempo de tribu-lação e de luto, onde estiverdes pos-sais fazer a experiência de Jesus,que vem ao teu encontro, te saúda ete diz: «Alegra-te» (cf. Mt 28, 9). Eque esta saudação nos mobilize parainvocar e amplificar a boa nova doReino de Deus.

* [No original em espanhol a ex-pressão de Jesus é “A l é g re n s e ”, quena versão em português correspon-de a “Salve”, n.d.r.].

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página 8 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 5 de maio de 2020, número 18

Colaboração internacionalpara curas e vacinas

O encorajamento do Pontífice

REGINA CAELI

O Papa Francisco apoiou e encorajou«a colaboração internacional que seestá a ativar com várias iniciativaspara encontrar vacinas etratamentos» contra a Covid-19. Oencorajamento foi feito no final doRegina caeli recitado ao meio-dia de3 de maio da Biblioteca particular doPalácio apostólico do Vaticano.Anteriormente o Pontífice comentou oevangelho dominical centrado nafigura do bom pastor.

Estimados irmãos e irmãs, bomdia!O quarto domingo de Páscoa, quehoje celebramos, é dedicado a Je-sus, Bom Pastor. O Evangelho diz:«As ovelhas ouvem a sua voz: echama pelo nome as suas ovelhas»(Jo 10, 3). O Senhor chama-nos pe-lo nome, chama-nos porque nosama. Mas, diz novamente o Evan-gelho, há outras vozes, que não sedevem seguir: as de estranhos, la-drões e assaltantes que querem omal das ovelhas.

Estas diferentes vozes ressoamdentro de nós. Há a voz de Deus,que fala amavelmente à consciên-cia, e há a voz tentadora que induzao mal. Como podemos reconhecera voz do bom pastor e a do ladrão,como podemos distinguir a inspira-ção de Deus da sugestão do malig-no? Podemos aprender a discernirestas duas vozes: elas falam duaslínguas diferentes, ou seja, têm for-mas opostas de bater ao nosso co-ração. Falam línguas diferentes. Talcomo sabemos distinguir uma lín-gua da outra, também sabemosdistinguir a voz de Deus da voz doMaligno. A voz de Deus nuncaobriga: Deus p ro p õ e - s e , Ele não seimpõe. Ao contrário, a voz malignaseduz, agride, força: suscita ilusõesdeslumbrantes, emoções tentado-ras, mas transitórias. No início li-sonjeia-nos, faz-nos acreditar quesomos omnipotentes, mas depoisdeixa-nos vazios por dentro e acu-sa-nos: “Tu não vales nada”. A vozde Deus, pelo contrário, corrige-nos, com muita paciência, mas en-coraja-nos sempre, consola-nos: ali-menta-nos sempre de esperança. Avoz de Deus é uma voz que temum horizonte, enquanto que, a vozdo maligno leva-te a um muro,põe-te de lado.

Outra diferença. A voz do inimi-go distrai-nos do presente e querque nos concentremos nos receiosdo futuro ou nas tristezas do passa-do — o inimigo não quer o presen-te —: faz ressurgir as amarguras, asrecordações das injustiças sofridas,daqueles que nos magoaram...,muitas recordações negativas. Mas,

a voz de Deus fala ao presente:“Agora podes fazer o bem, agorapodes exercer a criatividade doamor, agora podes renunciar aosarrependimentos e remorsos quemantêm o teu coração prisioneiro”.Anima-nos, faz-nos ir em frente,mas fala no presente: agora.

Mais uma vez: as duas vozes le-vantam em nós questões diferentes.A que vem de Deus será: “O que ébom para mim?”. Ao contrário, otentador insistirá noutra questão:“O que me apetece fazer”. O queme apetece: a voz maligna girasempre em torno do ego, dos seusimpulsos, das suas vontades, de tu-do e já. É como os caprichos dascrianças: tudo e agora. A voz deDeus, pelo contrário, nunca pro-mete alegria a um preço baixo:convida-nos a ir além do nosso egopara encontrar o verdadeiro bem, apaz. Lembremo-nos: o mal nuncanos dá paz, ao contrário provocainquietação e depois deixa amargu-ra. Este é o estilo do mal.

Por fim, a voz de Deus e a dotentador falam em diferentes “am-bientes”: o inimigo prefere a escuri-dão, a falsidade, os mexericos; oSenhor ama a luz do sol, a verda-de, a transparência sincera. O ini-migo dir-nos-á: “Fecha-te em ti,porque ninguém te entende nem teouve, não confies!”. Ao contrário, obem convida-nos a abrir-nos, a serclaros e a confiar em Deus e nosoutros. Amados irmãos e irmãs,neste momento, tantos pensamen-tos e preocupações nos levam a re-entrar em nós mesmos. Prestemosatenção às vozes que chegam aosnossos corações. Perguntemo-nos

de onde vêm. Peçamos a graça dereconhecer e seguir a voz do bomPastor, que nos faz sair do espaçodo egoísmo e nos conduz aos pas-tos da verdadeira liberdade. QueNossa Senhora, Mãe do Bom Con-selho, guie e acompanhe o nossodiscernimento.

No final da recitação da antífonamariana, antes de assomar à janelapara conceder a bênção sobre a praçade São Pedro vazia, o Pontíficerecordou o Dia mundial de oraçãopelas vocações, renovou a suaproximidade às vítimas da Covid-19e elogiou a associação “Me t e r ” quedefende as crianças vítimas deviolência, exortou a realizarperegrinações “espirituais” aossantuários marianos neste mês demaio dedicado à Virgem e, por fim,relançou a proposta do Alto Comitépara a Fraternidade Humana a fimde que no próximo dia 14 de maio oscrentes de todas as religiões se unamnum dia de oração, jejum e obras demisericórdia para implorar de Deus ofim do contágio de coronavírus.

Amados irmãos e irmãs!Celebramos hoje o Dia Mundial deOração pelas Vocações. A existênciacristã é sempre uma resposta à cha-mada de Deus, em qualquer estadode vida. Este dia recorda-nos o queJesus disse certa vez, que a messedo Reino de Deus requer muitotrabalho, e devemos rezar ao Paipara que envie trabalhadores paraa sua messe (cf. Mt 9, 37-38). O sa-cerdócio e a vida consagrada exi-gem coragem e perseverança; e semoração não continuaremos por estecaminho. Convido todos a invocardo Senhor o dom de bons traba-lhadores para o seu Reino, com ocoração e as mãos abertas ao seua m o r.

Mais uma vez, gostaria de ex-pressar a minha solidariedade comos doentes da Covid-19, com aque-les que se dedicam aos seus cuida-dos, com quantos, de alguma for-ma, sofrem com a pandemia. Aomesmo tempo, gostaria de apoiar e

encorajar a colaboração internacio-nal que está a ter lugar com váriasiniciativas, a fim de responder deforma adequada e eficaz à gravecrise que estamos a atravessar. Comefeito, é importante unir as capaci-dades científicas, de forma transpa-rente e desinteressada, para encon-trar vacinas e tratamentos e garan-tir o acesso universal a tecnologiasessenciais que permitam que aspessoas contagiadas, em todas aspartes do mundo, recebam os cui-dados de saúde necessários.

Dirijo um pensamento especial àAssociação “Meter”, promotora doDia Nacional das crianças vítimasde violência, exploração e indife-rença. Encorajo os responsáveis eos operadores a prosseguirem a suaação de prevenção e de sensibiliza-ção ao lado das diversas agênciaseducativas. E agradeço às criançasda Associação que me enviaramuma colagem com centenas de mar-garidas por elas coloridas. Obriga-do!

Acabou de iniciar maio, o mêsmariano por excelência, durante oqual os fiéis gostam de visitar osSantuários dedicados a Nossa Se-nhora. Este ano, devido à situaçãode saúde, dirijamo-nos espiritual-mente a estes lugares de fé e devo-ção, para colocar no coração daSantíssima Virgem as nossas preo-cupações, expectativas e planos pa-ra o futuro.

E porque a oração é um valoruniversal, aceitei a proposta do Al-to Comité para a Fraternidade Hu-mana a fim de que, no próximodia 14 de maio, os crentes de todasas religiões se unam espiritualmen-te num dia de oração, jejum eobras de caridade, para implorar aDeus que ajude a humanidade asuperar a pandemia do coronaví-rus. Lembrai-vos: a 14 de maio, to-dos os crentes juntos, crentes dediferentes tradições, para orar, je-juar e fazer obras de caridade.

Desejo-vos a todos bom domin-go. Por favor, não vos esqueçais derezar por mim. Bom almoço e até àvista.