panfleto mulatas 2011

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  • 7/29/2019 Panfleto Mulatas 2011

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    Mas mesmo assim

    Ainda guardo o direito

    De algum antepassado da cor

    Brigar sutilmente por respeito

    Brigar bravamente por respeito

    Brigar por justia e por respeito

    De algum antepassado da corBrigar, brigar, brigar

    A carne mais barata do mercado a carne negra(Elza Soares)

    Com mais de 184 anos de existncia, a histria da So Francisco foi construda emcima de diversas tradies: de algumas delas ns nos orgulhamos, como a tradio d@sfranciscan@s de protagonizar a luta pela democracia; outras, ns rechaamos, como o fatode que at o incio do sculo XX as mulheres no podiam estudar na nossa faculdade, ou deque at a dcada de 70 os alunos e professores eram obrigados a usar gravata nasdependncias do prdio.

    A partir desses exemplos, percebemos que a tradio no estanque; ela

    construda no dia-a-dia pel@s estudantes. Por isso, acreditamos que ela deve ser semprerepensada e nem sempre seguida. As discusses sobre a insero das mulheres nafaculdade e sobre a obrigatoriedade do uso das gravatas colaboraram para a afirmao daigualdade e da diversidade dentro da faculdade, causando repercusso no pensamento dasociedade na poca.

    Agora, estamos propondo repensar outra tradio: a presena de mulatas no

    grito do Peru. Acreditamos que essa tradio reafirma trs posturas que tentamoscombater e que esto bastante interligadas: o racismo, o machismo e a coisificao.

    RacismoOlhe ao seu redor: quem so @s negr@s nessa faculdade? Enquanto temos

    aproximadamente 10% de estudantes negr@s, a maioria d@s funcionri@s tercerizad@sque trabalham na nossa faculdade sonegr@s. Se por um lado, o espao socialmentevalorizado - a melhor faculdade de direito do Brasil - ocupado majoritariamente porbrancos, o espao socialmente desvalorizado - o trabalho precarizado dos servios dasegurana e limpeza - ocupado por negr@s.

    Esse fato no algo isolado: ele reflete claramente uma segregao herdada donosso histrico escravista ainda presente na nossa sociedade,no superadoestruturalmente, tanto no mbito material quanto no mbito cultural. No mbito material,encontramos o binmio dificuldade de acesso (s universidades publicas e cargos depoder, por exemplo) e excluso social, que enseja a formao de um ciclo vicioso cuja

    continuidade no ser naturalmente rompida. J no mbito cultural, podemos perceberque toda a sua valorao baseada na diferena ou na inferioridade, de forma que a cultura

    negra entendida ou como um elemento a ser desvalorizado (como as religies negras) oucomo um elemento extico, peculiar - como as prprias mulatas no carnaval brasileiro.

    Vale ressaltar que o termo "mulata", inclusive, deriva da palavra "mula", em claraaluso ao animal. uma herana escravocrata que reafirma a ideia de superioridade debranc@s sobre negr@s.

    MachismoNa nossa faculdade temos uma quantidade equivalente de homens e mulheres

    estudantes. Porm, quando analisamos altos cargos de poder na rea jurdica, percebemosque essa realidade muito diferente: quantas ministras j passaram pelo STF? Quantasprofessoras do aula aqui em nossa faculdade? Muito poucas. Isso simboliza a dificuldadedas mulheres de serem valorizadas e inseridas nos espaos profissionais de destaque emfuno de sua intelectualidade. Em contrapartida, as mulheres so socialmente valorizadaspela sua aparncia fsica e essa valorizao segue padres de beleza pr-determinados.

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    Repare nos cartazes de festas universitrias (temos vrios nas arcadas essa semana...), decomo as mulheres esto representadas submetidas ao homem (servindo cerveja, porexemplo) sempre como figuras altamente sensuais, reproduzindo, assim, a imposio depadres para homens e mulheres identificada na nossa realidade.

    Portanto, podemos inferir que na nossa sociedade o homem colocado como odetentor de poder, enquanto a mulher submetida a ele, ainda que inconscientemente.

    CoisificaoPare e olhe as principais propagandas de cervejas que esto afixadas nas Arcadas:

    nelas, as mulheres so diretamente relacionadas com a cerveja, muitas vezes atconfundidas com a bebida. A coisificao algo presente no s nesses anncios, mas namaioria das representaes da mulher (principalmente da mulher negra). Isso significaque as mulheres so tratadas como mero objeto: so bundas e peitos. Elas so colocadascomo algo somente para ser visto e desejado; suas opinies so desvalorizadas, pois seupapel na sociedade simplesmente o de ser atraente.

    da que parte a ideia, que est diretamente associada ao machismo, de que asmulheres fazem ou devem fazer de tudo para agradar os homens e para ser alvo de desejo

    deles. Pior ainda, que ser alvo de desejo masculino o objetivo delas em suas condutas.Acreditamos que ao contratarmos as mulatas, estamos tambm colaborando paraessa objetificao. Basta percebermos quantas pessoas insistem em tirar fotos ao lado doscorpos das mulatas, como se fosse um monumento qualquer.

    Quando partimos do pressuposto de que as mulatas esto simplesmente

    prestando um servio, estamos colaborando com todos esses elementos colocados acima.Tanto o racismo quanto o machismo se relacionam quando contratamos duas mulheresnegras seminuas para divertir @s alun@s atravs da exposio de seus corpos. Nisso estimplcito uma relao de poder mediada pelo contrato, em que elas prestam um serviousando seu corpo como uma mercadoria. Vale ressaltar que essa opresso no se extinguequando contratamos mulheres brancas e homens para ocuparem esse espao por umlado, isso apenas configuraria uma exceo regra de que os homens brancos soministros do STF ou professores universitrios, e no mulatas do Grito do Peru; por

    outro, estender esse tipo de relao a todos os sujeitos sociais tambm seria [email protected] o que queremos justamente superar esse tipo de relao, para que tod@s sejamsujeitos de sua sexualidade, no objetos.

    A partir disso, e considerando o papel central que a nossa Faculdade j exerceu nasmudanas polticas nacionais, simblica a deciso de no trazer mulatas para o Grito

    do Peru. Isso no resolve o machismo e o racismo presentes na sociedade, mas faz parte deuma discusso necessria s Arcadas e ao Brasil. Nesse sentido, no trazer as passistas no um veto, mas uma escolha poltica, que tem como objetivo o questionamento do lugardestinado mulher negra na sociedade.

    Na prxima semana, convocamos tod@s para grandes tradies da faculdade: aexpresso do animus jocandie o esprito de contestao prprios d@ franciscan@,manifestos na Peruada e no Grito do Peru. A apresentao das mulatas que vinhaocorrendo, contudo, uma tradio que merece ser repensada, com o intuito de expor asdesigualdades que permeiam nossa sociedade e reacender a fora antidiscriminatria edemocrtica que vigora nas Arcadas.

    Assinam essa carta:

    C.A. XI de Agosto Gesto Frum da Esquerda

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