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O que é Soturnismo? Poesia A arte de Felipe Eremita Arte Cemiterial REVISTA VIRTUAL DE ARTE E CULTURA SOTURNA www.artesoturna.blogspot.com Setembro 2009 ENTREVISTA Luciana Waack A arte soturna expressa nas telas de uma das pintoras mais talentosas da atualidade POEMAS DE: Silde, Alessandro Reiffer, Sr. Arcano, Roni Peterson, Camila D., Antonio Carlos, Luís Fernando P. Filho e Shelly Fernandes. Contos de Alessandro Reiffer e Sr. Arcano

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Setembro 200

que é Soturnismo?

Poesia

arte de Felipe Eremita

Arte Cemiterial

ENTREVISTA

Luciana Waack A arte soturna expressa

nas telas de uma das pintoras mais talentosas

da atualidade

ontos de Alessandro Reiffer e Sr. Arcano

REVISTA VIRTUAL DE ARTE E CULTURA SOTURNA

POEMAS DE: Silde, Alessandro Reiffer, Sr. Arcano, Roni Peterson, Camila D., Antonio Carlos, Luís Fernando

P. Filho e Shelly Fernandes.

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Através desta publicação virtual estamos dando início a uma espécie de conspiração contra o sistema vigente. Isso porque aqui contrariamos as regras usando nossa união neste espaço que muitas vezes pode vir a chocar por seu excesso de sentimentalismo e tristeza. No entanto, isso apenas prova que a realidade é um pesadelo que nos criou e fez de nós o que somos. Se preferimos ser de um jeito diferente é porque a realidade possui duas versões, cabe a cada um de nós escolher em qual delas queremos viver. Muitos não conseguem definir com palavras um motivo que nos leva a ser o que somos, mas eu digo apenas uma palavra que pode trazer um pouco de compreensão, uma palavra bastante óbvia...

tro dos

— Rebeldia.

A cultura soturna nasceu também darebeldia, porque nós nos recusamos a aceitar artes modistas impostas à força em nossas vidas, contra a nossa vontade. Bem-vindos à Soturna. Nossa revista virtual, nosso espaço. O ponto de enconSoturnos.

Sr. Arcano

Editor [email protected]

BEM-VINDOS, SOTURNOS!

EEDDIITTOORRIIAALL

Sombrias Escrituras - Selo independente de publicação alternativa. Literatura e arte sombria.

Diretor: Alexandre Souza

Soturna nº 1, Setembro de 2009, é uma revista virtual especializada em arte e cultura soturna. Publicação da marca Sombrias Escrituras.

Capa desta edição: Anry

Todas as edições são gratuitas, e podem ser baixadas no blog:

www.artesoturna.blogspot.com

O CD Soturna Coletânea – Volume 1, que foicriado para esta edição, não possui finslucrativos, sendo seu valor de encomendadestinado para frete e fabricação do mesmo. Servindo também como veículo de divulgação emanifestação artística dos responsáveis pelascanções nele contidas, e cuidadosamenteselecionadas para fazerem parte dessa coletânea.

Assinatura: Quer assinar a revista virtual Soturna? Envie ume-mail para [email protected] com oassunto: "Quero assinar a revista Soturna". Epronto! Você vai receber em seu e-mail todas asedições da revista virtual, sempre que uma novaedição for lançada. Além de ficar por dentro dasnovidades e atualizações da revista.

Para anunciar nesta revista:

[email protected]

Os artigos assinados são de responsabilidade dosautores e não refletem, necessariamente, aopinião da revista.

Contato direto: (21) 8581-5114

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O que é Soturnismo?

Os poetas soturnos fazem poesia para expressar seus sentimentos, para mostrar ao

mundo sua visão sobre a realidade, ou sua ideologia fantástica que não deixa de ser a inspiração de uma realidade qualquer.

Não só a poesia, mas qualquer outra forma de arte soturna também usa a realidade como inspiração. Mesmo que seja um mundo criado pelo artista que funcione como fuga da realidade, esse mundo será seu gosto pessoal pelo sombrio, em que se obedece o preceito de “Os males que você causa podem se voltar contra você”. Numa ânsia de torturar nesse mundo fictício todos os males que funcionam como causa de nossa realidade decadente.

A idéia passada pelo Soturnismo é a de que atualmente é difícil fazer poesia perante uma realidade tão conturbada como a nossa. Mas, referindo-se à poesia considerando-se o termo como algo belo, fruto de uma alegria interior e colorido como um jardim de sonhos. Sendo assim, percebemos a dificuldade que é fazer esse tipo de poesia nos dias de hoje, principalmente para os poetas soturnos, pois nossa atual realidade não é bem essa.

Se somos influenciados pelos fatos que ocorrem ao nosso redor, se sofremos de males que marcaram nossas vidas, então levaremos essas experiências conosco para o que quer que façamos. Principalmente se o que iremos fazer for algo relacionado à reflexão do que formou nossa personalidade ou caráter. Por isso, muitas vezes chamamos de hipócritas aquelas pessoas famosas e ricas, que vivem sorrindo para as revistas e programas de TV, como se o sorriso fosse uma máscara para esconder suas tristezas. Pois é difícil acreditar que uma pessoa possser assim tão feliz e bela como aparenta. Principalmente nos dias de hoje, em que o mundo de tão degradante, causa mal-estar, e a beleza virou produto capitalista de um mercado para pessoas arti

a

ficiais. Tudo bem que existem coisas belas no mundo. O mundo não é apenas soturno. Mas

sejamos realistas para compreender a essência da arte soturna: estamos muito próximos do fundo do poço. O que acontece com o próximo ou o que este provoca de ruim é refletido naquele que tem bom coração. Do ponto de vista da arte soturna, isso não é justo, assim como é injusto a criança que apanha dos pais quase que diariamente; a fome que vemos estampada nos olhos de quem mora nas ruas, num mundo em que a fome poderia ser erradicada; a falta de união nas famílias cada vez mais influenciadas pelo sistema de vida ganancioso da atual sociedade; a tristeza em saber que não podemos confiar no próximo; a corrupção latente e cada vez mais abrangente que nos faz viver no abandono social; os vícios que patrocinam a violência nossa de cada dia; as guerras; e a consciência pessimista de que as coisas, do jeito que estão, não vão melhorar. Eis os ingredientes soturnos para se fazer uma arte cujo intuito é funcionar como purgatório, punir os culpados através de seus próprios crimes. Porque se não podemos fazer justiça com as próprias mãos, ao menos a arte funciona como sendo nossa arma.

A Dor... Os fortes a procuram...

Os fracos a temem... Nós a causamos...

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Não é fácil para as pessoas aceitarem que essa realidade, assim como a arte soturna, que é uma inspiração dessa própria realidade, é cada vez mais constante a abundante, e não pára de crescer num mundo em que já não há como relacionar a quantidade de tipos de crimes que se tem praticado, pois a lista seria gigante. Os crimes e males que a sociedade comete crescem com o passar dos dias e nos vemos até mesmo surpresos quando não conseguimos dar nome ou identificar uma série de novos tipos de crimes descobertos.

Não há perspectiva de vitória na arte soturna, apesar dela querer combater nossa negra realidade com seus métodos criativos. Mas a idéia não é exatamente essa. O que se deseja com o Soturnismo é devolver o sofrimento que nos foi imposto, mostrar o que sentimos em relação ao que está acontecendo atualmente. Como um desabafo, uma vingança, uma forma de punição psicológica ao agressor.

Podemos classificar a arte soturna como um espelho, pois ela reflete a realidade em que vivemos. O espelho do Soturnismo é o inverso da hipocrisia dos males que afligem nossa sociedade, pois mostra toda a falsidade em que as pessoas acreditam hoje, como por exemplo a falsa beleza e pureza que serve de máscara para disfarçar os atos grotescos de quem age com o intuito de prejudicar o próximo, mesmo que involuntariamente, através de um costume modista.

O artista soturno não obedece às regras da moda, não é artificial. É verdadeiro no que faz, e a beleza de sua arte está na forma como se cria, está na sua própria criação. Ao contrário do que podem pensar sobre beleza artística, é belo seu cenário de criação e tudo que este contém porque é um artista sombrio por natureza, possui gostos diferentes do normal aceito pela arte em geral, e é por isso que expressa melhor o lado sombrio da realidade, do mundo. E enxerga, com isso, a beleza em objetos, ambientes e seres que a outros olhos são repugnantes.

A época atual é perfeita para a arte soturna, que capta na sociedade todas as suas regras que nos enviaram para o fundo do poço em que estamos vivendo.

Estamos dando início ao Soturnismo não apenas com esta publicação, mas também com outros meios de comunicação para a nossa arte, que está se expandindo cada vez mais.

Muitos artistas soturnos usam pseudônimos, já que preferem não se arriscar como vítimas de uma sociedade que obviamente irá criticá-los. Mas o Soturnismo não está nos pseudônimos, personagens e ficções que inventamos. Está sim, no meio em que vivemos. As obras soturnas não são frutos apenas da imaginação do artista soturno, mas são principalmente conseqüências da realidade que nos rodeia.

O interior de um artista soturno é como a tortura de um purgatório, pois o que cria vem de dentro, onde estão guardados os fragmentos malignos que formam o todo da realidade atual.

Podemos daí compreender o desespero do poeta soturno, por exemplo, na sua idealística poética, tentando gritar o mais alto que pode, na esperança de que alguém ouça seus gritos e o ajude. O quanto esse poeta sente-se sufocado rimando dores e sofrimentos que hoje são sinônimos de “É a vida...” em nossa realidade.

Bem-vindos à realidade soturna. Aqui você sonha realizar seu sonho porque o acha lindo, e depois quer jogar seu sonho fora porque vê como ele é feio e como perde-se tempo ao sonhar. É triste quando você se engana ao pensar que tudo é colorido e que as rosas perfumam seu caminho, porque mais tarde você vê que tudo é negro, sujo como lixo e fede como os restos que você joga no esgoto.

O Soturnismo do artista soturno está guardado em seu interior. O meio em que ele vive – o exterior – é esse Soturnismo.

Dêem uma olhada ao redor de vocês. Se possível, subam num prédio bem alto e contemplem a cidade com seus inúmeros prédios, seu trânsito que nunca pára, pessoas andando apressadas, camelôs, bancos e muito movimento. À noite o movimento não pára, em alguns lugares é até maior que durante o dia, dependendo das casas noturnas e badalações.

Olhem, quantas pessoas andam, correm, falam, gritam. É um caos. De cidades o mundo está cheio, e elas não param de crescer. Novas cidades continuam surgindo. Esse é o modelo social que almejamos? Fugir é a solução? Ir para um sítio, um campo, um lugar onde só há o verde das árvores, cachoeiras, pássaros e paz. Eis que nos encontramos sozinhos e longe da

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civilização. Parece um alívio, mas as cidades crescem muito rápido a cada hora, e avançam... Continuem olhando. Vejam como o mundo está cheio de pessoas ridículas. Às vezes dá

nojo olhar para essas pessoas, muitas são cruéis, não se importam com os outros, são mesquinhas, invejosas. Estão vendo? Estão todas diante de seus olhos. Todas essas pessoas, desesperadas, permanecem caladas diante dos fatos. Vivem sob leis e regras que as limitam, reduzindo-as a meros escravos de um sistema que elas mesmas criaram.

Mesmo sendo capazes de realizar grandes feitos, nós somos aparentemente imperfeitos por causa de nossas ações.

Agora fechem os olhos. E tentem sentir... Sentiram? Sentiram a dor de todas essas pessoas? Estão todas doentes, é como um câncer. Um

câncer que nos devora e finalmente corrói o estômago e dilacera o coração. Pessoas materialistas demais não sabem como é isso, mas não precisamos ser tão

insensíveis, tão cegos, tão ignorantes. Vejam que todos esses doentes de uma só vez entram em nossas cabeças, e parece que nossos cérebros vão explodir. O que não daríamos por um minuto de paz? Apenas um minuto em que pudéssemos nos livrar de tudo isso, um minuto em que teríamos a valiosa liberdade para pensar. Pois nos impedem de termos um simples pensamento a respeito do que nos rodeia, justamente porque sendo ignorantes somos mais facilmente dominados.

E no meio de tudo isso surgem pessoas que acreditam que é possível curar a ferida que a dor provoca nos corações desses doentes, pessoas que acreditam que é possível aliviar a dor deles para que suas dores também sejam aliviadas.

Mas não há como curar essa dor. São muitos doentes, que continuam crescendo e estão por toda parte. É uma multidão muito grande, dominam o mundo, são o mundo, e já não acham espaço suficiente para continuarem se proliferando. Somos nós.

— Sr. Arcano

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A poesia é um porre de vodca,

Em jejum, Às sete da manhã.

Mas não traz ressaca.

Só faz bem, Mesmo que doa...!

Porque a poesia é,

Também, “COLOCAR O DEDO NA FERIDA!”

— Larí Franceschetto

(poeta brasileiro contemporâneo)

“Uma moral demasiado sorridente é uma moral frouxa; só serve para os povos em decadência e é apenas entre eles que a

encontramos”.

— Émile Durkheim (sociólogo francês 1858 - 1917)

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Literatura Soturna Poesia

Nas próximas páginas vamos conhecer um pouco da poesia soturna através de alguns poetas

do submundo literário existente atualmente em nosso país.

Situações Extremas

A humanidade é uma metáfora Grosseira O homem é um Doente Imbecil: É vítima de Câncer que só tenta

Amenizar os sintomas e se esquece De curar malignas células.

Tam Câncer sim. Materioma.

Câncer endurecido e amarelado Como uma moeda.

Câncer enorme e alastrado Como a miséria.

Câncer Fedorento e pegajoso Como a política.

Isso. Entupam de sabugos os tímpanos que o Poeta é um esquizofrênico galáctico berrando em alto-

Falantes anímicos um Furacão de Tragédias invictas.

— — Alessandro Reiffer

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“O ser soturno É aquele que vive da negra realidade.

Sob infinito céu noturno Envolto pela cruel verdade”.

— Cião

“Se alguém nos perguntar “aonde vão”? nós nos calaremos. Querem que eu diga, com voz de menino, que vou correndo em busca da felicidade? Essa idéia de criança ficou

enterrada no último buraco que fizemos no fundo do quintal. Morreu a criança. Está enterrada dentro de nós. Morreu a criança. Morreu a felicidade. Morreu a alma da vida;

deslavada mentira, contada no pior estilo pequeno-burguês. Fazem-lhe agora um pomposo mausoléu que lembre, nas formas declamatórias e torcidas, nas colunatas e

capitéis, o quê? – um efêmero coração de passarinho que viu um dia, em sonho, o relâmpago azul das bem-aventuranças! Que felicidade é essa agora que nos propõem, e que deve ser atingida com a marcha esfregada das lesmas? Que relâmpago é esse que precisa ser reconstituído com pedaços de vidro apanhados no chão? Branca de neve

morreu. Morreu mesmo. Nem o choro dos anões, nem o beijo do príncipe encantado será capaz de arrancar-lhe da boca a sufocante maçã de seu primeiro pecado.

e o que dela disserem, os que não têm sequer o pudor do aborto consentido, é a mais

— Gustavo Corção

Vejo a poesia como o mecanismo... contra os temores psicológicos desta eterna luta entre a realidade e a loucura (Silde)

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Às vezes, a gente implora a Divina proteção, mas não vem

nenhum clarão. Só “bondosos” fantasmas ocultados n’alma, em negras túnicas, para aumentarem a solidão.

(Cecília Adélia)

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A poesia de conteúdo soturno é a expressão dolorida que emerge do fundo do poço da alma em convulsão...

or, desilusão, desespero, solidão...Vão sendo trazidas pelo frio vento do eterno inverno, onde o espectro agoniza.

ersos de escuridão desprendem-se como lágrimas na macilenta face do poeta marginal. (Kleide Keite)

Novos filhos mortos

O outono deita suas folhas mortas,

Deitamos ao túmulo frio nossos sonhos E a multidão se deita para gerar novos filhos mortos.

Porque no princípio a Terra era vazia e sem forma

E tornar-se-á como antes fora, Aniquilada pelos martelos nucleares.

(Roni Peterson)

... Eu quero um poema soturno, Mais lindo e mais imundo,

Que o mundo Macilento e taciturno

Embebido do prazer noturno Mais sujo e mais profundo,

Que o mundo.

E quero um poema soluçado, Que incomode como um dedo,

Cortado Que escorra e inunde

O mundo, imundo, profundo Que como o sangue, unge,

Um coração esfacelado, redundo.

Eu quero um poema antídoto Que expele a mácula da tristeza

E conserve a beleza, ilesa. Um poema sórdido Um poema mórbido

Que me faça vigília na morte, E nunca se despeça na ida E que me prive da sorte De finar-me em vida.

(Camila D.)

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Que venham os novos ventos trazendo os tormentos desses nossos tempos. Que a escrita seja uma arma contra a hipocrisia desses nossos dias.

(Silde)

E choram os anjos

Armados de lírios brancos, Seguem os anjos caindo em prantos.

Choram por ver tanta angústia e sofrimento, Choram por sentir a dor do mundo,

Assim cruel e moribundo;

Sua lágrimas enchem os Lagos, os oceanos;

Seu brilho apagou-se, às trevas se entregou, Sua paz, pelo ódio foi dominada.

Suas asas para sempre, arrancadas!

Armados de lírios brancos, Seguem chorando em vão

Pedindo por clemência, por perdão. Até o anjo da morte, triste,

Segue sem rumo Em meio à escuridão;

Agora armados seguem chorando Ao infinito, sua dor vão levando,

Pois sem salvar suas próprias almas, Em meio às trevas vão sumindo.

E armados de lírios brancos

Tristes vão seguindo...

(Antonio Carlos)

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Terapia Tenho seis balas em meu tambor

E uma delas é tua, meu amor. São seis balas, seis apenas

Para acalmar minha dor pequena. A primeira eu sei como usar

E sei muito bem a quem presentear... Aos homens sem palavras, tão eloqüentes, Que passam a vida parasitando tanta gente,

Aos que pensam que o importante é o metal, Envenenando tanto e causando tanto mal.

Um tiro cego, porém decidido. Um tiro, eu sei, fará sentido.

Tenho cinco balas em meu tambor

E uma delas é tua, meu amor. São cinco balas, cinco apenas.

A cortina abre e logo se encena. Destilo meu veneno já sem muita pressa.

Apresento minha raiva, e a segunda se endereça Ao poder sujo de cartas marcadas

Que envolve os humildes, humilhando os menores

Triturando, matando, favorecendo os piores. Um tiro seco, já faço minha mira,

Um tiro forte que carrega toda minha ira!

Tenho quatro balas em meu tambor E uma delas é tua, meu amor.

São quatro balas, quatro apenas. A noite cai e em breve será plena.

Da minha janela vejo um mundo de aparências, Aperto o gatilho e a terceira grita com demência.

Pessoas burras esvaziam seus bolsos, e o que mais?

Queimam tantos livros enquanto compram seus cristais,

Falando tanto, arrotando ignorância, Esbanjando suas posses, esbanjando petulância.

Um tiro, sim, não há mais tempo a perder. São tão superficiais, ninguém vai perceber.

Tenho três balas em meu tambor

E uma delas é tua, meu amor. São três balas, três apenas.

A morte vem e de longe lhes acena. A agulha trabalha bem e ainda não descansa,

A quarta vem feroz e nada a amansa. Charlatões aos montes explorando gente honesta, Tirando-lhes o dinheiro, e o que nada mais lhes

resta.

Mentindo e assaltando em nome de um deus feroz,

Prometendo o céu, a terra ou um inferno atroz. Um tiro brusco, que cause confusão.

Um tiro longo, a libertação.

Tenho duas balas em meu tambor E uma delas é tua, meu amor. São duas balas, duas apenas.

Será mesmo a espada mais frágil que a pena? Tento relaxar, ligo minha TV.

Mas o que lá está é difícil de esquecer. Lavagem cerebral, é como chamo tudo isso. Lixo cultural, se é que posso chamar lixo.

Superficialidade barata, alienação, ignorância. Estoura-se a cápsula, a quinta se liberta.

Uma platéia contratada assiste boquiaberta.

A última ficou para cumprir minha promessa. Minha jura vem vindo, não é preciso pressa.

Será uma dádiva, um presente sublime. Uma prova de amor e não de crime.

Te acordarei ao amanhecer, te trarei o jornal. Verás que tudo continua igual.

Alisarei teus cabelos, palavras de amor. Nos meus versos profanos, meus ais de dor. Chegarei ao teu prédio, subirei as escadas.

E darei, enfim, minha última cartada...

Neste mundo louco, para curar minha dor, Não fui ao analista, esvaziei o meu tambor.

— Luís Fernando P. Filho

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Marcas do tempo

O amanhecer é outro Lhe trazendo um amargo gosto

De tão puro asco No final desse maldito jogo.

Realmente onde estão seus sonhos?

Que bateram em sua mente, Lhe tornaram tão indiferente,

Saboreando a utopia Em um boteco a escrever poesias.

E onde andam seus delírios?

Suas noites sem destino A murmurar pragas e injúrias

A uma falsa musa.

Onde está a velha raiva? Que vem em ondas feito praga Contra um “deus” fabricado,

“Válvula de escape” para os otários.

Onde está seu nojo? Pela massificaç ão desse povo Que transforma em consumo

Bundas e rostos.

Onde andam as tardes de domingo? Onde você bebia, bebia...

Pensando que assim A tristeza passaria...

Tudo é tédio... Tudo é fastio...

Desmancham-se antigos planos Enquanto os anos se acumulam como escombros.

— Silde

15 anos (Debutante Dark)

Não se desfez das bonecas Pois estas há muito não possuía.

Não foi rodeada Por quinze damas amigas,

Apenas por estranhos.

Não ganhou presentes, Só ofereceu bebidas.

Não dançou a valsa com seu pai

No meio do salão. Apenas dançou o “doom” com

sua sombra refletida Na parede do seu quarto.

Não, ela não trajou o vestido de

cetim rosa; Vestiu o de seda negra.

Não calçou os delicados sapatinhos de salto alto.

Mas, sim, os velhos coturnos.

Não relembrou a infância, Pois não a teve.

Apenas chorou,

Amaldiçoando-se E pedindo perdão,

Com os lábios e pulsos sangrentos,

E a maquiagem borrada.

Sem ser perdoada, Foi ter com sua madrinha – a

Noite, E com seu punhal dourado

Traçou nas estrelas Planos de vingança

E de casamento.

— Shelly Fernandes

Não faço poesia, eu a sangro. — Sr. Arcano

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Artes Plásticas FelipeEremita

Felipe Eremita, com suas pinturas soturnas, é um artista

dedicado ao que faz. Pessoa bastante afeiçoada à cultura, tem o Soturnismo como uma de suas principais inspirações.

Com anos dedicados ao desenho e à arte, Felipe acredita que o bom desenhista é aquele que cria.

Sempre gostou de desenhar, e tomou contato com esse universo quando ainda era criança. Desde então, seu interesse pela arte só foi aumentando até se tornar uma paixão, de modo que o mesmo abraçou essa causa até os dias de hoje.

Seus artistas favoritos são Gustav Doré, William Blake, Bosh, Caravaggio, e o grande mestre da arte biomecânica H. R. Giver.

Durante seus poucos dias de folga é possível ainda encontrá-lo garimpando velharias e raridades nos grandes sebos

de Campinas (SP), local onde vive atualmente.

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Sem Título Por Felipe Eremita

Contato para trabalhos: [email protected]

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Sem Título Por Felipe Eremita

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A Máscara Por Felipe Eremita

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Sem Título Por Felipe Eremita

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Sem Título Por Felipe Eremita

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Lesbos Por Felipe Eremita

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popu

doen

A poética soturna apresenta-se neste livro com dores e emoções testemunhadas, é a realidade,

rque se não fosse, os sentimentos aqui emanados seriam falsos. E sendo assim, os poemas aqui blicados jamais existiriam.

Sete Sombras de sentimentos diferentes, de emanações de um mesmo corpo, de um mesmo ser, mesmo poeta, de sua mesma poesia, que é a sua vela acesa na escuridão. Guiando o poeta por tre caminhos e sentimentos sombrios ao seu redor. Obra de grande significado para o Soturnismo.

18

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O que vale é ser feliz? Por Marcello Simão Branco

Resenha de Os Vendedores de

Felicidade (The Joy Makers), de James Gunn. “Francisco Alves

Editora” – “Coleção Mundos da Ficção Científica”, 1984. Tradução de Reynaldo Guarany, texto das orelhas de Fausto Cunha e ilustração de capa

de Antonio Jeremias. 243 páginas.

Sabe quando você pega um livro meio que por acaso na estante? Percebe que está lá há anos, tem um título interessante, uma capa bonita e é de um autor que, embora não tenha lido, sabe que é respeitado? Pois bem, tudo isso aconteceu comigo e me motivou a lê-lo no caso de Os Vendedores de Felicidade (The Joy Makers), do norte-americano James Gunn, publicado originalmente em 1961.

Este livro se insere na tradição das anti-utopias de sociedades construídas para serem perfeitas, de tal maneira que todos os problemas do homem seriam resolvidos. Mas não são. Nesse sentido, dialoga especialmente com Admirável Mundo Novo (1932), de Aldous Huxley. Acredito que também é possível estabelecer conexões próximas com alguns contos e os dois romances de André Carneiro – Piscina Livre (1980) e Amorquia (1991) – com suas sociedades voltadas à imposição do prazer e do sexo.

James Gunn foi nomeado como Grande Mestre Nebula em 2006, o reconhecimento de uma carreira de reputação sólida como crítico e acadêmico, tanto que venceu o Hugo com um celebrado estudo sobre um dos principais autores do gênero, Isaac Asimov: The Foundations of Science Fiction (1982), mas mostra-se também um autor talentoso e sensível nas três novelas que formam este romance fix-up.

Ainda era corrente nos anos 60 o expediente de juntar histórias antes publicadas de maneira independente em revistas do gênero na forma de livro. Por isso percebe-se uma certa desigualdade de estrutura como um todo, mas nada que comprometa, pois todas estão inseridas dentro de um mesmo universo ficcional conscientemente criado pelo autor.

A grande questão de Os Vendedores de Felicidade é a felicidade. Por que ela é tão importante? Por que temos tantas dificuldades em sermos felizes? E o que fazer para mantê-la quando a alcançamos?

Na primeira parte do livro, originalmente publicada como “The Unhappy Man”, um magnata egoísta é confrontado com o surgimento de uma organização que promete trazer a felicidade para as pessoas. Incomodado com o que acredita ser charlatanismo ele se submete a alguns dos testes, mas não se convence, embora tenha suas dores no corpo curadas por uma incrível cadeira com poderes medicinais. O que mais o desagrada é que a organização solicita que as pessoas que queiram adentrá-la tem de pagar uma quantia proporcional às suas posses e abandonar seu meio de vida, deixando tudo a cargo da Hedonics Inc. Ela cuida de tudo, de tal maneira que a pessoa não mais precisa ter preocupações materiais e pode viver, em tese, apenas para a busca do prazer e da alegria. Aos poucos toda a população é seduzida pela idéia do hedonismo, tanto que em 2003 é lançada a Declaração do Hedonismo, uma espécie de Declaração Universal dos Direitos do Homem. Com isso, ser infeliz se torna uma violação do sagrado direito – melhor dizendo, dever – de ser feliz. Depois de perder sua esposa e parte de sua indústria para a organização o magnata se vê em minoria, pede para voltar, mas é rejeitado.

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A segunda parte nos leva para um futuro mais distante. Em “The Naked Sun”, o mundo está

completamente dominado pela doutrina hedonista, tratada de uma forma científica. A sociedade inteira responde ao chamado Conselho, que governa tudo e designa instrutores para cada bairro das cidades para que cuidem das eventuais infelicidades das pessoas. Isso porque nem todos estão preparados ou se adaptam a esta felicidade, pois ela se torna um fardo, ao destruir a criatividade e a motivação das pessoas.

A história segue do ponto de vista de um destes instrutores, um sujeito que procura seguir os tais preceitos hedonistas à risca com seus pacientes. E isso o torna um problema para o Conselho, pois neste momento os sonhos e fantasias ministrados às pessoas passam pelo comércio de drogas e uma mecanização cada vez maior das atividades. Perseguido para ser robotizado e trazido novamente à “felicidade”, ele não tem outra alternativa senão fugir para um dos planetas colonizados, para onde iam os rebeldes.

Na terceira história, “Name Your Pleasure”, estamos em Vênus. Duzentos anos depois da chegada dos colonos eles estão começando a ter os primeiros êxitos em seu processo de terraformização do planeta. É quando surgem seres em duplicata dos habitantes, ameaçando a harmoniosa convivência social baseada em princípios do hedonismo. Afora Vênus, também há colônias estabelecidas em Marte, Ganimedes e Calisto. Mas como a Terra está mais próxima, é enviado um emissário para procurar respostas e pedir ajuda ao que acreditam ser uma invasão extraterrestre. Ao chegar à Terra, ele a encontra vazia, com todas as construções em pé, tudo funcionando perfeitamente, mas sem as pessoas. Todos os seres que a habitam são robôs que desempenham as mais diferentes funções. É avistado por um ser de aparência humana, mas para descobrir que é um duplo – um andróide – igual aos que há em seu planeta natal. Com isso percebe que a invasão vinha da própria Terra, pois já que as pessoas sucumbiram por “excesso de felicidade”, a organização impessoal e mecanizada que controla a Terra quer levar esta mesma felicidade para as outras colônias, já que foi programada para trazer a máxima satisfação a todos os seres humanos. Ele encontra uma mulher e com ela luta para impedir os planos. Chega a encontrar várias pessoas mantidas inconscientes flutuando dentro de uma câmara semelhante a um útero, como que em preparo para renascer em um momento adequado. As pessoas foram conduzidas por meio de ilusões sofisticadas a este estado original de satisfação de todo ser humano, a proteção do ventre materno. Sem saberem se, afinal, eles mesmos não estariam vivendo uma ilusão e na verdade imersos na mesma câmara uterina, abandonam o planeta, voltando para Vênus.

Como disse antes, falta uma certa harmonia de enredo entre as histórias, natural já que não é um romance no formato tradicional. Nesse sentido, está ausente também explicações mais completas e genéricas de como funcionaria a sociedade, embora elas sejam esboçadas implicitamente através das ações dos personagens. Mas tais opções de ordem metodológica não chegam a atrapalhar a força das histórias e do livro como um todo, que ainda tem cada capítulo iniciado por epígrafes sobre a felicidade, que são também um charme à parte.

Apesar de publicado há quase meio século Os Vendedores de Felicidade continua pertinente na sociedade atual, cada vez mais impessoal e hedonista, por conferir uma importância exagerada à beleza do corpo e à busca do prazer sem limites, numa deturpação da idéia de felicidade. Uma das razões é que ela não deve ser vista como um modelo único, destituído de valores morais e motivações de ordem ética que a embasem. Pois uma felicidade deste tipo não se sustenta. E ainda assim, afinal, mesmo uma verdadeira felicidade responderia aos nossos anseios? Será mesmo que viemos a este mundo para sermos felizes? Ou seria apenas a melhor parte daquilo que vivenciamos? No fim das contas, a lucidez maior está com um dos personagens, quando ele afirma que cada homem tem o direito de buscá-la à sua maneira, de escolher suas próprias ilusões.

* * *

Marcello Simão Branco, jornalista e cientista político é autor, entre outros livros, do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica 2007.

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A Raven’s House, lar de ativistas do meio soturno, underground e alternativo, lançou o

Flores do Lado de Cima. Revista virtual com poesia, contos, arte, música e literatura.

Editada por Rosana Raven, a revista é mais uma entre várias iniciativas de seu projeto, que já reúne

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inovando e buscando novas revelações, apoiando e mostrando ao público as diversas personalidades e

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Ao contrário do que parece, há muita vida pulsando nos cemitérios: seja em belíssimas obras de arte, ou

em preciosas informações sobre a história. Eles nunca gozaram de boa fama, e

pede o bom senso que sejam o último lugar a ser visitado em qualquer cidade. Não é o caso, entretanto, da cidade que mais recebe turistas no mundo, onde a sétima atração turística mais freqüentada é – pasmem – um cemitério. Os túmulos do Père Lachaise, em Paris, recebem hordas de visitantes do mundo inteiro, competindo com os famosos museus. Entre nós, todavia, “visitar um cemitério” ainda soa estranho. Na contramão dos preconceitos, pretende-se demonstrar como a visita a um cemitério – em suas diversas dimensões sociais, religiosas e artísticas – pode ser tão produtiva e prazerosa quanto a visita a uma biblioteca ou museu.

O cemitério é uma criação recente no mundo luso-brasileiro, e antes de sua difusão as pessoas eram sepultadas dentro das igrejas católicas. A explosão demográfica e as possibilidades de propagação de doenças acarretavam a proibição desse costume. Houve mesmo revoltas populares durante a fundação dos primeiros cemitérios no país, e uma delas,

ocorrida em Salvador, no ano de 1836, foi liderada por um coronel e batizada de Cemiterada. Mesmo com a implantação de cemitérios laicos, a Igreja Católica continuou com o controle do novo espaço, impedindo muitas vezes que nele fossem enterrados cristãos de confissão protestante, assim como muçulmanos e judeus.

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A ocupação dos cemitérios obedece, geralmente, a critérios religiosos, econômicos ou sociais. Os principais cemitérios religiosos no Brasil foram destinados aos protestantes históricos e judeus. Com o surgimento de outras comunidades etnoculturais, surgem mais cemitérios exclusivos. Essa tendência, entretanto, não é nova: no povoado sergipano de Samambaia, município de Tobias Barreto, há muito existem dois cemitérios distintos: um laico, para os católicos, e outro para acatólicos, sobretudo presbiterianos de origem cristã-nova portuguesa. Há notícias mesmo de que no Maranhão, em Barra do Corda, ainda existe um cemitério para brancos e outro para negros.

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Nas grandes cidades, porém, prevalece a

divisão econômica, com cemitérios para ricos e outros para pobres.

Para melhor ilustrar a riqueza de

informações e experiências estéticas que esse espaço social pode oferecer, tomaremos como exemplo o cemitério São João Batista, situado no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. Fundado em 1851, pela Santa Casa de Misericórdia, o São João Batista sempre teve grande relevância social na vida da cidade. Ficava próximo da Corte, e foi o último endereço de nobres e altos funcionários do Império. Depois, com o advento da República, passou a acolher presidentes, ministros, artistas populares e gente comum.

Sua entrada principal, na rua General

Polidoro – o próprio Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão, visconde de Santa Teresa (1802-72), está sepultado no cemitério –, desemboca na grande alameda central, que os coveiros chamam de “Vieira Souto” (nome de uma elegante avenida na abastada zona sul carioca), e onde repousam grandes personalidades da história brasileira. Logo no início, o túmulo do príncipe Sebastião de Belford (falecido em 1911) traz uma lápide sóbria, decorada com o brasão familiar, dois leões por timbre e o retrato de Sua Alteza num medalhão. Perto dele está o singelo túmulo do marechal Costa e Silva (1902-69) e sua esposa, e do outro lado da alameda descansa, sob a sombra de uma árvore, o compositor Tom Jobim (1927-94). Mais ao fundo se encontra o túmulo de Vicente Celestino (1894-1968) – e de sua esposa, a cantora Gilda de Abreu (1904-79) – o roubo do busto que o encimava, em 2004, ganhou os noticiários policiais, e o tornou nacionalmente conhecido. No fim da alameda está o impressionante cenotáfio – túmulo ou monumento fúnebre em memória de alguém cujo corpo não jaz ali sepultado – do inventor Santos Dumont (1873-1932); e defronte, num túmulo de mármore negro, jaz a cantora e atriz Carmen Miranda (1909-55).

Mas não é apenas pelos túmulos de

personalidades históricas que o São João Batista deve ser visitado. De fato, trata-se de um verdadeiro museu a céu aberto, onde se pode desfrutar de um acervo artístico da mais

alta qualidade. Grandes escultores trabalharam em obras com finalidade cemiterial. Clarival do Prado Valladares (1918-83), pioneiro no estudo sistematizado dos cemitérios brasileiros, aponta obras significativas do São João Batista, como o imponente portão de entrada, a mulher reclinada que encima a sepultura de Braúlia Pascoal Lopes Machado (1881-1913), a estátua da filantropa Clarice Índio do Brasil (1864-1919) e a alegoria da desolação no túmulo do barão Jaime Smith de Vasconcelos (1884-1933). Outras obras, no entanto, também chamam a atenção, a exemplo da linda escultura do túmulo de Rodolpho Bernardelli (1852-1931), esculpida pelo próprio.

Através da observação de estátuas e

lápides, pode-se conhecer melhor a vida de um personagem ou as características de uma época. Pois, se o morto não pode mais nos contar sobre sua vida passada, muitas vezes seu túmulo pode. Trata-se de um recado congelado no tempo, uma tentativa atemporal de diálogo com os vivos, que se dá através de símbolos e textos agregados. Algumas informações aparecem claras, como notações de locais e datas de nascimento e morte. Outras, porém, são passadas através de sinais que poderão ser decodificados pelo espectador mais atento.

Também é possível identificar os

pensamentos que marcaram a cidade do Rio de Janeiro. Basta contar as cruzes, as imagens cristãs de Jesus e dos santos católicos, mais as centenas ou os milhares de epígrafes políticas que encontramos no São João Batista, para ver a importância do catolicismo e do positivismo na vida carioca. Esses sinais são encontrados até em túmulos de personagens que não demonstraram em suas vidas esse engajamento, mas cujas famílias pertenciam a tais linhagens espirituais. No jazigo da família Heilborn, onde repousa o jornalista “ateu” Paulo Francis (1930-97), está a legenda evangélica: “eu sou a ressurreição e a vida. João II. 25”. E, no da cantora Marília Batista (1918-90), a princesinha do samba, vem a divisa de Augusto Comte: “o amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim”. O pai da cantora era um oficial do Exército. Ao lado dessa influência cristã e positivista, há também sinais da presença do ocultismo e da maçonaria –

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como o ramo de acácia, que é símbolo do imutável e da imortalidade da alma, e também marca quem passou por uma iniciação e conhece alguns mistérios. Outro exemplo é a capela em forma de pirâmide egípcia, guardada por uma figura feminina e uma esfinge, onde está sepultado Henrique Hermeto Carneiro Leão, barão do Paraná (1874-1916), e que registra sua iniciação ao ocultismo. Os túmulos de judeus e muçulmanos são identificados pela estrela de Davi e o crescente, respectivamente.

Há também as insígnias profissionais: símbolos que identificam as atividades exercidas em vida. Muitas vezes é encenado um pequeno episódio da vida laboral. O dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-80), por exemplo, tem o seu busto em frente a uma velha máquina de escrever. Já o almirante Eduardo Wandenkok (1838-1902), homem da Marinha, tem uma bóia e uma âncora. No túmulo do compositor Ari Barroso (1903-64), encontra-se uma figura alegórica: uma musa tristonha carregando um pandeiro – alegoria da saudosa e saudosista música do compositor. É preciso estar atento, pois muitos símbolos se confundem com elementos decorativos e podem passar despercebidos. É o caso das papoulas que representam o sono eterno, da ampulheta que lembra a brevidade da vida, da coluna partida anunciando a vida interrompida por um acidente, do pelicano que ressalta o

amor materno, ou da coruja que simboliza a paciência e a sabedoria.

Eis o cenário do São João Batista,

freqüentado diariamente por uma pequena multidão – desde pessoas do bairro que o utilizam para cortar caminho, funcionários da administração, trabalhadores da limpeza e coveiros, até os empreiteiros que cuidam das sepulturas. Mas o cemitério também conta com suas próprias histórias e personalidades. Uma delas foi dona Ottilia Manfredi, falecida em 2000, e que desde 1946 visitava o túmulo do filho aviador, morto num acidente aéreo, e que, nas ocasiões do seu aniversário, brindava os coveiros com uma bebida chamada leite-de-onça, mistura de cachaça, leite condensado e chocolate. Outro ilustre é o Sr. Jaime Sabino, vulgo Jaiminho, antigo figurante de chanchadas, e que desde a morte de Getúlio Vargas freqüenta as capelas onde se velam as celebridades. Sua figura diminuta e compungida é facilmente identificada nas fotografias do sepultamento de famosos. E, como não poderia faltar, o sobrenatural também tem seu representante: o mítico bode centenário que assusta as pessoas com suas aparições no morro de São João. Ninguém viu, mas ele também é parte da história do local.

PAULO VALADARES é mestre em

História social pela Universidade de São Paulo (USP).

O chão dos pretos novos

Em 1996, Ana Maria de lãs Merced González tomou um susto quando reformava sua casa na

rua Pedro Ernesto nº 36, na Gamboa. Surgiram, no chão do quintal, tíbias, crânios e outros ossos humanos em grande quantidade. Arqueólogos identificaram ali um antigo cemitério de africanos do século XIX.

O espaço era destinado aos escravos que, enfraquecidos pelos traumas da captura e da viagem, morriam na cidade antes de serem comercializados. As autoridades no tema consideram o local como o maior sítio arqueológico afro-americano, e o segundo cemitério dos pretos novos encontrado.

É interessante notar como a localização geográfica e a dinâmica dos cemitérios refletem o ordenamento social da época. Por exemplo, quem já residia no país se filiava a uma Ordem Terceira católica e esta lhe fazia o sepultamento. No centro velho do Rio, as Igrejas de Santo Elesbão e Santa Efigênia, da Lampadosa e Nossa Senhora do Rosário cumpriam este papel. Já os pretos novos, recém-chegados da África, eram simplesmente jogados em buracos abertos no solo, num terreno próximo aos armazéns de compra e venda de escravos, primeiro na praça de Santa Rita, no Castelo, e depois na Gamboa.

O cemitério dos pretos novos não segue os moldes tradicionais, com sepulturas dispostas em quadras, que formam ruas. Nele não há lápides nomeando os inumados. A descoberta do cemitério poderá lançar luz sobre esse tumultuado período da história afro-brasileira.

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Para refletir...

Esta história é sobre um soldado que finalmente estava voltando para casa, após a terrível guerra do Vietnã. Ele ligou para seus pais, em São Francisco, e lhes disse:

— Mãe, Pai, estou voltando para casa, mas eu tenho um favor a lhes pedir. — Claro meu filho, peça o que quiser! — Eu tenho um amigo que gostaria de trazer comigo. — Claro meu filho, nós adoraríamos conhecê-lo!!! — Entretanto, há algo que vocês precisam saber. Ele foi ferido na última batalha que

participamos. Pisou em uma mina e perdeu um braço e uma perna. O pior é que ele não tem nenhum lugar para onde ir. Por isso, eu quero que ele venha morar conosco.

— Eu sinto muito em ouvir isso filho, nós talvez possamos ajudá-lo a encontrar um lugar onde ele possa morar e viver tranqüilamente!

— Não, eu quero que ele venha morar conosco! — Filho, disse o pai, você não sabe o que está nos pedindo. Alguém com tanta dificuldade,

seria um grande fardo para nós. Temos nossas próprias vidas e não podemos deixar que uma coisa como esta interfira em nosso modo de viver. Acho que você deveria voltar para casa e esquecer este rapaz. Ele encontrará uma maneira de viver por si mesmo...

Neste momento, o filho bateu o telefone. Os pais não ouviram mais nenhuma palavra dele. Alguns dias depois, no entanto, eles receberam um telefonema da polícia de São Francisco. O

filho deles havia morrido depois de ter caído de um prédio. A polícia acreditava em suicídio. Os pais angustiados voaram para São Francisco e foram levados para identificar o corpo do filho.

Eles o reconheceram, mas, para seu horror, descobriram algo que desconheciam: o filho deles tinha apenas um braço e uma perna.

(Anônimo)

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O inferno de nossa vida supera o de Dante no ponto de que cada um de nós é o demônio do seu vizinho. Há

também um arquidemônio, a quem os outros obedecem: é o conquistador, que dispõe os homens uns

em frente dos outros e lhes grita: "Vosso destino é sofrer e morrer; portanto, matem-se

mutuamente".

E assim procedem os homens.

— Arthur Schopenhauer – 1788 / 1860 (Filósofo alemão)

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Contos O pesadelo que dominou um mundo

Por Alessandro Reiffer

Em nossa época pós-moderna, onde a expressão máxima da literatura se constitui em piadinhas à moda Casseta e Planeta, época de medíocre superficialidade, onde tudo é levado na brincadeira, onde o que possui valor não são as qualidades internas, mas as agradáveis aparências, geralmente enganosas, onde o caminho mais curto para o sucesso é o apadrinhamento e a bajulação mútua, é possível que as palavras que virão a seguir soem um tanto antiquadas, por serem pesadas e horríveis, ainda que não haja nada mais moderno que o horror. Mas deverei publicar na íntegra o que ocorreu com aquele jovem naquele distante planeta desconhecido. A partir deste momento, ficaremos com as próprias palavras do estranho ser alienígena: “Eu, deitado em meu leito por altas horas da noite, tentava dormir, quando, por acaso, principiei a observar dentro de mim, em minha mente, em minha psique, algo como uma série de vozes desencontradas, como se eu fosse internamente habitado por inúmeros seres que falavam ao mesmo tempo. Eu lutava para me concentrar em um único ponto, porém não conseguia, era-me impossível uma verdadeira concentração, pois não obtinha êxito em manter a mente fixa em um só pensamento nem por míseros três minutos. Vários pensamentos conflitantes surgiam-me simultaneamente, lembranças, desejos, sonhos, temores, ódios, cada um acompanhado de seus sentimentos correspondentes, em absurdas vozes que viviam dentro de mim. E tais pensamentos e emoções em mim se manifestavam não pela minha própria vontade, não era eu que os queria, eles surgiam em meu interior involuntariamente, e não conseguia controlá-los. E percebi que isso era o natural de minha espécie, durante todo nosso cotidiano somos vítimas de pensamentos e emoções que não desejamos e não dominamos e disso não nos damos conta. “E ocorreu que em determinado momento senti que aquelas vozes que em mim habitavam principiaram a desprender-se de minha psique, pareciam querer assumir uma existência externa, o que de fato confirmou-se. De súbito, fui cercado por uma infinidade de seres que eram todos partes do meu próprio eu, por entidades psíquicas que personalizavam meus erros, minhas fraquezas, meus desejos, a totalidade de meus defeitos. Formavam-se às dezenas, às centenas, aos milhares, todos com faces monstruosas e diabólicas, mas que tenuemente semelhavam-se à minha própria fisionomia.

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“Olhavam-me de forma lugubremente odiosa, rindo sarcasticamente de meu estado de febril alucinação e pavor. E então verifiquei que aqueles seres, na verdade meus próprios filhos, pois vieram de meu interior, iniciaram a fundir-se em apenas uma representação física que possuía o meu exato aspecto. Todos aqueles demônios se transformaram em um único ente, que era o meu sósia em perfeição absoluta. Em seguida, o sósia deixou o meu quarto. “Dos diabos que havia divisado anteriormente, restaram apenas dois, com enormes asas de dragão, os quais vieram até mim, agarraram-me pelos braços e carregaram-me para fora de meu aposento. Fui levado à força para um local fantástico, de elevadíssima altura, de onde podia vislumbrar toda a minha cidade e ainda o interior de qualquer residência, como se possuísse alguma espécie de visão raio-x. Os demônios ordenaram-me para observar com detalhada atenção tudo o que acontecia na cidade. Então vi que nela estava meu sósia, a infame união daqueles seres satânicos, que havia assumido o meu lugar existencial. Sim, absurdamente, eles realizavam todas as ações que eu deveria realizar, no trabalho, na família, em toda a sociedade. Contudo, tudo o que aquele sósia executava era terrivelmente perverso, infinitamente maligno, e quem levava toda a culpa, não obstante, era eu. “Não suportava mais tamanha tortura e tentei me libertar dos demônios que me subjugavam, protestando e gritando desesperado que não era eu quem cometia aquelas maldades,

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que era um impostor, porém foi tudo inútil, somente obtive mais deboches dos diabos. Foi nesse instante que percebi que ao meu redor havia outras pessoas no mesmo estado que eu, isto é, que haviam sido trazidas por outros demônios particulares para aquele local de funesta e vertiginosa altura e obrigados a ali permanecer contemplando a cidade. Eram milhares de habitantes da mesma cidade. Muitos, conhecidos meus, e, para meu maior assombro, pude verificar estarrecido que todos eles também possuíam seus sósias, os quais usurparam seus lugares no mundo físico e ali viviam cometendo as mais bestiais atrocidades. “Em poucas palavras posso dizer que nós, os autênticos humanos, fomos expulsos de nossa própria existência, cedendo lugar a demônios nascidos de nós mesmos, e que agora ocupavam nossas vidas, realizando os mais horrorosos e degradados atos, estando nós absolutamente impotentes e desesperados diante de um pesadelo além de qualquer descrição verbal. “No entanto, creio que posso, em poucas linhas, transmitir uma débil idéia do horror catastrófico que presenciei como um escravo dos meus próprios males. Lá embaixo, ocupando o meu lugar e os lugares de todos os meus conterrâneos, nossos sósias demoníacos vivenciavam nossas existências como se tudo fosse absolutamente normal e corriqueiro, como se a perversidade, a inveja, a hipocrisia, a inversão de valores, o desprezo pela espiritualidade e pelos profundos sentimentos, pela honestidade e pela decência, pela arte e pelo belo fosse uma abominável regra geral. Todos os sósias, sem exceção, tão-somente buscavam o prazer vazio, sem o mínimo de sentido para a vida, em um consumismo impiedoso, alienado e sem freios, aniquilando rapidamente a totalidade dos recursos naturais. “Os dias passavam, os anos passavam, e eu e meus desgraçados companheiros de tortura permanecíamos dominados pelos diabos, contemplando o horror, a desolação que tomava conta de toda cidade. Observávamos dilacerados o crime e a violência imperarem absolutos, a falsidade e o reinado da aparência sendo guias e mestres de toda uma população. Eu fui a testemunha impotente do assassinato por motivos fúteis, do estupro hediondo, da execrável prostituição infantil, da inaceitável exploração humana em todos os níveis e categorias. Vi o horror desfilar diante de meus olhos e eu fazia parte dele, lá estava o meu sósia imbecilizado e depravado como todos os outros, descendo os degraus da mais baixa degeneração, esquecido de toda vergonha moral e orgânica, escravizado por uma mídia vazia e alienante. Eu gritava em completa desesperança para que aqueles diabos me libertassem e permitissem que eu reassumisse minha própria vida, mas minhas forças sucumbiam, e só me restava chorar em negra fatalidade. “Olhei ao meu redor e vi que todos os meus companheiros do inclemente horror faziam o mesmo, enquanto contemplavam o vício, o egoísmo, a ganância, a destruição, que se alastravam desimpedidos e triunfantes por um cenário de perfeita degradação ambiental. Da feral altura em que me encontrava, eu observava todos os nossos rios serem estupidamente poluídos, nossas matas devastadas, nossos animais massacrados, nossos ares contaminados, enquanto a multidão iníqua e inconsciente dos sósias ria e se fartava em festas imbecis, regadas a imundas músicas degradantes, contentes e satisfeitos com seu estado de infernal degeneração e miséria. “E após fui levado para outras regiões, para outras cidades e lá vi mais humanos prisioneiros e, abaixo, os seus sósias corrompidos, imperando vitoriosos. Não mais havia uma só gota do que chamávamos de amor. O mundo inteiro fora dominado pelo mais aterrador dos pesadelos, enquanto eu, berrando que meu sósia não era eu, lutava como um louco para me libertar. “Foi então que, desvairado, acordei-me. Tudo havia acabado, para meu lancinante alívio. E eu, ainda profundamente transtornado, refletia sobre o absurdo pesadelo que tivera, pensando comigo que não seria possível que em algum planeta do universo uma população vivesse naquele mesmo estado de minha alucinação. Não, impossível um planeta chegar a tão decadente nível de existência... só mesmo em um pesadelo...”.

Até aqui as palavras e o pesadelo daquele distante ser alienígena.

Alessandro Reiffer é escritor e poeta.

Autor do livro “Contos do Crepúsculo e do Absurdo” [email protected]

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Espelho Reverso

Por Sr. Arcano

A morbidez a consumia. Ela estava se decompondo, olhos pesados e inchados pareciam cair. Não tinha coragem de abrir a boca, não lhe vinha uma palavra!

Ela queria desmaiar, dormir, e enfim... descansar. Afinal, quanto tempo se passou na frente daquele espelho? Ela não sabia, mas parecia muito tempo. Talvez semanas...

Não escrevia – fazia garranchos no papel. Coisas que ela não sabia se iria lembrar. Deixou-se levar pelos sonhos. Não quis se levantar da cadeira. Estava cansada, como se fosse por dentro e por fora, de corpo e alma. Degradando-se a cada movimento gesticulado forçosamente, como que por obrigação, sua

não-vida assemelhava-se à decomposição que sentia em sua feição de acabada. E estava perdendo sangue, que escorria de seu rosto, terminando em várias gotas sobre os

papéis em sua mesa, que na verdade estavam com diversas marcas de sua garrafa de vinho, que vez ou outra ela usava como peso para os mesmos. Foi nesse momento de embriaguez que ela se perdeu...

A deterioração, para ela, era uma descoberta: foi através desse estado que se deu conta das habilidades que ia, aos poucos, perdendo.

Então, de repente, ela percebe: tudo não passava de ilusão. Todas as suas ações aconteciam de forma automática, sem nem ao menos precisar pensar

ela simplesmente se entregava. E somente agora percebia isso. Em seu diário, ela escrevia suas conclusões sobre tudo o que lhe ocorreu quando, por

algum motivo que não sabia explicar, viu sua própria imagem deturpada naquele espelho que tinha acabado de comprar.

Uma mulher tão linda, violada pelo seu reflexo aterrorizante no espelho. Mas ela não se assustou porque, de alguma forma, conseguia tirar conclusões estranhas e verdadeiras daquela imagem.

Sua podridão, sua aparência terrível naquele espelho, nada disso era real, mas a realidade que ela julgava como verdadeira mostrava-se falsa diante daquele espelho, e a mulher descobriu que existem certas verdades que não podemos suportar. Por isso, algumas pessoas resolvem ignorá-las. Mas ela não. Tanto que encarou bem de perto sua imagem monstruosa naquele estranho e misterioso espelho, vendo sua boca, bem de perto, desmanchando-se em sangue e pústulas ao redor de seus dentes podres.

Era um aviso, que ela ignorou até aquele momento em que bebia seu vinho envenenado, anotando em seu diário todos os motivos que a fizeram perder o sentido da vida.

E com seus lindos lábios, beijou o espelho. Não se contentando, ela o lambeu. E ainda insatisfeita, esfregou todo o seu corpo com movimentos lascivos na esperança de que pudesse sentir seu reflexo, mas nada sentiu a não ser a superfície lisa.

Porém, agora ela estava escrevendo. Sabia que não poderia sentir o que, na verdade, não tinha certeza se era real.

Moça insistente... mesmo com o espelho mostrando sua fraqueza, seu vício, ela não se sentia satisfeita. Queria tocar! Queria ter a certeza de que sua terrível conclusão era verdadeira, ou apenas mais uma ilusão.

Mas no fundo, bem no fundo, ela não precisava daquele espelho. Provas? Com que finalidade? Apenas para comprovar o que ela de fato já sabia? Porque se por um lado seu maior erro foi desistir de viver, agora ela finalmente encontrava

as respostas. O problema é que ela se recusava a aceitar. E esse era exatamente o problema: ela não se

conformava com seu destino inevitável, que era sua fraqueza. E o pior: ela não aceitava que isso, de fato, era sua fraqueza.

Indo direto ao assunto, seu problema era o sexo. Ela gostava, e muito.

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E era para aquele espelho ficar no teto, mas ao ver aqueles estranhos reflexos, ela desistiu

de o fixar acima da cama, ficou horrorizada. De início, ela não entendeu bem, mas ao analisar curiosamente todos os detalhes, percebeu

que certas conclusões invadiam sua mente como uma bofetada. O sexo perdeu o sentido que tinha antes. Agora ela aceitava que era um vício que

dificilmente conseguiria largar. Uma ou duas vezes por dia, às vezes três. Era como o cigarro. Se ficar um dia sem, já aumenta o nervosismo. E quanto mais dias nessa abstinência era pior, ela não podia ver um homem na rua que ficava observando os detalhes, imaginando como seria fazer sexo com ele.

Ora, suas conclusões agora eram quase esclarecedoras. O sexo, na verdade, não passa de um meio que um homem e uma mulher possuem para se ter um bebê, e assim cumprir a responsabilidade humana da procriação e, de forma mais profunda, ensinar e moldar uma pessoa de forma que ela se torne digna, talentosa, boa, valorosa, etc.

Fora isso, que utilidade mais teria? Apenas o fato de que é bom fazer, e se ela gostava teria que fazer para se sentir bem, como uma droga? Se esse era o seu significado, então o espelho tinha razão ao mostrar aquele seu reflexo deturpado, porque ao fazer sexo na frente dele, sem deixar o parceiro perceber tal espelho escondido estrategicamente, ela via imagens que diziam mais que suas simples definições.

Ela via duas pessoas, que de forma egoísta, queriam possuir o corpo um do outro. Era o sentimento de posse que imperava, e nada mais que isso! Era esse sentimento que despertava a natureza animal de dentro de suas entranhas, onde o amor nada mais era que um outro sentimento completamente diferente, reduzido às limitações da carne.

E agora, já com as respostas, e com os cotovelos apoiados sobre a mesa, após anotar essas suas observações em seu diário, ela pergunta pela décima vez ao espelho: “Existe lugar melhor do que o lado em que eu vivo?”.

Aquele lugar, que parecia ser seu quarto, não era. Aquele reflexo, que parecia ser o seu, também não era. Só havia uma realidade: o quarto era a prisão de sua alma, e o reflexo a representação de

seu caráter. Como que por instinto, ela vira o diário aberto na direção do espelho, e o que vê escrito no

reflexo a deixa boquiaberta. Esse mesmo diário agora finalizava suas anotações de forma conclusiva e esclarecedora: “Se o seu lado é tão bom, você não estaria aqui. Não insista, e aceite o fato de que você não vive mais do seu lado”.

Estarrecida, a mulher joga sua garrafa de vinho contra o espelho, tão forte que o deixa em pedaços.

Foi o seu fim. Perdeu o controle, e estilhaçou sua alma. Mas duas coisas ficaram do outro lado: o diário, que além de suas anotações sobre o

espelho, continha como desfecho apenas sua última pergunta feita dez vezes, sem a resposta escrita; e o espelho, intacto.

Seu corpo decrépito ainda se deteriora no túmulo, bem depois do espelho “quebrar”, e bem antes também.

Sr. Arcano é escritor e poeta.

Autor de “Sete Sombras e Uma Vela” [email protected]

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Envie seu conto soturno para: [email protected] Seu texto será publicado para ser lido por nossos assinantes, e seu nome ficará conhecido

entre centenas de leitores no Brasil e em Portugal. Você também pode enviar poemas, fotos, ilustrações, matérias e artigos. Além de poder

participar, caso possua um projeto musical, de nossa coletânea musical Soturna.

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Queixas Noturnas Por Augusto dos Anjos – Poeta brasileiro (1884 – 1914)

Quem foi que viu minha Dor chorando? Saio. Minh’alma sai agoniada.

Andam monstros sombrios pela estrada E pela estrada, entre estes monstros, ando!

Não trago sobre a túnica fingida As insígnias medonhas do infeliz Como os falsos mendigos de Paris Na atra rua de Santa Margarida.

O quadro de aflições que me consomem

O próprio Pedro Américo não pinta... Para pintá-lo, era preciso a tinta

Feita de todos os tormentos do homem!

Como um ladrão sentado numa ponte Espero alguém, armado de arcabuz, Na ânsia incoercível de roubar a luz, Estou à espera de que o Sol desponte!

Bati nas pedras dum tormento rude

E a minha mágoa de hoje é tão intensa Que eu penso que a Alegria é uma doença

E a Tristeza é minha única saúde.

As minhas roupas, quero até rompê-las! Quero, arrancado das prisões carnais,

Viver na luz dos astros imortais, Abraçado com todas as estrelas!

A Noite vai crescendo apavorante

E dentro do meu peito, no combate, A Eternidade esmagadora bate Numa dilatação exorbitante!

E eu luto contra a universal grandeza

Na mais terrível desesperação... É a luta, é o prélio, enorme, é a rebelião

Da criatura contra a natureza!

Para essas lutas uma vida é pouca Ainda mesmo que os músculos se esforcem;

Os pobres braços do mortal se torcem E o sangue jorra, em coalhos, pela boca.

E muitas vezes a agonia é tanta

Que, rolando dos últimos degraus,

O Hércules treme e vai tombar no caos De onde seu corpo nunca mais levanta!

É natural que esse Hércules se estorça,

E tombe para sempre nessas lutas, Estrangulado pelas rodas brutas

Do mecanismo que tiver mais força.

Ah! Por todos os séculos vindouros Há de travar-se essa batalha vã

Do dia de hoje contra o de amanhã, Igual à luta dos cristãos e mouros!

Sobre histórias de amor o interrogar-me É vão, é inútil, é improfícuo, em suma; Não sou capaz de amar mulher alguma

Nem há mulher talvez capaz de amar-me.

O amor tem favos e tem caldos quentes E ao mesmo tempo que faz bem, faz mal;

O coração do Poeta é um hospital Onde morreram todos os doentes.

Hoje é amargo tudo quanto eu gosto;

A bênção matutina que recebo... E é tudo: o pão que como, a água que bebo,

O velho tamarindo a que me encosto!

Vou enterrar agora a harpa boêmia Na atra e assombrosa solidão feroz Onde não cheguem o eco duma voz E o grito desvairado da blasfêmia!

Que dentro de minh’alma americana

Não mais palpite o coração – esta arca, Este relógio trágico que marca

Todos os atos da tragédia humana!

Seja esta minha queixa derradeira Cantada sobre o túmulo de Orfeu;

Seja este, enfim, o último canto meu Por esta grande noite brasileira!

Melancolia! Estende-me a tua asa!

És a árvore em que devo reclinar-me... Se algum dia o Prazer vier procurar-me Dize a este monstro que eu fugi de casa!

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Autodidata até os últimos 3 anos quando cursou faculdade de Artes, a inspiração inicial foram os cavalos, onde especializou-se em retratar raças, mas o aspecto obscuro das emoções humanas e das paixões afloram timidamente nos traços ainda em aprimoramento...

Inspiração e admiração na arte e técnicas de Luis Royo, e nos vários aspectos da vida e obra dos grandes mestres da história principalmente

Caravaggio, Vermeer, Van Gogh... a lista não tem fim... o filósofo admirável Nietzsche, o poeta Baudelaire. Executa seus trabalhos ao som

de Tristania, Nox Arcana, Tiamat, apesar do ecletismo.

Soturna - Luciana, você é uma pintora, desenhista, ilustradora que tem se dedicado muito à

sua arte e ama o que faz. Podemos perceber isso em sua constante atividade nesse meio. O Brasil tem sido um país promissor nessa área artística?

Luciana - O Brasil tem um potencial de desenvolver talentos na arte visual e em todas as expressões, de comunicar seus ideais de um modo único, porque é um país de uma diversidade cultural riquíssima e promissora, basta apenas haver uma visão mais aberta dos investidores de que o ponto de partida para esse desenvolvimento acelerar mais é promover a melhor qualidade na educação e conseqüentemente, criará mais leitores, mais apreciadores, que é a origem deste mercado crescer ainda mais, é como uma reação em cadeia.

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EEnnttrreevviissttaa

Luciana Waack

[email protected]

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Soturna - Como você procura desenvolver o Soturnismo em seus trabalhos? Luciana - Desenvolvo o foco na ambientação do personagem escolhido, os gestos, posições

que requerem um conjunto de características especiais do Soturnismo, às vezes é preciso ir muito além da tonalidade sombria e da expressão marcada. Comunica muito.

Soturna - O que mais lhe influencia na hora executar as ilustrações? Luciana - Além da tentativa de alcançar um estágio de perfeição que idealizo, a influência de

artistas famosos do gênero, a música inspiradora, e os textos que nos transportam para esse mundo, que procuro retratar do modo mais fiel possível.

Soturna - Você costuma captar que tipos de sentimentos para seu trabalho? Luciana - Os sentimentos são de exaltação, parece estranho, mas são antagônicos às imagens,

é como uma maldição, não olhar com os mesmos olhos que um apreciador. Soturna - Muitos sites e publicações alternativas possuem sua colaboração nas ilustrações, principalmente na área sombria, como por exemplo trabalhos sobre vampiros, terror e assemelhados. De onde vem esse seu gosto por esse lado artístico? Luciana - Sim, e estou muito contente em levar os meus trabalhos para esses lugares. Surgiu na faculdade, quando desenvolvia o desenho de esquema corporal, os meus modelos e os resultados praticamente pediam algo mais, acho que o material que uso também é absorvido por esse teor, é como se já estivesse lá, pronto. Ah... a origem é o estudo e desenvolvimento de muitos anos. Penso que não se constrói uma certeza que você faz, é realmente o seu objetivo até o momento em que observamos os resultados, e todos são positivos, nesse caminho, mas nunca deixar de experimentar todas as facetas do diamante para saber

qual delas é a que

do

brilha mais.

Soturna - Você também já expôs seus trabalhos em sua região, como divulgou em fotos de seu site de relacionamento. Como foi a exposição, e a reação do público?

Luciana - Sim, foram exposições realizadas na faculdade, e tivemos uma variedade de visitantes que surpreenderam, tanto na reação, quanto nos resultados. A impressão foi uma vontade latente de participar mais, interagir, questionar. Poucos fizeram isso, talvez se houvesse mais eventos culturais que envolvam esse tema...

Soturna - Você acredita que uma pintura soturna possa chocar

e causar polêmica? Luciana - Isso vai depender do ambiente em que ele é

apresentado, do tipo de público que estará em contato com ele. O que pode chocar, causar polêmica? O que choca e causa polêmica são os contrastes.

Saber posicionar um elemento que estrategicamente terá receptividade será bom, mas ficará pouco na memória de quem observou, ou por outro lado ficará gravado, mas não terá receptividade. Deve-se buscar um meio convergente desses pontos e torná-los atraentes, com elementos que abriguem algo em que o público-alvo se identifique. 32

“Amor”, por Luciana Waack

“Bufão”, por Luciana Waack

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Soturna - E o que você acha do gosto peculiar dessa nossa geração de soturnos? Luciana - É um espelho, um reflexo do nosso ponto de vista do que nos rodeia como se

alguém conseguisse descobrir que o bem não é bom, e o mal não é mau (é a realidade social contemporânea), seria tão soturno quanto ao olharmos para dentro de nós mesmos? Fazemos parte desse mundo que vemos? Ou é em que o estamos transformando?

Soturna - Que técnica você costuma mais usar em seus trabalhos? Luciana - Cada tema e modelo requer um material ou a combinação de algumas variedades. Mas tenho preferência no grafite, pastel seco, nankin, carvão, aquarela. Procuro sempre inovar, explorar materiais diferentes sobre suportes (papel) diversos. Na minha tese de conclusão de curso eu questionei se ilustração é arte, e descobri que existe uma diferença tênue, que divide as opiniões: a narrativa contida na imagem, quando ela já se prontifica para ser lida, imediatamente (isso quer dizer que logo já sabemos do que se trata), ou àquela que é preciso decifrá-la. Ou mesmo o cuidado que é preciso ao interpretar um texto, para a imagem ter a delicadeza de conduzir a ler mais, e não matar o texto contendo em si o seu desfecho.

Soturna - Qual foi sua experiência mais marcante na arte? Luciana - Todas foram e são importantes. Eu não conseguiria demonstrar reação diferente

com relação a algum trabalho em particular porque a cada nova produção é uma descoberta, e o resultado de pesquisas empolgantes. Nenhum tema é desenvolvido sem antes saber o porquê de cada detalhe empregado.

Soturna - Quais são seus artistas contemporâneos

favoritos? Luciana - Luis Royo, Jun Matsui, Vik Muniz,

Kent Williams….são apenas alguns… Soturna - Para finalizar, fale sobre seus trabalhos

mais recentes. Luciana - Atualmente estou providenciando

algumas séries a partir de experiências que envolvem técnicas e temas deste universo com o intuito de publicar uma coletânea, mas acho que é um projeto ainda em fase inicial, com muitos itens a serem desenvolvidos.

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“O Doador de Esmolas” por Luciana Waack

Luciana - Perfil

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CD Soturna – Coletânea – Volume 1 Vamos conhecer um pouco sobre o CD feito especialmente para esta edição da revista

Organizador: Sr. Arcano

e

Nox Arcana - "Darkest Hour" - Essa canção é do álbum Shadow of the Raven, em que mergulhamos no assombrado reino de Edgar Allan Poe. Nox Arcana presta homenagem aos contos clássicos da literatura do mestre do macabro com um exuberante musical de elegância e estilo gótico vitoriano, povoado por pesadelos. Este som sombrio de melodias fantasmagóricas e lúgubres, com diversos efeitos sonoros e orquestras ameaçadoramente estranhas, é acompanhado pela arte de Joseph Vargo, representando contos clássicos de horror dPoe.

Lacrimosa - "Der Kelch Des Libens" - Esta canção é do álbum Inferno, e sua tradução correta seria "O cálice da vida". Um dos álbuns mais conhecidos da banda, que deixou sua marca com as canções "Chacal" e "Copycat".

Apocalyptica - "Farewell" - Canção do álbum de mesmo nome, "Apocalyptica". Conjunto musical que se caracteriza por usar apenas violoncelos em suas performances. Dr. Arthur Krause - "The Beginning of the End" - Canção do álbum "When Love is Dead". Banda que incorpora o estilo "dark", desempenhando um tipo de synth/rock. Usam sintetizadores, samplers, guitarras, baixo elétrico e as drummachine Yamaha RX5.

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Faith and The Muse - "Hollow Hills" (cover de Bauhaus) - Este cover faz parte do álbum tributo à banda Bauhaus, famosa nos anos 80. E é um dos sons mais sombrios da banda.

Umbra Et Mago - "No Time to Cry" (cover de The Sisters of Mercy) - Outro cover, feito para mais uma banda dos anos 80. Uma das músicas mais conhecidas da banda The Sisters of Mercy, executada por Umbra Et Imago, banda alemã conhecida por seus shows excêntricos envolvendo visuais góticos e abundante sexualidade nos temas.

A

Batzz in the Belfry - "O Holy Night" - Do álbum "Sparks Fly Upward", esta canção é apenas uma das várias em que a banda executa um belo trabalho com clima noturno e sombrio. Days are Nights - "D"Sounds of the End".revelações atuais, que

ançando em Meio a Guerra" - Canção do álbum banda brasileira Days are Nights é uma das

tem se destacado em shows feitos em São Paulo.

Virgin Black - "Our Wings are Burning" - Canção soturna da aclamada banda Virgin Black. Pertencente ao álbum "Elegant and Dying", o conjunto musical faz um trabalho triste e depressivo, cujas letras são baseadas em passagens bíblicas. Theatre of Tragedy - "And When He Falleth" - Canção de "Velvet Darkness they Fear", um dos primeiros álbuns da banda de gothic/doom metal. Nesta canção temos o diálogo entre uma moça cristã e o demônio.

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Tristania - "Midwintertears" - Do álbum "Widow's Weeds", esta é uma das canções mais conhecidas da banda. Que trabalha com temas obscuros e depressivos.

Midnight Syndicate - "Eclipse" - Projeto muito parecido com o Nox Arcana, que abre esta coletânea. Porém, com temas mais assustadores. Esta canção é do álbum Realm of Shadows.

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R$ 10,00 (para custos de frete e fabricação) FORMA DE PAGAMENTO:

Depósito: Favorecido – Alexandre de Lima M. de Souza Banco

Banco REAL Agência - 0262

Conta Corrente – 6729075-8 Envie e-mail para [email protected] informando número do depósito, e endereço

completo para recebimento do CD.

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CONTOS DO CREPÚSCULO E DO ABSURDO

Este livro de contos, o primeiro do autor, é uma constante narração de um Alessandro Reiffer que mais parece um personagem dele mesmo. Com todos os contos narrando uma história em primeira pessoa, não sabemos o limite entre personagem e autor. Muito semelhante ao modo de Narrar de Edgar Allan Poe, onde predomina como plano de fundo da narração uma opinião sobre a realidade, que no caso de Alessandro Reiffer é apocalíptica. Viajamos em sua mente através de histórias fantásticas, ambientadas em nosso próprio mundo, mas que sugerem uma visão bastante sugestiva de nossa decadência. Tanto que o leitor desavisado, não acostumado aos contos de Alessandro, pode chegar à conclusão precipitada de que trata-se de um escritor esquizofrênico. O que o próprio autor menciona em seu conto A Marcha da Morte: "E vi, como um relâmpago de intuição, que a esquizofrenia, por exemplo, era muito semelhante ao que eu passava, mas que em um âmbito exclusivamente interno". Porém, o que é quase certo mesmo em seus contos, é a maneira

que ele encontrou de professar seu estilo de passar ao leitor suas opiniões sobre a nossa sociedade decadente, principalmente a grande massa inculta que não se interessa por literatura, o que diríamos então pelo seu próprio livro! Um tapa na cara da futilidade contemporânea. Veja, por exemplo, a narração que ele fez de um convite que ele recebe de uma assombração no conto O Convite da Assombração: "A humanidade não tem futuro, e logo não haverá mais motivos para se fazer literatura. Vem, abandona a civilização e junta-te a nós. Junta-te a nós!". Você certamente diria que trata-se de um louco, mas Alessandro Reiffer é mais que isso. Ele é um escritor com influências de William Blake, outro escritor que no passado foi considerado louco, mandado para o hospício, e hoje é considerado gênio, e para alguns até um profeta. Mas, se pararmos para pensar, o que tem de normal nessa sociedade além do fato da sociedade não achar normal o que não se inclui em seu sistema de se viver? Parece irônico, mas o próprio autor não faz a mínima questão de ser normal, como admite em seu conto A floresta maligna: "...Era uma região estéril, improdutiva, que repeliria qualquer ser humano normal. Quanto a mim, não sou um ser humano normal". Ou ainda em seu conto Conto Grave de Catástrofe, Sangue e Vinho: "... agora narrarei minha história, a de um louco completo, sem nenhum cabimento...". E sem nenhum cabimento são suas histórias. Tem-se a impressão de que você entra num mundo fantástico povoado pelos mais estranhos seres e acontecimentos improváveis, mas que, no entanto, trata-se da própria realidade! Uma realidade distorcida, onde somos animais e monstros, loucos caminhando em um mundo de ilusões. Uma realidade que pessoas mundanas demais ignoram, vivendo num mar de futilidades sem fim, onde predominam a inveja, o caos, a violência, a depravação, a falsidade, o absurdo! Onde somos monstros que nós mesmos criamos, como os monstros de seu conto O Louco, quando dizem: "Nós somos o futuro da humanidade, somos criações de vocês, somos vocês mesmos". E assim permanecemos surdos, mudos e cegos perante à nossa própria autodestruição. Veja, por exemplo, como Alessandro Reiffer inicia seu conto Conto Grave de Catástrofe, Sangue e Vinho: "SOMENTE UM IMBECIL não percebe que a humanidade caminha, em passos firmes e decididos, rumo à autodestruição". E assim, somos felizes? Vamos à praia, parque de diversões, festas, etc... Mas... somos felizes? Ainda neste mesmo conto ele diz: "Afirmo que metade da humanidade é infeliz, e a outra metade finge não ser, para si mesmo e/ou para os outros". E aí vem a grande chave desse problema. Somos o que somos para os outros, sempre para os outros, e nunca para nós mesmos. Sendo assim, quando pensamos que somos alguma coisa, mesmo ricos, na verdade não somos nada, porque vivemos em função dos outros. Seria esse o nosso trágico fim? Como no conto O Fim trágico: "Os homens, neste estado em que se encontram, não são nada. De onde vocês tiraram que são alguma coisa?...". Enfim... seria o próprio Alessandro Reiffer, nos contos, um personagem dele mesmo, ou uma extraordinária invenção de seu ego? Não importa, pois este livro nos traz uma leitura divertida e interessante sobre uma realidade apocalíptica, como se já vivêssemos em um mundo que já foi destruído, com seus monstros e realidades absurdas. Um leitor de visão e um livro de imagens impressionantes, isso é o que importa para um entretenimento literário como este, que leva até para os desinteressados um interesse subconsciente pelo des(conhecido). PEDIDOS: [email protected]

37 — Sr. Arcano

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LIVRETO IMPRESSO Peça já o seu exemplar!