o poder da gentileza

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enfoque franca | dezembro 201262|

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Por onde anda a gentileza?eStudoS moStram que eSSa atitude traz felicidade, maS PoucoS a colocam em Prática

Um dos maiores problemas de quem enfrenta o trân-sito em Franca no dia a

dia é o estresse. Além do engarra-famento, as imprudências e o mau comportamento de quem trafega pelas ruas das cidades podem tirar a concentração dos condu-

A psicóloga Alessandra acredita que as pessoas estão armadas e não se permitem ser gentis

tores de caminhões, automóveis, motos e bicicletas e, também, dos pedestres, causando acidentes que poderiam ser evitados. Segundo pesquisas, esses problemas acon-tecem, muitas vezes, pela falta da gentileza. Mas a escassez de tal virtude não é só encontrada no trânsito. No supermercado, por exemplo: não seria mais fácil você, estando com o carrinho

cheio, ceder a vez no caixa para alguém com apenas um saquinho de pães? Outra cena corriqueira: uma gestante entra em um ônibus lotado, cansada e, provavelmente, não gostaria de ficar em pé. Uma pessoa não poderia ceder o seu lugar a ela? E aquela porta que alguém poderia ter segurado para você entrar no elevador?

É difícil ser gentil, mas mais difícil ainda é conviver com a falta de gentileza dos outros, principalmente ao dar com uma porta fechada na cara, ter a lataria do carro amassada por um apres-sadinho ou passar pela sensação de ser invisível. Apesar de tudo isso, a ideia de que ser gentil vale à pena e traz benefícios tem sido comprovada por diversos estudos.

Está diminuindoEnfoque se surpreendeu ao

verificar que a gentileza anda em desuso na sociedade. “A gentileza está diminuindo. Posso contar nos dedos quantas pessoas já vi praticando essa virtude”, conta o cobrador de ônibus Valdeir Ferreira, 40 anos. Em mais de um ano e meio de trabalho, indo e vindo pelas ruas de Franca, ele vivenciou situações inusitadas, como a de uma senhora que teve de pedir licença para um rapaz ceder seu lugar a uma gestante. “Mas acabou em confusão, pois ele não queria ficar em pé. No final das contas, outro passageiro cedeu seu lugar”, lembra Valdeir, cheio de histórias para contar.

Segundo a psicóloga Ales-sandra de Faria e Sousa, casos como este citado pelo cobrador de ônibus são comuns porque as pessoas estão muito armadas e não se permitem mais serem gentis. “Elas estão assim, e aí não dão oportunidade em algumas si-tuações de receber gentileza e ser gentil, tendo um embrutecimento involuntário e se colocando em

Maria Conceição é exemplo de uma pessoa gentil, e faz dela algo natural em seu dia a dia

Gustavo CésarDa redação

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O cobrador de ônibus Valdeir já presenciou muitos casos em que faltou gentileza

Joyce diz que as pessoas têm pressa, por isso estão mais preocupadas com suas próprias prioridades

posição defensiva frente ao mun-do”, explica.

Vale à pena?Mas, afinal, vale à pena ser

gentil? Para a ciência, a resposta é sim. Em um estudo da Univer-sidade da Califórnia, a psicóloga Sonja Lyubomirsky pediu aos par-ticipantes que praticassem ações gentis durante 10 semanas. Todos registraram aumento na felicida-de durante a pesquisa. Os que praticaram ações variadas, como se oferecer para ajudar a lavar a louça, fazer elogios ou segurar a porta aberta para um estranho passar, registraram níveis mais altos e prolongados de felicidade, em comparação com quem repe-tiu sempre a mesma atitude com diferentes pessoas. Isto porque, segundo a psicóloga, gentileza e boa vontade estão relacionadas à felicidade. As pessoas que tentam ser mais gentis no dia a dia ten-dem a experimentar mais emo-ções positivas e se tornam mais alegres. O mecanismo que explica essa relação foi mais esclarecido por um estudo da Universidade Hebraica, em Israel, de 2005. A gentileza está ligada ao gene que libera a dopamina, neurotrans-missor que proporciona bem estar.

Para os entrevistados, um dos fatores que dificultam a prática da gentileza é a rotina, ou seja, as pessoas seriam pressionadas por

ideias equivocadas e empurradas a ter sempre mais, a cumprir prazos sem respeitar os demais, a atingir metas que, muitas vezes, não fazem parte de suas missões e daquilo que acreditam, tornando--as, assim, mais e mais insensíveis. E a partir dessa insensibilidade, elas agiriam e se relacionariam com as pessoas - mesmo com as que amam – de forma menos gentil, mais apressada, e mais automatizada, sem nem se da-rem conta disso. Mas a psicóloga Alessandra vai contra essa ideia de que a rotina con-temporânea não dá alicerce para a prática da gentileza. “Se tem uma coisa que a contemporaneidade não pode

tirar é a ação de ser gentil. Sei que a correria dos tempos modernos pode acelerar o pensamento, mas não o ato de gentileza”, ressalta.

O que é gentileza?“Gentileza gera gentileza”.

Essa expressão ficou popular no Brasil após ser gravada nas pilastras dos viadutos do Rio de Janeiro, nos anos 1980 e 1990, pelo andarilho José Datrino, conhecido como o Profeta Gen-tileza. E vai direto ao ponto: ela forma uma corrente do bem. A frase que o profeta popular pintou nas paredes é muito verdadeira, mas o oposto também ocorre: a falta de gentileza gera falta de gentileza.

A operadora de caixa Joyce Carolina Barretos, 26 anos, con-corda com isso e completa: “todo mundo gosta de prioridade, todo mundo tem pressa, mas ninguém é gentil”, diz Joyce que, na sua função, todos os dias presencia situações em que a cordialidade poderia ser aplicada. “Mas isso não acontece”, enfatiza.

Para a psicóloga, gentileza é um modo de agir, um jeito de ser, uma maneira de enxergar o mundo. Portanto, ser gentil é um atributo muito mais sofisticado e profundo que ser educado ou meramente cumprir regras de etiqueta. A pessoa gentil se dife-rencia até mesmo em momentos

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Uma das atitudes mais difíceis de se ver é a gentileza dentro dos ônibus urbanos

delicados e difíceis como discor-dâncias ou demissão. A rotina pode modificar muitas coisas, mas o caráter de uma pessoa não muda. Alessandra vai além ao afirmar que, diferentemente do que muita gente pensa, ser gentil não é igual a ser bobo e dizer sempre “sim”. “Pelo contrário, é reconhecer seus próprios limites e os limites do outro. É saber se colocar, falar com autenticidade, sem ser parcial ou hipócrita. É possível dizer ‘não’ sem magoar as pessoas, desde que seja usada a gentileza verdadeira”, salienta a psicóloga.

Os genes da gentilezaVocê já deve ter conhecido

alguém que teve uma péssima educação, ou pais grossos ou abu-sivos, e mesmo assim é um amor de pessoa. A resposta está aqui: uma nova pesquisa descobriu que pelo menos parte da razão pela qual algumas pessoas são gentis e generosas é que os seus genes as incentivam nessa direção.

O estudo foi feito por psicó-logos da Universidade de Buffalo e da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Os pesqui-sadores observaram o compor-tamento dos participantes do estudo que têm versões de genes receptores de dois hormônios – ocitocina e vasopressina - que

outras pesquisas associaram coma gentileza. Esses hormônios, se-gundo os estudos, podem tornar as pessoas melhores, pelo menos em relacionamentos íntimos. A ocitocina, “hormônio do amor”, promove o comportamento ma-terno, por exemplo, e no laborató-rio, indivíduos expostos a ela de-

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fica uma reflexão: será que a vida precisa ser uma guerra? Ou pode ser mais suave, tranquila? Essa é uma decisão que cabe a cada um, afinal de contas, a gentileza é uma opção, uma atitude que se adota e faz diferença na vida de quem a pratica e de quem a rece-be. Que tal então colocá-la em uso, mesmo através de pequenas atitudes como um simples “bom dia”, “com licença”, “obrigada” ou “por favor”? Imagine só como seria o mundo se todos fossem um pouquinho mais gentis. e

alessandra de faria e Sousa, psicólogacrP: 06/53698-7telefones: 9999-0381 e 8142-8039

No foco

As filas são sempre estressantes, com pessoas impacientes e quase sempre sem gentileza

monstraram maior sociabilidade.Esta pesquisa foi uma tentati-

va de aplicar as descobertas ante-riores de comportamentos sociais em uma escala maior, para saber se essas substâncias provocam nas pessoas outras formas de compor-tamento pró-social: vontade de doar para caridade, por exemplo, ou participar de esforços cívicos como o pagamento de impostos, relatar crimes, doar sangue, entre outros. “A gentileza e o altruísmo estão intimamente ligados, fazem parte da pessoa. Ou ela é gentil ou não, ou é altruísta ou demagoga. É algo natural e interno do ser humano, dois pontos positivos do caráter”, completa a psicóloga Alessandra.

Profissional e saúdeAté as empresas têm prefe-

rido cada vez mais profissionais dispostos a solucionar problemas, favorecendo as conciliações, o que comprova que a gentileza abre portas. E para completar, ser gentil também faz bem à saúde. Estudos constatam que as pessoas solidárias têm menos pro-babilidade de sofrer de doenças crônicas, e seu sistema imunoló-gico tende a ser mais forte. Uma explicação para isso é que talvez essa qualidade ajude as emoções, causando impacto positivo sobre o bem estar.

Exemplo de que há, ainda, uma luz no fim do túnel é a doméstica Maria Concei-ção Santusse Batista, 63 anos. Ela é gentil com todos,

independente de sexo ou idade. “Por exemplo, quando vejo que alguém está em caso de urgência em um hospital no qual eu estou na fila, eu cedo meu lugar. Uma pena é que as outras pessoas se incomodem com o meu ato”, con-ta. E em toda sua vida, Maria foi assim. “Antigamente, as pessoas eram mais gentis. Hoje, praticam o mínimo possível. Além disso, um simples bom dia é um ato gentil e pode deixar as pessoas mais felizes”, pondera Maria. Isto é confirmado pela psicóloga.

“A gentileza favorece o bom convívio social, pessoal e é claro, o profissional. Ser gentil vai possibilitar relacionamentos mais sau-dáveis, seguros e verdadei-ros”, enfatiza Alessandra.

Diante de tudo isso,