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271 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 17, n. 34, p. 271-299, out. 2009 Alair Silveira O PERFIL DO PODER LEGISLATIVO DA CAPITAL E DO ESTADO DE MATO GROSSO (1983-2004) Recebido em 26 de dezembro de 2007. Aprovado em 18 de julho de 2008. O artigo é o produto de uma pesquisa realizada nas duas principais casas legislativas do Estado: a Assem- bléia Legislativa (ALMT) e a Câmara Municipal de Cuiabá (CMC). Ao todo, foram pesquisados 20 anos na ALMT e 22 na CMC, totalizando cinco legislaturas em cada uma das casas, a partir de 1983. Reflete sobre o perfil dos parlamentos mato-grossense e cuiabano a partir da composição partidária, das profissões de origem e das experiências com organizações coletivas, entre outros; identificando a enorme capacidade de perpetuação no poder por parte dos parlamentares, seja por meio do processo eleitoral, seja por meio da direção de empresas estatais. Valendo-nos especialmente de Claus Offe e Max Weber, confrontamos tanto o pressuposto de Offe, segundo o qual os empresários valem-se das estruturas de poder para promover a valorização do capital, quanto o weberiano, segundo o qual os políticos vocacionais são aqueles que vivem para a política e, portanto, têm recursos materiais que lhes garantem independência, diferentemente daque- les que vivem da política, ou seja, da qual dependem para a própria sobrevivência. A análise dos dados da pesquisa efetuada permitiu-me identificar fortes elementos que corroboram o primeiro pressuposto, mas põe em xeque a validade do segundo. Ao consolidar os meios de manter-se no arranjo institucional, seja via reeleição, pela disputa por outros cargos eletivos seja, ainda, via exercício de direção de secretarias e/ou demais órgãos públicos, esses parlamentares também vão tecendo os instrumentos legislativos que garan- tem a preservação e a ampliação de seus interesses particulares e de classe; como, aliás, bem identificou Claus Offe. Assim, ao passar a viverem para a política tais políticos passam, também, a viver da política. PALAVRAS-CHAVE: Poder Legislativo; partidos políticos; poder; renovação política; recondução política. I. INTRODUÇÃO Este artigo é resultado de uma extensa – e in- tensa – pesquisa realizada em duas esferas legislativas de Mato Grosso: a Assembléia Legislativa Estadual e a Câmara Municipal de Cuiabá. Prevista inicialmente com um corte his- tórico compreendido entre 1985 (a redemocratização brasileira) e 2002, essa pesqui- sa acabou retrocedendo a 1983 1 e avançando so- bre os anos de 2003 e 2004, de forma a contem- plar a integralidade das legislaturas estudadas. Em um ambiente institucional marcado pela falta de tradição com pesquisas científicas, espe- cialmente aquelas que adentram as relações de poder político, muitas foram as dificuldades para o desenvolvimento desse trabalho. Especialmen- te, além da desconfiança habitual e dos obstácu- los gratuitamente interpostos, há, efetivamente, uma enorme carência de dados disponíveis. Ape- sar disso, ao longo de um exaustivo processo de garimpagem, foi possível identificar o perfil do poder Legislativo estadual e o de Cuiabá. Poder de extraordinário poder, e que detém a prerrogativa de elaboração das leis que fundam o Estado de Direito, o poder Legislativo é um im- portante espaço para promoção pessoal na dispu- ta por cargos eletivos na medida em que, parado- xalmente, a relativa invisibilidade social quanto ao acompanhamento individual da atuação parlamen- tar tanto o promove quanto o protege. Dessa for- ma, essa pesquisa buscou identificar, fundamen- talmente, o perfil desses políticos que se mantêm ao longo dos anos à frente do poder, tendo como referência a reflexão feita por Claus Offe quanto à dupla seletividade do Estado. Nesse sentido, confirmou-se a principal hipó- tese que norteou esse trabalho: o empresariado (urbano ou rural) tem presença expressiva no po- der Legislativo – especialmente na Assembléia 1 Nessas duas décadas foram sete os presidentes que esti- veram à frente do Governo Federal: João Figueiredo (1981- 1985); José Sarney (1985-1989); Fernando Collor de Mello (1990-1992); Itamar Franco (1992-1994); Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) e Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34 : 271-299 OUT. 2009

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 17, n. 34, p. 271-299, out. 2009

Alair Silveira

O PERFIL DO PODER LEGISLATIVO DA CAPITAL EDO ESTADO DE MATO GROSSO (1983-2004)

Recebido em 26 de dezembro de 2007.Aprovado em 18 de julho de 2008.

O artigo é o produto de uma pesquisa realizada nas duas principais casas legislativas do Estado: a Assem-bléia Legislativa (ALMT) e a Câmara Municipal de Cuiabá (CMC). Ao todo, foram pesquisados 20 anos naALMT e 22 na CMC, totalizando cinco legislaturas em cada uma das casas, a partir de 1983. Reflete sobreo perfil dos parlamentos mato-grossense e cuiabano a partir da composição partidária, das profissões deorigem e das experiências com organizações coletivas, entre outros; identificando a enorme capacidade deperpetuação no poder por parte dos parlamentares, seja por meio do processo eleitoral, seja por meio dadireção de empresas estatais. Valendo-nos especialmente de Claus Offe e Max Weber, confrontamos tanto opressuposto de Offe, segundo o qual os empresários valem-se das estruturas de poder para promover avalorização do capital, quanto o weberiano, segundo o qual os políticos vocacionais são aqueles que vivempara a política e, portanto, têm recursos materiais que lhes garantem independência, diferentemente daque-les que vivem da política, ou seja, da qual dependem para a própria sobrevivência. A análise dos dados dapesquisa efetuada permitiu-me identificar fortes elementos que corroboram o primeiro pressuposto, mas põeem xeque a validade do segundo. Ao consolidar os meios de manter-se no arranjo institucional, seja viareeleição, pela disputa por outros cargos eletivos seja, ainda, via exercício de direção de secretarias e/oudemais órgãos públicos, esses parlamentares também vão tecendo os instrumentos legislativos que garan-tem a preservação e a ampliação de seus interesses particulares e de classe; como, aliás, bem identificouClaus Offe. Assim, ao passar a viverem para a política tais políticos passam, também, a viver da política.

PALAVRAS-CHAVE: Poder Legislativo; partidos políticos; poder; renovação política; recondução política.

I. INTRODUÇÃO

Este artigo é resultado de uma extensa – e in-tensa – pesquisa realizada em duas esferaslegislativas de Mato Grosso: a AssembléiaLegislativa Estadual e a Câmara Municipal deCuiabá. Prevista inicialmente com um corte his-tórico compreendido entre 1985 (aredemocratização brasileira) e 2002, essa pesqui-sa acabou retrocedendo a 19831 e avançando so-bre os anos de 2003 e 2004, de forma a contem-plar a integralidade das legislaturas estudadas.

Em um ambiente institucional marcado pelafalta de tradição com pesquisas científicas, espe-cialmente aquelas que adentram as relações depoder político, muitas foram as dificuldades parao desenvolvimento desse trabalho. Especialmen-

te, além da desconfiança habitual e dos obstácu-los gratuitamente interpostos, há, efetivamente,uma enorme carência de dados disponíveis. Ape-sar disso, ao longo de um exaustivo processo degarimpagem, foi possível identificar o perfil dopoder Legislativo estadual e o de Cuiabá.

Poder de extraordinário poder, e que detém aprerrogativa de elaboração das leis que fundam oEstado de Direito, o poder Legislativo é um im-portante espaço para promoção pessoal na dispu-ta por cargos eletivos na medida em que, parado-xalmente, a relativa invisibilidade social quanto aoacompanhamento individual da atuação parlamen-tar tanto o promove quanto o protege. Dessa for-ma, essa pesquisa buscou identificar, fundamen-talmente, o perfil desses políticos que se mantêmao longo dos anos à frente do poder, tendo comoreferência a reflexão feita por Claus Offe quantoà dupla seletividade do Estado.

Nesse sentido, confirmou-se a principal hipó-tese que norteou esse trabalho: o empresariado(urbano ou rural) tem presença expressiva no po-der Legislativo – especialmente na Assembléia

1 Nessas duas décadas foram sete os presidentes que esti-veram à frente do Governo Federal: João Figueiredo (1981-1985); José Sarney (1985-1989); Fernando Collor de Mello(1990-1992); Itamar Franco (1992-1994); FernandoHenrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) e Luís InácioLula da Silva (2003-2006).

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Legislativa –, o que contradiz a máxima de Weber(1968), segundo a qual aqueles que dispõem derecursos materiais podem viver para a política enão da política. O que se observa é que a políticapassa a ser o investimento pessoal de médio e longoprazo, por meio do qual o empresário vai alçandonovos vôos políticos (ou mesmo mantendo os es-paços institucionais conquistados), o que lhe per-mite delegar a terceiros o exercício cotidiano daadministração dos negócios privados, aparente-mente priorizando a política de interesse coletivo.Entretanto, como a lógica do interesse privado-empresarial não é a lógica do interesse público, épossível extrair-se daí que o exercício da políticainstitucional não se contrapõe ao interesse priva-do, na medida em que se constitui em um cami-nho de convergência em que o espaço estatal con-verte-se, como diz Offe, em um importante ins-trumento de valorização do capital.

II. PODER LEGISLATIVO: SINGULARIDADEE POTENCIALIDADES

O poder Legislativo é considerado um podersingular. Por um lado, expressa a multiplicidadedas manifestações políticas da sociedade na me-dida em que é composto pela proporcionalidadeeleitoral da vontade coletiva; por outro, tem comoprincipal atribuição a elaboração de leis a partirdas quais o poder Executivo executa2 e o poderJudiciário julga.

Se o surgimento do Estado representa a cria-ção de um poder comum, sob o qual todos oshomens3 estão organizados e submetidos, seu po-der ascendente e “irresistível”4 funda-se no mo-

nopólio – consentido – das leis e da força. Conse-qüentemente, a exclusividade para a elaboração, ojulgamento e a execução legislativa está distribuí-da pelos poderes que constituem o próprio Esta-do. Assim, a definição das competências e o esta-belecimento dos contrapesos5 entre o poder Exe-cutivo, o Legislativo e o Judiciário é imprescindí-vel para dar unidade ao próprio Estado.

Dessa forma, em que pese o fato de que cabeao poder Legislativo a elaboração e a fiscalizaçãodas leis (particularmente aquelas de responsabili-dade do Executivo), nossa cultura eleitoral émarcada pela preponderância do poder Executi-vo. No que concerne ao Legislativo, ao contrário,há um profundo desconhecimento, desinteresse edesatenção quanto às atribuições e, portanto, opoder que esse poder detém. Desse ostracismoos parlamentares retiram parte do seu poder demanutenção e auto-preservação política.

Se podemos creditar à nossa história políticalatino-americana a centralidade dos papéis execu-tivos, firmados sob o império dos coronéis6 e dosgovernadores, o poder Executivo tem como con-tra-face a maior visibilidade pública e, conseqüen-temente, maior reconhecimento social. Dessa for-ma, tanto para os créditos de políticas socialmen-te populares quanto para o descrédito de políticasimpopulares ou mesmo antipopulares, os titularesdesse poder estão em evidência no cenário políti-co eleitoral. E mesmo considerando-se a frágil me-mória política7 que marca o comportamento elei-toral brasileiro, aqueles que exercem o poder Exe-cutivo detêm maior raio de abrangência e perma-

2 A correta crítica quanto ao excesso de Medidas Provisó-rias (MPs) enviadas pelo poder Executivo (banalizando aautorização prevista constitucionalmente para situaçõesespecíficas e emergenciais), deve ser considerada sob o prin-cípio da separação dos poderes, segundo o qual a prerroga-tiva de elaboração das leis é do poder Legislativo. Dessaforma, a conivência do poder Legislativo responde por umadupla responsabilidade: 1) tolera os inadmissíveis exces-sos, submetendo-se à dinâmica das “prioridades”estabelecidas pelo poder Executivo e 2) não cumpre seupoder fiscalizador (contrapeso) sobre o Executivo, exigin-do-lhe o respeito às leis constituídas.3 Trata-se do gênero humano e, nesse sentido, doravante,sempre que referir-me aos “homens”, “trabalhadores” ou“indivíduos” estou considerando sujeitos históricos e, por-tanto, ambos os sexos.4 Trata-se do poder de imperium, inerente à natureza dopróprio Estado. Ressalve-se aqui que esse poder, por mais

“irresistível” que possa ser, não pode prescindir – pormuito tempo – de legitimidade social, o que recoloca opoder originário nas mãos dos próprios homens.5 O contrapeso consiste em um mecanismo para equilíbrioentre os poderes, de forma a assegurar que nenhum delesdetenha mais poder do que o outro. Esse recurso, articula-do à distribuição das competências, representam os instru-mentos normativos para garantir relações harmônicas, equi-libradas e independentes. Dessa forma, as leis representamo fio condutor dessa normatividade, conforme bem ensi-nou Montesquieu.6 Utilizo essa definição no sentido lato: tanto em referên-cia àqueles que se valeram do poder de cooptação e sub-missão política a partir do poder econômico, quanto àque-les que exerceram o poder estatal em razão do poder dasarmas (independente da patente e do período histórico).

7 Dediquei-me a essa análise no livro Memória Social &Processo Eleitoral – As motivações do voto em Cuiabá eVárzea Grande. Cf. Silveira (2002).

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nência na memória dos eleitores, posto que sãoacompanhados com mais atenção pelos Meios deComunicação de Massa (MCM). Além disso, oimaginário social credita ao poder Executivo todoo poder decisório sobre as políticas que envol-vem a vida cotidiana.

Nesse universo de percepção política por par-te do eleitorado, os parlamentares mantêm-se so-bre o véu protetor da invisibilidade pública. Prote-gidos pelo anonimato das votações coletivas e pelafalta de acompanhamento e fiscalização tanto daimprensa quanto dos cidadãos, os parlamentaressomente saem do ostracismo mais efetivo quan-do são autores de projetos polêmicos ou, maiscorriqueiramente, quando estão envolvidos emdenúncias de ilegalidades de toda natureza:corrupção, nepotismo, formação de quadrilha,peculato e tantas outras formatações jurídicas.

Sob a forma de um corpo, as posições políti-cas materializadas em acordos e votações são di-luídas no conjunto, sobressaindo-se como elemen-to de informação apenas os resultados finais dasdeliberações. Nesse processo de cobertura e acom-panhamento midiático e social, tanto as posiçõesmais conseqüentes com os discursos pré-eleito-rais e o compromisso social ficam comprometi-dos, quanto servem para proteger aqueles que tra-em suas promessas e revelam seus reais (einconfessáveis) compromissos. Ao final, é o po-der Legislativo como um todo que recebe os lou-ros ou o descrédito e a desconfiança social.

Tem-se, assim, que o processo eleitoral queexplora o personalismo, o carisma e o históricopessoal do candidato promove o eclipse – racionale pragmático8 – do projeto político e social quenorteia o programa do partido. Submetido à ordemdo anonimato ou à lógica da “governabilidade”, o

projeto descola-se – aparentemente – dos políti-cos. Nessa “nova” ordem, o recurso aopersonalismo é utilizado, também, como forma detradução9 ou de controle social mais efetivo.

No poder Legislativo, por sua vez, esse recur-so não tem relevância para consumo interno, po-rém, mantém sua força como recurso para consu-mo externo. Sua efetividade assenta-se no equilí-brio entre a proteção do anonimato das delibera-ções e o discurso público de arauto das mais no-bres políticas e práticas. Sem a contraposição dosfatos, o discurso assume a forma de verdade fática.

Explorando a cultura nacional10, firmada so-bre a emotividade típica do brasileiro, o recurso à‘vitimação’ é uma prática usual para a isenção dasresponsabilidades públicas quando os fatos des-mentem os discursos. A capacidade de solidarie-dade social para com a pseudo-vítima (cuja res-ponsabilidade parece restituir-se à ignorância dosfatos que “também” condena e ao excesso deconfiança nos “verdadeiros” culpados) é surpre-endente. Por outro lado, as condições objetivascontribuem para um pragmatismo eleitoral desti-tuído da mesma moral que orienta a vida privada.Seja pela experiência concreta com uma políticade mercado eleitoral, seja pela absoluta carência

8 A atualidade e relevância dos partidos políticos (questi-onada por algumas correntes teóricas) é inegável, postoque a aparência jamais deve ser tomada como a explicaçãoda essência das coisas. A aparente irrelevância dos parti-dos, quando observadas as campanhas eleitorais e o troca-troca partidário, por exemplo, toma como fato aquilo que éum recurso (não propriamente novo, porém, aprofundado)de isolar o candidato do partido de forma a proteger doconhecimento social o verdadeiro projeto de sociedade co-mungado pelo partido. Esse recurso sempre permitiu queos homens, quando desgastados politicamente, pudessemser retirados temporariamente de cena, preservando o pró-prio projeto (que é, na verdade, o grande elemento definidordas disputas e do exercício do poder institucional). Na

mesma perspectiva, a troca de partido não representa, ne-cessariamente, troca de projeto de sociedade. Na maioriados casos, trata-se de um ajuste de interesses pessoais oude grupo, sem nenhuma referência ao projeto partidário,posto que vários partidos podem defender o mesmo proje-to (e efetivamente o fazem).9 Esse processo de tradução popular maniqueísta das po-líticas mais complexas é prática corrente do Populismo edo Neopopulismo. Vários políticos populistas de enverga-dura histórica foram exímios tradutores (simplificadores)da macropolítica. Lula é um exemplar desse time de “tradu-tores” que, de forma contumaz, reduz a política aopragmatismo dos interesses no poder, negando princípiospartidários e condenando as diferenças ideológicas a “bra-vatas” de oposição.10 Sérgio Buarque de Hollanda, em Raízes do Brasil; Gil-berto Freire, em Casa Grande e Senzala e RobertoDaMatta, em Carnaval, Malandros e Heróis, são algunsdos clássicos que trabalham a cultura do homem brasileiro:cordial, socialmente pautado pela rigidez hierárquica, ori-entado pelo jeitinho e pelas relações pessoalizadas e forte-mente emotivas. Em outra perspectiva, podemos remeter aNicolau Maquiavel, que ensina que os governantes, quan-do implementam políticas impopulares ou socialmentecondenáveis, devem imputar a responsabilidade pelas mes-mas aos seus assessores, reservando para si aquelas políti-cas que alcançam prestígio social.

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em que vivem milhões de pessoas. Para tanto, boaparte do eleitorado desenvolve uma duplamoralidade: a da esfera política e a da vida social.A primeira é associada à amoralidade11, a segun-da à moralidade pautada pela honestidade pessoale pela solidariedade social. Conseqüentemente, alógica prevalecente no campo da política eleitoralé a maximização dos resultados também por partedo eleitor, que desenvolverá uma espécie de tole-rância para com a amoralidade, desde que produ-za algum tipo de resultado objetivo para sua vidaou, em último caso, produza a diferença entre tan-tos considerados iguais (isto é, movidos pela mes-ma amoralidade).

Nessa perspectiva, os parlamentares desfru-tam de condições objetivamente mais favoráveis.Porém, contraditoriamente, reside aí sua força etambém sua fragilidade. Se a falta de visibilidadedurante o mandato permite-lhes preservarem-sede responder pelas políticas que ajudam aimplementar, por outro lado, essa mesmainvisibilidade pode condená-los à derrota eleitoral.Não por acaso, muitos fazem do recurso econô-mico e das emendas orçamentárias o diferencialno processo eleitoral.

III. AS RELAÇÕES TRIANGULARES DE PO-DER

Claus Offe (1984), ao analisar as formas pormeio das quais o Estado realiza a valorização docapital, identificou mais do que a dupla seletividadeque protege a totalidade dos interesses do capitalfrente aos interesses míopes dos capitalistas edaqueles genericamente denominados anti-capita-listas. Offe identificou que esse instrumento (adupla seletividade), para assegurar a preservaçãoe a realização dos interesses do capital, somentepode gozar de efetividade e, portanto,legitimidade12 social, se conseguir “convencer” oconjunto da sociedade civil de que os interessesparticulares que realiza são interesses públicos.Para poder cumprir essa difícil exigência, o Esta-do vale-se do que Offe denomina de “filtros”.

Os filtros (identificados como sócio-estrutu-rais, ideológicos, processuais e repressivos13) sãoimprescindíveis para o êxito da política de con-vencimento cotidiano. Assim, articulada com ascontribuições dos autores da teoria da influência edos fatores limitativos, a tese de Claus Offe é fun-damental para compreendermos o perfil dos par-lamentares de Mato Grosso no período estudado.

Dizem, os teóricos da influência14, que os ca-pitalistas beneficiam-se de várias condições privi-legiadas para fazer valer seus interesses: utilizamgrupos de interesse para fazer demandas ao Esta-do; valem-se dos meios de comunicação de mas-sa para promover, cotidianamente, odisciplinamento ideológico da sociedade; ameaçamcom “greves de investimentos”15 como forma deforçar a concessão de benefícios fiscais e finan-ceiros; financiam campanhas eleitorais de empre-sários ou candidatos comprometidos com os prin-cípios do capitalismo e que gozem de viabilidadeeleitoral e, por fim, participam diretamente, ou pormeio de seus prepostos, do processo decisóriodo Estado, na condição de ministros e secretári-os, travestidos como portadores de conhecimen-to e interesse técnico, isentos de interesse políti-co e corte classista.

A convergência desse conjunto de recursos porparte do empresariado com os instrumentos es-truturais do próprio Estado, segundo Offe, per-mite a realização da valorização do capital de for-ma relativamente tranqüila. Essa estabilidade polí-tica e social é tanto mais efetiva quanto maior for

11 Desenvolvi esse argumento no livro Memória Social &Processo Eleitoral (SILVEIRA, 2002).12 O conceito de legitimidade utilizado é o desenvolvidopor Max Weber, de acordo com o qual a legitimidade so-mente pode ser conferida por aquele(s) que está(ão) nacondição subalterna de determinada relação, considerando-a “justa”.

13 O filtro repressivo somente é utilizado (especialmenteno caso de países desenvolvidos) como último recurso.Isto é, quando todos os demais foram ineficientes e/ouinsuficientes para construir as condições de aceitação soci-al exigida para a tranqüila realização da valorização do capi-tal em condições de estabilidade social e política.

14 Os chamados teóricos da influência (também conheci-dos como “elitistas”) defendem que os capitalistas (isola-dos ou em grupo) articulam seus interesses sobre o Estado,pressionando-o para atender seus interesses particularescomo se fossem coletivos.

15 Esse é um recurso tão habitual que a sociedade brasilei-ra já absorveu (foi convencida) que a realização da políticade renúncia fiscal é uma política que beneficia a todos. Nãopor acaso, somente na Previdência (objeto de incontáveiscontra-reformas que subtraem direitos dos trabalhadores)o governo Lula abriu mão de arrecadar tributos e contribui-ções previdenciárias que, apenas no ano de 2007, devetotalizar R$ 65,5 bilhões (INCENTIVOS FISCAIS QUA-SE DOBRAM NO GOVERNO LULA, 2007).

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o grau de apatia, ignorância política e/ou descon-fiança social para com a política institucional.

A partir de condições estruturalmente privile-giadas, empresários e seus aliados organizam suaintervenção por meio das esferas e das instânciasestatais, beneficiados pelo pressuposto liberal (do-minante) de que o Estado constitui-se em institui-ção acima de interesses particulares de classes es-pecíficas e cuja finalidade é a realização do inte-resse público.

Nessas condições, o Parlamento, enquantoespaço de representação democrática e cuja parti-cularidade histórica assegura certo ostracismosocial, permite atuações identificadas com tais in-teresses sem, individualmente, revelar interesse declasse e/ou falta de compromisso com as pro-messas que permitiram a eleição.

Nessa relação triangular entre Estado,empresariado e sociedade, o poder Legislativo nãoé peça secundária ou coadjuvante; mesmo quan-do reconhecida a ascendência do poder Executi-vo em sistemas presidencialistas. Como consta-taram Argelina Figueiredo e Fernando Limongi,“o Executivo domina o processo legislativo por-que tem poder de agenda e esta agenda é proces-

sada e votada por um Poder Legislativo organiza-do de forma altamente centralizada em torno deregras que distribuem direitos parlamentares deacordo com princípios partidários”(FIGUEIREDO & LIMONGI, 1999, p. 22).

Assim, se o poder Executivo detém o controlede agenda e de patronagem (Weber), os líderespartidários detêm poder de negociação e são ins-trumentos fundamentais para assegurar a unidadepartidária16. De outra forma: a constituição de ban-cadas partidárias identificadas ideologicamente comos interesses empresariais no poder Legislativo,assim como a eleição de programa de governo ins-crito sob a lógica de projeto de sociedade liberal –ou suas variantes –, confere aos poderes Legislativoe Executivo uma unidade programática para alémdas siglas e das disputas pontuais.

IV. POR DENTRO DO PARLAMENTO CUIABA-NO E MATOGROSSENSE

No extenso período pesquisado (1983-2004),foram dez as legislaturas estudadas (cinco esta-duais e cinco municipais). Em cada uma delas,além dos eleitos, também foram considerados ossuplentes que assumiram durante a Legislatura,perfazendo o seguinte quadro:

16 De acordo com estudos realizados por Figueiredo eLimongi na Câmara dos Deputados (1989-1994), “em mé-dia, 89,4% do plenário vota de acordo com a orientação deseu líder, taxa suficiente para predizer com acerto de 93,7%das votações nominais” (FIGUEIREDO & LIMONGI,1999, p. 20).17 Segundo o portal Excelências, o orçamento para aALMT, em 2008, é de R$ 151 404 320,00, valor que,

QUADRO 1 – NÚMERO DE ELEITOS E SUPLENTES NA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE MATO GROSSO ENA CÂMARA MUNICIPAL DE CUIABÁ POR LEGISLATURA

dividido pelos 24 deputados estaduais, atinge o montantede R$ 6 308 513,33 – um dos maiores do país. (Cf. EXCE-LÊNCIAS, 2008).18 De acordo com o mesmo Portal, o orçamento de 2008para a Câmara de Cuiabá é de R$ 20 420 000,00 (valorreajustado acima da inflação) e que, dividido pelos 19 vere-adores, assegura a quantia de R$ 1.074.736,84 por verea-dor (idem).

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O Parlamento da capital é composto, majori-tariamente, por matogrossenses. Diferentementedo senso comum que tende a considerar sub-re-presentada a naturalidade regional, a Câmara Mu-nicipal de Cuiabá (CMC) registra uma média de

FONTE: Silveira (2007).

42,15% de parlamentares nascidos na capital e27,14% do interior do estado, conforme o Qua-dro 2. Essa média, entretanto, não é regular aolongo dos 22 anos estudados.

QUADRO 2 – NATURALIDADE DOS PARLAMENTARES NA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE MATO GROSSO ENA CÂMARA MUNICIPAL DE CUIABÁ (%)

Embora a Câmara Municipal revele um claropredomínio de matogrossenses, somente nas 12ª e13ª legislaturas observa-se uma superioridade nu-mérica daqueles nascidos na capital do estado. Seesse dado, entretanto, não altera o perfil da Câmarano que diz respeito à representação regional, naAssembléia Legislativa de Mato Grosso (ALMT),constata-se uma média de 11,56% de parlamenta-res nascidos na Capital e 28,90% no interior doestado, o que significa uma sub-representação re-

gional na Casa Legislativa estadual, especialmentese considerarmos as três últimas legislaturas.

Conseqüentemente, a representação regional é– na média – suplantada por parlamentares origi-nários de outros estados: 41% versus 59%, desta-cando-se, nesse universo, paulistas e mineiros. Talcomposição parece refletir o perfil do estado deMato Grosso, objeto das políticas de colonizaçãodos anos 1970 que atraíram levas de migrantes,especialmente das regiões do sul do país.

FONTE: Silveira (2007).NOTA: 1. Na relação do TRE-MT, o nome do Deputado José Geraldo Riva consta como suplente. Na relação

da Assembléia Legislativa do estado, o Deputado consta como eleito.

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Ao acolher amplos contingentes de migrantes,o estado matogrossense transformou-se no terri-tório de muitos ditos “desbravadores”, seduzidospelas propagandas oficiais. Contudo, apesar de serconsiderada a região que mais “exportou”migrantes para Mato Grosso, o Sul do país nãotem representação equivalente em nenhuma dasCasas Legislativas. Apenas na 12ª os gaúchos ecatarinenses alcançaram, cada um, 10,26% darepresentação estadual. Os paranaenses, por suavez, na 14ª Legislatura, alcançaram 15% da com-posição da ALMT.

Entretanto, se os matogrossenses estão relati-vamente bem representados no poder Legislativo,as mulheres são imensamente sub-representadas.Assim, se considerarmos que, em 2000 (segundodados do IBGE), o MT possuía população totalde 2 504 353 habitantes, sendo 1.287.187 homense 1 217 166 mulheres, a representação femininana ALMT (Quadro 3) não atingiu sequer 10% naLegislatura com maior presença (13ª). Na 10ªLegislatura nenhuma mulher assumiu, sequer nacondição de suplente.

QUADRO 3 – PROPORÇÃO DE HOMENS EM MULHERES POR LEGISLATURA (%)

A situação não foi diferente na Câmara Munici-pal de Cuiabá. Observa-se, entretanto, uma tímidatendência de aumento na representação feminina apartir da 13ª Legislatura, com um percentual queavança de menos de 4% para quase 14%. Nessesentido, importa registrar que Cuiabá concentrava,em 2000, população total de 483 346 habitantes,divididos em 235 568 homens e 247 778 mulheres.

FONTE: Silveira (2007).

Avançando na análise do perfil sócio-econô-mico19 dos 221 parlamentares eleitos e dos 92suplentes que assumiram no período, considerandotanto a ALMT quanto a CMC (Quadro 4), é pos-sível identificar uma forte predominância de par-lamentares com ensino superior completo: 68,32%na CMC e 54,65% na ALMT.

QUADRO 4 – GRAU DE ESCOLARIDADE DOS PARLAMENTARES DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA E DACÂMARA MUNICIPAL DE CUIABÁ (%)

FONTE: Silveira (2007).

19 Essa pesquisa esforçou-se por obter os seguintes da-dos: a) naturalidade; b) escolaridade; c) profissão e d) traje-tória política partidária. Registramos as enormes dificulda-des para esse levantamento, principalmente pela falta dedados disponíveis na Câmara Municipal de Cuiabá e, em

menor proporção, na Assembléia Legislativa do Estado deMato Grosso. Parte significativa desses dados foi obtidapor meio de um intenso, exaustivo e longo trabalho degarimpagem que envolveu, inclusive, localização de ex-par-lamentares e/ou familiares, tanto no interior de MT quantoem outros estados.

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Comparativamente, a Câmara Municipal apre-senta um quadro com percentuais mais significa-tivos de parlamentares com curso superior. Po-rém, as duas últimas legislaturas pesquisadas (14ªna ALMT e 15ª na CMC), convergem para umrefluxo nos percentuais de legisladores com for-mação superior. Na ALMT, a 14ª Legislatura re-gistra, inclusive, a superioridade numérica daque-les que têm somente o 2º Grau Completo.

Consideradas, entretanto, quais as principaisáreas de formação universitária, o curso de Direi-

to (exclusiva ou conjugada a outros cursos de nívelsuperior) garante ascendência acadêmica em to-das as legislaturas da ALMT e em três legislaturasda CMC, perdendo apenas para a Administraçãode Empresas nas últimas duas legislaturas muni-cipais.

Tais percentuais são expressivos, principalmen-te se observarmos que os demais cursos superio-res informados são pulverizados, atingindo emmédia 1/3 das indicações para Direito.

QUADRO 5 – ÁREA DE FORMAÇÃO DOS LEGISLADORES (%)

FONTE: Silveira (2007).NOTA: 1. Considera-se aqui a formação exclusiva ou paralela a outras áreas de formação superior, a partir da prevalência

daqueles cursos com maior recorrência.

Analisando o quadro de formação acadêmica,algumas observações podem ser feitas: a primeiraé que o espaço legislativo revela-se como uma al-ternativa para operadores do Direito; a segunda éque enquanto os engenheiros aparecem como asegunda formação acadêmica mais comum naALMT, os médicos parecem mais afeitos ao po-der Legislativo local.

A escolaridade, embora não seja sinônimo decompromisso social, é um importante instrumen-to de averiguação quanto ao acesso aos mais ele-mentares direitos da cidadania. Porém, na medidaem que a escola não é um espaço de conhecimen-to neutro, nem tampouco descolado das exigên-

cias do mercado e da lógica civilizatória do capi-talismo, altos índices de escolaridade em níveissuperiores não nos indica atuação parlamentarsocialmente referenciada20.

Dessa forma, na medida em que a representa-ção por dentro do Estado é fundamental para arti-cular a aprovação de interesses de classe e de gru-

20 A análise da atuação parlamentar, principalmente pormeio das leis aprovadas e sua respectiva autoria, é objetode outra pesquisa que está em fase de conclusão (cf.SILVEIRA, 2007). Porém, já é possível adiantar que a rela-ção formação superior/compromisso social não encontraguarita nos fatos.

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pos específicos, é relevante observar a composi-ção da ALMT e da CMC (Quadro 6), conferindoo percentual de empresários21, de profissionaisliberais e de assalariados representados em am-bos os parlamentos.

E, embora tendo claro que a condição salarialnão é condição automática para identificar com-promisso de classe, é expressivo que por mais de20 anos os trabalhadores sejam sub-representa-dos (considerando-se, nesse particular, a propor-ção social no estado e no município).

QUADRO 6 – PROFISSÃO DOS PARLAMENTARES (%)

FONTE: Silveira (2007).NOTA: 1. Pastor da Igreja Universal; político; estudante; técnico em telecomunicações.

Na ALMT (1983-2002), enquanto os empre-sários foram 41,81% dos parlamentares e os pro-fissionais liberais 36,96%, os assalaria-dos22 atingiram 20,23%. Nessas condições, háuma regularidade percentual entre as três grandesclassificações profissionais, com alternância de as-cendência entre empresários e profissionais libe-rais, embora os primeiros assegurem superiorida-de média.

Na CMC (1983-2004), ao contrário, há forteprevalência dos profissionais liberais. Eles che-gam a participar com uma média de 61,16% aolongo dos 22 anos pesquisados. O empresariado,em contraposição, não alcança 12%, sendo supe-rado mesmo pelos assalariados, que chegaram acompor 19,30% no seu melhor momento. Tais

percentuais parecem indicar o Parlamento Muni-cipal como um locus privilegiado de profissionaisliberais, o que corrobora o perfil universitário apre-sentando anteriormente.

Na ALMT, os parlamentares subordinam a suaformação acadêmica à atividade econômica, o queos leva a indicar a atividade empresarial, efetiva-mente, como credencial profissional. Daí porque,apesar da prevalência de operadores do Direitoem ambas as casas, essa superioridade não se re-vela na tabela das profissões da ALMT.

Considerando-se, entretanto, quais as princi-pais áreas de atuação dos profissionais liberais, osadvogados, como era de se esperar, atingem umamédia de 42,87% na ALMT. Na 13ª Legislaturachegaram a representar 53,85% dos parlamenta-res estaduais. Em segundo lugar estão os médi-cos, que têm uma média de 11,11% ao longo doperíodo pesquisado.

Na Câmara Municipal, também advogadosgozam de primazia entre os profissionais liberais:27,06%. A melhor participação dos advogados foina 11ª Legislatura, quando somaram 46,66% dos

21 Os empresários atuam, especialmente, na Pecuária e naAgropecuária. Muitos deles, inclusive, indicam sua ativi-dade profissional, agregando também sua formação acadê-mica. Ex.: Agropecuarista e Engenheiro Civil.22 Classificados como tais professores, servidores públi-cos, bancários e comerciários.

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parlamentares municipais. Depois, essa represen-tação passou a decrescer significativamente, che-gando aos 6,67% na última Legislatura municipalestudada. Essa perda de 40% na representaçãodos operadores jurídicos não foi preenchida pornenhuma outra área profissional específica, mas,como já foi antecipado, distribuída em um con-junto de áreas de conhecimento.

A Medicina foi a segunda profissão liberal maisparticipativa na composição da Câmara Munici-pal: 18,82% em média. Sua maior participaçãoocorreu na 13ª Legislatura, quando atingiu 23,53%e sua menor representatividade ocorreu na 11ª e13ª, quando atingiu 13,33%. As profissões de En-genheiro Civil, Administrador de Empresas e Eco-nomista também despontaram com médias de8,23% e 7,06%, respectivamente, sendo que aprofissão de Administrador e Economista regis-trou o mesmo percentual.

V. O PERFIL POLÍTICO E A TRAJETÓRIA PAR-TIDÁRIA DO PARLAMENTO MUNICIPAL EESTADUAL

A opção pelo recorte “político e partidário”não é gratuita. Ela atende à necessidade de abran-ger tanto a atuação política fora da institucionalidadeestatal quanto aquela que diz respeito à trajetóriapartidária dos parlamentares, embora, inegavel-mente, sejam parte de uma mesma unidade.

Em verdade, a correspondência entre atuaçãoparlamentar e trajetória partidária, articulada comuma atuação fora dos espaços institucionais, éinescapável. E revelam aspectos importantes doscaminhos legiferantes do próprio Parlamento.

Nesse sentido, identificar eventuaisparticipações23 em organizações coletivas tornou-se um imperativo para que eu pudesse traçar umperfil mais fidedigno do Parlamento Municipal (Grá-fico 1) e Estadual (Gráfico 2), durante o períodode 22 e 20 anos, respectivamente.

Considerando que muitos parlamentares sãoreconduzidos ao cargo (como veremos mais adi-ante), ao todo foram 94 parlamentares pesquisadosna Câmara Municipal e 119 na AssembléiaLegislativa do estado de Mato Grosso, embora hajatrânsito, também, entre ambas as casas. Entretan-to, nesse levantamento fiz um corte por Parlamen-to, analisando parlamentares que, como suplenteou eleito, assumiram a Casa em questão, ao menosuma vez durante todo o período estudado.

Dessa forma, observei que apenas 38,30% dosparlamentares municipais participaram de algumaorganização fora da institucionalidade estatal, abran-gendo o antes e o depois da eleição. Como dos pou-cos parlamentares que em algum momento partici-param de alguma organização coletiva (exceção aopartido político), muitos atuaram (ou atuam) emmais de uma organização social, optei consideraros tipos de organização que, isoladamente, desper-taram (ou despertam) a preferência parlamentar.

Primeiramente, importa registrar que dentreaqueles que registram alguma forma de participa-ção, o maior percentual de atuação está concen-trado no período anterior à eleição: 66,67%. Ou-tros 22,22% passaram a atuar após a eleição e11,11% mantêm atuação após a eleição.

Dentre as organizações coletivas que gozamde preferência parlamentar, as associações soci-ais e/ou populares24 são aquelas que alcançammaior concentração de interesse, conforme po-demos observar no Gráfico 1.

23 Na medida em que os dados que me permitiu traçar este“perfil participativo” foi resultado, fundamentalmente, dacompilação de currículos, material de propaganda eleitorale, eventualmente, entrevista com algum parlamentar (dian-te da inexistência de qualquer registro nas Casaspesquisadas), tais dados, necessariamente, devem serrelativizados, considerando-se as enormes dificuldades nolevantamento, o que implica dizer que refletem e devem sercompreendidos na dimensão das informações obtidas.

24 A título de esclarecimento, foram qualificadas comoassociação institucional as organizações relacionadas aoexercício do poder institucional, tais como a União de Ve-readores ou o Conselho dos Delegados da Educação; comoassociação profissional, a OAB, a Associação dos Médi-cos etc.; como associação social e/ou popular, as associ-ações comunitárias, associações de moradores, Direito dosPovos, MST, Proteção ao Meio Ambiente etc.; como enti-dade assistencial e/ou comunitária, o Clube de Mães,Escoteiros, associação de deficientes, Rotary Club, Funda-ção Médico-Assistencial dos Trabalhadores Rurais etc.;como entidades empresariais, o Sebrae, o SESC, o Senaietc.; como entidades patronais, sindicatos, associações,federações de empresários, independentemente do ramo deatividade e entidades recreativas como associações es-portivas, clubes de futebol etc.

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GRÁFICO 1 – ATUAÇÃO EM ORGANIZAÇÕES COLETIVAS PELOS VEREADORES DE CUIABÁ – 11ª À 14ªLEGISLATURAS (1983-2004)

FONTE: Silveira (2007).NOTA: Universo de 94 vereadores.

Dos 36 parlamentares que têm (ou tiveram)alguma atuação extra-partidária, a maioria atua (ouatuou) em mais de uma entidade: 58,35% dentreos ativos antes da eleição; 19,44% dentre os ati-vos depois das eleições e 11,11% daqueles que semantêm atuantes mesmo após a eleição.

O que podemos extrair desse quadro? Primei-ramente, que não há tradição quanto à participa-ção em organizações coletivas por parte dos par-lamentares, mesmo antes das eleições; o que nosleva a refletir sobre os meios/recursos que sãoutilizados pelos parlamentares para conquistar ovoto do eleitor25 . Em segundo lugar, associaçõessociais e/ou populares, assim como sindicatos detrabalhadores e movimento estudantil desfrutamde prestígio antes das eleições. Ao garantir visibi-lidade pública, constituem-se em espaço atraentepara a alavancagem política institucional paramuitos dos futuros parlamentares.

A questão, portanto, não está na promoção elei-toral que tais espaços públicos propiciam, mas narelação que o agente político estabelece com tais

organizações após o processo eleitoral. Na maio-ria dos casos, o parlamentar ou o governante des-cola-se das demandas que ajudou a tornar públi-cas – e das quais se beneficiou eleitoralmente –, epassa a assumir o discurso abstrato do interessede “toda a sociedade”, a partir do qual se apresen-ta como representante do interesse coletivo su-pra-classe.

Na medida, porém, em que o interesse comumé uma abstração irrealizável em sociedades soci-almente desiguais – como bem ensinou Rousseau–, a abstração discursiva acaba por servir àquelesque, ideologicamente, têm seus interesses associ-ados ao interesse de toda a sociedade. Trata-se dalógica econômica liberal, segundo a qual o agenteeconômico privado, ao perseguir seu interesse par-ticular, acaba por realizar o interesse coletivo, istoé: ao perseguir o lucro, dinamiza as relações eco-nômicas, desencadeando um processo de desen-volvimento muito além da realização privada dosseus interesses, como emprego (direto e indire-to), consumo, receitas públicas etc.

Por outro lado, há que se registrar a preferên-cia parlamentar por associações sociais e/ou po-pulares: 47,22%, se considerarmos antes e de-pois das eleições. Quando analisadas mais de per-to – a partir das indicações relacionadas nos cur-rículos parlamentares – observa-se que tais asso-ciações são predominantemente relacionadas às

25 As motivações do voto tanto em Cuiabá quanto emVárzea Grande foram objeto de pesquisa da autora naseleições de 2000, cujos resultados estão publicados no li-vro Memória Social & Processo Eleitoral (SILVEIRA,2002).

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atividades de bairro (Associação de Moradores,por exemplo), as quais não contabilizam atuaçõesautônomas em relação ao poder instituído. Emmuitos casos, caracterizam-se por relações deapadrinhamento e clientelismo político, constitu-indo-se em verdadeiros redutos eleitorais.

Nesse aspecto, embora a atuação coletiva seja,na maioria das vezes, um importante instrumentode educação política26, é preciso relativizar taisnúmeros, posto que a indicação de participaçãoem organizações sociais não assegura, necessari-amente, qualidade política. Determinadas direçõespodem contribuir para a “deformação política” emvez de educar para o compromisso coletivo.

Por fim, considerados os 22 anos estudados27

e os 94 vereadores que passaram pela CâmaraMunicipal de Cuiabá, apenas 36 indicaram algu-ma participação em organizações coletivas. Rela-cionando tais parlamentares com os partidos pe-los quais passaram, não é possível, entretanto,estabelecer uma relação de correspondência, prin-cipalmente porque a conformação partidária de

oposição em Mato Grosso (especialmente duran-te o regime militar) revela frágil consistência, con-forme veremos mais adiante. Apesar disso, é pos-sível observar que o PMDB foi o partido que du-rante algum momento fez parte da alternativa par-tidária de 50% desses parlamentares.

Em decorrência da “fluidez” partidária que par-ticulariza o universo mato-grossense, 38,89% dosparlamentares que têm ou tiveram alguma partici-pação coletiva extra-partidária foram (ou são)filiados a partidos com certa proximidade a orga-nizações coletivas, e outros 47,22% filiaram-setanto a partidos que nacionalmente têm tradiçãoem organizações coletivas quanto a partidos quenão têm um histórico em organização popular:Arena, PDS, PFL, PPB, PL, PMN, PSL e PSC28.

Tal quadro, entretanto, não é prerrogativa dosvereadores. Dentre os deputados estaduais a situ-ação não é melhor. Ao contrário. Durante os 20anos29 e dos 119 parlamentares pesquisados, ape-nas 26 – ou seja, 21,85% – indicaram alguma or-ganização coletiva.

26 Trata-se, aqui, de recuperar o conceito de educaçãopolítica no sentido de educar para a democracia social e acapacidade de respeito e compromisso ao interesse coleti-vo. Ao contrário disso, muitos valem-se das associaçõescoletivas como forma de cristalizar relações de clientela ede messianismo populista.

27 Durante esse período, passaram pela Prefeitura Muni-cipal de Cuiabá: Gustavo Arruda, do PDS (1979-1983);Anildo Lima Barros, do PDS (1983-1985); Wilson Araújo

GRÁFICO 2 – ATUAÇÃO EM ORGANIZAÇÕES COLETIVAS PELOS DEPUTADOS ESTADUAIS – 10ª A 14ªLEGISLATURAS (1983-2002)

FONTE: Silveira (2007).NOTA: Universo de 119 deputados estaduais.

Coutinho, do PMDB (1985); Dante Martins de Oliveira,do PMDB (1986); Estevão Torquato da Silva, do PMDB(1986-1987); Alfredo Ferreira da Silva – Procurador Mu-nicipal (1987); Frederico Carlos Soares Campos, do PFL(1989-1992); Dante Martins de Oliveira, do PDT (1993-1994); José Meirelles, do PSDB (1994-1996); Carlos Britode Lima, do PSDB (1996); Roberto França Auad, do PSDB/PPS (1997-2000 e 2001-2004).

28 O PTB não foi considerado nessa classificação por nãose ajustar – em outros tempos, especialmente antes da

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Novamente, a situação reproduz-se, porémagravada: 70,08% desses parlamentares atuaramantes da eleição, 19,23% passaram a atuar depoisde eleitos e 7,69% mantêm-se atuantes. Dessesraros parlamentares com alguma proximidade comorganizações coletivas, 42,31% atuaram em maisde uma entidade e 7,69% mantêm atuação em duasentidades ou mais. Daqueles que passaram a atu-ar após a eleição, 15,38% atuam em apenas umaorganização coletiva.

No caso dos deputados estaduais, o berço daatuação política é o movimento estudantil(30,76%), seguido de perto pelas entidades pa-tronais (26,92%). Entretanto, após a eleição, sãoas associações institucionais que ascendem comoformas de organização coletiva extra-partidária(11,53%). Assim, corroborando o perfil sócio-econômico dos deputados, as entidades patronaisconstituem importante segmento de representa-ção política.

Analisados os partidos políticos pelos quaisesses parlamentares em algum momento foramfiliados, observa-se, também, a ascendência doPMDB: 46,15%. Considerando a filiação tanto apartidos do campo de resistência democráticaquanto àqueles que deram sustentação à ditadura– conforme recorte a ser desenvolvido adiante –34,61% dos parlamentares atuantes vêm dessamescla partidária; mesmo percentual daquelesdeputados cuja trajetória partidária restringe-seàqueles partidos sem tradição em organização po-pular: UDN, ARENA, PDS, PFL, PRN, PSC, DEM,PPB, PP, PR, PL e PMN. No caso do chamadocampo de resistência democrática, o percentual éde 30,78%.

Assim, as considerações feitas sobre os vere-adores são ainda mais adequadas aos deputados:os parlamentares não têm vínculos orgânicos comorganizações coletivas para além dos partidos po-líticos. A esmagadora maioria parece incorporar o

ditadura militar (1964-1985) – a esse critério de seleção.29 À frente do poder Executivo estadual estiveram osseguintes governadores: Frederico Carlos Soares Campos,da Arena (1979-1983); Júlio José de Campos, do PDS(1983-1986); Wilmar Peres, do PDS (1986-1987); CarlosGomes Bezerra, do PMDB (1987-1990); Edison de Freitas,do PMDB (1990-1991); Moisés Feltrin, do PFL (1991);Jayme Veríssimo de Campos, do PFL (1991-1994); DanteMartins de Oliveira, do PDT/PSDB (1995-1998 e 1999-2002) e José Rogério Sales, do PSDB (2002).

pressuposto de representantes coletivos sem vín-culos imperativos30, embora seja perfeitamentedemonstrável que tal pressuposto não encontraefetividade na atuação estatal. Trata-se, portanto,muito mais de um discurso de representação livredo que de realidade fática.

Nessa perspectiva, o distanciamento de orga-nizações coletivas de natureza popular, social, sin-dical, comunitária ou estudantil, por exemplo, pa-rece indicar muito mais certa autopercepção deauto-suficiência parlamentar que lhes isenta dereferência social mais orgânica. Assim, a partirdessa autopercepção, a tais organizações, lhes éreservada uma relação eqüidistante de representa-ção geral. Tal percepção e conseqüente atuação,que a princípio parece indicar isenção legiferante,não encontram respaldo nas práticas cotidianasdo Parlamento, conforme a análise da atuaçãoparlamentar no mesmo período que fizemos emoutra pesquisa em processo de conclusão (cf.SILVEIRA, 2007).

Então, se as organizações coletivas não sãofonte de interlocução social para os parlamenta-res, os partidos políticos apresentam-se como asúnicas instituições que mantêm certa “ascendên-cia” sobre deputados e vereadores.

Nesse particular cabem algumas consideraçõespreliminares. Os partidos políticos são veículosprivilegiados para a organização coletiva e a dis-puta eleitoral de um determinado projeto de soci-edade31. Dessa forma, a centralidade das campa-nhas eleitorais, fundada sobre a figura dos candi-

30 De acordo com Norberto Bobbio, “jamais uma normaconstitucional foi mais violada que a proibição de mandatoimperativo”, na medida em que se trata de uma regra semsanção (BOBBIO, 1992, p. 24-25). De outra forma: a idéiade mandato livre implica aceitar o pressuposto de que arepresentação não responde àqueles que elegeram o repre-sentante, mas ao conjunto dos eleitores. Nesse sentido, oseleitos parecem – e apenas parecem e quando lhes convêm– descolar-se dos interesses particulares dos grupos e seg-mentos que o elegeram para representar o conjunto da so-ciedade.31 Dados os limites desse artigo, não cabe aqui a apresen-tação dos principais projetos políticos e sociais que orien-tam o projeto de sociedade em âmbito, inclusive, internaci-onal: o liberalismo clássico, o socialismo, a social-democra-cia, o neoliberalismo e a governança progressista. A análisedesses projetos foi feita pela autora em outro trabalho,intitulado Caderno de Teoria Política (SILVEIRA, 2000),onde consta, também, a indicação bibliográfica específica.

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datos e em suas características pessoais, não re-flete a centralidade da política com que efetiva-mente conta no processo decisório. Porém, esseprocedimento é conveniente para prender a aten-ção do cidadão, induzindo-o a acreditar que a dis-puta eleitoral é entre personagens e não entre pro-jetos. Quanto mais convicto estiver o eleitor des-se processo, mais facilmente o projeto é preser-vado quando eventuais desgastes políticos atin-gem certos homens públicos.

Na mesma perspectiva inscreve-se a famosa“dança das cadeiras”, reflexo da volatilidade dospolíticos quanto aos partidos. Objeto de análisesacadêmicas e jornalísticas, a troca de partido so-mente adquire sentido mais relevante quando re-presenta a adesão a um projeto completamentediferente daquele do partido de origem. Nesse as-pecto, é importante registrar que o senso comum(e mesmo de muitos analistas políticos) tende aconfundir siglas partidárias com projetos políti-cos. Como não são sinônimos, a observação maisatenta às trocas de siglas acaba por demonstrarque tais câmbios respondem muito mais a ade-quações e interesses pessoais e/ou de grupos doque a mudanças substantivas no que diz respeitoao projeto.

Obviamente, tal desvio de atenção por partedo verdadeiro titular do poder – o cidadão – per-mite mantê-lo atento à periferia da política, en-quanto a centralidade do processo decisório man-tém-se preservado do foco de interesse. Nessaperspectiva, Gramsci (1988) identificou a “peque-na” e a “grande” política. Segundo ele, enquantoa “pequena política” reflete conflitos e ajustes de-correntes da disputa pelo equilíbrio de forças exis-tentes (sem ultrapassá-lo), a “grande política” res-ponde pela estratégia e pela tática; pela conjunturae pelo processo que envolve a política de estado ede governo.

A grande política, portanto, reflete o projetode sociedade que organiza – explícita ou implici-tamente – os partidos. A aparente irrelevância dospartidos preserva-os do debate macropolítico e,conseqüentemente, da escolha política eleitoral dosprojetos em disputa. A prática institucional, entre-tanto, revela a unidade programática que a cam-panha e a visibilidade midiática oculta. Como de-monstraram Figueiredo e Limongi, “a unidade dereferência a estruturar os trabalhos legislativos sãoos partidos e não os parlamentares”(FIGUEIREDO & LIMONGI, 1999, p. 20),

Mainwaring, Meneghello e Power, analisandoos chamados partidos conservadores32 no Brasil,definiram como tais aqueles partidos que, ideolo-gicamente, “tendem a apoiar políticas econômi-cas neoliberais e são mais conservadores quantoa questões como a segurança pública, o aborto ea moral familiar. E apesar dos autores reconhece-rem as diferenças interestaduais, pontuam que,organizativamente, tais partidos são marcados porbaixos níveis de disciplina partidária, pelopersonalismo eleitoral e pela utilização regular depráticas clientelistas” (MAINWARING,MENEGHELLO & POWER, 2000, p. 13).

No entanto, na medida em que tenho restri-ções à utilização de classificações tais como parti-do “conservador”, “progressista”, “de esquerda”,“de centro”, “de direita”, “ideológico” ou “prag-mático”33, por considerá-las muitos vagas e fluí-das, não as utilizarei neste trabalho.

Entretanto, dados os limites deste artigo e àimpossibilidade de analisar detidamente o progra-ma de cada um dos partidos envolvidos, assimcomo a atuação dos parlamentares ao longo doperíodo estudado, o que me permitiria sustentaraquele que considero o fundamento das diferen-ças interpartidárias – ou seja, o projeto de socie-dade que estrutura o programa do partido –, ousoaqui proceder a outro corte diferenciador: a ori-gem dos partidos políticos, tendo como referên-cia o período de vigência da ditadura militar e,portanto, sua posição de resistência ou de susten-tação quanto à ditadura.

Tal opção, obviamente, não impede a conflu-ência de parlamentares de viés autoritário e a-de-mocrático (no sentido lato da palavra) para o

32 Valendo-se de critérios definidos como pragmáticos, osautores identificaram os partidos conservadores brasilei-ros a partir da votação parlamentar e de pesquisas deopinião realizadas no Congresso. Dessa forma, segundoos autores, após 1985, são esses os partidos identificadoscomo conservadores no cenário nacional: PDC, PMB,PMN, PP, PSC, PSL, PST, PTB, PTR, PDS, PFL, PL,PPB, PPR, PRN, Prona, PRP e PSD (MAINWARING,MENEGHELLO & POWER, 2000, p. 31-32).33 Em que pese a relevância de estudos sobre partidosfeitos a partir de tais classificações, como a tese dedoutoramento de André Singer, intitulada Esquerda e Di-reita no eleitorado brasileiro (SINGER, 2000) e o livro deGláucio Ary Dillon Soares, A democracia interrompida(SOARES, 2001).

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MDB, considerando-se tanto a adesão de antigosudenistas, como a fragilidade do caráter de resis-tência/oposição do MDB matogrossense, confor-me veremos em seguida, de acordo com estudosde Neves (2001).

O pertencimento ao MDB, entretanto, mesmonas condições diferenciadas de Mato Grosso, im-plicava custos políticos aos seus membros. Nes-se sentido, mesmo considerando que o períodocoberto por essa pesquisa contemple apenas osdois últimos anos da ditadura militar, a passagem

pelo partido de oposição à ditadura possui um ca-ráter contestatório nada desprezível; mesmo queem determinadas circunstâncias o pragmatismopolítico possa ser associado ao oportunismo elei-toral.

Posto isso, a análise dos parlamentos municipal eestadual, durante os anos de 1983 a 2004 permi-te-me confirmar observações iniciais. Em geral,as legislaturas foram compostas por bancadasoriginadas da Arena34, do MDB e do PTB e seusdesdobramentos partidários.

QUADRO 7 – ELEITOS PARA A CÂMARA MUNICIPAL DE CUIABÁ POR LEGISLATURA (1983-2004) (%)

FONTE: Silveira (2007)

QUADRO 8 – SUPLENTES PARA A CÂMARA MUNICIPAL DE CUIABÁ POR LEGISLATURA (1983-2004) (%)

FONTE: Silveira (2007)34 Os nomes dos partidos políticos citados são apresenta-dos em anexo.

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O PERFIL DO PODER LEGISLATIVO DA CAPITAL E DO EST. DE MATO GROSSO (1983-2004)

Analisando a conformação partidária da Câ-mara Municipal de Cuiabá no período de extensos22 anos, observa-se uma forte ascendência doPMDB, originário do MDB dos anos de vigênciado bipartidarismo (1965-1979). Nada menos que20,59% dos eleitos e 15,79% dos suplentes eramfiliados ao partido no momento da eleição. Se am-pliarmos um pouco mais o leque e considerarmosque o PSDB (12,74%) surgiu de uma dissidênciado PMDB (1988), sem grandes diferenças de fun-do quanto ao projeto de sociedade, verificamosque nessa perspectiva encontraram-se 33,33% doseleitos e 34,22% dos suplentes.

Na outra ponta, como contraposição ao MDB(PMDB) compareceu a ARENA, que com areintrodução do pluripartidarismo gerou o PDS,que por sua vez deu origem ao PFL (atual DEM eanterior PPR e PPB).

Considerando-se essa vertente ideológica (PDS/PFL/PPB/PL/PDC35/PTB), tem-se que a CâmaraMunicipal de Cuiabá foi composta por 43,13% doseleitos do campo partidário cuja origem remete aosapoiadores da ditadura militar. Acrescentando-se os31,57% dos suplentes, temos uma representaçãoextremamente significativa desse campo.

Como segmento histórico ligado ao trabalhismo,temos o PTB, que por ocasião da reintrodução dopluripartidarismo e da disputa entre Leonel Brizolae Ivete Vargas pela direção da sigla (com a vitóriadesta), acabou por gerar o PDT, sob a direção deBrizola. Programaticamente, entretanto, o PTBacabou por aproximar-se do campo dirigido peloPFL e seus aliados. O PDT, por sua vez, ocupouo espaço deixado pelo PTB das origens.

No campo do trabalhismo, tanto o PDT quantoo PT disputaram espaço, embora com projetos ini-cialmente – e substantivamente – diferenciados. En-quanto o PDT manteve-se na perspectiva populistade um trabalhismo atrelado ao caudilho (e ao Esta-do), sem perspectiva de classe, o PT36 surgiu comoum partido classista e emancipacionista por força daorganização autônoma dos próprios trabalhadores,em plena ditadura militar.

Dessa forma, enquanto o PDT contou com10,78% dos eleitos e 18,43% dos suplentes, o PTnão atingiu, sequer, 4% dos eleitos e 3% dos su-plentes.

A ALMT, por sua vez, não teve conformaçãomuito diferente daquela registrada no ParlamentoMunicipal.

QUADRO 9 – ELEITOS PARA A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO PORLEGISLATURA (1983-2002) (%)

FONTE: Silveira (2007)

35 Em abril de 1993, o PDC fundiu-se ao PDS, dandoorigem ao PPR. O PP, que em 1982 havia se fundido aoPMDB, ressurgiu em 1993, porém fundiu-se ao PPR, dando

origem ao PPB em setembro de 1995 (FLEISCHER, 2004).

36 O PT, apesar do seu comparativamente curto períodode existência, está no terceiro projeto de sociedade. Embo-

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QUADRO 10 – SUPLENTES PARA A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO PORLEGISLATURA (1983-2002) (%)

FONTE: Silveira (2007)

ra a ruptura permita identificar contextos históricos, o pro-cesso de construção é anterior ao momento de corte. Nessesentido, podemos identificar, historicamente, um partidocom forte compromisso socialista e cuja transformação deprojeto assumiu forma com a expulsão de tendências genu-inamente socialistas, em 1992. A partir daí passou a vigerum projeto de inspiração social-democrata, nos moldes daexperiência européia. O processo de transformação petistade social-democrata para uma transição para o projetoneoliberal assumiu forma pública com a expulsão de depu-tados federais e da Senadora Heloísa Helena, em 2003.

O campo historicamente identificado com aresistência democrática durante o período militar(PMDB e PSDB) alcançou 36,14% durante os 20anos estudados. A suplência alcançou 25,93%. Nocampo daqueles que deram sustentação à ditadu-ra militar (PDS, PFL, PL, PTB, PPB, PRN e PDC),a supremacia foi incontestável: 52,10%. Conside-rando a suplência, também aí detiveram ascen-dência: 50%.

No campo do trabalhismo – respeitadasas suas diferenças – temos o PDT com 5,04%dos eleitos e o PT com 3,36%. A suplência foimais generosa com o PDT, que chegou a 12,97%,mas não garantiu nenhuma atuação ao PT.

Tanto na conformação da Câmara Muni-cipal de Cuiabá quanto da Assembléia Legislativado Estado de Mato Grosso, o PMDB, isoladamen-

te, alcança superioridade eleitoral: 20,59% e29,41%, respectivamente.

Considerando, entretanto, a representação par-tidária a partir da percepção eleitoral do eleitor(mesmo que difusa e contraditória), podemos ana-lisar a configuração dos parlamentos municipal eestadual tendo como referência a contraposiçãoentre aqueles que deram sustentação ao regimemilitar e aqueles cuja trajetória é marcada pela re-sistência democrática.

Nessa perspectiva, podemos considerar que ocampo representativo de partidos37 que – diretaou indiretamente – deram sustentação a governosautoritários foi dominante na ALMT (52,94%) eum pouco menos referendado na CMC (46,07).Em contraposição, a CMC (Gráfico 3) registroumaior representatividade de partidos oriundos daluta de resistência democrática (53,93%), queobtiveram 47,06% na ALMT (Gráfico 4).

37 Incluem-se no campo democrático: PMDB, PDT,PSDB, PT, PSB e PPS. Registre-se que o PPS foi originadodo PCB, em 1992. No campo autoritário incluem-se: PDS,PTB, PPB, PFL, PL, PDC, PRN e PMN. Estes três últi-mos foram concluídos tanto pela proeminência de figuraspúblicas ligadas à Arena e ao PDS, quanto pelo discurso deviés autoritário que perfaz o Manifesto do Partido deMobilização Nacional, bastante articulado com aquele pro-veniente do Prona, cuja formação remete à ascendênciamilitar.

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O PERFIL DO PODER LEGISLATIVO DA CAPITAL E DO EST. DE MATO GROSSO (1983-2004)

GRÁFICO 3 – PERFIL IDEOLÓGICO PARTIDÁRIO DA CÂMARA MUNICIPAL DE CUIABÁ – 5 LEGISLATURAS(1983-2004) – ELEITOS E SUPLENTES

FONTE: Silveira (2007).NOTA: Universo de 140 vereadores.

GRÁFICO 4 – PERFIL IDEOLÓGICO PARTIDÁRIO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA – 5 LEGISLATURAS (1983-2002) – ELEITOS E SUPLENTES

FONTE: Silveira (2007).NOTA: Universo de 173 deputados.

V. TRAJETÓRIA POLITICO-PARTIDÁRIA

De acordo com Maria Neves, “o sistema bipar-tidário Arena-MDB, no qual se assentou o autorita-rismo, expressou-se em Mato Grosso como umprojeto continuísta das elites do pluripartidarismo”(NEVES, 2001, p. 269). Segundo a autora, oMDB, localmente, era um partido sem transpa-rência ideológica ou consistência oposicionista ea Arena um partido majoritário, que lhe permitiu,inclusive, capturar com eficiência o voto opositor,especialmente por meio da cisão interna da Arena,polarizada entre Arena 1 e Arena 2 (idem, p. 271)

Tal hegemonia partidária, segundo Neves, temorigem especialmente no processo de recomposi-ção das forças políticas no contexto debipartidarismo. Enquanto a Arena absorveu a es-magadora maioria das lideranças políticas (anali-sadas, especialmente, aquelas com mandato), oMDB regional sofreu com a conjugação de doisaspectos: de um lado, “abrigou egressos daUDN”38, o que, segundo a autora, “contribuiu para

dificultar a transparência da identificaçãoemedebista”. (idem, p. 292, grifos do original); deoutro, o MDB estruturou-se, fundamentalmente, apartir das bases do PTB, que no início dos anos1960 “apenas começara a afirmar-se como a ter-ceira força eleitoral no estado”, e, além disso, nãohavia se constituído em uma “oposição de fato noperíodo pluripartidário, na medida em que tinha umavasta história de alianças definidas ao nível regio-nal, e às vezes municipal, com o PSD e até com aUDN” (idem, p. 300, grifos do original).

É sobre essa tradição política eleitoral que po-demos compreender o perfil majoritariamente con-servador da ALMT e, em menor medida, da CMC.

O acompanhamento da trajetória partidária39

dos parlamentares corrobora o quadro acima ana-lisado, na medida em que a maioria dos deputados

38 A política matogrossense, segundo Neves, foi marcadapela hegemonia bipartidária, durante o períodopluripartidário anterior ao golpe militar, pelos partidos PSD

e UDN, sendo o PTB um partido pouco alicerçado regio-nalmente.39 Na mesma perspectiva das dificuldades enfrentadaspara o levantamento dos demais dados, os que dizem res-peito à trajetória partidária foram singularmente dificulta-dos. Tanto os eventuais documentos encontrados na CMCe na ALMT muitas vezes são omissos quanto a essas in-formações, ou quando as contêm são irregulares ou por

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e vereadores (eleitos e suplentes) teve alguma pas-sagem pelos principais partidos que conformarama análise anterior.

A opção pelo acompanhamento da adesão par-tidária ou mesmo “passagem” pelos partidos re-velou-se interessante por servir de referência paraacompanhar a trajetória dos parlamentares. Nãopor acaso, não se observa índices representativos

demais econômicas. Por outro lado, quando do acesso di-reito aos próprios parlamentares (seja via entrevista, ques-tionário ou mesmo entrega de currículo), esses não costu-mam informar todos os partidos pelos quais passaram,muito menos a ordem de filiação partidária. Essa análise,portanto, foi elaborada a partir dos dados disponíveis e dasinformações concedidas pelos entrevistados.

de filiação a partidos com forte identificação ideo-lógica classista ou a partidos sem capital eleitorale, portanto, capazes de abrigar candidaturas as-cendentes, mas dependentes de coeficiente elei-toral.

Nesse sentido, considerando as legislaturas, oGráfico 5 é expressivo da preferência partidáriados deputados estaduais.

GRÁFICO 5 – PARTIDOS POLÍTICOS PELOS QUAIS PASSARAM OS DEPUTADOS ESTADUAIS NA SUATRAJETÓRIA POLÍTICA PARTIDÁRIA – 10ª À 14ª LEGISLATURAS (1983-2002)

FONTE: Silveira (2007)

Resumidamente, observado todo o períodoestudado, o PMDB foi o partido com maior nú-mero de parlamentares filiados (permanente ou porperíodo reduzido), alcançando 42,77%. O PFLatingiu 37,57%; o PDS 35,26% e a Arena 28,32%.O PSDB registrou 25,43%.

Na Câmara Municipal, também foi o PMDB opartido com maior adesão por parte dos vereado-res, consideradas as passagens: 44,29%; o PSDBtotalizou 41,43%; o PDT e o PTB atingiram26,43% cada um e o PFL 25,71%.

Assim, em que pese o perfil partidário maisdemocrático40 (conforme o Gráfico 6), o elemen-to novo é o crescimento do PPS, alcançando 15%(na média de todo período), assim como o cres-cimento do PT, especialmente na 15ª Legislatura:17,24%. Porém, considerado todo o período es-tudado na Câmara, a média do partido totalizouapenas 6,43%.

Na medida em que esses dados correspondemao partido com maior número de adesões duranteo período pesquisado, não captaram o crescimentoeleitoral do PDSB nas eleições de 1998 (ALMT) e2000 (CMC), o qual obteve maior votação (con-siderando-se tanto eleitos quanto suplentes), con-forme quadros apresentados anteriormente. Nes-se aspecto, importa registrar a reeleição tanto de

40 Essa classificação, como já foi dito, reflete e respondetão somente aos critérios de recorte da história brasileirarecente.

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Dante Martins de Oliveira (PDSB) para o Gover-no de Mato Grosso quanto de Roberto França(PSDB) para a Prefeitura de Cuiabá, assim como

a habitual migração partidária que acompanha ospartidos que estão no exercício do poder e quegozam de relativa legitimidade social.

GRÁFICO 6 – PARTIDOS POLÍTICOS PELOS QUAIS PASSARAM OS VEREADORES NA SUATRAJETÓRIA POLÍTICA PARTIDÁRIA – 11ª À 15ª LEGISLATURAS (1983-2004)

FONTE: Silveira (2007)

Dessa forma, se isoladamente os partidos sãoregistros indicativos da adesão dos parlamentaresa determinadas perspectivas históricas ou ideoló-gicas, assim como de projetos de sociedade, per-tinente também é verificar quais as trajetórias po-lítico-partidárias mais comuns entre parlamenta-res municipais e estaduais.

Na medida em que várias combinações são pos-síveis quando se trata da filiação partidária, a títulode registro foi possível identificar, na Câmara Mu-nicipal, que a trajetória41 mais comum perfaz o se-guinte trânsito: PMDB > PDT > PSDB (4,29%) ePMDB > PTB > PFL (3,57%). Este também foi opercentual alcançado, isoladamente, pelo PT. NaALMT, por sua vez, a seqüência Arena >PDS eArena > PDS > PFL alcançaram 6,94% cada uma.O PMDB, isoladamente, totalizou 5,78%.

Como tais índices não me permitem extrair ne-nhuma conclusão, somente posso realçar que asverdadeiras matizes ideológicas transcendem esserecorte histórico de sustentação versus resistên-cia à ditadura, posto que a oposição ao regimemilitar nada revela sobre o caráter (conteúdo eabrangência) da democracia defendida pelo parti-do em questão.

O redimensionamento da análise dos partidospolíticos, a partir da centralidade dos projetos, de-manda uma análise do programa e da atuação par-tidária, que, como já declarei anteriormente, não éobjeto deste artigo. Esse redimensionamento, en-tretanto, permite-nos compreender, semestranhamentos, porque trajetórias que caminhamda Arena para o PSB (Arena > PDS > PFL > PSB)ou para o PPS (Arena > PDS > PFL > PPS) nãorefletem, propriamente, inconsistência ideológica.Porém, na mesma perspectiva, exigiria esforço deanálise para explicar o trânsito entre a Arena e oPT, dependendo do período histórico em que taispassagens ocorrem.

Por fim, cabe observar que a nomenclatura dasigla partidária não é indicativa do projeto do par-tido. Basta verificar as metamorfoses do PPS, quedo PCB transformou-se em ninho de grandes

41 Na medida em que foram pesquisados 213 parlamenta-res e que há tradição quanto à troca de partidos, permitindopassagens rápidas por algumas siglas, a construção de umperfil mais representativo foi inviável. Considerando queas trajetórias são muitas e que seguem a mesma seqüênciahistórica, apesar de muitas vezes refletirem os mesmospartidos, foi impossível a totalização de números mais ex-pressivos, mesmo que do ponto de vista programático te-nham sido raras as mudanças partidárias.

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empresários42 que, obviamente, de socialistasnada têm. Nessa mesma perspectiva cabe refletirsobre a Social-Democracia do PSDB, o Socialis-mo do PSB e a prevalência dos interesses dos tra-balhadores por parte do PT na atualidade.

VI. O PARLAMENTO COMO SINÔNIMO DEVIVER DA POLÍTICA

Max Weber, no seu clássico A Política comoVocação (WEBER, 1968), identificou dois tipos depolíticos: aqueles que vivem para a política e aque-les que vivem da política. Os primeiros não de-pendem financeiramente da política e, assim, dedi-cam-se a ela por razões de princípio; os segundosvivem dos recursos que extraem da própria ativi-dade política. A maioria dos parlamentarespesquisados, entretanto, parece conjugar, sem con-flitos, ambas as situações; mas o viver da política –fazendo dessa atividade uma profissão43 – subordi-na o caráter de princípios do viver para a política.

Observando-se o universo dos 119 deputadosestaduais que passaram pela ALMT durante o perí-odo pesquisado e excluindo-se aqueles que forameleitos apenas uma vez (26,89%) ou foram suplen-tes uma única vez (18,49%), mais de 50% dosparlamentares (54,62%) obtiveram êxito em man-terem-se ativos como representantes legislativos.

Também nessa empreitada várias composiçõessão possíveis. Desde aqueles que foram eleitos duasvezes (7,56%) ou três vezes consecutivas (5,04%),

àqueles que foram suplentes duas vezes consecuti-vas (5,89%) ou eleitos três vezes, sendo uma vezcomo suplente, ou tantas outras combinações pos-síveis. Porém, considerando-se o quadro geral,pode-se inferir que há uma significativa estabilida-de no quadro de parlamentares, sendo a recondução(ou sua tentativa) um objetivo permanentementerenovado. Isso, em especial, porque a nãorecondução consecutiva ao poder Legislativo nãosignifica que o político não tenha disputado – e as-sumido – o poder em outras instâncias estatais oumesmo em outro poder. Esse é o caso de parla-mentares que, por exemplo, disputam a Prefeiturado interior do estado, ou daqueles que se afastampara assumir o Secretariado ou mesmo a direçãode órgãos públicos. Ou mesmo daqueles que nãoalcançam os votos necessários para a reconduçãoimediata, mas retornam depois.

Considerando apenas a dicotomia recondução/renovação, a partir do número de parlamentaresque assumiram o poder em algum momento domandato (ou seja, eleitos e suplentes que assumi-ram), temos um quadro cuja média aponta paraum percentual de 38,29% de recondução na ALMTe 34,06% na CMC, consideradas todas aslegislaturas.

Na Câmara Municipal (Gráfico 7), o quadrorevela uma tendência de crescimento de recondução:de 17,39% na 11ª para 48,27% na 15ª Legislatura.

GRÁFICO 7 – RENOVAÇÃO E REELEIÇÃO DA CÂMARA MUNICIPAL DE CUIABÁ – 11ª À 15ª LEGISLATURAS(1983-2004)

FONTE: Silveira (2007).NOTA: Universo de 94 vereadores.

42 Não por acaso, o maior empresário de soja do país,Blairo Maggi, foi eleito pelo PPS, em 2002, para o governodo estado de Mato Grosso.

43 Não por acaso, dois entrevistados informaram comosua profissão ser “político”. Outros, mais discretos, prefe-rem indicar sua formação acadêmica como atividade profis-sional, embora não a exerça há algum tempo.

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O PERFIL DO PODER LEGISLATIVO DA CAPITAL E DO EST. DE MATO GROSSO (1983-2004)

No caso da ALMT, ao contrário, não é possí-vel acompanhar uma linha ascendente derecondução ao poder. Considerando, entretanto,a 10ª, a 11ª e a 13ª legislaturas, é possível identifi-

car percentuais superiores a 40%. Porém, a reno-vação acentuada ocorrida na 12ª (25,64%) e na14ª (35%) legislaturas forçaram a média para bai-xo, como podemos observar no Gráfico 8.

GRÁFICO 8 – RENOVAÇÃO E REELEIÇÃO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE MATO GROSSO – 10ª À 14ªLEGISLATURAS (1983-2002)

FONTE: Silveira (2007).NOTA: Universo de 119 deputados.

Entretanto, se acrescentarmos a esses núme-ros o fato de que muitos parlamentares movimen-tam-se em direção a outros poderes (poder Exe-cutivo), outras esferas (municipal, estadual, fe-deral) e também outras formas de participação nosespaços decisórios da estrutura estatal, observa-remos que o percentual de conservação parlamen-tar é bastante significativo.

Tal realidade, embora demonstre adequada adiferenciação elaborada por Weber entre os quevivem da política e aqueles que vivem para a polí-tica, também demonstra que aqueles que passama viver da política não o fazem porque não dis-põem de recursos. Mas, ao contrário, passam aviver da política como meio preferencial de acu-mular patrimônio particular, como veremos adi-ante, a partir da avaliação das declarações de bensdisponíveis.

Analisando, inicialmente, a atividade políticainstitucional, constatei que a vereança constitui-se em um importante trampolim para o exercíciodo poder nas instâncias estatais. Seja por meio do

processo eleitoral (para cargos legislativos ou exe-cutivos), seja por meio das relações de barganhaque alcançam maior consistência e chances de êxitoconforme o capital eleitoral e ascendência na es-trutura partidária desfrutadas pelo político.

Dessa forma, o histórico político institucionaldos deputados estaduais (Gráfico 9), ratifica a im-portância dos espaços locais como mecanismo deascensão eleitoral. Não por acaso, como vimosacima, a tendência dos parlamentares da ALMT édisputar a reeleição ou, então, consolidar espaçosnas secretarias de estado, empresas ou órgãospúblicos ou, ainda, disputar as eleições para aCâmara Federal ou ao Senado. Também constituiárea de interesse a disputa pela Prefeitura Munici-pal, seja da capital seja do interior. O retorno àCâmara Municipal não se apresenta como alter-nativa comum, revelando-se mais claramente noscasos em que a disputa pela reeleição não obteveêxito e as demais opções institucionais de podernão se apresentam satisfatórias para alimentar (eaumentar) o capital eleitoral para as próximas elei-ções.

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GRÁFICO 9 – TRAJETÓRIA POLÍTICA DO DEPUTADO ESTADUAL – 10ª À 14ª LEGISLATURAS (1983-2002)

FONTE: Silveira (2007).NOTA: Universo de 119 deputados.

Na Câmara de Vereadores (Gráfico 10), a con-jugação de boas articulações políticas e midiáticas,assim como visibilidade popular e práticasassistenciais tendem a aumentar, substancialmen-te, a performace eleitoral, como já disse acima,permitindo vôos mais altos. Nessas condições, oParlamento Estadual transforma-se no caminhomais comum para alguns políticos, que preferemarriscar-se em outras esferas de poder, as quaisasseguram, também, maior poder e, portanto, mai-or capital eleitoral.

Nessas condições, percebe-se, claramente, quea experiência no Parlamento constitui-se em umaimportante oportunidade para profissionalizar-secomo político, intercalando funções executivas elegislativas. Conseqüentemente, quanto maior acapacidade de manter-se à frente dos espaçospúblicos (principalmente os eletivos), maior tam-bém é a capacidade de ascendência sobre outrospolíticos e partidos.

GRÁFICO 10 – TRAJETÓRIA POLÍTICA VEREADORES CÂMARA MUNICIPAL DE CUIABÁ – 11ª À 15ªLEGISLATURA (1983-2004)

FONTE: Silveira (2007).NOTA: Universo de 94 vereadores.

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O PERFIL DO PODER LEGISLATIVO DA CAPITAL E DO EST. DE MATO GROSSO (1983-2004)

Nessa perspectiva, a ocupação de espaços depoder é decisiva. Afinal, se o capital eleitoral é acondição e também a finalidade de manter-se emevidência, exercer o secretariado (municipal ouestadual), dirigir empresas públicas, participar doprocesso decisório garantido pela mesa diretora(seja da Câmara seja da Assembléia), ou, ainda,deter cargos diretivos na estrutura partidária,constituem-se em importantes instrumentos de

consagração política e, portanto, de sobrevivên-cia na política.

Essas condições estão espelhadas nos Gráfi-cos 10 (CMC) e12 (ALMT), nos quais se obser-vam, claramente, os movimentos ascendentesconstruídos no processo posterior ao período elei-toral. Abertas as portas da institucionalidade, es-pecialmente por meio da vereança, a dialética dopoder vai tecendo suas amarras.

GRÁFICO 11 – TRAJETÓRIA POLÍTICA VEREADORES CÂMARA MUNICIPAL DE CUIABÁ – 11ª A 15ªLEGISLATURA (1983-2004)

FONTE: Silveira (2007).NOTA: Universo de 94 vereadores.

A análise dos parlamentares que passam a fre-qüentar com espantosa regularidade as esferas dopoder instituído precisa considerar, ainda, a quan-tidade de vezes que o mesmo parlamentar exercerdeterminado cargo, ou mostra-se multifuncional,isto é, capaz de responder por diferentes secreta-rias.

Considerando o secretariado estadual e muni-cipal, 8,51% dos vereadores alçados a condiçãode secretários exerceram essa atividade tanto naesfera municipal quanto estadual. No caso dosdeputados estaduais, foram 7,56%.

No caso da mesa diretora (da Câmara ou daAssembléia) representa um sobre-poder nada des-prezível para o exercício cotidiano das atividadesparlamentares. Aqueles eleitos pelos seus parespara comporem a mesa diretora (especialmentepor meio de acordos partidários), para o mandatode um biênio, têm assegurado um conjunto deprerrogativas que vão desde a substituição do ti-tular do poder Executivo até a instituição da dinâ-mica de trabalhos, o que significa, inclusive, acapacidade de agilizar ou de criar obstáculos aseu andamento.

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GRÁFICO 12 – TRAJETÓRIA POLÍTICA DOS DEPUTADOS ESTADUAIS – 11ª À 15ª LEGISLATURAS (1983-2004)

FONTE: Silveira (2007).NOTA: Universo de 119 deputados.

Ainda sobre a política institucional como meiode vida e profissionalização, há que se registrar autilização do Tribunal de Contas do Estado de MatoGrosso, como espaço privilegiado de poder e fontede recursos materiais. Considerando apenas operíodo estudado, dos 29 deputados estaduais queexerceram algum cargo em empresa ou órgãopúblico, nada menos que nove deles foram nome-ados para o TCE-MT.

De acordo com lista divulgada pelo próprio Tri-bunal, os conselheiros – cargos vitalícios, comsalário de R$ 22 111,25 (LOTACIONOGRAMADO TCE EXPÕE O NEPOTISMO, 2007) – po-dem nomear 20 assessores, sem necessidade deconcurso público, o que garante aos conselheirosuma ampla confraternização familiar com dinhei-ro público.

Porém, tão ou mais grave do que a “orgianepotista” é a nomeação de políticos com extensalista de processos civis e criminais em andamen-to, acusados de improbidade administrativa,peculato, formação de quadrilha e lavagem de di-nheiro44. Ainda mais se considerarmos que a prin-

cipal atribuição do TCE é, justamente, o controledas finanças públicas, pois, de acordo com sítiode internet do Tribunal, trata-se de uma “institui-ção pública de controle externo responsável emzelar pelo patrimônio público e fiscalizar a aplica-ção dos recursos”.

Por fim, valendo-me das declarações de bens45

dos candidatos entregues ao TRE-MT, foi possí-vel estabelecer alguns parâmetros de referênciapara dimensionar o coroamento patrimonial de“tanto empenho” institucional, especialmente se

44 Segundo denúncias do Ministério Público (MP) deMato Grosso, o Conselheiro Humberto Bosaipo (DEM)desviou cerca de R$ 97 milhões em recursos públicos, es-

pecialmente quando esteve à frente da Mesa Diretora daALMT. Ainda de acordo com o MP de Mato Grosso, oConselheiro responde a 50 ações públicas e 15 criminais.45 Em que pese todo o esforço feito, não foi possívelconseguir todas as declarações a partir de 1998 (quando foiinstituída a obrigatoriedade) até 2006, especialmente doscandidatos municipais, posto que essas declarações sãoguardadas nos cartórios eleitorais; que estabelecem algu-mas dificuldades adicionais para o acesso. No caso dasDeclarações dos candidatos estaduais e federais, dadas asdificuldades operacionais do TRE-MT, tive que me valerdos portais www.excelencias.org.br e dewww.politicosdobrasil.com.br (acesso em 10.ago.2009).Nesse sentido, agradeço especialmente às indicaçõesfornecidas pelo jornalista Fernando Rodrigues, da Folha deSão Paulo.

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O PERFIL DO PODER LEGISLATIVO DA CAPITAL E DO EST. DE MATO GROSSO (1983-2004)

considerada a hegemonia neoliberal, que satanizao Estado e tudo que remeta à política e às políti-cas públicas.

De acordo com levantamento realizado em ju-nho de 2007, o salário do Vereador de Cuiabácorresponde a R$ 7 150,00, o qual é acrescido deverba indenizatória de R$ 4 000,00, totalizando,assim, R$ 11 150,00 mensais. O Deputado Esta-dual, por sua vez, recebe R$ 9.540,00, acrescidode verba indenizatória no valor de R$ 15 000,00,o que garante um montante mensal de R$ 24540,00. Entretanto, quanto confrontei as Decla-rações de Bens e Direitos de 1998, 2002 e 2006,deparei-me com um incremento patrimonial ver-dadeiramente excepcional de alguns deputados.Variações que, evidentemente, não podem serexplicadas pelos salários recebidos, ainda mais seconsideradas as recorrentes justificativas parla-mentares para demandar aumento dos própriossalários, fundadas no argumento dos enormescustos da atividade política46.

Dentre os 18 políticos dos quais foi possívelcalcular a variação patrimonial entre os anos de1998 e 2006, é possível extrair uma média de305%. Porém, como toda média absorve tambémos menores índices, assim como os negativos, épreciso destacar que entre esses deputados doisdeles realizaram a façanha de aumentar seupatrimônio para além dos três dígitos: 2 005,61%e 1 234,10%. Com a mesma competência, umex-governador aumentou seu patrimônio em 2123,69% no curto espaço de 10 anos.

A análise mais minuciosa das Declarações, en-tretanto, permite perceber que alguns dos índicesde variação patrimonial negativa ou reduzida apre-sentam algumas peculiaridades: 1) há declaraçõesque não apresentam valores, mas apenas a discri-minação do bem; 2) há declarações que, compa-radas, apresentam depreciações quecorrespondem a quase um terço do valor inicial-mente declarado; 3) terrenos urbanos – especial-mente no interior do estado – são avaliados em

valores absolutamente irrisórios. Alguns chegama apresentar valor igual a R$ 1; 4) bens localiza-dos em Cuiabá, em bairros considerados de clas-se média alta, aparecem com valor subavaliadoou, simplesmente, sem referência de valor.

Por fim, importa registrar o saldo em contacorrente declarado por um Deputado: R$1.730.000,00, o que representou um aumentopatrimonial – nada desprezível – de 525,33% nocurto espaço de quatro anos.

Vê-se, assim, que várias são as formas pormeio das quais os agentes públicos passam a vi-ver da política e fazem dessa condição um con-veniente mecanismo de ascensão social epatrimonial.

Conseqüentemente, o pressuposto weberianode que aqueles que têm recursos materiais podemviver para a política não encontra ressonâncianos dados pesquisados. Em primeiro lugar, por-que a política institucional passa a constituir-seem fonte de renda, mas também porque a partici-pação direta nas esferas decisórias – seja no po-der Legislativo seja no poder Executivo – permitea utilização de competências administrativas oulegislativas para estabelecer benefícios que alcan-çam atividades econômicas e relações decompadrio social e/ou familiar.

Em segundo lugar, porque se a permanênciana atividade política institucional ao longo de vári-os anos (permitindo a profissionalização), nãoassegurasse ascensão econômica e social, estarí-amos diante de uma situação no mínimo inusita-da: o afastamento direto da atividade profissionalde origem não compromete a estupenda acumu-lação patrimonial, o que significaria pôr por terratoda lógica econômica liberal que sustenta o modode produção capitalista.

VI. CONCLUSÕES

Considerado um “mal necessário” para os li-berais e um “elefante branco perdulário eineficiente” para os neoliberais, o Estado é, naverdade, a noiva sempre em disputa, e cuja con-quista transforma-se em um pródigo casamento...para poucos. Como, entretanto, o Estado é o es-paço político por excelência e para o qual conver-gem as disputas sociais, o grande desafio doscônjuges é manter alienados aqueles que, por ven-tura, possam ameaçar a estabilidade da relação,comprometendo os ganhos privados a partir daocupação dos espaços públicos.

46 Não farei aqui, sequer, a relação necessária entre ossalários dos parlamentares e o salário mínimo vigente nopaís e sua fragrante inconstitucionalidade. De acordo comDieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estu-dos Socioeconômicos), o salário mínimo necessário paracumprir os preceitos constitucionais deveria ser de R$ 2072,70, em junho de 2008.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34 : 271-299 OUT. 2009

Ao investigar o perfil do poder Legislativo dacapital e do estado de Mato Grosso, ao longo demais de 20 anos, foi possível observar o quanto anegação do Estado – presente na maioria dos dis-cursos partidários e eleitorais – não encontraguarita na prática dos parlamentares. O empenhoem manter-se à frente dos espaços estataisdecisórios – seja no poder Legislativo seja no po-der Executivo – revela justamente o contrário.

Alienados da participação mais efetiva das prá-ticas políticas institucionais, os cidadãos-eleito-res somente acompanham (quando muito) a cha-mada “política pequena”. E, hipnotizados pelasdisputas por micro-poderes, os eleitores deixampassar incólumes a reprodução das práticas quecondenam e que, estupefatos, na maioria das ve-zes, não compreendem. Tais práticas, entretanto,cumprem um importante papel de consolidar umsentimento social de desencantamento com a po-lítica institucional, assegurando, assim, a perma-nência no poder daqueles que fazem da políticaaquilo que a maioria dos eleitores condena.

A conseqüência desse processo eleitoralmenteretroalimentado é a composição de parlamentoscom pouca renovação parlamentar e com perfilpartidário significativamente conservador. E, em-bora a condição profissional e sócio-econômicanão seja garantia de renovação política e/ou com-promisso social, não deixam de ser relevantes ospercentuais de representação de trabalhadores as-salariados47, assim como a ínfima representaçãode partidos social e efetivamente comprometidoscom os interesses dos trabalhadores.

Em contraposição à sub-representação laboral,os empresários – articulados especialmente comos profissionais liberais – forjaram uma represen-tação sólida, objetivamente unificada pelos proje-tos de sociedade que defendem (via partidos), masque discursivamente negam.

Tem-se, assim, que boa parte dos parlamenta-res conseguiu construir uma base de sustentaçãoinstitucional que se espraia para além dos espaços

eletivos, garante-lhes atuação política e dispõe-lhesparcelas não desprezíveis de poder. Afinal, se ospercentuais de renovação aparentemente revelamsuperioridade sobre aqueles de recondução, taisíndices não expõem as trajetórias institucionais quemuitos parlamentares constroem de forma a au-mentar seu capital eleitoral e, portanto, seus re-cursos de barganha intra e extra-partidária.

Ao consolidar os meios de manter-se nainstitucionalidade, seja via reeleição, pela disputapor outros cargos eletivos seja, ainda, via exercí-cio de direção de secretarias e/ou demais órgãospúblicos, esses parlamentares também vão tecen-do os instrumentos legislativos que garantem apreservação e a ampliação de seus interesses par-ticulares e de classe; como, aliás, bem identificouClaus Offe.

Conseqüentemente, ao passar a viver para apolítica – no sentido da profissionalizaçãoinstitucional – tais políticos passam, também, aviver da política. Como resultado, não somenteampliam significativamente seu patrimônio mate-rial como ainda vão loteando os espaços públicose, dentro dessa mesma lógica, constroem seupatrimônio político, construindo uma rede parti-cular e familiar de descendentes políticos que dãoprosseguimento aos caminhos abertos por seusantecessores.

Assim, em linhas gerais, tanto parlamentaresda Câmara de Cuiabá quanto da AssembléiaLegislativa comungam uma mesma prática, deacordo com a qual a Casa Municipal funcionacomo um trampolim que abre os caminhos daprofissionalização política.

Isso não significa, entretanto, que o perfil dopoder Legislativo da Capital é, tão somente, a re-produção em menor escala daquele que se apre-senta no Legislativo estadual. A Câmara Munici-pal configura-se percentualmente menos conser-vadora politicamente e mais aberta, proporcional-mente, ao ingresso de trabalhadores assalariadosem relação aos empresários. Porém, dado o trân-sito entre as casas, assim como a consolidaçãoeleitoral de determinados partidos – em especial oPMDB, seguido pelo PFL, PTB e PSDB – o perfilde ambas as casas acaba convergindo para umaconfiguração muito próxima que permitecaracterizá-las como política e socialmente con-servadoras.

47 De acordo com o portal Excelências (2009), do projetoTransparência Brasil, tanto a ALMT quanto a Câmara Mu-nicipal de Cuiabá não contam com representantes da cha-mada Bancada Sindicalista. Em compensação, há membrosmatogrossenses em todas as demais bancadas: ruralistas;concessão de rádio e/ou TV e evangélicos.

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OUTRAS FONTES

PARTIDOS POLÍTICOS BRASILEIROS

Arena - Aliança Renovadora Nacional

PAN - Partido dos Aposentados da Nação

PCB - Partido Comunista Brasileiro

PC do B - Partido Comunista do Brasil

PCO - Partido da Causa Operária

PDC - Partido da Democracia Cristã

PDS - Partido Democrático Social

PDT - Partido Democrático Trabalhista

PFL - Partido da Frente Liberal

PGT - Partido Geral dos Trabalhadores

PHS - Partido Humanista da Solidariedade

PL - Partido Liberal

PMDB - Partido do Movimento DemocráticoBrasileiro

PMN - Partido da Mobilização Nacional

PP - Partido Popular / Partido Progressista

PPB - Partido Progressista Brasileiro

PPS - Partido Popular Socialista

PRN - Partido da Reconstrução Nacional

Prona - Partido de Reedificação da Ordem Na-

Incentivos fiscais quase dobram no governo Lula.2007. Folha de S. Paulo, 1.jul., p. B-1.

Lotacionograma do TCE expõe o nepotismo en-tre os Conselheiros. 2007. Mídia News, 26.mar.

ANEXO

cional

PRP - Partido Republicano Progressista

PRTB - Partido Renovador Trabalhista Brasi-leiro

PSB - Partido Socialista Brasileiro

PSC - Partido Social Cristão

PSD - Partido Social Democrático

PSDB - Partido da Social Democracia Brasilei-ra

PSDC - Partido Social Democrata Cristão

PSL - Partido Social Liberal

PSOL - Partido Socialismo e Liberdade

PST - Partido Social Trabalhista

PSTU - Partido Socialista dos TrabalhadoresUnificado

PT - Partido dos Trabalhadores

PTB - Partido Trabalhista Brasileiro

PT do B - Partido Trabalhista do Brasil

PTN - Partido Trabalhista Nacional

PV - Partido Verde

UDN - União Democrática Nacional

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34: 347-354 OUT. 2009ABSTRACTS

THE PROFILE OF LEGISLATIVE POWER IN THE CAPITAL AND THE STATE OF MATOGROSSO (1983-2004)

Alair Silveira

This article is the result of research carried out in the two main legislative houses of the state ofMato Grosso: the Legislature (Assembléia Legislativa (ALMT)) – and the Municipal Chamber ofCuiabá (Câmara Municipal de Cuiabá (CMC)). Altogether, 20 years were covered in the ALMTand 22 in the CMC, totaling five legislative periods in each of the houses, as of 1983. It reflects onthe profile of these parliaments through political party composition, professional background and theexperiences of collective organizations, among others, identifying the enormous ability to perpetuatepower on the part of members of the parliament, whether through the electoral process or throughthe management of state enterprises. Making particular use of the works of Claus Offe and MaxWeber, we confront both Offe’s premises, according to which entrepreneurs use power structuresto promote valorization of capital, and Weber’s. In the latter’s view, those with a political vocationare those that live for politics and therefore, have the material resources that guarantee theirindependence, which is different from those who live from politics, in other words, those who dependupon politics for their survival. Analysis of research data enable us to identify strong elements thatwould corroborate the first premise, but cast doubt on the second. In consolidating the means toconserve institutional arrangements, whether by re-election, campaign for a new elected office orthrough exercising administrative positions within government organs, these members of parliamentare putting together their legislative tools for the preservation and widening of their private and classinterests, just as Claus Offe has identified. Thus, as they come to live for politics, they in turn alsobegin to live from politics.

Keywords: Legislative power; political parties; power; political renovation; Mato Grosso.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34: 357-365 OUT. 2009RÉSUMÉS

LE PROFIL DU POUVOIR LÉGISLATIF DE LA CAPITALE ET DE L’ÉTAT DE MATO GROS-SO (1938-2004)

Alair Silveira

L’article est le produit d’une recherche menée dans les deux principales maisons législatives del’état de Mato Grosso : l’assemblée législative (ALMT) et la chambre municipale de Cuiabá (CMC).Vingt années à l’AMLT et vingt-deux années à la CMC ont été étudiées, ce qui représente cinqlégislatures dans chacune des maisons, à partir de 1983. L’article examine le profil des parlamentairesde Mato Grosso et de Cuiabá à partir de la composition partidaire, des professions d’origine et deleurs expériences avec les organisations collectives, entre autres ; il identifie l’immense capacité depérinnisation au pouvoir de la part des parlamentaires, soit au moyen d’un processus électoral, soitau moyen de la direction d’entreprises publiques. En faisant appel à Claus Offe et à Max Weber,nous examinons aussi bien la prémisse d’Offe, selon laquelle les entrepreneurs ont recours à desstructures de pouvoir pour promouvoir la valorisation du capital, que celle de Weber, selon laquelleles hommes politiques par vocation sont ceux qui vivent pour la politique et qui ont les moyens quileur assurent l’autonomie donc, à l’opposé de ceux qui vivent de la politique, c’est-à-dire dont ilsdépendent pour vivre. L’analyse des données de la recherche a permis d’identifier des élementsimportants qui renforcent la première prémisse, mais mettent en question la validité de la seconde.En assurant les moyens d’être dans l’arrangement institutionnel, soit via réélection, à travers la luttepour d’autre postes, ou encore via la direction de secrétariats et/ou d’autres organismes publics, cesparlementaires construisent aussi les instruments législatifs qui assurent la préservation etl’amplification de leurs intérêts privés et de classe ; comme Claus Offe l’avait indiqué. Donc, envivant pour la politique, ces politiques vivent aussi de la politique.

MOTS-CLÉS : pouvoir législatif ; partis politiques ; pouvoir ; rénovation politique ; réélection ; MatoGrosso.