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PLENARIU

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SUMÁRIOEDITORIAL ENTREVISTADom Paulo Evaristo ArnsEM FOCO - Poder Legislativo & Democracia Contemporânea1. A Reforma do Poder Legislativo no Brasil -Fabiano Santos2. Modelos de Legislativo: O Legislativo Brasileiro em Perspectiva -Fernando

Limongi / Argelina Cheibud Figueiredo3. Representação e Democracia no Cone Sul -Carlos Ranulfo Melo / Fátima Anastasia4. Parlamento Transnacinal e Integração: A Experiência do Parlamento Europeu e as

gações que a América Latina tem para o Mercosul -Susanne Gratius / Delfet Nolte5. Fragilidade da Democracia no Parlamento Contemporâneo -Bonifácio de Andrada6. Processos de Integração dos Legislativos no Mercosul -Gustavo Fruet7. Política, Parlamento, Democracia -Mauro Santayana 8. O Impacto da Reforma Política sobre a Câmara Federal -David Fleischer9. A Câmara dos Deputados e a Democracia Brasileira no Séc. XXI -João Paulo Cunha10. Sobre a Reforma Política -Arlindo Chinaglia / Athos Pereira OLHAR EXTERNO 1. A Segunda Década da América do Norte -Robert A. Pastor

T

PENSAR1. A Armadilha do DLSP/PIB -Antonio Delfim Netto2. O Desafio da Geração de Trabalho -Ariosto Holanda IDÉIAS & LEIS1. Estatudo do Idoso - Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003.2. Vida Nova para os Idosos -Paulo Paim3. O Acesso do Idoso ao Judiciário -Fátima Nancy AndrighiPALAVRAS E HISTÓRIA1. Os Profetas do Amanhã - Discurso de Abertura da Assembléia Nacional Cons

tituinte de 1987/1988 -Ulysses Guimarães2. Receita Tropicalista de Constituição pelo Mestre Constituinte Ulysses Silvei

Guimarães -Luiz GutembergIMAGEM HISTÓRICAFoto de Arsênio da Silva porPedroVasques PERFIL- Carlota Pereira de Queirós, porRicardo OriáCHARGE -Bordalo Pinheiro, por Paulo CarusoFOLCLORE POLíTICO - Sebastião NeryLEITURAS - Alca: O Gigante e os Anões, porPaulo Roberto de Almeida

APRESENTAÇÃO45

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PLENARIUM

MESA DA CÂMARA

PRESIDENTE João Paulo Cunha1º VICE PRESIDENTEInocêncio Oliveira2º VICE PRESIDENTELuiz Piauhylino1º SECRETÁRIO

Geddel Vieira Lima2º SECRETÁRIOSeverino Cavalcanti3º SECRETÁRIONilton Capixaba4º SECRETÁRIOCiro NogueiraSUPLENTESGonzaga PatriotaWilson SantosConfúcio Moura e João CaldasPROCURADORIA PARLAMENTARLuiz Antônio FleuryOUVIDORIA PARLAMENTAR

Luciano ZicaDIRETOR GERALSérgio Sampaio Contreiras deAlmeidaSECRETÁRIO-GERAL DA MESAMozart Vianna de Paiva

SECOM

DIRETOR

Márcio Marques de AraújoDIVULGAÇÃO

Mauro Di DeusRELAÇÕES PÚBLICAS

Sílvia MergulhãoRÁDIO CÂMARA

Humberto MartinsTV CÂMARA

Sueli NavarroAGÊNCIA CÂMARA

Paulo César SantosCOORDENADOR DE JORNALISMO

Cid Queiroz JORNAL DA CÂMARA

Roberto Seabra

CONSELHO EDITORIALMárcio Marques de Araújo Jorge Henrique CartaxoRicardo OriáPaulo Roberto AlmeidaCarlos Henrique CardimFabiano SantosDavid FleischerAthos PereiraValter Costa PortoLuiz Alberto Moniz BandeiraDIRETOR

Jorge Henrique Cartaxo(61) 216 1803APOIO

Heloísa Pinheiro(61) 216 1805Thaís Alves de Lima(61) 216 1805DIAGRAMAÇÃO/ILUSTRAÇÃO

Jonatas Bonach / Wagner CastroTRADUÇÕES

Sérgio BathCAPA

Ely Borges - Sedes do PoderLegislativo no BrasilFOTO E ARTE SOBRE FOTO

Edy Ferreira / Agência EstadoREVISÃO

Mônica Mulser ParadaENDEREÇO ELETRÔNICO

[email protected]

(61) 216 1803 / 216 1810Câmara dos Deputados, Secretaria de Comunicão, Praça do Três Poderes / Brasília - DF - CEP: 70.160-900

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ENTREVISTAAPRESENTAÇÃOTalvez o maior desafio de uma política de comunicação para a Câmara dos Deputados

seja equacionar a dissintonia entre a crescente importância do Poder Legislativo brasileirona estabilidade institucional e na legitimação de políticas públicas governamentais, e anão percepção desse valor, de forma explícita e contínua, pelo conjunto da sociedadebrasileira.

Um olhar mais exigente poderá observar que esse problema, de certa forma, se dána maioria dos países ocidentais, consideradas as nuances políticas, culturais, jurídicase conjunturais de cada nação. Essa aparente ausência de identidade dos Parlamentos é,certamente, uma das conseqüências da crise do estado-nação contemporâneo, em que aglobalização constitui sua expressão jornalística mais bem acabada.

Daí o conjunto de reformas estruturais que se verificam em todos os continentes,sugerindo, inclusive, uma releitura do papel dos legislativos nacionais. Instrumentosjurídicos consagrados no século XX são hoje revistos e readaptados aos desafios sociais,tecnológicos e econômicos contemporâneos. Se na Europa, existe o Parlamento Europeu,na América Latina, apesar das institucionalidades distintas, foram criados o ParlamentoLatino-Americano (Parlatino), o Parlamento Centro-Americano (Parlandino), e já surgemalgumas discussões em torno de um futuro Parlamento do Mercosul.

É com essa percepção que temos procurado estimular o trabalho dos nossos veículos de

comunicação na Secom – televisão, rádio, jornal e agência - e foi com essa inspiração quepercebemos a necessidade de se ter, na Casa, uma publicação de referência. A PLENARIUM,em boa hora, vem se somar aos nossos instrumentos de comunicação, agregando à nossatarefa uma atribuição a mais: a de trazer, de forma sistemática e orgânica, a reflexão daacademia, dos pesquisadores e da inteligência nacionais para os debates que a sociedadebrasileira, por meio dos seus representantes, remete para a Câmara dos Deputados. E, claro, éimportante sublinhar, PLENARIUM será, sobretudo, mais um espaço para os parlamentarese servidores da Casa contribuírem para esse instigante desafio do nosso tempo que é o debatepara a construção do futuro.

Certamente, não será nessa publicação que iremos equacionar e documentar osdesafios que nos despertam, a cada dia, esses tempos de grandes transformações. Masestamos seguros de que oferecemos ao Poder Legislativo e ao País uma publicação que seráuma referência no mercado editorial brasileiro, estimulando a participação e a presença doscentros de excelência brasileiros nos temas que animam as atribuições e responsabilidadesinstitucionais e constitucionais da Câmara dos Deputados.

Márcio Marques de Araújo Diretor da SECOM

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DOM PAULO EVARISTO ARNSEDITORIALDotar a Secretaria de Comunicação da Câmara dos Deputados de uma publicação

periódica de referência. De forma objetiva, foi essa a tarefa que o Diretor da SECOM, MárcAraújo, me confiou ao convidar-me para integrar sua equipe, no início de 2003.

Para definir e conceber esse projeto editorial, considerando as especificidades danossa instituição, trabalhamos com o seguinte conceito: PLENARIUM terá como objetivcentral divulgar, documentar e estimular a reflexão sobre os desafios contemporâneosque a sociedade brasileira remete ao Poder Legislativo. Dessa forma, a nova publicaçãoabrigaria textos e ensaios, não apenas dos parlamentares, dos técnicos e consultores do PodeLegislativo, mas, sobretudo, dos pesquisadores da academia e dos centros de excelências detodo o País.

Diante da profusão de assuntos que integram a pauta do Congresso Nacional,prevaleceu o entendimento de que cada edição abordaria um tema dominante, que sebuscaria aprofundar com os textos e reflexões de vários especialistas. Nesse primeiro númertratamos, em dez ensaios, do Poder Legislativo na Democracia Contemporânea. Além dreforma política que está sendo discutida no Congresso Nacional, a globalização e a criaçãodos blocos regionais estão impondo uma redefinição do papel dos estados nacionais, comgrande repercussão nas atribuições e funções dos legislativos em todo o mundo.

A definição desse conceito nos remeteu a uma outra reflexão: PLENARIUM precisav

ter uma singularidade, uma identidade própria, algo que fosse a marca da sua origem.Seria insuficiente, ainda que plenamente justificável, uma publicação apenas temática. Areprodução difusa das experiências – muitas, extraordinárias –, das publicações regulareexistentes em vários departamentos universitários, não acolheria a dimensão que umperiódico de referência, editado pela Câmara dos Deputados, necessariamente deve ter.

Assim, além do tema principal, acrescentamos uma série de seções com o objetivo

de construir a identidade que buscamos. A primeira seção constará de uma entrevista.Mas não a entrevista clássica, jornalística e conjuntural. Inspiramo-nos na experiência daDocumentation Française, que sempre convida uma figura importante da história da Françpara uma reunião com jornalistas e estudiosos da vida e/ou da época do entrevistado,para juntos fazerem uma reflexão sobre o personagem e sua obra. Esse primeiro número daPLENARIUM traz a figura extraordinária de Dom Paulo Evaristo Arns.

Com o objetivo de não engessar o espaço editorial da revista, subordinando todos os

ensaios ao tema central, percebemos que seria importante uma outra seção que acolhessetambém textos com temas livres. O relator de um projeto importante, o líder de uma bancadao presidente de uma Comissão, um pesquisador, um servidor do Congresso, enfim, qualque

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personalidade que se interesse em dividir com a Casa a complexidade de determinado temaserá plenamente atendido nesse espaço de expressão, ainda que seu texto não se enquadreno tema central da edição. Nesse primeiro número publicamos ensaios dos deputados DefimNetto e Ariosto Holanda.

Incluímos, também, a publicação de um texto de um pesquisador estrangeiro, inéditoou não, cujo tema de alguma forma enriqueça o nosso debate. Esse espaço deve acolher,ainda, as reflexões dos brasileiros que estão no exterior, a estudo ou a trabalho. A experiênciae o olhar dessas pessoas, nesse momento de grandes e rápidas transformações no cenáriobrasileiro, constituem-se numa importante contribuição aos que dele fazem parte. Nessaprimeira edição, apresentamos um texto do professor americano Robert Pastor.

Como a Câmara dos Deputados é sobretudo a “Casa das Leis”, achamos ainda que

seria interessante a publicação comentada de uma lei, em cada edição da PLENARIUM.Dessa vez, trazemos o Estatuto do Idoso, com as observações do senador Paulo Paim, autordo projeto, e da ministra do STJ, Fátima Nancy Andrighi. Da mesma forma, pretendemospublicar e comentar o Estatuto do Desarmamento, a Lei de Falências, o novo Código dasÁguas, entre outros.

Como dispomos de um acervo extraordinário de documentos e imagens, onde estão

guardadas todas as falas importantes da história do nosso Parlamento e, de certa forma,da história política do Brasil e, ainda, podemos e devemos estabelecer uma conexão com

os demais acervos do País, percebemos aqui uma rica oportunidade de se contribuir parao resgate do papel de grandes atores e momentos específicos da construção da Naçãobrasileira. Com esse objetivo, foram criadas outras cinco seções na PLENARIUM.

A primeira delas resgatará os grandes pronunciamentos da nossa história, devidamente

comentados por personalidades à altura do desafio. Nessa edição, publicamos o discursodo ex-deputado Ulysses Guimarães na solenidade de instalação da Assembléia NacionalConstituinte de 1987-88. A fala do emblemático parlamentar paulista é analisada pelojornalista Luiz Gutemberg. Com o mesmo objetivo, traremos sempre o perfil de umpersonagem destacado da história brasileira. Nesse número, o historiador Ricardo Oriá nosfala da vida e da obra da primeira deputada da América Latina, Carlota Pereira de Queirós.A seção Imagem e História trará sempre uma fotografia histórica, acompanhada de umaapresentação. Essa edição apresenta a foto do Largo do Paço Imperial no dia do casamentoda princesa Isabel, com o texto do colecionador Pedro Karp Vasques. Nas duas seçõesseguintes, traremos sempre uma charge escolhida e comentada pelo Paulo Caruso e assaborosas histórias do jornalista Sebastião Nery, com seu Folclore Político.

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Para terminar, teremos o espaço para as resenhas, onde nossos colaboradores poderãodar conta das últimas publicações, no Brasil e no mundo, que correspondam ao nossouniverso de interesses. Dessa edição, consta um comentário do diplomata Paulo RobertoAlmeida.

Não poderíamos encerrar esse editorial sem agradecer a todos aqueles que acreditaramno projeto enviando seus trabalhos e textos, ao apoio e confiança da administração daCâmara dos Deputados mas, sobretudo, àqueles que participaram da construção dessapublicação, com suas idéias, trabalho e sugestões, desde a elaboração do seu projetoeditorial, até o encaminhamento para a gráfica.

São eles: os professores Carlos Henrique Cardim, Fabiano Santos, David FleischeMauro Santayana, Wanderley Guilherme dos Santos, Costa Porto, Ricardo Oriá, Mônic

Mulser Parada, Paulo Motta e Paulo Roberto Almeida. Os colegas da SECOM, MárcAraújo, Tarcísio Holanda, Mauro Di Deus, Flávio Elias, Alexandre Rios, Frederico CampoSueli Navarro, Pedro Noleto, Ademir Malavazzi, Gentil Sbarddelloto, Raquel Mello, HeloíPinheiro, Thaís Alves Lima e Ely Borges.

O protocolar agradecimento à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, nesse projeto

representada pelo presidente João Paulo Cunha, se reveste de uma satisfação toda especial. Oentusiasmo e apoio do presidente João Paulo à revista Plenarium, desde o início da discussãdo projeto, se fez acompanhar de uma notável elegância e percepção intelectual dignas de

referência nesse momento.

Boa Leitura!

Jorge Henrique CartaxoDiretor da Plenarium

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ENTREVISTAENTREVISTA

Momentos, Críticas e História

“Meus amigos, a teologia dalibertação me fez sofrer, mas euainda acredito nela, e acho queela é que vai salvar a AméricaLatina e – quem sabe? – tambéma Europa dessa crise terrível emque está entrando”.

Dom Paulo Evaristo Arns não é um homem comum. Sua presença na históriacontemporânea brasileira redimensiona valores e conceitos que se traduzem nas

palavras bondade, generosidade, coragem e virtude. Símbolo da luta pelos direitos humanosno Brasil, esse filho de colonos do interior de Santa Catarina enfrentou, com sobriedade edestemor, subordinados, oficiais, generais e presidentes que trouxeram o horror da torturapara a vida política brasileira, sobretudo no período sombrio do governo Médici (1970/73).

Nessa entrevista para o primeiro número da revistaPLENARIUM, Dom Paulo fala da suaformação religiosa, dos seus embates contra a ditadura militar (1964/1984), da sua relaçãocom Paulo VI e do seu encontro com o então presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter.Ainda nessa reunião, que teve lugar no Convento São Francisco, em São Paulo, e contou coma participação do Monsenhor Dário Bevilacqua, do vice-prefeito de São Paulo, ex-deputadoe ex-Procurador Hélio Bicudo, do Padre Beozzo, do jornalista Mauro Santayana e do diretorda PLENARIUM, jornalista Jorge Henrique Cartaxo, Dom Paulo recomendou ao presidenteLula“ uma reforma completa na política”e explicou como a Igreja deve se posicionar frenteà complexa e polêmica evolução da engenharia genética.

DOM PAULO EVARISTO ARNS

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DOM PAULO EVARISTO ARNS

Padre Beozzo – Dom Paulo, pen-sei na sua formação. O senhor nasceuem Forquilinha, em Santa Catarina. Seuspais, Gabriel e Helena, constituíram umafamília grande com muitos filhos e filhas.Quais valores desse mundo familiar osenhor trouxe para a vida pública? Depois,o senhor transformou-se em franciscano.Frei Leonardo Boff me pediu que eu lheperguntasse como essa figura seminal deSão Francisco inspirou sua vida e sua açãopastoral.

Depois, o senhor estudou patrísticae letras clássicas na Sorbonne. O senhorgosta de ser um bom escritor, é capri-choso no estilo. O senhor escreveu sobreClemente de Roma, Inácio de Antioquia,Ambrósio de Milão, freqüentou muitoSão Jerônimo, estudou a técnica do livronaquela época, e o senhor foi professor depatrística. Como os padres da Igreja, queenfrentaram o poder político com audáciae firmeza, também acabaram inspirando o

senhor na sua luta contra a opressão e aditadura?Como o senhor explica esse mundo de

formação em sua casa, como franciscano,e como encara a sua experiência napatrística para a sua vida pública?

Dom Paulo Evaristo Arns - Para res-ponder, rapidamente, deveria dizer quedecidi seguir a carreira literária, que cul-minou com o doutorado na Sorbonne, emParis, na França, onde fiquei cinco anoscomo aluno, incentivado por carta de meuirmão. Um pouco mais idoso do que eu,ao se formar ele me escreveu uma carta emque me incentivava a continuar os estudose, em particular, os estudos clássicos.

Ele assim dizia: “Você gosta delatim, já tem seis anos de latim; você podeagora passar a vida inteira estudando latime publicando as obras daqueles padres dos

cinco ou seis primeiros séculos, que são umtesouro escondido, que não é conhecidono Brasil nem na Europa. Você sabe grego.Então, estude mais grego, arranje um bomprofessor, e você vai poder publicar obrasimportantes para a história da cultura cristãda Antiguidade”.

No mesmo dia, eu fui procurar oProf. Frei Tito, que, aliás, trabalhou emSão Paulo também, por algum tempo, elhe disse que gostaria de ler um livro daAntiguidade, começando pelo latim. Eleme respondeu: “A obra mais bonita queconheço em toda a literatura cristã, emlatim, são as cartas de São Jerônimo parasuas amigas e seus amigos, em todo omundo. Se você quiser, vou buscá-la nabiblioteca”.

Fomos juntos à biblioteca, eu trouxeo livrinho, e daí em diante posso dizerque nunca mais deixei de cultivar olatim, o grego e, sobretudo, a história daAntiguidade para poder produzir qualquercoisa. Infelizmente, como você bem o disse,só tive ocasião de publicar meia dúzia delivros e de artigos a esse respeito, masnão cheguei nunca a exprimir aquilo queestava no meu coração – ou seja, como, apartir do Cristo, o cristianismo se expandiue conquistou as almas mais generosasdaquele tempo. Infelizmente, não fizaquilo que desejava, porque me nomearamBispo, Arcebispo e Cardeal... E como,envolvido por tantas responsabilidades, euteria tempo para me dedicar aos estudos ea outras coisas que queria fazer?

Monsenhor Dário Bevilacqua – Osenhor foi nomeado Bispo, Dom Paulo,em momento muito vivo da vida da Igreja.Estávamos vivendo o Concílio Vaticano II,as grandes reformas que o Papa João XXIIItinha promovido para a Igreja, que deviaestar em dia com o mundo, e o senhor

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ENTREVISTA

foi nomeado Arcebispo de São Paulo, nocomeço da década de 70, permanecendonesse cargo por 25 anos.

A formação cultural que o senhorconstruiu na base fundamentou as grandesopções pastorais pelas quais o senhor foi ogrande responsável em São Paulo, como,por exemplo, a opção pelos pobres, pelostrabalhadores e pelos direitos humanos.

Dom Paulo Evaristo Arns - Nãohá dúvida nenhuma, MonsenhorDário. Posso dizer que, desdeo começo, desde a hora emque cheguei a São Paulo,interessei-me por todasas lutas que havia emtorno dos direitos e dadignidade da pessoahumana. Logo queassumi, eu fui visitar ospresos políticos, fui meinformar sobre o quefazia o regime militar,como procediam os juízese como procediam aquelesa quem se confiavam ospresos.

A minha vida, ao menospela metade, foi ocupada emsocorrer aqueles a quem eu podiadar uma pequena ajuda. Eu fui Bispo-Auxiliar, de 1966 a 1970; foi uma ajudapequenina, depois ela foi crescendo emdimensão, até eu chegar a debater com osPresidentes da República sobre a maneirade proceder com o povo no Brasil.

Hélio Bicudo - Dom Paulo, lembro-me de que, no início da década de 70,quando o senhor assumiu a Arquidiocesede São Paulo, recebi uma carta sua – osenhor mal me conhecia – sobre a lutaque eu estava tendo com o Esquadrão daMorte. Acredito que foi com o senhor, na

condição de Bispo-Auxiliar e, depois, deArcebispo na Arquidiocese de São Paulo,que começou realmente no Brasil a lutapelos direitos humanos. O senhor, quandocriou a Comissão Justiça e Paz, numprimeiro momento enfrentou a ditaduramilitar, as torturas, as eliminações físicas,as prisões ilegais. O senhor ia pessoalmenteaos responsáveis por esses fatos, por

essas violações, e os interpelava.Muitas vezes, o senhor conseguiu

fazer com que as coisas nãocaminhassem como a ditadura

militar gostaria.Lembro-me da suaatuação quando da mortedo operário ManoelFiel Filho, do jornalistaVladimir Herzog e detodos os presos quecorriam à Cúria deSão Paulo em busca deseu socorro, que era

fundamental para todosnós, cristãos ou não, paraque não houvesse violação

dos direitos humanosdurante todo esse período.

Portanto, o senhor encarnaa marca inicial, no Brasil, pela

defesa dos direitos humanos.Dom Paulo Evaristo Arns - Acredito

que o senhor está atribuindo a mim o quecompete ao senhor (risos dos presentes).Isso é muito interessante, porque o senhorescreveu contra o Governo e protestoucontra a prática das torturas. E não pôdepublicar um livro. Então me perguntou:“Como é que vamos publicar esse livro”?Consegui que esse livro fosse lançado etivesse o condão de acordar as consciências,ao menos daquelas pessoas que confiavamem nossa ação e que sabiam que devíamos

“Com os

estudantes, os jor-nalistas e os operários,essas três classes, podemos

dizer que os intelectuais deSão Paulo demonstraram queeles constituem, realmente,uma elite mundial capaz deenfrentar a força do Exércitosem derramar sangue e

sem prejudicar pessoaalguma”.

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DOM PAULO EVARISTO ARNS

agir quando tivéssemos um incentivo euma obrigação para tanto. E o senhornos obrigou a entrar nessa luta decisiva eimportante.

Com os estudantes, os jornalistas eos operários, essas três classes, podemosdizer que os intelectuais de São Paulodemonstraram que eles constituem,realmente, uma elite mundial capaz deenfrentar a força do Exército sem derramarsangue e sem prejudicar pessoa alguma.O senhor é quem começou o movimentoe me lançou para ele. Aceitei-o de muitobom grado. Era minha obrigação comopastor da Igreja e era esta, também, avontade do povo a quem eu servia.

Mauro Santayana - Dom Paulo,minha pergunta é simples. O senhor estásatisfeito com sua presença no Brasil, noséculo e no mundo de hoje?

Dom Paula Evaristo Arns - Santayana,você é um filósofo, que pensa muito arespeito da vida. Aliás, escreveu umapequena biografia da minha pessoa erevelou-se conhecedor profundo da almahumana. Nunca estamos satisfeitos como que realizamos. O meu desejo erapromover, em São Paulo, uma verdadeiraevolução dos estudos para compor todaa história e relatar o trabalho das missõespara o futuro. Isso era fundamental paramim. Não consegui quase nada do quepretendia. Os livros publicados, os artigoslançados pelos jornais, as alocuções eas grandes reuniões do povo, imensas egrandes reuniões, deixaram claro que opovo conscientizou-se de que deve tomara história na mão e caminhar com os quesabem que é possível abrir um caminho.

Qual é o caminho? O senhor foi umdos que nos ajudou a buscar o caminhoque deveríamos seguir. O povo acabou,com muito custo e trabalho, nos seguindo

por esse caminho, quando se renovou ademocracia mais ou menos vacilante. Emtodo caso, há democracia, em vez de sederramar o sangue de irmãos.

Mauro Santayana - Eu me permitiriafazer apenas outra pergunta ao senhor.Estamos hoje diante de um problema muitograve. Procura-se criar uma falsa guerrasanta entre o islamismo e o cristianismo.Isso se desenvolve de maneira muitodifícil e perigosa. Na Alemanha, vimos oproblema da proibição do uso de crucifixos.Na França, há o problema do impedi-mento de as meninas muçulmanas iremà escola com o véu. Hoje, em um artigoque publico, afirmo que se dá a impressãode que os petroleiros do Texas queremcolocar Cristo em sua folha de pagamentocom o fundamentalismo protestante daIgreja Batista de Bush.

Dom Paulo Evaristo Arns - Santayana,há dois anos fui nomeado Conselheiro daUniversidade do Estado de São Paulo, USP.Propus, logo como primeiro tema, o enten-dimento entre as religiões. Participei, qua-tro vezes, de grandes reuniões. Chegamosa 39 religiões, que se juntaram para falarsobre a paz no Oriente, em Jerusalém,sobre a fome e a má distribuição das rique-zas na Terra. O primeiro artigo que propusfoi: as religiões devem unir-se para criarum só e grande ideal – o ideal da paz e dasolidariedade. E, tudo o mais, cada religiãocultiva por si mesma para chegar à metaque o fundador propôs ou que ela mesmapropunha.

Padre Beozzo - Dom Paulo, o PapaPio XI afirmou que o grande drama daIgreja foi ter perdido a classe operária.Muitos intelectuais também se afastaramda Igreja no Brasil. Por exemplo, a geraçãode 1870, formada na Faculdade de Direitode São Paulo, dos quais os mais conhecidos

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ENTREVISTA

foram Rui Barbosa e Joaquim Nabuco,todos se afastaram da Igreja, praticamentehouve uma ruptura. O senhor acabou dedizer que foi convidado para entrar noConselho da USP.

O senhor viveu momento de grandeaproximação com o mundo intelectual,quando o Governo fechou as portas dasUniversidades públicas para a realizaçãoda reunião da SBPC (Sociedade Brasi-leira para o Progresso da Ciência),o senhor abriu as portas daPUC (Pontifícia Universida-de Católica de São Paulo).Quando desejou fazer umestudo mais abrangentesobre São Paulo, foi pro-curar o CEBRAP, o Fer-nando Henrique Cardo-so e outros intelectuaispara escrever trabalhointitulado “São Paulo:Crescimento e Pobre-

za”. Posteriormente,o senhor fez da PUCum espaço aberto paraacolher Florestan Fer-nandes, Otávio Iani, osprofessores então cassa-dos. Desejo que o senhorfale do encontro entre aclasse operária e a classeintelectual, no trabalho que

o senhor teve oportunidade derealizar em São Paulo.Dom Paulo Evaristo Arns -

Você formulou uma pergunta sumamenteimportante para o futuro, não só da Igreja,mas também da humanidade. Devemosnos entender com os operários. “Quandosai de casa, meu pai me disse: “Vocêagora pode estudar. Só que, a partir deagora, vai pensar diferente de nós e vai

pertencer a uma outra classe: a classedos estudiosos”. Ele era colono, não tinhanem um ano de estudo. Aprendeu a ler ea escrever. Tornou-se até um intelectuala partir de esforço próprio. Ele me disse:“Parta para as maiores escolas do mundo,mas não esqueça uma coisa: você é filhode colono. Nunca negue que é filho detrabalhador. Sempre defenda os trabalha-dores”.

Essas palavras vieram-me àmente no exato instante em que

me entregaram o diploma naSorbonne com a maior dis-tinção, ao mesmo tempo

em que me felicitaram.Eu disse aos professores:“Sou filho de um colono”.Mandei um telegramapara o meu pai em quedizia: “O filho do colo-no foi hoje agraciadocom o maior diploma

da Universidade maiscélebre do momentona Europa. Não leve amal, porque continua-rei a ser filho de umcolono”. Por isso, qual-

quer luta que haja entreoperários e a sociedade,

sempre, em primeiro lugar,acho que devo tomar posi-

ção em favor do mais fraco,daquele que enfrenta dificuldadepara obter os meios de defesa, tanto

na imprensa quanto em outros setores davida social.

Uma coisa destaco: quando ooperário tem razão em suas reivindica-ções e reconhecemos isso – para tanto,Monsenhor Dário pode dar uma prova– temos o Conselho de Presbíteros.

“Quantasvezes eu tive de

entrar pessoalmente?Eu colocava todas as ves-

timentas de um Cardeal,aparecia lá como alguémestranho a esse mundo (risos)e subia, ia diretamente ao

gabinete do diretor, sem pedirlicença a ninguém, abrindo eumesmo as portas, entrando edizendo: “Senhor Diretor,venho aqui reclamar por

causa da tortura deste,deste e deste ope-

rário”.

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DOM PAULO EVARISTO ARNS

Perguntava eu, ao Conselho, se deveriaentrar ou não nas lutas, e sempre meaconselhavam a ir com Dom Cláudio eos operários Lula e companhia no ABC.Posteriormente, São Paulo inteiro entrouna luta e levou caminhões de comida paraas famílias não desanimarem. Levamostudo o que pudemos, sobretudo o apoiojurídico – o Dr. Hélio Bicudo sabe doapoio que demos à classe operária, naque-le momento. Sempre que colocavam umchefe na cadeia, íamos lá, pessoalmente,reclamar e o tirávamos de lá.

Quantas vezes eu tive de entrar pes-soalmente? Eu colocava todas as vesti-mentas de um Cardeal, aparecia lá comoalguém estranho a esse mundo (risos) esubia, ia diretamente ao gabinete do dire-tor, sem pedir licença a ninguém, abrindoeu mesmo as portas, entrando e dizendo:“Senhor Diretor, venho aqui reclamar porcausa da tortura deste, deste e deste operá-rio”. Eu tinha a lista na mão e a mostrava

para ele. Portanto, essa luta com os ope-rários foi, de fato, imprescindível – e essaluta assim será até o fim do mundo. Temosde lutar para que todos sejam operários,operários de coração, ajudando uns aosoutros, uns talvez mais pelo pensamento,outros talvez mais pelas mãos, outros,ainda, descobrindo novos métodos para ofuturo.

Já com os intelectuais, a coisa eramais difícil. Quando precisei recorrer ànossa Associação de Defesa dos DireitosHumanos, Dr. Hélio, o senhor me desculpe,eu tive de falar com onze pessoas eoferecer-lhes um almoço, para então pedirque fizessem uma equipe de defesa detoda a população de São Paulo e imaginarum novo Brasil, um Brasil diferente, umBrasil que todo mundo quisesse. Não deucerto. Ninguém aceitou.

Afinal, Dalmo Dallari, que em crian-ça foi um boy de rua e que conhecia todasas entradas de São Paulo, veio e sentou-seà minha mesa. Quando eu expus-lhe aminha agonia de estar sozinho no meio deuma luta gigantesca, ele disse: “Eu aceito,só que não tenho prestígio para aglomerartoda essa gente que o senhor quer. Masvou ajudá-lo. Muita gente vai ajudá-lo”.Muitos padres ajudaram-me, sobretudoMonsenhor Dário (Bevilacqua).

Posso dizer então que conseguimos,aos poucos, uma equipe que poderiaenfrentar qualquer outra equipe na Europaou no mundo, tão bem-preparada estava,tanto para escrever, para falar, quanto paraentrar em um processo já iniciado. Valea pena e, quando fiz a última reunião,dela participaram 51 intelectuais, entreos maiores que conheci no Brasil, naEuropa ou em qualquer lugar do mundo.E fico muito satisfeito em dizer: “Essagente descobriu a Igreja pela luta operária,

pela igualdade e dignidade de todos oshomens”.Para dizer também sobre como os

jovens se comportavam, devo confessar quediversas vezes tive de entrar diretamente naluta. Um exemplo ilustrativo disso foi umarevolta, ocorrida em 1973, na USP, emque mataram um estudante de Sorocaba,Vanucchi Leme, que teve de ser levado àCatedral. Eles queriam que o levassem lá

na escolinha deles para ter uma satisfação.Eu disse: “Não, não. É uma coisa queprecisa penetrar no Brasil. Nós precisamosir para o centro de São Paulo e, se vocêstodos vierem e se animarem, vamos levaressa idéia de insatisfação a todo o Brasil”.

E não demorou para a Polícia invadira nossa PUC, e os estudantes de todo oBrasil, sobretudo no Rio de Janeiro, em1968, realizarem aquele forte movimento.

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ENTREVISTA

Eles ajuntaram-se e de fato produziramuma reação formidável. Assim, podemosdizer que a conquista se faz através

de um objetivo claro, que convença ohomem de sua responsabilidade perantea humanidade, sobretudo diante dostemas mais delicados: a liberdade e aresponsabilidade.

Dário Bevilacqua - Os resultados daluta em que o senhor se empenhou foramreconhecidos internacionalmente, nãosó pelos milhares de títulos DoutorHonoris Causa que recebeu – e

que não saberia dizer quantossão...Dom Paulo Evaristo

Arns - Uns vinte e poucos(risos)...

Dário Bevilacqua - Mas também por orga-nismos internacionaisde grande prestígio.Uma vez o senhorrecebeu do presiden-te da República dosEstados Unidos, JimmyCarter, uma condecora-ção. Qual foi essa con-decoração?

Dom Paulo EvaristoArns - Foi a de DoutorHonoris Causa e, naquelemomento, ele levou aquilo tãoa sério que me prometeu, comonovo Presidente dos Estados Unidos, queestaria daí a um ano no Brasil para exa-minar as questões e também impor toda aforça dos Estados Unidos contra a tortura.Provavelmente, ela passou dos EstadosUnidos para o Brasil – e que ela seja, tam-bém, eliminada nos Estados Unidos.

O presidente Jimmy Carter veio eficou comigo no carro, durante uma hora

atravessando o Rio de Janeiro, olhandotodas as partes, mas muito mais para dentrode si e respondendo às minhas perguntassobre a responsabilidade dos EstadosUnidos. Eu lhe disse que, para haver umanação pacífica, esta não poderia procedera guerras, como estiveram fazendo agoracom o Iraque. Isso é uma loucura. Ésimplesmente contra o próprio espíritoamericano. Eles devem ir ajudar, comopovo pacífico, a todos aqueles que de

fato precisam, contribuindo para obem-estar da humanidade, e não

apenas em prol do interessedo próprio país.Padre Beozzo - Dom

Paulo, vou lembrar umpouco sobre a luta dosdireitos humanos. Osenhor não só recebeuo reconhecimento uni-versal de seu trabalhoem prol dos direitoshumanos no Brasil eno mundo, como tam-bém um prêmio que,para mim, equivale ao

Prêmio Nobel da Paz, oPrêmio Niwano da Paz.

Gostaria que o senhor nosdissesse alguma coisa sobre

como foi a recepção desseprêmio e que destino o senhor

deu a ele, em decorrência de sualuta pelos direitos humanos.Dom Paulo Evaristo Arns - De fato,

no Japão, eles abriram uma espécie deparalelo ao prêmio Nobel. Portanto, a cadaano, eles dão 250 mil dólares, pagam-nostodas as despesas de viagem, durante umadúzia de dias naquele país, e tratam-noscom uma dignidade e uma fineza que sãobem raras no mundo.

“Precisamosde justiça, de

solidariedade. Temosde construir a história de

forma totalmente diferente:sem fuzis na mão, sem milita-res exercendo seu ofício, mas,sim, com homens que sabem

levar o povo de novo a crer emsi, em Deus e na igualdade detodos os homens. Só dessamaneira chegaremos a ven-

cer o terrorismo, e nuncapor meio de uma

guerra”.

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DOM PAULO EVARISTO ARNS

Eu recebi, de repente, o convite: “Osenhor está convidado a receber o prê-mio e para isso perguntamos se o senhoro aceita”. No começo, pensei: nunca fiznada de especial para o Japão, e como selembraram do meu nome? Mas respondi-lhes: “Se for para a paz, estou disposto atudo”. Eles responderam : “É para a paz.É uma organização de cinco milhões dejaponeses que treinam em escolas fecha-das, durante a semana, para saberem tra-tar-se mutuamente com respeito e tambémprogredir juntos com a comunidade”.

Estudei a Constituição do país edisse: “Sim, eu vou”. Fui lá e fiz umaconferência para cinco mil budistas. Todostinham tradução simultânea em japonês eme entenderam imediatamente. Semprerespondiam com muito entusiasmo a tudoquanto eu dizia. Naquela oportunidade,eu lhes disse: “Amai os vossos inimigos;rezai por aqueles que vos perseguem evos caluniam; fazei o bem a todos, assim

como quer que façam a você”.Quando conclui a conferência, opresidente levantou-se e perguntou, à frenteda estátua de Buda: “Podemos publicaressas palavras de Jesus para todo o mundoou é reservada”? Respondi que a palavrade Jesus é para ser difundida o máximopossível. Ele então respondeu que garantiaque a palavra de Jesus seria reimpressa, aomenos cinco milhões de vezes no Japão,

das maneiras mais diversas. Depois quevoltei para casa, pensei nos 250 mil dólaresque tinha ganhado. Como franciscano nãopreciso de nenhum dólar para viver, porqueme dão comida, vestimenta e locomoçãode um lugar para o outro. O que iria fazercom 250 mil dólares?

Era dia de Natal. Que Natal! Iacomeçar a Santa Missa, à meia noite, naCatedral de São Paulo, repleta de pessoas

pobres. Fui entrando e, quando chegueiperto do altar, estavam nos degraus todosos pobres e todos aqueles que tinhambebido cachaça durante o dia, que tinhamfeito suas poesias, composto seus cantos.Estavam deitados, roncando, cantando oufalando entre si.

Mas, quando chegou a hora dosermão, todos se calaram. Eu disse quetinha decidido dar o prêmio de 250 mildólares que ganhei no Japão para as pessoasda rua e, para isso, nomeava o Padre Júlio Lancelotti para fazer uma consultasobre o que queriam fazer com aqueledinheiro, que significava muito em relaçãoà moeda brasileira. Todos se assustaram,bateram palmas e disseram: “Opa, umpadre oferecendo dinheiro!” (Risos).

O Padre Júlio Lancelotti consultoutodos os pobres que podia e indagou oque queriam. Responderam que queriamuma catedral. Mas, além de já termosuma catedral, não se constrói uma obradaquela envergadura com esse dinheiro.Eles disseram que a catedral seria demadeira, construída em um lugar bemcentral, perto da igreja São Cristóvão. Teriaembaixo uma parte onde eles poderiamtomar banho, mudar de roupa, fazer a barbae se enfeitarem, no caso das mulheres.Depois, poderiam subir as escadas parafazer as reuniões, pensar sobre a vida,discutir sobre o que se fez e o que farão

no futuro.Em poucos meses, a Cúria

Metropolitana cedeu o terreno e cons-truímos aqueles dois andares da catedraldos homens da rua, que está lá para visitaconstante dos pobres que vêm para, emprimeiro lugar, limpar-se e aparecer comogente, depois aparecer como filho de Deuse dizer que veneram o Cristo pobre. OCristo sempre está pronto para encontrar-se

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ENTREVISTA

com o Pai, com o coração todo voltadopara Deus e com o corpo preparado paraencontrar seus irmãos. Isso acontece desdeque a catedral foi inaugurada até os dias dehoje, e está funcionando sob a direção doPadre Júlio Lancelotti.

Mauro Santayana - Dom Paulo, fala-mos há poucos instantes sobre o proble-ma do cristianismo. Temos um problemaimportante, hoje, a discutir, que é o ter-rorismo, que passou a equivaler a umaexecração. Entre os grandes atosde terrorismo do século XX, osenhor incluiria o bombardeiode Hiroshima? Lembrei-medesse fato quando o senhorfalou do Japão.

Dom Paulo EvaristoArns - Evidentemente. Obombardeio de Hiroshimafoi um ato terrível, embo-ra não se pudesse mediras suas conseqüências,naquele tempo, porque foia primeira experiência coma bomba atômica. Assimmesmo, foi um ato imper-doável. A história nunca vaiesquecer disso. Quando estavano Japão, referi-me a esse ato, comgrande respeito diante do povo japonês.Os americanos, que também estavam pre-sentes, causaram esse drama para a huma-

nidade. Acho terrível.Há outra coisa, Santayana: terrorismo

não se combate com guerra. Foi um erro ofato de o presidente americano GeorgeBush convidar a Espanha, a Inglaterra eoutros países a participarem da guerracontra o Iraque. Foi um crime contra ahumanidade, semelhante ao de Hiroshimae a outros crimes que não esquecemos.Todos somos responsáveis, não só pelo

presente, mas também pelo passado e pelofuturo da humanidade.

Precisamos de justiça, de solidarie-dade. Temos de construir a história deforma totalmente diferente: sem fuzis namão, sem militares exercendo seu ofício,mas, sim, com homens que sabem levar opovo de novo a crer em si, em Deus e naigualdade de todos os homens. Só dessamaneira chegaremos a vencer o terrorismo,

e nunca por meio de uma guerra.Dário Bevilacqua - Durante

muitos anos, conforme seurelato, o senhor trabalhou,como Arcebispo de SãoPaulo, com uma equipe debispos. O senhor tinha oseu grupo do colégio epis-copal. A idéia era cons-truir um governo diferen-te para a diocese de SãoPaulo, em que houvessedioceses interdependen-tes, de tal modo que cadaregião episcopal tivesse um

nível de responsabilidadee atuação. Essa experiência

valeu a pena, Dom Paulo?Dom Paulo Evaristo Arns -

Valeu a pena. Só lastimo que o senhoratribua o mérito e mim. O mérito é dePaulo VI, o Papa. Quando fui visitá-lo pelaprimeira vez, em 1973, na qualidade deArcebispo, para expor a situação de SãoPaulo, ele me disse: “Precisamos mudarcompletamente a ação da Igreja nas gran-des cidades. Então vou pedir um grandefavor ao senhor. O senhor agora vai visitar asgrandes cidades, e quando tiver visitado 3ou 4 cidades, o senhor volta e me contacomo cada uma delas está procedendo,porque precisamos fazer uma divisão nascidades, mas também precisamos levar

“Comoa mulher é

forte! Como a mulhernos surpreende muitas

vezes! Como ela merecelouvor todo especial tam-bém no campo da ciência,da pesquisa e no do incen-tivo para a juventude

encontrar seu cami-nho”.

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que eu tivesse condições de propor aquelaidéia a Roma. Mas seria muito difícil,porque não existia universidade pontifícia– quer dizer, que depende diretamentedo Papa e do Arcebispo, mas do Papasobretudo – e todos os professores eramconfirmados em Roma. Então, eles medisseram que a Dra. Kfouri era indicadapara isso, porque ela era solteira, não tinhase casado.

Dessa forma, poderia dedicar-seinteiramente à ciência, e tambémà sua família, à sua mãe ea toda a sua incumbênciana Universidade. Assimsendo, eu mandei paraRoma simplesmen-te a comunicação danomeação da Dra.Kfouri como reitora daUniversidade Católica,“escolha do Arcebispode São Paulo”. Eu pen-

sei que ia voltar umacarta incendiando SãoPaulo, e dizendo para oArcebispo que era horade criar juízo. (Risos). Masfoi o contrário: veio a res-posta de que ela estava nome-ada, que era a nova reitora daUniversidade Católica.

Logo na fase seguinte, já havia a

possibilidade de eleições para reitor –que, aliás, eu introduzi nas universidadescatólicas. Depois, esse sistema foiintroduzido em todas as universidades.Eram feitas eleições por meio deprofessores, alunos e funcionários, cadaqual com um peso diferente, é claro.Mas o fato é que a Dra. Kfouri foi reeleitacomo reitora da Universidade Católica.Como a mulher é forte! Como a mulher

nos surpreende muitas vezes! Como elamerece louvor todo especial também nocampo da ciência, da pesquisa e no doincentivo para a juventude encontrar seucaminho.

O senhor fala da teologia em geral.De fato, eu apanhei muito por causada teologia da libertação. Mas o senhorpode ler na minha autobiografia – queinfelizmente tive de escrever – onde digo

que nós mandamos para Roma umdocumento muito bem-elaborado

pelos teólogos do Ipiranga sobrea teologia da libertação,dizendo por que a teologia

da libertação precisaprocurar na Grécia asexpressões, a metafísicatoda, etc., para dizer,em palavras difíceis,o que Deus, que ésimples e bom, quereliminar para ser

amado pelos homens,em vez de apenas serapreciado com palavrões

que se encontramnos dicionários mais

completos.Então, mandei aquilo

para Roma e o único que merespondeu foi o Cardeal Danneels. Eu

nunca contei isso. Foi o Cardeal Danneels,

de Bruxelas, na Bélgica, que me respondeuem um cartão, dizendo: “Eu o felicito peloque o senhor mandou escrever pelos seusteólogos”. E assinou, em nome de toda acidade de Bruxelas, dizendo que a teologiacomeça com o pobre, com o pequeno, edepois vai subindo até o coração daqueleque sabe ser humilde e pequeno, mesmosendo sábio, mesmo tendo estudado, mesmosendo esse homem de grande projeção.

...“a fé e aciência têm de

evoluir com a huma-nidade. Cristo nos deu

a essência para tudo, pararesponder a todas as pergun-tas, mas confiou à inteligênciahumana a elaboração de todas

as respostas para cada tempo,para cada época e tam-bém para os momentos

cruciais da humani-dade”.

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DOM PAULO EVARISTO ARNS

Danneels me escreveu um cartão tãobonito que eu o guardo até o dia de hoje.Meus amigos, a teologia da libertação mefez sofrer, mas eu ainda acredito nela, eacho que ela é que vai salvar a AméricaLatina e – quem sabe? – também a Europadessa crise terrível em que está entrando.

Dr. Hélio Bicudo - Dom Paulo, depoisda Comissão de Justiça e Paz, o senhor,naturalmente, em face da evolução dosacontecimentos – estávamos no períododo término da ditadura militar – criou,em São Paulo, o Centro Santo Dias deDefesa dos Direitos Humanos. Gostariaque o senhor nos contasse como e porque foi criada essa Comissão, e como sãoos trabalhos que ela vem desenvolvendo apartir de então na defesa dos direitos dosmais pobres.

Dom Paulo Evaristo Arns - Essaproposta de falar sobre o Centro SantoDias muito me agrada. Nós, na Argentina,conseguimos unir 12 grupos inter-religiosos. No Uruguai também há outrogrupo, no Paraguai e, depois, no Chile,no tempo de Pinochet. Fizemos o possívelpara descobrir quem era torturado, comoe quando, dizendo qual é a influência doBrasil na tortura. Levei o resultado daquelapesquisa para Roma. Era justamente umaquarta-feira, quando o Papa ia anunciarsua grande mensagem para o ano santo de1975. Os jornalistas brasileiros começaram

a brincar comigo, dizendo: “Hoje, o senhorvai ganhar um pito em público, e nósestamos aqui para registrá-lo”. Eu respondia eles: “Não faz mal, se o pito vem doPapa ou vem do povo, é Deus que fala”.

O Papa me chamou lá para cima– eu estava todo de Cardeal – e disse:“Este é um homem que defende os direitoshumanos até em outros países, como naArgentina, no Uruguai, etc. Ontem, ele

me entregou um volume em que estãomais de 500 pessoas indicadas pelo nome,profissão, pelo lugar onde sofreram torturase onde foram enterradas, a data e todas ascoisas juntas. Este homem trabalha pelahumanidade”.

Então, 150 mil pessoas me aplaudiram,sem saber quem eu era. (Risos). Eu vinhado Brasil. Coitado, um homem pequeninoem estatura e pequenino tambémintelectualmente, como vai aparecerdiante de um público de 150 mil pessoase apresentado pelo Papa?

Mas o Centro Santo Dias tem umacoisa ainda melhor. Ele nasceu do coraçãoda criança. A criança era perseguida naPraça da Sé (São Paulo), em todos osoutros lugares, pela polícia e pelas pessoasque não sabiam respeitar as crianças,que, muitas vezes, premidas pela fome,roubavam uma banana, uma laranja,ou qualquer outra coisa. Depois que sealimentavam, brincavam na rua. Então,não sabíamos o que fazer.

O Dr. Hélio (Bicudo), e sua equipe,me propôs que formássemos uma Comissãochamada Santo Dias – o operário SantoDias é o patrono de todos os operários,porque ele deu a vida pelos operários.Então, chamamos de Santo Dias, e essaassociação, de fato, trabalhou dia e noite,com cinco advogados, às vezes, com três,

o quanto nos permitiam os nossos bensfinanceiros para manter essa gente, parasocorrer na hora certa e com a rapideznecessária.

Os juristas apoiavam sempre a açãodaqueles que trabalhavam no Centro SantoDias. Conseguimos defender milhares decrianças e criamos casas para elas poderemdormir, lugares para elas poderem ficardurante o dia. Depois, coisas assim se

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ENTREVISTA

propagaram pela cidade e, felizmente,começaram a contagiar a alma do povo.Hoje, amo as crianças e, Oxalá, confio nascrianças como o futuro do Brasil.

Mauro Santayana - Dom Paulo, eulamento muito, mas queria chamar osenhor para as chamadas “obrigaçõesdo dia”. Por exemplo, temos hoje umadiscussão muito séria com relação aonosso comportamento com a natureza. Háo problema, sobretudo, dos transgênicos,que nos preocupa muito hoje, porqueestamos tocando nas coisas mais profundasda natureza. Estamos tocando nos códigosda Criação. O que o senhor diria aoscristãos, hoje, com relação a isso?

Nós devemos, em nome da ciência,admitir que permaneça essa soberba dohomem, que viola, vamos dizer assim, umcontrato essencial que temos com Deus?É o contrato da nossa fé. É o contrato que,com a nossa fé, pedimos a sua proteção.O senhor acha que nós devemos, nestemomento, ir adiante nessas pesquisas?Estamos vendo sérios problemas e doençasnovas, como a doença da vaca louca, ecoisas que não sabemos se virão depoisdisso.

O que o senhor diria aos cristãos,que reflexão o senhor recomendaria aoscristãos diante disso? Nós devemos agircontra isso ou devemos aceitar?

Dom Paulo Evaristo Arns - MauroSantayana, o senhor está tocando emum problema que será discutido durantedezenas de anos ainda. Mas já sabemosmais ou menos o que os católicos devemfazer. Não é apenas minha opinião, masde muitos na Igreja – talvez de toda aIgreja: a fé e a ciência têm de evoluircom a humanidade. Cristo nos deu aessência para tudo, para responder a todasas perguntas, mas confiou à inteligência

humana a elaboração de todas as respostaspara cada tempo, para cada época etambém para os momentos cruciais dahumanidade.

Então, as duas devem continuarpesquisando. A Igreja precisa se atualizarem todas as questões físicas, químicas,etc., onde há elementos morais, éticos,onde existe a possibilidade de se ferir adignidade humana. E os cientistas devemfazer a mesma coisa. Eles devem respeitara humanidade e o futuro da humanidade.Eles devem respeitar o homem como eleé hoje, como será amanhã. Eles devemrespeitar, sobretudo, a convivência humanaacreditando na possibilidade de o futuroser bem melhor e bem mais pacífico paratoda a humanidade.

Portanto, os dois têm de se encontrarsempre e de novo para andar juntos.Naturalmente, haverá crises para cáe para lá. Vai haver Papa que é tidocomo conservador, e vai haver Papaconsiderado avançado. Mas todos elestêm a incumbência de atualizar a palavrade Deus sem mudá-la, ficando com ofundamento que o Evangelho nos traz, quea revelação nos transmite, fazendo aquiloque Deus quer para a humanidade,mas também sabendo que os homenspodem melhorar a sua situação e devemmelhorá-la.

É importante o que fizemos uma vez,em nome da ONU. Andamos, durantequatro anos, em todos os continentes paraver o que se faz a respeito das questõeshumanitárias. Andamos por toda parte– África, Ásia, América e Europa – eficávamos 15 dias ou três semanas comos assessores que lá trabalhavam a vidainteira. Ouvíamos deles e levávamos paraa ONU aquilo que achávamos que eracontra o costume e a crença daqueles

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DOM PAULO EVARISTO ARNS

povos, ou contra a possibilidade de elesexecutarem as coisas, porque estavammuito avançados ou eram retrógrados.

Acho que a união da fé e da ciênciaé a grande missão da Igreja para o futuroda humanidade e para o bem de cada umde nós. Mas ela não se faz de uma horapara outra e não se faz sem controvérsia.

Padre Beozzo - O senhor falou defé e ciência, mas o senhor foi um mes-tre na sua vida nas questões tambémde fé e política. O senhor este-ve com muitos Governadoresaqui em São Paulo: PauloMaluf, Franco Montoro,Orestes Quércia, LuizAntônio Fleury, MárioCovas, que foi seugrande amigo, GeraldoAlckmin, depoiscom os Prefeitos, osPresidentes, de Médicia Lula. O senhor con-viveu com essas figu-ras e sempre teve umapalavra para a questãoda ética na política, dademocracia, da cidada-nia. Gostaria que o senhorcomentasse um pouco sobreisso.

O senhor deu atenção especial, emSão Paulo, ao quarto poder, à imprensa,à televisão. O senhor já teve um jornal,perdeu a Rádio 9 de Julho. O senhormesmo é um jornalista. Gostaria que osenhor falasse de sua boa relação com aimprensa, da questão da política, da éticae do papel da imprensa.

Dom Paulo Evaristo Arns- Emprimeiro lugar, a política. Eu, de fato, naminha vida, sempre achei que ninguémpoderia fazer qualquer ação ou expressar

qualquer palavra que não tenha efeitopolítico. Político quer dizer que atinge maisque uma pessoa, atinge muitas pessoas,pode transformar o ambiente e pode atécriar um novo sistema para orientar ahumanidade em relação ao futuro. Mas,meus amigos, a política no Brasil foi muitodifícil no tempo da repressão. Eu entrei,em 1966, justamente quando a repressãocomeçava a cassar os Governadores.Quando cassaram Juscelino Kubitschek,

eu pensei: “Meu Deus, agora acaboutudo. Agora vão cassar todo

mundo e cassaram também...”Padre Beozzo - O(Carlos) Lacerda, o (João)Goulart...

Dom PauloEvaristo Arns - OLacerda, o Goulart etanta gente. De manei-ra que pensei que oBrasil não teria maissolução. Mas tem. É

preciso que todo mundosempre diga: “Nós vamos

de esperança em espe-rança. Nunca vamos dei-

xar morrer a esperança dobrasileiro, que não é homem de

pegar o fuzil e atirar”. O que estáacontecendo, no que se refere à violência,é totalmente contra o espírito brasileiro, amentalidade do povo e a nossa história.Nunca fomos violentos como estamossendo neste momento. Mas o papel dapolítica consiste em conduzir essas ques-tões de tal maneira que sejam favoráveisao povo.

É isso que sempre procurávamosfazer. Qualquer queixa contra um governa-dor, mesmo Mário Covas... – o Covas eramuito difícil no que se refere ao seu rela-

“Possodizer que com ospolíticos, no final, eu

sempre me entendi, quan-do não eram militares. Osmilitares não queriam o enten-dimento, mas oposição. Elesachavam que a Igreja era dospobres, portanto, comunistae contra o regime. Por isso

eles não respeitavamnossa opinião”.

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cionamento, mas fui eu o último que deua mão a ele na hora da morte. E ele aindateve forças para me dizer: “Eu tive milpessoas que me chamavam de amigo, masuma eu sei que era e é meu amigo, éPaulo Evaristo Arns”. Eu disse paraele: “Deus te abençoe nessacaminhada onde iremos nosencontrar de novo”.

Posso dizer que comos políticos, no final,eu sempre me enten-di, quando não erammilitares. Os militaresnão queriam o enten-dimento, mas oposi-ção. Eles achavamque a Igreja era dospobres, portanto,comunista e contrao regime. Por issoeles não respeita-vam nossa opinião.

Só a respeitavam emocasiões nas quaisisso era muito fácil evisível para o povo.E o povo, no início,também acreditavana revolução . Quandofalávamos na revolução,o povo reclamava. Aospoucos, ele foi entenden-do que a revolução trabalhavapara uns poucos e não para todosos brasileiros. Não trabalhava para ofuturo nem para o presente, mas para umpassado que já deveria ter sido enterradohá muito tempo.

Dizer como era nosso comportamen-to é uma tarefa difícil, porque cada momen-to era diferente, cada pessoa tinha seu tipo,seu caráter, seu modo de nos receber e

aceitar nossas propostas, feitas em nome,muitas vezes, do Conselho de Presbíteros,ao qual pertencia Monsenhor Bevilacqua,que está ao meu lado, do Colégio dosBispos. Fui algumas vezes ao gabinete

de Médici levar a opinião dos bis-pos do Estado de São Paulo. Ele

me pôs para fora e disse: “Osenhor cuide da sacristia que

nós cuidamos da ordempública”. Eu disse: “Masa ordem pública estásendo violada”. E foi a

despedida de Médicipara sempre.Jorge Henrique

Cartaxo - DomPaulo, minha gera-ção cresceu sob aditadura militar eamadureceu nademocracia. Osproblemas funda-

mentais, aqueles quenos animaram a lutarcontra a ditadu-

ra, não foram resol-vidos em vinte anos

de democracia. Aindaque possamos apresen-

tar explicações técnicas ehistóricas para isso, a sen-

sação que se passa, no sensocomum, é que essa inviabilida-

de permanente é muito incômo-da. O que V. Excia. tem a dizer sobre

isso?Dom Paulo Evaristo Arns - O senhor

acha que não temos democracia, não é?Temos apenas um arremedo de democraciaou uma tentativa de fazer o povo participarpor meio das eleições e por mais algumacoisa. Mas considero muito pouco.

“Todosque estão aqui

nesta mesa são gran-des lutadores pela trans-

formação do Brasil, sobretu-do, para não deixar apagar a

chama da esperança. Precisamoster esperança para chegarmos àutopia que todos desejam. E vai serrealizada em breve, se Deus quiser,ao contrário do que predizem ospessimistas. Somos um povo quevive de esperança. Devemos unirnossas forças num governo queaceita ou não, psicologicamenteou politicamente, mas quer obem do Brasil e vai fazer obem, se Deus quiser, com a

ajuda de todos. O Brasilé responsável por si

mesmo”.

ENTREVISTAENTREVISTA

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Jorge Henrique Cartaxo - É o queme parece. Veja, se considerarmos quedemocracia significa eleições, participa-ção política e formalidade jurídica, creioque temos democracia. Entretanto, per-cebo que o resultado que isso poderiatrazer, em termos de qualidade de vida,bem-estar e aspiração, parece impossível.A sensação que se passa é essa.

Dom Paulo Evaristo Arns - Na minhaopinião – eu não costumo dizer em públi-co – o atual presidente da República devefazer uma reforma completa na política,sobretudo em relação aos cargos essen-ciais que vão orientar a Nação. Assim,poderemos acreditar em uma verdadeirademocracia, porque o povo vai receber,da parte daqueles que são mais amigos,aquilo que se espera.

É preciso dizer sempre ao presidenteda República que o Brasil não é dele. OBrasil é de todos os brasileiros. E todos elessão representados por um grupo de pesso-as escolhido pelo presidente da República.Essas pessoas devem ser escolhidas paraservir o povo e não pelo fato de que sãoamigas ou foram amigas do presidente emépocas difíceis.

Mauro Santayana -Dom Paulo, comoV. Excia. tocou nesse assunto, chegamos adois graves problemas: a política econômi-ca brasileira e as instituições brasileiras. Oprimeiro problema reside na deterioraçãopaulatina do sistema federativo nacionalcom a concentração excessiva do poderem Brasília. Em conseqüência, a economiabrasileira está nas mãos de três ou quatropessoas, que estão em Brasília, que nãoconhecem a história do País, a misériado povo e não têm compromisso com osbrasileiros.

Essas pessoas estão ditando a polí-tica econômica. A meu ver, a melhor

metáfora no cristianismo é a distribuiçãodo pão e dos peixes – apesar de ser umpouco diferente, considero-me cristão.Como podemos agir neste momento paraque a economia realmente sirva ao povoe não aos interesses do sistema financeirointernacional aqui representados?

Dom Paulo Evaristo Arns - V. Sª.mesmo respondeu à sua pergunta, noinício. De fato, enquanto deixarmos essegrupo, em Brasília – um grupo novo einexperiente, em um governo democráticode um novo presidente da República – agirsozinho, sem o apoio de cada estado...Cada estado deve realizar aquilo que épróprio do povo, porque temos mais de300 Brasis. Cada estado é um Brasil, por-que tem uma mentalidade própria e umjeito de realizar as coisas e sabe comofazê-lo. Nosso País é inventivo, com umagrande capacidade de transformação. Se osestados começarem a transformar o Brasile o Governo Federal aceitar as propostas

de baixo para cima, certamente teremosum outro Governo, outro sistema e umresultado bem mais condizente com o quedeseja a maioria do povo brasileiro.

Dr. Hélio Bicudo - Dom Paulo, nãovou fazer uma pergunta, mas uma consta-tação. Creio que essa entrevista é da maiorimportância, pois V. Excia. é bastanteconhecido. Mas suas palavras, na medidaem que voltam ao povo, têm, na realidade,um retorno excepcional para que o povotenha esperança. V. Excia. tem sido, é e vaiser sempre o bispo de nossa esperança.

Dom Paulo Evaristo Arns - Muitoobrigado, Dr. Hélio. Considero que fize-mos um grande esforço. Todos que estãoaqui nesta mesa são grandes lutadores pelatransformação do Brasil, sobretudo paranão deixar apagar a chama da esperança.Precisamos ter esperança para chegarmos

DOM PAULO EVARISTO ARNS

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ENTREVISTA

à utopia que todos desejam. E vai serrealizada em breve, se Deus quiser, aocontrário do que predizem os pessimistas.Somos um povo que vive de esperança.Devemos unir nossas forças num governoque aceita ou não, psicologicamente oupoliticamente, mas quer o bem do Brasile vai fazer o bem, se Deus quiser, com aajuda de todos. O Brasil é responsável porsi mesmo.

ENTREVISTA

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1) IntroduçãoO Poder Legislativo é certamente

a instituição governamental que maisreformas tem feito no sentido de aumentara transparência de suas atividades eampliar sua capacidade de controle sobreas ações dos demais poderes. Um primeiropasso importante foi dado no início dalegislatura passada, com a inauguraçãodas TV´s Câmara e Senado, por assinatura,responsáveis pela transmissão de sessõesdeliberativas de comissões e plenário. Nofinal desta mesma legislatura, por iniciativado então deputado federal pelo PSDB deMinas Gerais, Aécio Neves, presidente daCasa, a Câmara dos Deputados aprovouemenda constitucional que confere novaregulamentação ao instituto da medida

provisória, impedindo que estas sejamreeditadas indefinidamente, ao mesmotempo que forçando o pronunciamentodo plenário sobre as que foram enviadaspelo Executivo, emenda essa que veio a serratificada pelo Senado Federal.

Um efeito claro da medida, jáobservado, foi o de diminuir o ímpeto doExecutivo em governar por decreto. Alémdisso, foi criada uma Comissão Participativadestinada a receber projetos formuladospor entidades representativas da sociedadee fornecer-lhe a devida tramitação. Seeficaz, tal comissão fornecerá visibilidadeaos projetos que pela Câmara tramitam,visibilidade que pode significar importanteestímulo a deputados e senadores para queinvistam parcela maior de seu tempo em

ENSAIO * FABIANO SANTOS

* Cientista Político, Professor e Pesquisador do IUPERJ (Instituto Universitário do Rio de Janeiro)

A Reforma do PoderLegislativo no Brasil

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FABIANO SANTOS

projetos e emendas do próprio Legislativo,e diminuam a proporção das energiasparlamentares dedicadas à agenda doExecutivo.

O início da legislatura atual nãomodificou o ânimo dos líderes da Câmaraem aprofundar o processo de desenvolvi-mento institucional do Legislativo. Tanto onúmero quanto o formato das comissõespermanentes sofreram alterações, tendoem vista a necessidade de acompanhar aestrutura do Poder Executivo – até poucotempo, o sistema de comissões contavacom 16 destes órgãos, número que seelevou para 20 ao final do ano de 2003.Ademais, estudos estão sendo feitos nointuito de restringir a criação de comis-sões especiais e os pedidos de urgênciaconstitucional, mecanismos que amesqui-nham o poder das comissões permanentes,principal instrumento de intervenção dosrepresentantes no processo decisório e deimplementação de políticas e programasdo governo.

No texto que segue, mostrarei queestas mudanças institucionais estão nocaminho certo, se o que se deseja éo fortalecimento do Legislativo. Fareiisto mediante a exposição de algunspontos conceituais derivados de avançosteóricos e empíricos conquistados aolongo das últimas décadas pela ciênciapolítica, especialmente na área de estudoslegislativos. Além disso, proponho umconjunto de alterações institucionais, ameu ver compatíveis com o espírito quevem animando os legisladores no queconcerne a estas últimas decisões, denatureza procedimental, e que têm sidotomadas, principalmente, no âmbito daCâmara dos Deputados. Antes de prosseguirnesta direção, é preciso esclarecer algumasquestões relativas à inserção do Poder

Legislativo no sistema político brasileiro –este é o objeto da próxima seção, restandopara as duas últimas a discussão conceituale as propostas de reforma.2) O Poder Legislativo noPresidencialismo de Coalizão

Para melhor contextualizar o tema,faz-se necessário identificar como o debateem torno da assim chamada reforma doPoder Legislativo se inscreve no contextomais geral das mudanças institucionaisem curso no país. O sistema políticoinstitucional do estado democráticopode ser entendido como compostode dois conjuntos de elementos: oselementos constitucionais e os elementosprocedimentais1.

a) a dimensão constitucional é com-posta por dois conjuntos de variáveis: asvariáveis relacionadas aos sistemas elei-torais e partidários, vale dizer, às regrasmediante as quais votos são transformadosem cadeiras parlamentares, e as variáveisreferentes ao sistema de governo. Sabe-seque, no Brasil, adota-se o sistema propor-cional de lista aberta e sistema presiden-cial. Se juntarmos a estas instituições ofederalismo e o bicameralismo, conclui-seque a democracia brasileira, pelo menosno que tange a seus elementos constitu-cionais, é altamente difusora do poderpolítico, no sentido de que maximiza a

participação do eleitor na configuraçãodos loci de exercício do poder.b) a segunda dimensão, a procedi-

mental, trata dos poderes de agenda doGoverno e da organização interna doLegislativo, vale dizer, as regras e proce-dimentos de formulação da agenda par-lamentar, os núcleos de elaboração daspolíticas, não só propostas, mas tambémefetivamente aprovadas, e os agentes de

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maior influência nesse processo. Umaquestão central, quando se verifica esteconjunto de elementos, é a capacidade doPoder Executivo de iniciar e influenciar oprocesso legislativo e até que ponto estepoder amesquinha tanto a extensão dosdireitos parlamentares dos deputados sempostos na burocracia parlamentar, quantoas prerrogativas de poder das comissõespermanentes do Poder Legislativo. Sabe-se, por exemplo, que existe uma altaconcentração do poder decisório e deagenda em mãos do chefe do Executivo

e das lideranças partidárias no interior doCongresso2.Para nossos propósitos, o que importa

assinalar é que a conjugação dos elementosconstitucionais do sistema político,baseada em uma concepção difusora dopoder, com seus elementos procedimentais,de inspiração concentradora, dá origem aum modelo institucional cuja essência podeser condensada na seguinte expressão:

“presidencialismo de coalizão”, comamplos poderes de agenda depositadosno Executivo. Tal modelo, complexo emsua concepção e operação, comportacertos desequilíbrios no modo pelo qual opoder político se distribui entre as diversasinstâncias do sistema. Veremos que areforma do Poder Legislativo pode cumprira importante função de re-equilibrar obalanço entre os Poderes. Vejamos

porque.O ponto de partida, portanto, detoda análise sobre o Legislativo deveser o conceito de “presidencialismode coalizão”. A combinação desistema presidencialista, representaçãoproporcional de lista aberta e sistemaparlamentar fragmentado leva o chefe doExecutivo, na intenção de implementar suaagenda de políticas públicas, a distribuir

pastas ministeriais entre membros dosprincipais partidos, na esperança de obterem troca o apoio da maioria do Congresso.O impacto desta prática institucional parao desempenho do órgão representativoé significativo, e o exemplo do iníciodo atual governo ilustra perfeitamente osentido deste impacto3.

A tabela abaixo compara o tamanhoda base de apoio ao governo na Câmara dosDeputados em dois momentos distintos:logo após o pleito de 2002 e ao fim de 6meses de governo do presidente Lula4.

Tabela 1

Força Parlamentar da CoalizãoGovernista em Dois Períodos Distintos

Lula 1 Lula 2PT - 0,17 PT - 0,18PL - 0,05 PL - 0,06PTB - 0,05 PTB - 0,09

PSB - 0,04 PSB - 0,06PDT - 0,04 PDT - 0,03PPS - 0,02 PPS - 0,04PCdoB - 0,02 PC do B - 0,01PV - 0,01 PV - 0,01

PMDB - 0,130,40 0,62

O novo governo seguiu a rotahabitual da política brasileira: por umlado, estimulou a troca de legendas departidos originariamente de oposiçãoem direção a partidos aliados, emborao PT tenha se preservado desta dança,e, por outro, convidou o PMDB, grandepartido de centro, para fazer parte da baseformal de apoio ao presidente5. Ao fim dediversas negociações, envolvendo cargosna estrutura da liderança do governo

Fonte: Câmara dos Deputados

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no Legislativo, a concessão imediata decargos de segundo e terceiro escalão, alémda promessa de postos ministeriais em

futuro próximo, a bancada peemedebistadecide aceitar fazer parte da coalizãogovernamental. Com estes movimentos,o governo Lula, que havia iniciado suaadministração controlando apenas 40%das cadeiras na Câmara dos Deputados,termina seus primeiros 6 meses com oapoio de 62% destas. Qual o significadopolítico institucional desta mudança decenário?

Relevante, neste contexto, é o fatode o PMDB ter apoiado a candidaturacontra a qual Lula se bateu no segundoturno das eleições presidenciais, além deter sido a agremiação que forneceu acandidatura a vice-presidente nessa mesmachapa. Em uma palavra, um dos partidosque concorreu nas eleições majoritáriasdefendendo o governo e em oposiçãoà candidatura e coligação de partidosvitoriosos no pleito, depois de 6 meses de

governo, torna-se parceiro da coalizão deapoio ao novo presidente.Dois pontos são particularmente

importantes aqui: em primeiro lugar, opresidente Lula optou por reduzir os custosde transação no Legislativo montando umacoalizão de ampla maioria, tornando acooperação de partidos como o PSDBe o PFL desnecessária para definição eaprovação da agenda governamental;em segundo, decide enfrentar os custospolíticos de incluir uma agremiaçãotida como “excessivamente pragmática”por amplos setores da opinião públicae de próprios membros da base aliada.O trade-off , custos de transaçãoversuscustos políticos, foi resolvido em favor doprimeiro, isto é, sanou-se o primeiro com oconseqüente agravamento do segundo.

Várias são as implicações destadecisão, algumas delas já conhecidas.

Opiniões correntes sobre nossa vidapartidária afirmam que esta funcionarazoavelmente bem no interior do

Legislativo, sendo a atividade parlamentarcoordenada pelas lideranças, com taxasde disciplina relativamente altas e algumaestabilidade no que concerne ao perfildas coalizões vencedoras e perdedorasno plenário. Todavia, grande ceticismoprevalece quanto à capacidade dos partidosse comunicarem com os eleitores no sentidode definirem uma imagem minimamentedistinta das demais agremiações, com basena defesa de determinados pontos daagenda pública e a maneira de encaminhá-los. A crônica deste início de governo Lulasugere a proposição de que a opção maisfácil de montagem de coalizões majoritáriasno parlamento tem também contribuídopara este curto circuito entre partidose eleitores, cuja manifestação empíricavem estampada em taxas de identificaçãopartidária minimalistas.

Arationale da decisão do governo deincorporar o PMDB ao governo é bastanteevidente. O cenário, no início da atualadministração, foi o de uma aposta naviabilidade de um governo de minoria.A inclusão daquele partido na baseaumentaria a folga numérica no plenárioda Câmara, mas, assim pensava o governo,poderia gerar desgaste eleitoral pormanter no governo um partido altamentecomprometido com a chapa derrotadano pleito e com o antigo governo. Alémdisso, conceder ministérios a um partidopragmático como o PMDB traria consigoo risco de abdicar de determinadas áreasde políticas públicas sem a garantia dacontrapartida em votos disciplinados emplenário (lembrar que este partido foia agremiação da base de FHC menosdisciplinada em plenário, com média, noperíodo 2002, de 85%). O que significava,àquela altura, a aposta de Lula?

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ENSAIO

Tratar-se-ia de um governo de minoriae, como tal, não poderia contar somentecom seus próprios votos para aprovara agenda de governo. A experiência degovernos minoritários na Europa e nosEUA indica que a governabilidade nestetipo de governo pressupõe a montagem decoalizões tópicas, negociadas caso a caso.Com freqüência, um pacote de projetos énegociadoex ante , apoiado por setores dasociedade e lideranças partidárias nacionaise sociais que se viabiliza exatamente porter sido legitimado em ambiência externa

ao Congresso.A negociação pode se dar tambémno interior da própria instância represen-tativa, ocasião na qual o caráter minori-tário assume feições mais nítidas. Nestecontexto, organismos suprapartidários doLegislativo deverão ser valorizados, taiscomo as comissões técnicas, posto que aparticipação institucionalizada de mem-bros da oposição no desenho dos projetos

é de fundamental importância. O desa-fio neste contexto seria o de fortalecer oCongresso como ator proativo, propositor,dotado de visão própria sobre os rumosda agenda governamental. O pressupostodesta aposta do PT seria a adoção, porparte dos principais partidos de oposi-ção, aí incluído o PMDB, de uma posturapolicy oriented . A pergunta passaria pois aser: seria a orientação programática capazde vencer a orientação patrimonialista,presente em boa parte da vida de nossasagremiações?

Como sabemos, a decisão final dogoverno foi a de convidar o PMDB parafazer parte da base, além de estimularo troca-troca de legendas em favor dospartidos aliados. Com isso, encurta-seo caminho para a obtenção de maioriaparlamentar em apoio à sua agenda. Mas,

do ponto de vista do funcionamento dopresidencialismo de coalizão, qual oensinamento desta decisão? A primeira efundamental lição é a de que os benefíciosde fazer parte do governo são muitoelevados. E em segundo, os custos denegociar com os grandes partidos em tornode uma agenda depolicies são tambémbastante altos.Tratemos de cada uma destaslições separadamente.

O poder de nomear e demitir,o poder de reter e liberar recursosorçamentários, além do enorme poderde definição do conteúdo etiming daagenda de decisões governamentais sãoos principais instrumentos de atraçãodos partidos e representantes para o seioda coalizão governista no Legislativobrasileiro. Para um partido qualquer, duasalternativas se colocam de maneira muitoclara: a primeira consiste em correr orisco de participar de um governo quepode eventualmente fracassar e, por

conseguinte, arcar com os custos políticosde ter alguma responsabilidade no processo;e a segunda é a de decidir permanecerdo lado de fora da coalizão, assumindoo papel de opositor. Este pode ser denatureza construtiva, ou sistemática.

A adoção de um ou outro tipodependerá de variáveis como popularidadedo presidente, tamanho e coesão da baseparlamentar do governo, capacidade de

comunicação para os eleitores de um cursode ação cooperativo, etc. O fato é que, nascondições atuais da política brasileira, aatração exercida pelo Poder Executivoé considerável e isto ficou mais do quecomprovado com a decisão do PMDB deaderir à coalizão governamental, além daenxurrada de parlamentares que trocaramde partidos em direção a agremiações dabase aliada.

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Os custos de transação para umgoverno que precisa negociar uma agendacom partidos de oposição são altos porqueestes se vêem inteiramente desprovidosde meios para implementar políticas degoverno. Como qualquer liberação derecursos orçamentários exige uma decisãodo Executivo, e como fazer políticaspúblicas é liberar recursos, então todae qualquer política pública no país sópode ser feita pelo governo. Partidos deoposição não percebem nenhum ganhoem cooperar com um presidente que irá

“faturar” de forma quase monopólicaos benefícios de implementação deprogramas governamentais. Daí a virtualimpossibilidade de se contar com acooperação de partidos oposicionistase, por conseguinte, de se governar comminoria no parlamento.

É esta alienação dos partidos par-lamentares dos programas de alocação derecursos orçamentários que torna essencialpara o governo montar coalizões majori-tárias, eventualmente supermajoritárias, oque depende da natureza da agenda e dadisciplina esperada de seus parceiros origi-nais. Em outras palavras, para o presiden-te, governar com minoria, ou até mesmomaiorias mínimas, é muito custoso, pois,do ponto de vista dos partidos de opo-sição, não há incentivo para cooperar;por outro lado, participar do governo

é altamente benéfico, pois fora dele nãohá como alocar. Contudo, ao decidir pelaincorporação de partidos originalmente deoposição à base aliada, o governo interferena comunicação que estes tentam estabele-cer com os eleitores – eis um dos desafiosinstitucionais de nosso sistema político eque tem sido enfrentado pelas reformasinstitucionais implementadas na Câmaraao longo dos últimos anos.

Em suma, uma reforma do PoderLegislativo, com vistas a uma vidapartidária mais estável, além de umadistribuição mais equilibrada do poderem nosso sistema político, deve atacaros seguintes dois pontos: a) elevar oscustos políticos de fazer parte do governo;b) aumentar os benefícios de se manterna oposição. Antes de dar continuidadeà dimensão procedimental do debate, éimportante observar de que maneira aciência política, especialmente a área deestudos legislativos, avalia o desempenho

do Legislativo no Brasil.3) O Legislativo Brasileiro e osEstudos Legislativos

Existem duas tradições na áreade estudos legislativos. A primeira, deextração funcionalista, procura detectaro papel, ou papéis, que o parlamentocumpre em determinado país. A segunda,desenvolvida a partir da abordagem neo-

institucionalista, verifica os objetivosde carreira dos parlamentares, as regrassob as quais interagem com os colegase demais atores políticos, para entãoexplicar fenômenos relevantes relativosà vida parlamentar, tais como disciplinapartidária, produção legislativa, maior oumenor predominância do Executivo, etc.

Segundo a abordagem funcionalista,um parlamento pode ser ativo, reativo

ou “carimbador”6

. Um legislativo ativo éaquele que possui a iniciativa do processodecisório. Além de predominante quantoà origem dos projetos aprovados, é atorfundamental também na implementaçãodos programas governamentais e alocaçãode recursos. Alta complexidade interna,que se expressa em ampla divisão dotrabalho legislativo em comissões técnicas,permanentes, altamente especializadas,

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é a marca deste tipo de parlamento.Ademais, é comum observar a prevalênciade carreiras legislativas exclusivas, ou seja,o alvo principal da ambição dos políticosé a conquista de cargos na hierarquiainterna do Legislativo, como presidênciade comissões importantes, liderança debancada ou postos na mesa diretora.

Um legislativo reativo é aqueleque delega a iniciativa das proposiçõeslegais mais importantes para o Executivo.A definição da agenda, assim como asprioridades no que tange à ordem deapreciação dos projetos, é transferida para ogoverno e negociada, posteriormente, comos parlamentares que lideram o partidoou coalizão legislativa majoritária. Aatividade fiscalizatória destes parlamentosé, em geral, bastante bem difundida.Todavia, a complexidade interna não é tãodesenvolvida, o que torna o parlamento atécerto ponto dependente das informaçõesprocessadas por agentes fora do âmbito

legislativo, como a burocracia do Executivo,o Judiciário, ou grupos de interesse. Alémdisso, os políticos não conferem prioridadeà carreira no Legislativo, preferindo, namedida do possível, concorrer, através dovoto ou nomeação, a postos no governo,ao nível nacional ou local.

Um legislativo “carimbador” é aqueleque funciona inteiramente a reboque dogoverno. As matérias que tramitam no

Legislativo o fazem de modo quase queinteiramentepro forma , cabendo aos órgãosinternos do parlamento apenas arrematar oprojeto em seus aspectos técnicos. Umavez definida uma coalizão legislativamajoritária, todo o poder decisório ealocativo é delegado ao governo que passaa dar o tom dos trabalhos legislativos.Ocorre uma fusão entre os PoderesLegislativo e Executivo, sendo o papel do

parlamento, enquanto instituição distintado governo, socializar os parlamentaresna vida pública e fornecer quadros paraos ministérios e secretarias de governo. Acarreira de um legislador nestes casos édedicada ao parlamento até o ponto emque este consegue a nomeação para umministério, este sim, o verdadeiro alvo daambição política.

O Legislativo brasileiro é reativo. Emtrabalho recente, Santos e Amorim Neto(2002) observaram que em um universo demais de duas mil leis aprovadas de 1985a 1999, apenas 336 tiveram a iniciativade parlamentares. Além disso, constatou-se que, embora relevante para grupos esetores da sociedade, tais leis não afetamo status quo econômico e social do país,sendo mais propriamente intervençõestópicas em questões pertinentes àvida do cidadão comum. O processoorçamentário, ademais, é controlado peloExecutivo e organizado para favorecer as

prioridades estabelecidas pela coalizão departidos que dominam o governo, sendoa intervenção dos parlamentares apenasmarginal (Figueiredo e Limongi 2002). Acomplexidade interna, embora crescente,como atesta a recente elevação do númerode comissões técnicas da Câmara de 16para 20, ainda é insuficiente para fazerfrente à máquina de produzir informaçõesdo Executivo. Finalmente, com relação àscarreiras dos legisladores, vários estudosmostram que estas se caracterizam peloperfil “zigue-zague”, freqüentemente tendopostos eletivos do Executivo ao nível localcomo prioridade. (Samuels 2003; Santos2003b).

Uma vez constatado o perfil reativodo Legislativo brasileiro, dois pontosmerecem tratamento mais cuidadoso: 1)se é desejável conferir um perfil mais

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ativo ao Congresso; e, 2) que medidasde reforma poderiam contribuir paraavançarmos nesta direção. Antes de atacarestes pontos, passemos para a abordagemneo-institucionalista aplicada ao estudo doLegislativo.

Os estudos nessa área, predomi-nantemente voltados para o Congressonorte-americano, se subdividem em doisgrandes grupos: existem aqueles que nãovêem relevância na ação dos partidos e osque consideram os partidos o ator chavena organização e processo decisório doCongresso.

A corrente que não considera ospartidos como instituição relevantese desdobra em duas subcorrentes: adistributiva e a informacional. A primeirapostula que a organização do Congressoserve aos interesses de reproduçãoeleitoral de seus membros7. Uma vez que aconquista do voto é função da capacidadedo representante de atender aos interessesradicados no distrito eleitoral pelo qualse elegeu, este procurará se especializarem temas de políticas públicas de grandeimpacto neste distrito. É importante lembrarque o mesmo problema é enfrentadopelos demais representantes, o que osleva a desenvolver instituições internasque permitam aos deputados adquiriremexpertise nas políticas públicas pertinentese distribuírem benefícios concentrados em

favor dos eleitores de seu distrito.O sistema de comissões especializa-

das, dotadas de amplos poderes de agen-da, a regra da antiguidade como meca-nismo de acesso a posições de hierarquianas mesmas e os instrumentos regimentaisque protegem os projetos, aprovados nascomissões, de modificações em plenárioseriam mecanismos mediante os quais oprocesso decisório atenderia ao esforço

dos representantes em distribuir benesseslocalizadas, de visibilidade para os eleitores,esforço cuja origem remonta à necessidadede reprodução eleitoral do congressista.

Onde a subcorrente distributivaobserva particularismo, a informacionalvê eficiência coletiva8. A organizaçãodo Congresso em torno de comissõesaltamente especializadas seria um meiode atender às demandas dos congressistaspor expertise – demanda que advém datentativa de redução da incerteza quecircunda necessariamente o trabalho deformulação e implementação de políticaspúblicas. Tanto a regra da antiguidade,quanto as regras de restrição de emendasàs proposições enviadas ao plenário pelascomissões seriam, na verdade, incentivospara o desenvolvimento das própriascomissões. Os riscos de particularismo,inerentes a um processo decisóriocompartimentado em pequenos núcleosdecisórios, ver-se-iam reduzidos na

medida em que as diversas tendências deopinião existentes no plenário, isto é, suaheterogeneidade, tivesse correspondênciana composição das próprias comissões.

A corrente partidária discordafrontalmente com a assertiva, presente nacorrente anterior, de acordo com a qual ospartidos não seriam instituição relevantede organização e decisão congressual9.Pelo contrário, segundo os defensoresdesta corrente, as instituições do legislativoexpressam os dilemas de ação coletiva econflitos internos ao partido ou coalizãomajoritária. Os partidos cumpririamduas importantes funções: serviriam deveículo para a tomada de decisão doeleitor e mecanismo de coordenação docomportamento dos parlamentares, umavez eleitos. Vale dizer, os políticos extraembenefícios da existência dos partidos,

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ENSAIO

porque isto facilita sua atuação comocandidato ao sinalizar seu posicionamentoem questões de interesse público, assimcomo sua atuação enquanto parlamentar,ao balizar suas decisões relativamente àsmatérias que chegam a voto em plenário.

Contudo, o interesse que subsidiaa emergência e força dos partidos éum interesse coletivo, ao passo que osparlamentares também se elegem por contade seus esforços individuais no sentido deatender às demandas de seus eleitores.O dilema coletivo dos políticos face aospartidos surge exatamente no momentoem que há o risco da imagem do partido sedesgastar, seja pela falta de investimentodos parlamentares nos temas e políticas queconferem a marca coletiva da agremiação,seja pelo sobre-investimento nas matériasde alcance meramente paroquial.

A solução clássica para problemas deação coletiva é delegar para indivíduo ougrupo de indivíduos a tarefa de coordenar,canalizar os esforços individuais na direçãodo bem público, vale dizer, dotar estegrupo de indivíduos de poder e conceder-lhe incentivos para que assuma o ônus deorganizar o comportamento individual erealizar o interesse coletivo – na vida dospartidos e parlamentar, este agente atendepelo nome de lideranças partidárias. Opapel das liderança dos partidos seria,não propriamente ou unicamente o dedisciplinar a conduta da bancada, maso de não permitir que a ação individualprejudique sobremaneira a imagemcoletiva da agremiação, por um lado,e, por outro, não permitir que conflitosde interesse e de opinião no interior dabancada levem a seu amesquinhamentoeleitoral e político. Em uma palavra, afunção da liderança partidária é a decompatibilizar os interesses individuais

e coletivos de uma mesma coalizão decongressistas.

A literatura recente sobre oCongresso brasileiro tem verificado acoexistência de elementos distributivos epartidários no comportamento legislativode nossos parlamentares10. Indicadorescomo pesquisas de opinião, produçãolegal, processo orçamentário e disciplinapartidária revelam pelo menos doispontos fundamentais: existe amploreconhecimento sobre a importância dese constituir, junto aos eleitores, reputaçãopessoal, ou seja, a tarefa da representaçãopolítica no Brasil está fortemente ancoradana figura individual do político; todavia,o espaço de atuação do parlamentar,tomado individualmente, é muito reduzidono parlamento; vale dizer, a atividadelegislativa, sua organização e processode decisão, se encontra centralizada naliderança dos partidos, em particular dospartidos que formam a base aliada ao

governo.Ademais, e o que é mais relevantepara fins da presente discussão, é quetambém existe amplo consenso de quefaz falta ao Congresso brasileiro, em suaforma de atuar, regras e procedimentos queincentivem o desenvolvimento de expertisee capacitação dos parlamentares para aformulação e implementação de políticaspúblicas. Em uma palavra, o Congresso

ainda está por desenvolver mecanismosinformacionais.Em resumo, os estudos sobre o

Legislativo brasileiro, e levando-se emconsideração as diversas perspectivas queavaliam o papel e comportamento do par-lamento na democracia contemporânea,indicam ser esta uma instituição de perfilreativo que se organiza e toma decisõesmediante uma combinação de elementos

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partidários e distributivos. Por conseguin-te, a discussão sobre possíveis pontosde reforma deste Poder no Brasil passa,necessariamente, pela indicação de comoé possível conferir a ele um perfil maisativo, além de aumentar sua capacidadeinformacional.

4) Conclusão e Proposta deReforma

Conferir um perfil mais ativo aoPoder Legislativo no Brasil, assim comoreforçar os elementos informacionais desua estrutura institucional, nos conduz aoinício do texto, em particular à proposiçãobásica do argumento nele defendido - areforma do Poder Legislativo visando aoseu fortalecimento deve, primordialmente,desenvolver regras de organização internaque aumentem os benefícios de se estarna condição de oposição parlamentar, oudiminuam os custos de não fazer parte doconjunto de partidos que possuem cargos

no ministério.Aumentar os benefícios de ser opo-

sição parlamentar significa multiplicar aspossibilidades de intervenção dos parla-mentares, independentemente de sua con-dição de aliado ao governo, no processode formulação de políticas públicas. Ameu ver, três dimensões são de funda-mental importância para se avançar nestadireção: 1) aumentar o poder de alocaçãode recursos do Congresso; 2) aumentaro poder decisório das comissões técni-cas permanentes; 3) alterar a estrutura deoportunidades com a qual se defrontam ospolíticos no Brasil.

Quanto ao primeiro aspecto, trata-se de discutir a inserção do Congressono processo orçamentário brasileiro.Duas medidas são essenciais: a) tornaro orçamento, que é aprovado a cada

ano pelo Legislativo, imperativo e nãoapenas autorizativo. Retirar o poder decontingenciar o gasto da União é vitalpara conferir maior responsabilidade àsdecisões dos congressistas, assim comopara redistribuir o poder político daburocracia do Ministério da Fazenda emfavor da dimensão representativa do regimedemocrático. Por óbvio, não devemospensar que se trata de decisão simplesque possa ser tomada imediatamente.Assim sendo, e mantido o desideratoda mudança, é relevante a discussão

sobre formas de negociação do próprioprocesso de contingenciamento, isto é, aoCongresso deveria caber papel mais ativona definição das prioridades etiming deliberação de recursos para programas eatividades governamentais.

b) A segunda medida essencial nosentido de se aumentar o poder de alocaçãodo Congresso diz respeito à própria formapela qual a peça orçamentária é discutidae aprovada no Congresso. Atualmente, oprocesso é concentrado em uma comissãomista, sendo de vital importância a figurado relator do projeto, em geral escolhidoentre os mais confiáveis membros da basealiada ao governo. Embora importantesmodificações tenham sido introduzidasnos últimos anos, visando tornar a decisãosobre o Orçamento mais transparente edescentralizado (Figueiredo e Limongi

2002), ainda é fato que as comissõespermanentes se encontram praticamentealijadas do processo.

Uma maneira de contornar esta situ-ação é dividir o projeto orçamentário poráreas e enviar os diversos subprojetospara comissões pertinentes, fornecendo aestas o poder de modificar as estimativasde receitas e despesas ali contidas11. Umavez aprovada a proposta da comissão

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temática, esta a envia para a comissão deorçamento e suas subcomissões, que trata-riam de apreciar a proposta de substitutivodaquela. Relevante ressaltar que tal divisãode tarefas implica modificar a forma detramitação do projeto de Orçamento, quedeixaria de ser unicameral, passando atramitar simultaneamente nas duas Casasdo Congresso.

A segunda dimensão relevanteconsiste no problema do ritmo e lócusde tramitação das matérias enviadas àscomissões permanentes. Duas questõesbásicas devem ser consideradas: a) aquestão da urgência; e b) a questão dascomissões especiais. Existem dois tipos deurgência, a constitucional, de prerrogativaunilateral do chefe do Executivo, e aregimental, que pode ser solicitada porparlamentares, segundo vários critérios, mascuja aprovação depende da concordânciado plenário. Em comum nos dois casos,o fato de uma matéria sob tramitação

urgente ter necessariamente de estar emplenário para votação em 45 dias, tendoou não sido apreciada pela comissão demérito.

O ponto central é que os principaisprojetos de interesse do Executivo, exce-tuando-se projetos de emenda constitucio-nal, recebem o carimbo de urgentes, sejamediante pedido do próprio presidente,utilizando-se de sua prerrogativa cons-

titucional, seja pela via de acordo entrelíderes.Não é difícil entender que o recurso

sistemático do instrumento do pedido deurgência, incidindo especialmente sobrematérias importantes, acaba por enfraque-cer o trabalho das comissões permanentes,diminuindo, por conseguinte, os incen-tivos para uma participação mais ativanestes órgãos.

A questão das comissões especiais émais um mecanismo de amesquinhamentodas atribuições das comissões permanentes.Projetos de emenda constitucional e proje-tos de código não tramitam em comissõespermanentes. Ademais, matérias comple-xas, apreciadas por mais de 3 comissõespermanentes, podem ser retiradas destase enviadas para uma comissão especial,encarregada unicamente de proferir pare-cer sobre tais matérias. Uma comissãoespecial difere de uma permanente pelofato de ser constituída apenas para dar

conta da tarefa especificada no momentode sua criação, isto é, trata-se de comissãoad hoc cuja membership é escolhida casoa caso.

O ponto central é que a composiçãodas comissões especiais pode ser mani-pulada pelos líderes, responsáveis pelaindicação de seus membros, independen-temente de expertise no tema em apre-ciação, apenas para dar aquiescência às

finalidades do governo. As decisões deuma comissão permanente, contudo, paracuja montagem algum grau de dedicaçãoe especialização nos temas pertinentes épressuposto de seus membros, não são defácil manejo por parte das lideranças dobloco governista.

A facilidade de se pedir urgênciapara a tramitação dos projetos de interessedo governo e a prática de montagem decomissões especiais diminuem dramati-camente os incentivos para que os par-lamentares, governistas ou de oposição,participem do processo decisório, despro-vidos que são de um lócus a partir do qualsua contribuição possa ser levada emconsideração. Impõe-se, portanto, porum lado, rediscutir os critérios tanto deindicação de tramitação especial para pro-jetos, restringindo, por exemplo, o número

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destes que podem tramitar com urgên-cia em um mesmo intervalo de tempo,ou o tamanho do apoio necessário paraaprovar a urgência constitucional; e, poroutro, permitir, às comissões permanentes,a apreciação de projetos de emenda cons-titucional e de código, além de aumentaros requisitos de complexidade, tendo emvista criar uma comissão especial.

Por último, a questão dos incentivos decarreira. Como vimos nas primeiras seçõesdeste trabalho, a prática do presidencialismode coalizão leva o chefe do Executivo acompartilhar com vários partidos, e nãoapenas o seu, a formação do ministério. Aconsolidação da aliança entre partidos sefaz, freqüentemente, mediante a nomeaçãode líderes partidários para os postos deprimeiro escalão no Executivo – é comum,corriqueiro, que parlamentares deixemsua cadeira no Legislativo para cumprirfunções como ministro. A Constituiçãobrasileira permite que um deputado ou

senador se licencie do mandato a fim deexercer cargos no ministério; da mesmaforma, um parlamentar pode concorreràs eleições municipais, através do mesmomecanismo da licença, sem por em riscosua cadeira no Congresso.

O baixo custo com que os congres-sistas podem, mediante a disputa eleitoralou nomeação, se lançar a experiênciaspolíticas alternativas ao Legislativo reduz

a taxa de permanência dos políticos noórgão representativo. Menores taxas depermanência levam a menor investimentodos membros na própria Casa. Uma Casalegislativa forte depende de representantescomprometidos com a tarefa de repre-sentar, compromisso que advirá comodecorrência natural do estabelecimento decritérios mais rígidos de licenciamento doLegislativo.

Evidentemente, não se está propondopura e simplesmente que os parlamentaresque vierem a aceitar convites para ocuparpostos no Executivo desistam de seus man-datos, mas sim que regras mais restritivassejam estabelecidas, tais como, limitar aquantidade de vezes que um parlamen-tar poderá se licenciar do exercício domandato sem perder a cadeira. Em suma,o que se pede é a delimitação mais claradas fronteiras entre o mundo da represen-tação e outros lócus de exercício do poderpolítico, tornando maior o incentivo para

que políticos que logram obter mandatosrepresentativos canalizem suas energias,seu tempo e inteligência no fortalecimentodo Poder Legislativo.

Em suma, ampliação das prerroga-tivas das comissões permanentes, assimcomo o aumento do poder de alocaçãodo Congresso e a delimitação das carreiraslegislativas devem informar o espírito deuma eventual mudança institucional no

Poder Legislativo, tendo como desideratoa configuração de um perfil mais ativo,assim como o incremento de sua capa-cidade de gerar, armazenar e distribuirinformações pertinentes ao processo deci-sório em políticas públicas.

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NOTAS1 Nos próximos parágrafos, sigo a análise que consta em Santos, 2000 e 2002.2 Ver, a respeito, Pessanha, 1997, e Figueiredo e Limongi, 1999.3O estudo pioneiro sobre o presidencialismo de coalizão é de Abranches, 1988. Desenvolvimentos recentes podemser encontrados em Figueiredo e Limongi, 1999; Amorim Neto, 2000; Meneguelo, 1998 e Santos, 2003b.4 O texto que segue é inspirado em Santos, 2003a .5A literatura sobre o troca-troca de partidos já é bastante consolidada. Bons exemplos são Lima Jr.,1993, Nicolau1996 e Melo, 2000; Meneguelo, 1998 e Santos, 2003b.6Ver, nesta linha de análise, Polsby, 1968; Packenham, 1970; Loewenberg e Patterson, 1979, Mezey, 1985.7 Os principais trabalhos nesta linha são Mayhew, 1974; Ferejohn, 1974; Fiorina, 1977; Shepsle, 1979; Weingast eMarshall, 1983; e, Cain, Ferejohn e Fiorina, 1987.8 Ver Gilligan e Krehbiel, 1987; Krehbiel, 1991; Brady e Volden, 1998.9 Os trabalhos mais importantes nessa tradição são Kiewiet e McCubbins, 1991; Rohde, 1991; Cox e MacCubbins,1993; e, Sinclair, 1995.10 Ver Figueiredo e Limongi, 1999; Pereira e Mueller, 2000; Carvalho, 2003; Amorim Neto e Santos, 2003.11

Percebam que não se trata apenas de permitir que as comissões proponham emendas, mas de conferir a elas aprerrogativa de avaliar os programas de receita e despesa existentes e que vierem a ser propostos para todos osministérios, segundo a área de especialização de cada comissão.

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Tipologias são difíceis de construir.Tão difíceis de construir quanto fáceis deserem criticadas e rejeitadas. Em geral,tipologias não conseguem dar conta detodas as dimensões e variações do obje-to sob estudo no interior da teoria que ainforma. A construção de tipologias pede aidentificação de características essenciais

do objeto, características capazes de estru-turar e dar sentido à diversidade da rea-lidade observada. Trata-se de organizar omundo empírico no interior de um modeloteórico abrangente. O marco teórico sugere- quando não determina - a escolha dascaracterísticas relevantes para distinguir eclassificar os casos.

Modelos de Legislativo:o Legislativo Brasileiro

em Perspectiva ComparadaPor isto mesmo, tipologias são tãofacilmente criticadas, posto que acabampor evidenciar as limitações e fraquezasdos modelos teóricos que estão na origemde sua construção. Na medida em queprecisam abarcar todo o universo de casossob consideração, acabam por ser umdesafio para as pretensões das proposições

teóricas ao testarem sua capacidade deenfrentar os casos difíceis ou limites.Não faltam tipologias do Poder

Legislativo. Cada uma delas organizadas apartir de um referencial teórico específicoe, desta forma, enfatizando certas caracte-rísticas como distintivas dos modelos ou

* Professor livre docente do CEBRAP / ** Cientista Política CEBRAP (Centro Brasileiro de AnáliPlanejamento)

ENSAIO* FERNANDO LIMONGI / ** ARGELINA CHEIBUD FIGUEIREDO

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duas instituições se complementariampara garantir que as decisões tomadas pelaassembléia legislativa sejam as melhores eas mais representativas.

Em assembléias específicas, porém, opapel de uma ou outra dessas instituiçõestende a preponderar, embora essa pre-ponderância nunca chegue à eliminaçãodo elo mais fraco. A conhecida tipologiade Polsby (1975) se ancora, justamente,na contraposição entre legislativos cujostrabalhos se baseiam mais fortemente nascomissões, àqueles em que o elo mais forteé controlado pelos partidos. Como notadoacima, cabe observar que em ambos oscasos o poder decisório é deslocado doplenário para uma outra instância, quaissejam, as comissões ou os partidos. Emoutras palavras, o plenário delegaria aestas instâncias o poder deliberativo emsentido forte e funcionaria, em ambos oscasos, apenas como uma instância queapenas referendaria as decisões tomadas

nos verdadeirosloci de poder.Como uma parcela considerável

das análises comparativas, a tipologia dePolsby parte do contraste entre formas degoverno:

“Nas democracias modernas, os legisla-tivos variam significativamente de acordocom as diferentes maneiras que estãoinseridos nos seus sistemas políticos. Adiferença mais óbvia é, naturalmente, aconstitucional, a distinção entre os sis-temas parlamentaristas e os sistemas deseparação de poderes”. (Polsby, 1975:274/275).

Como é usual na literatura compa-rada, os Estados Unidos e a Inglaterra sãotomados como os casos paradigmáticos,respectivamente, de presidencialismo eparlamentarismo1. A conseqüência deste

ponto de partida é a associação entrelegislativos organizados em torno dosistema de comissões, com o presiden-cialismo, e aqueles em que prevalecem asorganizações partidárias, com o parlamen-tarismo.

Como mostraremos adiante, estaassociação entre modelos de legislativo eformas de governo é indevida. Pior: car-rega consigo expectativas e preconceitosque enviesam as análises. As conseqüên-cias destes equívocos são evidentes nocaso brasileiro, uma vez que as expectati-vas geradas pelas concepções subjacentesà tipologia de Polsby estão na raiz dosmodelos de legislativo que habitam asmentes e os corações de analistas e atorespolíticos. Na realidade, ao aprofundar-mos o entendimento destas concepções,podemos notar suas ambigüidades comrelação ao papel que reservam ao legis-lativo em um sistema presidencialista. Aotempo que se espera um legislativo forte

e independente como uma conseqüêncianecessária da separação de poderes, credi-ta-se ao legislativo, sempre que ele afirmasua independência, o papel de obstáculoconservador e paralisante às ações doExecutivo.

Nestes termos, como já salientamosacima, recorreremos a uma discussão datipologia de Polsby para aprofundar otratamento que dispensamos ao modelo

brasileiro, buscando assim afastar precon-ceitos a seu respeito. No entanto, parademonstrar este ponto, se faz necessárioaprofundar a apresentação dos dois modelospolares considerados por Polsby.

A tipologia proposta por Polsbycombina a distinção das formas de governocom a variação da influência que forçasexternas exercem sobre o corpo legislativo.O autor acredita que é possível dispor as

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legislaturas de governos democráticos emum contínuo, de acordo com o grau deinfluência externa que sofrem.

Em um extremo do espectro se encon-trariam os Legislativos Transformativos, aqueles que:

“Possuem, e exercem com freqüência,capacidade independente de moldar etransformar em leis propostas de qualquerorigem. O ato de transformação é crucialporque ele postula o significado da estru-tura interna do legislativo, da sua divisão,interna de trabalho e das preferênciasde políticas dos vários legisladores. Paraexplicar a produção legislativa não bastaapenas saber quem propôs o que e quãoimperativamente, mas também quem pro-cessou o que no interior do legislativo,quão entusiasticamente e — quão compe-tentemente”. (Polsby, 1975: 277)

Em oposição a este modelo,Legislativos Arenas são definidos comoaqueles que:

“Servem como espaços formalizados paraa interação das forças políticas relevantesna vida de um sistema político; quantomais aberto o regime, mais variada, maisrepresentativa e mais responsivas as forçasque têm entrada nessa arena. Essas forçastêm origem no sistema de estratificaçãosocial ou mesmo, como na idade média,nos estamentos do reino (...)

A existência de legislativos arenas deixa

sem resposta a questão de onde reside opoder que de fato se expressa nos atoslegislativos - se no sistema partidário (comoé o caso nos vários sistemas democráticosmodernos), ou no sistema de estratificação,na burocracia ligada ao rei, nos barões, noclero, ou em qualquer outro grupo”. (pág277/278)

Tendo definido estes dois tipospolares, Polsby passa a caracterizá-los deforma mais detalhada e completa. Nesta

operação, o autor relaciona os traçosdistintivos dos parlamentos dos EstadosUnidos e da Inglaterra à sua tipologia.

Por exemplo, quanto aos LegislativosTransformativos, Polsby nota que “umsistema efetivo de comissões pode bemser um pré-requisito para a independên-cia de um corpo legislativo, uma vez quepor meio dele o legislativo pode colheros benefícios de uma divisão de trabalho– por exemplo, continuidade de interessee expertise – ao colocar sua marca sobre apolítica pública” (278)2.

Os termos empregados nesta pas-sagem – um sistema de comissões efetivoe independente – pedem comentários adi-cionais. Um sistema de comissões efetivo éaquele em que o plenário desempenha umpapel limitado na elaboração legislativa. Overdadeiro trabalho legislativo, a delibera-ção em sentido forte, ocorre nas comissõesna medida em que estas controlam a tra-mitação das matérias sob sua jurisdição. O

plenário tem poderes limitados para avocara si uma matéria, retirando-a da comissãopara a qual foi inicialmente distribuída.

Sendo assim, legisladores sabem quepertencer à Comissão de Agricultura, paradar um exemplo, é a condição necessáriapara ser capaz de influenciar a políticaagrícola. A distribuição dos parlamentarespelas comissões é ditada pelo interesseeleitoral de cada um, com pequena ou

nenhuma influência dos partidos. Assim,para continuar com o exemplo, buscam– e conseguem – fazer parte da Comissãode Agricultura os parlamentares eleitos pordistritos em que estes interesses são real-mente relevantes para seus eleitores. Nãoseria de se esperar que um deputado eleitopor um distrito primordialmente urbano,digamos a cidade de Nova York, queirafazer parte da Comissão de Agricultura. Éapenas razoável supor que este deputado

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hipotético procure entrar na comissão quetrate de assuntos bancários.

Parlamentares, portanto, se distri-buem pelas comissões de acordo comseus interesses eleitorais. Os partidos nãocontrolam a entrada ou a permanênciados membros nas comissões. A tendênciaé o parlamentar ter uma longa carreirano interior de uma comissão. Sobretudoporque o poder no interior das comissõesé distribuído de acordo com o tempo depermanência nas mesmas. Vale a regra daseniority.

Combinadas essas duas coisas, ocontrole sobre a iniciativa legislativa naárea de sua jurisdição com o incentivoà permanência dos parlamentares emuma comissão, entende-se porque ascomissões se tornam os centros de poder.Parlamentares, ao longo de suas carreiras,se especializam nas matérias que estãosob a jurisdição de sua comissão. Ascomissões reúnem especialistas e setornam depositárias de experiência econhecimentos nas suas respectivas áreasde políticas.

A independência, portanto, por con-traste ao caso inglês, se refere às influên-cias externas: aos partidos e à estratificaçãosocial. A elaboração da legislação é ques-tão interna corporis . Mas envolve algomais: a independência frente ao Executivo.Nestes termos entende-se porque Polsbyas vê como condição necessária para aindependência do legislativovis a vis ospartidos e, sobretudo, o executivo.

Cabe notar que o tipoLegislativoTransformativo é inteiramente construídotomando por base o caso norte-americano.Polsby chega inclusive a discutir detalhesdo papel desempenhado pelosRulesCommittee nos anos sessenta e setenta parabloquear reformas como as relacionadasaos direitos civis. Conquanto a discussão

do Legislativo Arena também eleja oParlamento inglês como seu tipo maisacabado, Polsby discute outros casos de

países parlamentaristas europeus, comoHolanda, Suécia, Alemanha, França eBélgica. Admite assim que os legislativosem regimes parlamentaristas podem variar,afastando-se do caso inglês. É difícil entenderque os casos discutidos possam de fato serdispostos em um contínuo como quer nosfazer ver Polsby. Voltaremos à variação delegislativos sob parlamentarismo adiante.

No momento, por ser mais relevan-

te para a discussão do Brasil, cabe frisarque o contínuo imaginado por Polsby sejahabitado apenas por países parlamentaristas.Na linha que vai da Inglaterra(LegislativoArena) aos Estados Unidos(LegislativoTransformativo) não há casos de paísespresidencialistas. A sugestão é clara: oúnico modelo possível de legislativo sobpresidencialismo é aquele presente nosEstados Unidos.

A sugestão é tanto mais forte quandose atenta para o fato de outros paísespresidencialistas não estarem totalmenteausentes de sua discussão. Polsby fazapenas algumas poucas referências aoutros países presidencialistas quandodiscute o papel de legislativos em regimesautoritários (em sua tipologia, o termo éregimes fechados e especializados). Nestescasos, legislaturas não têm propriamenteum papel a desempenhar na elaboraçãodas leis, são meras carimbadoras dasdecisões tomadas em outras instâncias, emgeral, pelo executivo. São legislativos defachada e a grande indagação acaba sendoentender porque não são simplesmenteabolidos.

Ou seja, o que fica implícito é queo presidencialismo sob democracia requerlegislativos “institucionalizados”, parausar um termo caro a Polsby, como o

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americano. Se o legislativo não afirmar suaindependência frente ao executivo e aospartidos, organizando-se, então, de acordo

com o modelo de comissões, este poder nãodesempenhará seu papel constitucional.Esta perspectiva se torna problemáticaquando levamos em consideração atendência da literatura especializada empaíses do terceiro mundo a atribuir aopoder legislativo um papel conservador.Legislativos, para usar a linguagem daépoca, constituem-se em obstáculos àmudança social. Isto porque as forçasconservadoras são sobre-representadas nolegislativo. De acordo com Packenham:

“No mundo inteiro, legislativos tendem arepresentar interesses mais conservadorese paroquiais do que os executivos, mesmonas sociedades democráticas... Nas socie-dades que precisam e querem mudanças(...) pode não fazer sentido fortalecer opoder decisório de uma instituição queprovavelmente resistirá mais a mudanças”.(citado por Mezey, pag 750)

Esta tese, na realidade, é bastanteconhecida no Brasil e figura com destaquenas explicações para a própria crisede 1964. O conflito político entre umCongresso conservador e um Executivomodernizante e reformador foi consideradopor muitos analistas como um dos motivoscentrais que teria levado à queda doregime de 1946. Desde então, esta tesetem sido reformulada e adaptada às maisdiversas contingências.

Nas últimas décadas, no interior domovimento neo-institucionalista, este argu-mento perdeu sua tradução social imedia-ta para se transformar em um modelode conflito puramente institucional. Oregime presidencialista seria inferior aoparlamentarista porque não teria formasinstitucionais de resolver o conflito entreo legislativo e o executivo. Sob presiden-

cialismo, o legislativo e o executivo sãoeleitos por regras eleitorais específicas, deonde segue que representam interesses

diversos. Assim, quaisquer sejam estesinteresses, conflitos entre o executivo e olegislativo são praticamente inevitáveis.A probabilidade de que o executivo nãoencontre apoio para suas iniciativas nointerior do legislativo cresce com a frag-mentação partidária. Presidencialismo emultipartidarismo são uma “combinaçãodifícil” (Mainwaring, 1993).

Na elaboração da tipologia de legisla-

tivos na América Latina, Cox e Morgenstern,como Polsby, partem dos tipos polaresrelacionados aos dois sistemas “puros”de governo: o parlamentarismo inglês eo presidencialismo norte-americano. Emcontraste com Posby, no que se refereao parlamentarismo, os autores descon-sideram suas variações internas. Dada apresença do voto de confiança e a possibi-lidade de queda do governo, há, em todo equalquer legislativo sob parlamentarismo,incentivos para que os partidos assegurema unidade nas votações em plenário. Paraisso, os líderes dispõem de instrumentosde controle da agenda no parlamento– definem quando e quais projetos serãovotados. Ou seja, os partidos da coalizãomajoritária atuam como “coalizões pro-cedimentais” que lhes permitem protegeros seus membros de votos embaraçosose evitar divergências públicas no interior

da coalizão, garantindo, assim, unidadeno plenário. Dessa forma, “os partidosparlamentares unificam o executivo ea assembléia, refletindo, de um lado, aconfiança que os parlamentares têm noslíderes que escolheram (...) e, de outro,a necessidade de se organizar fortementeem apoio ao executivo. (...) O executivo,e não apenas atores legislativos, exercemo poder de agenda” (Cox e Morgenstern,2002: 462-64).

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Quanto ao presidencialismo, os auto-res distinguem dois tipos, o dos EstadosUnidos e os da América Latina. Quanto

ao primeiro, haveria completa separaçãode poderes e o controle da agenda seriaexercido por atores legislativos no interiordo próprio congresso. Está claro que háestreita correspondência deste caso com olegislativo transformativo conforme definidopor Polsby. Da mesma forma, o LegislativoArena é generalizado para todos os gover-nos parlamentaristas. Há, tão somente, umdeslocamento do elemento externo, queem Polsby era o partido e em Cox eMorgentern é o executivo. Ou seja, nestaúltima tipologia, o elemento chave é dadopela relação entre o legislativo e o execu-tivo. No presidencialismo americano, opoder de alterar ostatus quo legal, a capa-cidade transformativa, estaria nas mãos dopróprio legislativo. No parlamentarismo, oexecutivo que deteria esse poder. As carac-terísticas básicas desses sistemas de gover-no determinam a capacidade de cada um

dos poderes de fazer leis.A contribuição mais original dosautores, portanto, estaria na tentativa deacomodar legislativos da América Latinaa esta tipologia. Isto se faz pela criação deum terceiro tipo, um tipo intermediário,os Legislativos Reativos. A característicadistintiva do presidencialismo latino-americano, em contraposição ao dosEstados Unidos, é que a separação depoderes não é total. Nesses países, àsemelhança dos países parlamentaristas,o executivo participa diretamente doprocesso legislativo: tem o poder de propore, além disso, pode agir unilateralmente.

Os legislativos latino-americanos,portanto, reagem ao executivo. Não rea-gem, porém da mesma forma. Cox eMorgenstern elaboram quatro subtipos delegislativos que são classificados de acordocom a sua disposição em negociar com o

executivo. Temos, dessa forma, os legisla-tivos “recalcitrantes”, “viáveis”(workable) ,“venais ou paroquiais” e “subservientes”.

Os autores não esclarecem o que deter-mina essa disposição, mas argumentamque ela varia em função da composiçãopartidária do legislativo, mais especifica-mente, do nível de apoio ao presidenteque, por sua vez, determina as estratégiasdo presidente.

Tendo em vista o tamanho de suabase parlamentar, o presidente antecipa asreações do legislativo e utiliza, em função

disso, os poderes de que dispõe. Para osautores, a estratégia ótima do executivovaria de acordo com os seguintes pode-res: 1. autoridade para regulamentar ouinterpretar; 2. autoridade para indicarministros, juízes e outros altos postos, emgeral com a aprovação do congresso; 3.delegação explícita do poder de legislar; 4.poderes de decreto com força de lei, inclu-sive para situações de emergência, quandopode suspender as liberdades civis; 5.poderes pára-constitucionais de decreto,“que permitem ao presidente mudar leisusando a caneta ou a espada” (Cox eMorgenstern, 2002: 460-1).

Combinando o tipo de presidenteao tipo de legislativo, formam-se paresde tipos de executivo-legislativo: 1. “pre-sidente imperial-legislativo recalcitrante”;2. “presidente nacionalmente orientado-legislativo paroquial”; 3. “presidente de

coalizão-legislativo viável”; e, finalmente,4. “presidente dominante-legislativo sub-serviente”. Nos extremos estão presidentessem maioria parlamentar ou com amplamaioria. Os que enfrentam maiorias hostis,os presidentes imperiais, adotam estraté-gias de ação unilateral, usando seus pode-res “de formas constitucionalmente pro-vocativas”. No outro extremo, presidentesdominantes, antecipando assembléias sub-servientes, ditam as regras e as políticas.

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Os dois tipos intermediários referem-se a presidentes que contam com apoiomédio no legislativo e, por essa razão,procuram negociar com o legislativo ocurso das políticas. O que diferencia osdois tipos são as moedas de troca utiliza-das na barganha pelo apoio parlamentar.Estas compreendem: benefícios particu-laristas (patronagem epork ); posiçõesministeriais; concessões sobre políticase poderes de agenda. Assembléias com-postas por parlamentares clientelistasdelegam ampla autoridade ao executivo

para que este defina políticas nacionais.Por sua vez, a combinação de “presi-dente de coalizão” com assembléias“viáveis” ocorre quando presidentes lide-ram coalizões que incluem atores legislativos,buscam implementar políticas de coalizõespor meio de legislação ordinária e desenhamestratégias que visam aprovar leis por meiode seus aliados no legislativo. O legis-lativo, deste modo, se envolve no pro-cesso de formulação de políticas (Cox eMorgenstern, 2002: 451-455).

Sendo assim, para esses autores, nopresidencialismo latino-americano nãoexiste a possibilidade de que uma maio-ria parlamentar dê seu apoio ao execu-tivo pela simples razão de pertencer aomesmo partido e, portanto, ter os mes-mos interesses em políticas. Da mesmaforma, poderes institucionais de agendanão podem ser utilizados por delegaçãode uma maioria parlamentar. O uso depoderes unilaterais, como o poder dedecreto com força de lei, é associadoa governos minoritários, a presidentes“politicamente fracos” (2002: 450).

Há, portanto, uma dificuldade analí-tica de se trabalhar com presidencialismosque se distanciam do caso norte-ameri-cano. O suposto é que, sendo os poderes

legislativo e executivo poderes distintos,devem ter vontades políticas distintas. Ospoderes são constitucionalmente separa-dos e deveriam permanecer ou evoluirnesta direção. Se não o fazem é porque,ou o poder executivo é demasiadamenteforte, ou o legislativo fraco, ou ambos. Apossibilidade de cooperação ou identi-ficação política entre ambos os poderes,tomada como natural e óbvia sob parla-mentarismo, é concebida como expressãode uma patologia.

Tome-se como exemplo o recursoaos poderes de decreto presidencial, comoas Medidas Provisórias no Brasil. Os auto-res desconsideram a possibilidade do exe-cutivo recorrer a esse mecanismo institu-cional com apoio majoritário, ou quasemajoritário, especialmente em governosde coalizão. O poder de legislar por decre-to pode ser visto como um instrumento útilpara solucionar problemas de “barganhashorizontais” entre o governo e a maioria

parlamentar que o apóia. Assim, em vezde se configurar como um mecanismoinstitucional para contornar a vontade damaioria ou subjugar o legislativo, pode serum poderoso dispositivo em prol das maio-rias governistas, protegendo-as dos efeitosde medidas impopulares, que afetem baseseleitorais específicas, e preservando osacordos políticos entre o governo e a coa-lizão que o apóia no legislativo. Aliás, éassim que poderes de agenda em governosparlamentaristas são tratados por Cox eMorgentern. Por que maiorias só poderiamdelegar poderes ao executivo em governosparlamentaristas?

Do ponto de vista normativo, isto é,dos modelos almejados de poder legisla-tivo, desenha-se, desta forma, uma expec-tativa ambígua, quando não pura e sim-plesmente contraditória, quanto ao papel

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a ser desempenhado pelo poder legislativoem regimes presidencialistas. O legislativoé forte, institucionalizado, independentequando se constitui em uma força autô-noma capaz de se opor ao executivo.Ao mesmo tempo, considera-se que oLegislativo é um obstáculo às mudan-ças, barrando as propostas presidenciais.Assim é que, quando o legislativo afirmaseu poder e sua independência, rejeitandopropostas do executivo, teríamos o quenormalmente se nomeia como crise degovernabilidade. Se o legislativo aprova

as propostas do executivo, teríamos umLegislativo subserviente e atrofiado.O fato é que os juízos sobre o

Legislativo no Brasil são marcados pelasambigüidades dos modelos usados comoreferência. O Legislativo no Brasil é, porvezes, rotulado de fraco por não participardecisivamente da elaboração das leis,sendo visto como um mero carimbadordas iniciativas do Executivo. Por vezes,

a visão se inverte completamente e oLegislativo passa a ser visto como umobstáculo instransponível. Se as “reformas”não avançam, o problema é a resistênciado Legislativo, quaisquer sejam as reformase seu estágio de elaboração. O Legislativochega a ser responsabilizado por deteraté mesmo as reformas que nem sequersão formuladas. A lei da antecipação dosresultados explicaria tal fato: se o Executivoantecipa que suas propostas serão barradaspelo Legislativo, por que apresentá-las?

O ponto, portanto, que estamos pro-curando deixar tão claro quanto possível éque há uma ambigüidade no interior dosmodelos com que usualmente se trabalhaao pensar legislativos em regimes presi-dencialistas. Ao tomar os Estados Unidoscomo paradigma, acredita-se que, sobpresidencialismo, legislativos deveriam ter

capacidade para ser a fonte independentee autônoma das iniciativas de alteração dostatus quo legal. Isto é, se há separação depoderes, cabe ao legislativo legislar, afir-mando assim sua preponderância sobre opoder executivo. Mas se for assim, e aquio outro lado da moeda se revela, o conflitoentre poderes leva a um impasse institu-cional que não teria solução no interiordo modelo de separação de poderes. Esteconflito será tanto maior quanto maior onúmero de partidos com representação noCongresso e quanto mais as forças con-

servadoras forem capazes de controlar oprocesso decisório. Em sendo as comissõesfortes, tanto maior a capacidade das mino-rias de barrar as pretensões da maioria.A previsão, dentro deste quadro, é que oconflito institucional, sobretudo quandopresidentes são fortes, resolva-se de duasformas: ou por um golpe de estado oupela subordinação do poder legislativo aoexecutivo3.

As tipologias resenhadas não usamas mesmas variáveis quando passam doparlamentarismo para o presidencialismo,e quando passam dos Estados Unidos paraa América Latina. A análise do Legislativonorte-americano toma como relevante asua organização interna, a forma como osdireitos legislativos de propor, emendar,determinar o ritmo da tramitação das maté-rias e usar a informação são distribuídos deforma a tornar as comissões os verdadei-ros focos de poder. A descentralizaçãoé vista como a resposta ótima de umLegislativo que se pretende autônomo,capaz de resistir e se opor ao Executivo.

No caso do parlamentarismo, o focose volta, em uma versão, para referênciasexternas ao legislativo: partidos e classessociais. Na outra versão, o poder legis-lativo se reduz ao poder de manter ou

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derrubar o governo. A sua participaçãoefetiva na elaboração das leis ou a estrutu-ra interna do poder legislativo são descon-

sideradas. Estes pontos não são discutidosporque, talvez, se dê como necessárioque sob parlamentarismo o Legislativoseja necessariamente centralizado, e quea participação no processo decisório sejanecessariamente indireta4.

O fato é que legislativos sob parla-mentarismo não são todos iguais. Há varia-ções em aspectos fundamentais, mesmono que se refere ao direito de introduçãode moções de censura ou confiança peloplenário. Da mesma forma, o completocontrole que o Gabinete inglês tem soba agenda dos trabalhos não é encontra-da em todos os regimes parlamentaristas.Os casos mais conhecidos de executivossem este poder sob parlamentarismo sãoItália do pós-guerra e a Terceira e QuartaRepública na França.

Já no caso dos legislativos latino-ame-ricanos, a caracterização é feita a partir desua participação no processo de elabora-ção de leis. Como em geral a proposiçãode leis cabe ao executivo, os legislativoslatino-americanos são definidos como rea-tivos. Varia a forma como reagem ao exe-cutivo e esta variação independe de seuformato organizacional, sendo atribuídaapenas às preferências partidárias e portipo de políticas da maioria dos legislado-res induzidas pelas leis eleitorais. Ou seja,a tipologia desconsidera os aspectos inter-nos ao próprio legislativo. Considera ape-nas o efeito das leis eleitorais para definir otipo de reação às propostas do executivo.

Como se vê, as classificações pro-postas são antes descritivas que analíticas.Para cada caso, identifica-se a variávelque melhor o descreveria e a tipologia éadaptada de forma a aproximar o modelodaquilo que o conhecimento convencionalestabelece sobre os casos. Características

como o controle da agenda pelo executivotrocam de sinais, passam de positivas paranegativas, conforme o caso. A organização

interna do legislativo, a forma como esta serelaciona com a definição das agendas dotrabalho, o que, quando e como se votamas matérias é a variável central para enten-der a variação dos modelos. A forma degoverno é menos importante.

Passemos à apresentação dos traçosque caracterizam o Poder Legislativono Brasil. Nosso objetivo é mostrar, deforma tão sucinta quanto possível, comoo processo decisório é organizado e,com base nesta descrição, apontar parauma forma de entender a participaçãodo Legislativo no processo decisório queescape das ambigüidades notadas acima.O caso brasileiro não corresponde querao modelo norte-americano, quer aomodelo inglês. Como discutido acima, oexpediente de classificá-lo como híbridoou intermediário de um Legislativo Reativodeve ser rejeitado. Trata-se simplesmente

de um modelo organizacional diverso.Para que o ponto fique claro, é útilretornar ao momento histórico em que estemodelo se estruturou, o final dos trabalhosconstituintes, quando ganham corpo duastendências contraditórias. De um lado, aConstituição de 1988 procurou fortalecero sistema de comissões, dotando-as daprerrogativa de aprovar legislação “ter-minativamente”. Pelo chamado “poderterminativo das comissões”, certas maté-rias podem ser definitivamente aprovadaspelas comissões permanentes sem a mani-festação explícita do plenário. Ou seja, pormeio deste expediente, o texto constitucio-nal procurou explicitamente descentralizaro processo decisório, dotando as comis-sões de poder autônomo.

No entanto, tal tentativa chocou-sefrontalmente com a prática centralizado-ra que se estabeleceu ao final do próprio

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processo constituinte. A agenda de vota-ções passou a ser coordenada pela Mesae pelo Colégio de Líderes. O papel de

destaque destas duas instâncias na estrutu-ração do processo decisório foi incorpora-do pelo Regimento Interno da Câmara dosDeputados, votado em 1989.

De um lado, portanto, uma ten-dência à valorização das comissões e deseu trabalho autônomo, de outro, umacentralização dos trabalhos legislativosa partir de uma agenda decisória acor-dada pelos líderes dos partidos. A questão

é saber qual destas duas tendênciasprevaleceu. A reposta é clara: a centralizaçãodos trabalhos prevaleceu em detrimentodo desenvolvimento das comissões comoinstâncias decisórias autônomas.

A preponderância do poder dos líde-res partidários sobre as comissões se reve-la de maneira clara quando se analisa opapel do Colégio de Líderes e das comis-sões na tramitação das matérias. Comissões

têm impacto sobre o resultado do processolegislativo quando se constituem em rotaobrigatória para a aprovação das matérias.De fato, matérias tramitando em regimeordinário são remetidas às comissões aquem, em primeira instância, caberia defi-nir seu destino. A autonomia das comis-sões é afetada quando as matérias sob suajurisdição são avocadas pelo plenário,por meio da aprovação de um requeri-mento para tramitação urgente. Aprovadoo requerimento, o projeto é retirado dacomissão e, independente desta ter ou nãoiniciado a apreciação da matéria, votadoem poucos dias com fortes restrições àapresentação de emendas em plenário.Em geral, os requerimentos de urgênciasão acordados em reuniões do Colégio deLíderes, coordenadas pelo Presidente daMesa. Submetidos ao plenário, raramentesão rejeitados.

O fato é que a grande maioria dasmatérias transformadas em lei tramita emregime de urgência. De 1989 a 2001, 50%

das leis aprovadas tramitaram em regimede urgência do legislativo. Esta proporçãoaumenta para 56% se considerarmos ape-nas os projetos do Executivo. Este faz usobem mais comedido da urgência constitu-cional a que tem direito: apenas 10% dasleis sancionadas tramitaram em regime deurgência por solicitação do Executivo. Agrande maioria das urgências solicitadaspelos líderes partidários ocorreu sem queas comissões tivessem concluído os seuspareceres. No período de 1989 a 1994,85% das leis que tramitaram em regime deurgência foram votadas em plenário semque pareceres emitidos pelas comissõestivessem sido apresentados. Além disto, aaprovação de um requerimento de urgên-cia corresponde, praticamente, à aprova-ção da matéria. De outra parte, o poderterminativo das comissões raramente éusado. Apenas 10% das leis são aprovadaspor poder terminativo.

Ou seja, o processo legislativo noBrasil é centralizado na Mesa e no Colégiode Líderes. O plenário referenda o que édecidido pelos líderes. A decisão crucial dizrespeito à escolha dos projetos que serãoobjeto de um requerimento de urgência.Neste momento decide-se que matériaspassarão a integrar a pauta dos trabalhose quais, portanto, têm chances de serem

aprovadas. Matérias que não recebemtratamento diferenciado dos líderes têmchances escassas de se tornar lei. Em umapalavra: a deliberação, em sentido forte, sedá no interior destas instâncias decisórias.

No interior da Câmara dos Deputados,a Presidência da Mesa é, sem dúvida algu-ma, o cargo politicamente mais importan-te. O presidente detém quase que exclu-sivamente a coordenação dos trabalhos

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legislativos. As prerrogativas do presidenteda Mesa na coordenação dos trabalhoslegislativos e na direção das sessões plená-rias são amplas e extensas, garantindo-lhegrande influência nos resultados do pro-cesso legislativo, pois podem afetar o fun-cionamento das comissões e o desenrolardos trabalhos em plenário.

Duas dessas prerrogativas o presi-dente da Mesa compartilha com os líderesde bancadas: a designação dos membrosdas comissões e a definição da agen-da legislativa. Em realidade, os líderespartidários controlam a composição dascomissões, uma vez que são responsáveispela indicação e substituição, a qualquermomento da legislatura, dos membrosdas comissões permanentes e de todos asdemais comissões temporárias, inclusiveas Comissões Parlamentares de Inquérito.Nomeiam também os membros da Câmarae do Senado para a formação das comis-sões mistas que apreciam as medidas pro-

visórias e o orçamento.O papel de destaque dos líderespartidários não depende exclusivamen-te do Colégio de Líderes. Sua influênciana determinação da pauta dos trabalhosdepende também das vantagens que lhesão conferidas para efeitos de apresenta-ção de requerimentos, pedidos de des-taques, apresentação de emendas etc.Nestes casos, a manifestação do líder é

tomada como manifestação de sua ban-cada. Assim, os líderes se encontram emposição privilegiada para influenciar nadireção dos trabalhos legislativos.

O poder dos líderes se expressa aolongo de toda a tramitação das matérias.Por exemplo, votações nominais sãotestes cruciais para a unidade das coa-lizões legislativas. Muitas vezes, membrosde uma coalizão têm que votar medidas

que contrariam os interesses diretos e ime-diatos dos seus eleitores. No entanto, nocaso das matérias em que o regimento nãoobriga a ocorrência de votações nominais,somente os líderes partidários têm condi-ções de apresentar requerimentos forçan-do a que a decisão seja por voto nomi-nal. Mesmo os líderes não podem fazê-loindiscriminadamente. Para que sucessivospedidos de votação nominal não sejamusados para obstruir os trabalhos, em favo-recimento à minoria, requerimentos só sãoacolhidos uma hora após o encerramento

da última votação nominal. A oposição,portanto, deve escolher as medidas quequer ver votadas nominalmente e a situ-ação conta com recursos para se protegerde votações embaraçosas.

Portanto, os líderes partidários,incluindo o Presidente da Mesa entreos líderes partidários, contam com armaspoderosas para definir a agenda dos tra-balhos. Com os recursos regimentais comque contam, são eles que definem o que,quando e de que forma matérias chegame são votadas pelo plenário. Estes poderesde agenda decorrem da forma como oPoder Legislativo é organizado. São destaforma independentes, do ponto de vistainstitucional, dos poderes legislativos doExecutivo. Ainda assim, seus efeitos sópodem ser compreendidos quando ana-lisados no interior das relações entre o

Executivo e o Legislativo.O Executivo brasileiro é institucio-

nalmente forte. A Constituição lhe con-cede a prerrogativa exclusiva de proporalterações dostatus quo legal nas princi-pais matérias, como taxação, orçamen-tação e alteração da burocracia. E ondenão tem poder exclusivo, o presidente nãoestá impedido de iniciar legislação. Ouseja, nas demais matérias, o Executivo e

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FERNANDO LIMONGI / ARGELINA CHEIBUD FIGUEIRFERNANDO LIMONGI / ARGELINA CHEIBUD FIGUEIR

o Legislativo têm prerrogativa concorren-te para propor legislação. Mesmo nestescasos, o Executivo é dotado de vantagens

adicionais, dadas pela urgência constitu-cional5 e poder de decreto (as medidasprovisórias).

Portanto, o presidente éde jure oprincipal legislador do país, em que peseeste ser um sistema em que os poderessão separados no que se refere à sua ori-gem e sobrevivência. O direito de propor,no entanto, não assegura automaticamen-te sucesso. Matérias são aprovadas pela

maioria dos legisladores e, por extensosque sejam os poderes legislativos presiden-ciais, este não pode aprovar legislação sema aprovação expressa da maioria.

Nem mesmo a reedição continuadade MP`s, possível até a promulgação daEmenda Constitucional 32, em setembrode 2001, permitia ao presidente ir contraos interesses da maioria. Pedia o apoiotácito da maioria, uma vez que esta sempre

poderia rejeitar uma MP. Tal possibilidadenão é uma mera hipótese, uma vez que emmomentos cruciais, como na apreciaçãodo Plano Collor, o PMDB conseguiu reunirmaiorias dispostas a rejeitar MP`s tidas porfundamentais pelo governo. O fato é quenem mesmo o poder de decreto permiteque o Executivo legisle sem o apoio damaioria.

Os dados relativos à produção legis-lativa no Brasil falam por si só. O Executivoé não apenas o principal legisladorde jure .É também o principal legisladorde facto .Desde a promulgação da Constituiçãode 1988, a taxa de sucesso do Executivo,isto é, a proporção de projetos aprovadossobre o total de enviados, gira em tornode 90%. Rejeições pelo Legislativo dosprojetos enviados pelo Executivo são fatosraros: não mais que 10%. Além disto, aprodução legislativa é claramente domi-

nada pelo Executivo: do total de 3043 leisaprovadas entre 1989 e 2001, 86% forampropostas pelo Executivo.

Os dados relativos a sucesso e domi-nância do Executivo em países parlamen-taristas não são muito diversos. Isto signi-fica que eles não devem ser lidos comoindicativos de que o Legislativo brasileiro émeramente reativo ou atrofiado. O sucessopresidencial depende da sua capacidadede obter cooperação do Legislativo, decontar com o apoio da maioria dos legis-ladores.

Já notamos o papel da Mesa e dosLíderes na tramitação das matérias. Emrealidade, no mais das vezes o poder deagenda dos líderes é usado em favor doExecutivo. Isto pode ser visto quando senota que a maioria dos projetos aprovadosem tramitação urgente foi proposta peloExecutivo. A agenda de propostas legisla-tivas do Executivo conta com o poder deagenda dos líderes para ser aprovada.

O fato dos líderes e do Executivocontarem com poderes que lhes permitedefinir e controlar a agenda dos trabalhosnão lhes permite usurpar o poder da maio-ria. O Executivo tem sucesso em suasiniciativas legislativas porque conta como apoio da maioria. Empiricamente, esteapoio se traduz em votos de acordo coma indicação do líder do governo nas vota-ções nominais. Desde a promulgação daConstituição, deputados filiados a partidosque fazem parte da base de sustentação dogoverno votam com o governo em 90%das votações. As variações por governo epartido são pequenas.

A base de sustentação do governoé formada pelos partidos que recebempastas ministeriais. Em outras palavras,presidentes “formam governo” de maneiraanáloga a primeiros ministros em siste-mas parlamentaristas pluripartidários. Ao

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receber uma pasta ministerial, um partidopassa a participar da definição da políticado governo e, desta forma, enquanto mem-

bro do governo deve apoiar estas mesmaspolíticas quando elas são votadas peloLegislativo.

Nestes termos, a centralização do pro-cesso decisório no interior do Legislativo eos poderes legislativos do presidente sãotraços institucionais independentes. Nomais das vezes, funcionam como elemen-tos complementares, fornecendo as basesinstitucionais do que em outra oportuni-

dade chamamos de presidencialismo decoalizão6.Do ponto de vista do Legislativo, a

centralização dos trabalhos aumenta o seupoder de barganha. Ao delegar poderesaos líderes partidários, os membros doLegislativo estão coordenando suas ações,canalizando suas demandas de uma formacentralizada7. Muito provavelmente, nego-ciações caso a caso e levadas a cabo demaneira descentralizada levariam a solu-ções inferiores.

O Legislativo brasileiro não se apro-xima de qualquer dos modelos clássi-cos. Comparadas às comissões legislativasnorte-americanas, nossas comissões sãofracas. Estão longe de ser unidades autôno-mas e responsáveis pela gestação de polí-ticas na área de sua jurisdição. Tampoucocabe se falar em um modelo em que todoo poder de propor é monopolizado peloexecutivo, como é o caso do gabineteinglês.

Como vimos, se alguma coisa, omodelo brasileiro se aproxima mais doúltimo caso do que do primeiro. É ummodelo diverso de preponderância do exe-cutivo que repousa sobre a centralizaçãodos trabalhos legislativos. Reconhecer talfato não implica em defini-lo como umaforma deturpada de presidencialismo.

Os poderes constitucionais doExecutivo, juntamente com a organizaçãocentralizada do Legislativo, permitem aação concertada do Executivo e dos líde-res partidários que pertencem à coalizãode governo. Isto porque os poderes deagenda, nos dois sentidos apontados porCox, ou seja, como “o poder de colocar etirar projetos de lei da agenda do plenário”e como “o poder de proteger esses proje-tos de emendas” (2000) são controladospelo Executivo e pelos líderes partidários.Com isto, a coalizão governista tem os

meios institucionais necessários à promo-ção da cooperação entre o Legislativo e oExecutivo, neutralizando o comportamen-to individualista dos legisladores.

Não há dúvidas de que o sistemapartidário brasileiro é fragmentado e quea legislação eleitoral cria incentivos paraque os deputados persigam objetivos par-ticularistas. No entanto, tomados individu-almente, os legisladores não têm acesso

aos meios necessários para influenciarlegislação e as políticas públicas. Só podemfazê-lo como membros de partidos que sereúnem em dois grandes grupos: situaçãoe oposição.

Tipologias ou modelos de legislativo,como procuramos mostrar, são fortementeinfluenciados pelos casos tidos comoclássicos: Inglaterra e Estados Unidos.Aspectos normativos confundem-se com

traços descritivos. O que é se confundecom o que deve ser. O parlamento inglêsé visto como o modelo de legislativo emgovernos parlamentaristas. O americano,com sua forma acabada em sistemaspresidencialistas. Para a maioria dosanalistas, é difícil compreender os casosque evoluem em direção diversa.

ENSAIOENSAIO

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NOTAS1“O contraste entre legislativos transformativos e arenas captura muitas das diferenças que os estudiosos observamna discussão dos dois grandes legislativos que servem de modelo para os legislativos da maioria dos países nomundo, o britânico e o americano. Sendo os legislativos nos demais países mais frequentemente uma adaptação doque uma cópia, acho que é útil contemplar esses dois casos clássicos como tendendo a extremos de umcontinuum mais do que metades de uma dicotomia como é frequentemente proposto” (Polsby, 1975: 280/281).2Em outra passagem, Polsby afirma: “A existência de um sistema de comissões pode ser uma condição necessáriapara a independência legislativa” (1975: 279).3 Alguns autores acreditam ainda que o presidencialismo só será viável onde e quando presidentes foremconstitucionalmente fracos, isto é, dotados de limitados poderes legislativos. Somente sob esta condição presidentesteriam incentivos para negociar e ou se submeter às vontades do Legislativo. Esta é a posição de Shugart e Carey,1992.4 Indireta, porque se dá por meio da ameaça do voto de censura que pode levar à queda do governo. Logo, ogoverno, ao propor, deve levar em consideração a vontade da maioria.5 A urgência constitucional difere da urgência legislativa discutida acima. É uma decisão unilateral do executivo,que define prazos limites para a apreciação das matérias.6 Ver o Capítulo 1, “Bases institucionais do presidencialismo de coalizão”, de Figueiredo e Limongi, 1999.7 O argumento completo sobre as estratégias de cooperação do parlamentar individual e seu interesse em fortalecero partido e votar disciplinadamente pode ser encontrado no mesmo capítulo citado acima (Figueiredo e Limongi,1999: 34-35).

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ENSAIO

Referências

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FIGUEIREDO, Argelina C. & LIMONGI,Fernando. 1999.Executivo e Legislativo na novaordem constitucional. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas.

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Lowenberg, Samuel C. Patterson e Malcolm E. Jewell (orgs) Handbook of LegislativeResearch, Cambridge, Harvard University Press.

POLSBY, Nelson W. 1975.“Legislatures”in Fred I. Greenstein e Nelson W. Polsby. (orgs.)Handbook of Political Science. Reading, Mass.: Addison-Wesley.

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CARLOS RANULFO MELO / FÁTIMA ANASTA* CARLOS RANULFO MELO / ** FÁTIMA ANASTASIA

Representação e Democraciano Cone Sul

IntroduçãoEste artigo discute a democracia em

quatro países da América do Sul, a saber,Argentina, Brasil, Chile e Uruguai, sobo ângulo da representatividade de seusarranjos institucionais1. O fato de que asdemocracias contemporâneas sejam regi-mes representativos não nos deve fazer

esquecer que democracia e representaçãosão fenômenos analiticamente distintos.No mínimo, como bem chama a atençãoSantos (1998:208), não se pode ignorar ahipótese “de que existam pelo menos duasdescendências de regimes representativos– oligárquicos e democráticos – com carac-terísticas e dinâmicas próprias”. Mais ainda,

é possível recorrer ao formato do arranjorepresentativo para que, à maneira deDahl, possamos estabelecer distinções entreo grau de poliarquização das democraciascontemporâneas. Se “uma característicachave da democracia é a contínua respon-sividade do governo às preferências doscidadãos” (Dahl,1997:25), segue-se que,quanto maior o grau de inclusividade noque se refere a atores/conteúdos e formasde organização de determinado arranjorepresentativo, mais democrático poderáser considerado o regime.

Neste texto, procuraremos verificar oquão densamente democrático é o arranjorepresentativo nos países em questão. Por

ENSAIO

* Cientista Político da UFMG / **Professora do Departamento Político da UFMG (UniversidadFederal de Minas Gerais)

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densidade democrática da representação entendemos “um atributo da democraciaque envolve duas dimensões: a primeirarefere-se ao método de constituição doórgão decisório e à sua composição(Sartori, 1994); a segunda relaciona-se aosinstrumentos e procedimentos através dosquais a representação é exercida. Quantomaior for a densidade democrática darepresentação, mais a ordem política seaproxima da realização dos princípioscentrais da democracia, a saber: igualdadepolítica e soberania popular” (Anastasia e

Melo, 2002).Como se sabe, a ciência políticaregistra um profícuo debate entre o quese convencionou chamar de duas visõesde democracia. De um lado, autorescomo Schumpeter (1984) e Sartori (1996)argumentam que os arranjos institucionaisde tipo majoritário, por propiciarem, commuito mais freqüência que os de tipoproporcional, governos unipartidários,

legislativos pouco fragmentados emaior concentração de poderes nasmãos da maioria vitoriosa, seriam maisconducentes à estabilidade política e àeficácia governativa. Lijphart (2003), porsua vez, sustenta que arranjos conducentesà dispersão de poderes entre os atorespolíticos, como os de tipo consensual, nãonecessariamente devem ser vinculados àineficácia governativa e à instabilidade,ainda que seja correto associá-los a regimesmais representativos ou, como mostraPowell (2000), a regimes políticos nos quaiso quantum de representação autorizadapresente nas decisões é significativamentemais expressivo2.

Na visão de Lijphart (2003), a dis-persão de poderes entre a pluralidade deatores que se constituem na dinâmicasocietal e se fazem representar na arena

política pode ser um objetivo dos arran-jos democráticos. Para o autor, a escolhado arranjo institucional deve levar em

conta as condições sob as quais tais ins-tituições deverão operar. Uma vez que setrate de processar conflitos em sociedadescomplexas, heterogêneas e marcadas porprofundas desigualdades, regimes de tipoconsociativo/consensual seriam recomen-dáveis, inclusive do ponto de vista da esta-bilidade. O aparente paradoxo explica-seuma vez que, em tais tipos de sociedade, amanutenção da ordem democrática reivin-dicaria arranjos mais inclusivos e capazesde incorporar a diversidade e a pluralidadede interesses e preferências existente.

As democracias sul-americanassempre foram mais tendentes à disper-são do que à concentração de poder.Historicamente prevaleceram a separaçãoformal de poderes, a representação propor-cional, o bicameralismo e os governos decoalizão. Recentemente, a tendência foiacentuada com a emergência de sistemasmultipartidários e a introdução de elei-ções diretas para prefeitos e governadoresem diversos países3. Em conseqüência, acombinação entre presidencialismo, repre-sentação proporcional e multipartidarismotornou-se comum, sem que necessaria-mente se registrassem os efeitos perver-sos previstos na literatura4.

Neste texto tomamos como ponto departida que a estabilidade da democracianas complexas sociedades sul-america-nas encontra-se associada ao grau depluralidade e institucionalização de seusinstrumentos de participação e represen-tação política. Isso implica em assumir anecessidade de um arranjo representativodensamente democrático, ou seja, capazde distribuir recursos de poder entre osatores relevantes no processo decisório– executivo, legislativo e cidadãos.

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CARLOS RANULFO MELO / FÁTIMA ANASTA

País Sistema degoverno

Organizaçãopolítica

Existência de eleições diretas para:

ExecutivoNacional

ExecutivoEstadual

ExecutivoMunicipal

Todasas

cadeirasna

CâmaraBaixa

Todasas

cadeirasna

CâmaraAlta

Argentina Presidencial Federalismo Sim Sim Sim Sim Sim

Brasil Presidencial Federalismo Sim Sim Sim Sim Sim

Chile Presidencial Unitário Sim Sim Sim Sim Sim

Uruguai Presidencial Unitário Sim Sim Sim Sim Sim

Nas duas próximas seções compara-mos a densidade democrática da represen-tação nos países selecionados. Primeiro,examinamos a extensão em que o mecanis-mo eleitoral é utilizado para a designaçãode governantes e legisladores nos diversosníveis, bem como o método de constitui-ção dos poderes Executivo e Legislativonacional. A seguir, analisamos a relaçãoexistente entre as Câmaras Alta e Baixa e amaneira como são compostas as comissõespermanentes no Congresso. Na conclusão,ordenamos os países segundo a densidade

democrática de seus arranjos representati-vos e, à luz da discussão realizada, tece-

mos um breve comentário sobre a questãoda reforma política no Brasil.

Eleições e constituição dosórgãos decisóriosO primeiro indicador a ser analisado

refere-se à extensão com que o mecanismoda eleição direta é utilizado para a escolhados tomadores de decisão nos diversosníveis. Como lembra Manin (1997), umgoverno representativo tem como primeiroprincípio que os governantes sejam eleitospelos governados. Através da Tabela 1

podemos verificar até que ponto tal princípioé adotado nos quatro países em questão.

Tabela 1Sistemas de governo, organização política e poderes de constituição de governantes

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Os quatro países em questão sãopresidencialistas e possuem um Congressobicameral. Enquanto Argentina e Brasil são

federações, Chile e Uruguai são unitários.Em todos os casos, os presidentes sãoeleitos diretamente. Na Argentina, a eleiçãodireta é recente; até 1989, o presidente eraeleito de forma indireta por um colégioeleitoral cujos eleitores eram escolhidosem 24 distritos plurinominais, sob asmesmas regras vigentes para a Câmara dosDeputados (Jones, 1997). No que se refereao poder Legislativo, o Chile se destacapor possuir uma Câmara Alta dotada debaixa legitimidade democrática: são 9senadores escolhidos de forma indiretapara um mandato de 8 anos, além dosex-presidentes que tenham exercido ocargo por seis anos ininterruptos, estes,em caráter vitalício. Também quanto aeste aspecto, a Argentina mudou apósa reforma constitucional de 1994. Atéentão os senadores eram eleitos de formaindireta, pelas assembléias provinciais,

para um mandato de nove anos.Brasil e Argentina têm os seusexecutivos estaduais e municipais eleitosdiretamente. Entre os portenhos, merecedestaque a instituição de eleições diretaspara a prefeitura de Buenos Aires, apartir de 1994. No Uruguai, os governosdepartamentais (correspondentes aosestados brasileiros) são diretamente eleitose possuem autoridade sobre os executivosmunicipais5. No Chile, a constituiçãodetermina que os governadores são deexclusiva confiança do Presidente daRepública. A não realização de eleiçõesdiretas para governadores e prefeitos, alémde restringir os espaços de disputa política,concentra poderes nas mãos do Presidenteda República, negando-os aos cidadãos.

As próximas tabelas irão permitir queiniciemos a análise dos procedimentos

que informam a constituição dos poderesExecutivo e Legislativo no plano nacional.Na Tabela 2 encontram-se organizadosos dados sobre o processo de escolhado Presidente da República. O primeiroponto refere-se à adoção das primárias.Eleições internas, fechadas ou abertas, paraa escolha de candidatos a presidente, alémde diminuir a concentração de poderesdas mãos das lideranças partidárias – emespecial em países que utilizam a listafechada e bloqueada – atuam no sentidode adensar a representação. A medida

torna mais inclusivo o regime democráticoao aumentar o número de pessoas comalgum poder na definição das alternativascolocadas à votação. O caso mais notávelé o do Uruguai onde, desde 1996, a leidetermina que todos os partidos realizemeleições internas no último domingo domês de abril anterior às eleições gerais(Freidenberg e López, 2002). Na Argentinao mecanismo chegou a ser aprovado noSenado, mas teve a efetivação suspensano contexto da crise que se seguiu ao fimdo governo De La Rua. No Chile e noBrasil, a questão não é regulamentada,mas a Concertacion por la Democraciatem realizado primárias abertas desde 93,enquanto no Brasil, o PT costuma utilizaro mecanismo para definir candidatosa governador e/ou prefeito. Em 2002 opartido realizou prévias para definir ocandidato presidencial.

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CARLOS RANULFO MELO / FÁTIMA ANASTA

Tabela 2

Mecanismo de constituição da Presidência da República

Naquela que foi a única modificaçãodestinada a reduzir a concentração dospoderes nas mãos do Executivo chileno, aduração do mandato presidencial diminuiude oito para seis anos, após o fim daditadura pinochetista. Na Argentina, comoresultado do“Pacto de Olivos” , firmadoentre Raul Alfonsin e Carlos Menem, omandato presidencial passou de seis paraquatro após 1994, ao mesmo tempo em

que foi admitida a reeleição do presidente.No Brasil, as duas medidas não foramarticuladas. O mandato de quatro anosfoi definido por Emenda Constitucional deRevisão, em 1994, e a reeleição, para todosos cargos executivos, em 1996, durante oprimeiro mandato de Fernando HenriqueCardoso. Não obstante a reeleição haversido, nos dois países, introduzida de modoa beneficiar governos em curso, a medidapode se mostrar benéfica ao sistema

PaísMecanismo

de escolha docandidato

Mandato FórmulaCoincidênciacom eleiçõeslegislativas

Coincidênciacom eleiçõessubnacionais

Reeleição

Argentina

Internasabertas

normatizadaspor lei

4 anos 2º turno, seninguémalcança45% dosválidos

Não Não Sim

BrasilNão há

definição legal4 anos Maioria

absolutaSim Apenas para

governadorSim

ChileNão há

definição legal6 anos Maioria

absolutaNão Não Não

UruguaiInternasabertas

normatizadaspor lei

5 anos Maioriaabsoluta

Sim Não Não

político, uma vez que estimula a operaçãode mecanismos deaccountability. Os quatro países utilizam o segundo

turno nas eleições presidenciais. De acordocom a literatura (Carey e Shugart, 1992;Mainwaring e Shugart, 1997), eleições emdois turnos podem diminuir o efeito redutorda eleição majoritária sobre o númeroefetivo de partidos no Congresso. Mas,por outro lado, a medida contribui para

a representatividade do sistema e conferemaior legitimidade aos eleitos. Chile eBrasil adotavam a eleição por pluralidade,no período democrático anterior aseus respectivos regimes militares. NaArgentina, o segundo turno foi introduzidoem 1994. No Uruguai, a novidade data de1996, quando o país alterou o seu sistemaeleitoral, abandonando o chamado “duplovoto simultâneo”. Até então, o eleitorescolhia um partido e, no interior deste,

Fonte: Banco de Dados Instituições Políticas Comparadas na América do Sul

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uma das listas apresentadas. As listascompetiam entre si e eram capitaneadaspelo seu candidato à Presidência da

República, secundado pelos postulantesao Senado e à Câmara dos Deputados.Os votos das diversas listas eram entãosomados e computados a seus partidos, deacordo com a“ley de las lemas” . A disputapresidencial era vencida pelo partido queconquistasse a maioria simples dos votos,depois de feito o somatório das listas(Nohlen, 1993). O procedimento geravadistorções acentuadas. Em 1994, a somados votos dados aos candidatos do PartidoColorado permitiu que Julio Sanguinettifosse eleito com 24,7% dos votos, contra30,6% de Tabaré Váquez, da Frente Ampla.Após a reforma eleitoral, cada partidopassou a lançar um candidato, escolhidoem eleições internas abertas.

Um último traço institucional quemerece atenção no âmbito das eleiçõespresidenciais é o calendário eleitoral, quepode ser organizado de forma a propiciara realização de eleições concomitantesou não, para diferentes cargos executivose/ou legislativos. No Brasil e no Uruguai,as eleições para Presidente e Congressosão realizadas no mesmo dia. No primeirocaso, a coincidência estende-se aindaàs eleições para governadores, de formaque apenas os pleitos municipais sãorealizados em data distinta. No Uruguai,eleições nacionais e departamentaisforam separadas após 1996. No Chile,

as eleições para os poderes Executivoe Legislativo coincidem apenas a cadadoze anos, uma vez que a duração dosmandatos é diferenciada. Na Argentina,como a renovação do Congresso se realizaem duas etapas, existe uma coincidênciaparcial.

Assim como na questão do segundoturno, e de acordo com os mesmos autores,eleições não coincidentes entre os poderesExecutivo e Legislativo nacionais fazem

com que a disputa majoritária não tenhaqualquer influência na conformação donúmero efetivo de partidos no Congresso.

Por outro lado, um calendário eleitoralassim organizado permite que os eleitoresmaximizem diferentes clivagens e/oudiferentes identidades em diferentespleitos, com impacto positivo sobre arepresentatividade.

A não coincidência das eleiçõespode ter impacto ainda sobre a formaçãoe manutenção das coalizões governativas.Dependendo do desempenho do(s)partido(s) no governo, eleições solteiraspara o legislativo podem acarretar a perdada maioria numérica necessária para aaprovação de sua agenda. Obviamente,o inverso é também verdadeiro: umpresidente minoritário pode ter sua baselegislativa ampliada via eleições, comoconseqüência do reconhecimento de umbom governo por parte dos cidadãos.Novamente, o ponto pode ser lido sob outroângulo, que não apenas o da estabilidade.Como afirmam Santos, Anastasia e Melo(2004), “eleições intercaladas facultam aoscidadãos maiores chances de utilizarem asurnas como mecanismos deaccountabilityvertical, já que lhes permitem sinalizarsuas avaliações para os representantes nomomento em que alguns mandatos aindaestão curso, e não apenas quando todos oscargos estão em disputa. Os governantespoderão ‘ouvir as urnas’ e, se possível,fazer as correções de rumos que estão

sendo “demandadas pelos eleitores”.As Tabelas 3 e 4, a seguir, permitemintroduzir a discussão sobre o método deconstituição das duas casas legislativas.Tradicionalmente, os quatro países aquianalisados sempre utilizaram a represen-tação proporcional na sua Câmara baixa,ficando a diferença para a composiçãodo Senado. Sob a ditadura militar, o Chilemudou o sistema eleitoral utilizado para aCâmara dos Deputados.

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CARLOS RANULFO MELO / FÁTIMA ANASTA

Tabela 3

Eleições para a Câmara dos Deputados

País Sistemaeleitoral

Tipo decircunscrição e

magnitudeEstrutura do voto e

fórmulaCláusula de

barreira

Argentina

Representaçãoproporcional.

24 distritoscorrespondendoàs províncias.

Magnitude entre 2e 35.

Lista fechada ebloqueada (definida

nas províncias).D´Hondt.

3% doeleitorado na

província.

Brasil

Representaçãoproporcional.

27 distritoscorrespondendo aosestados. Magnitudeentre 8 e 70.

Lista aberta. D’Hondt. Quocienteeleitoralestadual.

Chile

Majoritáriocom

mecanismode correção

proporcional.

60 distritosbinominais.

Lista aberta.Listamajoritária obtém 2

cadeiras se conseguirmais que o dobro de

votos da segunda lista.

Inexistente

Uruguai

Representaçãoproporcional.

19 distritoscorrespondendo

aos departamentos.

Magnitude entre2 e 47.

Lista fechada ebloqueada. D’Hondt

modificada.

Inexistente.

Fonte: Banco de dados Instituições Políticas Comparadas na América do Sul.

Tabela 4

Eleições para o Senado

País Sistema Eleitoral Tipo de circunscrição emagnitude

Estrutura do voto efórmula

ArgentinaMajoritário, com

correção proporcional.3 senadores porprovíncia e 3 por

Buenos Aires.

Segunda lista recebe aterceira cadeira.

BrasilMajoritário. 3 senadores por estado,

com renovação parcial(dois e um).

Votação preferencial.Sem mecanismo de

transferência.

Chile

Majoritário comcorreção proporcional.

2 por região + 9membros nomeados.

Lista majoritária obtém2 cadeiras se conseguirmais que o dobro de

votos da segunda lista.

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Uruguai

Representaçãoproporcional.

30 cadeiras em umdistrito nacional.

Lista fechada ebloqueada por facção

endossada pelos líderes.Transferência de votono âmbito do partido.D’Hondt modificada.

Uruguai e Chile são casos de bica-meralismo congruente, ou seja, utilizamo mesmo método eleitoral para a consti-tuição das duas casas legislativas, repre-sentação proporcional no primeiro caso e

majoritário com correção proporcional nosegundo. Em ambos os casos, as circuns-crições eleitorais são diferentes para cadacâmara. No caso do Uruguai, os senadoressão eleitos em uma única circunscriçãonacional, enquanto a Câmara Baixa éconstituída a partir de circunscrições ter-ritoriais correspondentes aos departamen-tos. Na constituição do Congresso chileno,são delimitadas circunscrições – 19 para

o Senado e 60 para a Câmara – que nãocorrespondem a divisões territoriais.Os dois países destoam flagrante-

mente no que diz respeito ao sistemaeleitoral adotado para as duas casas. NoUruguai temos uma representação quaseperfeitamente proporcional, uma vez queno complexo processo de distribuição decadeiras (Nohlen, 1993) os votos dados aospartidos são computados nacionalmentee não existem cláusulas de barreira – ovalor médio do índice de desproporciona-lidade (D) para as eleições da Câmara dosDeputados após a redemocratização é deapenas 0,766.

O Chile utiliza distritos binominaiscom a peculiaridade de que a segundacadeira pertence ao segundo partido maisvotado, sempre que este obtiver mais de

um terço dos votos. A classificação dosistema eleitoral chileno é controversa.Nicolau (1996) prefere tratá-lo como pro-porcional, apesar de reconhecer o seu viésmajoritário. Autores como Nohlen (1993),

Tavares (1994) e Blais e Massicote (1996)classificam-no como uma variante dossistemas majoritários devido aos distritosde baixa magnitude, os quais, como sesabe (Shugart e Taagepera, 1989), ten-dem a gerar resultados menos proporcio-nais. De fato, o valor de D nas eleiçõespara a Câmara dos Deputados chilena,desde 1989, atinge uma média de 14,2,valor muito elevado se comparado ao do

Uruguai e superior àqueles encontradospara o Brasil e a Argentina, no mesmo perí-odo – 8,4 e 13,5, respectivamente (Santos,Anastasia e Melo, 2004).

Optamos por classificar o sistemaeleitoral chileno como majoritário, aindaque reconhecendo a existência de ummecanismo de correção proporcional. Arazão para tanto, ademais da pequenamagnitude do distrito, está nos resultados

gerados pelo sistema. Tal como nos regi-mes distritais puros, onde a magnitude éigual a 1, o sistema eleitoral chileno induza uma estrutura de competição bipolar e àconformação de uma maioria e uma mino-ria. A diferença é que, nos primeiros, a con-formação dos dois grandes blocos deve-seà distribuição do eleitorado, enquanto nocaso chileno, graças à existência de duascadeiras e ao método de distribuição ado-

Fonte: Banco de dados Instituições Políticas Comparadas na América do Sul.

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tado, o espaço para a minoria encontra-sepreservado desde o distrito7.

Brasil e Argentina possuem umbicameralismo incongruente, sendo oSenado composto por meio de diferentesmodalidades de majoritarismo. Nos doiscasos, as circunscrições para ambas ascasas são coincidentes e correspondemaos estados. Os dois países elegem trêssenadores por estado e pela capital, masos mecanismos são distintos. No Brasila renovação do Senado se realiza emduas etapas, de forma que ora é eleitoum representante por estado, ora sãoescolhidos dois. Neste último caso, omajoritarismo é atenuado, uma vez que aeleição não se realiza em bloco: emboracada partido lance dois candidatos, nãohá transferência de voto no interior dalegenda, sendo considerados eleitos oscandidatos que individualmente obtiveremmais votos, independentemente da siglapartidária. Na Argentina, o sistema admiteum mecanismo de correção proporcional:das três cadeiras em disputa, duas sãoreservadas ao partido que obtenha o maiornúmero de votos e a terceira cadeira, aosegundo colocado.

Nos dois países, a proporcionalidadepara a Câmara dos Deputados é restringidapelo fato de que os cálculos para adistribuição das cadeiras são realizados

com base nos votos obtidos nos estados,não sendo prevista uma cota extra que, apartir da votação nacional dos partidos,possa compensar as distorções. A Argentinaadota ainda uma cláusula de barreira de3% no nível das províncias. No Brasil, oquociente eleitoral estadual – que variade 1,4% em São Paulo até 12,5% nos 11estados de menor magnitude – funcionacomo uma cláusula, uma vez que os

partidos que não o tenham alcançadosão excluídos da disputa pelas sobras.A legislação brasileira permite ainda arealização de coligações para as eleiçõesproporcionais, com a peculiaridade deque as cadeiras conquistadas não sãodistribuídas proporcionalmente à votaçãode cada membro da coligação – os partidoscoligados contam como uma só legenda ea transferência de voto é realizada em seuinterior indistintamente, o que permite quea manifestação do eleitor por um partidoseja computada em benefício de outro8.

Finalmente, cabe mencionar asdiversas modalidades de voto adotadas. OUruguai adota a lista fechada e bloqueada,composta de forma distinta, caso se tratedo Senado ou da Câmara dos Deputados.Para o primeiro, ainda prevalece a“ley delas lemas” : os partidos podem apresentarmais de uma lista, cabendo ao eleitor esco-lher uma delas. O mecanismo das sublis-tas foi abolido para a Câmara Baixa9. NaArgentina, para a Câmara dos Deputados,a lista é ordenada nas províncias e nãonacionalmente. Utilizando os critérios deCarey e Shugart (1995), a estrutura do votonestes países seria a que menos incenti-vos forneceria a que os congressistas sepreocupassem com a reputação pessoalvis a vis a reputação partidária. Os líderes– nacionais, no caso uruguaio, e regionais,no caso argentino – possuem completocontrole sobre a lista: ao eleitor é permi-tido apenas um voto no partido de suaescolha, e a transferência dos votos é rea-lizada no âmbito do partido, favorecendoos primeiros colocados na lista.

Chile e Brasil adotam a lista aberta.Os líderes partidários possuem controlesobre sua elaboração, mas não a ordenam.No caso chileno, tanto para o Senado

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como para a Câmara, trata-se de uma listacomposta por dois candidatos, cabendo aoeleitor escolher um dos nomes. A votaçãode cada candidato é computada para opartido e os que conseguirem mais votosem cada lista serão eleitos – feita a ressalvade que o nome mais votado da segundalista ganha a segunda cadeira, se estaobtiver mais de um terço dos votos. NoBrasil, as listas são formuladas nos estadose podem conter tantos nomes quantasforem as cadeiras em disputa, mais 50%.O eleitor pode votar no candidato de suapreferência ou marcar a legenda partidária.De toda forma, o voto é computado para opartido para efeito da definição do númerode cadeiras, sendo eleitos os mais votadosem cada lista estadual10. Dado o grandenúmero de competidores nas listas – nosmenores estados cada partido pode lançaraté 12 candidatos e em São Paulo, mais decem – o sistema brasileiro fornece muitomais incentivos que o chileno para que odeputado procure cultivar sua reputaçãoindividual junto aos eleitores.

Relação entre as Câmaras,comissões e organização internado poder legislativo

Como se pode perceber na seçãoanterior, os quatro países aqui analisadosrevelam diferentes combinações entreo tipo de divisão política – unitarismoou federalismo – e o bicameralismo.Trata-se, agora, de buscar avaliar quaissão os padrões existentes de interaçãoentre as duas câmaras e como sãodistribuídos atribuições e recursosentre os parlamentares, explorando-setais relações do ponto de vista de seuspossíveis efeitos sobre a distribuição dospoderes de agenda e de veto entre os atores.

Para tanto, serão mobilizados os seguintesindicadores: a) grau de simetria entre asduas câmaras; b) caráter congruente ouincongruente do bicameralismo quanto aométodo de constituição das Casas Legislativas;c) composição e tamanho dos mandatos dasduas câmaras; d) organização dos sistemasde comissões.

De acordo com Lijphart (1984,2002), o bicameralismo pode ser simétricoou assimétrico. A condição de simetriaocorre quando prevalece uma distribuiçãoequilibrada de poderes e de atribuiçõesentre as duas casas. Tal equilíbrio, por suavez, não pressupõe que sejam conferidas asmesmas atribuições a ambas as câmaras.

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CARLOS RANULFO MELO / FÁTIMA ANASTA

Tabela 5

Indicadores de Simetria/Assimetria entre as duas Câmaras

Atribuição Argentina Brasil Chile UruguaiIniciativa Legal Simétricas Simétricas Simétricas SimétricasConvocaçãode Plebiscito,

Referendoe ConsultaPopular.

Privativo daCâmara dosDeputados.

Prerrogativa dasduas Câmaras

em sessãoconjunta.

A convocaçãode plebiscitoé atribuiçãoexclusiva dopresidente daRepública.

Privativo doCongressoNacional.

Autorização parao presidentedeclarar Estado

de Sítio,Emergência ou

CalamidadePública.

Privativo doSenado. Prerrogativa dasduas Câmarasem sessãoconjunta.

Prerrogativa dasduas Câmarasreunidas em

sessão conjunta.

Sem informação.

Nomeação eDestituição deAutoridades

Públicas.

Compete aoSenado aprovar

a escolha deautoridades

públicas.

Compete aoSenado aprovar

a escolha deautoridades

públicas.

Sem informação. Ambas as Câmarasem Assembléia.

Autorização parainstauração deprocesso contra

AutoridadesPúblicas.

Privativo daCâmara dosDeputados.

Privativo daCâmara dosDeputados.

Privativo daCâmara dosDeputados.

Privativo daCâmara dosDeputados.

Processo ejulgamento deAutoridades

Públicas.

Privativo doSenado.

Privativo doSenado.

Privativo doSenado.

Privativo doSenado.

Atribuições deRevisão deMatérias.

Simétricas. Simétricas. Comissão Mistae desequilíbrio afavor da Senado.

Ambas asCâmaras, emAssembléia.

Exame eDerrubada

do VetoPresidencial.

Simétricas. Prerrogativa dasduas Câmarasreunidas em

sessão conjunta.

Simétricas. Prerrogativa dasduas Câmarasreunidas em

assembléiageral*.

Fonte: Banco de Dados Instituições Políticas Comparadas na América do Sul* O Art. 38 da Constituição uruguaia diz que “ Cuando um proyeto de ley fuese devuelto por el Poder Ejecutivo[...] se convocará aAsamblea General y se estará a lo que decidan los tres quintos de los miembros presentes de cada uma de las Cámaras, quienes podráajustarse a las observaciones o rechazarlas, mantendo el proyeto sancionado”.

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Como se pode perceber através daleitura da Tabela 5, não há variaçõesquanto ao grau de simetria entre os paísesem tela no que se refere ao quesito da ini-ciativa legal: esta se encontra distribuídade forma simétrica entre as duas câmaras,nos quatro países, ainda que em todos oscasos sejam designadas atribuições exclu-sivas a uma das câmaras, como ocorre,por exemplo, com a apresentação de leistributárias e sobre recrutamento de tropas,cuja iniciativa é prerrogativa exclusiva daCâmara dos Deputados, na Argentina e no

Chile, e com as leis sobre anistia e sobreindultos gerais, que, no Chile, só podemter origem no Senado.

No que se refere à convocação deplebiscito, referendo ou consulta popular,observam-se variações dignas de menção:na Argentina esta é uma atribuição priva-tiva da Câmara dos Deputados, enquantono Brasil e no Uruguai ela envolve neces-sariamente ambas as câmaras – reunidas

em sessão conjunta, no primeiro caso,e em Congresso Nacional, no segundo.O Chile apresenta, neste quesito, umapeculiaridade que afeta negativamenteo atributo da densidade democrática darepresentação, uma vez que apenas o pre-sidente da República detém a prerrogativade convocar estes mecanismos de partici-pação direta dos cidadãos, nos interstícioseleitorais, o que desequilibra sensivelmen-te a distribuição dos poderes de agenda afavor do Poder Executivo.

Já o exame dos quesitos relacionadosà nomeação, à instauração de processo, aojulgamento e à destituição de autoridadespúblicas permite constatar graus bastan-te expressivos de simetria entre as duascâmaras, nos quatro países, ademais depadrões similares e/ou idênticos de proce-dimentos, especialmente quando se trata

do julgamento de autoridades: em todosos países a autorização para instauraçãode processo é competência exclusiva daCâmara dos Deputados, ao passo que oprocesso e o julgamento, propriamenteditos, são atribuições do Senado.

A Argentina se distingue do Brasil e doChile na questão relacionada à autorizaçãopara que o presidente mobilize os poderesemergenciais previstos nas Constituiçõesdesses países – estado de sítio, emergênciaou calamidade pública. Enquanto naArgentina tal recurso é privativo do SenadoFederal, no Brasil e no Chile ele pressupõea deliberação em reunião conjunta dasduas câmaras.

As atribuições de revisão das maté-rias iniciadas na outra câmara talvez sejamos mais relevantes indicadores dos grausde simetria entre as duas casas legislativas.Na Argentina e no Brasil essas atribuiçõessão distribuídas de forma equilibrada entreas duas Câmaras, como se pode constatarpela leitura do Artigo 78 da Constituiçãoda Argentina, e dos Artigos 65 e 66 daConstituição brasileira11. No Uruguai, oprocesso é conduzido pelas duas casas,em Assembléia. Já no Chile verifica-se ainstituição de uma comissão mista, com-posta de igual número de senadores e dedeputados, que tem a atribuição de proporsoluções para os impasses que possam sur-gir na tramitação das matérias (conforme

Artigos 67 e 68 da Constituição chilena).“O Chile, novamente, merece destaque:lá, a matéria de autoria do presidente quetiver sido rejeitada pela Câmara de origempoderá ser enviada à outra Câmara, porsolicitação do presidente, diferentementedos demais projetos que, uma vez rejeita-dos, não poderão ser reapresentados senãoapós um ano. Se a Segunda Câmara apro-var o projeto por dois terços de seus mem-

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bros presentes, ele voltará à Câmara de origem e este somente será considerado rejeitado seesta Câmara o reprovar com dois terços dos membros presentes (Artigo 65). Consideranda peculiar composição do Senado, que conta com nove membros indicados, parece corretoafirmar que tal dispositivo desequilibra os poderes revisionais a favor do Senado sempre queste constituir a Câmara revisora” (Santos, Anastasia e Melo, 2004).

A Tabela 6 ajuda a caracterizar melhor o bicameralismo em cada um dos países. Nela,são agregados os dados sobre a composição numérica, os mandatos, o grau de simetria nadistribuição de poderes e congruência ou não dos procedimentos que presidem a constituiçãodas duas casas.

Tabela 6

Nº de membros, mandato, grau de simetria e congruência entre as casas legislativas

Países

Câmara Baixa Câmara Alta Distribuiçãode poderes

e atribuiçõesentre asCâmaras

Método deconstituiçãodas Câmaras

Nº demembros

Mandato Nº demembros

Mandato

Argentina 257 4 anos 63 6 anos Simétrica IncongruenteBrasil 513 4 anos 81 8 anos Simétrica IncongruenteChile 120 4 anos 47 8 anos Assimétrica CongruenteUruguai 99 5 anos 31 5 anos Simétrica CongruenteFonte: Banco de Dados Instituições Políticas da América do Sul (IUPERJ/UFMG).

O bicameralismo uruguaio combinasimetria e congruência. No Brasil e naArgentina verifica-se a presença de umbicameralismo simétrico e incongruente,enquanto no Chile as duas câmaras sãocongruentes quanto ao método de sua for-mação e assimétricas quanto à distribuiçãode poderes, recursos e atribuições.

Algumas ponderações importantesmerecem ser desenvolvidas quanto às pos-síveis combinações entre graus de simetriae a congruência ou incongruência dométodo de constituição do órgão decisó-rio. Por um lado, e seguindo os passos deLijphart (1984, 2002), parte-se do supostode que o bicameralismo simétrico é maiscompatível com arranjos consociativos e

com a distribuição equilibrada de poderesentre as duas câmaras. Por outro lado, ediscordando de Lijphart (2002:239), con-sidera-se que o arranjo mais conducenteao incremento da densidade democráticada representação é o bicameralismo con-gruente proporcional, por garantir mais emelhor a expressão plural das preferênciasque se organizam em torno de cada umadas clivagens que se fazem representar emcada câmara.

Argumenta-se, aqui, que a simetriade atribuições entre câmaras que sejammuito incongruentes quanto ao métodode sua formação, que apresentem grandesdiscrepâncias numéricas e diferentes cir-cunscrições eleitorais pode, na verdade,

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ser indicativa de algum tipo de distorçãoque favoreça a expressão de clivagense/ou identidades representadas em umadas câmaras, em detrimento daquelas cujaexpressão institucional se dê através daoutra câmara.

Como afirmam Anastasia e Melo (2002:26), ao analisar o caso brasileiro,“a Câmarados Deputados, considerados o númerode seus membros e sua heterogeneidade,advinda da eleição via sistema derepresentação proporcional, é muito maisexpressiva da diversidade e da complexidadepresentes na sociedade brasileira do que oSenado Federal, constituído como fórumde processamento das clivagens regionais.Portanto, ao conceder ao Senado poderesrevisores equivalentes àqueles concedidosà Câmara dos Deputados, a Constituiçãobrasileira permite ao primeiro o poderde vetar decisões tomadas no âmbito dasegunda, imiscuindo-se desta forma, emissues que não lhe são pertinentes. Desdeeste ponto de vista, seria mais aconselhávelque houvesse uma delimitação mais estritadas atribuições de revisão entre as duasCâmaras, especificando-se os assuntos nosquais seria prudente limitar estes poderes,tomando-se por parâmetro as característicase as atribuições conferidas pelo textoconstitucional a cada uma delas.”

Enfatiza-se, ademais, que o tipo de

congruência que favorece a representati-vidade é aquele baseado no método pro-porcional, situando-se no extremo opostoo bicameralismo congruente majoritário.Portanto, pode-se sugerir uma tipologia quebusque classificar os efeitos combinadosdo grau de simetria com a observânciaou não de congruência quanto ao méto-do de formação das casas legislativas:bicameralismo simétrico, congruente

proporcional; 2) bicameralismo simétrico,incongruente; 3) bicameralismo assimétri-co e incongruente; 4) bicameralismo assi-métrico e congruente majoritário (Santos,Anastasia e Melo, 2004).

Mais uma vez, o caso chileno revelamaior tendência à concentração de poderes.À assimetria observada a favor do Senado– casa que, como já foi dito, admite entreseus membros um contingente expressivode membros não-eleitos – se soma aoperação do método de representaçãomajoritário com viés proporcional emambas as casas, configurando, portanto, oúnico caso de bicameralismo assimétricoe congruente majoritário, arranjo queafeta negativamente o grau de densidadedemocrática da representação. Porcontraste, o Uruguai é o exemplo mais bemacabado de um bicameralismo conducenteao incremento da representatividade: aomesmo tempo simétrico e congruenteproporcional.

Dando seqüência à análise dascaracterísticas do bicameralismo empresença nos quatro países, vale chamara atenção para a distribuição das cadeiraslegislativas entre as duas câmaras e para otamanho dos mandatos em ambas. Brasile Argentina são os países que apresentamas maiores diferenças no que se refereao número de cadeiras existentes em

cada câmara: no primeiro, a Câmara dosDeputados é seis vezes maior do que oSenado Federal; no segundo, quatro vezes.Isso significa, por um lado, que nestespaíses, quando as casas deliberam emsessão conjunta, o peso relativo da CâmaraAlta revela-se menor do que no Uruguaie no Chile. Por outro lado, significa quequando os poderes e atribuições sãodistribuídos de forma eqüitativa entre as

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duas câmaras, especialmente os poderesrevisionais, os membros da câmara menor,em termos do número de cadeiras, acabamtendo maior peso nas decisões legislativasdo que aqueles da câmara numericamentemaior, o que conduz à suposição da sobre-representação dosissues e das clivagenspresentes na primeira, em detrimentodaqueles que se fazem representar nasegunda.

No que se refere ao tamanho domandato, pode-se verificar que no Uruguaihá coincidência na duração dos mandatosde deputados e senadores, mais um fatora falar a favor da ampliação dos graus derepresentatividade em presença. A idéiaaqui é a de que mandatos mais longos emuma das Casas, e passíveis de renovaçãoindefinida, favorecem a hipótese daocorrência de graus maiores de assimetriainformacional entre senadores e deputados,o que certamente produz impactos sobreo comportamento e sobre os resultados

legislativos. Já mandatos coincidentesentre os membros das duas casas lhesoferecem chances similares de aquisiçãode expertise. Nos outros três países, ossenadores têm mandatos mais estendidos:no Brasil e no Chile, os mandatos naCâmara Alta são o dobro daqueles nasCâmaras Baixas, e na Argentina, uma veze meia.

Um último aspecto a ser analisado

nesta seção refere-se ao papel das comissõesque, ao lado dos partidos, são as maisimportantes instâncias a serem consideradasna análise dos trabalhos legislativos. Aindaque diferentes modelos de organizaçãolegislativa possam ser concebidos12, ascomissões, na medida em que facilitam – oudificultam – a vocalização das preferênciasdos diversos atores, uns perante os outros,contribuem para a afirmação dos atributos

da accountability e da representatividadeno interior do legislativo.

Um sistema de comissões pode estarestruturado de forma a concentrar ou adispersar poderes de veto e de agenda entreos parlamentares. O exame do método deconstituição das comissões permite verificarse ele é mais conducente à formação decomissões heterogêneas – e, portanto,mais expressivas da pluralidade deidentidades e interesses presentes na Casae mais conducentes à influência políticadas oposições – ou, alternativamente, maishomogêneas e, portanto, mais passíveisde controle pelas maiorias situacionistas.A possibilidade de que partidos e/oucoalizões oposicionistas tenham acesso arecursos de poder no interior do parlamentoé, de acordo com Powell (2000), umseguro indicador de quão densamenterepresentativos são os processos decisóriosnos regimes democráticos.

Na Tabela 7, a seguir, com vistas aidentificar as formas de organização dosistema de comissões, serão examinados onúmero e o perfil das comissões legislativas,com especial atenção para o métodode sua constituição, no que se refere àobservância ou não de algum critériode proporcionalidade da participação dospartidos relativamente ao tamanho de suabancada na Casa13.

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O primeiro aspecto que merece men-ção, relativamente ao método de consti-tuição das comissões legislativas, é aprevalência do critério partidário: na maio-ria dos países estudados, os regimentos sereferem, de forma mais ou menos explícita, ànecessidade de observância, tanto quantopossível, na composição das comissões, daproporcionalidade existente na distribui-ção das cadeiras da Casa Legislativa entreas diferentes agremiações partidárias. Talocorre no Senado argentino, em ambas asCasas, no Brasil e no Uruguai.

Este ponto é relevante porque contri-bui para conferir às comissões um carátermais heterogêneo, permitindo que as mes-mas se aproximem mais de uma configu-ração assemelhada à de “microcosmo doplenário” e, portanto, mais coerente como modelo informacional (Krebhiel, 1990)e mais condizente à expressão política dasoposições.

Por contraste, ali onde a constituiçãodas comissões obedece prioritariamenteà influência das lideranças da Casa, via

Tabela 7

Comissões Permanentes nas casas legislativas

Câmara Nº. deMembros

Nº. deComissões

Constituição* Nº. deMembros nasComissões

Nº Mínimode Comissõespor Legislador

Argentina AltaBaixa

63257

4745

ILEP ou DP

07 a 2115 a 45

52 a 3

Brasil AltaBaixa

81513

0819

IL e DPIL e DP

17 a 2925 a 57

1 a 21

Chile AltaBaixa

47120

1919

EPEM e EP

0513

22

UruguaiAlta

Baixa3199

1616

IL e DPIL e DP

05 a 0903 a 15

2 a 31

designação pelo presidente ou eleiçãopela Mesa, sua composição tenderá a sermais expressiva dos setores majoritáriosda Casa, o mesmo ocorrendo quando ascomissões forem formadas a partir de elei-ção pelo plenário, através da mobilizaçãode regra de maioria relativa ou absoluta.Nestes casos, conseqüentemente, dimi-nuem as chances de influência das oposi-ções na definição da agenda e no desen-volvimento dos trabalhos das comissões,como ocorre na Câmara dos Deputadosda Argentina, e em ambas as Câmaras doChile.

ConclusãoNas duas seções anteriores deste arti-

go, foi possível verificar a extensão comque Argentina, Brasil, Chile e Uruguaiutilizam o mecanismo da eleição diretapara a escolha dos tomadores de decisãonos diversos níveis de poder, que méto-dos utilizam para constituir os poderesExecutivo e Legislativo no plano nacio-nal, como organizam as relações entre as

Fonte: Banco de Dados Projeto Instituições Comparadas na América do Sul (IUPERJ/UFMG).* EP = Eleição pelo Plenário; DP = Designação pelo Presidente; IL = Indicação de Lideranças Partidárias; EM= Eleição pela Mesa.

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Câmaras Alta e Baixa e, finalmente, comosão compostas as comissões no interior doCongresso.

A análise dos indicadores utilizadosdeixa claro que, do ponto de vista queaqui nos interessa, qual seja, o da densida-de democrática da representação, Uruguaie Chile podem ser apontados como casosextremos, ao passo que Argentina e Brasilsituam-se em posição intermediária.

Exceção feita à indicação dos prefei-tos, todos os aspectos do arranjo institu-cional uruguaio aqui analisados são maisconducentes ao incremento da densidadedemocrática da representação. Eleiçõesdiretas são utilizadas para a escolha dopresidente, dos governadores e de todosos membros do Congresso. Primárias aber-tas são obrigatórias para a definição doscandidatos presidenciais. A representa-ção proporcional com lista fechada éadotada para as duas câmaras que, ade-mais, são simétricas no que se refere à

distribuição de poderes e atribuições. Asimetria, no caso uruguaio, estende-se atémesmo ao mandato de seus congressistas– cinco anos tanto para deputados comopara senadores. Finalmente, no interior dopoder legislativo, o critério para a compo-sição das comissões é proporcional.

No Chile, governadores e parte doSenado não são diretamente eleitos. Asduas câmaras são constituídas por métodomajoritário e a distribuição de poderese atribuições é assimétrica, favorecendoo Senado – a menos representativa dascasas. No que se refere à composição dascomissões, trata-se do único país que emnenhuma das casas adota o critério pro-porcional.

Os arranjos institucionais deArgentina e Brasil geram resultados menosrepresentativos do que aqueles vigentes

no Uruguai. A razão está não apenas naadoção de variantes do método majoritáriopara o Senado, mas também na existênciade diversos mecanismos, analisados na pri-meira seção deste artigo, que fazem comque os resultados obtidos para a Câmara dosDeputados sejam consideravelmente menosproporcionais do que no último país.

Finalmente, vale mencionar que, nocaso do Brasil, alguns aspectos do arranjoinstitucional encontram-se em discussãoa partir de Projeto de Lei apresentadoao Congresso pela Comissão Especial deReforma Política, em dezembro de 2003.Dentre as diversas modificações propostaspelo Projeto, cabe comentar, ainda quebrevemente, aquelas que afetam dispositi-vos aqui analisados, quais sejam: a) o fimdas coligações nas eleições proporcionais;b) a revogação do dispositivo que determi-na que apenas os partidos que atingem oquociente eleitoral podem concorrer à dis-tribuição das cadeiras; c) a instituição deuma cláusula nacional de barreira de 2%;d) a adoção do sistema de lista fechada epré-ordenada nos pleitos proporcionais .

Conforme analisado na primeiraseção, as coligações nas eleições propor-cionais e a utilização do quociente elei-toral como cláusula de barreira afetam deforma negativa a representatividade daseleições para a Câmara dos Deputados.Mas, caso sejam aprovadas as propostasreferentes aos dois itens acima, o ganhoobtido tende a ser contrabalançado pelaintrodução da cláusula de 2%. Vale ressal-tar, no entanto, que o “prejuízo” poderiaser maior: a cláusula agora proposta vemsubstituir aquela definida pela Lei. 9.096,com vigor previsto para 2006, e que defi-nia como requisito para o funcionamentoparlamentar a obtenção de no mínimo 5%dos votos nacionais.

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Finalmente, uma eventual adoção dovoto em lista provocará uma significativamodificação no sistema político brasileiro.A medida tende a reforçar os partidosem um país onde estes são sabidamentefrágeis, e a fornecer poderoso instrumentodisciplinar para as lideranças partidáriasno Congresso. Mas o aspecto que aquiimporta remete à relação entre eleitor erepresentante e à possibilidade de que oprimeiro controle o segundo.

Sabe-se que a votação em listaaberta, como adotada no Brasil, incentivaa definição do voto com base nascaracterísticas do candidato e não dopartido. A partir daí, pode-se supor queo posterior acompanhamento do trabalhoparlamentar será realizado, quando o for,de forma personalizada, mais do que emtermos partidários. Dito de outro modo,a maioria do eleitorado brasileiro faz dodeputado, e não do partido, o seu agente,supondo que este seja capaz, a partir de seudesempenho individual, de levar à frentesuas propostas. Mas o eleito, ao chegar àCâmara depara-se com um cenário no qualos poderes legislativos estão concentradosnas mãos do Executivo e dos líderespartidários (Limongi e Figueiredo, 1999).Dito de outra forma, o representante eleitocom base em uma relação na qual oscompromissos assumidos com os eleitoressão de ordem pessoal encontrará nolegislativo um contexto institucional queinibe a perseguição de tais compromissosou que, pelo menos, faz com que estes sópossam ser atingidos se compatíveis com aspreferências dos líderes partidários. Pode-se dizer que, de certa forma, o cenárioparlamentar “corrige” um problema docenário eleitoral, ao introduzir com maisclareza os partidos. Mas a comparaçãoentre os dois cenários permite chegar à

conclusão de que o eleitor acaba sendolevado a designar o agente errado (Anastasiae Melo, 2002). Dada a maneira como seestruturam os órgãos decisórios no Brasil, oeleitor teria mais facilidade de acompanharo processo legislativo se designasse opartido, e não o candidato individualmente,como o seu agente. Esta é a principal razãopela qual a introdução da lista fechadacontribuirá para tornar mais representativaa democracia no Brasil.

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NOTAS

* Professores e pesquisadores do Departamento de Ciência Política da UFMG.1 Os dados utilizados neste texto foram extraídos do banco de dados do Projeto Instituições Políticas Comparadas na Américado Sul. Ademais, no presente artigo são reproduzidas alguns trechos do livro (no prelo) que resultou dessa pesquisa. O projetofoi resultado de convênio firmado entre a Fundação Konrad-Adenauer, o IUPERJ e o DCP-UFMG. A pesquisa foi coordenadapelos professores Fabiano Santos (IUPERJ), Fátima Anastasia e Carlos Ranulfo (DCP/UFMG). Integraram o grupo de pesquisa oestudantes Magna Inácio, Cristiane Batista, Éder Assis, Paulo Magalhães Araújo, Luciana Santana, Allan Nuno, Daniela Nunes eRicardo Alexandre F. de Lima.2Argumenta-se, ademais, que arranjos de tipo majoritário, por apontarem de forma mais clara de quem é a responsabilidadegovernativa, tornariam mais fácil ao eleitorado controlar governos eleitos (Powell, 2000).Tampouco há consenso quanto a esteponto, ou seja, quanto a que a concentração de poderes conduza a ganhos em termos de controle sobre governos eleitos. Sistemaspolíticos baseados em mecanismos dechecks and balances tendem a potencializar os mecanismos deaccountability horizontal.Como mostra Strom (2000), os mecanismos de controle institucional são muito mais evidentes no presidencialismo do que noparlamentarismo. Da mesma maneira, em arranjos institucionais nos quais prevalece um maior grau de dispersão de poder, é maisprovável que a oposição atue como um agente da sociedade, criando melhores condições para o exercício daaccountability noplano vertical.3Para uma análise da evolução recente dos sistemas partidários na América do Sul, ver Santos, Anastasia, e Melo (2004). Aintrodução de eleições subnacionais ocorreu tanto em repúblicas federais, como a Venezuela, como em países unitários, comoColômbia e Bolívia. Cabe mencionar, no entanto, que iniciativas em sentido contrário também ocorreram, como a supressão doSenado e a diminuição do número de membros do Congresso, no Peru e Venezuela, ou a introdução de deputados eleitos emdistritos uninominais, neste último país e na Bolívia.4De acordo com Mainwaring (1993) tal combinação institucional é conducente à instabilidade. Para uma discussão deste ponto,à luz da recente evolução dos países sul-americanos, ver o volume organizado por Jorge Lanzaro (2001).5 Os governos locais no Uruguai são exercidos pelas Juntas Locais. A Constituição uruguaia determina que é função do IntendenteMunicipal “Designar los miembros de la Juntas Locales, con anuencia de la Junta Departamental”. Contudo, quando o GovernoDepartamental assim decidir, a junta local poderá ser eleita diretamente. Veja-se o art. 288 da Constituição “La ley determinarálas condiciones para la creación de las Juntas Locales y sus atribuciones, pudiendo, por mayoría absoluta de votos del total decomponentes de cada Cámara y por iniciativa del respectivo Gobierno Departamental, ampliar las facultades de gestión deaquéllas, en las poblaciones que, sin ser capital de departamento, cuenten con más de diez mil habitantes u ofrezcan interésnacional para el desarrollo del turismo. Podrá también, llenando los mismos requisitos, declarar electivas por el Cuerpo Electoralrespectivo las Juntas Locales Autónomas”.6Desproporcionalidade calculada de acordo com o índice proposto por Loosemore e Hanby (1971).7Incapazes de alterar o altamente restritivo sistema binominal arquitetado no período ditatorial, os partidos chilenos passaram aoperar como em um sistema bipartidário, articulando-se em torno das duas grandes coalizões que, desde 1989, têm disputado osrumos do país. Aqueles, como os comunistas, que não quiseram ou não puderam proceder desta maneira, viram-se rapidamenteprivados de representação no Congresso Nacional (Santos, Anastasia e Melo, 2004).8Um quarto fator compromete a proporcionalidade dos resultados eleitorais no Brasil. Trata-se da migração partidária no interiordo poder legislativo, fenômeno que faz com que a distância entre o que dizem os votos depositados nas urnas e a distribuição dascadeiras entre os partidos na Câmara dos Deputados continue a aumentar depois de iniciada cada legislatura, com o agravantede que deixa de existir qualquer interferência do eleitor no processo. Simulações feitas por Melo (2004), para a eleição de 1998,revelam que as mudanças de partido são o fator que isoladamente mais afetam a proporcionalidade no sistema representativobrasileiro.9O artigo 88 da Constituição uruguaia diz que “la Cámara de Representantes se compondrá de noventa y nueve miembroselegidos directamente por el pueblo, con arreglo a un sistema de representación proporcional en el que se tomen en cuenta losvotos emitidos a favor de cada lema en todo el país. No podrá efectuarse acumulación por sublemas, ni por identidad de listas de

candidatos”. Já os artigos 95 e 96 determinam que “los Senadores serán elegidos por el sistema de representación proporcionalintegral” e que “la distribución de los cargos de Senadores obtenidos por diferentes sublemas dentro del mismo lema partidario,se hará también proporcionalmente al número de votos emitidos a favor de las respectivas listas”.10 Carey e Shugart (1995) afirmam que os líderes partidários no Brasil não possuem controle sobre os membros da lista. Mas alegislação foi alterada em 1998, com o fim do chamado “candidato nato”. Até então, de fato, todo deputado tinha presençagarantida na lista independentemente da vontade de seu partido.11 “Artigo 65. - O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviadoà sanção ou promulgação se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar. Parágrafo Único - Sendo o projeto emendado,voltará à Casa iniciadora. Artigo 66. - A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente daRepública, que, aquiescendo, o sancionará”.12Como se sabe, segundo o modelo distributivista, as comissões devem estar estruturadas de forma a facilitar a obtenção de“ganhos de troca”, enquanto o modelo informacional enfatiza a possibilidade de consecução de “ganhos de informação”.13 Os parágrafos que se seguem, até a conclusão desta seção, foram reproduzidos de Santos, Anastasia e Melo (2004).

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ENSAIO

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CARLOS RANULFO MELO / FÁTIMA ANASTA

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ENSAIO

Parlamento Transnacionale Integração: A experiênciado Parlamento Europeu e as

ligações que a América Latinatem para o Mercosul

* SUSANE GRATIUS / ** DELFET NOLTE

“Quando os estados (democráticos)se empenham em compartilhar e delegarsoberania a instituições supranacionais,os problemas de representação e respon-sabilização democrática tendem a adqui-rir importância. Assim, podemos esperar,por exemplo, que o tipo e a força dasassembléias parlamentares na ordenaçãopolítica internacional se correlacionemcom o grau em que os estados comparti-lham e delegam soberania. Neste sentido,o Parlamento Europeu é um “elementoexterno”, porque a Comunidade é um elementoexterno.” (Rittberger 2003: 221).

“Sempre que a capacidade da UniãoEuropéia de usar o poder público se ampliade algum modo, o Parlamento Europeué um meio necessário (embora nãonecessariamente suficiente) para preveniro seu abuso.” (Coombes 1999: 52)

1. O Parlamento Europeu: umcaso único

A União Européia, que desde maiode 2004 conta com 25 Estados membros, éuma organização internacionalsui generis .O mesmo pode-se dizer do Parlamento

* ** Colaboradores científicos do Instituto de Hamburgo / Tradução: Sérgio Bath

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Europeu, já que se trata de um Parlamento supranacional único no mundo no que se refere àsua legitimidade democrática e ao seu poder de decisão. Dos seus 624 integrantes, eleitos porvoto direto antes mesmo da ampliação da União Européia, o número de deputados deverá

aumentar para 732, representando cerca de 450 milhões de habitantes. Com a inclusão daBulgária e da Romênia na União Européia, prevista para 2007, o Parlamento Europeu contarcom 786 parlamentares no fim da atual década.Número de mandatos por país(por ordem alfabética do nome de cada país, na respectiva língua oficial)

1999-2004 2004-2007 2007-2009Bélgica 25 24 24Bulgária – – 18Chipre – 6 6República Checa – 24 24Dinamarca 16 14 14Alemanha 99 99 99Grécia 25 24 24Espanha 64 54 54Estônia – 6 6França 87 78 78Hungria – 24 24

Irlanda 15 13 13Itália 87 78 78Letônia – 9 9Lituânia – 13 13Luxemburgo 6 6 6Malta – 5 5Países Baixos 31 27 27Áustria 21 18 18Polônia – 54 54

Portugual 25 24 24Romênia – – 36Eslováquia – 14 14Eslovênia – 7 7Finlândia 16 14 14Suécia 22 19 19Reino Unido 87 78 78(MAX) TOTAL 626 732 786Fonte: http://www.europa.eu.int/institutions/parliament/index_pt.htm.

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ENSAIO

As características do ParlamentoEuropeu tornam muito difícil chegar a con-clusões ou extrair lições para instituições domesmo tipo (como por exemplo a ComissãoParlamentar Conjunta do Mercosul) combase no seu desenvolvimento histórico.Além disso, as funções e o funcionamentode um Parlamento dependem do conjun-to das instituições de um regime políticonacional ou supranacional. Não existehoje no mundo nenhuma união de Estadossoberanos com estruturas supranacionaistão elaboradas e poderosas como a União

Européia.Quando comparamos o ParlamentoEuropeu com as instituições parlamen-tares do Mercosul surge outro problema.Se incluímos a assembléia parlamentarda Comunidade Européia do Carvão e doAço, que se reuniu pela primeira vez em1952, o Parlamento Europeu é uma insti-tuição “adulta”, já que tem mais de cin-qüenta anos1. Ora, a Comissão Parlamentar

Conjunta do MERCOSUL, que se reuniupela primeira vez em 1992, é uma institui-ção “adolescente”, que se encontra aindaem uma fase de aprendizado e de cresci-mento institucional.

Não há dúvida de que o ParlamentoEuropeu pode servir como estímulo ouexemplo para a Comissão Parlamentar doMercosul, e as duas instituições já fazemcontatos institucionais regulares, que no

futuro poderão ser ainda mais aprofun-dados. No entanto, as possibilidades deaprendizagem irão depender do desen-volvimento institucional do Mercosul, emespecial das suas estruturas supranacio-nais. Em lugar de comparar o ParlamentoEuropeu como existe hoje com a ComissãoParlamentar do Mercosul, pode ser maisútil adotar como ponto de referência oParlamento Europeu de períodos ante-

riores, como por exemplo, o dos anos1960 e 1970. Complementarmente, podeser útil analisar também o desenvolvimentoinstitucional das assembléias parlamentaresem outros sistemas de integração existentesna América Latina. Dessa perspectiva, pare-ce útil resumir brevemente os fatos maisimportantes da história do ParlamentoEuropeu, como também o desenvolvi-mento das assembléias parlamentaresda Comunidade Andina e do MercadoComum Centroamericano, para depoischegar a algumas conclusões a respeitoda Comissão Parlamentar Conjunta doMercosul.

2. Breve história do ParlamentoEuropeu

A Comunidade Européia do Carvãoe do Aço, antecessora da ComunidadeEconômica Européia, tinha uma assembléiaparlamentar planejada como contrapesodas autoridades executivas supranacionais,que teve também a função adicional decorrigir um possíveldeficit de legitimidadedemocrática das novas estruturas de inte-gração econômica (ver Rittberger 2003:211-3).

De acordo com o Tratado de Roma,de 1957, o Parlamento Europeu repre-senta “os povos dos Estados reunidos naComunidade”. O Parlamento Europeu

(denominação adotada em 1962), dos seispaíses fundadores da Comunidade, tinha142 integrantes, ou seja, mais do dobrodo número atual de integrantes da CPCdo Mercosul (64). Era composto por par-lamentares procedentes dos parlamentosdos Estados-Membros da Comunidade,nomeados pelos seus pares, e mantidosseus mandatos nos respectivos parlamen-tos nacionais.

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SUSANNE GRATIUS / DELFET NOLT

Número de mandatos no ParlamentoEuropeu, por país (1957)

País MandatosAlemanha 36Bélgica 14França 36Itália 36

Luxemburgo 6Países Baixos 14A princípio, o Parlamento Europeu

era um órgão consultivo do Conselho da

Comunidade, tendo por tarefa principal ocontrole da Comissão como principal órgãocomunitário supranacional. O ParlamentoEuropeu tinha o direito de debater a respeitodas atividades da Comissão, censurando-ase necessário (hipótese em que a Comissãodeveria renunciar). Nos anos 1950 e 1960,na fase de infância e adolescência doParlamento Europeu, quase não houvemudança nas suas atribuições, masnos anos e décadas que se seguiramaumentaram as atribuições legislativas ede controle exercidas pelo ParlamentoEuropeu com respeito à Comissão Européiae ao Conselho, aumentando também a sualegitimidade democrática.

Com a assinatura do Tratado deLuxemburgo, em 1970, foi introduzidona Comunidade um sistema de recursospróprios, sendo também ampliados ospoderes orçamentários do ParlamentoEuropeu (ver Rittberger 2003: 213-7).Para evitar conflitos entre as instituiçõesinteressadas e bloqueios no processolegislativo, em 1975, o Conselho e oParlamento Europeu criaram, mediantedeclaração conjunta, um sistema dearbitragem para os casos de divergênciaem matérias jurisdicionadas ao Parlamento.Não obstante, a última palavra cabiasempre ao Conselho. Em 1980, com base

em uma decisão da Corte Suprema de Justiça, o Parlamento conquistou um certodireito de retardar a aplicação da legislaçãoelaborada pela Comissão, antes da suaaprovação pelo Conselho.

Um passo muito importante no desen-volvimento institucional do ParlamentoEuropeu foi a primeira eleição dos seusmembros por sufrágio universal direto,em junho de 1979, interpretada comouma mudança constitucional da maiorenvergadura (Corbett et al 2003: 355).Desde então, a composição do ParlamentoEuropeu é renovada a cada cinco anos. Épreciso acrescentar que a eleição direta jáestava prevista no tratado constitutivo quedeu origem à Comunidade, em 1957. Coma eleição direta, o Parlamento passou a serum órgão corporativo de atividade con-tínua, tendo surgido uma nova classe deparlamentares transnacionais, cuja carreirapolítica depende da sua atuação no âmbi-to europeu. Os parlamentares europeusse esforçaram por ampliar a infra-estru-tura técnica e de apoio administrativo doParlamento Europeu.

Os novos deputados europeus, elei-tos de forma direta, foram muito mais ati-vos do que os seus antecessores, em todosos aspectos da atividade parlamentar2.“Dosquestionamentos parlamentares às audi-ências públicas; da exploração de pro-cedimentos para pressionar a Comissãoao exame dos Comissários e seus funcio-nários; das ações na Corte de Justiça àsnomeações para o Tribunal de Contas; doscomitês de investigação ao congelamentode fundos, o Parlamento eleito foi maisvigoroso, mais sistemático e incisivo doque o nomeado.” (Corbett 1998: 129). Oseurodeputados utilizaram o regulamentodo Parlamento Europeu para experimen-tar e explorar a elasticidade dos tratados

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ENSAIO

comunitários, ampliando a sua área de atuação, mas só dentro de certos limites, representa-dos pela institucionalidade vigente da Comunidade. Em conseqüência, o Parlamento Europeuatuava também na promoção das reformas da Comunidade Econômica Européia e, depois daUnião Européia, enfatizando uma maior legitimidade parlamentar das decisões tomadas.

O Parlamento Europeu dispõe de três sedes, fato que por vezes complica o trabalhoparlamentar e a interação com os outros órgãos da União Européia. O Protocolo número8, anexo ao Tratado de Amsterdam, de 1997, precisa: “O Parlamento Europeu tem sedeem Estrasburgo, onde são realizadas as doze sessões plenárias mensais, inclusive a sessãoorçamentária. As sessões plenárias suplementares são realizadas em Bruxelas. As Comissõesdo Parlamento Europeu se reúnem também em Bruxelas. A Secretaria-Geral do ParlamentoEuropeu e os seus serviços permanecem em Luxemburgo.” O Parlamento Europeu organizao seu trabalho com base em 17 comissões parlamentares permanentes e conta atualmentecom sete comissões temporárias.

Os deputados do Parlamento Europeu não se integram em blocos nacionais. Adespeito de predominar um ambiente de cooperação na defesa dos interesses institucionaise europeus, formaram-se grupos políticos ligados por afinidade ideológica, que reúnem osprincipais partidos políticos dos Estados-Membros da União Européia. Esses grupos políticosdo Parlamento Europeu constituem o núcleo e a coluna vertebral dos partidos transnacionaiseuropeus.

QUADRO: Número de mandatos por grupo político, em 1º de Abril de 2003

Os próprios parlamentares europeus, eleitosde forma direta, defenderam o aumentodas atribuições do Parlamento Europeunas próximas revisões institucionais,argumentando que a perda de controle

Grupo político Sigla Nº de

mandatosPartido Popular Europeu (Democrata-Cristão) eDemocratas Europeus

PPE-DE 232

Partido dos Socialistas Europeus PSE 175Partido Europeu dos Liberais, Democratas eReformistas

ELDR 52

Esquerda Unitária Européia / Esquerda Nórdica Verde GUE/NGL 49Verdes / Aliança Livre Européia Verdes/ALE 44União para a Europa das Nações UEN 23

Europa das Democracias e das Diferenças EDD 18Não-inscritos NI 31TOTAL 634Fonte: http://www.europa.eu.int/institutions/parliament/index_pt.htm

Graças à nova legitimidadedemocrática, com a assinatura de cadanovo tratado o Parlamento Europeu viuampliada sua competência e o papelpolítico que lhe cabe na União Européia.

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dos parlamentos nacionais, no processode integração da Europa, deveria sercompensada pela maior competênciaatribuída ao Parlamento Europeu.

A assinatura da Ata Única Européia de1986, para completar o mercado comum atéo ano de 1992, deu um grande impulso aodesenvolvimento institucional comunitário.O Conselho modificou suas normasinternas no relativo ao procedimento devotação, criando-se pela primeira vez ummecanismo co-decisório entre o Conselhoe o Parlamento. O impulso dado a essasduas decisões decorreu da necessidadede promulgar um grande número de leiscomunitárias (cerca de trezentas) até1992. Para acelerar o processo de decisão,os Estados-Membros estavam dispostosa transferir e a somar suas soberanias,ampliando cada vez mais a participaçãodo Parlamento Europeu (ver Rittberger2003: 217-20). Foi o rumo retomado nostratados seguintes: o Tratado da UniãoEuropéia (Maastricht, 1992) e o Tratadode Amsterdam, de 1997, que converteramo Parlamento Europeu em uma autênticaassembléia legislativa, com competênciacomparável à dos parlamentos nacionais.No entanto, nem todas as ampliaçõesdas políticas comunitárias levam a umamaior participação do Parlamento Europeuque, para dar um exemplo, exerce poucocontrole e influência no campo da PolíticaExterior e da Segurança Comum.

Não obstante, depois do Tratadode Maastricht, as áreas das políticascomunitárias isentas de ingerência doParlamento Europeu diminuíram de 72%(segundo o Tratado de Roma) para 40%(Maurer 2002: 132). Com o Tratado deAmsterdam, de 1997, ganhou força aposição do Parlamento Europeu frenteà Comissão. O Presidente e os outrosmembros da Comissão não podem

ser nomeados sem a aprovação doParlamento. Além disso, ampliou-senovamente o procedimento de decisãoconjunta do Conselho e do ParlamentoEuropeu, simplificou-se o processolegislativo e fortaleceu-se a posição doParlamento como contraparte equivalentedo Conselho, abrangendo agora quasetodas as matérias às quais se aplica noConselho o critério da maioria qualificada,como as que aparecem pela primeira vezno novo Tratado. Por outro lado, o Tratadode Nice, de 2001, reforçou o papel co-legislador do Parlamento Europeu, quedesta forma se converteu, no transcursoda última década, em legislador conjuntocom o Conselho da União Européia.

A participação do ParlamentoEuropeu nas decisões do Conselho, comoórgão máximo da União Européia, abarcadiferentes formas e graus de influência.Para certas matérias é necessário oconsentimento do Parlamento paraque o Conselho possa decidir. Em casode consulta, a Comissão submete umaproposta ao Parlamento. Se a consulta éfacultativa, a proposta não pode converter-se em lei por voto do Conselho, a menosque o Parlamento tenha emitido umparecer favorável. Nos casos de co-decisão,Parlamento e Conselho compartilham opoder legislativo, e a Comissão enviasua proposta às duas instituições que,se não chegam a um acordo, submetem

sua divergência a um “comitê deconciliação”, integrado por igual númerode representantes do Conselho e doParlamento3.

As áreas abrangidas pelo processode parecer favorável são: algumas missõesespecíficas do Banco Central Europeu;alterações nos estatutos do Sistema Europeude Bancos Centrais / Banco CentralEuropeu; fundos estruturais e Fundo de

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Coesão; processo eleitoral uniforme parao Parlamento Europeu; alguns acordosinternacionais; adesão de novos Estados

membros.As áreas abrangidas pelo processode consulta são: cooperação policial ejudicial em matéria penal; revisão deTratados; discriminação em razão desexo, raça ou origem étnica, convicçõesreligiosas ou políticas, deficiência, idadeou orientação sexual; cidadania da UE;agricultura; vistos, asilo, imigração e outraspolíticas relacionadas com a liberdade decirculação de pessoas; transportes (sempreque haja um significativo impacto em certasregiões); concorrência; fiscalidade; políticaeconômica; “cooperação reforçada” - ouseja, a disposição que permite que umgrupo de Estados-Membros trabalhemconjuntamente num domínio específico,mesmo sem a participação dos demais.

As áreas abrangidas pelo processode parecer de co-decisão são: nãodiscriminação com base na nacionalidade;direito de circulação e residência; liberdadede circulação de trabalhadores ; seguridade

social para os trabalhadores migrantes;direito de estabelecimento; transportes;mercado interno; emprego; cooperaçãoaduaneira; luta contra a exclusão social;igualdade de oportunidades e igualdadede tratamento; decisões executivasrelacionadas com o Fundo Social Europeu;educação; formação profissional; cultura;saúde; defesa do consumidor; redestranseuropéias; decisões executivasrelacionadas com o Fundo Europeu deDesenvolvimento Regional; investigação;

ambiente; transparência; prevenção e lutacontra a fraude; estatística; instituiçãode um órgão consultivo para a proteçãode dados. Fonte: http://europa.eu.int/ institutions/decision-making/index_pt.htm

Ao lado da sua participação noprocesso legislativo, o ParlamentoEuropeu tem igualmente outras atribuiçõestipicamente parlamentares: participa naelaboração do orçamento da União

Européia e pode rejeitá-lo. Além disso,desempenha funções de controle:deve aprovar a gestão orçamentáriada Comissão; pode criar comissõestemporárias de investigação. Por outrolado, seus deputados, grupos ou comissõesparlamentares, podem formular perguntasà Comissão ou ao Conselho, oralmente oupor escrito4.

Em resumo, constata-se que, desdea criação da Comunidade EconômicaEuropéia, a participação do Parlamentonas decisões comunitárias se ampliou,especialmente com base nos Tratados deMaastricht e Amsterdam, que criaram omecanismo de co-decisão. É preciso assimconcordar com as palavras de RichardCorbett (1998: 367), deputado socialistado Parlamento Europeu: “Subestimadopor muitos, nos primeiros anos, depoisdas eleições diretas o novo Parlamentode tempo integral, surgido em 1979, temsido, de modos nem sempre previstos, umfator importante na aceleração do ritmo daintegração européia ocorrida a partir demeados dos anos 1980.”

3. A experiência latino-americana com parlamentosregionais e subregionais

Além da Europa, a América Latinaé, em todo o mundo, a única região queconta com parlamentos transnacionais,tanto em nível regional como subregional.Em 2004, a história da América Latinanesse terreno completa vinte anos. OParlamento Latino-Americano (Parlatino),fundado em 7 de dezembro de 1964,em Lima, foi o antecessor e um fatorimportante para a criação posterior doParlamento Andino (Parlandino) e doParlamento Centro-Americano (Parlacen),no quadro dos respectivos processos de

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integração subregional. O ParlamentoLatino-Americano nasceu há quarentaanos, durante as comemorações dos 140

anos da batalha de Ayacucho, em memóriadas idéias de integração do LibertadorSimón Bolivar. O objetivo principal dessaprimeira assembléia parlamentar regionalfoi promover a união política da AméricaLatina. Nos primeiros anos do Parlatinoforam discutidas e aprovadas propostasambiciosas de integração, tais como acriação de uma bandeira regional comum,de um passaporte latino-americano e aabertura de uma universidade regional –propostas que até hoje não foram levadasà prática.

A criação do Parlatino, em Lima,resultou de uma primeira onda de integraçãolatino-americana com enfoque regional.Sua meta final era integrar toda a AméricaLatina, em conformidade com as idéias dopan-americanismo inspiradas em SimónBolivar. A função principal do Parlatinofoi dar um impulso político ao processode integração econômica da AméricaLatina. O Parlatino nasceu em uma épocaextremamente difícil do ponto de vistapolítico, em que muitos países do continenteeram governados por regimes militares. Essaconjuntura política contrária à integraçãodos estados da região reduziu desde oprincípio as repercussões do ParlamentoLatino-Americano, que nunca conseguiutransformar-se em um foro político depeso, e atualmente é uma assembléiaparlamentar sem maior transcendência.Os seus membros se reúnem por algunsdias, cada dois anos, e o impacto políticoda sua atuação se acha consideravelmentereduzido. O pouco poder do Parlatino estávinculado estreitamente com a crise dosistema de partidos políticos na maioriados países participantes, e na imagemnegativa dos Congressos nacionais. Porisso, segundo o Latinobarometro de 2003,

só 14% da população apóia os partidospolíticos, e os Congressos figuram entre asinstituições mais desacreditadas da região(Latinobarometro 2003, Santiago, Chile).

Não obstante, o Parlatino continuafuncionando. Em duas oportunidadessua estrutura foi reformada e, em 1992,foi instalada em São Paulo sua sedepermanente. Em comparação com oParlamento Europeu, o Parlatino é, comoinstituição, muito mais simples. Seuórgão principal é a Assembléia Geral.Há uma pequena secretaria executiva,um comitê diretivo e sete comissõesparlamentares permanentes. Comonão existe um processo de integraçãoregional, as funções do Parlamento Latino-Americano são meramente deliberativas,inexistindo um instrumento legislativo:seus principais instrumentos são resoluçõese recomendações não vinculantes.

O segundo poder legislativotransnacional criado na América Latinafoi o Parlamento Andino (Parlandino),que surgiu dez anos depois do PactoAndino, em 1979. Hoje, o Parlandino éparte do complexo sistema supranacionalda Comunidade Andina. Assim como oParlatino, o Parlandino está compostopor deputados nacionais nomeados pelosparlamentos de cada país membro. Aocontrário do Parlatino, o ParlamentoAndino inclui uma cláusula democrática,que condiciona a participação dosEstados-Membros ao “exercício efetivo” dademocracia, razão pela qual no passadoa presença do Chile como Observadorfoi suspensa. Pouco depois da ratificaçãodo seu Tratado constitutivo, em 1984, oParlandino estabeleceu em Bogotá a suasede permanente. Por outro lado, seguindoo exemplo da União Européia, o entãoPacto Andino preferiu não concentrar os

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foros de coordenação na mesma cidade,mas criou sedes diferentes para todas assuas instituições: a Secretaria está em

Lima, o Tribunal de Justiça, em Quito, oParlandino, em Bogotá e a CorporaçãoAndina de Fomento, em Caracas. Essadispersão representou, desde o início, umsério obstáculo à coordenação política eao próprio processo de integração sub-regional.

O Parlandino está composto porcinco representantes nacionais e dezsuplentes, havendo sido criadas cinco

comissões temáticas permanentes. OParlamento se reúne uma vez por ano,podendo, além disso, ser convocadassessões extraordinárias, desde que contemcom o apoio de um terço dos Estados-Membros. De acordo com seu avançadoprocesso de integração (a ComunidadeAndina constitui uma união aduaneiraincompleta), sua abrangência é maisambiciosa do que a do Parlatino e, inclui oprosseguimento do processo de integração,cooperar com os parlamentos nacionaispara incorporar o direito comunitárioandino e formular propostas de integração.O Parlandino exerce seu poder através derecomendações e decisões que entram emvigor mediante o apoio de dois terços dosdeputados; elege um Presidente e quatroVice-Presidentes, que exercem o mandatodurante um ano e representam diferentespaíses. É esse grupo de representantes quenomeia o Secretário Geral, e juntos elesconstituem o foro executivo, ou “MesaRedonda” parlamentar.

No quadro do processo detransformação do Pacto Andino emComunidade Andina, o Parlandino foireestruturado, autorizando-se a eleiçãodireta dos seus representantes. Nãoobstante, por falta de vontade políticae devido ao atual estancamento doprocesso de integração, o projeto ainda

não se transformou em realidade.Há dez anos (o debate teve início em1994) estão previstas eleições diretas

para o Parlandino, possibilidade que jáestava prevista no Tratado constitutivoe especificada no Protocolo Adicional,assinado em 1987. Não obstante, até hojesó a Venezuela e, há pouco mais deum ano, o Equador, realizaram eleiçõesdiretas para o Parlamento Andino. Osoutros países receberam um novo prazo,até 2005, para seguir esse exemplo. Diantedo pouco dinamismo da integração dospaíses andinos, a debilidade dos Estadosinteressados e os problemas bilateraisentre Colômbia e Venezuela, surgem sériasdúvidas sobre a viabilidade do projeto e assuas perspectivas futuras. Embora o processode integração andino tenha criado o quadroinstitucional mais amplo e complexo,baseado em foros supranacionais, devido àausência de vontade política dos governose a endêmica falta de vigor institucionaldos Estados-Membros, o Parlandino tem

tido pouca visibilidade e efetividade nasub-região.O balanço que se pode fazer do

Parlamento Centro-Americano (Parlacen)está longe de ser melhor. O Parlacen foiinstituído em 1987, no contexto do processode paz centroamericano, como parte dosAcordos de Esquipulas II. Vinicio Cerezo, oentão Presidente da Guatemala, promoveuessa idéia, em janeiro de 1986, para

criar um clima de paz, consenso políticoe democracia na sub-região afligidapor guerras civis, violência e violaçõesconstantes dos direitos humanos. Umavez superada a crise centro-americana, oParlacen abriu suas portas em 1991, naCidade da Guatemala, com a participaçãode quatro países: Guatemala, Nicarágua,El Salvador e Honduras. O Panamá seintegrou alguns anos mais tarde. CostaRica foi o único país a formular reservas

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constitucionais, e nunca chegou a ratificaro Tratado constitutivo. Havia outros motivospara retardar a sua participação: o respeito

predominante à soberania nacional ea situação especial do país, devido àrelativa estabilidade democrática, social eeconômica.

Assim como o Parlandino, o Parlacense reúne uma vez por ano, podendoser convocadas assembléias plenáriasextraordinárias. Seu órgão executivo émais complexo e está composto peloPresidente, quatro Vice-Presidentes e cinco

Secretários. O Parlacen adota decisõespor maioria de sete votos, e funciona comdoze Comissões temáticas. Sua estruturaestá muito orientada para o modeloeuropeu. Sua estrutura supranacional foiadotada desde o início prevendo a eleiçãodireta dos seus representantes, com ospartidos políticos reunidos em diferentesgrupos parlamentares. Procurou-se,assim, criar uma verdadeira assembléiaparlamentar transnacional, favorecendoa integração sub-regional em vez dopredomínio dos interesses nacionais.A importação do modelo europeu deparlamentarismo transnacional esteverelacionada estreitamente com o papeldestacado assumido pela ComunidadeEuropéia na pacificação regional, atravésdo denominado Processo de San José,as Conferências entre Europa, AméricaCentral e o Grupo de Contadora (e maistarde o Grupo de Apoio ampliado).

Até hoje o Parlacen é o únicoparlamento transnacional da regiãocom deputados eleitos diretamentepela população, à semelhança doParlamento Europeu. O mandato dos seusrepresentantes é de cinco anos. Além dosvinte deputados eleitos diretamente peloscidadãos, integram-se automaticamenteno foro os ex-Presidentes e Vice-Presidentes dos Estados-Membros: uma

fórmula heterodoxa e única que distingueo Parlacen de qualquer outro parlamento,nacional ou transnacional. A razão inicial

para a participação de importantes figuraspolíticas nacionais foi o fortalecimentoda coordenação política entre o Parlacene os Poderes Executivos nacionais. Nãoobstante, em vez de aumentar a importânciapolítica do Parlacen na região, essa práticatem sido seriamente questionada, já quea integração dos antigos Presidentes eVice-Presidentes na assembléia regionallhes conferiu automaticamente imunidadeperante a Lei.

Hoje, discute-se uma profundareforma na estrutura do Parlacen. Asmaiores críticas, formuladas por OscarBerger, atual Presidente do país que fundouo foro, são dirigidas contra a cláusulaque prevê a participação de todos osex-mandatários nacionais, que se tornouum aspecto altamente controvertidodesde a incorporação do ex-Presidenteguatemalteco Alfonso Portillo e, antesdisso, com a do ex-Presidente ArnoldoAlemán, da Nicarágua. No contexto deuma renovação política na Nicarágua ena Guatemala, e de um combate maisintenso às práticas corruptas nos governosdos países membros, o Parlacen tem umaimagem particularmente negativa, alémde ter perdido relevância como foro deintegração política. Cabe lembrar, porém,que durante o processo de pacificaçãocentroamericana ele cumpriu importantefunção simbólica e política. Por outrolado, também é certo que fracassou comopromotor da integração sub-regional ecomo plataforma para promover ademocracia na América Central.

De modo geral, o balanço doparlamentarismo regional na AméricaLatina é ambíguo. Todos os parlamentostransnacionais criados até hoje têm emcomum sua pequena capacidade decisória

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e uma influência limitada sobre osparlamentos nacionais, mantendo funçõespuramente deliberativas. Seu únicoinstrumento para influir nos processospolíticos regionais, bilaterais ou nacionais,são resoluções ou recomendações que nãotêm qualquer impacto concreto porquenão são vinculantes. As funções das trêsassembléias regionais são semelhantes:servem como plataformas políticaspluralistas e como vínculo entre democraciae integração. Tanto o Parlatino como oParlacen contribuem para promover a

coordenação e o intercâmbio entre osdiferentes partidos políticos nacionais e,se o processo de integração está maisavançado, promovem a união políticaentre os Estados-Membros. Os casos doParlacen e do Parlandino demonstramque a eleição direta dos integrantes depoderes legislativos transnacionais (metatambém prevista pelo Mercosul) podeexigir mudanças na legislação nacional.Assim, a definição de um período eleitoralcomum exigiu, no caso do Parlandino,mudanças constitucionais em algunsEstados-Membros, o que, além da falta devontade política, atrasou a implantação dosistema de eleições diretas.

Refletindo um maior progresso naintegração, a competência do Parlandinoe do Parlacen é mais ampla, e suasestruturas são mais densas e complexasdo que a do Parlatino. Com respeito aeste último ponto, o Parlacen é o modelomais próximo do Parlamento Europeu,já que, diferentemente do Parlatino e doParlandino, o Parlacen dispõe de sedepermanente, seus deputados são eleitosdiretamente, agrupando-se de acordocom as afinidades políticas, e mantêmuma relação indireta com o Executivo,por contar com a participação de ex-Presidentes e Vice-Presidentes. Ao

contrário do Parlamento Europeu, nem oParlacen nem o Parlandino optaram peladistribuição proporcional de representantesdo país, e em ambos prevalece o princípioda igualdade, independentemente dotamanho e do peso econômico dospaíses-membros. Finalmente, os três forosanalisados são assembléias parlamentaresunicamerais.

Quanto à sua função política,cabe dizer que sobretudo as reuniõesdo Parlatino têm sido, em termos gerais,um exercício útil para promover umconsenso latino-americano em certostemas de interesse comum (por exemplo,a pacificação da América Central e asolução pacífica de outros conflitos) e parasustentar, inclusive em épocas adversas, osprincípios democráticos, dentro de espectropolítico amplo e representativo das forçaspolíticas latino-americanas. Neste sentido,o Parlatino é um dos poucos foros políticosda América Latina que permitem um

intercâmbio através das fronteiras nacionaise sub-regionais, entre partidos de diferenteorientação ideológica, procedentes detodos os países.

Em resumo pode-se dizer quea experiência com parlamentostransnacionais na América Latina não émuito alentadora, pois eles têm sido forosinsignificantes, chegando mesmo a servirde refúgio seguro a políticos perseguidospela corrupção praticada nos seus países,como no caso do Parlacen.

Desde o início os parlamentostransnacionais tiveram o apoio da entãoComunidade Européia, que lhes ofereceuassistência técnica e co-financiamento.Esses vínculos inter-regionais se refletematé hoje nas Conferências bienais entreo Parlamento Europeu e o Parlatino. Oprimeiro desses encontros teve lugar

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em 1974, e o último deles em maiode 2003, em Bruxelas. Houve tambémintercâmbios e reuniões esporádicas entreo Parlacen e o Parlandino, instituiçõescom as quais o Parlamento Europeuassinou também acordos de cooperação.Embora os resultados desses encontrosentre parlamentares europeus e latino-americanos sejam modestos e passemdespercebidos, continuam a ser forosimportantes para promover o diálogoentre as regiões. Ao mesmo tempo, ainfluência européia tem sido uma

referência importante para a integraçãolatino-americana, seguindo muito de pertoo exemplo europeu, enquanto os EstadosUnidos favorecem uma abordagemestritamente comercial no processode integração. De um lado, a forteorientação para o modelo europeu, porparte dos três parlamentos transnacionaisda América Latina (precursores de umpossível Parlamento do Mercosul) osconverteu em interlocutores idôneosdo Parlamento Europeu; de outro, esseeurocentrismo reduziu sua legitimidade eoperacionalidade na América Latina, umavez que nenhum dos três parlamentostransnacionais foi ajustado às circunstânciase peculiaridades regionais. Levando emconta essas experiências, devemos esperarque o Mercosul não cometa os mesmoserros, mas que, ao contrário, busqueum caminho próprio, independente eadaptado às circunstâncias do seu contextoregional.

4. Institucionalidade e dimensãoparlamentar no Mercosul

O Tratado de Assunção que criou oMercosul, em 1991, prevê a criação deum parlamento supranacional em data nãodeterminada, estabelecendo, no Artigo 24,

a Comissão Parlamentar Conjunta, primeiropasso para um futuro poder legislativotransnacional, sem especificar com muitaclareza suas funções e competência (naverdade o Tratado constitutivo do Mercosulé um instrumento bastante sucinto, depoucas páginas). O Regulamento Internoda Comissão Parlamentar Conjunta foiaprovado também em 1991; posteriormente,o Protocolo de Ouro Preto, de 1994,especifica a estrutura institucional doMercosul, incluindo a competência dosseus principais foros. Embora a Comissão

Parlamentar Conjunta seja consideradaum órgão principal do Mercosul, assimcomo o Foro Consultivo Econômico eSocial, ela não tem qualquer capacidadedecisória nem exerce funções de controlelegislativo. Tanto a Comissão como oForo são instituições “deliberativas”,que podem formular recomendações e“acompanham” o processo de integração,sem dele participar diretamente. Alémdisso, a Comissão não constitui umparlamento regional transnacional, mascontinua a ser um foro determinado porinteresses parlamentares nacionais. Assim,um primeiro passo para promover umaentidade comum além do âmbito nacionalconsistiria em criar grupos parlamentaresintegrados por deputados de correntespolíticas similares.

Como não existe propriamente um

“direito do Mercosul”, as funções e acompetência da Comissão ParlamentarConjunta se limitam à formulaçãode recomendações e decisões nãovinculantes. Entre outras tarefas, cabeà Comissão encomendar estudos sobreo processo de integração e organizarseminários sobre o tema. Além disso, elafez um importante trabalho de compilaçãode todos os textos legislativos do Mercosul,

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das causas do seu pequeno impacto noprocesso de integração é sua competêncialimitada, o caráter de foro de interessesnacionais e a ausência de capacidadedecisória e de mecanismos de sanção.A consciência dessedeficit fez com quese considerasse atualmente converter aComissão em um genuíno parlamentoregional, para contar com uma instânciade controle democrático das instituiçõesdo Mercosul. Essa idéia foi levantada peloPresidente Luiz Inácio Lula da Silva, doBrasil, que declarou:... deveríamos insti-

tuir um parlamento do Mercosul, eleitomediante o voto direto dos eleitores dosnossos países. Faremos assim com que oscidadãos participem do processo de inte-gração regional, dando-lhe mais força elegitimidade.”

O aprofundamento institucionalcorresponde ao fato de que o processode integração está ganhando densidadee complexidade, abarcando uma ampla

gama de temas de cooperação. A ComissãoParlamentar Conjunta está avaliando ospassos necessários para criar um poderlegislativo comum, que no futuro contariacom deputados eleitos diretamente peloscidadãos dos Estados-Membros. Comono caso do Parlandino e do Parlacen,o Mercosul decidiu também, mais deuma década depois da assinatura doTratado constitutivo, a futura incorporaçãodo Poder Legislativo ao processo deintegração. A criação de um Parlamentodo Mercosul poderia cumprir quatrofunções importantes: a) inaugurar, naintegração, uma dimensão democrática,de caráter partidário; b) estimular a futuraunião política como meta ambiciosado Mercosul; c) criar um órgão decontrole democrático das instituições daintegração (até aqui predominantementeintergovernamentais); e d) representar um

fator de legalidade para dar seguimentoao processo de incorporação de normas(levando em conta que até hoje não maisde 35% do “direito do Mercosul” foiincorporado às legislações nacionais).

No nível técnico, a criação de umParlamento do Mercosul exige uma sériede decisões prévias para definir um sistemaeleitoral comum sobre os seguintes pontos:• o número de deputados por país,• a extensão do seu mandato,• a definição da(s) data(s) do sufrágio

universal,• a definição das funções e

competências,• a instalação ou não de uma sede

permanente,• sua relação com as outras instituições

do Mercosul e com os parlamentosnacionais.No contexto desse debate, autores

originários de países do Mercosul, comoGerardo Caetano e Rubén Perina (2003:318-9), apresentaram propostas concretaspara preparar um parlamento regionaleleito diretamente pelos cidadãos, median-te um futuro Protocolo de Eleições eRepresentação. Nessa agenda, esses auto-res consideram fundamental esclarecer a“questão delicada” da proporcionalidadena futura assembléia parlamentar, e arepresentatividade dos Estados pequenos.A solução para esse dilema não seráfácil: o mesmo número de deputados porpaís e as decisões tomadas por consensorepresentariam uma desvantagem para ossócios maiores (particularmente o Brasil),enquanto a proporcionalidade absoluta,baseada no número de habitantes, prova-velmente seria inaceitável para os paísespequenos. Não obstante, como a experiên-

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cia do Parlamento Europeu pôde demonstrar,existem fórmulas para resolver esses dile-mas. Outro desafio será o da representa-

tividade regional no futuro Parlamentodo Mercosul, ou seja, a decisão de adotaro modelo unicameral ou o bicameral. Omais lógico seria optar por uma só câma-ra, seguindo o exemplo de outros parla-mentos regionais. Ao reunir-se em uma sóCâmara, e levando em conta que os futu-ros deputados do Parlamento do Mercosulseriam eleitos diretamente pelos cidadãos,pela sua estrutura, essa assembléia sub-regional atuaria futuramente como umautêntico foro parlamentar supra-nacional.Não obstante, para exercer essa função, acompetência do Parlamento do Mercosuldeveria incluir instrumentos eficazes parasupervisionar, controlar e legislar o proces-so de integração. Sem essa competência,e sem que haja um verdadeiro “direitodo Mercosul”, esse Parlamento correria orisco de ser apenas mais um foro de debateentre parlamentares latino-americanos.

A criação de um futuro Parlamentose enquadra em uma reforma institucionalmais ampla do Mercosul. Diferentementede outros processos sub-regionais de inte-gração, o Mercosul criou uma estruturainstitucional “ligeira”, pragmática e inter-governamental. Seus principais órgãos decoordenação são o Conselho, o Grupo deMercado Comum, a Comissão Comercial eos dois foros deliberativos: CPCD e FCES.Na medida em que progride a integra-ção entre os Estados-Membros, incluindotanto temas comerciais como políticos,sociais e de segurança, a estrutura doMercosul foi sendo ajustada. Após umlongo período de retrocesso e estancamen-to, o Mercosul foi reativado com a criaçãode três órgãos adicionais, com incipien-tes funções supranacionais: a SecretariaTécnica, em Montevidéu, o Tribunal deApelação Permanente, em Assunção, e a

Comissão de Representantes Permanentes,sediada também em Montevidéu.

Cabe lembrar aqui que a experiênciada Comunidade Andina, e também doParlamento Europeu, mostra que dispersaras sedes das instituições, localizando-asem cidades e países diferentes, não é umaestratégia muito acertada, pois eleva tantoos custos logísticos como os problemasde coordenação. No entanto, tudo indicaque, assim como a Comunidade Andina,o Mercosul adota também esse modelo.Assim, a Secretaria Técnica e o Comitê

de Representantes Permanentes estãosituados em Montevidéu; o futuro Tribunalde Apelação estará sediado em Assunção;e os demais órgãos não dispõem de sedepermanente, reunindo-se em diferenteslugares. Para reduzir os custos financeirose logísticos, seria recomendávelcentralizar as instituições no mesmo lugar,preferentemente em um país pequeno,com estabilidade institucional e política.

5. Lições da Europa e da AméricaLatina para o futuro Parlamentodo Mercosul

Antes de criar um Parlamento doMercosul, seria fundamental iniciar umdebate sobre outras experiências comparlamentos regionais ou sub-regionais. Areferência mais importante é, sem dúvida, oParlamento Europeu, mas será igualmenteinteressante aprender com os poderes

legislativos transnacionais já existentes naregião.A experiência latino-americana

mostra uma série de erros e de riscos quedeveriam ser evitados pelo Mercosul:• Se não houver uma vigorosa vontade

política de todos os participantesno processo de integração, umparlamento regional pode converter-se em foro totalmente irrelevante.

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• A debilidade institucional inerentedos Estados-Membros estará refletidatambém em uma assembléia par-lamentar conjunta. Um parlamentotransnacional não pode compensaras deficiências institucionais dos par-lamentos nacionais. A qualidade dademocracia e o poder parlamentar,no âmbito transnacional, dependemda qualidade da democracia e dospoderes parlamentares no âmbitonacional (ver Combes 1999: 18-19).

• Um parlamento regional só podeexistir em conjunto com outros órgãossupranacionais ou semi-supranacio-nais de integração.

• Para serem efetivos e para poderinfluenciar o processo de integração,os poderes legislativos transnacionaisrequerem funções de controle sobreoutros órgãos de integração e sobreos parlamentos nacionais. Quandosó podem adotar Resoluções nãovinculantes, mal terão um impactoperceptível.A despeito das peculiaridades do

desenvolvimento institucional da UniãoEuropéia e do Parlamento Europeu, é pos-sível chegar a algumas conclusões aplicá-veis a um futuro Parlamento do Mercosul:• O processo da ampliação das atri-

buições do Parlamento Europeu não

resultou de um plano original; comefeito, o Parlamento Europeu foi ini-cialmente idealizado como um órgãoconsultivo (ver Maurer 1999: 18).Não obstante, com a passagem dotempo, suas funções foram amplia-das e os seus representantes conquis-taram maior legitimação democráti-ca. Neste sentido pode-se constatarque: “Um traço característico doParlamento Europeu é o fato de que

ele não se considera como parteacabada de um sistema institucionalperfeito, mas como um elemento decomposição que exige uma evoluçãoou até mesmo a sua transformaçãoem algo diferente” (Corbett 1998:368). Desta perspectiva, a futuraevolução institucional da ComissãoParlamentar do Mercosul deve servista como um processo em aberto.É preciso recordar que o ParlamentoEuropeu começou também comouma assembléia legislativa nomea-

da pelos parlamentos dos Estados-Membros, e que os representantesindicados para o Parlamento Europeuguardavam suas funções nos respec-tivos parlamentos nacionais.

• Levando em conta as diferentesfunções ou atividades atribuídas aoParlamento Europeu ao longo dasua história – como foro de debate,as funções legislativa e de gover-

no e as de co-participação e influ-ência na tomada de decisões dosórgãos executivos de União Européia(ver Schmuck 1989) – atualmentea Comissão Parlamentar Conjuntadesempenha, no máximo, a funçãode foro de debate.

• O Parlamento Europeu é parte detoda uma estrutura supranacional, eo seu desenvolvimento institucional

foi estimulado e governado pelosprogressos ocorridos no processo deintegração econômica e política: pelacobertura cada vez mais ampla dodireito comunitário e do reforço dasestruturas supranacionais no âmbitode governo da União Européia (porexemplo, a tomada de decisões pormaioria qualificada, no Conselho).Desta forma, o desenvolvimentoinstitucional do Parlamento Europeu

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se realizou cada vez mais em umcaminho já prefigurado pelas deci-sões adotadas no âmbito dos gover-

nos.• Os progressos com respeito às atri-buições do Parlamento Europeu sederam no contexto de uma intera-ção triangular entre a Comissão, oConselho e o próprio Parlamento.Como instituição supranacional,a Comissão foi muitas vezes umaaliada do Parlamento Europeu, fun-cionando ademais como mediadoraentre o Parlamento e o Conselho. NoMercosul, com as instituições hojeexistentes, um parlamento suprana-cional entraria em confronto diretocom os órgãos intergovernamentais.

• A necessidade de uma maior legiti-mação dos procedimentos das deci-sões comunitárias depende da cober-tura do direito comunitário. Umaassociação basicamente econômi-ca como é o Mercosul não precisa

necessariamente de ter uma legitima-ção processual, podendo bastar umalegitimação por rendimento (output- oriented legitimacy )5.

• A ampliação das atribuições doParlamento Europeu foi influenciadapela delegação de soberania a insti-tuições supranacionais, o que provo-cou (conforme a percepção de umaparte importante das elites políticasnacionais), umdeficit de legitimaçãodemocrática (ver Rittberger 2003).Esse foi o ponto de partida parauma ampliação das atribuições doParlamento Europeu, como tambémpara uma mudança nos mecanismosadotados para a eleição dos deputa-dos (de eleição indireta para direta).É necessário salientar que, no casodo desenvolvimento institucionaldo Parlamento Europeu, foi muitoimportante a atitude assumida pelas

elites políticas a favor de uma maiorlegitimação democrática. Por outrolado, os parlamentos nacionais não

se opuseram à criação e fortaleci-mento de uma assembléia parlamen-tar supranacional. Teria sido igual-mente possível defender um cami-nho alternativo, reforçando o papeldos parlamentos nacionais comoórgãos de controle das instituiçõessupranacionais (ou dos representan-tes nacionais nessas instituições). Nocaso do Mercosul será preciso com-provar que os Congressos nacionais

estão realmente dispostos a criar eceder competência a um Parlamentosupranacional.

• Qualquer progresso na integraçãoeconômica e política do Mercosulque amplie o papel de um parlamentosupranacional precisaria definirigualmente a função dos parlamentosnacionais na estrutura institucional daassociação regional. Assim como naUnião Européia, os cidadãos devem

identificar-se primordialmente com oseu próprio país, antes do Mercosul,e a política receberá sua legitimaçãoprocessual principalmente noâmbito nacional. Com uma estruturade decisão mais diferenciada ecomplexa, o Mercosul enfrentariaos mesmos desafios propostos por“um parlamentarismo de múltiplosníveis”, que desde os anos noventavem sendo objeto de discussão na

União Européia.• Parece pouco provável que o desen-volvimento institucional da ComissãoParlamentar Conjunta se aproxime,no futuro imediato, da trajetória ins-titucional do Parlamento Europeu,já que no Mercosul existem apenasestruturas supranacionais com inde-pendência e poder de decisão, asquais tornariam necessária a criaçãode algum órgão de controle parla-

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mentar supranacional. No momento,as decisões dos órgãos do Mercosulsão tomadas no âmbito dos governos,

e ratificadas pelos parlamentos nacio-nais. Nesse quadro institucional ésuficiente um órgão consultivo comoa Comissão Parlamentar Conjunta,que poderia funcionar como correiade transmissão entre os governos quese reúnem no Conselho do Mercosule os parlamentos nacionais. Destaforma, os integrantes da Comissãopodem acelerar os processos legislati-vos nos Estados Partes, para a pronta

entrada em vigor das normas emana-das dos vários órgãos do Mercosul.Ao mesmo tempo, podem remeteras recomendações dos parlamen-tos nacionais para o Conselho doMercado Comum, por intermédio doGrupo Mercado Comum.Tomando como base o desenvol-

vimento institucional do ParlamentoEuropeu, quais poderiam ser os cenáriosfuturos para a criação de um Parlamentodo Mercosul? Poderíamos imaginar umParlamento eleito por sufrágio universaldireto, que contaria com maior legitimida-de democrática, aumentando a identifica-ção dos cidadãos com o processo de inte-gração regional. O desenvolvimento insti-tucional ocorrido no Parlamento Europeu,depois da eleição direta, demonstra queum parlamento supranacional com umabase própria de legitimação poderia pro-mover sua identidade institucional. Comoo Parlamento Europeu, um Parlamento doMercosul poderia aproveitar ao máximoa institucionalidade vigente. Mas os pro-gressos possíveis dependem desse quadroinstitucional vigente. Seria possível insti-tuir uma classe parlamentar transnacional,impulsionando os presidentes dos paí-ses-membros do Mercosul e os ministrosempenhados nos diferentes órgãos doMercosul a avançarem no processo de

integração e a ampliarem as atribuições doParlamento do Mercosul, mas esse cenáriosó será viável se houver vontade política

de progredir na integração econômica epolítica por parte dos países-membros, oque implicaria ceder soberania a órgãossupranacionais. Não teria sentido criar umparlamento adicional despido de funçõesreais. Atualmente, os parlamentos nacio-nais são avaliados muito negativamentenas pesquisas de opinião pública realiza-das na América Latina. Qualquer parla-mento supranacional teria que enfrentarum grande ceticismo por parte da cidada-nia, que tenderia a vê-lo como mais ummecanismo inventado pelos políticos paraenriquecerem à custa dos seus eleitores.Em um cenário ainda pior, o Parlamentodo Mercosul poderia ser confrontado pelodesinteresse geral; como acontece com oParlamento Europeu, que apesar da sualegitimidade democrática direta e das suasatribuições ampliadas é mal percebidopela opinião pública e não é apreciadopelos cidadãos europeus.

Em suma, tudo indica que falta aindaum longo caminho para que o Mercosulpossa por em funcionamento um poderlegislativo transnacional que sirva de vín-culo entre democracia e integração. Valelembrar que a instalação do Parlacentomou também mais de cinco anos, daformulação da idéia até a sua implementa-ção. No caso do Mercosul, foi o PresidenteLuiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, que emjaneiro de 2003, no princípio do seu man-dato, sugeriu a criação de um Parlamentodo Mercosul para aumentar a participaçãodos cidadãos no processo de integração.Cabe esperar que essa idéia seja levada àprática com a possível brevidade, e que ofuturo Parlamento do Mercosul não sejademasiado ambicioso e, por outro lado,não se torne desde o princípio um foroirrelevante.

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Nota biográfica:Susanne Gratius: Cientista política, responsável pela América Latina no Stiftun

Wissenschaft und Politik (SWP) (Instituto Alemão de Política Internacional e Segurança).E-mail: [email protected]; homepage: http://www.swp-berlin.org/forsch

forscherprofil.php?id=1344&PHPSESSID=32c67472ae315f6bbf3a191664a6560dDelfet Nolte: Cientista político, Subdiretor do Instituto de Estudos Ibero-Americanos

Hamburgo; professor na área de estudos latino-americanos e de ciência política na Universidade de Hamburgo. Áreas de investigação sobre a América Latina: reforma do Estadodescentralização; sistemas políticos; parlamentos; direitos humanos; eleições; relaçõesinternacionais (Alemanha-América Latina; União Européia- América Latina); relações cívicmilitares. E-mail: [email protected]; homepage: http://www.duei.de/iik/show.php/de/contemitarbeiter/nolte.html

NOTAS1 Para comemorar esse aniversário foi publicado um número especial da revista Journal of Common Market Studies, intitulado“The European Parliament at Fifty“ (vol. 41 (2003), n. 22

Assim, por exemplo, nos anos 1970, o Parlamento Europeu apresentou em média menos de mil questões escritas e menos de500 orais, por ano. Depois da eleição direta, nos anos 1980, foram apresentadas em média 2250 questões escritas e cerca de1000 orais, anualmente. Além disso, as audiências públicas das comissões parlamentares permanentes aumentaram de duas porano, entre 1974 e 1979, a vinte por ano no período 1980-1989 (Corbett 1998: 124-5).3 Até julho de 2002, foram submetidas ao Parlamento Europeu 602 propostas legislativas, no quadro do procedimento de co-decisão; destas, 417 concluíram a tramitação legislativa. Em 65 casos, o Conselho não conseguiu por-se de acordo, e cincopropostas foram finalmente rejeitadas pelo Parlamento. 348 das propostas legislativas resultaram em decisões conjuntas doConselho e do Parlamento: em 236 casos sem entrar em processo de conciliação, e em 112 com base em proposta do Comitê deConciliação. Além disso, o Parlamento Europeu participou em 2.566 procedimentos de consulta, em 163 casos de consentimentoe 448 procedimentos de cooperação – mecanismo que deixou de existir (Maurer 2003:232-4).4 Cada ano mais de cinco mil dessas perguntas são apresentadas por escrito pelos deputados ou grupos parlamentares.5 Com relação à diferença entre “procedural legitimacy“ e “output-oriented legitimacy“ ver Scharpf (1999).

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Fragilidade da Democraciado Parlamento

Contemporâneo

* BONIFÁCIO DE ANDRADA

Os avanços tecnológicos e osnovos patamares sócio-econômicos queimportantes camadas populacionais doprimeiro mundo estão atingindo vêmprovocando generalizadas repercussõesna sociedade e, sobretudo, nas instituiçõespolíticas.

Uma das áreas em que a sociedadeprojeta suas maiores preocupações, atravésdos seus setores mais expressivos, selocaliza nos mecanismos da democracia,que precisam alcançar eficiências maiorespara conter demandas sociais, as maisdiversificadas, que resultam dos novos

* Deputado Federal

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aparatos tecnológicos de que dispõe ohomem moderno.

Mas, se esses avanços tecnológicosestão presentes em vários paísesdesenvolvidos, exigindo mudanças eurgentes adaptações, a maior parte domundo, vítima das investidas negativasda globalização, começa a ser cada vezmais inserida em processos políticosgovernamentais de forte tendênciaautocrática ou mesmo ditatorial.

O quadro do mundo, portanto, oferece

alguns ângulos sombrios para a democracia,pois que a tecnologia da globalizaçãoexige dos países desenvolvidos novasinstrumentalizações democráticas paradireitos e garantias de bem-estar dopovo, enquanto que, em grandes parcelaspopulacionais do planeta, os mesmosindicativos globalizantes provocam sériasdeficiências para as técnicas governativasque se baseiam nas liberdades públicas.

A democracia, portanto, precisaser reconstruída e, logicamente, a suainstituição básica, o Parlamento, há deser reestruturado dentro dos postulados emecânicas novas que possam colocá-losob inovadores imperativos de respostaspolíticas adequadas ao nosso tempo.

A representação popular – que osromanos de certa forma forjaram em seusprimeiros lances e que as instituiçõesinglesas, na metade do milênio, vãopromover com artifícios eficazes deque se valerá a Revolução Francesa nassuas alternativas democráticas, como constitucionalismo do século XIX – exige, em nossa época, uma busca demodelos institucionais que correspondamà complexidade, ao pluralismo, àheterogeneidade, ao participacionismoe às conscientizações ecológicas e

planetárias que se desdobram no cenárioem que vivemos.

Todavia, a problemática há de serenfrentada com uma procura teóricacapacitada para viver e sentir os dadospouco conhecidos que, surgidos em nossosdias e compondo novas circunstâncias,pouco são entendidos e apreendidospelas principais lideranças responsáveispelas soluções desta ordem social, tãoefervescente no cenário hodierno.

Cremos que, inicialmente, há que

se compreender os termos abstratos daessência da democracia que possui, noâmago da sua mensagem, valores bíblicosa que se refere o ensinamento notável deBergson, mas que se completa nos seuscondicionamentos práticos com a visãode Lincoln e de Duguit, quando aqueledefine a democracia como o governo dopovo, pelo povo e para o povo, ou comogoverno dos governados, exercido pela

representação dos governantes, segundoaquele outro.Respeito total ao ser humano e

exercícios predominantes dos homens comogovernados, delegando a alguns desses aresponsabilidade de governo: parece-nosque nesse núcleo de entendimento sesitua a essência política da democracia.E, partindo dos termos desta nucleaçãoda essência democrática é que devemos

repensar a democracia diante da fragilidadeque as forças sociais lhe impuseram notempo atual, repercutindo na sua principalinstituição que é o Parlamento, hoje tãoenfraquecido diante de elementos redutoresda sua plenitude.

Na realidade, em todo o mundo,os impulsores da tecnologia alteraram demaneira espetacular o ambiente psicos-social, onde os processos televisivos e a

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das bem armadas contra os titulares davida pública, os políticos, consideradosdeturpadores e dificultadores do processode desenvolvimento segundo o tecnocra-cismo dominante e agressivo.

Há também, no meio dessa men-cionada complexibilidade, atores novosque passam a assumir lugares de desta-que nesse ambiente dos nossos dias, quesão as entidades transnacionais, super-nacionais, formalizadas ou não, ou quepressionam sob construção globalizante

as diversas nações, geralmente ferindoelites ou classes políticas, quando aquelasimpõem roteiros perturbadores da estabili-dade social de qualquer país.

Também nessas situações, estranha-mente, o Parlamento e os Partidos Políticosconstituem objeto de maior crítica e rejei-ção por parte dos titulares tecnocráticos dogoverno.

Outro elemento a se considerar nessecenário planetário de problemas, em rela-ção ao Parlamento e aos partidos políticos,encontrar-se-á na sistemática de governoadotada pela nação. Indiscutivelmente, oregime parlamentarista de Governo é umauxiliar influente para a vivência demo-crática, enquanto que o presidencialismocontém dentro de si, a todo instante, umavocação autocrática, sempre voltada para

as exceções institucionais em que se feremas liberdades públicas.Nos países mais civilizados, de um

modo geral, prevalece o parlamentarismo,mas nas Américas e nas áreas mais atrasa-das do mundo, logicamente, há prioridadespara o presidencialismo, que comumenteé deturpado por governantes de exercícioditatorial.

As Américas, sobretudo os paísesdo Caribe e do Continente Sul, vivem nes-tes últimos anos, agora alimentados pelatecnologia e pela globalização, situaçõesexpressivamente autoritárias, em que asConstituições contém técnicas excepcio-nais de decisões autocráticas que passama ser utilizadas no dia-a-dia, como ocor-re no Brasil com as chamadas “MedidasProvisórias”. Há de se incluir, neste mesmoquadro, a projeção de chefes de Estadoque, pela sua vocação autoritária, passama dominar o mundo político em detrimen-

to das representações democráticas, comode certa maneira ocorre com o atual presi-dente norte-americano.

Concomitantemente com esses diver-sificados condicionamentos, há ainda, emmuitos países, outras formas de predomi-nância dos governantes em detrimento dosgovernados, devido ao excesso de centra-lização político-administrativa em favordas prerrogativas do poder executivo, com

reflexos nos mecanismos da Democracia,que necessitam fortalecer os governadosquando estes, esquecidos e ignorados,ficam longe dos centros de decisões insti-tucionais.

Quando temos diante de todos nósessas questões acima, verifica-se, logica-mente, que o fortalecimento da democra-cia, do Parlamento e mesmo dos partidospolíticos que sustentam tal sistema encon-trará o seu encaminhamento eficiente separtirmos de um novo raciocínio, de umrepensar descritivo referencial da demo-cracia, focalizando, primeiramente, osseus dados básicos acima indicados.

Democracia são os valores evangé-licos na filosofia bergsoniana, que identi-fica tal regime político com os ensinamen-tos do cristianismo. Democracia é governo

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que se envolve e se submete às dinâmicasdo povo na pregação lincolniana; e demo-cracia também há de ser um esquemaprático em que se deve institucionalizar apredominância dos governados, o povo,em relação aos governantes no modelopolítico visualizado por Duguit.

De início, portanto, a reedificação daDemocracia, segundo o postulado evan-gélico, resultará no combate ao crime eàs infrações pecaminosas que, em nossosdias, são momentos cruéis como o terro-rismo, a corrupção, o tráfico de drogas,além das violências e da miséria no seiode parcelas territoriais do planeta. Mashá que se edificar instrumentos para quese possa ouvir melhor e dialogar commais desenvoltura com o povo, fora doimaginário doutrinário atualmente exis-tente. Nas comunidades maiores, cidades,bairros e vizinhanças impõe-se a criaçãode inovadoras técnicas de fortalecimentodos governados, sobretudo por intermédiodos partidos políticos e, em especial, doParlamento, com processos psicossociais etecnológicos capazes de anular a neblinaou nevoeiro midiológico, impedindo-se aalienação e a anestesia política generali-zada em favor de grupos de poder e deatores novos da globalização.

Não se pode, pois, isolar do conceitode democracia o Parlamento, que conti-nua sendo o núcleo e o coração da vidademocrática para corresponder às exigên-cias do regime de liberdade.

A sociedade precisa valorizar, paraviver sob o regime dos povos livres, oplenário parlamentar, em que as grandesquestões são conhecidas e esclarecidas,tendo em vista o apoio às prerrogati-vas populares e impugnação às infraçõestormentosas de desrespeito ao decálogo

evangélico, o qual constitui um permanen-te modo de pensar, conjunto de elencos dosubconsciente humano, um dado natural eperene para o comportamento em todos osmomentos históricos.

Mas, além deste posicionamento dereação contra os males sociais e políticos,a sociedade, no Parlamento, encontra umcampo de debates e de discussões dasquestões concretas que lhe dizem respeito,diante das escolhas políticas e administra-tivas, em face das encruzilhadas com quea comunidade se depara, para a soluçãoda problemática sócio-governativa que lheafeta.

Ao lado disso, o Parlamento, psicos-socialmente falando, é a transmissão, a pre-sença, o comparecimento dos reclames ereivindicações populares, enfim, a vozdo povo por delegação deste, o que, emnossos dias, não ocorre como no passado,o que evidencia os seus aspectos deficitá-

rios que o impregnam de fragilidade, poisnão mais corresponde ao engajamento, àsexigências, tendências, apelos, inquieta-ções, reclames, preocupações maiores emenores, ditames de toda espécie que apopulação, como povo, vive e incorporano seu dia-a-dia, no seu cotidiano.

É nesse ângulo lincolniano de ins-trumentação do regime através da técnicainstitucional parlamentar, que os nossos

dias revelam falhas de inépcia na enti-dade legislativa, com reflexos negativospara o modelo de liberdade política. E, namedida em que esta dinâmica lincolnianase enfraquece na sociedade, há reflexosperigosos na ordem social, pois que avisão de Duguit começa a perder o seusentido, afastando-se os governados, isto é,o povo, dos centros de decisão, emergindocada vez mais fortes as ações autoritárias

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dos governantes no que desregulamenta oambiente da democracia, enfraquecendoo seu conteúdo e permitindo a expansãodos agentes governantes sob clara vocaçãoautocrática.

Não se pode raciocinar, portanto,sobre a problemática do Parlamento e desua fragilidade sem valer-se das conceitu-ações de Bergson, Lincoln e Duguit, trêspensadores que alimentam elevados pata-mares do saber na filosofia, na prática polí-tica e no direito público clássico e, ainda,sem se utilizar de uma visão de inspiraçõesfenomenológicas, partindo da realidadeviva da democracia atual nas diversascomunidades nacionais do nosso tempo,e abstraindo os principais dados da suaessência para repensá-la e, sob retificaçõesconcretas, reconstrui-la com apropriadascondições existenciais para o século XXI.

De fato, os três pensadores nos reve-lam, como acima nos referimos, três ângu-

los essenciais da composição democrática,da sua substância, para construir, partindode suas referências básicas, as instituiçõesnecessárias e correspondentes às nossasaspirações, todavia, reaparelhadas, reati-vadas e repreparadas para confrontarem-secom as incertezas, incoerências, disparida-des e marcas enigmáticas que dominam onosso presente e mais ainda o futuro.

O Parlamento, para acudir a demo-cracia em nossa época, precisa edificar-sesob rigorosas formas que venham a supe-rar suas acrescidas fragilidades, para ser oplenário dos debates informativos da vidagovernamental, apontando erros, deficiên-cias, corrupções, irregularidades, defeitos,vícios e deturpações, sobre uma arenaem que os gladiadores da representaçãopopular possam lutar contra tais demôniossociais que invadem o seu solo, com

o fim de anular os delegados do povo,procurando imobilizá-los e desmoralizá-los.

Outro problema básico é o da for-mulação de técnicas eleitorais capazes depurificar a representação parlamentar, nãosó nos aspectos éticos de seus integrantes,contudo, ainda, nos ângulos de eficiênciae conhecimentos da coisa pública que pre-judicam a eficiente ação política e admi-nistrativa.

Mas não basta, porém, a existência

de uma arena plenarial com bons gladia-dores para combater as feras da corrupção,da prevaricação, da ineficiência e da inca-pacidade. Impõe-se, ainda, que a arenaparlamentar tenha ressonância no seio dopovo para que esse possa ocupar as gale-rias maiores e expansivas, e venha a seintegrar, vendo e acompanhando, aplau-dindo ou não, porém com pleno conhe-cimento das atitudes e do comportamento

dos representantes do povo, em face dasmaiores questões nacionais e das menores,de interesse comunitário.

E esta é outra problemática, pois atecnologia dos veículos de comunicação edas informações conduz os acontecimen-tos em desfavor, comumente, do verdadei-ro noticiário democrático.

Se as tecnologias das informações sesubmeterem aos interesses da tecnocraciapública ou empresarial, de vocação auto-crática, através dos nevoeiros midiológicosimpedirá o povo de acompanhar, de obser-var e analisar as atitudes parlamentares eos debates decorrentes do convívio destesna representação popular. Também aí afragilidade do Parlamento pode resultar nasua anulação sob reflexos antidemocráti-cos perigosos, em que o predomínio datecnocracia pública e empresarial, de nível

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nacional ou internacional, deturpará os ali-cerces do regime de liberdade, reduzindoa capacidade do Parlamento em favor deinteresses pouco confessáveis.

Não haverá, assim, a dinâmica lin-colniana, criadora da substância concretada democracia, em detrimento da influ-ência da população no encaminhamentodas coisas públicas. Por outro lado, ademocracia é governo dos governados,onde há predominância do povo. Ora, seo povo não tem condições de se articularcom o Parlamento em virtude das distor-ções das tecnologias de informação, se elenão pode estar presente, através de seusdelegados, na participação decisória dasgrandes tomadas de posição do gover-no, dificilmente haverá a predominânciademocrática da sua presença e do seucomparecimento para influir e pesar naescolha de diretrizes do governo, caindo,assim, a titularidade dos governados a umplano de insignificância política.

Tudo isso nos obriga a repensar ins-titucionalmente a democracia através doParlamento, para que se possa, com urgên-cia, superar estas complexidades que difi-cultam a instituição e o regime.

Verifica-se, para tanto, que a sistemá-tica de escolha dos representantes do povoe a formação dos partidos devem obedecerregras atualizadas, que venham a fortalecer

estes e permitir a melhor escolha daque-les, em favor de delegados populares, decomportamento ético, vinculação com acomunidade e preparação intelectual quesatisfaça o enfrentamento dos obstáculoscomunitários e nacionais de nossa época.

Há que se anularem as possibilida-des de nevoeiro midiológico, que resultaem pleitos presidenciais do tipo Collor,permitindo-se um entendimento informa-

tivo maior para o povo, o que os partidosrealmente com bases populares e núcleospolíticos locais poderão alcançar atravésde lideranças básicas e de engajamentocom o povo.

Mas, ao lado destes influentes con-dicionamentos, novos modelos ao lado doParlamento precisam ser instituídos paraque a presença do povo se transforme emfator real de manutenção democrática, emque o cidadão possa fazer valer os seusdireitos diante de uma burocracia insu-portável, que arma fiscais do fisco comapetrechos violentos e agressivos contraos pequenos comerciantes e correlatossegmentos sociais, enfraquecendo, ainda,a cidadania, diante dos outros tipos deagentes públicos sanguinolentos da áreada previdência, do policiamento geral eespecializado, da área de vários serviçospúblicos, que se alinham no desfavor eno desrespeito revoltante aos direitos dosintegrantes da população, muitos de con-dições humildes, e poucos alfabetizados,de variadas regiões.

Estas medidas institucionais, todavia,só podem ser concretizadas se liderançascapazes, partidos reestruturados, sem asesdrúxulas limitações de leis conflitantesda Carta Magna, possam de fato atuar comeficiência.

Se mergulharmos na realidade con-creta de diversos países, sobretudo naAmérica Latina, no mundo africano easiático, localizaremos estas deturpaçõesque fortalecem os governantes, no casoibero-americano com largas tendênciasà ressurreição da caudilhagem. Nestasnações, as fragilidades acima se desdo-bram em lamentáveis peculiaridades, emque a vocação autoritária do passado sealimenta diante da fraqueza de parlamen-

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tos pouco integrados ou engajados nasreivindicações populares.

No caso do Brasil, a fragilidade doParlamento decorre de vários fatores, quaissejam aqueles de ordem constitucional, odo enfraquecimento dos partidos no atualsistema eleitoral, as práticas administrati-vas negadoras das próprias leis vigentes, aperigosa situação social da população dis-criminada, além do atual nevoeiro midio-lógico, que tende, em termos genéricos,a fortalecer o Poder Executivo, apesardo problemático quadro político-governa-mental em que nos encontramos.

A Constituição de nosso país foidiscutida e votada numa época desajusta-da, pois que a representação constituinte,ao contrário de se voltar para o futuroe preparar o País para as conquistas doamanhã, voltou-se em termos obsessivospara as práticas dos governos militares quese impuseram à nação, a partir de 1964,

procurando promover medidas que impe-dissem a repetição daquelas, mas, curiosa-mente, por razões pouco decifráveis, man-tendo e alargando técnicas constitucionaise legais perigosas e impróprias para umpaís na busca da democracia.

A forma de Estado adotada inspirou-se muito mais nas engrenagens de gover-nos militares do que nas melhores tradi-ções do Federalismo brasileiro, mantendoos excessos do poder central com todasas atribuições que foram dadas à União, eenfraquecendo as unidades federadas emtermos discriminatórios.

No imenso país como o Brasil, nãohá Federação, mas um poder central que,pela sua fortaleza, domina politicamenteos governadores e as unidades federadas,obrigando indiretamente todos os Partidos,

por terem ligações com as autoridadesestaduais, a se filiarem às bases políticasparlamentares do Governo Federal, aumen-tando, assim, a fragilidade do ParlamentoBrasileiro, limitando as suas manifestaçõeslegislativas.

E essa fragilidade do Parlamento emnosso país é acrescida de uma formaestranha e exagerada, quando analisa-mos, amparados em Loewenstein, os TrêsPoderes da República, o funcionamentode cada um deles e as suas relações insti-tucionais. O Poder Legislativo do Brasil dehoje é o mais fraco de toda nossa históriaconstitucional, deixando de lado a sua ine-xistência durante a ditadura Vargas, quan-do estava fechado, e as limitações drásticasque lhe impuseram os Atos Institucionaisnos governos militares, embora permitindoo seu distorcido funcionamento.

Mas, se analisarmos a Constituiçãode 1988, atualmente em vigor, e a Carta

de 1967, temos hoje um Parlamento maisfrágil diante de um Poder Executivo queagora é mais autocrático que o daque-la época. O chamado “Decreto-Lei” de1967 é menos autoritário que as “MedidasProvisórias” de 1988, e as atribuiçõeslegislativas do Executivo, na atualidade,são superiores em índices autocráticosaos daquela Carta Magna, fruto do hiatoconstitucional do período militar. Ospróprios partidos políticos, embora sob asmalhas estranhas de uma legislação que ostornava matéria de Direito Público, viviamdebates e confrontos de melhor validadedemocrática do que em nossos dias.

A estrutura econômica-financeirainstituída em 1988 nos trouxe falhas de talgravidade que já foi modificada com maisde trinta Emendas Constitucionais, e o sis-tema constitucional tende a enfraquecer,

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neste particular, nossa democracia, porquedá ao Poder Executivo excepcionais com-petências no campo econômico-financei-ro para anular o Orçamento por meiosindiretos e oblíquos. Também as abusivasatribuições que confere aos agentes fis-cais e previdenciários, para extorquir dapopulação tributos e contribuições, permi-tem, ilegalmente, o predomínio de normasregulamentares em detrimento da lei e daConstituição.

Há de se acrescentar, além de tudoisso, que a fragilidade do Parlamento noBrasil também é alimentada pelo poderiodo Executivo na área das informações eda notícia política, impondo às empresasdetentoras dos veículos de comunicaçãoas principais diretrizes do noticiário polí-tico, capazes de construir os perigososnevoeiros midiológicos alienadores dapopulação.

A Constituição de 1988 contém uma

técnica sem precedentes e desconhecidado mundo ocidental no relacionamento dopoder legislativo com o poder judiciário,fragilizando também o Parlamento. No seutexto foi criada uma expressa tutela judi-ciária sobre o Legislativo, enfraquecendo-o por um complexo controle da consti-tucionalidade das leis, que se concretizade forma dupla, utilizando-se ao mesmotempo a técnica da Corte norte-americana

e, ainda, a dos Tribunais Europeus, o quedeteriora a capacidade de produzir a lei e,especialmente, a sua vigência. Não con-tente com tais acúmulos de meios revoga-dores de lei por inconstitucionalidade, aCarta Magna institui uma tutela judiciáriamaior, dando praticamente ao SupremoTribunal Federal a competência de decla-rar nulas as Emendas Constitucionais, poiso constituinte de 1988 alargou os itens

das cláusulas pétreas, permitindo assimeste novo tipo de declaração de “superinconstitucionalidade”. Não fosse o equi-líbrio e a prudência dos ministros doSTF, graves conflitos ocorreriam entre osPoderes, o que no futuro poderá, infeliz-mente, se concretizar.

Perigoso mal que fere as fontes dalegislação, enfraquecedor do Parlamento,constitui, diante de nós, o processo de pro-dução de normas regulamentares, detratordo Poder Legislativo ao se desrespeitargeneralizadamente as leis, substituindo-aspor regras infralegais ou subleis advin-das da tecnocracia atuante e eficiente doPoder Executivo.

Na prática, a lei votada pelo Congressoperde sua vigência, substituída pela normaadministrativa do Poder Executivo, naspráticas do dia-a-dia da Administração.

O fenômeno da subnormatividadelegal entre nós vem, desde os governos

militares, assumindo uma situação queimplementa, em termos permanentes, adeformidade da ordem jurídica, enfraque-cendo a força da lei e a eficiência jurídi-ca da legislação votada pelo CongressoNacional.

É uma curiosa mas triste ocorrência,nestes últimos 30 anos, que a Constituiçãode 88 não soube corrigir e os governos soba vigência da Carta Magna atual não tive-ram a capacidade de retificar. Os governosmilitares, antes da Constituição de 1967,criaram novos tipos de normas legais,como os Atos Institucionais, em nível de leiconstitucional, os Atos Complementares,em nível de leis complementares e osDecretos-Lei, em nível de lei ordinária,mas prestigiaram muito os Decretos, quesão elementos normativos de nível regula-mentar, e iniciaram, juntamente com este

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algumas técnicas infra-regulamentares comcerta força jurídica, como as Resoluções,as Portarias, as Instruções e outros meca-nismos reguladores que, estranhamente,ganharam maior projeção após 1988.

De fato, esta área nos governos mili-tares pouco a pouco deu força aos buro-cratas que, de assessores, se transformaramem técnicos burocratas e, especialmenteno setor econômico-financeiro, assumiramas principais manifestações administrati-vas do governo. Cresceu, assim, no País oseguimento tecnocrático que, no silêncio,se transformou na principal força políti-ca de influências político-administrativasdentro do poder público, com uma lin-guagem ultra-racionalista que coincidiacom o falar e o modo de entender dosmilitares. Esse seguimento tecnocrático,indiscutivelmente detentor de significati-vas informações de interesse público, vaipredominar, embora com menos ênfase,no hiato constitucional de 67.

Todavia reaparece, poderosíssimo,após o golpe de Estado de 1969, com achamada Emenda Constitucional nº 1,daquele ano, mas, o que é estranho, deve-rá se fortalecer mais ainda após o even-to constitucional de 1988, e, graças aotexto analítico e expansivo da Constituiçãodeste ano, consegue se manter assim den-tro do governo central até os dias presen-tes. Influem nas decisões maiores do Paíse encaminham soluções sob esta visãoultra-racionalista, alienada da sociedade,dispondo também de Medidas Provisórias,frutos de seus escritos em diversas áreas,especialmente no campo tributário, fis-cal, previdenciário, e de certa maneira,no educacional e da saúde, conseguin-do implantar “subnormas legais” sob asdenominações conhecidas de portarias,resoluções, etc., que na maioria das vezes

conflitam com as leis ou substituem estasde forma abusiva, e, em certos casos, atésuprimem ou complementam as cláusulasconstitucionais.

O fenômeno antijurídico é estranho,mas há exemplo de contorno patológicode teor atraente para o cientista político.Vejamos: o fiscal ou o agente públicochega diante de um contribuinte ou cida-dão qualquer e lhe apresenta uma portariaou resolução que contraria frontalmentea lei e a Constituição, exigindo-lhe algoe ameaçando-o com multas ou penalida-des perigosas e até mesmo com a prisão.O cidadão se revolta contra a portariaministerial ou departamental, cheia deirregularidades e, de imediato, o agente dopoder público o pune com multas e outrasarbitrariedades.

O cidadão recorre dentro dos trâ-mites administrativos, mas as autoridadessuperiores não recebem o recurso e até“debocham” do “pobre coitado”. O cida-dão contribuinte indignado dá entrada no Judiciário com uma providência enqua-drada plenamente na lei para se defender,com boas bases jurídicas e bom advogado,mas o Judiciário vai demorar de 5 a 10anos para atendê-lo. E assim, na prática,a subnorma ilegal e arbitrária do fiscalda previdência ou tributário, ou de outrosetor do governo, prevalece e predomina,anulando o texto constitucional ou o textoda lei e criando, desta forma, uma volu-mosa e expressiva atividade em detrimentodas leis, isto é, em detrimento da produ-ção legislativa do Congresso Nacional,provocando uma sinistra fragilidade naordem jurídica, de efeitos graves contra oParlamento.

Há em nosso país, ao lado dessesângulos de deficiência, um sistema elei-toral que através do chamado voto uni-

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nominal deturpa e dificulta o processode escolha dos representantes do povo,permitindo o predomínio dos meios cor-ruptivos e da força financeira nas eleiçõesde toda espécie ocorridas entre nós.

Pelo voto uninominal o eleitor, naprática, vota diretamente no candidatoa deputado federal ou estadual, ficandoesquecida e ignorada de todos a impor-tância do partido no processo eleitoral,porque ele se torna, fatidicamente, uminexpressivo artifício da lei.

Quando os partidos eram fortes,antes de 1964, com a UDN, PSD, PTB,etc., o eleitor identificava o candidato coma agremiação partidária, e o pessedista, oudenista e outros comportavam-se partin-do da fidelidade à sua agremiação, paradepois escolherem o candidato. Depoisde 64, os partidos deixaram de ser umfenômeno político para se transformaremnuma instituição jurídica, e isto em tais

termos que o Judiciário intervinha e parti-cipava do funcionamento partidário, sub-metido a uma técnica de estratégia políticados militares que procuravam disciplinaras tendências – subterrâneas, mas, aindavivas – das antigas agremiações (UDN,PSD, etc.) que pretendiam anular, inclu-sive, com providências paulatinas comoa criação das chamadas sublegendas quefuncionavam dentro da ARENA e MDB,

instituídas pelos governos militares. Com o natural enfraquecimentodesses partidos políticos artificiais, ger-minou por todo o País o descrédito quehoje persiste em relação às agremiaçõespartidárias, substituídas silenciosamente,em muitas áreas, por “forças políticas”informais como o seguimento tecnocráticoe outras manifestações como os agrupa-mentos religiosos, etc.

Nesta crise de patologia político-partidária, o voto uninominal dentro dosistema proporcional se transforma numfenômeno de forte realidade sócio-polí-tica, porém, ao mesmo tempo, assumeaspectos de grave deturpação antidemo-crática. De fato, no passado, este sistemaera válido e teve seu sentido, mas agorase transformou numa amarga experiênciapara a democracia.

Entre os aspectos deprimentes da suapresença como instituto eleitoral, basta adescrição dos custos da campanha eleito-ral e dos votos necessários para se elegerum candidato, dados estes que são eviden-tes ao observador.

Atualmente, em Minas Gerais, umcandidato, para ter a sua eleição garanti-da, de um modo geral, necessita de 100mil votos, o mesmo acontecendo no RioGrande do Sul, mas em São Paulo elenecessita de mais ou menos 200 mil votos.Ora, um candidato, para se eleger em plei-tos deste tipo, há de organizar, seis mesesantes do pleito, uma verdadeira empre-sa eleitoral para cuidar das providênciasjurídico-eleitorais, promover dezenas decomícios com shows e outros espetáculos,implantaroutdoors em diversos locais, edi-tar milhões de cartazes pequenos e gran-des. Deverá, ainda, reunir equipes admi-nistrativas dos respectivos trabalhos, paradeslocá-las com veículos e outros meiosvisitando, no mínimo, 50, 70 localidades.

Pessoalmente o candidato deveráalcançar rápida mobilidade de sua presen-ça em muitas áreas de ação para, em deze-nas de cidades e centenas de lugares, fazerreuniões, realizar pesquisas que possamorientá-lo no comportamento de busca devotos, cuidar, inclusive, de sua segurançae da mesma em relação a comícios ereuniões, além de organizar uma eficiente

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equipe de gerenciamento de tudo isso. Esseespetáculo, que é logicamente de elevadís-simo custo financeiro, dificilmente seráacessível a um político de classe média,pois é inviável para as melhores vocaçõesque não tenham atrás de si adequadosrecursos financeiros próprios ou de gruposeconômicos que, por razões específicas,desejam eleger um candidato.

É verdade que há exceções, masdentro do processo do voto uninominalelas tendem a desaparecer para cair numaregra geral em que as Assembléias e aCâmara Federal tornar-se-ão um plenárioinacessível e inviável para aquela grandemaioria de profissionais da classe média,isto é, aquele tipo de homem público combom índice de capacidade e inteligênciapessoal que povoou o Congresso Nacionalaté a década de 80, e com o brilho dosmelhores debates parlamentares de nossavida republicana.

Esse problema é da maior seriedadee a proposta da chamada “Lista Fechada”,ainda sob o sistema proporcional em queo eleitor votará no Partido e este, interna-mente, escolherá a lista de seus candidatospreferidos, politicamente falando consti-tui a solução encontrada e praticada nomundo europeu, como também em paísesdas Américas, com êxito democrático bemsalutar.

Verifica-se, assim, que hoje no Brasiltambém o sistema eleitoral é um dos fato-res de fragilidade do Parlamento que, dia-a-dia, tende a ser ocupado por milionários,por representantes de grupos econômicos,por representantes de seguimentos sociaisfinanceiramente influentes e por compare-cimento episódico de alguns, comumentefrutos do estrelismo da mídia ou das pre-gações religiosas, havendo, logicamente,algumas exceções que não irão perdurar.

Em face destas questões, urge que acriatividade do pensamento político e acapacidade de novas lideranças saibam,em nosso país, promover o revigoramentode nossa democracia e, em decorrênciadisto, do Parlamento, formulando modeloscapazes de exigentes adaptações nas quaisdevam predominar os governados atravésde seus representantes, anulando as mani-festações autoritárias da tecnocracia, supe-rando o “nevoeiro midiológico” que alienao povo, criando formas de maior interco-municação e integração com a população,

mas, principalmente, afastando e punindoa corrupção, as colocações terroristas, achamada advocacia administrativa e impe-dindo a influência de seguimentos empre-sariais inescrupulosos que preponderamna feitura do Orçamento e na sua própriaexecução em face das necessidades doPaís.

Se tais questões são formuladas eobjetos de reflexão diante do quadro bra-sileiro, o que ocorre em outros países,mesmo no mundo ocidental, pelos temase pelas dificuldades sócio-políticas queatravessam, tudo nos revela perigosamenteque estamos diante de um novo século,investido de graves complexidades, deincertezas, de incoerências, de enigmas,de frustrações que infelizmente a Ciênciae a Tecnologia, ao contrário de nos socor-rer, abrem novas arestas e, até porque nãodizê-lo, novos universos de preocupantesindefinições.

É, sob certa forma, curioso o queocorreu com as gerações pretéritas denossos avós do princípio do século XX emrelação ao convívio daqueles que habitamo presente. Havia muito mais, naquelesatores antigos, uma certeza, uma confian-ça, uma visão esperançosa com o porvir ecom o futuro em todos os aspectos da vida,

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ENSAIO

do que hoje quando faltam esperanças àatual geração, que é a nossa, tão cheiade temores com o presente e mais aindacom o futuro. Aliás, a tecnologia, além detudo, aumenta enfaticamente a separaçãodo mundo dos muito ricos, aliás, poucopovoado, e o mundo dos mais pobres, sobexcesso de população, que por razões múl-tiplas, inclusive psicopatológicas, tende aerigir e revigorar as lideranças agressivas,reivindicantes e quase sempre contestató-rias.

A democracia e o Parlamento por-tanto, aquela como regime político e sobcerto aspecto “forma de vida”, e esse outrocomo sua principal alavanca, confrontam-se com esse cenário de sombras tecno-lógicas do futuro, com tantas suposiçõesde riquezas mecânicas e virtuais, mas sobtantas formulações imaginárias negativasou nuvens cinzentas de perigos.

O homem e

o líder moderno,o governante e oestadista coetâneonecessitam alcan-çar informaçõescada vez mais clarasdentro desta com-plexidade e possuiruma inteligênciaativa, mas treina-da para enfrentaresta problemáticacomplexa que dia-a-dia cresce dian-te de todos, avolu-ma-se com riscose obstáculos quenão bastam apenasa intelectualidadehumana resolver,porque necessita, e

muito, da fé em Deus e da presença dosensinamentos evangélicos que aprimoramo espírito humano.

A democracia precisa preexistir, con-tinuar ao lado da sua âncora principal queé o Parlamento, como obra fundamentalpara o convívio humano. Todavia, há derevestir-se de vestuário eficaz e moderni-zante, utilizando as novas ferramentas datecnologia de modo que possa recons-truir-se sob as indicações da sua essênciadecorrentes dos valores bíblicos, do envol-vimento participativo do povo e da pre-dominância da vontade dos governadosatravés dos seus representantes.

Esta é a mensagem que nos deixamos pensadores maiores e a vivência políti-ca da experiência humana.

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BONIFÁCIO DE ANDRADA

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ENSAIO * GUSTAVO FRUET

Processo de Integração dosLegislativos no Mercosul

Em 25 de setembro de 2003, nacidade de Montevidéu, aconteceu oEncontro de Presidentes de Câmaras dosPoderes Legislativos dos Estados Partesdo Mercosul. A organização do evento

esteve a cargo da PresidênciaPro Tempore do Uruguai, da Comissão ParlamentarConjunta e com apoio técnico de suaSecretaria Permanente e da Secretaria doMercosul. A coordenação científica foide responsabilidade do CEDI – Centro deEstudos de Direito Internacional. Tratou-sede iniciativa importante e indispensável

na consecução do projeto sul-americanode integração, particularmente nestemomento histórico em que os legislativostêm a responsabilidade de interagir edebater com seus co-irmãos os rumos dasnegociações da Área de Livre Comérciodas Américas (ALCA).

Do ponto de vista político, a interaçãodos Legislativos está em harmonia comas ações do Executivo, especialmente obrasileiro, que tem tido na pessoa doPresidente Lula um incansável protagonistado processo de integração, em face do

* Deputado Federal

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desafio-benefício que o processo representado ponto de vista histórico, econômico esocial, sem ignorar o trabalho diplomáticorealizado no governo anterior e os ganhosauferidos com a reconhecida inserçãodo país como importante ator no cenáriointernacional.

Se de um lado registra-se oentusiasmo pela realização do evento,preocupa que as discussões de um futuroParlamento do Mercosul não estejam sendoacompanhadas de necessárias reflexões noque concerne às adaptações (modificações)constitucionais indispensáveis, que nospermitam ingressar no processo de igualpara igual, em especial, à necessidade dehaver, expressa na Constituição, autorizaçãopara que o Brasil possa submeter-se aum regime de supranacionalidade. Emoutras palavras, é premente a existênciade norma constitucional autorizativa quepreveja a possibilidade de o país aderir atratados que venham a criar instâncias (ou

instituições) supranacionais.O Paraguai, em 1992, e a Argentina,

em 1994, cuidaram de imprimir as reformasnecessárias ao objetivo integracionista, oque ainda não ocorreu entre nós e nemno Uruguai. A reconhecida assimetriaconstitucional existente entre os EstadosPartes não é apenas uma questãoacadêmica. É, induvidosamente, muitomais do que isso, na medida em que oTratado de Assunção estabelece, em seuartigo 2º, que o Mercado Comum estaráfundado na reciprocidade de direitos eobrigações.

Além disso, quando a Constituiçãoda República Argentina trata do temasupranacionalidade – vale dizer, quandoautoriza que o Estado argentino subscrevatratados que deleguem competência ejurisdição a organizações supra-estatais,

o faz na premissa de que haja dos seusparceiros condição de reciprocidade (inciso24 do artigo 75 da referida Constituição).

É importante avançar no tema dacriação do Parlamento para o Mercosul.Todavia, antes que venhamos a assumircompromissos internacionais cujo méritoé importante, não podemos nos deixarlevar pelo entusiasmo ingênuo da palavra.Eventual proposta nesse sentido deve-sefazer acompanhar de providências internas,legais e constitucionais, sem as quais nãose poderá atender adequadamente aoque preceitua o Tratado de Assunção e avocação integracionista de que cuida oparágrafo único do artigo 4º da Constituiçãobrasileira.

Na oportunidade, saliente-se quea experiência européia não prescindiude exigir dos países-membros que sepreparassem constitucionalmente para aalmejada integração. É verdade que existemdiferenças marcantes entre o Mercosul e aUnião Européia. A começar, por exemplo,com o registro de que lá o mercado comumnasceu com o Tratado de Roma, de 1957,enquanto aqui o mercado comum é umobjetivo a ser alcançado, após vencermosa consolidação da união aduaneira.

Na União Européia convencionou-se a criação imediata de instituiçõessupranacionais, ao passo que noMercosul seguimos o modelo clássico deinstituições intergovernamentais, comdecisões tomadas por consenso e porunanimidade.

O sistema de solução de controvérsiasna União Européia é permanente, comdelegação de competência ao Tribunalde Justiça para deliberar soberanamentesobre o direito comunitário, originário ouderivado (regulamentos e diretivas). NoMercosul não se tem, ainda, um sistema

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permanente, valendo-se da arbitragemadhoc , nos termos do Protocolo de Brasília,re-ratificado pelo de Olivos, que criou

uma instância permanente de revisão, cujaconfiguração é objeto de muitas críticas.As normas comunitárias, vale

dizer, as normas geradas no âmbito doConselho e da Comissão Européia, têmaplicabilidade direta e imediata nosEstados Partes, enquanto que no Mercosulas normas editadas pelas suas instituiçõesdemandam processo de incorporação aosordenamentos jurídicos nacionais, com

o inconveniente de que, tanto no Brasilquanto no Uruguai, não se têm norma quediscipline o conflito entre tratado e normainterna, o que não se compadece com adesejada segurança jurídica.

Diante desse quadro, vê-se com certaperplexidade essa onda que antecede adiscussão de um futuro Parlamento para oMercosul. Como congressista, convencidode que os parlamentos constituem o seio

próprio de discussões da cidadania, sendoo regime de representatividade um dospilares da democracia, os debates paracriação de um Parlamento para o Mercosulainda são prematuros, na medida emque se tem de fazer, primeiramente,o dever de casa e dotar a Constituiçãoe o ordenamento jurídico brasileiro denormas que dêem substância e amparo àsnegociações internacionais.

Destaque-se o exemplo europeu,mais uma vez, para assinalar que, passadosquase 50 anos do Tratado de Roma, comtodos os avanços que se seguiram atéa união monetária européia, ainda hojeo Parlamento Europeu é uma figurasecundária e coadjuvante no processode integração, à míngua de poderesefetivos para revelar os verdadeirosinteresses dos cidadãos lá representados.Na consideração de que o Mercosul

recém completou sua primeira década,e, ainda, de que historicamente nossoprojeto de integração pautou-se pela

intergovernabilidade, pergunta-se a que sepropõe o Parlamento do Mercosul? Quaisserão suas atribuições? Sua composiçãoe divisão de cadeiras observará quaiscritérios: território e população?

No sistema constitucional atual,sobretudo no Brasil e no Uruguai, é possívelimaginar que uma norma aprovada peloeventual e futuro Parlamento do Mercosulproduza efeitos imediatos e diretos nos

Estados Partes?Diante da nossa Constituição Federal

(artigo 17) e da legislação eleitoral, pode-se imaginar a existência de partidossupranacionais? Ou ainda, é possívelimaginar a formação de grupos políticos– à semelhança do que ocorre na UniãoEuropéia – diante da proibição legal deque os partidos recebam doação emdinheiro, ou estimável, de entidades ou

governo estrangeiro? E como fica, porexemplo, a questão do fundo partidáriobrasileiro, o acesso dos partidos ao rádioe à televisão e o sistema de financiamentode campanhas?

Registre-se que se deve acreditarnos bons propósitos do projeto, com arealização de diversos seminários e ciclosde conferências sobre temas instigantes,como a imunidade de jurisdição.

Espera-se, entretanto, que asautoridades envolvidas neste processoestejam cientes dos obstáculos de naturezaconstitucional e legal que envolvem acriação de um parlamento para o Mercosul,a fim de que não se crie mais uma bolhade expectativa que frustre o esforço quevem sendo feito em prol da integração docontinente sul-americano.

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Política, Parlamento,Democracia

Um dos mais antigos discursospolíticos é a Oração pelos Primeiros Caídosna Guerra do Peloponeso, pronunciado em431 AC, por Péricles, o grande estadista deAtenas.

Nesse discurso, que serve de modelopara todos os pronunciamentos políticosposteriores, Péricles diz que a pólis, ou,seja, a comunidade, é formada somente poraqueles que se interessam pelos assuntospúblicos. Esses, diz o discurso, merecem orespeito de todos. Os que assim não agemdevem ser desprezados.

Cícero, o grande político, jurista eorador de Roma Antiga, em seu livro sobrea República, diz que o povo é constituídopelos que se interessam pela coisa pública.Em sua visão, os desinteressados não faziam

parte do povo, e constituíam apenas aplebe.Cícero faz essa distinção entre “povo”

e “plebe”, embora até então, a plebe fossevista como parte do “populum” romano, esó se distinguisse dos patrícios, ou seja, danobreza. A expressão “plebe”, em termospolíticos, tinha significação respeitosa,

* JORNALISTA

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MAURO SANTAYANA* ENSAIO

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uma vez que os plebeus, quando queriam,participavam da política, e contavam comseus representantes junto ao poder, ostribunos.

Para Cícero, o povo romano eraconstituído dos patrícios e daquela parteda plebe que se interessava pela política.A outra parte era simplesmente a turba, ouseja, o conjunto de indivíduos sem preocu-pação com a vida coletiva.

A distinção entre os que são cidadãose os indiferentes à política é importantequando, entre outras coisas, se discute oproblema do voto facultativo. Definido oque seja povo, como detentor do poder, épossível estudar a evolução da política dohomem.

Os seres humanos começam a dis-tinguir-se na natureza no mesmo momento– e um momento, em termos históricos,pode durar dezenas e dezenas de milharesde anos – em que começam a comuni-

car-se uns com os outros, e aprendem atrabalhar juntos. Essa é uma etapa impor-tante, porque, nela, o ser humano tambémse descobre e, nos limites da sua mente emformação, pergunta-se sobre si mesmo.

Sem entender – e continuamos a nãoentender – a razão de estar no mundo,o homem primitivo inventa os deuses.Inventar é um bom vocábulo, porqueinventar não só significa criar alguma

coisa, mas, sobretudo, descobrir algumacoisa. Toda criação é uma descoberta.Naquele momento, o homem passa

a ser protegido pela idéia de Deus. Issosignifica, também, estabelecer uma certaética, que se funda na obrigação de mantera vida como uma concessão divina. Essaética se revela, em primeiro lugar, na con-dução da vida familiar: o macho deve pro-teger sua mulher e os seus descendentes.

Quando ele se associa aos seusvizinhos e parentes, para a segurançacomum, essa ética passa a ser da con-vivência e da cooperação entre todos. Énesse momento que nasce a consciênciade grupo, que irá evoluir até a idéia denação.

Embora não tenhamos registros histó-ricos daquele tempo, não é difícil recons-tituir a vida pré-histórica. Na verdade, omundo atual vive, contemporaneamente,todas as suas idades.

Há, ainda, sociedades muito primiti-vas. Embora elas se reduzam rapidamen-te, certas tribos autóctones, como a dosianomâni, no Brasil, permitem estudosantropológicos que nos dão a idéia decomo todos os seres humanos viviam naPré-História.

É assim que podemos entender osurgimento da política, do Estado e doParlamento. Como sempre, é bom tra-balhar pensando na linguagem. Política,como grande parte dos vocábulos de todasas línguas européias, é uma palavra grega.Ela vem de “polis”, que quer dizer comu-nidade citadina.

Não é simplesmente “cidade”; é maisdo que isso. É o conjunto das pessoas quese interessam pela comunidade, ou seja, oconjunto dos cidadãos. A palavra “polis”,no léxico político grego, pressupõe a ordem

social baseada na fraternidade.Por isso mesmo, a palavra “politeía”,ou, seja, república, ou ação política, quesignificavam a mesma coisa, era defini-da por Aristóteles como “amizade entrevizinhos”.

Nas sociedades primitivas, ainda queela não se manifeste de forma muito clara,a primeira autoridade é a dos deuses. Emsua grande obra, que influenciou Hegel,

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MAURO SANTAYANA

Marx e outros pensadores modernos, ohistoriador italiano Gianbattista Vico divi-diu a História em três fases, na sua obra

“Scienza Nuova”, publicada em 1725. Aprimeira fase da História é a “Idade dosDeuses”, a segunda, a “Idade dos Heróis”,e a terceira, a “Idade dos Homens”. Aautoridade do chefe nas tribos está sempresujeita à autoridade dos sacerdotes, vistoscomo os portadores da vontade divina.Mas os antropólogos concluem que, sobreas duas autoridades, sempre prevalece avontade do conjunto, que se manifesta no

consentimento.Os membros do grupo devem con-sentir em aceitar a conduta imposta comosendo da vontade de Deus e, em primeirolugar, aceitar que Deus exista e exerça estaautoridade.

Essa vontade, que muda com ascircunstâncias do tempo e do ambien-te, aceitando ou rejeitando a autoridade,surge, naturalmente, das conversas entreos indivíduos e das reuniões dos conselhoscomunitários, constituídos quase semprede homens mais experientes.

Parlamentar é conversar. É certo quea expressão “parlamento”, para designaras instituições que conhecemos, surgiu hápouco mais de 700 anos, o que é recente,em termos históricos.

Tal como “parlamento”, a expressão“estado” é também recente. Aliás, maisrecente do que “parlamento”. Antes,os estados eram conhecidos como “rei-nos”, ou como “repúblicas”, ainda que,fossem também estados monárquicos. Apalavra “Estado”, ou “Stato”, surgiu noRenascimento italiano, e significava, emsua origem, o grupo que cercava o gover-nante, fosse ele um príncipe dinástico, oufosse um mandatário eleito, como ocorrianas repúblicas italianas, como a República

de Veneza. O corpo eleitoral pode ser maisamplo ou mais restrito, mas o que defineuma república moderna é a temporarieda-de dos mandatos e o processo de escolhapor algum tipo de eleitores. As repúblicaspodem ser democráticas ou oligárquicas.A República de Veneza, por exemplo, eraoligárquica: as 500 famílias mais importan-tes constituíam o “Grande Conselho”, e o“Grande Conselho”, que era o parlamentoaristocrático, elegia o doge, o detentor doPoder Executivo.

O vocábulo “Estado” definia, noRenascimento, o governo ou a corte, e nãoo conjunto das instituições permanentes,como entendemos hoje. Rapidamente, aexpressão ganhou nova acepção e univer-salidade. Para o raciocínio moderno, Estadoé toda organização política soberana, ouseja, governada de acordo com princípiospróprios e com o consentimento de seuscidadãos, ou seja, de todos aqueles que,com a sua vontade e ação, participam das

decisões da comunidade.O que é ser soberano? A melhor defi-

nição, encontrada em muitos autores, deuma forma ou de outra, é a de que sobera-no é aquele que não obedece a ninguém.Um homem pode ser soberano sobre osseus atos, mas, na realidade, nenhumhomem, isoladamente, pode ser soberanosobre o Estado. O Estado, sim, como sercoletivo, deve dispor da “summa potes-tas”, ou seja, de todo o poder que possa serexercido dentro dos seus limites territoriais.Os acordos internacionais, que limitemessa soberania, só são entendidos quandose baseiam no princípio da reciprocidade:isto é, quando os estados contratantesnão exijam mais do que concedam, nemconcedam mais do que exijam. Em suma,que sejam vistos com idênticos poderes edireitos na convenção estabelecida.

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Em todos os Estados, sempre temexistido alguma coisa semelhante a par-lamento. Nas monarquias absolutas, comos conselhos da Coroa. Nas monarquiasconstitucionais, com a representação eleitapelos cidadãos, ou por uma parcela doscidadãos. Nas repúblicas, com a repre-sentação daquela parcela de indivíduosque constitua o eleitorado e que se façarepresentar. Como já vimos, o eleitoradopode ser universal, nas democracias, ereduzido, nos governos oligárquicos. Eaté mesmo resumido aos militares, como

ocorria no sistema espartano e no inícioda República Romana e como ocorreu emnosso próprio país, quando o Presidenteda República era escolhido pelos oficiaisgenerais das Três Armas, mas tendo, noExército, como a força mais numerosa,o único grupo que oferecia os candida-tos. Isso nos obriga a lembrar que umEstado pode ser monárquico e democrá-tico, como pode ser nominalmente repu-blicano, e ditatorial. Nominalmente, tantoa Alemanha de Hitler, quanto Portugal,de Salazar, eram repúblicas, mas nadativeram de democráticas. E, enquanto aItália e a Inglaterra eram nominalmentemonarquias, durante os anos 20 e 30, aItália estava sob a ditadura de Mussolini,enquanto a Grã Bretanha constituía, para oseu próprio povo, uma das mais avançadasdemocracias do mundo.

A evolução política se faz nauniversalização do poder, ou seja, naparticipação cada vez maior dos indivíduosna sociedade política. Isso significa atransformação dos indivíduos em cidadãos.Por isso mesmo, a democracia pode servista como o processo permanente deadesão dos indivíduos à responsabilidadecoletiva, ou seja, a transformação daturba em plebe e da plebe em povo.Entendamos que, no sentido político,

um indivíduo pode ser o mais sábio doshomens, mas não pertencerá ao povo,como o povo foi definido por Cícero,se não se interessar pela política. Outropode ser o mais rico, ou o mais idolatradopelos seus dotes artísticos – mas não serácidadão. Não merecerá o reconhecimentoda comunidade, dentro da visão gregada política. O camponês analfabeto ou otrabalhador modesto, que procuram influirem favor de sua comunidade – mesmo nascomunidades menores, como a associaçãode moradores, ou o grupo de plantadores

de feijão – são cidadãos. O empresáriorico, que só se interessa em proteger osseus próprios negócios, e não participa davida da comunidade como um todo, nãoé cidadão, mesmo que, por oportunismo,financie campanhas eleitorais.

Sendo assim, a evolução doparlamento se faz em dois sentidos: oda legitimidade e o da ampliação deseu poder. Um parlamento é tanto maislegítimo quanto mais ele se aproxime davontade nacional. E o seu poder será tantomais efetivo, quanto mais ele puder imporessa vontade nacional aos outros poderesdo Estado.

Como em tudo mais, temos querecorrer aos gregos. Os setecentos anosque antecedem a era cristã e os dois pri-meiros séculos de nossa era são vistoscomo a “idade axial” do homem. Semremontar a períodos mais antigos, sobre osquais a documentação é ainda escassa, foinesse período – a Idade dos Heróis, segun-do Gianbattista Vico – que, com a difusãoda linguagem escrita e a especulação filo-sófica, o Estado encontrou, no Ocidente,os seus fundamentos modernos. Foi umperíodo de lutas, de paixão pelo poder, deafirmação do homem. Nesse período, osdeuses e os heróis começam a ceder lugar

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realidade, à prática, à situação da politeía,ou seja, da república, nos tempos imedia-tamente anteriores a ele. Ele não parte deuma doutrina própria do poder, mas, exa-minando a realidade política de seu tempoe dos tempos anteriores, propõe uma teo-ria, no exato sentido grego da palavra.Em grego, teoria significa contemplação,exame, ou, melhor ainda, constatação.De qualquer forma, ambos foram orien-tadores políticos da mais alta expressão.Platão esteve aconselhando os tiranos deSiracusa e Aristóteles foi preceptor de

Alexandre, o Grande.Durante alguns anos, não muitos,Atenas foi o exemplo da sociedade demo-crática. Como, apesar da advertência dePéricles, de que todos os cidadãos deve-riam participar das atividades políticas,nem todos queriam fazê-lo,foi instituídoo pagamento para todos os que compa-recessem às assembléias políticas, umaespécie de indenização pelo tempo gasto.

Também nessa época surgiu a remunera-ção para os que se dedicassem integral-mente ao serviço público. No alvorecerdo sistema democrático, os membros dadireção política do Estado eram sorteados,e muitos cidadãos pobres tinham dificul-dade em manter as suas famílias, deixandode trabalhar como artesãos ou pequenoscomerciantes, enquanto serviam à cidade.Por isso, Péricles instituiu o costume de os

indenizar com uma quantia aproximada àque ganhavam em suas atividades profis-sionais. Foi assim que surgiu a remunera-ção pelos serviços que os cidadãos, eleitosou nomeados, prestam à comunidade.

Durante o governo de Péricles pra-ticou-se, em Atenas e em algumas outrascidades gregas, a democracia direta. Asassembléias exerciam o poder políticoprincipal. A “Boule” se encarregava de dar

formato legal e constitucional às decisõespopulares. De uma certa forma, Périclesfoi um precursor do estado de bem-estarsocial, tal como o conhecemos no séculoXX. Os persas haviam invadido e destruídoAtenas, e a miséria dominava a cidade.Péricles, usando os recursos do Tesouro,reconstruiu a cidade, criando empregospara os pobres. E até mesmo fez uma obrasuntuosa, como símbolo da auto-afirmaçãodos gregos, a Acrópole, com seus grandestemplos, cujos restos ainda impressionamo mundo. Ao mesmo tempo, no porto de

Pireu, mandou construir o primeiro con-junto de casas populares de que se temnotícia, para uso dos marinheiros da frotaateniense.

A grandeza do sistema ateniense foi asua perdição, porque a ambição de potên-cia levou-a ao imperialismo, à guerra doPeloponeso, à derrota diante de Esparta eà paulatina decadência. A Confederaçãode Delos, sob a direção de Atenas, surgira

como aliança defensiva contra os persas,mas logo se tornou um sistema de expro-priação das outras cidades do arquipéla-go.

A decadência de Atenas tem sidoapontada, pelos historiadores, como adver-tência importante: ninguém pode exploraros outros, em nome de suas virtudes, nempretender exportar as suas virtudes paraos outros. As virtudes podem ser imitadas,

mas, nunca impostas ou vendidas.Contra o imperialismo ateniense se

revoltaram Esparta e outras cidades, quederrotaram a metrópole, iniciando-se oprocesso de declínio. Antes que isso ocor-resse, Atenas forneceu a Roma, e peloexemplo, os seus princípios constitucio-nais. Conforme fontes romanas, a “LexXII (dodici) Tabularum”, ou a Lei das 12 ,escrita da República Romana, inspirou-se

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pelas circunstâncias econômicas internas.A Coroa estava endividada, uma vez quetivera que gastar grandes somas para opagamento do resgate de Ricardo Coraçãode Leão, aprisionado quando regressavada Terra Santa, em 1194. Esmagados pelatributação excessiva, os barões inglesesexigiram do Rei certas concessões, entreelas a de que os impostos fossem arbitra-dos pelos próprios contribuintes, median-te uma representação política. A MagnaCarta inicia o processo de representaçãoparlamentar na Inglaterra, com o Conselho

dos 25 Barões.Esse Conselho evoluirá para tornar-sea Câmara dos Lordes. No século seguinte,os comuns, ou seja os não portadores detítulos de nobreza mas, de alguma formapoderosos, como os grandes mercado-res, passaram a eleger representantes aoParlamento – e as duas casas se separaram.A partir do Século 17, quando a Câmarados Comuns se rebelou contra Carlos I,

seus direitos cresceram e, embora formal-mente a Câmara dos Lordes detenha, atéhoje, seu poder de veto, a realidade políti-ca confere aos comuns todo o poder políti-co na Inglaterra moderna, e tem servido demodelo para a representação parlamentarno Ocidente.

A expressão parlamento para designaressas assembléias de representação políticasurgiu, como tantas outras, do vocabulário

litúrgico. Chamava-se parlamento a reu-nião dos frades beneditinos, depois do jan-tar, para falar sobre teologia e os assuntosatinentes à administração dos mosteiros.Em 1239, Matthew Paris, superior da aba-dia beneditina de Saint Albans – situada a30 quilômetros de Londres – decidiu abrirestas reuniões e convocar bispos, condes ebarões, para discutir assuntos de interessegeral. Seis anos depois, em 1245, a fim

de obter a aprovação para o ato em queexcomungara o Imperador Frederico II, doSacro Império, Inocente IV convocou umagrande reunião dos poderosos em Lyon – elhe deu o nome de Parlamento.

O Parlamento é, assim, ou assimdeveria ser, o espaço para a discussão dosgrandes problemas (ou pro-boulemas) epara a criação de leis e processos que pos-sam resolvê-los.

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O Impacto da ReformaPolítica Sobre aCâmara Federal

A reforma política sempre esteve naagenda do Congresso Nacional desde aredemocratização em 1946, com destaque

para: representação proporcional com listaaberta, cassação do Partido Comunista,eleições majoritárias por maioria simples,recadastramentos de eleitores, a introdu-ção da cédula única e um breve parlamen-tarismo (Lima Sobrinho). Com a implan-tação do período militar (1964-1985), oBrasil passou por uma seqüência sem fim

de casuísmos que modificaram as regraspolíticas para produzir maiorias para ogoverno no Congresso, como: as cassações

de mandatos políticos, dois remanejamen-tos do sistema partidário (1966 e 1980),proibição de coligações, eleições indiretaspara presidente e governadores via colégioeleitoral, o voto vinculado, a fidelidadepartidária, os senadores “biônicos”, sub-legendas e a tentativa de implantar o voto“misto” distrital-proporcional (Fleischer,

* Professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.

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da Revista de Informação Legislativa, nº 78(1983).

Desde então, prosperou um deba-te sobre mudanças no sistema eleitoral– algumas poucas propostas para um siste-ma distrital e várias sugestões em favor dochamado “sistema misto” (Pinheiro Filho;Fleischer, 1992)

Finalmente, em dezembro de 2003,a Comissão Especial aprovou uma mudan-ça substancial no sistema de representaçãoproporcional (RP), a lista fechada. Nosistema atual, cada partido ou coliga-ção apresenta a lista dos seus candidatosa deputado ou vereador, mas sem umaordem prévia. Na eleição, o eleitor votaou na legenda (partido) preferida ou nonome de um candidato individual. Quasetoda a campanha gira em torno de nomesindividuais, com propaganda maciça des-tacando o nome, foto e número de iden-tificação do candidato, com pouca ounenhuma informação sobre sua filiaçãopartidária. As pesquisas de opinião mos-tram que, seis meses após o pleito, menosda metade dos eleitores lembra o nome docandidato em que votou, e muito menosainda consegue lembrar o partido. Poresta e outras razões, o sistema de listaaberta é muito raro entre os países queusam a representação proporcional (pura).Apenas o Brasil e a Finlândia usam estesistema. No resto do mundo, a (RP) utiliza

a lista fechada (Gallagher; Lijphart, 1991;Nicolau, 1993; Shepsle).No sistema de lista fechada, cada

partido ou coligação apresentará à JustiçaEleitoral uma lista de candidatos pré-orde-nada – ou seja, desde o primeiro nome dalista até o número 30º ou 45º , por exem-plo. Ao eleitor cabe apenas escolher qualpartido ou coligação votar. Apurados osvotos, se o Partido “A” receber votos equi-

valentes a, por exemplo, onze coeficienteseleitorais, os primeiros onze nomes na listafechada estarão eleitos, e o 12º na listaseria o primeiro suplente.

Esta mudança causaria um grandeimpacto sobre o sistema eleitoral brasi-leiro. Ao invés dos gastos individuaisde cada candidato para conseguir votossuficientes para se eleger e não cair nasuplência, no sistema de lista fechada osfatores determinantes para a eleição de umcandidato a deputado serão: 1) o seu par-tido ou coligação ter um apelo suficientepara angariar um grande número de votos;e 2) o candidato ter sido colocado numaposição alta o bastante na lista para estarentre os eleitos.

Mas, como que os partidos (coli-gações) vão confeccionar as suas listasfechadas? A não ser que na subseqüentetramitação do PL-2679/2003 as normaspara a confecção da lista sejam maisdetalhadas, em cada estado, cada partido/ coligação basicamente teria três alternati-vas: 1) a comissão executiva ou diretórioestadual elaboraria a lista com a ordempredefinida; 2) a lista seria elaborada poruma convenção estadual do partido; ou3) cada partido teria um mecanismo dereceber pré-candidaturas a deputado e ainclusão (ou não) destes (e em qual ordem)seria determinada por uma votação préviade todos os filiados no estado. Além demais participativa, esta terceira alternativapoderia funcionar como uma “pré-campa-nha” de divulgação do partido junto aoseleitores e serviria como estímulo a novasfiliações. O Projeto de Lei prevê que alista e a ordem dos candidatos sejam defi-nidas em convenção partidária. Assim, as“opções” 1) e 2) seriam operadas “infor-malmente” e teriam que ser referendadasvia convenção partidária.

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A partir de 2010, cada partido ou“federação” definiria, através de conven-ção, os candidatos e a sua ordem em listaúnica. Porém, a eleição em 2006 teria“regras de transição” para acomodar osatuais parlamentares (eleitos em 2002).Estes parlamentares seriam colocados nasprimeiras posições das listas, seguindoa ordem de prioridade de acordo com onúmero de votos obtidos em 2002:1º – Candidatos eleitos em 2002;2º – Suplentes efetivados;

3º – Suplentes que exerceram mandatopor pelo menos seis meses; e4º – Candidatos eleitos que trocaram de

legenda após a eleição de 2002.Esta regra de transição seria pre-

judicial aos deputados que trocaram delegenda após as eleições de outubro de2002, com maior impacto sobre os doispartidos que receberam o maior númerode “migrantes” (PTB e PL).

É claro que o partido/federação quetiver a melhor imagem entre os eleitores,o programa ou proposta mais atraente,e escolhido os seus candidatos de umamaneira mais participativa, levaria maisvantagem na eleição proporcional. Paraos partidos/federações que não conseguis-sem atender estes três quesitos, o sistemade lista fechada não renderia muitas van-tagens.

No sistema de lista fechada, os man-datos dos deputados pertencem ao partidoe não mais aos próprios deputados. Assim,o partido teria mais controle sobre os seuseleitos, e a “migração” [“troca-troca”] dosdeputados de uma legenda para outradurante o mandato não existiria mais. Asbancadas seriam mais coesas e o trabalhoparlamentar se tornaria mais eficaz e efi-

ciente. A articulação do Poder Executivoseria diretamente com os partidos e nãomais “um-a-um” com cada parlamentar.Por este raciocínio, os partidos seriam for-talecidos, o que, em grande parte, poderiaaperfeiçoar a prática da democracia noBrasil.

Este sistema de (RP) com lista fechadaacumularia outras vantagens: 1) o embateeleitoral seria entre partidos e não maisentre “companheiros” da mesma chapa,e o debate na TV seria sobre programase propostas e não mais de candidatosindividuais – 8 segundos de “vote em eu”;2) o financiamento das campanhas seriamuito mais fácil para a Justiça Eleitoralmonitorar com a movimentação financeiraconcentrada nos partidos e não mais noscandidatos individuais; e 3) as cotas paramulheres candidatas pelos partidos/coliga-ções seriam mais fáceis de operacionalizar,como na “Ley de Cupos”, na Argentina,onde obrigatoriamente as candidatas têm

que constar pelo menos nas 3ª, 4ª e 5ªposições nas listas (Araújo; Jones). Na elei-ção logo depois da implantação da “Leyde Cupos”, a proporção de deputadas naCâmara Baixa argentina subiu de 5% para21%.

O sistema de lista fechada tambémserviria para tolher os efeitos de “locomoti-vas eleitorais”, candidatos “endinheirados”e os apoiados por certas organizações

ou “segmentos” – como Enéas Carneiro,do PRONA, que em 2002 recebeu 1,5milhões de votos para deputado fede-ral em São Paulo, e “puxou”/”elegeu”outros 5 candidatos com poucas centenasde votos; ou candidatos ligados a seg-mentos coletivos que têm grande númerode eleitores “fiéis”, filiados ou seguidores– como igrejas, sindicatos e certos gruposfuncionais (como funcionários públicos,

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policiais militares, etc.). Estes grupos nãomais poderiam concentrar os “seus” votosem candidatos destacados em diversospartidos, mas teriam que escolher um sópartido/confederação para “despejar” osseus votos.

Para as eleições de 2006, os atuaisdeputados (eleitos em outubro de 2002)terão que tomar uma decisão que podeser bastante draconiana. Até 2 de outubrode 2005, terão que decidir a sua migraçãopartidária “final” – a legenda pela qualdisputarão a eleição em outubro de 2006– um ano antes, sem saber exatamentequal federação o “seu” partido vai entrare nem como ficaria a sua posição naordem pré-determinada dos candidatos.Possivelmente, vários deputados “migran-tes”, percebendo que não teriam grandeschances no seu então partido, optarãopara um outro partido “nanico”, justamen-te para ter mais poder de barganha para“acertar” a sua posição na composição

da lista fechada da confederação que, porventura, o seu “novo” partido venha aintegrar.

Federação de PartidosHá muito tempo que o uso de coliga-

ções (sem sublegenda) nas eleições propor-cionais é criticado no Brasil. Supostamente,este mecanismo contribui para o fato damaioria do eleitorado não conseguir lem-

brar o nome do candidato e muito menoso partido em que votou. Também, estimu-la a “migração” de deputados eleitos poruma coligação para outros partidos quenem participavam da coligação que ele-geu o deputado. Em 2003, mesmo antesda posse (em 1 de fevereiro) dos novosparlamentares eleitos em outubro de 2002,uns 40 deputados trocaram de legenda(Quadro 1). O relator desta reforma, Dep.

Ronaldo Caiado (PFL-GO), afirma que atéos meados de março de 2004, 125 depu-tados já trocaram de partido (Freitas). Semo mecanismo da sublegenda [sublemas, naArgentina e Uruguai], os partidos coligadosperdem a sua identidade perante o eleito-rado e contribuem para o enfraquecimentodas legendas. Em muitos casos, as microou pequenas legendas não teriam chancesde eleger um só deputado sem o artifíciodas coligações (Ames; Cintra; Fleischer,2004; Melo; Nicolau, 1997; Nogueira).

Já apareceram várias propostas paracorrigir estas anomalias e atenuar os efei-tos das coligações – desde proibir ascoligações totalmente [o fim dos partidos“históricos”, como o PPS e o PCdoB], aadoção de sublegendas [onde cada parti-do participante teria a sua própria sublistadentro da coligação], até a adoção de uma“cláusula de exclusão” ou barreira (de 2%,3% ou 5% dos votos válidos), como naAlemanha, para excluir os partidos “nani-

cos”1

. Para 2006, esta nova proposta prevêuma “barreira” de 2% dos votos para aCâmara dos Deputados, nacionalmentedistribuídos em 1/3 das unidades da fede-ração, e eleição de um deputado em pelomenos 5 destas unidades – para que ospartidos ou federações possam ter direitoa funcionamento parlamentar. Portanto,a “barreira” brasileira continuaria menosrígida que a da Alemanha.

Assim, a proposta de uma “federa-ção de partidos”, ao invés de coligação,chega a ser uma mudança inovadora.Continuaria o mecanismo de uma aliançaeleitoral entre partidos para as eleiçõesproporcionais, mas com a lista fechada. Agrande diferença é que esta “federação”teria que permanecer em funcionamentoobrigatoriamente por três anos. Assim,não teria mais “troca-troca” de legenda

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durante este período e a “federação” fun-cionaria como um “bloco parlamentar”.Na linguagem dos jovens, a tradicional

aliança eleitoral via coligação é uma rela-ção de “ficar” (até a abertura das urnas), ea “federação de partidos” seria então uma“união estável” durante três anos. Caso a“federação de partidos” se dissolver antesde completar o prazo de três anos, os par-tidos que a compõem perderiam o direitoao funcionamento parlamentar.

Fidelidade Partidária

O conceito da “fidelidade” do parla-mentar para com a sua legenda não seriatão rígido quanto a norma que vigoravadurante o período militar, mas seria for-temente inibitivo de “migrações” após aseleições – por causa da lista fechada ea operação das “federações partidárias”.Não está muito certo que a “infidelidade”do parlamentar durante o seu mandatopoderia implicar na perda do mandato,mas com certeza as lideranças partidáriasteriam mais controle sobre o comporta-mento dos seus liderados. De acordo comL.M. Rodrigues, o eleitor não se incomo-da com a infidelidade dos parlamentaresmigrantes que, em última instância, aju-dam os governos a constituirem maioriasno Congresso após cada eleição. Foiassim com o Presidente Cardoso, em 1995e 1999, e também com o Presidente Lula,em 2003.

Financiamento de CampanhasDepois do mecanismo da lista fecha-

da, a segunda grande mudança no sistemaeleitoral seriam as alterações nas regraspara o financiamento dos partidos e as suascampanhas eleitorais em 2006. Tido comoum grande entrave na democracia repre-sentativa no Brasil, o resultado parece ser:quanto mais dinheiro o candidato tenhadisponível para a sua campanha, mais

votos receberia e maiores chances teriade ser eleito (Fleischer, 2000; Samuels,2001a, 2001b, 2003; Sirkis).

Usualmente, a contabilidade dodinheiro gasto na campanha (via a cha-mada “caixa um”) apresentada à JustiçaEleitoral não chega a um décimo do totalrealmente gasto e, portanto, fora do esque-ma de monitoramento dos TRE`s (Fleischere Whitaker). A grande parte destes recursosvem da chamada “caixa dois” de empre-sas e outras organizações interessadas empoder contar com deputados dispostos a

defender seus interesses. O Prof. CândidoMendes estima que foram gastos algo emtorno de R$ 10 bilhões nas campanhas de2002 (Mendes).

A nova proposta prevê financia-mento exclusivamente público das elei-ções, através de dotação orçamentária novalor de R$ 7,00 multiplicado pelo núme-ro de eleitores cadastrados no ano anteriorà eleição (dezembro de 2005) e veda

totalmente as contribuições de pessoasfísicas e jurídicas às campanhas eleitorais.Resta saber se o Congresso Nacional dota-ria a Justiça Eleitoral com poderes fortes obastante para realmente impedir estas con-tribuições – a partidos e federações de par-tidos, em 2006. No entanto, não seriamvedadas estas contribuições para o FundoPartidário. Este continuaria constituído pordotações orçamentárias anuais no valorde R$ 0,35 por eleitor cadastrado no anoanterior às eleições – mas, somente nosanos ímpares (quando não há eleições).

No caso do montante de recur-sos públicos para financiar as eleições,para 2006, estima-se que o total dispo-nível poderia chegar a R$ 966 milhões(138.000.000 eleitores x R$ 7,00) – ouseja, aproximadamente US$ 333 milhões.Este montante seria distribuído entre ospartidos da seguinte forma:

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1) 1%, igualitariamente, entre todosos partidos registrados no TSE; 1% de R$ 966 milhões = R$ 9,66milhões 2) 14%, igualitariamente, entre ospartidos com representação na Câmara;

14% de R$ 966 milhões = R$135,24 milhões

3) e 85%, proporcionalmente àsbancadas de deputados federais de cadapartido, eleitas no pleito anterior [outubrode 2002].

85% de R$ 966 milhões = R$821,1 milhões

Este mecanismo penalizaria ospequenos partidos e, principalmente, os“médios”, como o PTB e o PL que quasedobraram as suas bancadas com “migra-ções” após o pleito de 2002 (Quadro 1).

Como exemplo desta distribuiçãoem 2006, apresentamos os cálculos paraum “grande” [91 deputados] e um “micro-partido” [4 deputados] – assim, os recursosdisponíveis para o “grande” seriam dezvezes maiores que os disponíveis para o“pequeno”:

PSD (elegeu 4 deputados federais em2002)1) 1/30 de R$ 9,66 milhões = R$ 322.000,002) 1/15 de R$ 135,24 milhões = R$ 9.016.000,00

3) 4/513 de R$ 821,10 milhões = R$ 6.402.000,00 TOTAL = R$ 15.740.000,00

PT (elegeu 91 deputados em 2002)1) 1/30 de R$ 9,66 milhões = R$ 322.000,002) 1/15 de R$135,24 milhões = R$ 9.016.000,003) 91/513 de R$ 821,10 milhões = R$ 145.653.000,00

TOTAL = R$ 154.911.000,00

Para o partido que em 2002 nãoelegeu nenhum deputado federal e nãotem representação na Câmara, o total de

financiamento público seria apenas deR$ 322.000,00.Num ano de eleições federais (como

em 2006), a divisão destes recursosalocados para cada partido ficaria assim:• 30% para a administração nacional do

partido, quando o partido/coligaçãotiver candidato à Presidência;

• 20% para a administração nacional do

partido, quando o partido/coligaçãonão tiver candidato à Presidência;• do restante, 70% ou 80%, para as

administrações estaduais do partido,sendo que, 50% proporcionalmenteao número de eleitores, e 50%proporcionalmente às bancadasestaduais de cada partido naCâmara.Desta maneira, ou 70% ou 80%

destes recursos ficariam para custear as27 campanhas estaduais (governador,senador e deputados federais e estaduais)de cada partido, conforme o “tamanho”do respectivo partido em cada estado.Aparentemente, não há previsão para aseleições com duas vagas para senador,como em 2010, por exemplo. Nos casosde coligações (presidente, governador esenador) e de federações (deputado federale estadual), os partidos participantes teriamque acertar a distribuição da soma dosseus recursos.

Tramitação O Projeto de Lei nº 2679/2003

tramitou na Comissão Especial durante 26sessões e 7 audiências públicas, até queo parecer final do Dep. Ronaldo Caiado(PFL-GO) foi aprovado em 3 de dezembro

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de 2003. De 3 a 5 de junho de 2003, aComissão Especial promoveu, junto coma ABCP (Associação Brasileira de CiênciaPolítica), um seminário para debater estaReforma Política – ver:

www.camara.gov.br/internet/Eventos/ Sem_conf_realizados/2003/Sem_reforma_politica.asp

Os trabalhos apresentados nesteseminário estão para ser publicados em umvolume, ainda em 2004. No mês seguin-

te, em 1º de julho, a Fundação PerseuAbramo lançou na Câmara dos Deputados(com a presença do Presidente Lula) umacoletânea de estudos sobre a reforma polí-tica (Benevides et al.) – resultado de umaseqüência de três seminários realizados apartir de 2001 sobre esta “mãe de todasas reformas”. Mesmo assim, esta reformaficou fora da pauta da sessão extraordi-nária daquele mês (Cruvinel, 2003a). No

mesmo mês de julho, começaram a apare-cer os primeiros sinais de que a chamada“bancada evangélica” se posicionara con-tra esta reforma (Braga; Cruvinel, 2003b).

Finalmente, em 3 de dezembro de2003, a Comissão Especial aprovou oparecer do relator por 26 votos contra11, com um ausente – mas esta decisãodeixou a base do governo Lula dividida(Franco, 2003). Assim, ficou patente que

a tramitação na CCJ em 2004 não seriafácil. O PMDB e o PFL tiveram um votocontra cada, mas o “bloco dos partidosmédios” fechou questão contra a reformapolítica (Quadro 2). Todos os 9 deputadosrepresentando o PTB, PL e PP na Comissãovotaram contra. Todos os 5 deputados doPSDB votaram a favor e, dos 6 deputadosdo PFL, apenas um votou contra. Estesdois partidos (aliados no Governo F.H.Cardoso) tradicionalmente trabalhavam

em favor da reforma política e sempre tive-ram um aliado velado (PT). Mas o partidode Lula nunca assumia publicamente estasteses, como o fim das coligações nas elei-ções proporcionais, para não desagradarseus aliados. Porém, com o PT no poder,em 2003, estes aliados (PPS, PCdoB e PSB)votaram a favor da reforma na ComissãoEspecial, principalmente porque o meca-nismo da “federação de partidos” era umartifício melhor do que a simples proibiçãodas coligações nos pleitos proporcionais– que teria sido a “sentença de morte” para

estes partidos.Interessantemente, o então vice-líderdo PL, Dep. “Bispo” Rodrigues (RJ), avisouos petistas que se fosse aprovada a votaçãoem lista (pelo Congresso), seu partido seriaobrigado a lançar candidato à Presidênciada República em 2006. O raciocíniodo “Bispo” era que o eleitor sempre dápreferência [na eleição proporcional] àslegendas que têm candidato a presidente.

Por esta mesma razão, o PTB e o PP seposicionaram contrários ao voto em lista(Franco, 2003).

Depois da divulgação, em 13 defevereiro de 2004, do vídeo onde oentão Chefe da Assessoria Parlamentardo Governo Lula, Waldomiro Diniz, pedecontribuições tipo “caixa dois” ao bichei-ro Carlos Ramos [Carlinhos Cachoeira],em março de 2002, no início da sessão

ordinária, o Presidente da Câmara dosDeputados, Dep. João Paulo Cunha (PT-SP), tentou acelerar a tramitação do PL nº2679/2003 no primeiro semestre, justa-mente por causa do financiamento públicoexclusivo das eleições. Nisso, até o entãoLíder do Governo, Dep. Miro Teixeira (sempartido-RJ), ficou contra – para não pare-cer um “casuísmo”, decorrente do “casoWaldomiro”, ou parte de uma “agendapositiva” (Franco, 2004).

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Por outro lado, o cientista político Jairo Nicolau lembrou que “o financiamen-to público, com fiscalização e punições, éa melhor opção para reduzir escândalos”(Nicolau, 2004). Na contra mão, o Prof.Wanderley Guilherme dos Santos se posi-cionou radicalmente contra esta reforma,no que concerne à lista fechada que, emseu modo de ver, tolheria a “liberdade” doeleitor de “escolher” o seu candidato:

O voto em lista fechada encarcera oeleitor, o qual, hoje, pode votar na listapartidária (a legenda do partido) ou emcandidatos individuais. A proposta impedeo eleitor de escolher o seu representante,incumbindo a usurpadores a tarefa dedecidir a quem seu voto irá eleger. Dizemque isto elevará o padrão moral dademocracia brasileira (Santos, 2004).

No dia 4 de março de 2004, os líde-res do PTB, PL, PP e PDT se recusaram aassinar o pedido de urgência para votara reforma política (Lima). Diante destaspressões (que incluíram ameaças do PTB,PL e PP de obstruir todas as propostas dogoverno na Câmara), em 9 de março o PTretirou o regime de urgência da reformapolítica (Seabra, Braga e Caetano). Aurgência até que tinha apoios suficientespara a sua aprovação (com o apoio doPSDB e PFL), mas deixaria a base do gover-no rachada – coisa inoportuna, justamentenum momento quando o Governo Lula

mais precisava de união das suas forçaspolíticas. Às vésperas do Carnaval, doisexperientes deputados do PSDB afirmaramque o financiamento público exclusivoé incompatível com o atual sistema devoto em listas abertas (Ferreira e Almeida).Lembrando os senadores “biônicos” elei-tos em 1978, o Líder Miro Teixeira bradou:“O projeto cria o deputado biônico. Voupara as ruas reivindicar que sejam man-

tidas as eleições diretas para a Câmara”(Franco 2004).

O último lance deste embate naCâmara foi a substituição do Líder doGoverno (Miro Teixeira) pelo Dep. Prof.Luizinho (PT-SP), em 1º de abril. Ao mesmotempo, Miro se filiou ao PPS (partido forte-mente a favor da reforma).

Conclusões Por volta de 2000 e 2001, após a

aprovação de vários pontos do “Relatório

Sérgio Machado” pelo Senado Federal evendo a impossibilidade da Câmara tra-mitar estas propostas de reforma política,inusitadamente, lideranças do PFL e do PTconseguiram elaborar vários pontos emcomum para mudanças no sistema polí-tico-eleitoral brasileiro – mas não houvetempo hábil para aprová-los antes dodecurso de prazo para o pleito de 2002.

Como vimos acima, novamente estes

dois partidos, em lados opostos do jogopolítico em 2003-2004, ainda conservam amesma comunhão de idéias quanto a estareforma. Quando o Presidente da Câmarainsistiu em aprovar a urgência para votare aprovar esta reforma, ainda no primeirosemestre de 2004, os partidos médios quesupostamente seriam lesados (PTB, PL ePP) invocaram o “Caso Waldomiro” paraimperrar a tramitação. Por outro lado,muitos deputados estavam pressionandopara a “liberação” das suas emendas [orça-mentárias] para reforçar as campanhas dealiados no pleito municipal deste ano.

Para quase todos os observadores,a combinação entre a votação em listafechada com o financiamento exclusivodas campanhas (especialmente as propor-cionais) é inseparável. A solução “miner-va” [ou “mineira”] dada pelo mecanis-

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mo da “federação de partidos”, ao invésdas tradicionais coligações nas eleiçõesproporcionais, operou para “preservar” a

identidade (e sobrevivência) dos pequenospartidos, foi inovadora.Infelizmente, a visão política e a

modus operandi dos partidos médios(PTB, PL e PP) em eleger deputados viafinanciamentos maciços de pessoas físicase jurídicas, apoios de certos grupos esegmentos do eleitorado a “nomes” a estesligados, e o uso político da “migração” dedeputados para “engrossar” as suas legendas

(e a “chantagem fisiológica”) faz com que

estas três legendas se sintam ameaçadasno próximo pleito proporcional, caso areforma seja aprovada da maneira comosaiu da Comissão Especial. Resta saber se,re-estabelecida a sua liderança equilibradana Câmara no primeiro semestre de 2004,o Governo Lula teria tempo hábil paraaprovar esta reforma. Ou se não seriamelhor deixar a poeira do pleito municipalbaixar, para em 2005 empreender umatentativa final, incluídas mais negociaçõespolíticas na CCJ em relação aos pontosmais polêmicos.

QUADRO 1 – Migração Partidária na Câmara dos Deputados, 2002-2004

Partido2002 2 0 0 3 2004Out.* Fev. Junho Ago. Out. Abril**

PT 91 91 93 93 94 90PMDB – – 68 78 78 78

PTB 26 41 48 52 53 52PL 26 33 33 40 42 45PSB 22 28 29 16 16 20PDT 21 18 15 14 12 – PPS 15 21 19 19 21 22PDdoB 12 12 11 11 11 09PPB/PP – – 47 48 48 54

Outros 15 08 07 07 06 09Governo 218 252 370 378 381 379% 57.5 50.9 29.9 26.3 25.7 26.1TOTAL 513 513 513 513 513 513

PFL 84 76 72 68 66 63PSDB 70 63 63 55 52 50

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Legislativo se confunde, pois, com a histó-ria do Brasil independente.

Não nos cabe recapitular as vicissi-tudes pelas quais passou a legislatura entrenós, ao longo de sua história. Ela sobrevi-veu aos percalços, sobretudo durante osretrocessos ditatoriais. Apesar de tolhidaem suas funções, nela nunca deixaramde fazer-se ouvir as vozes de oposição aoarbítrio e de defesa das liberdades e doestado de direito. Que se rememore teremas lideranças parlamentares desempenha-

do, no processo de abertura, que finalizouo último ciclo autoritário pelo qual pas-samos, decisivo papel, como intermedia-doras eficazes nas negociações entre ogoverno e os grupos da sociedade civil.

Depois de levada a bom termo aabertura política e a retomada da demo-cracia, o Congresso tem desempenhadoum relevante papel na consolidação e noaperfeiçoamento do regime. Que não seesqueça, por exemplo, a condução equili-brada do processo deimpeachment de umPresidente da República, certamente umadas provas mais difíceis pelas quais podepassar o sistema presidencialista.

Apesar do protagonismo do nossoLegislativo, não raro encontra eco entrenós uma expectativa resignada, até cética,quanto à função desse poder no mundo

contemporâneo. Aliás, não é de hoje essavisão pessimista. Já no século XIX, autorescomo Walter Bagehot e Stuart Mill olha-vam com temor a crescente ampliação doeleitorado na Grã-Bretanha. Segundo eles,esse fenômeno iria alterar a composiçãodo parlamento, transformando os homensaté então independentes, componentes dachamada classe política, em uma minoriasem poder.

Essas preocupações só fizeram cres-cer ao longo daquele século, repercutindoem autores como Ostrogorski, Lowell eBryce, que olhavam também com suspei-ção o aparecimento das massas e dos par-tidos políticos organizados que as repre-sentavam.

Essas entidades, na feição assumidacom o suceder das eleições, serviam paraagregar as demandas do crescente eleitora-do. Ao fazê-lo, retiravam da classe políticaa liberdade de ação de que antes tinhagozado. A atuação parlamentar passou aser cada vez mais partidária, em vez deindividual.

Ao mesmo tempo, os novos gru-pos sociais que entravam na vida políti-ca aumentavam suas reivindicações. Paraatendê-las, o Estado teve de expandir-secomo entidade prestadora de serviços ereguladora de atividades, num vasto espec-tro de políticas governamentais, deixandopara trás a imagem do Estado do “laissezfaire, laissez passer”.

Nesse contexto, os partidos nãoforam apenas os portadores passivos dospleitos do eleitorado, mas tornaram-se,também, agentes da transferência de poderdo Parlamento para o Executivo, a qual foigradualmente ocorrendo. A assembléia aospoucos cedeu lugar à burocracia pública,comandada, nos regimes parlamentares,por gabinetes que as maiorias partidáriasconstituíam e que, gradualmente, foramrelegando a assembléia a funções rela-tivamente ancilares na determinação dapolítica pública.

Nos meados do século passado, oeixo das decisões deslocou-se ainda maispara fora do parlamento, quando as gran-des centrais sindicais e patronais, em con-

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grupos à representação política. Ela ofaz por via de partidos que expressam asreivindicações de setores antes privadosda cidadania. Dentro da assembléia, noplenário e nas comissões, habilitam-se taisgrupos a usar dos meios institucionais parafazer que sua perspectiva seja levada emconta. Sem a instituição parlamentar, aquie em outras partes, a luta política seriauma confrontação contínua, via luta arma-da. A força, não o direito, iria prevalecer.Quando esse é o caminho tomado, dificil-mente há desfecho democrático.

Ao contrário, sabemos que, mesmonos sistemas políticos de participação limi-tada – assim se configuravam politicamen-te as sociedades européias que primeiro seliberalizaram –, quando os estratos popula-res adentraram a vida política, já encontra-ram à sua disposição, em funcionamento,um conjunto de mecanismos para a solu-ção de conflitos e a tomada de decisões,

de que também puderam valer-se na defe-sa de seus interesses. Jogando o jogo sobas regras preestabelecidas, descobriramque, aumentando a cada eleição seu pesoparlamentar, ganhavam poder e conse-guiam prevalecer em muitas negociaçõese decisões, até, finalmente, conquistaremo governo. Em suma, o parlamento mos-trou-se um dos lugares institucionais porexcelência para, quer no parlamentaris-

mo, quer no presidencialismo, a oposiçãodemocrática ter voz e voto, e preparar-separa assumir o poder.

Que dizer dos arranjos neocorpora-tivos? Apesar das críticas que a eles foramdirigidas – e que entre nós se repetiram,quando o Presidente Luiz Inácio Lula daSilva criou o Conselho de DesenvolvimentoEconômico e Social – de que até esta-riam usurpando funções do parlamento,

a verdade é, ao contrário, ser bastantecircunscrito seu papel. Há áreas da polí-tica pública que lhe escapam, porque nãoé ele o foro adequado para decidi-las.Maurizio Cotta lembra, por exemplo, nãose poder pensar em fazer a política externapor acordos neocorporativistas. E, sendo ogoverno um dos parceiros nas negociaçõestripartites, entabuladas mediante os arran-jos neocorporativos, se ele quer continuarcomo um governo democrático, sua polí-tica tem de ter o próprio parlamento comopartícipe decisivo. Na forte expressão deCotta, um Executivo sem contrapartida deum Legislativo capaz de oferecer espaçopolítico à oposição degeneraria em umórgão autocrático.1

Uma outra tendência contemporâ-nea merece comentário, sem embargo dasponderações anteriores sobre a continu-ada relevância da instituição parlamen-tar na democracia contemporânea. Temos

em mente a assunção, pelos Executivos,de acrescidos poderes legislativos, entreoutros aspectos pela faculdade de legislarpor decretos, fenômeno acentuado nasúltimas décadas do século passado.

Guillermo O’Donnel tentou singula-rizá-lo para democracias como a brasileira,a argentina e outras, saídas de regimes queele intitulou “burocrático–autoritários”.Tratar-se-ia da “democracia delegativa”.2

Para O’Donnel, ganhou corpo, coma nova onda de democratização, um “sub-tipo de democracia”, constituído de regi-mes que não parecem prestes a regre-dir para o autoritarismo, mas, tampouco,parecem caminhar para uma “representa-tividade institucionalizada” maior. Neles,o Congresso e o Judiciário aparecem comoincômodos que se têm de aceitar para o

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país poder usufruir as vantagens internase externas de ter “um presidente demo-craticamente eleito”. A obrigatoriedade deprestar contas (accountability) a outras ins-tituições seria ainda relutantemente aceita.A “democracia delegativa” pode até ser,em virtude de seu lado plebiscitário, maisdemocrática do que a democracia repre-sentativa clássica, mas certamente, obser-va O’Donnel, é menos liberal que esta.

Os novos regimes tenderiam a insularpoliticamente decisões básicas, confiando-as aos tecnocratas, sobretudo nos assuntoseconômicos, e a relegar e descartar asresistências do legislativo, dos partidos oudas associações às medidas por eles pro-postas.

As democracias delegativas parecem,assim, estar conservando traços dos regi-mes burocrático–autoritários a que sucede-ram, o que tentam justificar por se estaremdebatendo com sérias crises econômicase sociais, exigentes de medidas de urgên-cia e alta necessidade. A diferença comrelação ao regime anterior é que, agora, oCongresso e os partidos podem criticar aspolíticas do governo; os tribunais podemimpedir medidas flagrantemente incons-titucionais, e os sindicatos e associaçõespatronais não são impedidos de reclamar ecombater as políticas de que discordarem.

Esses elementos democráticos seriamreais na democracia delegativa, mas, com-parada com as democracias consolidadas,os poderes do Executivo não são devida-mente contrabalançados por outras ins-tituições relativamente autônomas, comcapacidade de "questionar e eventual-mente punir maneiras 'impróprias' de oocupante do cargo(...) cumprir suas res-ponsabilidades".

O'Donnel se mostra particularmentealérgico à gestão econômica da "demo-cracia delegativa", a qual contrastaria emextremo com a tomada de decisões pró-pria da democracia representativa. Nesta,as medidas passam pelo crivo de váriospoderes, cada um com poder de veto.As decisões surgem de processos lentos,passo a passo, mas a implementação delasé mais segura e os erros, cuja responsabi-lidade é compartilhada por muitos, podemser detectados antes que seja tarde. Com o"decretismo" da democracia delegativa, asdecisões são rápidas, mas não evitam errosgrosseiros e sua implementação é incerta.

Sem dúvida, a democracia delegativade O'Donnel descreve muitas caracterís-ticas dos nossos regimes pós-autoritários.Seu ensaio data do auge dos pacotes eco-nômicos e das medidas de choque, aqui eem outros países.

Entretanto, esse conceito, muito cola-do a uma certa conjuntura latino-america-na, parece apenas extremar tendênciaspresentes nas próprias democracias con-solidadas a que O’Donnel se refere. Opredomínio do Executivo sobre os demaispoderes extrapola de muito o subconjuntodas democracias delegativas. Que se lem-bre a força dos gabinetes britânicos, quereduzem o parlamento, como assembléia,a foro de debates, ou o “decisionismo”que vai e volta na Itália, pátria, aliás,das medidas provisórias, inclusive de suareedição. O semipresidencialismo francêsdota o gabinete de extraordinária força,sobretudo nos períodos em que presidentee primeiro-ministro pertencem à mesmamaioria partidária. Por toda parte, no con-tinente europeu, fala-se de “parlamentaris-mo racionalizado”, ou seja, sistemas não

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sujeitos à paralisia de decisões, porque édada ao Executivo a capacidade de verseus projetos aprovados com celeridadee praticamente não emendados. E, nademocracia norte-americana, o uso, pelopresidente, de seu poder de decreto – asordens executivas – tem sido freqüente esua abrangência é cada vez maior.

Ao examinarmos a nova realidade,é preciso, primeiramente, deixar de vera democracia como um regime prontoe acabado, que possa permanecer imu-

tável quando o mundo ao redor está emconstante transformação. O mundo glo-balizado exige uma presteza de respostagovernamental desconhecida em outrostempos. Por mais bem organizado que sejao Poder Legislativo, por mais centralizadosque sejam seus mecanismos de decisão,trata-se sempre de um grande colegiado,cuja lógica de funcionamento não é, nempode ser, a mesma do Executivo. Por isso,

é errôneo, como freqüentemente se vê,encarar o uso do “poder de decreto” pelosgovernos como constituindo sempre umausurpação e, da perspectiva da assem-bléia, uma abdicação de competência.

A tendência generalizada de recursoao “decretismo” revela haver causas maisprofundas em operação do que a simplesvolúpia de poder de governantes, em cum-plicidade com parlamentares pouco iden-tificados com sua missão e pouco ciososde sua competência legislativa.

Estamos diante de um dos problemasmagnos da democracia de hoje, no quediz respeito a uma redefinição dos papéisdos dois poderes, num mundo em queas decisões têm de ser céleres e as crisesexternamente geradas se sucedem a curtosintervalos.

Por outra parte, instrumentos comoas “medidas provisórias”, ainda que neces-sários – como o próprio constituinte de 88reconheceu, apesar do estado de espíritopor todas as razões avesso, à época, àpreponderância do Executivo, vista comoparte do entulho autoritário – devemconhecer limites, como não cessam dealertar expoentes de nossos meios jurí-dicos. Não se pode ignorar os grandesproblemas de segurança jurídica que umarcabouço legal construído com recursotão abundante como as MP´s traz. Afinal,

normas criadas por MP´s podem tambémse modificar por novas MP´s, o que não émuito tranqüilizador diante da necessida-de de normas estáveis.

A Emenda Constitucional nº 32/2001sem dúvida aperfeiçoou a sistemática dasMedidas Provisórias, em particular pordelimitar com clareza as matérias que lhesão vedadas e limitar-lhes a reedição. Comessas vedações, diminuiu-se a irrestritadelegação de antes. Contudo, na prática, anova mecânica tem trazido problemas aofuncionamento do Legislativo, sobretudopelo “trancamento de pauta” que provoca,quando também outras matérias relevantesprecisam de deliberação. Ainda temos deobter um melhor ajuste entre os dois pode-res no uso do instituto emergencial, quedeve ser mais parcimonioso por parte doPoder Executivo.

Os que estudam o indiscutível predo-mínio do Executivo, por toda parte, na ini-ciativa legislativa, quando não na próprialegiferação – pois, com os decretos comforça de lei, a lei já vem pronta do própriogoverno – têm apontado, todavia, paradiferenças entre as legislaturas dos paísesdemocráticos. Algumas logram exercer umpapel mais decisivo na produção legal doque outras.

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Esse papel decisivo já não é deexclusividade na legiferação, mas signi-fica não ser o Legislativo apenas foro dedebates, senão também instituição comcapacidade de afetar a própria legifera-ção. O Legislativo exerce, também, funçãotransformativa, ao trabalhar e aprimorar osprojetos que recebe, ou ao processar os desua própria iniciativa.

O que distingue os parlamentos maisefetivos, com maior capacidade transfor-mativa, dos demais, é sua própria orga-nização interna, sua institucionalização,sobretudo quando contam com um forte ecomplexo sistema de comissões.

Nossa Câmara dos Deputados dispõede comissões permanentes, com juris-dições regimentalmente definidas. Aindanão chegamos, porém, a institucionaliza-ção satisfatória nesse particular. Ainda nãopreenchemos algumas condições impor-tantes para lográ-la. Vejamos alguns dosproblemas pendentes.

Para as comissões desempenharemem plenitude o papel que delas se espera,deveria haver incentivos para a especia-lização dos parlamentares nos assuntossobre os quais cada uma tem jurisdição.A especialização advém não apenas daformação profissional, do setor de ativida-de social e econômica a que o deputadoestá vinculado, enfim, de sua experiênciaprévia, mas, também, do investimento deseu tempo nos assuntos de que o colegia-do trata. Esses incentivos são limitados,porém, exceto no caso dos presidentes dacomissão e de seus relatores.

Diferentemente de outras legislaturas– sobretudo o Congresso norte-americano,exemplo mais relevante para nós, por setratar de um sistema presidencial –, nossa

Câmara não constitui, para numerososparlamentares, o horizonte de sua “car-reira” política. É apenas um estádio numacarreira em geral orientada para postos noExecutivo, sobretudo os de nível infrana-cional (prefeituras e secretarias de estado).A maioria dos representantes norte-ame-ricanos, ao contrário, pensa na carreiralegislativa como horizonte de longo prazo,uma opção de vida. Nela os deputadosinvestem seu tempo, esforços e ambição.E a comissão é o lugar fundamental paradesenvolver a carreira parlamentar bem-sucedida.

Entre nós, não existe um sólido prin-cípio de antigüidade, de tempo de serviçodo parlamentar na instituição, ao contráriodo que se dá no Congresso norte-ame-ricano, em que a chamadaseniority érespeitada.Seniority significa recompensaao tempo de serviço. Quando existe, odeputado é estimulado a investir no tra-

balho de comissão, a nela permanecerpor longo tempo, pois, quanto mais nelapermanecer, quanto mais dominar seucampo temático, tanto maior o seu poderparlamentar. NaHouse of Representativesnorte-americana, os presidentes de comis-sões e subcomissões são os parlamentaresque nela vêm servindo ao longo de váriosmandatos.

No Brasil, praticamente proibimosregimentalmente a carreira no âmbito dacomissão, pois seus cargos de comandodevem renovar-se anualmente, além dehaver grande rotatividade entre os pró-prios membros das comissões. Haveriaque repensar o problema, sem, entretan-to, ignorar a complexidade de reforçar osistema de comissões e ao mesmo tempobuscarmos solidificar os partidos políticos.As partes de um sistema político se inter-

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SUSANNE GRATIUS / DELFET NOLT

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JOÃO PAULO CUNHA

relacionam. Comissões fortes, compostaspor parlamentares especializados e comextensa folha de serviços em suas ativida-des, não existirão no vazio. Ao contrário,podem entrar em choque com partidosmais coesos e disciplinados, que procu-rarão controlar a produção da comissão.A busca do equilíbrio entre os dois desi-deratos constitui um desafio sem soluçãofácil, que temos, porém, de enfrentar. E osestudiosos da Ciência Política, os publi-cistas e os próprios parlamentares estãodesde já convocados a ajudar a Câmarados Deputados com suas sugestões sobrecomo encará-lo.

Devo assinalar os notáveis pro-gressos que as modernas tecnologias deinformação nos têm propiciado, e delasnos temos valido, para o aperfeiçoamentodo trabalho parlamentar e, também, datransparência deste perante a sociedade.Quem entrar em nossa página da Internet

terá pleno e rápido acesso às informaçõesrelevantes sobre a atividade legislativa.A imprensa pode ter amplo conhe-

cimento de nossas lides, e a comunida-de acadêmica brasileira que se dedicaaos estudos do Legislativo tem podido,nos últimos anos, ter acesso à abundantemassa de dados para tratar, com metodo-logia científica, o que a Casa faz. Medianteanálise de nossas votações nominais, porexemplo, têm-se feito numerosas inferên-cias sobre o papel do Legislativo na NovaRepública, sobre a força dos partidos naatividade parlamentar e sobre o relacio-namento entre os Poderes. Neste primeironúmero de Plenarium, publicam-se algunstextos de cientistas políticos, os quais setêm valido do acesso rápido e confiávelaos dados da atividade legislativa na pro-

dução de seus estudos. Chamo a atenção,também, para a disponibilidade, em nossapágina na Internet, dos Anais da Câmara,desde os do ano de 1826. O acesso a essarica fonte é fácil, não havendo, doravante,desculpa para não se pesquisar a insti-tuição por dificuldade na obtenção dosdados. Igualmente, o acompanhamentodos projetos aqui em tramitação é sim-ples, podendo-se obter o texto integral dasproposições e dos pareceres em todas asfases.

Enfim, a Câmara é uma instituiçãoresponsável e transparente, como deveser.

Muitas vezes se infere, da obser-vação externa, ser o papel da Casa maispassivo na legiferação, menos transforma-dor, pela preponderância do Executivo nainiciativa legislativa. A despeito, porém,de todas as deficiências que ainda existeme da grande premência de tempo sob asquais o órgão tem muitas vezes de deli-berar, as proposições que aqui tramitampassam por cuidadoso escrutínio, negocia-ção, inclusive com o outro Poder, e apri-moramento. Rara a proposição que aquideixa de sofrer mudanças, via emendas. Avotação nominal, cujo dado fica registradoe tem sido objeto de estudos acadêmicos,é apenas a culminância de uma complexatramitação em que, em vez de simplesdelegação ao Executivo ou abdicação depoderes, a Câmara desempenha a funçãoque lhe é própria no sistema de separaçãode Poderes.

Para preencher essa função de modomais satisfatório, a Câmara dos Deputadostem, ao longo dos últimos anos, inves-tido em assessoramento especializado.Comparada com outras legislaturas presi-

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dencialistas, podemos dizer estarmos bas-tante adiantados no assunto. De modogeral, as matérias sobre as quais temos dedeliberar podem ser tratadas com com-petência técnica, dentro obviamente daslimitações de tempo sob as quais temosfreqüentemente de funcionar, sobretudo,como assinalado antes, com uma pautade decisões em boa parte gerada peloExecutivo, e sob regime de urgência.

Outro ponto a realçar é a produtivi-dade da Casa. Dos Poderes da República,nenhum mais exposto do que o Legislativo.É fácil passar ao público uma imagemdeturpada, como se a Câmara fosse órgãodesidioso. Focaliza-se o plenário vaziofora do horário das discussões e delibe-rações da “ordem do dia”, e tira-se fácil,mas deturpada, conclusão. É que, nessesmomentos captados pela mídia, podem,por exemplo, estar funcionando, a plenovapor, as comissões, e isso não é mostrado.

Podem estar os parlamentares em entrevis-tas com autoridades do Executivo, veicu-lando os pleitos de seus eleitores e regiões,e acompanhando-lhes o atendimento, ourecebendo líderes de seus Estados e simplescidadãos, ou trabalhando em seu gabinetena redação de um complexo parecer oupronunciamento. Todas essas atividadesfazem parte de seu papel, apesar de seremmenos visíveis.

Basta olharmos o que foi por nósvotado nos últimos anos para vermos quea Câmara nada fica a dever às assembléiasmais operativas. Aqui, expresso minhaestranheza diante de uma visão quantitati-vista, que julga nossa produção pelo núme-ro de projetos apresentados, sem olhar-lhes o teor e a relevância. O importante édeliberar sobre proposições significativas.Nesse particular, não nos saímos mal. À

guisa de exemplo, para não recuar muitono tempo, citem-se, nesta Legislatura, entrevários exemplos, a complementação dareforma da previdência social, a reformatributária ou o Estatuto do Desarmamento(Lei nº 10.826/2003), e, em legislaturasrecentes, a Lei de Responsabilidade Fiscal,acoplada com a de Crimes Fiscais, a Leidos Partidos Políticos, a Lei das Eleições,a Lei do Refis, a Lei Complementar queacabou com o sigilo das instituições finan-ceiras, as Emendas Constitucionais deDesvinculação das Receitas da União,de criação da CIDE – combustíveis, dasReformas Administrativa e Previdenciária,entre muitas outras peças legislativas fun-damentais.

Para concluir estas notas sobre aCâmara dos Deputados, recordemos terpassado nossa democracia, com as eleiçõesde 2002, pelo prova crucial do regime, ouseja, a transferência do poder à oposição,

com total respeito às regras do jogo e numclima de inteira normalidade institucional.Não se tratou, como em vezes anteriores,de um simples rodízio de grupos das elitesgovernantes, extraídos das camadas altase médias que tradicionalmente exerceramo poder entre nós, mas sim da chegada àpresidência de um líder popular vindo daclasse operária.

No novo patamar de nossa política,neste século que se inicia, o papel daCâmara dos Deputados será, mais do quenunca, decisivo. Ela não vai desempenharsomente um papel reativo na elaboraçãodas reformas de que o País necessita, masserá, sobretudo, a oficina de um árduo tra-balho proativo, resultante dos embates, dosacordos e das negociações entre as forçaspolíticas que, no seu interior, representamo diversificado eleitorado nacional. Nosso

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Sobre a ReformaPolítica

I – DiagnósticoNinguém ignora que, desde que o

povo foi às ruas, clamando por eleiçõeslivres e diretas, o sistema político e elei-toral brasileiro passou por transformações

democráticas significativas. O país foiconstitucionalizado, aquilo que se con-vencionou chamar de entulho autoritá-rio foi removido; estabeleceram-se, desdeentão, eleições diretas em todos os níveis;foi instituída a liberdade partidária erealizaram-se avanços até em camposonde as expectativas eram mais modestas,

como é o caso do sistema eletrônico devotação e apuração de votos. Nesta áreaconstruiu-se um sistema que está, semdúvida, na vanguarda mundial. E, se não éimune à fraude, certamente levanta sólidasbarreiras contra essa condenável práticasecular. Mas nem por isso o sistema polí-tico brasileiro deixa de padecer de sériaslimitações. Aqui algumas delas:

No Brasil, o financiamento privadode campanhas é escandaloso. Ele assegurauma desigualdade absoluta, não só entreos partidos, mas até dentro dos partidos,

* Deputado Federal / ** Chefe de Gabinete da Liderança do PT

*ARLINDO CHINAGLIA / **ATHOS PERE

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de um candidato com relação ao outro, deuma fração partidária com relação à outra.E provoca, de quebra, as condições para aprática do abuso do poder econômico deforma que, freqüentemente, a vontade doeleitorado sai deformada da urna, inde-pendentemente das virtudes do sistemaeletrônico de votação.

A ausência de regras destinadas aassegurar um mínimo de fidelidade par-tidária faz com que, quase sempre, assiglas partidárias funcionem como merasfranquias e confere aos eleitos uma liber-dade absoluta para trocar de sigla, sem amenor preocupação em dar explicaçõesà sociedade ou, pelo menos, a seu elei-torado. Essa permissividade certamentenão contribui para fortalecer os partidose, por conseqüência, serve para fragilizara democracia já que, sem partidos fortese representativos, o sistema democráticotende a perder terreno. Ressalto que nãose trata de impor uma fidelidade partidária

rígida, assegurada por leis draconianas,inclusive porque isso feriria a liberdade deorganização partidária. Além disso, nossaexperiência na construção do PT ensinaque é possível se obter um alto grau defidelidade partidária, independentementedas leis, desde que se pratique a demo-cracia interna no partido. Mas, tal comoestá hoje, a legislação favorece o indivi-dualismo e a corrupção, em detrimento daconstrução de projetos que contem com oapoio consciente e consentido de fraçõesda sociedade.

A inexistência de listas faz com queas naturais disputas internas nos parti-dos, entre tendências e personalidades, setransfiram para a sociedade, o que fragilizaos partidos. Isso reduz a força do apeloprogramático e despolitiza as disputas,reduzindo-as a brigas entre caciques ou

entre grupos. A despolitização não contri-bui em nada para a educação política dopovo. As disputas proporcionais se trans-formam numa balbúrdia em que o quemenos conta são os programas defendidospelos candidatos. As vitórias são conquis-tadas na base do poder econômico ou, namelhor das hipóteses, pela articulação dascorporações e, só raramente, pelo chama-do voto de opinião.

É correto considerar que as coliga-ções são próprias dos sistemas democráti-cos. Mas também é correto considerar queas coligações proporcionais mereceriamuma normatização mais rígida. Se nopassado era aceitável que algumas corren-tes políticas perseguidas pela ditadura seabrigassem sob o guarda chuva do MDB,hoje, quando todas podem se apresen-tar livremente à opinião pública, melhorseria que cada uma se mostrasse com seupróprio programa. Isso contribuiria para apolitização da sociedade e até para a mon-

tagem equânime de possíveis governos decoalizão. Já que, na inexistência de coli-gações proporcionais, seria possível aferircom precisão a força real de cada partido.Além disso, um dos efeitos de tirar o guar-da-chuva de certos partidos seria permi-tir-lhes se desenvolver sem a bengala dosmais fortes. Andar sem bengalas fortaleceos músculos. O PT cresceu sem usar guar-da-chuva nem bengala, fazendo aliançasparcimoniosas, quase sempre mostrandosua própria cara ao eleitorado. Acho quenossa experiência poderia ser tomada emconsideração.

Nenhum democrata pode ser umentusiasta de cláusulas de barreira. Masmesmo as democracias mais sólidas esta-belecem regras de representatividade paraque os partidos consigam assentos em seusparlamentos. A Constituição alemã, por

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exemplo, contém esse tipo de dispositivoe o Partido Verde alemão já esteve exclu-ído do Parlamento por não ter alcançadoum número mínimo de votos. Quandoos verdes se viram excluídos, ninguémacusou o sistema alemão de ser ditatorial.Tampouco o PV alemão foi para os can-tos do Parlamento choramingar por umjeitinho. Pelo contrário, foi para a socieda-de debater suas propostas, exercitar seusmúsculos. Hoje voltou ao Parlamento eparticipa do governo em aliança com asocial-democracia.

É verdade que a lei não deveprejudicar partidos que, mesmo pequenos,tenham programas consistentes, história eum certo grau de inserção na sociedade.Tampouco é correto que a lei seja objetopermanente de burla, abrindo uma avenidapara a constituição de siglas cartoriais,de aluguel, que quase sempre servem ainteresses pouco confessáveis.

No Brasil, a representação do povona Câmara dos Deputados padece deseveras deformações. Neste capítulo, aConstituição de 1988 foi um retrocesso.Antes dela, a legislação eleitoral estavamais próxima de assegurar o princípiodemocrático de que a cada eleitor devecorresponder um voto. Quando estabeleceuque a cada unidade da federação cabiaeleger no mínimo oito deputados federaise no máximo setenta, a Constituição de

1988 provocou uma enorme deformação,através da qual discrimina quem mora noCentro-Sul, particularmente em São Paulo,e assegura uma sobre-representação,particularmente para os Estados do Nortee do Centro-Oeste.

A título de ilustração, temos umexemplo extremo: em Roraima, nasúltimas eleições, tinham direito a voto197.346 pessoas. No Estado de São Paulo,

nas mesmas eleições, 26.425.954 pessoastinham direito a voto. Isto significa que oquociente eleitoral em Roraima é 197.346dividido por 8, que é igual a 24.668. Ouseja, um deputado federal em Roraimarepresenta 24.668 eleitores. Já o quocienteeleitoral no estado de São Paulo é obtidopela divisão de 26.425.954 por 70, que éigual a 377.513. Isto que significa que umdeputado federal por São Paulo representa377.513 eleitores. A divisão do quocienteeleitoral de São Paulo pelo quociente deRoraima mostra que o peso do eleitor de

Roraima é 15 vezes maior que o peso doeleitor de São Paulo na composição daCâmara dos Deputados.

Esperamos que ninguém veja nesteexercício algum tipo de bairrismo. Quandofalamos de eleitores de São Paulo, estamosfalando com igual respeito para com todosos que moram em São Paulo e exercem seudireito de voto naquele estado. Quandousamos Roraima como exemplo não nos

move nenhuma má vontade para com oshabitantes daquela unidade da federação.Utilizamos o exemplo apenas para ilustrarum caso evidente de distorção que,seguramente, não é da responsabilidadedos eleitores de Roraima.

Aos que porventura alegassem queesta distorção serve para dar equilíbriopolítico à nossa federação economicamentedesequilibrada, eu lembraria que o

equilíbrio político da federação é dadopelo Senado, onde a representação decada unidade federada é igual. Cada umatem três senadores e o Senado funcionacomo Casa revisora, por lá tramitam todasas matérias que tramitam na Câmara, oque também me parece questionável, maseste assunto não está em pauta.

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O quadro a seguir mostra como é a representação atual do povo, distribuído pelosestados, na Câmara dos Deputados, e como seria se fosse aplicado o princípio democráticode que a cada eleitor deve corresponder um voto:

UF ELEITORES DEPS_atual %/BR DEPS_IDEALAC 371.764 8 0,32% 2AL 1.648.391 9 1,40% 7AM 1.578.389 8 1,34% 7AP 310.912 8 0,26% 1BA 8.593.106 39 7,30% 37CE 4.928.660 22 4,19% 21

DF 1.530.451 8 1,30% 7ES 2.166.648 10 1,84% 9GO 3.498.544 17 2,97% 15MA 3.517.123 18 2,99% 15MG 12.963.562 53 11,01% 56MS 1.441.607 8 1,22% 6MT 1.770.653 8 1,50% 8PA 3.758.711 17 3,19% 16PB 2.361.184 12 2,01% 10PE 5.510.895 25 4,68% 24PI 1.876.289 10 1,59% 8PR 6.684.573 30 5,68% 29RJ 10.432.531 46 8,86% 45RN 1.960.717 8 1,67% 9RO 917.657 8 0,78% 4

RR 197.346 8 0,17% 1RS 7.412.691 31 6,30% 32SC 3.879.940 16 3,30% 17SE 1.183.607 8 1,01% 5SP 26.425.954 70 22,45% 115TO 801.184 8 0,68% 3TOTAL 117.723.089 513 509

ARLINDO CHINAGLIA / ATHOS PEREI

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Naturalmente a mediação está naessência da política. Por isso, não seriasurpresa se numa negociação sobre estamatéria surgissem propostas no sentido denão se aplicar rigidamente o princípio deque a cada eleitor deve corresponder umvoto, mas visando a, pelo menos, reduziras deformações atualmente existentes.

Há ainda quem discuta a questão dosistema de governo. Existem partidos quesão programaticamente parlamentaristas.Nós somos presidencialistas e conside-ramos que esta é uma cláusula pétrea daConstituição, consagrada em dois plebisci-tos pela vontade expressa da esmagadoramaioria da população. Consideramos, por-tanto, que não há espaço para discussãodesta matéria. Recusamos também a idéiado voto distrital, sobretudo a idéia do votodistrital puro, porque esta é uma formaantidemocrática que exclui as minorias.Teoricamente, neste sistema, uma minoriaexpressiva pode ser completamente afas-

tada do parlamento mesmo que conquiste49,9% dos votos em todos os distritos. NaInglaterra, nas eleições de 1979, o PartidoConservador obteve 43,9% dos votos, comisto conquistou 53,4% das cadeiras do par-lamento. Os trabalhistas, com 36,9% dosvotos, ficaram com 42,2% das cadeiras; jáo Partido Liberal, tendo alcançado 13,8%dos votos obteve apenas 1,7% das cadeirasdo parlamento. Esta é uma evidente dis-

torção. E o sistema distrital misto apenasatenua esta deformação evidente.Finalmente, vale lembrar episódio

recente, quando dois tribunais superioresdecidiram baixar regras mais rígidas sobrea composição das câmaras municipais.Inegavelmente, as decisões adotadas peloSTF e pelo TSE têm um cunho moralizador.No entanto, revelam uma surpreendentevocação legiferante das duas cortes, o que

foi confirmado também pela decisão deverticalizar as alianças eleitorais, tomadapelo TSE durante a campanha eleitoral de

2002. Possivelmente, a decisão de verti-calizar tem seus méritos, mas foi tomadano lugar errado. Temos esperança de quea Câmara dos Deputados aprove uma PECque está tramitando nas comissões com oobjetivo de estabelecer regras precisassobre o número de vereadores de cadamunicípio e que, nesse movimento, dete-nha a vocação legiferante de certos tribu-nais, mas incorpore as tendências morali-zantes reveladas pelas cortes. O episódioserve também para lembrar ao Legislativoo dever da celeridade. É inegável queo Legislativo dormiu sobre esta matéria.Tivesse sido mais ágil, os tribunais nãoteriam tido espaço para legislar.

Também caberia regular de formamais precisa a questão da mídia, tanto noque diz respeito à distribuição dos espa-ços entre as diferentes correntes políticas,como no que diz respeito à propriedadede meios de comunicação que, freqüente-mente, são utilizados de maneira arbitráriapor oligarquias locais.

II – Uma reforma amplaUma reforma política é assunto que

concerne mais a filósofos e escritores comoPlatão, Aristóteles e Thomas Morus do quea nós, militantes da política. De formaalguma queremos menosprezar a contri-buição desses autores; todos eles deixaramgrandes contribuições. Platão não somentefoi o principal responsável pela preserva-ção da memória de Sócrates, precursor detoda a filosofia ocidental e que não escre-via, como foi um grande pensador emtodos os campos em que atuou, inclusivena teoria política. Na prática política, queé espinhosa, aceitou ser assessor do tiranode Siracusa e não se deu bem.

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a proibição das coligações proporcionais.Mas adota a idéia de permitir a criação defederações partidárias. Com isso, o projetomostra que quer preservar os pequenospartidos que têm história e programa,desde que eles aceitem fazer parte de umafederação permanente.

Ou, na expressão da justificação assi-nada pelo deputado Alexandre Cardoso:“Com o fim das coligações, a fórmula dasfederações, sobre a qual dispõe o projeto,permitirá aos pequenos partidos contornaro obstáculo do quociente eleitoral, desdeque haja o compromisso, legalmente esta-belecido, de estabilidade da aliança peloperíodo mínimo de três anos, pois funcio-narão eles como um só partido.” Assim,o legislador mostra-se disposto a criar umquadro mais lógico para coligações parti-dárias, ao mesmo tempo em que cria ascondições para atenuar as exigências dacláusula de barreira prevista para entrarem vigor em 2006, desde que os partidosse disponham a trabalhar por alianças maisestáveis no seio de uma federação, o quegarantiria ao eleitor a compreensão dosentido programático de seu voto. Já queas federações seriam entre partidos quetêm objetivos programáticos que se asse-melham e estariam dispostos a fazer alian-ças duráveis, o que seria uma garantia deestabilidade política e, por conseqüência,administrativa.

Com o objetivo de fortalecer as ins-tituições político-partidárias e para colocarum freio ao individualismo exacerbadodas campanhas proporcionais, a Comissãoresolveu propor a adoção do voto emlista fechada pré-ordenada pelos partidos.Desta forma, o eleitor votará no partido enão mais em indivíduos. É assim que fun-ciona em quase todas as democracias doplaneta.

Dada nossa cultura política, é de seesperar uma forte reação a esta propostaque tem vários méritos. Alguns alegarãoinconstitucionalidade da iniciativa porquea Constituição assegura o voto direto e ovoto em lista seria indireto. Essa alegaçãoprocura ignorar que o voto de legenda, hámuito admitido no Brasil, é uma espéciede voto em lista, e sua constitucionalidadenunca foi questionada. Por outro lado, aConstituição reconhece a utilidade dospartidos e seu papel de organizador davontade coletiva. Não poderia ser de outraforma, a democracia direta dos gregos éinexeqüível nos dias de hoje, pela simplesrazão de que vivemos numa sociedadede massas, o que requer a existência departidos fortes e bem organizados, capazesde organizar a expressão da vontade demultidões.

Outros alegarão que a lista fechadaatribui muito poder a partidos que podemser dominados por oligarquias ou porcaciques que, por definição, são imperme-áveis aos valores da democracia. Há quese reconhecer que esta objeção procede.Mas viver é muito perigoso, ensinavaGuimarães Rosa, pela boca de Riobaldo.Registrando que quem fala em risco eperigo, fala também em oportunidade,podemos supor que, com as listas, ospartidos tradicionais terão a oportunidadede adotar práticas mais democráticas deadministração interna. Já se disse aqui queo PT, independentemente de leis, conse-guiu se construir praticando a democracia,e dentro de regras precisas. Nada impede,portanto, que os partidos tradicionaisvenham a adotar práticas democráticas,se mais não fosse, porque numa sociedadeque respira democracia, a insistência empráticas autoritárias certamente levaria aoesvaziamento dessas siglas. Quem primei-

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destinada às mulheres nas listas partidá-rias. E vai adiante quando destina trintapor cento dos recursos do fundo partidárioao estímulo e crescimento da participa-ção política das mulheres e reserva, pelomenos, vinte por cento do horário gratuitonos meios de comunicação destinado acada partido à difusão da propaganda decandidatas do sexo feminino. Com issoprocura-se ampliar no Brasil a aplicaçãode experiências bem sucedidas que mos-tram que, com estímulo, cresce a partici-pação das mulheres na vida política, o

que quase sempre é um fator de equilíbrioe de paz.No tocante às pesquisas eleitorais, o

projeto da Comissão procura estabelecerregras mais precisas com o objetivo decoibir manipulações que freqüentementeservem a objetivos obscuros. Com essasnovas regras, os institutos de pesquisasterão suas responsabilidades aumentadase terão reduzidas suas possibilidades de

intervir indevidamente nos processos elei-torais, como lamentavelmente é a práticade alguns deles, pelo menos nas regiõesmais afastadas do país.

Como subentendido acima, a pro-posta de reforma política elaborada pelaComissão Especial pode não ser perfeita,nem é essa sua pretensão. Ela é, no entanto,a proposta possível para esse momento davida nacional. Sua aprovação pela Câmarados Deputados e, posteriormente, peloSenado Federal, representaria um grandepasso no aperfeiçoamento de nosso siste-ma democrático e seria motivo de orgulhopara os parlamentares da atual legislatura,porque serviria aos interesses da maioriado povo e consolidaria a democracia emnosso país.

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OlharExterno

• Robert A. Pastor

Salvador Dali

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A Segunda Década daAmérica do Norte**UM PRIMEIRO RASCUNHO

O Acordo de Livre Comércio daAmérica do Norte (em inglês NorthAmerican Free Trade Agreement, NAFTA)entrou em vigor em primeiro de janeirode 1994, em meio a temores de perda deempregos nos Estados Unidos e de gritosrevolucionários no sul do México. Noentanto, em uma só década, as três naçõesda América do Norte construíram um mer-cado maior do que o das quinze nações daUnião Européia, e quase tão integrado. O

comércio e o investimento chegaram pertode triplicar; Estados Unidos, México eCanadá experimentaram um grau sem pre-cedente de integração social e econômica.Pela primeira vez “América do Norte” émais do que uma simples expressão geo-gráfica.

Em 2000, as vitórias eleitorais deGeorge W. Bush, Vicente Fox e JeanChrétien aumentaram ainda mais a espe-rança de que a promessa de uma parceriatrilateral poderia ser cumprida. No entan-

* ROBERT A. PASTOR

* Professor da Universidade da Geórgia, em Atlanta / USA. Texto publicado na Foreign Affairs, Fev/2004.Tradução: Sérgio Bath

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AVALIAÇÃO DA NAFTADesde o princípio, a NAFTA foi sub-

metida a críticas candentes, baseadas mui-tas vezes em previsões bizarras. Nos EstadosUnidos, o candidato presidencial RossPerot preveniu a nação, mencionando um“ruído gigantesco de sucção”, provocadopelos empregos migrando dos EstadosUnidos para o México. Enquanto isso,mexicanos e cana-denses temeram queas suas economiasfossem apropriadaspor empresas ameri-canas. Os opositorespreviram que o livrecomércio iria erodiros padrões ambien-tais e trabalhistasdos Estados Unidose do Canadá.

Dessas pro-fecias, poucas setransformaram emrealidade. De fato,nos Estados Unidos,os anos 1990 teste-munharam a maiorexpansão de empre-go da sua história.Embora tanto o México como o Canadátenham atraído um volume considerávelde novos investimentos americanos (pois

a NAFTA lhes dava acesso privilegiadoao mercado dos EUA), a porcentagemde empresas de propriedade americanaexistentes nesses países não aumentou. Naverdade, os investimentos canadenses nosEstados Unidos aumentaram ainda maisdepressa do que os investimentos america-nos no Canadá.

No México, a disparidade de rendase ampliou, mas isso aconteceu porque as

regiões que não comerciam com os EstadosUnidos passaram a crescer muito menosdo que as outras: na verdade o problema

não era a NAFTA, mas a sua ausência. NoMéxico, os padrões ambientais melhora-ram mais depressa do que os do Canadáe dos Estados Unidos, e as eleições mexi-canas de 2000 foram saudadas universal-mente como livres e justas. Por outro lado,embora o México e o Canadá se tenham

tornado mais depen-dentes do mercadoamericano, como osopositores haviamprevenido, o inversotambém ocorreu: ocomércio dos EstadosUnidos com os seusvizinhos cresceu cercade duas vezes maisdepressa do que ocomércio com o restodo mundo. De fato,em 2000, os Estados

Unidos importaram36 por cento da suaenergia dos parceirosmais importantes, oCanadá e o México,e as exportações paraesses dois vizinhosforam 350 por cento

maiores do que as exportações para o Japão e a China, e 75 por cento maio-res do que as exportações para a UniãoEuropéia.

Tanta coisa tem sido atribuída àNAFTA que é fácil esquecer que ela nãopassava de um simples acordo para des-mantelar a maior parte das restrições aocomércio e ao investimento, ao longo dedez anos. Com algumas notáveis exceções(o tráfego de caminhões, madeiras e açú-car), onde os interesses econômicos ameri-canos bloquearam um acordo, em grande

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quinto lugar, não houve qualquer tentativade coordenar a política macro-econômica,deixando os três governos sem um instru-mento para prevenir desastres como a crisedo peso mexicano. Finalmente, a NAFTAnada fez no campo da segurança, e porisso as conseqüências do 11 de setembroameaçam agora prejudicar a integraçãonorte-americana.

LIÇÕES ANTIGAS DA NOVAEUROPA

O vínculo que une essas falhas é afalta de uma autêntica cooperação trila-teral. Em vez de criar uma parceria con-tinental, o processo de integração assumiuquase sempre a forma de um duplo bila-teralismo: EUA-México e EUA-Canadá.A recente negociação de acordos sobre“fronteiras inteligentes”, depois do 11 desetembro, é um bom exemplo: em vezde criar um padrão uniforme norte-ame-ricano, o governo de Washington assinoucom os seus vizinhos tratados separados,embora quase idênticos. Em grande parte,a não adoção de instituições multilateraistem sido deliberada. Muitas vezes oscanadenses pensam que sozinhos podemobter melhor resultado ao negociar com osEstados Unidos (nada prova essa hipótese).E como atualmente Washington não estácom disposição multilateral, o México temsido o advogado solitário da cooperaçãotrilateral. No entanto, uma integração bem

sucedida exige uma nova forma de gover-nança na América do Norte, baseada emregras e reciprocidade. A experiência euro-péia com integração tem muito a ensinaraos formuladores de políticas norte-ame-ricanos, desde que sejam compreendidasas claras diferenças existentes entre osrespectivos modelos.

A unidade européia foi o fruto deduas guerras cataclísmicas, e os seus mem-

bros mais importantes são comparáveisem termos de população e poder. O PNBper capita da nação mais rica da Europa(Alemanha) é aproximadamente o dobroda mais pobre (Grécia), enquanto o PNBper capita dos Estados Unidos é quase seisvezes o do México. O modelo norte-ame-ricano consta de um único Estado domi-nante, e foi sempre movido pelo mercado;é mais resistente à burocracia, mas maisrespeitoso da autonomia nacional do queacontece na Europa. São elementos queirão sempre diferenciar os dois casos.

No entanto, a despeito dessas dife-renças, cinqüenta anos de integração euro-péia são suficientes para ensinar aos norte-americanos que eles precisam enfrentar asfalhas e externalidades de um mercado emintegração, sejam elas crises monetárias,degradação ambiental, ameaças terroris-tas, impedimentos infra-estruturais ou hia-tos de desenvolvimento.

No princípio dos governos Fox eBush, houve um momento em que os líde-res da América do Norte pareciam aceitaresse ponto. Em fevereiro de 2001, Fox eBush endossaram em conjunto a Propostade Guanajuato, que dizia: “Depois deconsultas com nossos parceiros canaden-ses, faremos um esforço para consolidaruma comunidade econômica norte-ame-ricana cujos benefícios se estendam àsáreas menos desenvolvidas da região e

aos grupos sociais mais vulneráveis dosnossos países”. Infelizmente, esse senti-mento nunca chegou a ser traduzido emtermos políticos (com exceção dos qua-renta milhões de dólares da Parceria paraa Prosperidade, um programa simbólico,mas substantivamente trivial).

Os três governos compartilham aculpa por esse insucesso. O principal obje-tivo de Bush era abrir o setor do petróleo

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no México para investidores americanos,enquanto Chretien não demonstrou qual-quer interesse em cooperar com os mexi-canos. De seu lado, Fox propôs uma agen-da excessivamente ambiciosa, com ênfaseexagerada em uma reforma radical dapolítica de imigração dos Estados Unidos.Sua proposta preconizava o aumento donúmero de trabalhadores temporárioslegais, e a legalização de milhões de nãodocumentados.

A resposta inicialde Bush foi polida, masele não tardou a per-ceber que não podiaaceitar essa proposta(consta que, em parte,porque seu conselheiroKarl Rove lembrou-o deque de cada três mexi-canos naturalizados,dois votavam no PartidoDemocrático). A ques-

tão da imigração ilegalcontinua sem solução.Em última análise, elaé mais um sintoma doque, uma causa: a únicaforma de reduzir a imi-gração ilegal é fazercom que a economiado México cresça maisdepressa do que a americana.

CUIDADO COM O HIATOPara a segunda década norte-ameri-

cana não há maior prioridade do que redu-zir o divisor econômico existente entre oMéxico e o resto da NAFTA. Simplesmentenão pode haver uma parceria verdadeiraquando os habitantes de um país ganham,em média, um sexto do que ganham osindivíduos do outro lado da fronteira.

O subdesenvolvimento mexicano é umaameaça à sua estabilidade, a seus vizinhose ao futuro da integração.

Neste particular, a experiência daUnião Européia também é instrutiva. Entre1986 e 1999, o PNBper capita dos qua-tro países mais pobres da União Européiacresceu de 65 para 78 por cento da médiade todos os Estados-Membros, graças aolivre comércio, ao investimento estrangei-

ro e a uma assistênciagenerosa (0,45 por centodo PNB da União, anu-

almente). Boas políticaspor parte dos recipientesdessa ajuda, e o fato deque a assistência esta-va condicionada a essasboas políticas, fizeramtambém uma diferençaimportante.

C l a r a m e n t e ,nem todos os recursos

assistenciais da UniãoEuropéia foram bemgastos, e a América doNorte pode aprendercom essas falhas, bemcomo com os suces-sos. Assim, a burocra-cia excessiva deve serevitada, e a assistência

deve concentrar-se em setores tais como

infra-estrutura e educação pós-secundá-ria, que têm um forte efeito multiplicadorsobre o resto da economia. Mas há duaslições que são básicas: o crescimento emum país beneficia os outros, e a imposiçãode limites à volatilidade dos mais pobres éuma ajuda prestada a todos.

O México precisa de uma nova estra-tégia de desenvolvimento, financiada, emparte, pelos seus parceiros norte-america-

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OLHAR EXTERNO

nos. Para reduzir o hiato de desenvolvi-mento com os Estados Unidos em 20 porcento, nos próximos dez anos, o Méxicoprecisará sustentar uma taxa anual decrescimento de 6 por cento. Mesmo comessa taxa, superar completamente o hiatolevará décadas, mas uma estratégia susten-tável que resulte em pequenas reduçõesanuais terá importante efeito econômico epsicológico. E esse crescimento vai exigiruma nova estratégia, baseada em investi-mentos públicos significativos e intensivosde trabalho.

Embora em conjunto o México setenha beneficiado com a NAFTA, o livrecomércio e o maior investimento estran-geiro distorceram o desenvolvimento eexacerbaram asd e s i g u a l d a -des existentesdentro do país.Noventa porcento dos novos

investimentos seconcentraramem quatro esta-dos, três delesno norte. Essesestados fronteiri-ços têm crescidodez vezes maisdepressa do que os do sul, atuando comoum magneto para migrantes dessas regiõespobres.

A região fronteiriça pareceria ter umadesvantagem na atração dos investidoresestrangeiros: o custo do trabalho é trêsvezes maior do que no sul, a reposiçãoanual da força de trabalho é de cem porcento, a poluição e o congestionamentosão crônicos. Mas as estradas da fronteirapara o sul estão em péssimas condições,e outros aspectos da infra-estrutura são

ainda piores. O Banco Mundial estima queo México precisará gastar vinte bilhões dedólares por ano, nos próximos dez anos,para superar essedeficit na infra-estrutura.

Para corrigir tal disparidade, os trêsgovernos deveriam criar um Fundo deInvestimento Norte-Americano e investirduzentos bilhões de dólares em infra-estru-tura, durante a próxima década. Washingtondaria 9 bilhões por ano, o Canadá 1 bilhão,mas só com a condição de que o Méxicoigualasse o montante global, elevandogradualmente a receita tributária de 11para 16 por cento do PNB. No passado,Fox tentou,sem êxito, uma reforma fiscal,mas a oferta dos países vizinhos poderiaajudá-lo a persuadir o Congresso a acei-

tar esta e outrasreformas. Acontribuiçãodos Estados-Unidos seriamenor do que

a assistênciaeuropéia dadaaos EstadosMembros maispobres, cor-respondendoà metade daajuda do gover-

no Bush ao Iraque.Por outro lado, o retorno do inves-

timento no México beneficiaria a eco-nomia dos Estrados Unidos mais do quequalquer outro programa assistencial dahistória. Não seria necessário criar umanova agência: O Banco Mundial ou oBanco Interamericano poderiam adminis-trar os fundos. Em última análise, melhoresestradas e melhor infra-estrutura atrairiaminvestidores para o centro e o sul do país,diminuindo assim a migração e as dispa-

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ridades de renda. As reformas tornariamtambém o México mais competitivo coma China.

PLANOS PARA A AMÉRICA DONORTE

A NAFTA não tem criado uma par-ceria porque os três governos não muda-ram o modo como se relacionam entresi. O duplo bilateralismo, alimentadopelo poder dos Estados-Unidos, continuaa governar e a provocar irritação. O

acréscimo de uma terceira parte às dis-putas bilaterais aumenta muito a possibi-lidade de que os problemas venham a serresolvidos por regras, não pelo poder. Essaabordagem trilateral deveria ser institucio-nalizada em uma nova Comissão Norte-Americana. Diferentemente da ComissãoEuropéia, esparramada e intrometida, aNorte-Americana seria restrita, de naturezaconsultiva, composta por apenas quinzepersonalidades eminentes, cinco de cadapaís. Seu objetivo principal seria pre-parar uma agenda norte-americana a serconsiderada pelos líderes nacionais emreuniões de cúpula bianuais, e monitorar aimplementação dos acordos resultantes.

Deveria, também, avaliar as formasde facilitar a integração econômica, fazen-do propostas específicas sobre temas deinteresse continental, tais como a harmoni-zação dos padrões ambientais e trabalhistase a adoção de uma política sobre a com-petição. O Congresso dos Estados Unidosdeveria também fundir os grupos interpar-lamentares EUA-México e EUA-Canadá emum único Grupo Interparlamentar Norte-Americano. Isso estimularia os legisladoresa deixar de lançar denúncias, através dasfronteiras, para começarem a negociarbuscando resolver problemas comuns.

Uma terceira instituição seria umaCorte Permanente sobre Comércio eInvestimento. A NAFTA criou “panels” paratratar de conflitos numa base “ad hoc”, mastem sido cada vez mais difícil encontrarexpertos que não estejam envolvidos emconflitos de interesse e, portanto, possamarbitrar disputas. Um tribunal permanentepermitiria a acumulação de precedentes efixaria as bases do direito comercial norte-americano. Impediria também a erosãodos padrões ambientais e tornaria o pro-cessamento mais transparente.

O Canadá e o México há muitoorganizaram o seu governo para dar priori-dade às relações bilaterais com os EstadosUnidos. Só Washington está mal organizadapara abordar os temas relativos à Américado Norte. O Presidente Bush precisa levarem conta a medida em que os interessesinternos dos Estados Unidos colidem comos dos seus vizinhos, designando, na CasaBranca, um Conselheiro para Assuntos

Norte-Americanos, que trataria de formainclusiva os temas da segurança geral,segurança nacional e os conselhos depolítica interna, presidindo um grupo-tarefa sobre a América do Norte, no níveldo Gabinete, com a presença de todos osórgãos interessados. Nenhum presidentepode adotar uma política coerente comrespeito à América do Norte sem essareorganização maciça.

O ataque de 11 de setembro e a sub-seqüente resposta americana acentuaramum dilema básico da integração: comofacilitar os fluxos legítimos de pessoas emercadorias e, ao mesmo tempo, impedira ação de terroristas ou contrabandis-tas. Quando Washington virtualmentefechou suas fronteiras, depois do ataque,do lado do Canadá formou-se uma fila decaminhões de quase quarenta quilômetros.

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Empresas que trabalhavam com o sistema“just-in-time” começaram a fechar suasfábricas.

A nova estratégia, exemplificadapelos acordos sobre “fronteiras inteligen-tes”, que já estava sendo discutida antesdo ataque, consiste em concentrar as ins-peções no tráfego de alto risco e usar umatecnologia mais eficiente para tratar comrapidez o trânsito de pessoas e mercado-rias de baixo risco. Esta abordagem, noentanto, é muito limitada para resolver umproblema tão fundamental. Agora, a criação

do Departamento de Segurança Interna, o“Department of Homeland Security”, semquerer, é outra ameaça à integração.

Superar a tensão entre segurança eintercâmbio exige uma abordagem maiscorajosa à integração continental: umaunião aduaneira norte-americana comtarifa externa comum, que reduziria deforma significativa as inspeções na fron-teira e eliminaria as incômodas regrassobre a origem dos produtos, destinadasa negar, às mercadorias procedentes defora da NAFTA, o mesmo livre acesso. Ostrês governos precisam também repensar operímetro continental.

Juntamente com a tarifa externacomum, deveriam criar uma Força Norte-Americana Alfandegária e de Imigração,composta por funcionários treinados emconjunto em uma única escola profis-sional, e formular procedimentos paraagilizar a documentação apresentada aocruzar as fronteiras. Ainda mais importan-te, o Departamento de Segurança Internadeveria ampliar sua missão para incluir asegurança continental, o que será melhorexecutado se incorporar pessoal e perspec-tivas do México e do Canadá nas etapas deplanejamento e operação.

Mas os obstáculos de segurançaconstituem só o princípio dos proble-

mas de transporte na América do Norte.Conforme a conclusão de um relatóriode membro do Parlamento canadense, de

maio de 2000: “Na realidade, atravessara fronteira tornou-se mais difícil nos últi-mos cinco anos ... Enquanto o comérciocontinental se expandiu enormemente, omesmo não aconteceu com a infra-estru-tura física que permite o deslocamentodessas mercadorias.”

As barreiras burocráticas à travessiade fronteiras tornam os problemas de infra-estrutura “comparativamente menores”.

Washington tem sido criticado por imporaos caminhões mexicanos seus própriospadrões de segurança, mas a verdade éainda mais embaraçosa: há 64 diferentesconjuntos de regulamentos de segurança,51 deles nos Estados Unidos. Uma sub-comissão da NAFTA lutou para definir umpadrão uniforme, tendo concluído que“não há perspectiva” de se chegar a isso.

A Comissão Nacional da América do

Norte deveria desenvolver um plano conti-nental integrado de transporte e infra-estru-tura, que inclua novas rodovias norte-ame-ricanas e corredores ferroviários de altavelocidade. Os Estados Unidos e o Canadádevem desenvolver padrões nacionais depeso, segurança e configuração dos cami-nhões, e depois negociar com o Méxicopara estabelecer um único conjunto depadrões.

Além disso, Estados Unidos e Canadádeviam começar a fundir suas políticas deimigração e de tratamento dos refugiados.Vai ser impossível incluir o México nesseprocesso até que o hiato de desenvol-vimento diminua. Entrementes, os trêsgovernos deveriam desenvolver um passa-porte norte-americano, disponível sucessi-vamente, cada ano, a um grupo maior decidadãos.

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Finalmente, os governos norte-ame-ricanos podem aprender com os esforçosdesenvolvidos pela União Européia paracriar nos Estados-Membros centros educa-cionais e de pesquisa. Centros de estudosnorte-americanos nos Estados Unidos, noCanadá e no México ajudariam cidadãosdos três países a entender os problemase o potencial de uma América do Norteintegrada, assimcomo a se con-siderarem norte-a m e r i c a n o s .

Naturalmente,até que umanova consciên-cia da promessada América doNorte crie raízes,muitas dessaspropostas estarãofora do alcancedos formulado-res de políticaspúblicas.

VELHOSARGUMENTOS,NOVAS VISÕESOs opositores da integração muitas

vezes atacam propostas como estas comose fossem ameaças à soberania nacio-nal. No entanto, o conceito de soberanianão é imutável. No passado, o Canadárecorreu à soberania para manter afasta-das as empresas petrolíferas dos EstadosUnidos; o México a usou para impedir o

monitoramento externo das suas eleições;os Estados Unidos, como desculpa paraprivilegiar os “direitos dos Estados”, emconfronto com os direitos humanos. Emcada caso, a soberania foi empregada paradefender políticas errôneas. Os países sebeneficiaram ao mudar essas políticas, e aevidência sugere que os norte-americanosestão prontos para um novo relacionamen-

to, que tornaobsoleta essadefinição anti-ga de sobera-

nia. Nos últi-mos vinte anos,vários estudosdemonstrarama convergên-cia de valores,sobre temaspessoais e fami-liares, assim

como sobrepolíticas públi-cas. Os cida-dãos de cadapaís tendem ater uma idéiapositiva dosseus vizinhos,e o resultado éum apoio líqui-

do modesto dado à NAFTA. E há tambémum consenso: cada nação concorda emque as outras duas se beneficiaram mais doque elas próprias. 58% dos canadenses e69 % dos americanos sentem uma “forte”ligação com a América do Norte. E, o queé mais surpreendente, 34% dos mexica-nos se consideram também “norte-ame-ricanos”, embora, em espanhol o termose refira especificamente aos cidadãosdos Estados Unidos. Algumas pesquisas

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OLHAR EXTERNO

chegam a indicar que, em sua maioria, opúblico estaria preparado para aceitar uma“nação norte-americana”, se acreditasse

que isso iria melhorar o seu padrão de vidasem ameaçar a sua cultura.Uma pesquisa feita em outubro de

2003, realizada nos três países pela Ekos,uma firma canadense, revelou que umaclara maioria acredita que, nos próximosdez anos, será instituída uma união econô-mica norte-americana. Segundo a mesmapesquisa, uma maioria esmagadora é favo-rável a políticas mais integradas a respeito

do ambiente, do transporte e da defesa, euma maioria mais modesta é favorável apolíticas comuns no concernente à energiae ao sistema bancário. Por outro lado, nosEstados Unidos e no Canadá, 75 por centodas pessoas apoiam o desenvolvimento deum perímetro norte-americano de seguran-ça; e dois terços dos mexicanos pensam damesma forma.

Os governos dos Estados Unidos,

do México e do Canadá continuam adefender zelosamente uma concepção desoberania ultrapassada, embora os cida-dãos desses países estejam prontos paraaceitar uma nova abordagem. A liderançade cada país tem acentuado as diferençasexistentes entre eles, e não os seus interes-ses comuns. A América do Norte precisade líderes que possam articular e perseguiruma visão mais ampla.

A segunda década da América doNorte coloca um desafio diferente paracada governo. Em primeiro lugar, o novoPrimeiro Ministro do Canadá, Paul Martin,deveria tomar a dianteira para substituir oduplo bilateralismo do passado por insti-tuições norte-americanas fundamentadasem regras. Se fizer isso, terá o apoio doMéxico, e os Estados Unidos não tarda-rão a seguir o exemplo. De seu lado, o

México deveria demonstrar como poderiautilizar um Fundo de Investimento Norte-Americano para dobrar sua taxa de cres-cimento e começar a reduzir o hiato dedesenvolvimento.

Finalmente, os Estados Unidos devemredefinir a sua liderança para o século 21,de modo a inspirar apoio em lugar demedo e ressentimento. Se Washingtonpuder ajustar seus interesses de forma aalinhá-los com os dos vizinhos, o mundoverá os Estados Unidos de uma maneiradiferente. Esses três desafios constituemuma agenda de grande importância para aAmérica do Norte, na sua segunda década.O sucesso não só trará nova energia parao continente, mas proporcionará ummodelo a ser seguido por outras regiõesdo mundo.

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ROBERT A. PASTOR

PENSAR

• Antonio Delfim Netto• Ariosto Holanda

O Pensador - Auguste Rodin

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No Brasil, o “mercado”, ajudado peloFMI, estabeleceu um limite para a DívidaLíquida do Setor Público (DLSP) com rela-ção ao Produto Interno Bruto (PIB). Damesma forma que existe a constante uni-versal de Newton, a hipótese de Einsteinde um limite constante para a velocidadeda luz (agora contestada pelo físico portu-guês João Magueijo), e a constante de açãode Planck no mundo quântico, existiria,para o Brasil, um limite natural para a rela-ção DLSP/PIB.

Esse limite, primeiro intuído pelo“mercado” e depois “descoberto” pelatarometria dos economistas que se supõemportadores de uma “ciência dura”, seria omisterioso número 0,56. Utilizando sofisti-cados métodos econométricos para equa-ções não lineares, alguns economistas(nacionais e estrangeiros) “provaram”que 0,56 é mesmo uma espécie de

limite: quando a relação ameaça cresceralém dele, todo o sistema econômico seinquieta...

Da mesma forma que as constantesuniversais são “super-humanas” e estabele-cem os alicerces da realidade física, o limiteda relação DLSP/PIB = 0,56 constituiria oalicerce da credibilidade, no mundo, daeconomia brasileira. É ocioso insistir quetalvez seja lícito suspeitar que o resultadoencontrado foi, insuspeitadamente, intro-duzido pelas crenças dos próprios pesqui-sadores...

Mas isso é rigorosamente irrelevante!Um país profundamente endividado comoo Brasil não pode simplesmente ignoraras “crenças” dos seus credores (internos eexternos). Se quiser continuar funcionan-do, tem de reconhecê-las como restriçãoaos graus de liberdade da sua política eco-nômica.

* Deputado Federal

* ANTONIO DELFIM NETTOPENSAR

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Na Dívida Líquida Total do Setor Público estão incluídas as dívidas internas e externados três níveis da administração pública e as respectivas empresas estatais. No nível federainclui-se, obviamente, a dívida do Banco Central do Brasil, da qual se excluem as reservainternacionais. Nos últimos três anos o comportamento dessa dívida foi o revelado na tabelaabaixo:

(em bilhões R$)

2001 2002 20031. DLSP 660,9 881,1 913,1Interna 530,1 654,3 726,7Externa 130,8 226,8 186,42. PIB 1.258,4 1.576,5 1.590,03. DLSP/PIB 0,525 0,559 0,582

Fonte: Banco Central do Brasil.

A sociedade tem suportado um aumento permanente de carga tributária brutarevelada no gráfico abaixo, onde se registra também a DLSP/PIB. Esta vinha crescendo dforma preocupante e depois de algumas flutuações (produzidas pelo ruído eleitoral de 2002)ela parece estabilizar-se. Os números mostram o fantástico aumento da carga tributária aolongo do governo Fernando Henrique Cardoso (de 26% em 1994 para 37%, em 2002).

Gráfico nº 1

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PENSAR

O primeiro mandato de FHC (1995/98) foi um desastre fiscal, com as despesas decusteio crescendo muito mais do que o PIB. Depois de umsuperavit primário de 5,21% doPIB, no último ano do governo Itamar, que chegou a reduzir a relação DLSP/PIB, o resultadoprimário desandou. Só no segundo mandato, sob a pressão do FMI, é que se produziramsuperavits primários, como registra o gráfico nº 2.

Gráfico nº 2

O Governo costumava defender-se dizendo que o aumento da dívida se devia à“absorção dos esqueletos”, isto é, às dívidas já feitas mas não reconhecidas, hipótesefacilmente refutada pelo quadro abaixo:

Evolução da DLSP (1995-2002) (em bilhões R$)1. DLSP em 31/12/1994 153,22. DLSP em 31/12/2002 881,13. Acréscimo da DLSP no governo FHC 727,94. Juros nominais pagos 561,75. Superávits primários (-) 158,8 402,96. Ajuste cambial 291,87. Esqueletos 97,48. Venda do patrimônio (Privatização) (-) 64,6 32,89. Dívida externa (pequenos ajustes) 0,410. Total 727,9

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Vemos que, descontada a venda dopatrimônio público, isto é, as privatiza-ções, o reconhecimento dos “esqueletos”não chega a 5% do valor da dívida acumu-lada no período.

Em dezembro de 1994, a relaçãoDLSP/PIB era da ordem de 30%. Emdezembro de 2002 ela atingiu 56%. Issoa despeito de um aumento sufocante dacarga tributária bruta que, certamente, foium dos maiores inibidores de um desen-volvimento econômico mais robusto.

O ano de 2002 foi atípico, porque oprocesso eleitoral acrescentou uma enor-me volatilidade à taxa cambial. O resul-tado final foi que o Brasil pagou, no ano,14,5% do PIB como juro da sua dívida e,depois de ter feito umsuperavit primáriode 4%, acumulou umdeficit nominal de10,5% do PIB.

O “mercado” utiliza e o FMI e algunstarometristas confirmam que a relação

Dívida Líquida do Setor Público/PIB é umdos indicadores fundamentais para julgaras condições de resistência da economiabrasileira aos naturais choques externosque estão permanentemente se abatendosobre ela. Não importa a veracidade daproposição.

O que importa é a “crença” de quese aquela relação for maior do que 0,56(ou seja, a Dívida Líquida do Setor Público

é maior do que 56% do PIB), o Brasilterá maiores dificuldades de honrar a suadívida. Isso eleva os “spreads” externose a taxa de juros capaz de sustentar orefinanciamento da dívida e seu eventualaumento.

Nessas condições, o Tesouro (ou oBanco Central) não consegue renovar adívida à taxa de juros vigente, e é forçadoa aumentá-la, agravando ainda mais o

problema. O mesmo acontece quando secria dúvida sobre a capacidade de renovara dívida externa (incluída na DLSP), o que

produz aumento do “spread externo” euma diminuição do financiamento exter-no, elevando a taxa de câmbio nominal.Outra vez o movimento é no sentido deagravar o desequilíbrio, pois o aumentoda taxa de juros aumenta a desconfiançaexterna sobre a solvabilidade da dívida.

A dramaticidade do problema éque um fator que poderia aliviar o cres-cimento da relação DLSP/PIB seria um

robusto aumento do PIB, freqüentementeinibido pelo próprio comportamento dataxa de juros. É essa a armadilha em quenos encontramos há algum tempo.

Quais os fatores que controlam arelação DLSP/PIB? O numerador (DLSP)depende, basicamente, da relação já exis-tente no ano anterior, da taxa de juro real eda taxa de câmbio real, enquanto o deno-minador (PIB) depende da taxa de cresci-

mento real do produto. Qual é a condição“desejada” pelo “mercado”, pelo FMI econfirmada pelos tarometristas?

É que a relação DLSP/PIB se esta-bilize em 56% e, a partir daí, revele umdecréscimo monotônico. Esse foi o objeti-vo do ministro Palocci quando, no iníciode 2003, afirmou (logo depois confirmadopelo próprio presidente Lula) que “faría-mos o superavit primário necessário paraestabilizar a relação DLSP/PIB” e, unilate-ralmente, aumentou o objetivo dosupe- ravit para 4,25%.

O superavit primário não depende,pois, da “vontade” do ministro, das “dúvi-das internas do Governo” ou de “truques”.Ele depende da taxa de juro real, da taxade câmbio real e do crescimento real. Seem 2003 tivéssemos crescido em termosreais 3% (em lugar de -0,2%), a relação

ANTONIO DELFIM NETTO

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PENSAR

teria sido menor do que foi, dando umsinal positivo para os credores internose externos. Por outro lado, sabemos queexiste uma relação negativa entre taxa decrescimento real e taxa de juro real.

A taxa de câmbio real de hoje parecepróxima do equilíbrio em conta-corrente(com um crescimento do PIB da ordem de4 ou 5%). Existem, portanto, as condiçõesobjetivas para dar início a uma reduçãoconsistente da relação DLSP/PIB, iniciandoum movimento mais virtuoso do que o quetemos vivido.

A aceleração das exportações em2003 já melhorou outros importantes indi-cadores: 1º) a relação Dívida Externa/PIB e2º) Amortizações + Juros/PIB, o que con-firma a possibilidade de termos uma ima-gem externa mais adequada das condiçõesobjetivas que reduzem o “risco” Brasil.

É preciso estimular ainda mais asexportações, aproveitar a oportunidade dereduzir a taxa de juro real e tomar medi-das para expandir o PIB, para reduzir arelação DLSP/PIB e diminuir o pagamentode juros, abrindo espaço para algum inves-timento público. Há um evidente cansaçoda sociedade com o pagamento de juros,que em 2003 atingiu 145,2 bilhões dereais e é percebido como um exagero.Isso tende a estimular a imaginação dealguns economistas a procurar soluçõesmais rápidas (e em geral, erradas) para avolta ao crescimento.

O Brasil começou 2004 numa situ-ação econômica ligeiramente melhor doque à do ano de 2003 e é por isso que nãose justifica a gritaria para mudar a políticaeconômica do ministro Pallocci. Esperamostodos, agora, que com a estabilidade con-quistada, o País assista ao “espetáculo do

crescimento”, modestamente fixado nonível de aumento do PIB em 3,5%.

Todos sabemos que o “crescimento”é feito pelo setor privado quando, den-tro de quadros institucionais adequados(inclusive o absoluto respeito à proprieda-de privada), o Governo “cria” os estímulospara o funcionamento desembaraçado do“mercado”, para a apropriação de partedos ganhos de produtividade pelos trabalha-dores e incentiva os empresários.

É o comportamento do Governo que

reduz, para o agente privado, as incertezasque o futuro sempre esconde. É ele que dácerteza de que a demanda efetiva vai cres-cer, o que, combinado com a redução docusto do capital e a expansão de crédito,despertará o “espírito animal” dos empre-sários. Quando estes se dispõem a tomar o“risco” dos novos investimentos, o cresci-mento simultâneo da oferta e da demandaglobais põe em marcha um processo virtu-

oso de expansão. Mais dia menos dia, eleatinge o nível de emprego e, depois, coma redução do desemprego, acaba propor-cionando o aumento do salário real que éa forma de participação do trabalhador nocrescimento.

Isso mostra que nem o tamanho dobolo de 2004 nem a sua qualidade estãodeterminados. Ele vai depender dos ingre-dientes que o setor privado vai mobilizarem resposta à “receita” que o Governo forcapaz de imaginar. Lula sabia disso em1978 quando, numa reunião de ex-quaseintelectuais, na qual era o único trabalha-dor, em lugar de “teorizar” disse:

“Quando fui convidado para debatero tema ‘Brasil depois de novembro’ tenteiaté encontrar uma bola de cristal para medizer o que será o Brasil em janeiro de

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ANTONIO DELFIM NETTO

1979. Mas acho que o Brasil de janeiro de1979 será o Brasil que a sociedade brasi-leira quiser, será aquele Brasil que a socie-dade sem medo, sem apavoramento, possaexigir que os atuais governantes não con-cedam, mas cedam para nós, o Brasil paraos brasileiros” (Painéis da Crise, 1979).

Hoje o governo é ele, Lula! Quandoinsiste simultaneamente no “espetáculo docrescimento” e no “ano da microecono-mia”, acende uma grande esperança. O“ano da microeconomia” não será, ape-nas, o da redução da taxa de juros real, pormais importante que ela seja!

Será o ano do desembaraço máxi-mo do funcionamento dos mercados, daredução drástica dos impedimentos buro-cráticos, da racionalização dos impostoscombinada com a redução da carga pelaampliação da base imponível com a incor-poração do setor informal, da redução daextravagante legislação prudencial impos-

ta ao sistema bancário, da redução doscustos do trabalho, da mobilização dasagências financeiras do Governo para odesenvolvimento, da criação do créditopara as pequenas e médias empresas, comsistemas que reduzam o poder de mono-pólio do sistema bancário e do estímulo àconcorrência nos setores onde houve umaenorme concentração (industrial e comer-cial) nos últimos 10 anos?

O “ano da microeconomia” só podeser o da criação de incentivos para reduziro custo do capital, para a reorganizaçãoda atividade produtiva, para a escolha denovas tecnologias, para a aceleração dadepreciação dos equipamentos velhos esua substituição por novos, que incorpo-ram tecnologias mais eficientes e o anodo aumento da integração entre o setor

privado e as instituições de pesquisa edesenvolvimento.

O “ano da microeconomia” não serámenor do que uma década! Inicialmente,as grandes transformações certamente nãoserão visíveis a olho nu. Como o velhoSchumpeter mostrou, há quase um século,o aumento da produtividade e do cresci-mento numa economia de mercado é oresultado da realocação de recursos e dareestruturação das empresas dentro e entreos vários setores.

Trata-se de um mecanismo relati-vamente lento, mas permanente, que aomesmo tempo em que constrói o novovai destruindo o velho. Por isso é às vezeschamado de “creative destruction”. Foiisso que os “nouveaux économistes” tenta-ram através da “désinflation compétitive”.Infelizmente colheram apenas “destruc-tion”!

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IntroduçãoPretendemos nesse ensaio apontar

uma política de geração de trabalho apartir dos mecanismos de capacitação tec-nológica da população, que tenham comobase a educação profissional, a extensãotecnológica e a informação.

Entendemos que na realidade atual,com a economia globalizada e com as

freqüentes inovações tecnológicas, nãopodemos falar em trabalho sem colocarcomo carro-chefe o conhecimento, quedeve ser perseguido em todos os níveisda educação.

A geração de trabalho torna-se com-plexa porque temos pela frente um avançotecnológico crescente e uma grave ques-

tão social traduzida pela pobreza, analfa-betismo e concentração de renda.

*Deputado Federal

PENSAR

1. Sobre as Disparidades Inter-Regionais

REGIÃOEXPECTATIVA

DE VIDA(anos)

TAXA DEALFABETIZAÇÃO

(%)

MORTALIDADEINFANTIL

(p/mil)

POBREZAABSOLUTA

(%)

DH(0 a 1)

SulSudeste

NordesteNorteCentro-Oeste

70,167,1

58,868,268,4

87,588,2

63,588,183,1

61,874,5

121,472,370,3

20,614,8

51,224,624,7

0,8720,852

0,5750,7800,818

BRASIL 64,9 81,1 87,9 26,2 0,794*IDH - Índice de desenvolvimento humano: medido numa escala de 0 a 1, leva em conta a renda per capita, a expectativade vida e a taxa de alfabetização.Fonte: Relatório da Comissão Especial do Congresso que estudou as causas do desequilíbrio econômico inter-regional- ANO 1998.

* ARIOSTO HOLANDA

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Os números apontados pela Comissão Especial do Congresso Nacional que estudouas causas dos desequilíbrios econômicos inter-regionais em 1993, (tabela anterior) e os doRelatório do IPEA – ano 2000 (a seguir), comprovam muito bem a gravidade desse quadro

Observe no gráfico acima, do Relatório IPEA – Ano 2000, que o coeficiente Ginni, qumede a concentração da renda vem se mantendo ao longo dos últimos 20 anos no patamar0,6. Nos países onde existe uma boa distribuição de renda, esse número fica em torno de 0,25.

O gráfico acima, do Relatório IPEA – Ano 2000, mostra que 50% da renda estáconcentrada em 10% da população, enquanto 50% da população detém somente 10% darenda.

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PENSAR

O gráfico acima, do Relatório IPEA– Ano 2000, mostra a evolução do númerode Pobres e Indigentes no período de1979 a 2000. Estima-se que hoje existauma população aproximada de 17 milhõesde analfabetos, 50 milhões de pobres e22 milhões de pessoas sem qualificaçãoprofissional.

Como o trabalho é a única formadigna de combater a miséria, devemoscom urgência encontrar respostas para osseguintes questionamentos:• Como fazer ingressar num sistema

produtivo eficiente essa quantidadede analfabetos, que hoje chega a serda ordem de 17 milhões de brasilei-ros?

• O que fazer com milhões de tra-balhadores cuja força de trabalhoé cada vez menos exigida, ou nemmais o é?

• Como distribuir renda com pessoassem qualificação profissional, princi-

palmente nesse momento em que aexplosão tecnológica que ocorre nomundo está a exigir cada vez maisdas pessoas atualização permanentede seus conhecimentos?

• Como superar as desigualdadesregionais, quando se tem a consci-ência de que elas aumentam com aconcentração do conhecimento?Fala-se muito emcluster , em empre-

endedorismo, em cadeia produtiva, emempresa de base tecnológica, em incu-badoras de empresa como formas dedesenvolvimento, mas não se fala emacabar com o analfabetismo tecnológicoda população, das pequenas empresas edos pequenos negócios. Por isso, torna-seurgente uma ação de massa voltada paraapoio tecnológico às micro e pequenasempresas e para implantação de um amploprograma de ensino tecnológico baseado,sobretudo, nas vocações das regiões.

O discurso do crescimento econômi-co como fórmula de geração de trabalho,

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diante dessa massa de excluídos, torna-seinócuo,porque poderemos ter aumento sig-nificativo do PIB sem que isso implique emgeração de um grande número de empre-gos. Isso porque as empresas, dentro daatual lógica de crescimento, e não podemfugir dela, serão cada vez mais intensi-vas em capital e menos mão-de-obra. Omodelo que temos de discutir é o queesteja pautado numa visão de crescimentosócio-econômico, ou melhor dizendo, queesteja baseado numa economia que leveem conta as pessoas. Apresentar, apenas,

como indicadores de desenvolvimento,índices frios, sem considerar por trás detudo isso o homem: oportunidade parauma vida melhor, justiça social, saúde,habitação, educação, alimentação e salá-rios dignos constitui uma visão parcial doque entendo por desenvolvimento.

Vamos aprofundar essa discussãoapresentando alguns cenários para refle-xão.

2. A Nova Realidade do Trabalhoe Exigência de Mão-de-Obra– Cenários para Reflexão

2.1. Relacionados com a Cadeia doConhecimento

Se analisarmos a figura anteriorconstataremos que a cadeia do conheci-mento em nosso país encontra-se, senãodegradada, no mínimo, enfraquecida. Sãopontos que merecem a nossa atenção:• Analfabetismo – esse deve ser zerado.• Ensino fundamental e médio, como

foi constatado pelo recente diagnós-tico do MEC, precisa urgentementeser melhorado, tendo como pontode partida a formação, o aperfeiço-amento e a atualização profissionaldos professores. Atualmente, existeum grandedeficit de professores dematemática, física, química, biolo-gia e português. A escola precisa serassistida com os meios interativosproporcionados pela internet, ensi-no à distância e biblioteca multimí-dia.

• Ensino Profissionalizante - A LDB (Leide Diretrizes e Bases), na área doensino profissionalizante, contempla3 formações: básica, técnica e tecno-lógica. A formação básica diz res-peito a cursos de curta duração, nãolegalizados, na sua maioria patro-cinado pelo FAT (fundo de apoio aotrabalhador); a formação técnica ine-rente às escolas técnicas, de númeroreduzido; e a formação tecnológica,de responsabilidade dos centros deensino tecnológico superior, aindaem fase de implantação no país.Diante desse quadro, constata-seque existe um fosso entre o ensinofundamental e médio e a gradua-ção, evidenciado pela ausência deescolas técnicas profissionalizantes.Nos países desenvolvidos existe uma

ARIOSTO HOLANDA

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relação considerada ótima, de umtécnico de nível superior para cincotécnicos de nível médio. Essa relaçãono Brasil está invertida. Dados da CPIdo atraso tecnológico (1993) revelouque tínhamos dois técnicos de nívelsuperior para um de nível médio,como média nacional. Nas regiõesNorte, Nordeste e Centro-Oeste, essarelação é de quatro técnicos de nívelsuperior para um de nível médio.

• Ensino tecnológico - deverá serministrado com forte embasamen-to em ciências e domínio das lin-guagens: matemática, Informática,português e inglês.

• Graduação - deve ser fortalecidacom o aumento do número de mes-tres e doutores. O país precisa formar120.000 doutores. Hoje, só dispõede 35.000

• P (pós-graduação e pesquisa), D

(desenvolvimento tecnológico) e E(extensão e engenharia) – essas ati-vidades precisam ser implantadasou fortalecidas nas universidades einstituições de pesquisa.

• Extensão – os trabalhos de extensãodas universidades e institutos de tec-nologia precisam ser massificados nosentido de levar novos conhecimen-tos para a população.

• Infovias do conhecimento - forma-das por redes eletrônicas interligandoos centros de ensino tecnológico e asuniversidades, deverão ser implanta-das em todo país como suporte aosprogramas de ensino à distância edas bibliotecas multimídias, encur-tando assim a distância do conheci-mento.

2.2. Relacionados com a TecnologiaO século XXI vai se caracterizar por

mudanças rápidas na área tecnológica,onde a única certeza vai ser a incerteza.Como diz o professor Wladimir P. Longo:“Estamos todos nos deslocando sobre umaesteira rolante que se move em sentidocontrário, a velocidades crescentes, tra-zendo novos conhecimentos; temos quecorrer para ficar, pelo menos no mesmolugar”.

Esse avanço tecnológico, conclui o

professor, vai resultar no aprofundamentodo conhecimento de poucos e no aumentoda ignorância de muitos.

São consideradas áreas estratégicasdo conhecimento frente às inovações: ciên-cias biológicas, biotecnologia, engenhariagenética, química fina, energia, teleco-municações, informática, novos materiais,microeletrônica, mecânica fina, robótica emecatrônica.

As grandes aplicações dessesconhecimentos se darão nas indústriasde: telemática, bélica, transporte, robóti-ca, bens de consumo, aeroespacial, naagricultura voltada para genética animal,genética vegetal, doenças e pragas, enos serviços relacionados com automação,informação, educação, lazer e saúde.

2.3. Relacionados com o TrabalhoEstudos mostram que, num futuro

próximo, a indústria e a agricultura serãocada vez mais intensivas em capital emenos em mão-de-obra. A automaçãoindustrial e o avanço da mecanizaçãoagrícola com certeza vão acelerar esseprocesso. As fábricas sem operários e asempresas virtuais surgirão cada vez mais,dia a dia.

PENSARPENSAR

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ARIOSTO HOLANDA

Estima-se que, em 10 anos, nospaíses desenvolvidos, somente 10% dostrabalhadores estarão nos setores primárioe secundário, e que a terceirização, ouseja, a área de serviços será a grandedemandadora de mão-de-obra. Não maisexistirão as profissões tradicionais de paipara filho; nessa terceira via, devido àsinovações tecnológicas, surgirá um númeromuito grande de profissões nascendo emorrendo, e que somente a porta do saberpermitirá o acesso a elas.

Apesar de se apontar a área deserviços como a grande empregadora, noentanto, a atual transição da sociedadeindustrial rumo à sociedade de serviçosou à sociedade informatizada, mostra queno atual setor terciário, o potencial deracionalização é enorme. Estima-se quepoder-se-ia economizar 51% dos empregosno comércio e até 61% na administraçãopública e nos bancos. Do ponto de vistasocial e da ameaça do desemprego, isso é

extremamente grave.Novos campos profissionais surgirãocom o desenvolvimento tecnológico. Asatividades a eles inerentes beneficiarão apenasuma pequena elite global e virtual.

Vamos nos deparar com situaçõesonde teremos, de um lado pessoasprocurando emprego e, na contramão,trabalho procurando profissional.

Profissões vão surgir e em curtotempo desaparecer; do mesmo modo quepostos de trabalho vão exigir habilidadese conhecimentos que em pouco temposerão substituídos. O profissional, parasubsistir, terá que ser um eterno estudante.

3. ConclusãoHá, diante desse quadro, uma urgên-

cia de criarmos mecanismos, ágeis e fle-

xíveis, de transferência de conhecimentospara a população, como verdadeiros ata-lhos que avancem sobre os procedimen-tos tradicionais da educação.

Existe uma grande massa detrabalhadores sem esperança de empre-go, por total desqualificação profissional.Hoje, se houvesse um reaquecimentoda economia, com novos investimentosem áreas de alta tecnologia, esses traba-lhadores não entrariam no mercado detrabalho.

Temos que adotar, de imediato, medi-das voltadas para o aprimoramento doensino profissionalizante. Os indicadoressociais que acabamos de ver estão a exigir,das instituições que detém o conheci-mento, ações que venham a contribuir demodo decisivo no processo de educaçãopara o trabalho, em todos os níveis.

Certamente, a geração de emprego ea distribuição de renda só se darão quan-

do investirmos no capital humano e proce-dermos a uma profunda transformação nalógica do desenvolvimento. Por sua vez,o investimento no capital humano deveser feito através de um sistema educativoeficiente, de qualidade, e que envolva todasociedade. Só assim daremos o salto dequalidade.

Temos que ousar e partir para umprocesso de interação com a sociedadedo tipo Educar Trabalhando e TrabalharEducando.

A lógica do processo de educação,incluindo as várias etapas do conhecimen-to, deve ser capaz de responder a questõesdo tipo:

“Como e por que os produtos e serviçossão feitos dessa ou daquela maneira, ecomo podem ser melhorados”?

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PENSAR

Ao lado do mecanismo educacional,deve ser perseguida a implantação de umamplo sistema de informação tecnológica,no sentido de proporcionar aos pequenossegmentos produtivos, hoje mergulhadosnum verdadeiro analfabetismo tecnológi-co, condições de conhecer e de apropriar-se de novas tecnologias.

As ações a serem desencadeadasdevem ser tais que integrem todos os seg-mentos da sociedade; elas não podem serestanques e isoladas, e devem ter comoobjetivo o homem no seu estágio atual deconhecimento e no seu contexto social.

O analfabeto fora da escola, o analfa-beto tecnológico dentro da escola, a escolafora da realidade atual, a universidadesem interagir com os problemas do meio,o setor produtivo isolado dos problemaseducacionais e tecnológicos são verda-deiros desafios para qualquer governo quequeira promover uma revolução social,

educacional, científica e tecnológica.Por tudo isso, defendemos um novomodelo de desenvolvimento que tenhacomo alvo, não o crescimento econômicoem si, mas o desenvolvimento sócio- eco-nômico que leve em conta as pessoas, quesaia da lógica do desenvolvimento combase no mercado para a lógica da socialdemocracia, onde o Estado deve exercer opapel regulador do processo de desenvol-

vimento, e que tenha na educação, ciênciae tecnologia o suporte basilar para o seudesenvolvimento. Que seja um Estado quemassifique as ações da extensão tecnoló-gica via universidades, centros de ensinotecnológico e instituições de tecnologia.Que abra o mercado, na área de serviçose de produtos, para os pequenos negócios,tipo compra e serviços governamentais. Oque o governo (municipal, estadual e fede-

ral) compra ou contrata que pode ser feitopelo pequeno? Há que se definir progra-mas de geração de trabalho voltados paraessa massa de trabalhadores desemprega-dos. Programa, como o de produção dobiodiesel, poderia se constituir no maiorprograma de reforma agrária do país. Parafinalizar, torna-se oportuno transcrever aentrevista com o camponês Cícero dosSantos no livro “A Questão Política daEducação”:

“O senhor diz que até poderia serdiferente, não é assim? Que não é só paraensinar aquele ensinozinho apressado,para ver se velho aprende o que meninonão aprendeu. Então podia ser tipo deeducação até fora da escola, da sala. Quefosse assim dum jeito misturado com ode todo dia da vida da gente daqui. Quepodia ser um modo desses de juntar sabere clarear os assuntos, que a gente sente

mas não sabe. Então era bom. O povovinha”?

PENSAR

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&IdéiasLeis

Estatuto do Idoso• Senador Paulo Paim• Ministra Fátima Nancy

O Pai do Artista - Paul Cézanne

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ESTATUTO DO IDOSO

Estatuto do IdosoLEI Nº 10.741, DE 1º DE OUTUBRO

DE 2003.Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá

outras providências.O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço

saber que o Congresso Nacional decreta eeu sanciono a seguinte Lei:

TÍTULO IDisposições PreliminaresArt. 1º É instituído o Estatuto do Idoso,

destinado a regular os direitos

assegurados às pessoas com idadeigual ou superior a 60 (sessenta)anos.

Art. 2º O idoso goza de todos osdireitos fundamentais inerentesà pessoa humana, sem prejuízoda proteção integral de quetrata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outrosmeios, todas as oportunidadese facilidades, para preservaçãode sua saúde física e mentale seu aperfeiçoamento moral,intelectual, espiritual e social,

IDÉIAS E LEIS

Mulher com a Mania de Jogo - Théodore Géricault

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em condições de liberdade edignidade.

Art. 3º É obrigação da família, dacomunidade, da sociedade edo Poder Público assegurar aoidoso, com absoluta prioridade,a efetivação do direito à vida,à saúde, à alimentação, àeducação, à cultura, ao esporte,ao lazer, ao trabalho, à cidadania,à liberdade, à dignidade, aorespeito e à convivência familiare comunitária.

Parágrafo único. A garantia de priori-dade compreende:

I – atendimento preferencial imediatoe individualizado junto aos órgãos públicose privados prestadores de serviços à popu-lação;

II – preferência na formulação e naexecução de políticas sociais públicas espe-cíficas;

III – destinação privilegiada de recur-sos públicos nas áreas relacionadas com aproteção ao idoso;

IV – viabilização de formas alternati-vas de participação, ocupação e convíviodo idoso com as demais gerações;

V – priorização do atendimento doidoso por sua própria família, em detrimen-to do atendimento asilar, exceto dos quenão a possuam ou careçam de condiçõesde manutenção da própria sobrevivência;

VI – capacitação e reciclagem dosrecursos humanos nas áreas de geriatria egerontologia e na prestação de serviços aosidosos;

VII – estabelecimento de mecanismosque favoreçam a divulgação de informa-ções de caráter educativo sobre os aspectosbiopsicossociais de envelhecimento;

VIII – garantia de acesso à rede deserviços de saúde e de assistência sociallocais.Art. 4º Nenhum idoso será objeto de

qualquer tipo de negligência,discriminação, violência,crueldade ou opressão, e todoatentado aos seus direitos, poração ou omissão, será punidona forma da lei.

§ 1º É dever de todos prevenir a ame-aça ou violação aos direitos do idoso.

§ 2º As obrigações previstas nesta Leinão excluem da prevenção outras decor-rentes dos princípios por ela adotados.Art. 5º A inobservância das normas

de prevenção importará emresponsabilidade à pessoa físicaou jurídica nos termos da lei.

Art. 6º Todo cidadão tem o deverde comunicar à autoridadecompetente qualquer forma deviolação a esta Lei que tenhatestemunhado ou de que tenhaconhecimento.

Art. 7º Os Conselhos Nacional,Estaduais, do Distrito Federal eMunicipais do Idoso, previstosna Lei nº 8.842, de 4 dejaneiro de 1994, zelarão pelocumprimento dos direitos do

idoso, definidos nesta Lei.TÍTULO IIDos Direitos Fundamentais

CAPÍTULO IDo Direito à VidaArt. 8º O envelhecimento é um

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IDÉIAS & LEIS

direito personalíssimo e a suaproteção, um direito social,nos termos desta Lei e dalegislação vigente.

Art. 9º É obrigação do Estado, garantirà pessoa idosa a proteçãoà vida e à saúde, medianteefetivação de políticas sociaispúblicas que permitam umenvelhecimento saudável eem condições de dignidade.

CAPÍTULO IIDo Direito à Liberdade, aoRespeito e à DignidadeArt. 10. É obrigação do Estado e da

sociedade, assegurar à pessoaidosa a liberdade, o respeitoe a dignidade, como pessoahumana e sujeito de direitoscivis, políticos, individuaise sociais, garantidos naConstituição e nas leis.

§ 1º O direito à liberdade compreen-de, entre outros, os seguintes aspectos:

I – faculdade de ir, vir e estar noslogradouros públicos e espaços comunitá-rios, ressalvadas as restrições legais;

II – opinião e expressão;III – crença e culto religioso;

IV – prática de esportes e de diver-sões;

V – participação na vida familiar ecomunitária;

VI – participação na vida política, naforma da lei;

VII – faculdade de buscar refúgio,auxílio e orientação.

§ 2º O direito ao respeito consiste nainviolabilidade da integridade física, psí-quica e moral, abrangendo a preservaçãoda imagem, da identidade, da autonomia,de valores, idéias e crenças, dos espaços edos objetos pessoais.

§ 3º É dever de todos zelar pela dig-nidade do idoso, colocando-o a salvo dequalquer tratamento desumano, violento,aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

CAPÍTULO III

Dos AlimentosArt. 11. Os alimentos serão prestadosao idoso na forma da lei civil.

Art. 12. A obrigação alimentar ésolidária, podendo o idosooptar entre os prestadores.

Art. 13. As transações relativasa alimentos poderão sercelebradas perante o Promotorde Justiça, que as referendará,e passarão a ter efeito de títuloexecutivo extrajudicial nostermos da lei processual civil.

Art. 14. Se o idoso ou seus familiaresnão possuírem condiçõeseconômicas de prover o seusustento, impõe-se ao PoderPúblico esse provimento, noâmbito da assistência social.

CAPÍTULO IVDo Direito à SaúdeArt. 15. É assegurada a atenção

integral à saúde do idoso, porintermédio do Sistema Únicode Saúde – SUS, garantindo-lheo acesso universal e igualitário,em conjunto articulado e

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ESTATUTO DO IDOSO

contínuo das ações e serviços,para a prevenção, promoção,proteção e recuperação da

saúde, incluindo a atençãoespecial às doenças que afetampreferencialmente os idosos.

§ 1º A prevenção e a manutençãoda saúde do idoso serão efetivadas pormeio de:

I – cadastramento da população idosaem base territorial;

II – atendimento geriátrico e geron-

tológico em ambulatórios;III – unidades geriátricas de referên-cia, com pessoal especializado nas áreasde geriatria e gerontologia social;

IV – atendimento domiciliar, inclu-indo a internação, para a população quedele necessitar e esteja impossibilitada dese locomover, inclusive para idosos abriga-dos e acolhidos por instituições públi-cas, filantrópicas ou sem fins lucrativos eeventualmente conveniadas com o PoderPúblico, nos meios urbano e rural;

V – reabilitação orientada pela geri-atria e gerontologia, para redução dasseqüelas decorrentes do agravo da saúde.

§ 2º Incumbe ao Poder Público for-necer aos idosos, gratuitamente, medica-mentos, especialmente os de uso continu-ado, assim como próteses, órteses e outrosrecursos relativos ao tratamento, habilita-ção ou reabilitação.

§ 3º É vedada a discriminação doidoso nos planos de saúde pela cobrançade valores diferenciados em razão daidade.

§ 4º Os idosos portadores de defi-ciência ou com limitação incapacitanteterão atendimento especializado, nos ter-mos da lei.

Art. 16. Ao idoso internado ou emobservação é asseguradoo direito a acompanhante,

devendo o órgão de saúdeproporcionar as condiçõesadequadas para a suapermanência em tempo integral,segundo o critério médico.

Parágrafo único. Caberá ao profis-sional de saúde responsável pelo trata-mento conceder autorização para o acom-panhamento do idoso ou, no caso deimpossibilidade, justificá-la por escrito.

Art. 17. Ao idoso que esteja no domíniode suas faculdades mentais éassegurado o direito de optarpelo tratamento de saúdeque lhe for reputado maisfavorável.

Parágrafo único.Não estando oidoso em condições de proceder à opção,esta será feita:

I – pelo curador, quando o idoso forinterditado;II – pelos familiares, quando o idoso

não tiver curador ou este não puder sercontactado em tempo hábil;

III – pelo médico, quando ocorreriminente risco de vida e não houver tempohábil para consulta a curador ou familiar;

IV – pelo próprio médico, quandonão houver curador ou familiar conhecido,caso em que deverá comunicar o fato aoMinistério Público.Art. 18. As instituições de saúde

devem atender aos critériosmínimos para o atendimentoàs necessidades do idoso,promovendo o treinamento e acapacitação dos profissionais,assim como orientação a

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IDÉIAS & LEIS

cuidadores familiares e gruposde auto-ajuda.

Art. 19. Os casos de suspeita ouconfirmação de maus-tratos contra idoso serãoobrigatoriamente comunicadospelos profissionais de saúdea quaisquer dos seguintesórgãos:

I – autoridade policial;II – Ministério Público;III – Conselho Municipal do Idoso;IV – Conselho Estadual do Idoso;V – Conselho Nacional do Idoso.

CAPÍTULO VDa Educação, Cultura, Esporte eLazerArt. 20. O idoso tem direito a educação,

cultura, esporte, lazer, diversões,

espetáculos, produtos e serviçosque respeitem sua peculiarcondição de idade.

Art. 21. O Poder Público criaráoportunidades de acesso doidoso à educação, adequandocurrículos, metodologias ematerial didático aos programaseducacionais a ele destinados.

§ 1º Os cursos especiais para idososincluirão conteúdo relativo às técnicasde comunicação, computação e demaisavanços tecnológicos, para sua integraçãoà vida moderna.

§ 2º Os idosos participarão dascomemorações de caráter cívico ou cul-tural, para transmissão de conhecimentose vivências às demais gerações, no sentidoda preservação da memória e da identi-dade culturais.

Art. 22. Nos currículos mínimos dosdiversos níveis de ensino formalserão inseridos conteúdos

voltados ao processo deenvelhecimento, ao respeitoe à valorização do idoso, deforma a eliminar o preconceitoe a produzir conhecimentossobre a matéria.

Art. 23. A participação dos idosos ematividades culturais e de lazerserá proporcionada mediantedescontos de pelo menos

50% (cinqüenta por cento)nos ingressos para eventosartísticos, culturais, esportivose de lazer, bem como o acessopreferencial aos respectivoslocais.

Art. 24. Os meios de comunicaçãomanterão espaços ou horáriosespeciais voltados aos idosos,com finalidade informativa,

educativa, artística e cultural, eao público sobre o processo deenvelhecimento.

Art. 25. O Poder Público apoiaráa criação de universidadeaberta para as pessoas idosase incentivará a publicação delivros e periódicos, de conteúdoe padrão editorial adequadosao idoso, que facilitem a leitura,

considerada a natural reduçãoda capacidade visual.

CAPÍTULO VIDa Profissionalização e doTrabalhoArt. 26. O idoso tem direito ao exercício

de atividade profissional,respeitadas suas condiçõesfísicas, intelectuais e psíquicas.

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ESTATUTO DO IDOSO

Art. 27. Na admissão do idoso emqualquer trabalho ou emprego,é vedada a discriminação e afixação de limite máximo deidade, inclusive para concursos,ressalvados os casos em que anatureza do cargo o exigir.

Parágrafo único. O primeiro critériode desempate em concurso público será aidade, dando-se preferência ao de idademais elevada.Art. 28. O Poder Público criará e

estimulará programas de:I – profissionalização especializada

para os idosos, aproveitando seus potenci-ais e habilidades para atividades regularese remuneradas;

II – preparação dos trabalhadorespara a aposentadoria, com antecedên-cia mínima de 1 (um) ano, por meio deestímulo a novos projetos sociais, con-forme seus interesses, e de esclarecimentosobre os direitos sociais e de cidadania;

III – estímulo às empresas privadaspara admissão de idosos ao trabalho.

CAPÍTULO VIIDa Previdência SocialArt. 29. Os benefícios de aposentadoria

e pensão do Regime Geral daPrevidência Social observarão,

na sua concessão, critérios decálculo que preservem o valorreal dos salários sobre os quaisincidiram contribuição, nostermos da legislação vigente.

Parágrafo único. Os valores dos bene-fícios em manutenção serão reajustados namesma data de reajuste do salário-mínimo,pro rata , de acordo com suas respectivasdatas de início ou do seu último reajusta-

mento, com base em percentual definidoem regulamento, observados os critériosestabelecidos pela Lei nº 8.213, de 24 de

julho de 1991.Art. 30. A perda da condição

de segurado não seráconsiderada para a concessãoda aposentadoria por idade,desde que a pessoa contecom, no mínimo, o tempo decontribuição correspondente aoexigido para efeito de carênciana data de requerimento do

benefício.Parágrafo único. O cálculo do valor

do benefício previsto nocaput observaráo disposto nocaput e 2º do art. 3º da Leinº 9.876, de 26 de novembro de 1999,ou, não havendo salários-de-contribuiçãorecolhidos a partir da competência dejulho de 1994, o disposto no art. 35 da Leinº 8.213, de 1991.Art. 31. O pagamento de parcelas

relativas a benefícios, efetuadocom atraso por responsabilidadeda Previdência Social, seráatualizado pelo mesmo índiceutilizado para os reajustamentosdos benefícios do Regime Geralde Previdência Social, verificadono período compreendido entreo mês que deveria ter sido pagoe o mês do efetivo pagamento.

Art. 32. O Dia Mundial do Trabalho,1º de Maio, é a data-base dosaposentados e pensionistas.

CAPÍTULO VIIIDa Assistência SocialArt. 33. A assistência social aos

idosos será prestada, deforma articulada, conforme os

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IDÉIAS & LEIS

princípios e diretrizes previstosna Lei Orgânica da AssistênciaSocial, na Política Nacionaldo Idoso, no Sistema Únicode Saúde e demais normaspertinentes.

Art. 34. Aos idosos, a partir de 65(sessenta e cinco) anos, quenão possuam meios para proversua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, éassegurado o benefício mensalde 1 (um) salário-mínimo, nostermos da Lei Orgânica daAssistência Social – Loas.

Parágrafo único. O benefício já con-cedido a qualquer membro da família nostermos do caput não será computado paraos fins do cálculo da renda familiarpercapita a que se refere a Loas.Art. 35. Todas as entidades de longa

permanência, ou casa-lar, são

obrigadas a firmar contrato deprestação de serviços com apessoa idosa abrigada.

§ 1º No caso de entidades filantrópi-cas, ou casa-lar, é facultada a cobrançade participação do idoso no custeio daentidade.

§ 2º O Conselho Municipal do Idosoou o Conselho Municipal da AssistênciaSocial estabelecerá a forma de participaçãoprevista no § 1º, que não poderá excedera 70% (setenta por cento) de qualquerbenefício previdenciário ou de assistênciasocial percebido pelo idoso.

§ 3º Se a pessoa idosa for incapaz,caberá a seu representante legal firmaro contrato a que se refere ocaput desteartigo.

Art. 36. O acolhimento de idosos emsituação de risco social, poradulto ou núcleo familiar,caracteriza a dependênciaeconômica, para os efeitoslegais.

CAPÍTULO IXDa HabitaçãoArt. 37. O idoso tem direito a moradia

digna, no seio da famílianatural ou substituta, ou

desacompanhado de seusfamiliares, quando assim odesejar, ou, ainda, em instituiçãopública ou privada.

§ 1º A assistência integral namodalidade de entidade de longapermanência será prestada quandoverificada inexistência de grupo familiar,casa-lar, abandono ou carência de recursosfinanceiros próprios ou da família.

§ 2º Toda instituição dedicada aoatendimento ao idoso fica obrigada amanter identificação externa visível, sobpena de interdição, além de atender todaa legislação pertinente.

§ 3º As instituições que abrigaremidosos são obrigadas a manter padrõesde habitação compatíveis com asnecessidades deles, bem como provê-los com alimentação regular e higieneindispensáveis às normas sanitárias e comestas condizentes, sob as penas da lei.Art. 38. Nos programas habitacionais,

públicos ou subsidiados comrecursos públicos, o idoso gozade prioridade na aquisição deimóvel para moradia própria,observado o seguinte:

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ESTATUTO DO IDOSO

I – reserva de 3% (três por cento) dasunidades residenciais para atendimentoaos idosos;

II – implantação de equipamentosurbanos comunitários voltados ao idoso;

III – eliminação de barreirasarquitetônicas e urbanísticas, para garantiade acessibilidade ao idoso;

IV – critérios de financiamentocompatíveis com os rendimentos deaposentadoria e pensão.

CAPÍTULO XDo TransporteArt. 39. Aos maiores de 65 (sessenta

e cinco) anos fica asseguradaa gratuidade dos transportescoletivos públicos urbanose semi-urbanos, exceto nosserviços seletivos e especiais,quando prestados paralelamente

aos serviços regulares.§ 1º Para ter acesso à gratuidade,

basta que o idoso apresente qualquerdocumento pessoal que faça prova de suaidade.

§ 2º Nos veículos de transporte coletivode que trata este artigo, serão reservados10% (dez por cento) dos assentos para osidosos, devidamente identificados com aplaca de reservado preferencialmente paraidosos.

§ 3º No caso das pessoascompreendidas na faixa etária entre 60(sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos, ficaráa critério da legislação local dispor sobreas condições para exercício da gratuidadenos meios de transporte previstos nocaput deste artigo.

Art. 40. No sistema de transportecoletivo interestadual observar-se-á, nos termos da legislaçãoespecífica:

I – a reserva de 2 (duas) vagas gratuitaspor veículo para idosos com renda igualou inferior a 2 (dois) salários-mínimos;

II – desconto de 50% (cinqüenta porcento), no mínimo, no valor das passagens,para os idosos que excederem as vagasgratuitas, com renda igual ou inferior a 2(dois) salários-mínimos.

Parágrafo único. Caberá aos órgãoscompetentes definir os mecanismos eos critérios para o exercício dos direitosprevistos nos incisos I e II.Art. 41. É assegurada a reserva, para

os idosos, nos termos da leilocal, de 5% (cinco por cento)das vagas nos estacionamentospúblicos e privados, as quaisdeverão ser posicionadas deforma a garantir a melhorcomodidade ao idoso.

Art. 42. É assegurada a prioridade doidoso no embarque no sistemade transporte coletivo.

TÍTULO IIIDas Medidas de Proteção

CAPÍTULO IDas Disposições GeraisArt. 43. As medidas de proteção ao

idoso são aplicáveis sempreque os direitos reconhecidosnesta Lei forem ameaçados ouviolados:

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IDÉIAS & LEIS

I – por ação ou omissão da sociedadeou do Estado;

II – por falta, omissão ou abusoda família, curador ou entidade deatendimento;

III – em razão de sua condiçãopessoal.

CAPÍTULO IIDas Medidas Específicas deProteção

Art. 44. As medidas de proteção aoidoso previstas nesta Leipoderão ser aplicadas, isoladaou cumulativamente, e levarãoem conta os fins sociais a quese destinam e o fortalecimentodos vínculos familiares ecomunitários.

Art. 45. Verificada qualquer dashipóteses previstas no art. 43, o

Ministério Público ou o Poder Judiciário, a requerimentodaquele, poderá determinar,dentre outras, as seguintesmedidas:

I – encaminhamento à família oucurador, mediante termo de responsabili-dade;

II – orientação, apoio e acompanha-mento temporários;

II – requisição para tratamento de suasaúde, em regime ambulatorial, hospitalarou domiciliar;

IV – inclusão em programa oficial oucomunitário de auxílio, orientação e trata-mento a usuários dependentes de drogaslícitas ou ilícitas, ao próprio idoso ou àpessoa de sua convivência que lhe causeperturbação;

V – abrigo em entidade;VI – abrigo temporário.

TÍTULO IVDa Política de Atendimento aoIdoso

CAPÍTULO IDisposições GeraisArt. 46. A política de atendimento

ao idoso far-se-á por meio

do conjunto articulado deações governamentais e não-governamentais da União, dosEstados, do Distrito Federal edos Municípios.

Art. 47. São linhas de ação da políticade atendimento:

I – políticas sociais básicas, previstasna Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994;

II – políticas e programas de assistênciasocial, em caráter supletivo, para aquelesque necessitarem;

III – serviços especiais de prevençãoe atendimento às vítimas de negligência,maus-tratos, exploração, abuso, crueldadee opressão;

IV – serviço de identificação elocalização de parentes ou responsáveispor idosos abandonados em hospitais einstituições de longa permanência;

V – proteção jurídico-social por enti-dades de defesa dos direitos dos idosos;

VI – mobilização da opinião públicano sentido da participação dos diversossegmentos da sociedade no atendimentodo idoso.

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ESTATUTO DO IDOSO

CAPÍTULO IIDas Entidades de Atendimento ao

IdosoArt. 48. As entidades de atendimentosão responsáveis pelamanutenção das própriasunidades, observadas as normasde planejamento e execuçãoemanadas do órgão competenteda Política Nacional do Idoso,conforme a Lei nº 8.842, de1994.

Parágrafo único. As entidadesgovernamentais e não-governamentaisde assistência ao idoso ficam sujeitas àinscrição de seus programas, junto aoórgão competente da Vigilância Sanitária eConselho Municipal da Pessoa Idosa, e emsua falta, junto ao Conselho Estadual ouNacional da Pessoa Idosa, especificandoos regimes de atendimento, observados osseguintes requisitos:

I – oferecer instalações físicas emcondições adequadas de habitabilidade,higiene, salubridade e segurança;

II – apresentar objetivos estatutáriose plano de trabalho compatíveis com osprincípios desta Lei;

III – estar regularmente constituída;IV – demonstrar a idoneidade de seus

dirigentes.Art. 49. As entidades que

desenvolvam programas deinstitucionalização de longapermanência adotarão osseguintes princípios:

I – preservação dos vínculos famili-ares;

II – atendimento personalizado e empequenos grupos;

III – manutenção do idoso na mesmainstituição, salvo em caso de força maior;

IV – participação do idoso nas ativi-dades comunitárias, de caráter interno eexterno;

V – observância dos direitos e garan-tias dos idosos;

VI – preservação da identidade doidoso e oferecimento de ambiente de res-peito e dignidade.

Parágrafo único.O dirigente de insti-tuição prestadora de atendimento ao idosoresponderá civil e criminalmente pelosatos que praticar em detrimento do idoso,sem prejuízo das sanções administrativas.Art. 50. Constituem obrigações das

entidades de atendimento:I – celebrar contrato escrito de presta-

ção de serviço com o idoso, especificandoo tipo de atendimento, as obrigações daentidade e prestações decorrentes do con-trato, com os respectivos preços, se for ocaso;

II – observar os direitos e as garantiasde que são titulares os idosos;

III – fornecer vestuário adequado, sefor pública, e alimentação suficiente;

IV – oferecer instalações físicas emcondições adequadas de habitabilidade;

V – oferecer atendimento per-sonalizado;

VI – diligenciar no sentido da preser-vação dos vínculos idados à saúde, con-forme a necessidade do idoso;

IX – promover atividades educacio-nais, esportivas, culturais e de lazer;

X – propiciar assistência religiosaàqueles que desejarem, de acordo comsuas crenças;

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IDÉIAS & LEIS

XI – proceder a estudo social e pes-soal de cada caso;

XII – comunicar à autoridade com-petente de saúde toda ocorrência de idosoportador de doenças infecto-contagiosas;

XIII – providenciar ou solicitar que oMinistério Público requisite os documen-tos necessários ao exercício da cidadaniaàqueles que não os tiverem, na forma dalei;

XIV – fornecer comprovante dedepósito dos bens móveis que receberem

dos idosos;XV – manter arquivo de anotações

onde constem data e circunstâncias doatendimento, nome do idoso, responsável,parentes, endereços, cidade, relação deseus pertences, bem como o valor de con-tribuições, e suas alterações, se houver, edemais dados que possibilitem sua iden-tificação e a individualização do atendi-mento;

XVI – comunicar ao MinistérioPúblico, para as providências cabíveis, asituação de abandono moral ou materialpor parte dos familiares;

XVII – manter no quadro de pessoalprofissionais com formação específica.Art. 51. As instituições filantrópicas ou

sem fins lucrativos prestadorasde serviço ao idoso terão direito

à assistência judiciária gratuita.CAPÍTULO IIIDa Fiscalização das Entidades deAtendimentoArt. 52. As entidades governamentais

e não-governamentais deatendimento ao idoso serãofiscalizadas pelos Conselhos

do Idoso, Ministério Público,Vigilância Sanitária e outrosprevistos em lei.

Art. 53. O art. 7º da Lei nº 8.842, de1994, passa a vigorar com aseguinte redação:

“Art. 7º Compete aos Conselhosde que trata o art. 6ºdesta Lei a supervisão,o acompanhamento, afiscalização e a avaliaçãoda política nacional doidoso, no âmbito dasrespectivas instâncias político-administrativas.”

Art. 54. Será dada publicidade dasprestações de contas dosrecursos públicos e privadosrecebidos pelas entidades deatendimento.

Art. 55. As entidades de atendimentoque descumprirem as

determinações desta Lei ficarãosujeitas, sem prejuízo daresponsabilidade civil e criminalde seus dirigentes ou prepostos,às seguintes penalidades,observado o devido processolegal:

I - as entidades governamentais:a) advertência;

b) afastamento provisório de seusdirigentes;c) afastamento definitivo de seus diri-

gentes;d) fechamento de unidade ou inter-

dição de programa;II – as entidades não-governamentais:a) advertência;b) multa;

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ESTATUTO DO IDOSO

c) suspensão parcial ou total dorepasse de verbas públicas;

d) interdição de unidade ou suspen-são de programa;

e) proibição de atendimento a idososa bem do interesse público.

§ 1º Havendo danos aos idososabrigados ou qualquer tipo de fraude emrelação ao programa, caberá o afastamen-to provisório dos dirigentes ou a interdiçãoda unidade e a suspensão do programa.

§ 2º A suspensão parcial ou total dorepasse de verbas públicas ocorrerá quan-do verificada a má aplicação ou desvio definalidade dos recursos.

§ 3º Na ocorrência de infração porentidade de atendimento, que coloqueem risco os direitos assegurados nestaLei, será o fato comunicado ao MinistérioPúblico, para as providências cabíveis,inclusive para promover a suspensão dasatividades ou dissolução da entidade, coma proibição de atendimento a idosos abem do interesse público, sem prejuízodas providências a serem tomadas pelaVigilância Sanitária.

§ 4º Na aplicação das penalidades,serão consideradas a natureza e a gravi-dade da infração cometida, os danos quedela provierem para o idoso, as circunstân-cias agravantes ou atenuantes e os ante-cedentes da entidade.

CAPÍTULO IVDas Infrações AdministrativasArt. 56. Deixar a entidade de atendi-

mento de cumprir as determina-ções do art. 50 desta Lei:

Pena – multa de R$ 500,00 (quinhen-tos reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais), se

o fato não for caracterizado como crime,podendo haver a interdição do estabeleci-mento até que sejam cumpridas as exigên-

cias legais.Parágrafo único. No caso de inter-

dição do estabelecimento de longa per-manência, os idosos abrigados serão trans-feridos para outra instituição, às expensasdo estabelecimento interditado, enquantodurar a interdição.Art. 57. Deixar o profissional de

saúde ou o responsável porestabelecimento de saúdeou instituição de longapermanência de comunicar àautoridade competente os casosde crimes contra idoso de quetiver conhecimento:

Pena – multa de R$ 500,00 (quinhen-tos reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais), apli-cada em dobro no caso de reincidência.Art. 58. Deixar de cumprir as

determinações desta Lei sobrea prioridade no atendimento aoidoso:

Pena – multa de R$ 500,00 (quinhen-tos reais) a R$ 1.000,00 (um mil reais) emulta civil a ser estipulada pelo juiz, con-forme o dano sofrido pelo idoso.

CAPÍTULO VDa Apuração Administrativa deInfração às Normas de Proteçãoao IdosoArt.59. Os valores monetários expres-

sos no Capítulo IV serão atuali-zados anualmente, na forma dalei.

Art. 60. O procedimento para aimposição de penalidadeadministrativa por infração àsnormas de proteção ao idoso

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IDÉIAS & LEIS

terá início com requisição doMinistério Público ou auto deinfração elaborado por servidor

efetivo e assinado, se possível,por duas testemunhas.§ 1º No procedimento iniciado com

o auto de infração poderão ser usadasfórmulas impressas, especificando-se anatureza e as circunstâncias da infração.

§ 2º Sempre que possível, à verifica-ção da infração seguir-se-á a lavratura doauto, ou este será lavrado dentro de 24(vinte e quatro) horas, por motivo justifi-cado.Art. 61. O autuado terá prazo de 10

(dez) dias para a apresentaçãoda defesa, contado da data daintimação, que será feita:

I – pelo autuante, no instrumento deautuação, quando for lavrado na presençado infrator;

II – por via postal, com aviso de rece-bimento.Art. 62. Havendo risco para a vida ou

à saúde do idoso, a autoridadecompetente aplicará à entidadede atendimento as sançõesregulamentares, sem prejuízoda iniciativa e das providênciasque vierem a ser adotadas peloMinistério Público ou pelasdemais instituições legitimadas

para a fiscalização.Art. 63. Nos casos em que não houver

risco para a vida ou a saúdeda pessoa idosa abrigada, aautoridade competente aplicaráà entidade de atendimentoas sanções regulamentares,sem prejuízo da iniciativa edas providências que vierema ser adotadas pelo Ministério

Público ou pelas demaisinstituições legitimadas para afiscalização.

CAPÍTULO VIDa Apuração Judicial deIrregularidades em Entidade deAtendimentoArt. 64. Aplicam-se, subsidiariamente,

ao procedimento administrativode que trata este Capítulo, asdisposições das Leis nº 6.437,

de 20 de agosto de 1977, e9.784, de 29 de janeiro de1999.

Art. 65. O procedimento de apuraçãode irregularidade em entidadegovernamental e não-governamental de atendimentoao idoso terá início mediantepetição fundamentada depessoa interessada ou iniciativado Ministério Público.

Art. 66. Havendo motivo grave, poderáa autoridade judiciária, ouvidoo Ministério Público, decretarliminarmente o afastamentoprovisório do dirigente daentidade ou outras medidasque julgar adequadas, paraevitar lesão aos direitos doidoso, mediante decisãofundamentada.

Art. 67. O dirigente da entidade serácitado para, no prazo de 10 (dez)dias, oferecer resposta escrita,podendo juntar documentos eindicar as provas a produzir.

Art. 68. Apresentada a defesa, o juizprocederá na conformidade doart. 69 ou, se necessário, desig-

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ESTATUTO DO IDOSO

nará audiência de instrução ejulgamento, deliberando sobrea necessidade de produção deoutras provas.

§ 1º Salvo manifestação em audiên-cia, as partes e o Ministério Público terão 5(cinco) dias para oferecer alegações finais,decidindo a autoridade judiciária em igualprazo.

§ 2º Em se tratando de afastamen-to provisório ou definitivo de dirigentede entidade governamental, a autoridadejudiciária oficiará a autoridade administra-tiva imediatamente superior ao afastado,fixando-lhe prazo de 24 (vinte e quatro)horas para proceder à substituição.

§ 3º Antes de aplicar qualquer dasmedidas, a autoridade judiciária poderáfixar prazo para a remoção das irregulari-dades verificadas. Satisfeitas as exigências,o processo será extinto, sem julgamentodo mérito.

§ 4º A multa e a advertência serãoimpostas ao dirigente da entidade ou aoresponsável pelo programa de atendimen-to.

TÍTULO VDo Acesso à Justiça

CAPÍTULO I

Disposições GeraisArt. 69. Aplica-se, subsidiariamente, às

disposições deste Capítulo, oprocedimento sumário previstono Código de Processo Civil,naquilo que não contrarie osprazos previstos nesta Lei.

Art. 70. O Poder Público poderácriar varas especializadas e

exclusivas do idoso.

Art. 71. É assegurada prioridade natramitação dos processos eprocedimentos e na execução

dos atos e diligências judiciaisem que figure como parte ouinterveniente pessoa com idadeigual ou superior a 60 (sessenta)anos, em qualquer instância.

§ 1º O interessado na obtenção daprioridade a que alude este artigo, fazendoprova de sua idade, requererá o benefí-cio à autoridade judiciária competentepara decidir o feito, que determinará as

providências a serem cumpridas, anotan-do-se essa circunstância em local visívelnos autos do processo.

§ 2º A prioridade não cessará com amorte do beneficiado, estendendo-se emfavor do cônjuge supérstite, companheiroou companheira, com união estável, maiorde 60 (sessenta) anos.

§ 3º A prioridade se estende aos pro-cessos e procedimentos na AdministraçãoPública, empresas prestadoras de serviçospúblicos e instituições financeiras, ao aten-dimento preferencial junto à DefensoriaPublica da União, dos Estados e doDistrito Federal em relação aos Serviçosde Assistência Judiciária.

§ 4º Para o atendimento priori-tário será garantido ao idoso o fácil acessoaos assentos e caixas, identificados coma destinação a idosos em local visível ecaracteres legíveis.

CAPÍTULO IIDo Ministério PúblicoArt. 72. (VETADO)Art. 73. As funções do Ministério

Público, previstas nesta Lei,serão exercidas nos termos darespectiva Lei Orgânica.

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IDÉIAS & LEIS

Art. 74. Compete ao Ministério Público:I – instaurar o inquérito civil e a ação

civil pública para a proteção dos direitos einteresses difusos ou coletivos, individuaisindisponíveis e individuais homogêneos doidoso;

II – promover e acompanhar as açõesde alimentos, de interdição total ou parcial,de designação de curador especial, emcircunstâncias que justifiquem a medida, eoficiar em todos os feitos em que se discu-tam os direitos de idosos em condições de

risco;III – atuar como substituto processualdo idoso em situação de risco, conforme odisposto no art. 43 desta Lei;

IV – promover a revogação de instru-mento procuratório do idoso, nas hipóte-ses previstas no art. 43 desta Lei, quandonecessário ou o interesse público justificar;

V – instaurar procedimento adminis-

trativo e, para instrui-lo:a) expedir notificações, colher depoi-mentos ou esclarecimentos e, em caso denão comparecimento injustificado da pes-soa notificada, requisitar condução coerci-tiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar;

b) requisitar informações, exames, perí-cias e documentos de autoridades munici-pais, estaduais e federais, da administraçãodireta e indireta, bem como promoverinspeções e diligências investigatórias;

c) requisitar informações e documen-tos particulares de instituições privadas;

VI – instaurar sindicâncias, requisitardiligências investigatórias e a instauraçãode inquérito policial, para a apuração deilícitos ou infrações às normas de proteçãoao idoso;

VII – zelar pelo efetivo respeito aosdireitos e garantias legais assegurados aoidoso, promovendo as medidas judiciais e

extrajudiciais cabíveis;VIII – inspecionar as entidades públi-

cas e particulares de atendimento e osprogramas de que trata esta Lei, adotandode pronto as medidas administrativas oujudiciais necessárias à remoção de irregu-laridades porventura verificadas;

IX – requisitar força policial, bemcomo a colaboração dos serviços de saúde,educacionais e de assistência social, públi-cos, para o desempenho de suas atri-buições;

X – referendar transações envolvendointeresses e direitos dos idosos previstosnesta Lei.

§ 1º A legitimação do MinistérioPúblico para as ações cíveis previstas nesteartigo não impede a de terceiros, nas mes-mas hipóteses, segundo dispuser a lei.

§ 2º As atribuições constantes desteartigo não excluem outras, desde que com-patíveis com a finalidade e atribuições doMinistério Público.

§ 3º O representante do MinistérioPúblico, no exercício de suas funções, terálivre acesso a toda entidade de atendimen-to ao idoso.Art. 75. Nos processos e procedimentos

em que não for parte, atuaráobrigatoriamente o MinistérioPúblico na defesa dos direitose interesses de que cuida estaLei, hipóteses em que terá vistados autos depois das partes,podendo juntar documentos,requerer diligências e produçãode outras provas, usando osrecursos cabíveis.

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ESTATUTO DO IDOSO

Art. 76. A intimação do MinistérioPúblico, em qualquer caso,será feita pessoalmente.

Art. 77. A falta de intervenção doMinistério Público acarretaa nulidade do feito, que serádeclarada de ofício pelo juizou a requerimento de qualquerinteressado.

CAPÍTULO IIIDa Proteção Judicial dos

Interesses Difusos, Coletivose Individuais Indisponíveis ouHomogêneosArt. 78. As manifestações processuais

do representante doMinistério Público deverão serfundamentadas.

Art. 79. Regem-se pelas disposiçõesdesta Lei as ações deresponsabilidade por ofensaaos direitos assegurados aoidoso, referentes à omissão ouao oferecimento insatisfatóriode:

I – acesso às ações e serviços desaúde;

II – atendimento especializado aoidoso portador de deficiência ou com limi-tação incapacitante;

III – atendimento especializado aoidoso portador de doença infecto-conta-giosa;

IV – serviço de assistência socialvisando ao amparo do idoso.

Parágrafo único. As hipóteses previs-tas neste artigo não excluem da proteçãojudicial outros interesses difusos, coletivos,individuais indisponíveis ou homogêneos,próprios do idoso, protegidos em lei.

Art. 80. As ações previstas nesteCapítulo serão propostas noforo do domicílio do idoso, cujojuízo terá competência absolutapara processar a causa, ressalva-das as competências da JustiçaFederal e a competência origi-nária dos Tribunais Superiores.

Art. 81. Para as ações cíveis fundadasem interesses difusos, coletivos,individuais indisponíveis ouhomogêneos, consideram-selegitimados, concorrentemente:

I – o Ministério Público;II – a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios;III – a Ordem dos Advogados do

Brasil;IV – as associações legalmente

constituídas há pelo menos 1 (um)ano e que incluam entre os fins institu-cionais a defesa dos interesses e direitos dapessoa idosa, dispensada a autorização daassembléia, se houver prévia autorizaçãoestatutária.

§ 1º Admitir-se-á litisconsórcio faculta-tivo entre os Ministérios Públicos da Uniãoe dos Estados na defesa dos interesses edireitos de que cuida esta Lei.

§ 2º Em caso de desistência ou aban-dono da ação por associação legitimada,o Ministério Público ou outro legitimadodeverá assumir a titularidade ativa.Art. 82. Para defesa dos interesses e

direitos protegidos por esta Lei,são admissíveis todas as espéciesde ação pertinentes.

Parágrafo único. Contra atos ilegais ouabusivos de autoridade pública ou agente depessoa jurídica no exercício de atribuições

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IDÉIAS & LEIS

de Poder Público, que lesem direito líquidoe certo previsto nesta Lei, caberá ação man-damental, que se regerá pelas normas da leido mandado de segurança.Art. 83. Na ação que tenha por objeto

o cumprimento de obrigaçãode fazer ou não-fazer, o juizconcederá a tutela específicada obrigação ou determinaráprovidências que assegurem oresultado prático equivalenteao adimplemento.

§ 1º Sendo relevante o fundamentoda demanda e havendo justificado receiode ineficácia do provimento final, é lícitoao juiz conceder a tutela liminarmente ouapós justificação prévia, na forma do art.273 do Código de Processo Civil.

§ 2º O juiz poderá, na hipótese do§ 1º ou na sentença, impor multa diáriaao réu, independentemente do pedido doautor, se for suficiente ou compatível coma obrigação, fixando prazo razoável para ocumprimento do preceito.

§ 3º A multa só será exigível do réuapós o trânsito em julgado da sentençafavorável ao autor, mas será devida desdeo dia em que se houver configurado.Art. 84. Os valores das multas previstas

nesta Lei reverterão ao Fundodo Idoso, onde houver, ou nafalta deste, ao Fundo Municipalde Assistência Social, ficandovinculados ao atendimento aoidoso.

Parágrafo único. As multas nãorecolhidas até 30 (trinta) dias após otrânsito em julgado da decisão serão exigi-das por meio de execução promovida peloMinistério Público, nos mesmos autos,facultada igual iniciativa aos demais legiti-mados em caso de inércia daquele.

Art. 85. O juiz poderá conferir efeitosuspensivo aos recursos, paraevitar dano irreparável à parte.

Art. 86. Transitada em julgadoa sentença que impusercondenação ao Poder Público,o juiz determinará a remessade peças à autoridadecompetente, para apuraçãoda responsabilidade civil eadministrativa do agente a quese atribua a ação ou omissão.

Art. 87. Decorridos 60 (sessenta) dias dotrânsito em julgado da sentençacondenatória favorável ao idososem que o autor lhe promovaa execução, deverá fazê-lo oMinistério Público, facultada,igual iniciativa aos demaislegitimados, como assistentesou assumindo o pólo ativo, emcaso de inércia desse órgão.

Art. 88. Nas ações de que trataeste Capítulo, não haveráadiantamento de custas,emolumentos, honoráriospericiais e quaisquer outrasdespesas.

Parágrafo único. Não se imporásucumbência ao Ministério Público.Art. 89. Qualquer pessoa poderá, e

o servidor deverá, provocara iniciativa do MinistérioPúblico, prestando-lheinformações sobre os fatos queconstituam objeto de ação civile indicando-lhe os elementosde convicção.

Art. 90. Os agentes públicos emgeral, os juízes e tribunais,no exercício de suas funções,quando tiverem conhecimento

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ESTATUTO DO IDOSO

de fatos que possam configurarcrime de ação pública contraidoso ou ensejar a propositurade ação para sua defesa,devem encaminhar as peçaspertinentes ao MinistérioPúblico, para as providênciascabíveis.

Art. 91. Para instruir a petição inicial,o interessado poderá requereràs autoridades competentes ascertidões e informações quejulgar necessárias, que serãofornecidas no prazo de 10 (dez)dias.

Art. 92. O Ministério Público poderáinstaurar, sob sua presidência,inquérito civil, ou requisitar,de qualquer pessoa, organismopúblico ou particular, certidões,informações, exames ouperícias, no prazo que assinalar,o qual não poderá ser inferior a10 (dez) dias.

§ 1º Se o órgão do Ministério Público,esgotadas todas as diligências, se con-vencer da inexistência de fundamento paraa propositura da ação civil ou de peçasinformativas, determinará o seu arquiva-mento, fazendo-o fundamentadamente.

§ 2º Os autos do inquérito civil ouas peças de informação arquivados serão

remetidos, sob pena de se incorrer emfalta grave, no prazo de 3 (três) dias, aoConselho Superior do Ministério Públicoou à Câmara de Coordenação e Revisãodo Ministério Público.

§ 3º Até que seja homologado ourejeitado o arquivamento, pelo ConselhoSuperior do Ministério Público ou porCâmara de Coordenação e Revisão doMinistério Público, as associações legiti-

madas poderão apresentar razões escritasou documentos, que serão juntados ouanexados às peças de informação.

§ 4º Deixando o Conselho Superiorou a Câmara de Coordenação e Revisãodo Ministério Público de homologar a pro-moção de arquivamento, será designadooutro membro do Ministério Público parao ajuizamento da ação.

TÍTULO VIDos Crimes

CAPÍTULO IDisposições GeraisArt. 93. Aplicam-se subsidiariamente,

no que couber, as disposiçõesda Lei nº 7.347, de 24 de julhode 1985.

Art. 94. Aos crimes previstos nesta Lei,cuja pena máxima privativa

de liberdade não ultrapasse4 (quatro) anos, aplica-se oprocedimento previsto na Leinº 9.099, de 26 de setembro de1995, e, subsidiariamente, noque couber, as disposições doCódigo Penal e do Código deProcesso Penal.

CAPÍTULO II

Dos Crimes em EspécieArt. 95. Os crimes definidos nesta Lei

são de ação penal públicaincondicionada, não se lhesaplicando os arts. 181 e 182 doCódigo Penal.

Art. 96. Discriminar pessoa idosa,impedindo ou dificultando seuacesso a operações bancárias,

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IDÉIAS & LEIS

aos meios de transporte, aodireito de contratar ou porqualquer outro meio ouinstrumento necessário aoexercício da cidadania, pormotivo de idade:

Pena – reclusão de 6 (seis) meses a 1(um) ano e multa.

§ 1º Na mesma pena incorre quemdesdenhar, humilhar, menosprezar ou dis-criminar pessoa idosa, por qualquer motivo.

§ 2º A pena será aumentada de 1/3

(um terço) se a vítima se encontrar sob oscuidados ou responsabilidade do agente.Art. 97. Deixar de prestar assistência ao

idoso, quando possível fazê-losem risco pessoal, em situaçãode iminente perigo, ou recusar,retardar ou dificultar suaassistência à saúde, sem justacausa, ou não pedir, nessescasos, o socorro de autoridadepública:

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1(um) ano e multa.

Parágrafo único. A pena é aumenta-da de metade, se da omissão resulta lesãocorporal de natureza grave, e triplicada, seresulta a morte.Art. 98. Abandonar o idoso em hospitais,

casas de saúde, entidadesde longa permanência, oucongêneres, ou não prover suasnecessidades básicas, quandoobrigado por lei ou mandado:

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 3(três) anos e multa.Art. 99. Expor a perigo a integridade

e a saúde, física ou psíquica,do idoso, submetendo-o a

condições desumanas oudegradantes ou privando-o de alimentos e cuidadosindispensáveis, quandoobrigado a fazê-lo, ousujeitando-o a trabalhoexcessivo ou inadequado:

Pena – detenção de 2 (dois) meses a1 (um) ano e multa.

§ 1º Se do fato resulta lesão corporalde natureza grave:

Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro)

anos.§ 2º Se resulta a morte:Pena – reclusão de 4 (quatro) a 12

(doze) anos.Art. 100. Constitui crime punível com

reclusão de 6 (seis) meses a 1(um) ano e multa:

I – obstar o acesso de alguém aqualquer cargo público por motivo deidade;

II – negar a alguém, por motivo deidade, emprego ou trabalho;

III – recusar, retardar ou dificultaratendimento ou deixar de prestar assistên-cia à saúde, sem justa causa, a pessoaidosa;

IV – deixar de cumprir, retardar oufrustrar, sem justo motivo, a execução de

ordem judicial expedida na ação civil aque alude esta Lei;V – recusar, retardar ou omitir dados

técnicos indispensáveis à propositura daação civil objeto desta Lei, quando requi-sitados pelo Ministério Público.Art. 101. Deixar de cumprir, retardar ou

frustrar, sem justo motivo, aexecução de ordem judicial

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ESTATUTO DO IDOSO

expedida nas ações em que forparte ou interveniente o idoso:

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1(um) ano e multa.Art. 102. Apropriar-se de ou desviar bens,

proventos, pensão ou qualqueroutro rendimento do idoso,dando-lhes aplicação diversada de sua finalidade:

Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro)anos e multa.Art. 103. Negar o acolhimento ou a

permanência do idoso, comoabrigado, por recusa deste emoutorgar procuração à entidadede atendimento:

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1(um) ano e multa.

Art. 104. Reter o cartão magnéticode conta bancária relativa a benefícios,proventos ou pensão do idoso, bem como

qualquer outro documento com objetivode assegurar recebimento ou ressarcimen-to de dívida:

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2(dois) anos e multa.Art. 105. Exibir ou veicular, por qualquer

meio de comunicação,informações ou imagensdepreciativas ou injuriosas àpessoa do idoso:

Pena – detenção de 1 (um) a 3 (três)anos e multa.Art. 106. Induzir pessoa idosa sem

discernimento de seus atos aoutorgar procuração para finsde administração de bens oudeles dispor livremente:

Pena – reclusão de 2 (dois) a 4(quatro) anos.

Art. 107. Coagir, de qualquer modo, oidoso a doar, contratar, testarou outorgar procuração:

Pena – reclusão de 2 (dois) a 5(cinco) anos.Art. 108. Lavrar ato notarial que envolva

pessoa idosa sem discernimentode seus atos, sem a devidarepresentação legal:

Pena – reclusão de 2 (dois) a 4(quatro) anos.

TÍTULO VIIDisposições Finais e TransitóriasArt. 109. Impedir ou embaraçar ato do

representante do MinistérioPúblico ou de qualquer outroagente fiscalizador:

Pena – reclusão de 6 (seis) meses a 1(um) ano e multa.

Art. 110. O Decreto-Lei nº 2.848, de 7de dezembro de 1940, CódigoPenal, passa a vigorar com asseguintes alterações:

“Art. 61. ....................................................II - .....................................................h) contra criança, maior de 60

(sessenta) anos, enfermo ou mulhergrávida;

.................................................................”“Art. 121. ..................................................

§ 4º No homicídio culposo, a penaé aumentada de 1/3 (um terço), se o crimeresulta de inobservância de regra técnicade profissão, arte ou ofício, ou se o agentedeixa de prestar imediato socorro à vítima,não procura diminuir as conseqüênciasdo seu ato, ou foge para evitar prisão emflagrante. Sendo doloso o homicídio, a

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IDÉIAS & LEIS

pena é aumentada de 1/3 (um terço) se ocrime é praticado contra pessoa menor de14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta)anos....................................................................“Art. 133. ..................................................

§ 3º ...................................................III – se a vítima é maior de 60

(sessenta) anos.”“Art. 140. .........................................§ 3º Se a injúria consiste na utilização

de elementos referentes a raça, cor, etnia,religião, origem ou a condição de pessoaidosa ou portadora de deficiência:..................................................................

“Art. 141. .........................................IV – contra pessoa maior de 60

(sessenta) anos ou portadora de deficiência,exceto no caso de injúria.

..........................................................“Art. 148. .........................................§ 1º...................................................I – se a vítima é ascendente,

descendente, cônjuge do agente ou maiorde 60 (sessenta) anos...................................................................

“Art. 159...........................................§ 1º Se o seqüestro dura mais de 24

(vinte e quatro) horas, se o seqüestradoé menor de 18 (dezoito) ou maior de 60(sessenta) anos, ou se o crime é cometidopor bando ou quadrilha.

..........................................................“Art. 183...........................................III – se o crime é praticado contra

pessoa com idade igual ou superior a 60(sessenta) anos.” (NR)

“Art. 244. Deixar, sem justa causa,de prover a subsistência docônjuge, ou de filho menorde 18 (dezoito) anos ouinapto para o trabalho, ou deascendente inválido ou maiorde 60 (sessenta) anos, não lhesproporcionando os recursosnecessários ou faltandoao pagamento de pensãoalimentícia judicialmenteacordada, fixada ou majorada;deixar, sem justa causa, de

socorrer descendente ouascendente, gravementeenfermo:

......................................................” ;Art. 111. O art. 21 do Decreto-Lei nº

3.688, de 3 de outubro de 1941,Lei das Contravenções Penais,passa a vigorar acrescido doseguinte parágrafo único:

“Art. 21.............................................Parágrafo único. Aumenta-se a penade 1/3 (um terço) até a metade se a vítimaé maior de 60 (sessenta) anos.” (NR)

Art. 112. O inciso II do § 4º do art.1º da Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997,passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1º .............................................§ 4º ..................................................II – se o crime é cometido contra

criança, gestante, portador de deficiência,adolescente ou maior de 60 (sessenta)anos;

......................................................” ;Art. 113. O inciso III do art. 18 da Lei

nº 6.368, de 21 de outubro de1976, passa a vigorar com aseguinte redação:

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ESTATUTO DO IDOSO

“Art. 18.............................................III – se qualquer deles decorrer de

associação ou visar a menores de 21 (vintee um) anos ou a pessoa com idade igualou superior a 60 (sessenta) anos ou a quemtenha, por qualquer causa, diminuída ousuprimida a capacidade de discernimentoou de autodeterminação:

......................................................” ;Art. 114. O art. 1º da Lei nº

10.048, de 8 de novembro de 2000, passaa vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1º As pessoas portadoras dedeficiência, os idosos com idadeigual ou superior a 60 (sessenta)anos, as gestantes, as lactantese as pessoas acompanhadaspor crianças de colo terãoatendimento prioritário, nostermos desta Lei”.(NR)

Art. 115. O Orçamento da SeguridadeSocial destinará ao FundoNacional de Assistência Social,até que o Fundo Nacional doIdoso seja criado, os recursosnecessários, em cada exercíciofinanceiro, para aplicação emprogramas e ações relativos aoidoso.

Art. 116. Serão incluídos nos censosdemográficos dados relativos àpopulação idosa do País.

Art. 117. O Poder Executivo encaminharáao Congresso Nacional projetode lei revendo os critérios deconcessão do Benefício dePrestação Continuada previstona Lei Orgânica da AssistênciaSocial, de forma a garantirque o acesso ao direito sejacondizente com o estágio

de desenvolvimento sócio-econômico alcançado peloPaís.

Art. 118. Esta Lei entra em vigordecorridos 90 (noventa) diasda sua publicação, ressalvadoo disposto nocaput do art. 36,que vigorará a partir de 1º dejaneiro de 2004.

Brasília, 1º de outubro de 2003; 182ºda Independência e 115º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVAMárcio Thomaz BastosAntonio Palocci FilhoRubem Fonseca Filho

Humberto Sérgio Costa LimaGuido MantegaRicardo José Ribeiro BerzoiniBenedita Souza da Silva SampaioÁlvaro Augusto Ribeiro Costa

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IDÉIAS E LEIS

Vida Nova para os IdososA mudança do perfil demográfico

atualmente observado na população bra-sileira, que aos poucos vai fazendo o Brasilperder aquela marca que o caracterizavacomo um “país de jovens” e nos inserin-do entre aquelas nações desenvolvidas,que já a partir do século 19 começarama aumentar a expectativa de vida de suaspopulações – pelo desenvolvimento tec-

nológico, pela melhoria da qualidade devida, das condições sanitárias, de trabalho,de moradia, pelo avanço da medicina, usode vacinas e medicamentos e uma nutri-ção mais adequada – de certa forma nosmotiva como povo, mas seguramente nãochega a nos orgulhar como cidadãos.

Durante todo o século passado, aexpectativa de vida da população brasilei-ra saltou de pouco mais de 33 anos paraaté 70 anos de idade para as mulheres epróximo de 65 anos para os homens. Esserápido envelhecimento da nossa popula-ção, além de ser uma novidade, pegou asociedade como um todo de surpresa, e omais grave, completamente despreparada

para se relacionar com as pessoas maisidosas. O resultado desse despreparo vemsendo estampado quase diariamente emnossos meios de comunicação, ao registrara crescente violência a que vêm sendosubmetidos nossos idosos.

(*) O Senador Paulo Paim é o autor do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003).

* PAULO PAIM

Jó e suas filhas - William Blake

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O Brasil é um país onde a marginaliza-ção dos idosos tem raízes antigas e estão seaprofundado com o passar do tempo. Nomercado de trabalho, eles são prematura-mente excluídos, estão abalados em suaauto-imagem e sobrevivência pelo des-caso do governo e muitas vezes carecemdo amparo da família. Lamentavelmente,é preciso reconhecer que em nosso paíso idoso está sendo marginalizado. Ele édespedido, abandonado, excluído, rejei-tado, roubado, violentado e morto. Pobreou rico, dotado de cultura ou ignorante,

o idoso é vítima e pouco reclama da vio-lência que sofre. Não denuncia os maus-tratos porque, na maioria dos casos, dividecom seus algozes o mesmo teto. Não rarosua própria renda lhe é subtraída pelospróprios filhos, netos ou sobrinhos, queestabelecem uma verdadeira rotina deviolência sob a proteção dos laços fami-liares.

Isso torna “invisível” a agressão con-

tra o idoso, que tem medo de denunciar eser mandado para um asilo, ou procura atodo custo evitar que o assunto ultrapasseos limites do lar. Por medo ou até mesmopor amor aos seus descendentes, os idososguardam em segredo a violência de quesão vítimas.

As estatísticas das entidades queatendem pessoas da terceira idade indicamque, no ano passado, cerca de 15 mil bra-

sileiros e brasileiras com mais de 60 anosforam vítimas de espancamentos, torturas,abusos sexuais e, em muitos casos, indu-zidos ao suicídio. Nos hospitais públicos,32% dos idosos atendidos foram vítimasde algum tipo de agressão, praticada, em90% dos casos, dentro de casa, pelos seuspróprios parentes.

A busca de solução para essesproblemas nos inspirou a propor ao

Congresso Nacional o Estatuto do Idoso,projeto de nossa iniciativa apresentado em1997, quando do exercício do mandatode deputado federal, e transformado peloPresidente Luiz Inácio Lula da Silva na Leinº 10.741, de 1º de outubro de 2003, emvigor desde 1º de janeiro de 2004.

De uma proposta original de cercade 40 artigos, o projeto mereceu a criaçãode uma Comissão Especial do Estatutodo Idoso, onde recebeu e teve aprovadoo brilhante substitutivo do relator SilasBrasileiro, de 123 artigos.

A Comissão Especial do Idoso viajoumuito por este País para ouvir a sociedadee também os idosos, de forma individual.Seu trabalho nos proporcionou momentosde tristeza e alegria.

De tristeza, ao perceber que o aban-dono, as agressões, as apropriações dosbens dos idosos são alarmantes. Um dadoque nos deixou ainda mais perplexos éque a agressão, em 90% dos casos, vem daprópria família.

Mas tivemos também momentos dealegria, ao ver o brilho no olhar, nos cabe-los prateados de homens e mulheres, obrilho da esperança, do otimismo, nãose deixando derrotar pelos pessimistas oupelo medo da realidade em que vivem.

O texto final do Estatuto é fruto dostrabalhos dessa Comissão, de seminários ede um trabalho conjunto de parlamenta-res, especialistas, profissionais das áreasde saúde, do direito e da assistência social,e de entidades e organizações não-gover-namentais voltadas para a defesa dos direi-tos e da proteção aos idosos. Ele se propõea alterar esse quadro atual da situação doidoso, em que se destacam a negligência,o descaso e a violência a que são subme-tidos.

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IDÉIAS E LEIS

Sua elaboração foi imaginada comoum recurso pleno para os idosos, aposen-tados ou não. O Estatuto define o idosobrasileiro como aquele que alcançou os60 anos de idade. Estabelece como deverda família, da comunidade, da sociedadeem geral, e do Poder Público assegurar aoidoso, com absoluta prioridade, a efetiva-ção dos direitos referentes à vida, à saúde,à alimentação, à cultura, ao esporte, aolazer, ao trabalho, à cidadania, à liberda-de, à dignidade, ao respeito e à convivên-cia familiar e comunitária.

Considera a velhice um direito perso-nalíssimo e a sua proteção, uma obrigaçãosocial. Garante ao idoso a proteção à vidae à saúde, mediante efetivação de políticassociais públicas que permitam um enve-lhecimento saudável e em condições dedignidade.

O Estatuto assegura ao idoso a liber-dade, o respeito e a dignidade como pes-soa humana. A obrigação de alimentaro idoso deve ser solidária e as transaçõesrelativas a alimentos poderão ser celebradasperante o Promotor de Justiça e passarão ater efeito de título executivo extrajudicialnos termos da Lei de Processo Civil.

O documento prevê o respeito àinserção do idoso no mercado de trabalhoe à profissionalização, tendo em vista suascondições físicas, intelectuais e psíquicas,pois eles podem e devem contribuir coma sua experiência para o crescimento doPaís. O acesso à cultura, ao esporte e aolazer está presente com propostas e pro-gramas voltados para esta fase da vida.Estão também asseguradas políticas deprevenção, promoção, proteção e recupe-ração da saúde do idoso.

O Estatuto estabelece o direito àsaúde integral do idoso, que prevê: progra-mas de assistência médica e odontológica;

atenção às doenças específicas dos idosos;vacinas para prevenção; cadastramentoda população idosa; atendimento domi-ciliar, quando necessário; fornecimentogratuito de medicamentos (inclusive próte-ses, habilitação ou reabilitação); vedaçãoda cobrança diferenciada nos planos desaúde, em razão da idade; assistência ime-diata e prioritária onde está assegurada aatenção integral, bem como políticas deprevenção, promoção, proteção e recupe-ração da saúde do idoso.

No capítulo reservado à PrevidênciaSocial, prevê-se a vinculação das aposen-tadorias e pensões ao salário-mínimo; agarantia de um salário-mínimo para todoo idoso que a renda mensalper capita dafamília não ultrapasse o piso salarial (hojeé 1/4 do salário-mínimo); a garantia deque o aposentado receba sempre o mesmonúmero de salários-mínimos que recebiana época em que se aposentou. Estabeleceo Dia Internacional do Trabalho – 1º de

maio – como data-base dos aposentados epensionistas.O Estatuto garante ao idoso, a partir

dos 65 anos de idade, que não possuameios para prover sua subsistência, nemde tê-la provida por sua família, o benefíciomensal de um salário-mínimo. Assegura odireito à moradia digna, no seio da famílianatural ou substituta, ou desacompanhadode seus familiares, quando assim o dese-

jar, ou, ainda, em instituição pública ouprivada.O Estatuto do Idoso também garante

aos maiores de 65 anos de idade a gratui-dade nos transportes coletivos públicos,urbanos e semi-urbanos. Para acesso a essagratuidade, é suficiente a apresentação dedocumento de prova de identidade.

O Estatuto do Idoso amplia os direi-tos presentes na Lei nº 8.842/94 - Política

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PAULO PAIM

Nacional do Idoso. Esta Lei é fundamental,mas o novo diploma a amplia, quandotipifica os crimes e define as penas paratodos os que desrespeitarem o idoso. Nonovo diploma, a política de atendimentoao idoso será feita por meio do conjuntoarticulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, doDistrito Federal e dos Municípios.

Poderíamos destacar todos os artigosdesse Estatuto como sendo fundamentais,pois cada um é o resultado de uma gran-de reflexão e observação da realidade emque vive o idoso brasileiro. É também umaproposta ousada que amplia direitos e levapara o futuro melhores condições de vidaà terceira idade.

Segundo o IBGE, entre 1991 e 2000,o contingente de pessoas com 60 anosou mais subiu de 10,7 milhões para 14,5milhões,um aumento de 35,5% em umadécada. Nos próximos 20 anos, os ido-sos brasileiros poderão ultrapassar os 30milhões de pessoas e deverão representarquase 13% da população. Trata-se damaior massa de idosos de uma geraçãode brasileiros. A proporção de idosos estácrescendo mais rapidamente que a decrianças. Em 1980, existiam cerca de16 idosos para cada 100 crianças. Em2000, essa relação praticamente dobrou,passando para quase 30 idosos por 100crianças. O quadro é similar para toda aAmérica Latina. Hoje, aproximadamente41 milhões de pessoas têm mais de 60anos no continente. Elas serão 98 milhões,em 2025, e 184 milhões, em 2050.

Pesquisa recente do Ipea aponta acrescente importância dos idosos brasilei-ros no sustento de suas famílias. Resultadodo progressivo desemprego de filhos enetos, são os avós que cada vez mais, comsuas pensões, mantêm o resto da família.

Há menos idosos abaixo da linha de pobre-za do que em qualquer outra faixa etária.Em apenas 4% dos domicílios do país,eles vivem como dependentes. Em 22%,chefiam a casa, muitas vezes, repleta dedescendentes. Em 70% dos domicílios deidosos foi verificada a presença de filhos.Pesquisa conduzida por Paulo Saad, doPrograma de Envelhecimento da Divisãode População das Nações Unidas, mostrouque, em Fortaleza, 52% dos idosos entrevis-tados ajudavam os filhos financeiramente.

Esses números ratificam o levanta-mento Perfil dos Idosos Responsáveis pelosDomicílios no Brasil - elaborado pelo IBGEa partir dos dados do Censo de 2000. Olevantamento conclui que a populaçãocom mais de 60 anos conquistou, naúltima década, uma maior importânciaeconômica. Em 2000, 62,4% desse con-tingente mantinha a condição de chefe defamília, no Brasil. Em 1991, esse percentu-al se limitava a 60,4%.

Um estudo de Vânia Cristina Liberato,da Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG), mostra que, em 1978, 26% dosaposentados e 13% das aposentadas mora-dores de regiões urbanas continuavamcom algum tipo de ocupação. Em 1999,essas taxas subiram para 33% e 21%,respectivamente. O trabalho mostra que aatividade do aposentado aumenta com seugrau de escolaridade.

O Brasil é um país que envelhece apassos largos. Entretanto, a infra-estruturapara responder às demandas da populaçãode idosos em termos de instalações, pro-gramas e mesmo adequação urbana dascidades, está muito aquém do desejável.

A região Sudeste concentra a maiorparte da população de idosos. Segundo omapa elaborado pelo censo 2000, 6,37%da população residente no Sudeste é com-

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posta por pessoas com 65 anos ou mais.Seguido pela região Sul (6,22%), Nordeste(5,85%), Centro-Oeste (4,27%) e Norte

(3,64%). No entanto, a região Centro-Oeste se destaca pelo maior crescimentorelativo (30,58%) na proporção, nessafaixa etária.

Mas o Sul tem a maior proporção deidosos. As cidades campeãs são Colinase Santa Tereza, ambas no Rio Grande doSul. A primeira tem 15,60% da populaçãocom idade igual ou superior a 65 anos.Na segunda, o percentual é de 15,21%.

No pólo extremo estão dois municípiosdo Mato Grosso. União do Sul e Sapezaltêm a menor proporção de pessoascom idade avançada: 0,64% e 0,98%,respectivamente.

Um país com população concentradanas cidades e número cada vez maiorde idosos. Esse será o retrato do Brasil,em 2015, traçado a partir do Relatóriodo Desenvolvimento Humano 2001, queprojetou as tendências do crescimentodemográfico do país.

A taxa de crescimento anualda população brasileira (1,1%) deveráacompanhar a média mundial, estimadaem 1,2% para o período de 1999 a 2015.É um percentual três vezes maior que odos países com elevado percentual dedesenvolvimento humano, que se situaem 0,4%. A população do Brasil, que tem170 milhões de habitantes, deve alcançaros 201,4 milhões em 2015.

O crescimento da populaçãourbana, tendência mundial, tambémse acentuará no Brasil. O percentual de80,7% da população que hoje vive emcentros urbanos brasileiros deve subir para86,5%. No mundo, a estimativa é maismodesta: de 46,5% para 53,2%.

O número de brasileiros de até 15anos, que em 1999 correspondiam a 29,3%

da população, deve baixar para 24,3%. Ataxa de fertilidade feminina também deveacompanhar a queda, declinando de 4,7%

para 2,3%. Em contrapartida, a expectativaé de que a população de idosos aumente.Hoje, os idosos correspondem a 5% doshabitantes. Em 2015, deverão ser 7,3%.

Esses números falam por si e nosapresentam o grande desafio que é aquestão do idoso. Será que os jovens têmplena consciência de que serão os idososde amanhã? Será que entendem que aforma de tratamento que dispensam hoje

aos mais velhos é a mesma que lhes estáreservada no futuro? Tenho dito que senão aprendermos a respeitar nosso pai,nosso avô, nosso bisavô, não mereceremosrespeito no futuro.

A vida, na sua sabedoria, nos ensinaque os mais velhos são os mais sábios. Asabedoria milenar diz que “a vida é frutoda energia do Universo”.

Essa energia acompanha a Lei de

Causa e Efeito. O caminho que precisamosconstruir é o da generosidade. É o dasolidariedade entre as gerações. Atéporque, o jovem de hoje será o idoso deamanhã.O Estatuto do Idoso tem o sentidode dar cidadania plena à nossa velhice.

É esta população que passa a serassistida com a transformação em lei doEstatuto do Idoso. Uma população quemuitas vezes deveria já estar descansando,

mas que ainda participa da promoção donosso desenvolvimento.E que nem por isso é compreendida.

Na verdade, é agredida nos seus direitosmais básicos. Até pelo despreparo de umasociedade que não soube conviver com orápido envelhecimento de sua população,mas que agora, com o Estatuto do Idoso,terá de rever atos, comportamentos, emudar o seu trato com os mais velhos.

IDÉIAS E LEIS

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O Acesso do Idoso ao Judiciário

Somente após o país completar qui-nhentos anos, vem a lume uma Lei que

ampara os idosos brasileiros, denominadaEstatuto do Idoso, materializado pela Leinº 10.741/03, a qual possui uma similitu-de com aquela que instituiu os JuizadosEspeciais Cíveis e Criminais, qual seja,tramitou por mais de sete anos na CasaLegislativa.

O Estatuto do Idoso ingressa no orde-namento jurídico nacional com o com-

promisso de traçar uma linha divisóriano comportamento de todos os cidadãos,agentes públicos e privados em face aosidosos. A nova Lei explicita as regrasprogramáticas constantes no art. 230 daConstituição, dispondo, nos termos do art.2º, que devem ser assegurados aos idosos

*Ministra do Superior Tribunal de justiça.

DAVID FLEISCHER** FÁTIMA NANCY ANDRIGHIIDÉIAS E LEIS

A Morte de Fogo - Paul Klee

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“todas as oportunidades e facilidades, parapreservação de sua saúde física e mentale seu aperfeiçoamento moral, intelectual,espiritual e social, em condições de liberda-de e dignidade”; o art. 3º explicita a quemincumbe garantir com absoluta prioridade,referidos deveres: à família, à comunidade,à sociedade e ao Poder Público.

A Lei que dispõe sobre o Estatutodo Idoso está estruturada em sete Títulosa saber: Título I – Das DisposiçõesPreliminares; Título II – Dos DireitosFundamentais, este composto de dezCapítulos; Título III – Das Medidas deProteção, subdividido em dois Capítulos;Título IV – Da Política de Atendimentoao Idoso, com seis Capítulos; Título V– Do Acesso à Justiça, disciplinado em trêsCapítulos; Título VI – Dos Crimes, com doisCapítulos; e Título VII – Das DisposiçõesFinais e Transitórias, enfeixando 118artigos.

Este singelo ensaio tem a finalidadede planear, sem pretensão de oferecersoluções, e, apenas a título de sugestão,apontar as imprescindíveis providênciasa serem tomadas pelas administraçõesde todos os tribunais com o objetivo decumprir a contento o Título V do Estatutodo Idoso, que garante o acesso à Justiça.

O dever de facilitar ao idoso o acessoao Poder Judiciário mereceu destaque emTítulo específico, “Do acesso à Justiça”,porque, sem dúvida, é uma das questõesrelevantes na vida de todos os cidadãose, com muito mais ênfase, na de nossosidosos.

Os obstáculos enfrentados parasolucionar problemas de natureza jurídica,bem como a demora na tramitação ejulgamento dos processos, podem causarmales psicossomáticos à saúde doslitigantes, conseqüência comprovada

cientificamente, decorrentes da aflição eda angústia geradas durante a infindávelespera na definição da pendenga judicial.

Urge reconhecer que o idosobrasileiro passa por inumeráveisdificuldades e impedimentos quando buscaexercer seus direitos por meio do processojudicial. O tormento principia pelasdificuldades mais elementares que são abusca e a obtenção de orientação jurídicasegura e adequada. O ajuizamento deum processo exige condições econômicaspara custeá-lo, caso contrário dependeráda assistência judiciária gratuita, cujotrabalho será feito pelas DefensoriasPúblicas estaduais.

Não se pode ignorar a insegurançae também o sentimento de inferioridadeque transpassam o coração de um idosoquando depende da assistência judiciáriagratuita para ajuizar ação ou se defenderem juízo. Muito embora se reconheçao esforço hercúleo despendido pelosDefensores Públicos no exercício da suasfunções, é sabido que não conseguematender satisfatoriamente a avalanche dedemandas a que são submetidos. Essaineficiência se deve à precariedade dasinstalações, à falta de instrumentos detrabalho e, principalmente, ao insuficientenúmero de defensores. Sobre esse órgão,tão importante para a concretização dodireito de acesso à Justiça, é importantefrisar que a instalação e a manutençãosão incumbências exclusivas do PoderPúblico, deveres até agora não cumpridossatisfatoriamente.

Ainda a propósito do papel dasDefensorias Públicas, é preciso fazerum intenso e eficiente trabalho deesclarecimento à população em geral e,no caso, especialmente aos idosos quenão puderem custear um processo, de que

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FÁTIMA NANCY ANDRIGH

sempre dependerão das providências, dotrabalho prévio dos Defensores Públicos.É preciso continuamente avisar todo idosoque os juízes só podem agir no sentidode dar-lhe proteção e tomar providênciasem defesa dos seus direitos, a partir domomento em que forem provocados pormeio de requerimentos dos DefensoresPúblicos ou Advogados.

De todo o exposto, ficam paranós a reflexão e o questionamen-to acerca da possibilidade deser cumprido satisfatoriamenteo Título V do Estatuto, por-quanto os idosos dependerãodo indispensável trabalhoprévio de outros segmentosjurídicos para fazer chegaràs mãos do juiz uma peti-ção inicial, uma respostaou um pedido de providên-cia acautelatória.

Restrito o nosso exameapenas às questões jurídicasno campo cível, observa-se,no art. 69 do Estatuto do Idoso,a opção do legislador em nãoadotar o procedimento sumáriocomo rito obrigatório para todos oslitígios que envolverem partes ou ter-ceiros idosos, indicando sua aplicação emcaráter subsidiário, de forma meramenteresidual, ou no vácuo de norma específica,

acrescida a ressalva de inaplicabilidadequando contrariar os prazos previstos nareferida Lei.

Considerando que o procedimentosumário se caracteriza pela concentra-ção de atos processuais embutidos numamesma fase do processo, visando assegu-rar-lhe celeridade sem omitir nenhum atoprocessual, o que viria a ferir o princípioconstitucional do devido processo legal,

pensamos que a aplicação na forma subsi-diária subtrairá inúmeros benefícios à cele-ridade. Carreando apenas um exemplo,indicamos o proveito do pedido contra-posto a ser formulado na contestação, evi-tando um segundo processo para alcançareventual direito do réu em face do autor.

Na verdade, o Estatuto do Idoso, emmatéria processual, não instituiu nenhuma

norma singular que agilize o processoe o procedimento, apenas repetin-

do, no art. 71, a prioridade natramitação e cumprimento dediligências judiciais em quefigure como parte ou inter-

veniente pessoa com idadeigual ou superior a sessentaanos, em qualquer instân-cia. Desse benefício, ressal-te-se, os idosos já desfrutamhá algum tempo, mas, reco-nhecidamente, ele se mos-tra insuficiente para alcan-

çar o objetivo da aceleraçãonecessária à marcha pro-cessual.

É justificado o receioporque sequer se garantiu, por

exemplo, o cumprimento de umasentença condenatória com a exigên-

cia prévia de depósito do valor devidoou com a antecedente entrega da coisacomo condição “sine qua non” para que

a parte vencida possa interpor recurso,tampouco se eliminou o efeito suspensivodos mesmos. Essas são apenas duas regrasprocessuais que, se adotadas, provocariamuma verdadeira revolução na proteção dosdireitos dos idosos litigantes, sem esquecero caráter didático que produziria na inter-posição de recursos.

Impõe-se, porém, louvar a proficien-te disciplina direcionada às ações referen-

“Não se

pode ignorara insegurança etambém o sentimen-

to de inferioridade quetranspassam o coraçãode um idoso quandodepende da assistên-cia judiciária gratuitapara ajuizar ação

ou se defenderem juízo”.

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tes aos interesses difusos, coletivos e indi-viduais, indisponíveis ou homogêneos,por ter ampliado sobremaneira a legiti-midade para a propositura de tais ações,providência que fortalecerá a defesado direito dos idosos, salientando-se o expressivo aumento do alcance dotrabalho preventivo a ser implementadopelos membros do Ministério Público.O Estatuto do Idoso depositou nas mãosdo Ministério Público a esperança deconcretização da tutela de seus direitos,valendo para os dignos integrantes dessa

instituição as mesmas considerações feitasàs iniciativas que deverão ser tomadaspelos Defensores Públicos. Temos a cer-teza de que eventuais omissões advindasdas dificuldades de operacionalização dasDefensorias Públicas poderão, a contento,ser supridas pelos ilustres membros doMinistério Público.

Enriquece o Estatuto do Idoso a dis-posição contida no art. 70, que permite

ao Poder Público “criar varas especializa-das e exclusivas do idoso”, porque essaprovidência poderá atenuar os efeitos daausência de regras processuais adequadaspara a necessária agilização dos processos.Todavia, verifica-se que a criação das varasespecializadas é, pela Lei, facultativa, oque causa inevitável inquietação, porquea decisão sempre dependerá da política deadministração de cada tribunal.

Como se vê, destas singelas obser-vações, muitas dúvidas, carências, dificul-dades e falhas tendem a minar o imposter-gável cumprimento do Estatuto do Idoso,mas, humildemente, reconhecemos nãoter a resposta que produza o efeito dese-jado para tamanha esperança plantada nocoração dos nossos idosos. Vale ressaltar,para nossa meditação, que muitas vezesnão é necessária uma nova Lei para queos direitos sejam garantidos; é muito mais

eficiente uma união de esforços, nos pla-nos espiritual e material, o que requer umamudança na mente e no coração.

Não queremos com esse atino, comesse discernimento, até porque foram fei-tas apenas algumas observações na áreacível, produzir arrefecimento no ânimode trabalhar vigorosamente em comunhãocom todos os segmentos jurídicos exigidospara a eficaz salvaguarda dos direitos dosidosos. O que se pretende é a remoção deeventuais obstáculos, a fim de distanciaro Estatuto do Idoso da linha conceitual deuma Lei programática para ser, efetivamen-te, uma Lei pragmática.

Para nós, juízes, fica, mais uma vez,a crucial incumbência de, mesmo com ins-trumento processual obsoleto, não permitirque a espera de obtenção do direito detodos os idosos ultrapasse o plano da vidaterrena, rogando ao Alto que sempre nosinspire para o despertar da parcela de justi-ça divina que, tenho certeza, está ínsita nocoração de cada juiz brasileiro.

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Palavras&História

Discurso do Deputado Ulysses Guimarães na instalação da Assembléia NacionaConstituinte, em 2 de fevereiro de 1987, e o comentário de Luiz Gutemberg

Acervo - Câmara dos Deputados

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OS PROFETAS DO AMANHÃ

Prudente de Morais, meu conterrâ-neo e convizinho, pois o meu Rio Claroé coirmão de sua Piracicaba, assumiaa Presidência da Assembléia Nacional

Constituinte em 21 de novembro de 1890,no Palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro.

A 2 de fevereiro eu a assumo, emBrasília, como mandamento da AssembléiaNacional Constituinte de 1987.

Rogo a Deus que meu ofício de coor-denador isento da elaboração constituinteseja modelado na austeridade e na compe-tência do exemplar republicano.

Sou-lhes muito obrigado por me tra-zerem, do povo brasileiro, esta novatarefa. Irei cumpri-la, como tantas outrascom que fui encarregado, com os haveres

de minha experiência e o ânimo de todasas horas.O homem público é o cidadão de

tempo inteiro, de quem as circunstânciasexigem o sacrifício da liberdade pesso-al, mas a quem o destino oferece a maisconfortadora das recompensas: a de servirà Nação em sua grandeza e projeção naeternidade.

Ulysses Guimarães, ao lado do Dep. Paes de Andrade, na tardeda instalação da Assembléia Nacional Constituinte de 1987.(Acervo - Câmara dos Deputados)

ULYSSES GUIMARÃES

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Srs. Constituintes, esta assembléiareúne o melhor do povo brasileiro. Muitosde nós voltamos a Brasília com o man-dato parlamentar reafirmado; outros, emnúmero maior, chegam ao Congresso pelaprimeira vez.

Aos velhos amigos, companheiros detantas jornadas de resistência democrática,o meu abraço de reencontro. Aos que sejuntam a nós, trazendo o vigor da Naçãorejuvenescida pela esperança, quero sau-dar o grande futuro que o Brasil entremos-tra nesta soleira do século XXI.

É um parlamento de costas para opassado, este que se inaugura hoje paradecidir o destino constitucional do País.

Temos nele uma vigorosa bancadade grupos sociais emergentes, o que lheconfere nova legitimidade na representa-ção do povo brasileiro.

Quero manifestar minha particularalegria de ver aqui tantas mulheres. Sua

participação na vida política dá à demo-cracia a sua verdadeira dimensão. Oreconhecimento de igualdade de direitose de deveres entre homens e mulheresconstitui a grande revolução dos temposmodernos. Iguais na inteligência e nacapacidade de fazer, as mulheres superammuitas vezes os homens na sensibilidadediante do sofrimento do povo e na dedica-ção aos marginalizados pela sociedade.

Esta bancada feminina é a maiorde nossa história parlamentar, mas muitopequena ainda. Espero que as mulheresassumam a sua responsabilidade política eocupem, cada vez mais, o espaço que é deseu direito e dever ocupar.

Noto, também, e com a mesmaalegria, a presença de constituintes bemjovens. Sou dos que confiam na inteligên-cia e no trabalho dos moços. A história

parlamentar brasileira guarda a memóriade um jovem deputado que, na opiniãode muitos brasileiros, foi o maior pensador

político do Império: Aureliano Cândidode Tavares Bastos, que chegou à Câmaraaos vinte e um anos e nos deixou estudoseconômicos e políticos de surpreendenteatualidade.

Srs. Constituintes, esta assembléiareúne-se sob um mandato imperativo: o depromover a grande mudança exigida pelonosso povo. Ecoam nesta sala as reivindi-cações das ruas. A Nação quer mudar, a

Nação deve mudar, a Nação vai mudar.Estes meses vividos pelo povo brasi-

leiro, desde que nos reunimos em Goiâniae em Curitiba a fim de exigir eleiçõesdiretas para a Presidência da República,demonstraram que o Brasil não cabe maisnos limites históricos que os exploradoresde sempre querem impor. Nosso povocresceu, assumiu o seu destino, juntou-se em multidões, reclamou a restauração

democrática, a justiça social e a dignidadedo Estado.Estamos aqui para dar a essa von-

tade indomável o sacramento da lei. AConstituição deve ser - e será - o instru-mento jurídico para o exercício da liber-dade e da plena realização do homembrasileiro.

Do homem brasileiro como ser con-creto, e não do homem abstrato, enteimaginário que habita as estatísticas eos compêndios acadêmicos. Do homemhomem, acossado pela miséria, que cum-pre extinguir, e com toda a sua potenciali-dade interior, que deve receber o estímuloda sociedade, para realizar-se na alegriado fazer e na recompensa do bem-estar.

O homem, qualquer homem, é por-tador do universo inteiro na irrepetível esingular experiência da vida.

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OS PROFETAS DO AMANHÃ

Por isso, de todos deviam ser os bensda natureza e a oportunidade de deixar,na memória do mundo, a marca de sua

passagem, com a obra das mãos e da inte-ligência.Toda a história política tem sido a da

luta do homem para realizar, na Terra,o grande ideal de igualdade e fra-ternidade.

Vencer as injustiçassem violar a liberdadepode parecer programapara as sociedades dautopia, como tantossonhadores escreve-ram, antes e depoisde Morus, mas narealidade é um pro-jeto inseparável daexistência humanae que se cumpre acada dia que passa.

Os momentosde despotismo, comtodo o assanho dostiranos, são eclíp-ticos. Prevalece aincessante expediçãoda humanidade para arealização do reino deDeus entre os homens,conforme a grandeesperança cristã.

Conduzir essa cami-nhada é tarefa da política. Semesse ideal maior, a política descede sua grandeza à superfície das dis-putas menores, do jogo ridículo do poderpessoal, da acanhada busca de glóriaspálidas e efêmeras.

Srs. Constituintes, a grande maioriadesta Casa representa a incontível reivin-dicação de coragem reformadora, exposta

na campanha das diretas. Ela resulta daprimeira manifestação eleitoral ampla donosso povo depois daquele movimento,

excetuando-se as eleições municipais, deinteresse localizado, que se deram em1985.

A ampla maioria de que dispo-mos nesta Casa constitui garantia

bastante de que faremos umaConstituição para a liberda-

de, para a justiça e para asoberania nacional.

A liberdade nãopode ser mero apeloda retórica política.

Ela deve exercer-se dentro daquelesvelhos princípiosque impõem comoúnico limite àliberdade de cadahomem o mesmodireito à liberdade

dos outros homens.Assim vemos aação reguladora doEstado na atividadeeconômica. A livreiniciativa, necessária

ao desenvolvimentodo País, deverá exer-

cer-se sem o sacrifíciodos trabalhadores, e a

riqueza não poderá acu-mular-se, ao mesmo tempoem que aumentam a miséria e

a fome, em benefício dos privile-giados.A liberdade é também uma questão

de justiça. Ela não pode continuar sendo,como as outras coisas, um bem de merca-do. Em nossa sociedade injusta só pode terliberdade aquele que dispõe de dinheiropara comprá-la.

“Do homembrasileiro como ser

concreto, e não do homemabstrato, ente imaginário que

habita as estatísticas e os com-pêndios acadêmicos. Do homemhomem, acossado pela miséria,que cumpre extinguir, e com todaa sua potencialidade interior, quedeve receber o estímulo da socie-dade, para realizar-se na alegria dofazer e na recompensa do bem-estar.

O homem, qualquerhomem, é portador do uni-

verso inteiro na irrepetívele singular experiência

da vida”.

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ULYSSES GUIMARÃES

A justiça para os que trabalham devecomeçar pelo salário. Não existe no mundode hoje, salvo em alguns países emergen-

tes da África, sociedade que seja tão cruelcom os trabalhadores.Salários justos exigem uma política

que combine o desenvolvimento econô-mico com a estabilidade monetária. Ainflação, sendo fonte de injustiça – umavez que os assalariados são os mais inde-fesos diante dos seus efeitos perversos – étambém dela conseqüência.

Todos os nossos problemas procedemda injustiça. O privilégio foi o estigma dei-xado pelas circunstâncias do povoamentoe da colonização, e de sua perversidadenão nos livraremos sem a mobilização daconsciência nacional.

O privilégio começa na posse daterra, no início repartida, pelos favoresreais, entre as oligarquias imigradas. Essasmesmas oligarquias acostumaram-se aotrabalho escravo e dele não querem abrirmão. Como bem nos apontou mestreAfonso Arinos de Melo Franco, as senzalasdo século passado estão hoje nas favelas.Nas favelas e nos subúrbios que amonto-am os trabalhadores modernos, brancos,pretos, mestiços - mas todos legatários dacondenação de servir e sofrer.

Não é só a injustiça interna que dáorigem aos nossos dramáticos desafios. Étambém a espoliação externa, com a insâ-nia dos centros financeiros internacionaise os impostos que devemos recolher aoimpério, mediante a unilateral elevaçãodas taxas de juros e a remessa ininterruptade rendimentos. Trata-se da mais brutalvalia internacional que nos é expropriadana transferência líquida de capitais.

Não entendem os insensatos quesomos, no Terceiro Mundo, também sen-zalas dos países mais poderosos, e que só

seremos realmente livres do saque quandodistribuirmos a renda pelo menos comeqüidade e, desta forma, dermos dignida-

de ao convívio social interno.A modernização autônoma da eco-

nomia não pode continuar sendo impedi-da por uma estrutura social arcaica, quese amarra praticamente nas OrdenaçõesFilipinas.

Modernizar a economia é torná-lacompetitiva, com o emprego racional detodos os recursos disponíveis, a começarpelo solo. A terra não pode ser mera reser-va de valor para os que especulam como seu preço, porque só nela os homensencontram a vida. Não podemos pensarem distribui-la apenas. É nossa obrigaçãofazê-la produtiva. Sempre que o direito depropriedade se opuser ao interesse nacio-nal, que prevaleça o interesse da Nação.

A propriedade é um dos mais antigosdireitos do homem, e é em razão dissomesmo que a ética religiosa recomendadistribui-la.

Para sentir-se senhor de si mesmo,cada homem necessita de chão e teto, e arazão natural não admite que sobrem tetose glebas a uns, quando milhões e milhõesde outros nascem e morrem entre paredesalheias ou ao relento. Não podemos pen-sar no liberalismo clássico, que deixa àslivres forças do mercado o papel reguladorde preços e salários, em uma época de

economia internacionalizada e de cartéispoderosos.Se o Governo deve intervir no pro-

cesso econômico, que a sua ação busquea paz social. Ali, de onde se ausenta aconsciência ética, deve impor-se o poderarbitral do Estado.

Liberdade dos cidadãos e justiçanas relações econômicas entre patrões eempregados são condições indispensáveis

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OS PROFETAS DO AMANHÃ

ao fortalecimento das nações em seu con-vívio no mundo. Enganam-se os governosque aspiram ao respeito internacional, selhes falta o respeito de seu povo.

Quando as elites políticas pensamapenas na sobrevivência de seu poder oli-gárquico, colocam em risco a soberanianacional.

A segurança será sempre precáriaonde houver o clamor dos oprimidos.Nenhum país será suficientemente pode-roso, se poderosa não for a coesão entreos seus habitantes. Uma casa dividida nãosaberá opor-se com êxito ao assalto dosinimigos.

Liberdade, soberania, justiça. Sobreestas idéias simples construíram-se asmaiores nações da História. Elas serãoo âmago da nossa razão comum no tra-balho de dotar a Nação de uma legítimaCarta Política.

Srs. Constituintes, dois foram e con-

tinuam sendo os destinos que grandespensadores políticos do passado escolhe-ram para o Brasil: o da liberdade políticae o da Federação. Os primeiros homenspúblicos brasileiros já entendiam ser osistema federal o exigido para a adminis-tração do País.

Pensavam em Federação os mem-bros da comissão encarregada de redigir aproposta do texto de nossa primeira CartaPolítica, em 1823. Nas discussões do art.2º do texto, Ferreira França propôs que oImpério do Brasil compreendesse confe-deralmente as províncias. Respondendoa quem considerava perigosa a menção,Carneiro da Cunha argumentava que osistema poderia vir a ser “o vínculo maisforte da união eterna das províncias”.

Malograda a idéia diante dasrazões expostas por Nicolau Vergueiro

e da dissolução posterior da AssembléiaConstituinte, ela retornaria, com força,nas vésperas do movimento de 7 de abril

que levou D. Pedro I à abdicação.Pregou-se, naquela hora oportuna,

a descentralização do Governo, medianteuma federação monárquica, conformeexpressão do seu maior defensor, o jorna-lista político Antônio da Fonseca.

A mesma idéia que esteve na raizdo Ato Adicional de 1834 quase levara auma Constituição republicana, em julhode 1832, na antecipação de um movi-mento que só teria logro 57 anos maistarde.

Federação e democracia continuamsendo as reivindicações nacionais maio-res e nossa assembléia não poderá deixarestas questões ao relento. Elas devem serenfrentadas com a coragem necessária.Incluo-me entre os que, como Carneiroda Cunha, consideram a autonomia fede-rativa a base da unidade nacional. Estaautonomia reclama, em primeiro lugar,uma justa apropriação tributária. Só háunidade entre entidades de igual direitoe não pode a União transformar-se, comose transformou, em poder isolado das rea-lidades estaduais.

A Federação, golpeada pelo EstadoNovo, foi praticamente destruída nosrecentes anos de arbítrio. Cumpre-nosrestaurá-la em toda a sua plenitude, tor-nando realidade um ideal que nasceucom a própria independência.

A razão da liberdade esteve semprepresente, como o ânimo maior de nossaformação histórica. Sempre associamosa liberdade do País à liberdade de seuscidadãos. Mas a liberdade não é um valorabsoluto, que se conquista com o merogesto da vontade. Ela se constrói a cadadia, na medida em que se constroem as

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ULYSSES GUIMARÃES

nações. Para que se goze de liberdade, épreciso, antes de mais nada, que se tenhaa consciência de sua necessidade e o sen-timento moral de sua importância.

No versículo da Bíblia está decreta-do que Deus criou a terra para que nelao homem trabalhasse, e não a saqueassee violentasse, ameaçando a qualidadeda vida, que deve ter no estatuto cívicosupremo seu guardião.

Esses valores do espírito se fazemcom a educação. “Conhecer éser livre”, dizia um dos gran-des apóstolos da América, José Martí. Isso colocaas tarefas da educaçãopública na urgência denossas preocupações.A cidadania começano alfabeto.

Não há um sóexemplo de naçãoforte sem bom sistemade educação.

O poderio dosEstados Unidos e o apegode seus cidadãos à LeiConstitucional têm origem nozelo com que os primeiros colonoscuidaram da educação.

Dezesseis anos depois do desembar-que, era criado o Colégio de Harvard e,em 1647, todas as povoações com maisde cinqüenta casas eram obrigadas a teruma escola básica, e as com mais de cemmoradias, uma escola secundária.

E qual é a nossa realidade?Srs. Constituintes, estou convencido

de que esta é uma excepcional oportu-nidade histórica de dar ao País a maisnacional de suas Constituições. Quandouso o termo, uso-o na convicção de que

as nossas Cartas anteriores foram redigi-das na adolescência da Pátria, quandobuscávamos nos Estados estrangeiros omodelo para as instituições do País.

Não podemos negar a experiênciados outros povos quanto aos mecanismosda administração política, mas é conve-niente encontrar, em nossa própria inte-ligência e vivência, processos novos dedesenvolvimento jurídico e social.

Uma Constituição é tanto maislegítima quanto mais ampla

for a discussão de seus ter-mos. Peço-lhes permissão

para citar um trecho dodiscurso que o saudo-so estadista TancredoNeves pronunciou,neste mesmo recinto,quando o convoca-mos para ser o candi-dato à Presidência daRepública.

“As Constituições”- dizia o meu compa-

nheiro e grande amigo- “não são obras literárias,

nem documentos filosóficos.Elas não surgem do espírito cria-

dor de um homem só, por mais privilegia-do em sabedoria seja esse homem.

Tampouco podem ser a codificaçãode propósitos de um ou outro grupo queexerça influência, legítima ou ilegítima,sobre a Nação.

A Constituição é uma Carta de com-promissos assumidos livremente peloscidadãos, em determinado tempo e socie-dade”.

O compromisso maior da Carta queredigiremos é com o futuro. Esse futuroestá aí, apressado, chamando-nos e exi-

OS PROFETAS DO AMANHÃ

“A segu-rança será sempreprecária onde houver

o clamor dos oprimidos.Nenhum país será suficiente-mente poderoso, se poderosanão for a coesão entre os seushabitantes. Uma casa dividi-

da não saberá opor-se comêxito ao assalto dos

inimigos“.

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OS PROFETAS DO AMANHÃ

gindo os nossos esforços urgentes pararecebê-lo sem transtornos maiores. Hácinqüenta anos apenas o Brasil iniciava,com timidez, o processo de moderniza-ção industrial. Mais de setenta por centode sua população vivia no campo. Poucaseram as estradas que uniam os centros deprodução aos portos marítimos e depen-díamos da importação de quase tudo.Com enormes esforços – esforços sobretu-do dos trabalhadores – conseguimos erigiro maior parque industrial do HemisférioSul, levantar cidades, desbravar sertões,

atualizar o nosso saber e impor-nos aorespeito internacional. Deixamos a ini-bição histórica, que limitava, na prática,a ocupação do Território com uma ima-ginária Linha de Tordesilhas, e rasgamosas estradas que nos permitem, hoje, irde qualquer cidade a outra sobre rodas.Ainda assim, temos que multiplicar osnossos esforços para chegar ao próximoséculo em condições de vencer os seus

desafios.Partindo da razão básica – queé a de transformar todos os brasileirosem cidadãos, com a realização da justi-ça social –, deveremos combater certoscomportamentos que nos atrasam. É pre-ciso – e é essa uma tarefa constitucional– modernizar a legislação econômica, demaneira a impedir a danosa especulaçãofinanceira pelos agentes privados, incen-

tivar a iniciativa econômica individual,que não encontra espaço em um Estadocartorial, aliado das grandes corporaçõesempresariais, e promover a modernizaçãodos processos de produção, com o desen-volvimento de novas técnicas.

Ao lado da educação – e dela inse-parável –, exige-se uma política nacionalde desenvolvimento científico e tecnoló-gico. Tanto quanto do capital – ou mais

do que dele –, os povos necessitam doconhecimento sobre a natureza e dosmeios de colocá-lo a serviço do seu bem-estar e segurança.

Não podemos submeter o nosso des-tino aos que buscam contê-lo, impedindo-nos de fabricar instrumentos modernos ede promover, com a nossa própria inteli-gência, o seu desenvolvimento.

Concluíam os gregos, naqueleesplêndido século V antes de Cristo,dando origem à concepção ocidental dalei, que “o homem é a medida de todasas coisas”.

Retorno assim à minha preocupaçãooriginal. É para o homem, na fugacidadede sua vida, mas na grandeza de sua sin-gularidade no universo, que devem vol-tar-se as instituições da sociedade.

Elas devem respeitá-lo e promovero crescimento de sua personalidade, apartir do momento em que nasce. Isso

significa lutar contra a vergonha que sãoas altas taxas de mortalidade infantil eprestar efetiva assistência às famílias. Taisprovidências não podem ser vistas com ovelho espírito do paternalismo, como se oEstado fosse instituição apenas dos ricos eexercesse a caridade em favor dos pobres.A assistência do Estado é um serviço queele presta aos cidadãos e estes, quandodela necessitem, não devem suplicá-la,

mas, sim, exigi-la, como um direito irre-cusável. Assistir não é amparar nem pro-teger. É cumprir uma tarefa inerente aoEstado.

Não é preciso lembrar a dolorosasituação das crianças abandonadas. É esteum tema do qual só podemos falar com acabeça baixa, os olhos no chão.

Devemos crescer, e crescer cada vezmais, é verdade. Mas o nosso crescimento

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ULYSSES GUIMARÃES

de nada valerá se o fizermos sem ter ohomem brasileiro como seu módulo.

Construir estradas, abrir portos,desbravar sertões, escavar minas, plantarmilhões e milhões de hectares – como tantosfizeram – aumenta o Produto Interno Bruto,mas não significa, por si só, estabelecer aindependência ou garantir a soberania deum país. As estradas e os portos tambémpodem ser construídos para favorecer osaque das riquezas nacionais. De nadaadianta exportar milhões e milhões detoneladas de grãos se eles faltarem à mesadaqueles que os plantaram, colheram e ostransportaram até o mar.

Fazer um país crescer é fazê-locrescer dentro de si mesmo, é fazê-locrescer em cada um de seus cidadãos. Oque significa aumentar a produção se elaestiver destinada a servir aos outros e nãoao nosso próprio povo?

Srs. Constituintes, esta é a grandehora de nossa geração. Devemos ocupá-la com o grave sentimento do dever e aconsciência de que seremos responsáveis,diante do futuro, pelo que decidirmosaqui.

Temos, em nossas mãos, a soberaniado povo. Ele nos confiou a tarefa deconstruir, com a lei, o Estado democrático,moderno, justo para todos os seus filhos.Um Estado que sirva ao homem e não

um Estado que o submeta, em nome deprojetos totalitários de grandeza.Para isso estamos aqui.Volto a agradecer a confiança que

os constituintes, em nome do povo, meoutorgaram.

Dirijo-me particularmente aoscompanheiros do meu partido, o PMDB, a

nossos aliados do PFL e aos companheirosde todos os partidos que votaram em meunome.

Às demais legendas, principalmenteda Oposição, dou a garantia de que serei,nesta presidência, o coordenador imparcialdos trabalhos constituintes.

Como nos recomendou Tancredo,não vamos nos dispersar.

Juntos, soubemos ter paciência ecoragem.

Juntos, não nos faltará a necessáriacompetência.

Haveremos de elaborar umaConstituição contemporânea do futuro,digna de nossa pátria e de nossa gente.Para isso, iremos vencer os desafioseconômicos, políticos e sociais. Seremosos profetas do amanhã.

A voz do povo é a voz de Deus. ComDeus e com o povo venceremos, a serviço

da Pátria, e o nome político da Pátria seráuma Constituição que perpetue a unidadede sua geografia, com a substância desua história, a esperança de seu futuro eexorcize a maldição da injustiça social.

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PALAVRAS & HISTÓRIA

Receitas Tropicalistas deConstituição pelo Mestre

Constituinte UlyssesSilveira Guimarães

Se os especialistas em política fos-sem menos cientistas e mais cronistas, ese os exegetas dos textos constitucionaisfossem menos etimólogos e mais histo-riadores – hipóteses totalmente absurdas,pois desmontariam labirintos acadêmicos,

ricos pareceristas perderiam sua clientelae volumosas coleções de livros deixariamde ser editadas – as constituições seriammelhor compreendidas, os povos melhorgovernados e, principalmente, a Justiça,melhor distribuída.

* Jornalista

Ulysses Guimarães no dia da promulgação da nova Constituição Brasileira, em 05 de Outubro de1988.(Acervo Câmara dos Deputados)

LUIZ GUTEMBERG

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Pelo menos, no caso da Constituiçãodo Brasil de 1988.

Quem tiver dúvidas, experimenteuma leitura do discurso de 2 de fevereirode 1987, do deputado Ulysses Guimarães,na instalação da Assembléia NacionalConstituinte, que ele presidiria.

Era a inauguração de uma das aven-turas parlamentares mais alegres, confusas,autênticas e tecnicamente desvairadas deassembléias constituintes, através dos tem-pos, em todos os povos.

Uma constituinte que começou serecusando a simplesmente tomar conhe-cimento de anteprojetos oferecidos. Atémesmo um texto completo, elaboradoe discutido por uma grande comissãode representantes de todos os setores dasociedade, de que fizeram parte homense mulheres de “notável saber”, nomeadospelo Presidente José Sarney. Tinha sidopresidida pelo senador Afonso Arinos,orgulhoso por repetir a façanha do pai,Afrânio Melo Franco, que exerceu papelidêntico com relação à Constituição de1934. Por acaso, as duas comissões cons-titucionais, a de 1933 e a 1986, haviamse reunido, com um intervalo de mais demeio século, na mesma sala do Paláciodo Itamaraty, no Rio. Pois, a AssembléiaConstituinte de 1986 não tomou conhe-cimento da tradição dos Melo Franco.Orgulhosamente, partiu do nada. Duranteum ano e oito meses, os constituintes bra-sileiros, através de sucessivos estágios que,teoricamente, asseguraram a participaçãonos trabalhos de elaboração de 100% dos513 deputados e 61 senadores que a com-punham, foram autores desde o primeirocroquis à redação final dos 245 artigos,mais 70 das Disposições Transitórias.

Quem os lê hoje,– depois de 15anos, já emendados 42 vezes, em alguns

pontos que pareciam pétreos em 1988,como o monopólio estatal do petróleo,revogado - dificilmente compreenderá oexato sentido e intenção de muitos artigos.Essa preocupação, dispensada por juris-tas, advogados e juízes, para quem bastaa letra fria, a expressão vernácula, paraerigir teorias, parece seguir o simplismodo “vale o escrito” dos bicheiros cariocas.Desprezam como anedóticas, reles preo-cupação de leigos, revelações sobre o quehá de humanidade, demagogia, cacoetespessoais, compromissos paroquiais com

grupos de eleitores e, até, insanidade, portrás de alguns artigos emblemáticos e, àsvezes, intencionalmente ambíguos. Quefalta lhes fazem a História, ou ao menos,uma crônica impressionista, uma análisejornalística!

Como testemunha – com relação aalguns temas, posso dizer, privilegiada,pois muitas vezes tomei café da manhãcom o velho Ulysses na residência oficial

da Península dos Ministros, em Brasília,pude assistir, à mesa, o planejamento dasjornadas diárias das votações, estabele-cido em discussões de que sempre par-ticipavam o jurista Miguelzinho Reale, odeputado Nelson Jobim e o secretário daMesa, Paulo Afonso, seus colaboradoresmais constantes. Ulysses exercia o papeldo Presidente da Constituinte, ora comoum patriarca (pela ascendência de auto-ridade tribal), ora como um maestro (poisconduzia com rédea curta o andamentoe o timbre que julgava adequados a cadatema, como se regesse uma peça sinfôni-ca).

Tanto que o discurso inaugural daConstituinte, por Ulysses, é uma espéciede guia de orquestra para entendimento dotexto. A abertura é uma evocação biográ-fica, em três tempos. Lembra seu “barro

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LUIZ GUTEMBERG

e de que ele se sentia condutor com seu“emedebê”, como dizia.

Evoca as cidade dos dois primeiroscomícios que deflagraram a avalanche dacampanha das “Diretas Já”, onde a vibra-ção popular primeiro saiu às ruas claman-do pela redemocratização:

- Goiânia!- Curitiba!Arremata tudo como preconizar a

postura da assembléia:

- “É um parlamento de costas parao passado, este que se inaugura hoje paradecidir o destino constitucional do País”.

Seguem-se os princípios, as trêspedras angulares sobre as quais pretendiaalicerçar a constituição: liberdade, justiçae soberania nacional.

Estava concluída a apresentação.O plano de discurso de Ulysses,

que ele costumava formular esquemati-camente em tiras de papel, que chamavade “tripas”, antes de lhes dar forma final,ou apenas para orientar os improvisos, ede que encontrei algumas amostras entreseus papéis, seguia o que chamava de“trilha euclideana: o ambiente, a terra,o homem e as peripécias”. No caso dodiscurso inaugural da Constituinte, enten-da-se por “peripécias” o longo e ecléticoconjunto de temas que uma constituiçãodeve abarcar. Um texto que deve serpolítico, em primeiro lugar; abrangentepor natureza; conter princípios que nãodeixe órfão nenhum aspecto das relaçõespossíveis numa sociedade; juridicamenteirrepreensível, equânime, auto-aplicável e,principalmente, que se preste à distribui-ção da Justiça.

Ulysses sentiu dificuldades em fixaresses espaços estanques e, perdido, foi

e voltou várias vezes, repetiu-se, deu aimpressão de ter feito uma colagem alea-tória. Como precisou trabalhar com mui-tas notas e textos enviados por amigos– que infelizmente não identificou – adap-tou conceitos técnicos de economia comque não tinha familiaridade. Sua prosódiabacharelesca tinha repertório para qual-quer situação. Assim, depois de falar deindustrialização, infra-estrutura rodoviá-ria, especulação financeira, repetindo umasérie de lugares comuns, como se tivesseperdido o fôlego ou o fio da meada, diz:

“Concluíam os gregos, naqueleesplêndido século V antes de Cristo, dandoorigem à concepção ocidental da lei, que“o homem é a medida de todas as coisas”

Evidentemente perdido, reencontra-se:

“Retorno assim à minha preocupa-ção original. É para o homem, na fuga-cidade de sua vida, mas na grandeza dasua singularidade no universo, que devemvoltar-se as instituições da sociedade”.

Velho político, literalmente – eleestava naquele momento com 71 anos- ele quer conciliar sua longa biografiacom um momento explícito de futurologia,pois declara a pretensão de que a novacarta constitucional contenha antevisõesque a tornem longeva, “contemporâneado futuro.” Logo ele, que protagonizou a

instabilidade política da sociedade brasi-leira, desde que iniciou sua carreira soba Constituição de 1946, que chamavade saudosa, no tom de pesar de quemperdeu uma madrinha generosa e sábia.Fato pouco conhecido, Ulysses quase fun-dou um culto à maneira positivista àConstituição de 1946, de que promoveu,na gráfica do IBGE, a primeira ediçãopopular de uma Constituição brasileiracom grande tiragem, quando Presidente

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PALAVRAS & HISTÓRIA

da Câmara pela primeira vez, em 1956.Havia até uma edição em miniatura, deque guardo o seu exemplar, que encon-trei, depois da sua morte, no escritório dacasa na rua Campo Verde, em São Paulo.Não era uma paixão gratuita, pois foi paracomplementá-la – com a preocupação dedecodificá-la nos limites regionais – queteve seu primeiro mandato, em 1947,como deputado estadual constituinte emSão Paulo. Deputado federal a partir de1950, seria eleito, em 1956, aos 40 anos,Presidente da Câmara, nº 2 na lista de

sucessão do Presidente da República. Em1987, estava na sua nona reeleição comodeputado federal e há 40 anos não haviapassado um único dia sem mandato par-lamentar. Tinha sobrevivido, sempre nomesmo partido, o PSD, às crises políticasque abalaram o regime da Constituiçãode 46 - o suicídio de Vargas, em 1954(em que teve papel de protagonista comomembro da CPI da Última Hora), o con-tra-golpe de 11 de novembro de 1955, arenúncia de Jânio e a posse de Jango (deque foi protagonista como membro doMinistério parlamentarista de TancredoNeves, ocupando a pasta da Indústria eComércio) e, finalmente, o golpe de 64,com a instauração da ditadura militar,com que se conformaria inicialmente. Aí,depois de uma tentativa frustrada de fazerpolítica, confiando na boa-fé do presi-dente Castelo Branco e em suas ingênuastentativas de reduzir o golpe a uma rápidaintervenção cirúrgico-militar, compreen-deu que prevaleceria a violência do grupofascista. Recolheu-se silente e até amea-çado de cassação, para se transformar, apartir de 1970, como presidente do MDB,no principal articulador da oposição civilque chegaria ao poder em 1985, com JoséSarney, pela morte do presidente eleitoTancredo Neves.

Com a memória de todas essasexperiências e, principalmente, com arica crônica dos últimos 15 anos de lutacontra a ditadura – às vezes sutil; nou-tras, vigorosas; de repente excessiva-mente prudente; súbito, agressiva e atétemerária, quando comparou o presidenteGeisel ao ditador ugandense Idi AminDada – Ulysses Guimarães administrouos conflitos ideológicos, verdadeiros eartificiais, que explodiam na oposição.MDB, depois PMDB, foram uma frenteúnica e compulsória da oposição. Não

havia outros espaços, sob a ditadura, parafazer política, e o partido era uma espéciede Arca de Noé. Todos, por bem ou mal,tinham que se submeter à convivência.Para Ulysses, que sempre desdenhou aradicalização, não era difícil exercer atolerância. Como pessedista, e a ideologiado PSD era o exercício do poder confor-me as circunstâncias, toda convivênciaera possível. (Como gostava de lembrar, Juscelino, cuja campanha presidencialliderou em São Paulo, em 1955, foi elei-to com o apoio negociado do PartidoComunista, a que prometeu a legalidade erelações com a URSS. Ao mesmo tempo,patrocinou o financiamento dos inte-gralistas de Plínio Salgado, com o obje-tivo de fazê-lo receber votos em SantaCatarina, Paraná e Rio Grande do Sul,que iriam fatalmente para seu principalcompetidor, Juarez Távora. A única formade esterilizar essa votação era viabilizar acandidatura Plínio Salgado, que cumpriuo seu papel: os votos de Plínio Salgado,somados aos de Juarez, teriam derrotado Juscelino.) A experiência do velho PSD,segundo dizia, era uma vacina contra pre-conceitos e radicalismos. Foi assim queos tratou no PMDB. As esquerdas, quese intitulavam “autênticos”, embora nãofaltassem direitistas de todos os matizes

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entre os “moderados”. O denominadorcomum era a oposição à ditadura.

Na abertura da Constituinte, Ulyssesnão faz uma única referência à questãoideológica, que ainda era muito forte.Nada indicava, àquela altura, que oMuro de Berlim estivesse prestes a cair,e, junto com ele, a URSS e o comunismointernacional, o que só aconteceria em1989. Vê-se, numa leitura distante dascircunstâncias de 1987, que ele acenapara todo mundo, ora mais à esquerda,falando de liberdade (“é preciso que se

tenha a consciência de sua necessidadee o sentimento moral da sua importân-cia”), ora mais à esquerda, falando depropriedade (... “um dos antigos direitosdo homem, é em razão disso mesmo quea ética religiosa recomenda distribui-la”)até, em evidente desespero, zigueza-guear como os eloqüentes personagensde Glauber Rocha em “Terra em Transe”.Embrenha-se por um labirinto de dilemas,perde a linha de Ariadne, ouve os urrosdo monstro devorador dos que hesitam e,sem resposta, termina com uma interroga-ção. Vejamos:

“Construir estradas, abrir portos,desbravar sertões, escavar minas, plantarmilhões e milhões de hectares – como tan-tos fizeram – aumenta o Produto InternoBruto, mas não significa, por si só, estabe-lecer a independência ou garantir a sobe-rania de um país. As estradas e os portospodem ser construídos para favorecer osaque das riquezas nacionais. De nadaadianta exportar toneladas e toneladas degrãos se eles faltarem à mesa daqueles queos plantaram, colheram e transportaramaté o mar. Fazer um país crescer é fazê-locrescer em cada um dos seus cidadãos. Oque significa aumentar a produção, se elaestiver destinada a servir aos outros e nãoao nosso próprio povo?”

Um exemplo primário, do pontode vista formal da ciência política, dodesafio que se apresentava à constituinte,

mas absolutamente consentâneo com amentalidade da assembléia a que Ulyssesse dirigia.

Uma pesquisa que envolvesse teste-munhos insuspeitos de assembléias polí-ticas brasileiras (aleatoriamente, tomeias resenhas do Senado do Império, deMachado de Assis, que não era uma cons-tituinte, mas se comportava como tal, soba bonomia de Sua Majestade, o Imperador,

na eterna tentativa de regulamentar dispo-sitivos constitucionais, como a mudançada capital para o Planalto Central; memó-rias da Constituinte de 1934, do deputadoalagoano Emílio de Maya e os registros de João Almino, sobre a Constituinte de 46,em “Democratas Autoritários”) mostraráque os usos e costumes, temas e circuns-tâncias, foram sempre diversos, mas háum traço especial, original, absolutamen-te diverso, em atitude e resultados, quenão se vê nas experiências constituintesde outros povos.

As peculiaridades das assembléiasbrasileiras são a preocupação de rupturae inovação; o contraste entre a sabedoriae a improvisação, espírito público e ademagogia populista, entre as preten-sões de eternidade e a mais escrachadaefemeridade. Como definir tão difusascaracterísticas? Nos anos 30, a sociologiade Gilberto Freire, recém chegado daUniversidade do Texas e desafiando asvisões clássicas de definição dos efeitossociais, políticos, econômicos e estéticosda miscigenação brasileira, era simples-mente rotulada de ecologia. Antes que opróprio Gilberto a denominasse lusotropi-cologia. Ulysses não chegou a definir suaoratória, mas seu discurso inaugural daAssembléia de 1987, que vale como intro-

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ImagemHistórica

Pedro Karp Vasquez

Reprodução

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IMAGEM HISTÓRICA

Arsênio da Silva

Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1864. Coleção Dona Thereza Christina Maria da FundaçãoBiblioteca Nacional.

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Brilhante composição, essa imagemé o mais antigo exemplo de documen-tação fotográfica de um acontecimentooficial de relevância nacional efetuadono Brasil: o casamento da princesa Isabel,herdeira do trono, destinada a ser a ter-ceira governante do Império fundado porseu avô, Dom Pedro I, a 7 de setembrode 1822.

Pouquíssimo conhecida, essa ima-gem, tão admirável sob o ponto de vistada concepção visual, é representativasob diversos outros pontos de vista, acomeçar pelo estritamente técnico. Foirealizada com o trabalhoso e complicadoprocesso de colódio úmido, que exigia oemulsionamento da placa com o materialfotossensível, instantes antes da realiza-ção da exposição, obrigando o fotógrafo ainstalar um laboratório portátil no própriolocal de tomada da fotografia. O negativoresultante tinha o formato de 17,2 x 20, 3cm, sendo copiado – segundo o processo

mais empregado no Brasil neste período– por contato direto sobre papel albu-minado. Ou seja: sem o auxílio de umampliador, com o negativo sendo com-primido sobre o papel fotográfico como auxílio de uma prensa especialmenteconcebida para este fim.

Conforme a perfeição técnica destafotografia demonstra de forma cabal, oesquecido Arsênio da Silva – cuja assi-natura e endereço são visíveis nos cantosinferiores da imagem – era um exce-lente fotógrafo, com total domínio deseu instrumento de trabalho. Contudo,a iluminação inadequada para a práticafotográfica não permitiu que Arsênio daSilva registrasse o casamento propriamen-

te dito, realizado na Capela Imperial, nosábado, 15 de outubro de 1864. Assim, acerimônia ficou perpetuada graças ao tra-balho de artistas como o aquarelista Jean Jules Le Chevrel e o pintor Pedro Américode Figueiredo e Melo.

O próprio Arsênio da Silva tambémera pintor, tendo sido – conforme infor-mou o respeitado historiador e crítico dearte, Quirino Campofiorito – o responsá-vel pela introdução no Brasil da técnicade pintura emgouaches . Inovação quelhe valeu, de princípio, grande considera-ção – foi premiado nas Exposições Geraisda Academia de Belas Artes em 1861,1862 e 1863 – e, depois, inúmeros dis-sabores. Isso porque, dotado de sensibi-lidade excessiva, raiando a instabilidadeemocional, Arsênio se ressentiu profun-damente quando viu desfeito o sonho deacesso ao corpo docente da AcademiaImperial das Belas-Artes. Derrotado pelaconspiração dos medíocres, sempre tão

operosos quando confrontados à genia-lidade, Silva afastou-se de seus colegasfutriqueiros, abandonando o fazer artís-tico para morrer em solitário ostracismo.A esse respeito, é eloqüente o relato deMello Morais Filho:

“A intriga e a inveja cerrando-lhe asportas [da Academia], Arsênio Silva tevede recuar, e espraiando em derredor desi olhares de desânimo, apercebeu que

as demais se haviam fechado para ele, eque, ao desamparo do gosto pela arte, amiséria seria uma conseqüência lógica,uma companheira inevitável dos diasfuturos.

E, por um instante, sacudindo guizosde uma alucinação transitória, o excelso

* Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

*PEDRO KARP VASQUEZ

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IMAGEM HISTÓRICA

pintor degouaches , o vendedor de telasesplêndidas a 5.000 réis, faz aquisiçãode uma cabeça que fala a Saturnino daVeiga, de um realejo e de um cosmorama,seguindo pelas estradas da província doRio, assim transformado em saltimbancode feira”.

Dono de um talento e de uma sensi-bilidade superiores, Arsênio da Silva, comooutros tantos luminares da arte, sucumbiuante a avassaladora destrutividade dasmiudezas comezinhas do cotidiano. Assim,abandonando o saber artístico tradicio-nal, acumulado em mais de três anos deestadia na Europa, em finsda década de 1850, quan-do transitou por Roma,Milão, Florença, Pisa,Turim e Paris, Arsênio daSilva optou pela fotografiamuito provavelmente em1863, data de sua últimaparticipação na Exposição

Geral da Academia deBelas Artes.Artista consumado

e dedicado, assimilou deimediato as exigências técnicas do novométier, a ponto de ter o privilégio de foto-grafar o casamento da princesa Isabel. Essetrabalho agradou tanto o imperador PedroII que este lhe franqueou, em seguida, asportas do Palácio Imperial e Petrópolis,

até então focalizado apenas por RevertHenrique Klumb, umhabitué da casa,posto que professor de fotografia, tantoda imperatriz Thereza Christina quanto daprincesa Isabel.

Nascido na província de Pernambuco,a 29 de abril de 1833, e falecido na pro-víncia da Bahia, a 11 de fevereiro de 1883,Arsênio da Silva teve trajetória meteórica,porém, fulgurante. Predestinado ao pio-

neirismo, documentou uma Congada emtorno de 1865, que, se não for o primeiroregistro desta manifestação popular para-religiosa de inspiração africana, é, comtoda a certeza, o mais antigo e perfei-to exemplo de registro fotográfico proto-antropológico do que hoje qualificamos deevento “folclórico”.

Curiosa e tristemente, a princesaIsabel e o conde d’Eu – motivadores destaobra-prima fotográfica de Silva – tambémforam vítimas da inveja, da maledicên-cia e da incompreensão de interesseirosque, medindo o mundo com a escala daprópria pequenez, eram

incapazes de enxergar agrandeza alheia. O casa-mento documentado nestaimagem floresceu feliz –numa época em que eramraros os casamentos feli-zes – por quase seis déca-das, encerrando-se apenas

com a morte da princesa,a 14 de novembro de1921. Sobreviveu, portan-to, às agruras da Guerra

do Paraguai (de cuja fase final, entre 30 demarço de 1869 e 1º de março de 1870, oconde d’Eu foi o comandante-em-chefe doExército brasileiro); às inúmeras pressõespolíticas; às dificuldades de procriaçãoda princesa (quase morta por dois abortos

espontâneos); e ao exílio injusto impostopelos militares republicanos empenhadosem impedir o acesso ao trono da princesaIsabel após a morte de seu pai, que pareciase avizinhar a olhos vistos.

Com efeito, esta não tardou, suce-dendo de apenas dois anos ao adventoda República, ocorrendo em Paris, a 5 dedezembro de 1891. Infelizmente, a miopiade seus contemporâneos não os deixou

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PEDRO KARP VASQUEZ

perceber a enorme importância da prin-cesa Isabel, uma das nove mulheres que,em todo o mundo, durante todo o decursodo século XIX, foram governantes de seuspaíses.

Antes do fim do Império, a princesaIsabel voltaria a congregar no Largo doPaço expressiva multidão, ao assinar a LeiÁurea, no domingo 13 de maio de 1888.Só que desta feita a multidão se reuniudiante da fachada do prédio – oculta nafotografia de Arsênio da Silva – que dáfrente para o mar e a atual Praça XV deNovembro, cuja estação de “ferry-boats” évisível ao fundo, à esquerda.

O Largo do Paço, tão importantepara nossa história – o Dia do Fico, 9 dejaneiro de 1822, de Dom Pedro I (imediatoprenunciador do surgimento do Impériobrasileiro), foi protagonizado aí, na sétimajanela (da esquerda para a direita), logoantes do pórtico de entrada – foi igualmen-te importante para a história da fotografiabrasileira. Com efeito, o abade francêsLouis Compte, ao introduzir a daguerreoti-pia no Brasil, o fez aí, no Largo do Paço.

Colocando-se em posição parale-la, porém oposta à de Arsênio da Silva– ou seja, mais perto do mar e distanteda rua Direita (atual Primeiro de Março)– Compte focalizou a mesma fachadalateral do Paço Imperial e mais duas belasconstruções excluídas desta composiçãode Silva: o chafariz de Mestre Valentim(ainda remanescente) e o Mercado daPraia do Peixe (situado onde hoje se erguea Bolsa de Valores do Rio de Janeiro).Republicanizado,pour ainsi dire , o Largodo Paço (não mais Imperial) manteve amajestade, protagonizando, em 1894, umgrande evento cívico que deu ensejo auma igualmente grande documentaçãofotográfica de Juan Gutierrez: a inaugu-

ração da imponente estátua eqüestre dogeneral Osório – erguida na área centralvazia nesta fotografia de Arsênio da Silva– como parte dos festejos comemorativosdo quinto aniversário da Proclamação daRepública.

Decorrido um século e uma década,essa imagem magistral, tão importantepelo tanto que nela se vê, quanto pelotanto que nela não se vê, ressurge agora,como um belo convite para se repensar ahistória. Ou diversas histórias: a história doBrasil, a história da fotografia, e a históriade Arsênio. Este esquecido Silva pernam-bucano, entre tantos outros esquecidosSilvas pernambucanos, que, talvez agoraque um Silva pernambucano comanda opaís dos Silvas de todos os quadrantes, terásua fabulosa contribuição devidamentereconhecida.

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(*) Historiador e Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados

Todos sabemos que a História é umprocesso de construção coletiva, em queinteragem diferentes atores sociais. Noentanto, não podemos desprezar a açãodo indivíduo no processo histórico. AHistoriografia brasileira sempre primoupela narrativa dos fatos protagonizadospelos homens. Na história oficial do paísquase não há lugar para as mulheres,negros, índios, trabalhadores e outras ditasminorias sociais – os chamados “excluídosda história”, expressão cunhada pela histo-riadora francesa Michelle Perrot2. Na ver-dade, construiu-se no Brasil uma históriaassexuada, onde as questões de gênero3 sómuito recentemente passaram a fazer partedo território epistemológico dos historia-dores e cientistas sociais.

Segundo Izilda S. de Matos, “a expan-são dos estudos que incorporam a mulhere a abordagem de gênero na história loca-liza-se no quadro das transformações porque vem passando a história nos últimos

tempos, sendo possível afirmar que, porrazões internas e externas, esses estudosemergiram da crise dos paradigmas tradi-cionais da escrita da história, que requeriauma completa revisão dos seus instrumen-tos de pesquisa. Essa crise de identidadeda história levou à procura de “outrashistórias”, o que levou a uma ampliaçãodo saber histórico e possibilitou uma aber-tura para a descoberta das mulheres e dogênero4.”

O presente texto, neste primeironúmero da Revista Plenarium, pretenderesgatar a participação e luta das mulhe-res no processo histórico nacional, dandoênfase à política institucional, mais pre-cisamente no campo dos direitos políti-cos. Nada mais oportuno pois, neste ano,comemoramos o “Ano da Mulher”, institu-ído pela Lei nº 10.745, de 20035.

Para tanto, escolhemos o perfil his-tórico-biográfico e parlamentar da pri-meira Deputada Federal do Brasil e de

* RICARDO ORIÁ1PERFIL

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toda a América Latina, eleita pelo votopopular para a Assembléia Constituinte de1933. Estamos nos referindo à educadorae médica paulista CARLOTA PEREIRA DEQUEIRÓS (1892-1982). Antes, porém, detraçarmos esse perfil, mister se faz umabreve análise da árdua e longa luta dasmulheres brasileiras pelo exercício de seusdireitos políticos, cuja expressão maiorse traduz no voto e que só foi alcançadoem 1932, com a promulgação do CódigoEleitoral.

A CONQUISTA DO VOTOFEMININO

Em virtude da cultura política predo-minante no País, de caráter personalista epatrimonialista, costuma-se colocar muitas

vezes o direito de voto como uma con-cessão dos governantes e assim passa-se aidéia de que “Getúlio Vargas deu à mulherbrasileira o direito de votar”. A história nãoé bem essa. A conquista do voto femininofoi resultado de um processo de lutas,avanços e recuos, que se inicia por voltados anos 10 do século passado.

Em 1910, seguindo uma tendênciamundial do movimento sufragista, a pro-fessora carioca Deolinda Daltro funda oPartido Republicano Feminino, defenden-do o direito de voto para as mulheres ea abertura dos cargos públicos a todos osbrasileiros, indistintamente.

A década de 20 do século passadoassistiu importantes movimentos de con-testação à ordem vigente. Somente no

Carlota Pereira de Queiroz na Assembléia Constituinde de 1934. (Acervo Câmara dos Deputados)

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PERFIL

ano de 1922, tivemos importantes acon-tecimentos que colocavam em xeque aRepública Velha, a saber: Semana de ArteModerna, Movimento Tenentista e funda-ção do Partido Comunista do Brasil. Nessecontexto, não podemos esquecer a emer-gência do movimento feminista, tendo àfrente a professora Maria Lacerda de Mourae a bióloga Bertha Lutz, que fundaram aLiga para a Emancipação Internacional daMulher, um grupo de estudos cuja finali-dade era a luta pela igualdade política dasmulheres.

Posteriormente, Bertha Lutz6, queirá ser a segunda mulher a ocupar umacadeira na Câmara dos Deputados, criaa Federação Brasileira pelo ProgressoFeminino, considerada a primeira socie-dade feminista brasileira. Essa organizaçãotinha como objetivos básicos: “promovera educação da mulher e elevar o nível deinstrução feminina; proteger as mães e ainfância; obter garantias legislativas e prá-

ticas para o trabalho feminino; auxiliar asboas iniciativas da mulher e orientá-la naescolha de uma profissão; estimular o espí-rito de sociabilidade e cooperação entreas mulheres e interessá-las pelas questõessociais e de alcance público; assegurarà mulher direitos políticos e preparaçãopara o exercício inteligente desses direi-tos; estreitar os laços de amizade com osdemais países americanos.”7

A 1ª Constituição Republicana, ape-sar de ter instituído o voto secreto e uni-versal, continuou alijando as mulheres dodireito de participação na vida política dopaís. O direito de voto para as mulheres sóse tornou realidade após a Revolução de30, que derrubou as oligarquias do coman-do decisório do país. Antes disso, pelo seupioneirismo, merece registro a legislaçãoestadual do Rio Grande do Norte que pos-

sibilitou o voto das mulheres já em 1928.Quando assumiu o cargo de Presidentedo Estado, Juvenal Lamartine solicitou aos

deputados estaduais que elaborassem umanova lei eleitoral que assegurasse o direitode voto às mulheres. Foi sancionada a Leinº 660, de 25 de outubro de 1927, queregulava o serviço eleitoral no estado eestabelecia que no Rio Grande do Nortenão haveria mais distinção de sexo parao exercício do voto e como condiçãobásica de elegibilidade. Nesse mesmo dia,a professora potiguar, Celina GuimarãesViana, natural de Mossoró, entrou comuma petição ao juiz eleitoral solicitandosua inscrição no rol dos eleitores daquelemunicípio.

“Celina fincou o marco da vanguar-da política feminina na América do Sul,tornando realidade o voto feminino noBrasil.”8 Após esse ato, várias mulheresriograndenses solicitaram seu alistamentoeleitoral e por ocasião das eleições parao Senado, em 1928, 15 mulheres votaramno Rio Grande do Norte. Fato interessanteocorreu posteriormente, quando da diplo-mação do senador José Augusto Bezerrade Medeiros no Congresso Nacional. Noato de sua diplomação, os votos das 15mulheres não foram computados por seremconsiderados “inapuráveis” pela Comissãode Poderes do Legislativo Federal. Emprotesto a esse ato arbitrário e que revelao preconceito reinante à época acerca do

acesso da mulher à participação políti-ca, a Federação Brasileira pelo ProgressoFeminino lançou um Manifesto à Nação.

Vargas era simpatizante à causa femi-nista, sobretudo no tocante ao direito devoto. Assim, em 1932, foi promulgado onovo Código Eleitoral, de cuja comissãode redação Bertha Lutz havia participado,e que finalmente assegurou o direito devoto às mulheres brasileiras.

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RICARDO ORIÁ

UMA VOZ DE MULHER NACONSTITUINTE

“Além de representante feminina,única nesta Assembléa, sou, como todosos que aqui se encontram, uma brasileira,integrada nos destinos do seu paiz e identi-ficada para sempre com os seus problemas(...). Num momento como este, em quese trata de refazer o arcabouço das nossasleis, era justo, portanto, que a mulher tam-bém fosse chamada a collaborar.”

(Trecho do discurso de Carlota P. deQueirós).

No dia 13 de março de 1934, umavoz feminina se fez ouvir, pela primeiravez, no plenário do Palácio Tiradentes, sededa Câmara dos Deputados e dos trabalhosda Assembléia Constituinte. Tratava-se deCarlota Pereira de Queirós, uma médicapaulista e primeira deputada federal doBrasil, eleita pelo voto popular.

Nascida na capital paulista, em 13 defevereiro de 1892, Carlota era filha de JoséPereira de Queirós e de Maria de AzevedoPereira de Queirós. Pertencia, portanto, auma família tradicional das elites locais,sendo seu avô paterno um rico proprietáriode terras em Jundiaí, membro do PartidoRepublicano Paulista e um dos fundadoresdo jornal “A Província de São Paulo” (hoje,jornal “Estado de São Paulo”).

Carlota fez seus estudos iniciaisna então Escola Normal da Praça e em1909 recebeu seu diploma de professora.Convidada pelo Diretor da Escola Normal,passa a trabalhar neste mesmo estabele-cimento de ensino, sendo inspetora pri-mária. Em 1912, torna-se professora dojardim de infância, cargo que manterá pordez anos. Até o início da década de 20,Carlota acumulou várias atividades ligadas

à educação. Desiludida com o magistério,Carlota dá uma guinada em sua vida pesso-al e profissional ao ingressar na Faculdadede Medicina e Cirurgia de São Paulo, em1920. Em 1923, ela decide trocar de facul-dade e inscreve-se no Curso de Medicinado Rio de Janeiro, formando-se em 1926,com a tese “Estudos sobre o Câncer”.Recebeu, por seus estudos na área, oPrêmio Miguel Couto. Nesse mesmo ano,assumiu a direção do laboratório da clíni-ca pediátrica da Faculdade de Medicina deSão Paulo e viaja, em 1928, comissionada

pelo governo paulista, à Suíça onde faráseus estudos de dietética infantil.Profissionalmente, Carlota, mesmo

ingressando posteriormente na vida polí-tica, terá sempre uma atuação destacadana área médica, tornando-se a primeiramulher a integrar a Academia Nacional deMedicina, em 1942, e ocupando o cargode Presidente da Associação Brasileira deMulheres Médicas (ABMM), no período de

1961 a 1967.Sua participação na política se deu apartir da Revolução Constitucionalista de1932, quando São Paulo pega em armascontra a excessiva concentração de pode-res nas mãos de Getúlio e exige um novoordenamento constitucional para o País.“Nesse contexto, a duração imprevista daRevolução de 1932 (quase três meses),onde os paulistas acabam lutando sozi-

nhos contra o governo central, improvi-sando forças e munições, abre às mulheresdas elites uma chance única de exercíciointensivo da cidadania.”9

Carlota organiza, juntamente comsetecentas mulheres, o Departamento deAssistência aos Feridos (DAF), subordi-nado ao Departamento de Assistênciaà População Civil, dirigido por OlíviaGuedes Penteado.

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A Revolução de 32 é derrotada pelogoverno central. No entanto, são convoca-das eleições para a elaboração de um novotexto constitucional. Como as principaislideranças políticas do Partido RepublicanoPaulista (PRP) e do Partido Democrático(PD) encontravam-se no exílio, formou-sea “Chapa Única por São Paulo Unido!”,que escolhe vinte e dois nomes ligadosaos dois partidos. O nome de Carlotasurge por recomendação da AssociaçãoComercial, respaldado pela AssociaçãoCívica Feminina e pela Federação dos

Voluntários, grupo de oficiais e suboficiaispaulistas que haviam participado do movi-mento revolucionário de 32.

Contando com o apoio da elite local,no qual sobressaem os nomes de OlíviaPenteado e Pérola Byington, suas ami-gas íntimas, Carlota inicia sua campanha.É lançado o manifesto “Mensagem daMulher Paulista” na imprensa local, solici-tando do segmento feminino o apoio à sua

candidatura.No dia 3 de maio de 1933, reali-

zam-se as eleições em dois turnos para aAssembléia Constituinte. Carlota é elei-ta com 5.311 votos no primeiro turno,e 176.916 no segundo. Empossada emnovembro do mesmo ano, Carlota Pereirade Queirós será primeira e única mulher asentar-se entre 253 deputados federais.

No processo constituinte, Carlotaparticipou dos trabalhos da Comissão deEducação e Saúde onde elaborou o pri-meiro projeto sobre a criação de serviçossociais no país. Sua iniciativa colaboroupara o estabelecimento da obrigatoriedadede verbas destinadas à assistência social,possibilitando, assim, a construção da Casado Jornaleiro e do laboratório de biologiainfantil, anexo ao Serviço de Menores.

Já promulgada a nova Constituição,Carlota é reeleita na legenda do PartidoConstitucionalista de São Paulo para umadas 34 cadeiras da bancada paulista naCâmara dos Deputados. Nessa eleição, elarecebe 1.899 votos no primeiro turno e éa segunda mais votada no segundo turno,com 228.190 votos.

Como deputada federal, Carlota posi-cionou-se contrária à proposta da entãodeputada Bertha Lutz sobre a criação deum “Departamento Nacional da Mulher”,no contexto da “Comissão Especial deElaboração do Estatuto da Mulher”.Segundo ela, o modelo burocrático pro-posto para esse órgão acarretaria superpo-sição de atribuições e competências comtrês Ministérios da Administração PúblicaFederal. Em seu lugar, ela propôs que oDepartamento a ser criado ficasse subordi-nado ao Ministério da Educação e Saúde.Outro ponto de discordância entre as duasparlamentares acerca da criação do órgão

devia-se ao fato de que Carlota se mostravacontrária à idéia de que os cargos do referi-do Departamento fosse preenchido apenaspor mulheres. Segundo ela, essa propostacontinha um viés nitidamente sexista. Emdecorrência das divergências entre Carlotae Bertha, o projeto do Estatuto da Mulheravançou muito pouco e foi atropelado pelaimplantação do Estado Novo.

Carlota permaneceu na Câmara dos

Deputados até 1937, quando o golpe deestado impetrado por Getúlio determinouo fechamento de todas as casas legisla-tivas do país. Foi o mais longo recessoparlamentar de nossa história. Durante oEstado Novo (1937-1945), Carlota lutouativamente pela redemocratização do país.Tentou retornar à Câmara dos Deputados,candidatando-se em 1945 pela UniãoDemocrática Nacional (UDN), mas não

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RICARDO ORIÁ

se elegeu. Com o golpe de 1964, Carlotaposicionou-se a favor da tomada do poderpelos militares.

Embora ausente da política insti-tucional, Carlota continuou prestandorelevantes serviços na área da medicinae assistência social. Organizou o primeirocurso de serviço social do país ao ladode outras mulheres e continuou inte-grando importantes associações femini-nas. Publicou as seguintes obras: “SistemaFroebel e Montessori” (1920); “Estudossobre o Câncer” (1926); “Diário de umTropeiro” (1937); “Exame hematológicoe medicina social” (1940); “Exame dehemorragias nas tonsilectomias” (1940);“Das vantagens de generalização do examehematológico e sua aplicação em medici-na social” (1941); “Um fazendeiro paulistano século XIX” (1965) e “Vida e morte deum capitão-mor” (1969).

Carlota veio a falecer em São Paulo,aos noventa anos de idade, deixando umimportante legado na luta pela conquistada cidadania feminina no Brasil. Seu nomeinspirou a criação, no âmbito da Câmarados Deputados, do Diploma Mulher CidadãCarlota Pereira de Queirós, instituídopela Resolução nº 3, de 200310. Essahomenagem será conferida anualmentea cinco mulheres, em diferentes áreas deatuação, que tenham contribuído para opleno exercício da cidadania, na defesa dosdireitos da mulher e questões de gênero. É

o reconhecimento do Poder Legislativo aopapel da mulher na vida política nacional,mediante o resgate da memória de suaprimeira parlamentar – CARLOTA PEREIRADE QUEIRÓS.

A Mulher em uma Pintura da Grécia Clássica. Autor desconhecido.

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PERFIL

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. PERROT, Michelle. Os Excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros. SP: Paze Terra, 1988.

2. MATOS, Maria Izilda S. de. “Outras histórias: as mulheres e estudos de gênero – percursose possibilidades” In: Gênero em Debate.Trajetória e Perspectivas na HistoriografiaContemporânea. São Paulo: EDUC, 1997, p. 86.

3. TELES, Mª Amélia de Almeida. Breve História do Feminismo no Brasil. SP: Brasiliense,1993, Col. Tudo é História.

4. PINTO, Célia Regina Jardim.Uma história do feminismo no Brasil. SP: Fundação Perseu

Abramo, 2003, Col. História do Povo Brasileiro.5. AUAD, Daniela.Feminismo: que história é essa? RJ: DP & A, 2003.

6. SCHPUN, Mônica Raisa. “Carlota Pereira de Queiroz: uma mulher na política” IN: RevistaBrasileira de História – órgão oficial da Associação Nacional de História. São Paulo,ANPUH/ED. Unijuí. Vol. 17. nº 33, 1997

7. DICIONÁRIO MULHERES DO BRASIL:de 1500 até a atualidade biográfico e ilustrado.RJ: Jorge Zahar Ed., 2000.

8. DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO BRASILEIRO PÓS-1930. Fundação GetúlioVargas – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil(FGV-CPDOC), 2000.

NOTAS1 Historiador e Advogado. Ex-professor do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em DireitoPúblico pela Faculdade de Direito da UFC. Atualmente, é Consultor Legislativo da área de educação e cultura da Câmara dosDeputados.2 PERROT, Michelle. Os Excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros, SP: Paz e Terra, 1998. Ver também, da mesma,historiadora a coleção por ela dirigida juntamente com George Duby “A História das Mulheres” (5 vols.). São Paulo: EBRADIL,1991.3 Estamos utilizando a expressão gênero para se referir à construção social do feminino e do masculino. Não há, pois, como fazerapenas uma história da mulher sem questionar a relação desta com o homem e de como, no decorrer da história, se construiu a noçãode feminino e masculino.4

MATOS, Maria Izilda S. de. “Outras histórias: as mulheres e estudos de gênero- percursos e possibilidades” In: Gênero em Debate.Trajetória e Perspectivas na Historiografia Contemporânea. São Paulo: EDUC, 1997, p. 86.5 A Lei nº 10.745, de 9 de outubro de 2003, é oriunda de um projeto de lei, de autoria da deputada Laura Carneiro (PFL-RJ) e, além dedefinir o ano de 2004 como “Ano da Mulher”, remete ao Poder Público a promoção na divulgação e comemoração dessa efeméride,mediante a realização de programas e atividades, com envolvimento da sociedade civil, visando estabelecer condições de igualdadee justiça na inserção da mulher na sociedade brasileira. A partir desta lei, a Câmara dos Deputados resolveu constituir uma ComissãoEspecial com a finalidade de definir a atuação desta Casa Legislativa nas ações destinadas a implementar as providências referidasnesse dispositivo legal.6 Berta Lutz foi a segunda mulher a assumir um mandato de deputada federal, em 28 de julho de 1936, na vaga deixada pelo deputadotitular, Cândido Pessoa, que falecera.7 TELES, Mª Amélia de Almeida. Breve História do Feminismo no Brasil. SP: Brasiliense, 1993, Col. Tudo é História, p. 44.8 DICIONÁRIO MULHERES DO BRASIL: de 1500 até a atualidade biográfico e ilustrado. RJ: Jorge Zahar Ed., 2000, p. 148.9 SCHPUN, Mônica Raisa. “Carlota Pereira de Queiroz: uma mulher na política” IN: Revista Brasileira de História- órgão oficial daAssociação Nacional de História. São Paulo, ANPUH/ED. Unijuí,. vol. 17. nº 33, 1997, p. 174.10 O Projeto de Resolução foi uma iniciativa da deputada Laura Carneiro (PFL-RJ) na presente legislatura.

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• Bordal Pinheiro por Paulo Caruso

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Ares de janota no início, quando dasua vinda ao Brasil, em 1875, um “clone”de Chaplin; depois, à época de seu retornoa Portugal, onde se torna pintor, gravador,escultor e ceramista renomado, ficou maisparecido com um dos vilões do Carlitos,gordo, com bigodões virado pra cima nasextremidades, e monóculo que espreita-va com seu olhar, apoiado sobre largasbochechas.

Raphael Bordalo Pinheiro foi, diga-mos assim, o segundo caricaturista noBrasil nos primórdios da nossa imprensa; oprimeiro foi o italiano Ângelo D´Agostini.

Contratado para trabalhar em “OMosquito”, durante cinco anos vai fusti-gar com suas caricaturas o modo de vidadeste lado de cá do Atlântico, sendo umdos responsáveis pela entrada de José doPatrocínio no jornalismo.

Inicialmente afável, bem recebido

pelo concorrente Agostini através de dese-nhos estampados na Revista Ilustrada, sau-dando sua chegada, vai, mais tarde, entrarem conflito com o italiano que não operdoava pelo fato de exercer, além dacaricatura, sua atividade de importador eensacador de carnes, lingüiças, pra falarmais claro.

* PAULO CARUSO

* Cartunista

Isso lhe valeu uma guerra aberta comcaricaturas nas revistas e jornais da épocaem que ambos se acusavam das mais tor-pes baixezas morais e estéticas, e Bordalochegou a retratar o oponente como umPinócchio pendurado num varal.

A ilustração que mais me chamoua atenção quando passeei pelos arredo-res da encantadora vila de Cascais, emPortugal, foi a de dois coveiros (um deles éa sua cara) conversando, enquanto enter-ram para sempre a tão falada liberdade deimprensa.

Publicada em “O Antonio Maria”, emoutubro de 1881, essefac-simile decora aparede de meu estúdio e muito me ensinasobre a atualidade do mestre Bordalo numtema tão caro a nós todos, praticantes doofício de exercer nossa liberdade pela cari-catura.

A liberdade de imprensa é constan-temente ameaçada, seja pela ditadura dasbaionetas ou dos seus interesses econômi-cos, mas, hoje em dia, principalmente peladitadura do “politicamente correto”.

Cabe a nós sepultá-la, porém, comosabemos, não vamos perder a piada porisso...

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HISTÓRIA DA HISTÓRIA* SEBASTIÃO NERY

AndradaAntonio Carlos Ribeiro de Andrada

Machado e Silva, um dos três heróicosirmãos Andradas da Independência (osoutros eram José Bonifácio e MartimFrancisco) era o presidente da AssembléiaGeral Constituinte Legislativa do Impériodo Brasil, instalada, em 3 de maio de1823, onde hoje é o Palácio Tiradentes,no Rio (sede da Assembléia Legislativa doEstado).

Em 12 de novembro de 1823, coma Constituinte reunida e ele presidindo,Antonio Carlos viu o Imperador DomPedro I chegar à frente das tropas e cercaro edifício. Preso, pegou o chapéu e saiucom os dois irmãos, também constituintes,e outros, todos presos.

Lá fora, vê o Imperador. Tira o cha-péu e cumprimenta. Não o Imperador, masum canhão. E seguiu em frente.

Alkmin

(*) Jornalista

FolclorePolítico

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Na tribuna da Câmara, CarlosLacerda, líder da UDN, desancava ogoverno de Juscelino. Alkmin, líderdo governo, levantou-se com um jornaldobrado na mão:

“Deputado Carlos Lacerda, não eraisso que V. Excia escrevia no ano passa-do em seu jornal, a Tribuna da Imprensa,sobre esse mesmo assunto”.

Lacerda perturbou-se, continuou,mudou de tema. Quando desceu, pediu ojornal a Alkmin.

Era O Globo.Magalhães - I

Magalhães Pinto tinha come-çado a armar sua candidatura à presi-dência da UDN. A “Banda de Música”(Lacerda, Aliomar Baleeiro, Bilac Pinto,Adauto Cardoso, Oscar Correa) era con-

tra. E planejaram a primeira jogada contraMagalhães: eleger Baleeiro líder da banca-da na Câmara.

Lacerda foi encarregado de ir conver-sar com Magalhães:

“Nosso candidato é o Aliomar”.“Sou contra. O Aliomar é muito

talentoso, muito brilhante, mas não une opartido”.

“Magalhães, é por isso que acusamvocê de adesista. Você não quer um lídercombativo. Quer um acomodado e issonão podemos aceitar”.

“Não se trata disso, Carlos. É quetenho outro candidato”.

“Quem?” “Você. Por que não? Você não tem

sido outra coisa na UDN senão líder. Meucandidato é você”.

Lacerda saiu, Magalhães ficou rindo:

“Estou só pensando na cara doAliomar e do Adauto quando o Carloscontar a conversa”.

Lacerda foi líder e Magalhães presi-dente.

Magalhães - IIUm dia, Lacerda atacou violenta-

mente Magalhães pela TV. No dia seguin-te, encontraram-se em um banheiro do

Congresso:“Magalhães, fui muito agressivo com

você ontem, me desculpe”.“Nada disso, Carlos. Não aceito essas

desculpas. Você me ataca pela TV e pededesculpas no mictório? Volta à TV e peçadesculpas lá. Atacou na TV, conserte naTV”.

Lacerda pediu desculpas na TV.

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SEBASTIÃO NERY

Lacerda - IVClemes Sampaio, do PTB da Bahia,

estava na tribuna:“Segundo Adam Smith, a lei do mer-

cado...”Lacerda pediu um aparte:“V. Excia cometeu um equívoco. A

tese da lei do mercado não é de AdamSmith, mas do famoso economista inglêsWindow.”

“Ilustre líder Carlos Lacerda, agra-deço a contribuição de V. Excia a meudiscurso.”

“Senhor deputado, Window não éeconomista inglês nem de país nenhum.Window é apenas janela em inglês.”

Clemes se perdeu todo.

NereuNereu Ramos, de Santa Catarina,

presidente e patriarca do Congresso, sábiode antiqüíssimas lições, um MagalhãesPinto ainda mais feio, só usava borboleta.E só ele as usava, em todo o Congresso.

Um dia, chega de Minas, carregadode votos e de literaturas, o deputado MárioPalmério. E de gravata-borboleta. Nereuconvidou-o para ir ao gabinete:

“Deputado, o senhor usa gravata-borboleta? Gosta mesmo de usá-las?”

“Gosto muito, presidente.” “Então tome esta caixa. São minhas

gravatas - borboleta. Ou só eu uso ou nãouso.”

Não houve jeito de Palmério conser-tar a situção, deixando de usar. Nereu nãoconcordou. Nunca mais usou gravata-bor-boleta. Ou só ele ou nada.

Mangabeira

Mangabeira estava na tribuna daCâmara, pedem-lhe um aparte.

“Meu filho, seu nome?” “Fernado Ferrari, líder da bancada

do PTB.” “Pobre país de líderes mal saídos das

fraldas.”

Tenório - ITenório Cavalcanti, da UDN do Rio,

valente e ágil, falava na Câmara:“O Brasil precisa cultuar seus heróis,

como João Fernandes Vieira, morto naGuerra do Paraguai.”

Geraldo Mello Mourão aparteia:“Deputado, há um engano. João

Fernandes Vieira é herói da guerra contraos holandeses. Não esteve na guerra doParaguai.”

“Esteve em espírito, deputado.”

Tenório - IINa tribuna da Câmara, que Tenório

citou Rui Barbosa. Luís Viana aparteou:

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HISTÓRIA DA HISTÓRIA

“Deputado, escrevi a biografia deRui, li toda a sua obra e não me lembrodisso a que V. Excia está se referindo.”

“Ora, deputado Luís Viana. O conse-lheiro Rui Barbosa conversava muito.”

ZezinhoA Câmara tinha três Jorge Curi: Jorge

Curi, da UDN do Paraná; Jorge Said Curi,do PTB do Estado do Rio e Athiê JorgeCuri, do PDC de São Paulo. Uma confusãopermanente. Jorge Curi do Paraná fez umaquestão de ordem:

“Senhor Presidente, quem deve usaro nome Jorge Curi?” José Bonifácio, o Zezinho Bonifácio,

sorriu lá de cima:“Ora, deputado, não fique preocu-

pado. Cada estado tem o Jorge Curi quemerece.”

ÚltimoOscar Correia, bravo deputado da

UDN de Minas, debatia na Câmara comÚltimo de Carvalho, do PSD de Minas,manhoso e sábio. Oscar Correia pediadefinições, Último enrolava. Oscar ficouirritado:

“V. Excia não se define nunca. Ficadando uma no cravo e outra na ferradu-ra.”

“Também pudera! V. Excia não ficacom o pé quieto!”

Benedito - I Juracy Magalhães, líder da UDN,

também da tribuna, atacava o governode Juscelino. Benedito Valadares, líder doPSD, fora do plenário. Cinha Melo, doAmazonas, vice-líder do PSD, não sabia se

aparteava ou esperava Benedito. Foi cha-mar o líder na sala do cafezinho:

“Benedito, o Juracy está arrastando ogoverno.”

“Está bem, está bem.”“Está atacando pessoalmente o

Presidente.”“Está bem, está bem.”“Até palmas já houve para ele. Você

não pode ficar aqui, Benedito. Você é olíder, tem que ir apartear o Juracy.”

“Ô Cunha Melo, me diz uma coisa.Quem é que sabe quando eu devo falar?Sou eu ou o Juracy?” Juracy falou, acabou,o assunto também. E Benedito, no cafe-zinho.

Benedito - IIBenedito ia entrando no Congresso,

passava o quase deputado Clovis Stenzel,cumprimentou-o. Benedito pergunta a umjornalista:

“Quem é aquele?”“É o Clovis Stenzel, suplente do RioGrande do Sul.”

“Ih, tenho pavor de suplente!”E saiu ligeiro.

Benedito - IIIBenedito estava no Congresso,

já em adiantado estado de esclerose,entra Leandro Maciel, de Sergipe,cumprimenta-o:

“Bom dia, Benedito!”“Bom dia!”Leandro saiu, Benedito ficou olhando:

“Quem é aquele índio?”Leandro tinha mesmo cara de índio.

*As ilustrações que constam nesta sessão (Folclore Político) foram retirados com a devida autorização doautor do livro, Sebastião Nery - Folclore Político / 1950– Histórias, e são de autoria dos Chargistas: Henfil,Nassara, Lan, Fafs e Osvaldo Pavanelli.

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SEBASTIÃO NERY

Leituras

Alca: O Gigante e os Anões.Tullo Vigevanii e Marcelo Passino MarianoSP - Editora SENAC/2003Por Paulo Roberto Almeida

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LEITURAS

abordadas ao longo do texto, comple-tando-se o livro com uma cronologia,um glossário de siglas e de organizaçõesinternacionais e regionais, bem como poruma relação de fontes adicionais de con-sulta na internet e uma bibliografia nãoexaustiva.

O tomgeral do discur-so é razoavel-mente crítico emrelação à Alca,como são, emgeral, as poucasilustrações sele-cionadas prova-velmente peloeditor: três car-toons típicos dojornalismo brasi-leiro (nos temasclássicos da cobi-

ça imperialista edas desigualda-des de riquezae poder entre oNorte e o Sul) euma foto de uma grande “Marcha contraa Alca” (na qual figuram vários expoentesdo atual governo). Não se poderia mesmoesperar ilustrações e fotos favoráveis àAlca, ou, em geral, manifestações a favor

do livre-comércio, pois essa seria umarealidade impossível em qualquer país domundo atual, no qual há uma quase una-nimidade da opinião pública contrária àliberalização comercial, ao mesmo tempoem que os governos tentam, por vezes deforma discreta e desajeitada, privatizaralguns mamutes, abrir a economia e atrairinvestimentos estrangeiros.

Não deve causar espanto, assim,o fato de que a maior parte das análisesrelativas à Alca apresentem, invariavel-mente, essa visão crítica do processo,como aliás revelado no próprio subtítulodo livro: “anões”. Por que exatamente umjulgamento severo, de maneira preventiva,

contra a Alca,com base nadesigualdade debase dos par-ceiros envolvi-dos, ao mesmotempo em que,também invaria-velmente, essesopositores jul-gam de modomuito benigno(e de forma algomíope, eu pode-ria acrescentar)o mesmo pro-jeto de livre-comércio emcurso de nego-ciação entre oMercosul e a

UE? Por acaso, as chamadas “assimetriasestruturais” são menos relevantes nestecaso, quando a UE ostenta aproximada-mente o mesmo gigantismo em termos dePIB e de comércio exterior que os EUA,sendo aliás muito menos atraente dospontos de vista da composição do inter-câmbio e do protecionismo e do subven-cionismo revoltantes na área agrícola?

A despeito dessa característicacomum à maior parte das análises rela-tivas à Alca conduzidas no Brasil, o livrode Vigevani e Mariano constitui, até aqui,a mais completa exposição do processo

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PAULO ROBERTO DE ALMEIDA

negociador hemisférico, desde suas ori-gens até as recentes tomadas de posiçãodo novo governo brasileiro. Nele se dispõede uma recapitulação cuidadosa de todosos encontros mantidos a partir da reuniãode cúpula de Miami, em 1994, quandofoi lançada a idéia de um acordo de livre-comércio hemis-férico para serimplementadoa partir de 2005(são examina-dos inclusiveos precedentes,sob a forma da“Iniciativa paraas Américas”,lançada em1990 por Bushpai, e que con-duziria ao acor-do do Nafta,tão vilipendia-do quanto estásendo hoje suaextensão conti-nental).

De fato, ocapítulo sobre “Origem e desenvolvimen-to da Alca” apresenta um relato fatual,honesto e objetivo (às vezes transcreven-do até o aborrecido da linguagem oficial

dos comunicados presidenciais, ademaisda estrutura negocial em cada etapa),de cada um dos encontros de cúpula eministeriais ocorridos desde 1994. Não sedescarta, outrossim, a visão crítica, já queo pressuposto das “bondades” do livre-comércio está sempre sendo confrontadoàs suas limitações objetivas em termosde desenvolvimento econômico e socialpara todos.

Trata-se, portanto, em primeiro lugar,de uma referência útil a todos aquelesque necessitam ou desejam saber de ondeveio e como caminhou, até aqui, esse pro-blemático processo de integração (à faltade se poder dizer, com precisão, o queacontecerá com ele na fatídica data de

2005). O con-ceito de inte-gração é, aliás,definido no pri-meiro capítulocomo um meiode se alcançarobjetivos consi-derados estraté-gicos e que nãoseriam atingidosisoladamente.Os governospodem utilizar-se desse métodopara minimizarriscos ou produ-zir aumento deganhos econô-micos.

Para osEUA, segundo o livro (p. 14), a propostada Alca está a meio caminho da busca de“desenvolvimento econômico” – o quepode parecer incongruente, na medida

em que não há, propriamente, referênciamais avançada de desenvolvimento doque o próprio país – e do fortalecimentode seu “papel hegemônico”, segundoa “lógica da globalização” (o que semdúvida corresponde à visão que se temexternamente dos “objetivos estratégicos”dos EUA). Para outros, numa estratégiamais defensiva, como por exemplo ou donovo presidente brasileiro, o reforço do

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LEITURAS

Mercosul deve servir para “uma negocia-ção soberana diante da proposta da Alca”(p. 15), o que também está conforme avisão que se costuma ter, no Brasil, dosdesafios do projeto hemisférico para umaeconomia percebida como frágil e des-preparada.

Essa duplavisão é, aliás,confirmada emdiversas passa-gens do capítulo“Origem e desen-volvimento daAlca”, de restomais expositivodo que propria-mente discus-sivo. As razõesque impulsio-naram os EUA apropor esse pro-

jeto teriam sidoa necessidadede preservar sua“ s u p r e m a c i aeconômica queparecia ameaça-da pelo avanço de alemães e japoneses”e o desejo de impulsionar a “globalizaçãodos mercados” (p. 22). Como reação aessa ofensiva, os autores acreditam que os

governos do Brasil e da Argentina decidi-ram aprofundar e acelerar o processo deintegração bilateral começado nos anos1980 e que receberia, a partir de 1991, oformato quadrilateral do Mercosul, apre-sentado como uma escolha de suas elitespolíticas e econômicas. Os autores evi-denciam a nítida relutância do governoe das lideranças políticas brasileiras emrelação ao projeto da Alca, com base no

fato, obviamente manifesto, de que a con-veniência de se criar, ou não, uma área delivre-comércio hemisférica “nunca che-gou a ser objeto de debate nacional signi-ficativo” (p. 43).

Aqui parece residir a questão básicaque angustia a maior parte dos observa-

dores isentos, oupretensamenteimparciais, emrelação à Alca:não se sabe, defato, se ela será,ou não, boapara o Brasil,dada a ausênciade debates ade-quados e, maisainda, de estu-dos satisfatórios.Existem, obvia-mente, aqueles

que respondemde imediatopela negativa, eaté se permitemfazer plebiscitoscom perguntas

manifestamente capciosas (como as quevinculam a existência da Alca a uma ame-aça à soberania nacional), assim comoexistem aqueles (poucos) que respondem

positivamente, com base numa simplesconstatação de que uma maior exposiçãoao comércio internacional melhorará osíndices de competitividade da economiabrasileira, além de ampliar o acesso aomaior mercado do planeta. Não se podedizer que o livro tenha respondido cla-ramente a essa questão – o que seria detodo modo impossível de se fazer embases puramente hipotéticas, pois que

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PAULO ROBERTO DE ALMEIDA

tudo depende da Alca que se logre forma-lizar – mas ele abre, pelo menos, algumasavenidas de discussão sobre o assunto(como na discussão sobre as condiçõesde acesso a mercados e, mais importante,sobre as normas regulatórias desse aces-so).

O capí-tulo principal,entretanto, vemjá marcado poruma certa pre-disposição nega-tiva ao referi-rem-se, os auto-res, ao “gigante”(apenas os EUA)e aos “anões”(todos osdemais), quandoisso não parecetão claro a partir

de uma análisedesagregada dasvárias interfacesda integração.Se colocarmoslado a lado o PIB individual (e nominal)de cada um desses atores, parece claroque as discrepâncias são incomensuráveise talvez mesmo insuperáveis. Diferençasde tamanho, porém, nunca aboliram, ao

que se sabe, o princípio das vantagenscomparativas, que continua tão válidoagora como nos tempos de David Ricardo,podendo, se tanto, produzir ganhos deescala que nunca são absolutos em vistade outras variáveis envolvidas na escala decompetitividade.

De resto, o tão alardeado gigantismodas “megacorporações norte-americanas”– argumento, aliás, muito pouco utilizado

em relação às “megaempresas européias”– não parece sustentar-se em várias áreasde nítida competitividade brasileira (nãoapenas nas áreaslabor-intensive , diga-sede passagem), com base em tecnologiastão ou mais avançadas do que aque-las existentes nos EUA – em siderurgia

ou agribusiness ,por exemplo– ou em muitosoutros terrenosnos quais podemser mobilizadosnossos imensosrecursos natu-rais, os preçosmenores devários insumos(terra, energia,mão-de-obra) oua própria inova-ção e engenho-sidade brasileira(apesar de havermuito poucaconfiança emnossas virtudes).

Se não fosse assim, por que exata-mente oslobbies no Congresso americanoforam tão ativos e se apressaram em colo-car limites ou várias condicionalidades nomandato que aprovou a capacidade nego-

ciadora do Executivo para a atual rodadade acordos comerciais? Se a assimetria étão brutal, como explicar esses surtos deprotecionismo setorial que, de resto, seexercem com igual acuidade no caso daEuropa e de outros parceiros da OMC?Com apenas 1% do comércio internacio-nal (e algo equivalente nas importaçõestotais dos EUA), o Brasil pode não serum global player , como alardeado de

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LEITURAS

forma permanente por nossos negociado-res, mas certamente não é o “anão” quese pretende mostrar em termos de poderde barganha e de vantagens competitivas.No frigir dos ovos, inclusive, nosso podernegociador é bem maior do que a meraexpressão do nosso PIB, quando confron-tado ao do gigante.

Questão detamanho à parte,o cerne da discus-são neste capítulorefere-se às dife-renças de condi-ções econômicasentre os parceirosda Alca, problemaque tende a serrespondido pelosautores mediantea invocação dassérias dificulda-

des ocorridas nospaíses latino-ame-ricanos nas duasúltimas déca-das, em especialdaqueles que teriam aberto suas econo-mias e seguido o receituário neoliberal.

A liberalização eventualmente patro-cinada pela Alca tenderia a acentuar, nessavisão, essas dificuldades, em especial emtermos de desigualdades e precarizaçãodas condições de trabalho (p. 88). Ora,não é certo que a liberalização comercialagrave as condições macroeconômicasde um país, como o provaria o caso doChile, um dos países mais assumidamenteneoliberais e, ao mesmo tempo, detentorde uma das maiores taxas de crescimentocom estabilidade da região.

Os autores também retomam, nodebate de uma Alca “ideal”, alguns dostemas caros ao governo brasileiro, ante-rior e sobretudo atual no que concerne,por exemplo, à transferência (presumi-damente induzida) de tecnologia ou àexistência de mecanismos compensató-rios das desigualdades estruturais. Nesse

último aspecto,existe a tendên-cia a se invocar oexemplo europeue seus alegadosfundos corretoresde desvantagens,e se pretende queos EUA assumamesse papel de dis-pensador líquidode recursos, deknow-how e debenesses para osmais pobres, demodo geral (entreos quais suposta-mente se inclui-ria o Brasil).

Na verdade, os autores reconhe-cem que diferenças entre países “não sãoobstáculos intransponíveis para a cons-tituição de blocos econômicos” (p. 98),mas voltam a dizer, no capítulo sobre “O

Brasil e suas opções”, que “deixado livre,o mercado rege-se de acordo com suaspróprias motivações, não tende neces-sariamente a equilibrar benefícios, podemanter ou aumentar as assimetrias e podelevar ao acúmulo de poder nas mãos dosque já o detêm” (p. 120). A recomen-dação, portanto, seria uma acumulaçãopreliminar de capacitação tecnológica eeconômica, se possível “no sentido de

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A solução consiste, invariavelmente,em apontar para a falta de um “projetonacional” e em recomendar assim que o

disse, a todos os problemas colocadosao Brasil e ao Mercosul nesse debaterelevante para o futuro do País e do

LEITURAS