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MM442 - Introdu¸ ao aos Sistemas Dinˆ amicos Segundo semestre de 2020 Ricardo M. Martins [email protected] http://www.ime.unicamp.br/ ~ rmiranda Aula 9: Formas normais

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  • MM442 - Introdução aos SistemasDinâmicos

    Segundo semestre de 2020

    Ricardo M. Martins

    [email protected]

    http://www.ime.unicamp.br/~rmiranda

    Aula 9: Formas normais

    http://www.ime.unicamp.br/~rmiranda

  • Formas normais

    A ideia principal da teoria de formas normais é “simplificar” a

    expressão do campo vetorial (ou do difeomorfismo) na vizinhança

    de um ponto de equiĺıbrio.

    Ela permite estudar o campo vetorial sobre a variedade central.

    A grande vantagem da teoria de formas normais é o uso de

    mudanças de coordenadas polinomiais.

  • Formas normais

    Dado um campo vetorial

    ẋ = X (x)

    de classe C∞ e um ponto de equiĺıbrio x0 (junto com algumas

    hipóteses de não-degenericidade), efetuando sucessivas mudanças

    de coordenadas polinomiais, eliminaremos todos os termos

    “desnecessários” da série de Taylor de X ao redor de x0.

  • Exemplo

    Exemplo: ẋ = εx + f (x), com f : R → R de classe C∞ comf (0) = f ′(0) = 0 e ε ∈ R.

    Considere que numa vizinhança de origem temos

    f (x) = ax2 + o(|x |3). Assim, a equação terá a forma

    ẋ = εx + ax2 + . . . , (1)

    onde . . . contém somente termos de ordem superior.

  • Exemplo

    ẋ = εx + ax2 + . . .

    Mudança de coordenadas: x = y + αy2

    ε(y + αy2) + a(y + αy2)2 = ẋ = ẏ + 2αy ẏ ,

    ou seja,

    ẏ =εy + εαy2 + ay2 + . . .

    1 + 2αy

    = εy + (a− αε)y2 + . . . ,(2)

    onde em (2) usamos a expansão em séries de Taylor

    ∞∑k=0

    (−r)k = 11 + r

    , |r | < 1.

  • Exemplo

    ẏ = εy + (a− αε)y2 + . . .

    Se ε 6= 0 podemos escolher α = a/ε, obtendo

    ẏ = εy + o(y3),

    ou seja, eliminamos os termos quadráticos da equação original.

    Veremos agora como construir estas mudanças de coordenadas no

    caso geral.

  • Equação homológica

    Seja A ∈ Rn×n uma matriz quadrada, f : U ⊂ Rn → Rn de classeC∞ com f (0) = 0 e Df (0) = 0 e considere a equação diferencial

    ẋ = Ax + f (x). (3)

    Introduzindo a mudança de variáveis

    x = y + h(y),

    com h : V ⊂ Rn → Rn diferenciávei, com h(0) = 0 e Dh(0) = 0,ficamos com

    ẋ = ẏ + Dh(y)ẏ = (Id + Dh(y))ẏ .

  • Equação homológica

    Usando a expansão

    ∞∑k=0

    (−B)k = (Id + B)−1,

    que vale para matrizes quadradas com ||B|| < 1, obtemos

    ẏ = (Id + Dh(y))−1ẋ

    = (Id + Dh(y))−1(A(y + h(y)) + f (y + h(y)))

    = (Id − Dh(y))(Ay + Ah(y) + f (y + h(y)))

    (4)

  • Equação homológica

    Vamos considerar f , h escritas em termo de suas séries de Taylor,

    f (x) = f2(x) + f3(x) + . . . ,

    h(x) = h2(x) + h3(x) + . . . ,(5)

    onde fr , rk ∈ Hnr , o conjunto das funções Rn → Rn em que cadacomponente é um polinômio homogêneo de grau r .

    Um elemento de Hnr é uma combinação linear de monômios

    vetoriais

    xmej = xm11 x

    m22 . . . x

    mnn ej ,

    com m1 + . . .+ mn = r e mj ≥ 0. Note ainda que Hnr é um espaçovetorial de dimensão

    dimHnr = n

    (n + r − 1

    r

    ).

  • Equação homológica

    Bbtemos então

    ẏ = Ay + [Ah2(y) + f2(y)− Dh2(y)Ay ]

    +∞∑k=3

    [Ahk(y) + gk(y)− Dhk(y)Ay ],(6)

    onde gk depende somente de h2, . . . , hk−1 e f2, . . . , fk−1.

    Para eliminarmos os termos quadráticos em (6) basta escolher

    h2 ∈ Hn2 tal que

    f2(y) = Dh2(y)− Ah2(y). (7)

  • Equação homológica

    Se mostrarmos que é posśıvel resolver todas as equações

    gk(y) = Dhk(y)Ay − Ahk(y), (8)

    para k ≥ 3, então será posśıvel linearizar o sistema (6) utilizandomudanças de coordenadas polinomiais (e, portanto, o sistema (3)).

    As equações (7) e (8) são chamadas de equações homológicas.

  • Operador homológico

    Para cada m ≥ 2 e r ∈ N, defina Lr ,nA : Hnr → Hnr como

    Lr ,nA (h)(y) = Dh(y)Ay − Ah(y).

    O operador Lr ,nA é uma transformação linear. As equações

    homológicas podem ser escritas como

    L2,nA (h2) = f2, Lk,nA (hk) = gk .

    Um monômio w de grau r será eliminado de uma expansão como

    (4) se, e só se, estiver na imagem de Lr ,nA .

  • Operador homológico

    Lema

    Se Lr ,nA : Hnr → Hnr for invert́ıvel então a equação diferencial

    ẋ = Ax + Xr (x) + o(|x |r+1),

    com Xr ∈ Hnr pode ser transformada na equação

    ẏ = Ay + o(|y |r+1)

    usando uma mudança de coordenadas polinomial da forma

    x = y + hr (y)

    onde hr (y) = (Lr ,nA )−1(Xr (y)).

  • Operador homológico

    No caso geral, precisamos estudar condições para a invertibilidade

    de Lr ,nA , ou pelo menos entender bem qual é sua imagem, já que os

    monômios que não estiverem na imagem não aparecerão na

    expressão após a mudança de coordenadas.

    Assim, uma boa estratégia seria obter um complemento ortogonal

    para a imagem de Lr ,nA em Hnr .

    Produto interno usual em Hnr :

    〈xmei , x sej〉 = δi ,jδm,sα!.

  • Operador homológico

    Corolário

    Com respeito ao produto interno usual em Hnr temos que (Lr ,nA )∗ =

    Lr ,nA∗ . Logo,

    Hnr = Lr ,nA (H

    nr )⊕ Ker(L

    r ,nA∗ ).

  • Operador homológico

    Teorema (Poincaré-Dulac)

    Considere a equação diferencial

    ẋ = Ax + f2(x) + . . .+ fm(x) + o(|x |m+1), (9)

    com fk ∈ Hnk . Então existe uma mudança de coordenadas polino-mial, da forma x = y + h(y), que transforma o sistema (12) num

    sistema da forma

    ẏ = Ay + w2(y) + . . .+ wm(y) + o(|y |m+1)

    com wk ∈ Ker(Lk,nA∗ ).

  • Forma normal de Poincaré-Dulac

    A equação diferencial

    ẋ = Ax +m∑j=1

    Xj(x) + o(|x |m+1)

    é dita estar na forma normal de Poincaré-Dulac até ordem m se

    Lk,nA∗ (fk) = 0,

    para todo k entre 2 e m.

    Observação: A escolha de Ker(Lk,nA∗ ) como complemento ortogonal

    de Lk,nA (Hnk ) é, de certa forma, particular.

    É posśıvel provar versões diferentes do Teorema 1 considerando

    outras opções de complementos ortogonais e isto dá origem a

    outras formas normais.

  • Exemplo

    Exemplo: Considere um sistema de equações diferenciais da forma{ẋ = y + F (x , y),

    ẏ = G (x , y),(10)

    com F ,G de classe C∞, F (0, 0) = G (0, 0) = 0 e

    ∇F (0, 0) = ∇G (0, 0) = (0, 0).

    Vamos construir uma forma normal até ordem 2. Uma base para

    H2k é dada por

    {xke2, xk−1ye2, . . . , xyk−1e2, yke2, xke1, xk−1ye1, . . . , xyk−1e1, yke1}.

  • Exemplo

    Seja (p(x , y), q(x , y)) ∈ H2k . Então

    Lk,2A∗

    (p(x , y)

    q(x , y)

    )=

    (px(x , y) py (x , y)

    qx(x , y) qy (x , y)

    )(0 0

    1 0

    )(x

    y

    )

    (0 0

    1 0

    )(p(x , y)

    q(x , y)

    )

    =

    (ypy (x , y)

    xqy (x , y)− p(x , y)

    )

  • Exemplo

    Em H22 temos a base

    {(0, x2), (0, xy), (0, y2), (x2, 0), (xy , 0), (y2, 0)}.

    Portanto:

    L2,2A∗ (0, x2) = (0, 0)

    L2,2A∗ (0, xy) = (0, x2)

    L2,2A∗ (0, y2) = (0, 2xy)

    L2,2A∗ (x2, 0) = (0,−x2)

    L2,2A∗ (xy , 0) = (x2,−xy)

    L2,2A∗ (y2, 0) = (2xy ,−y2)

  • Exemplo

    Portanto, a matriz de L2,2A∗ é dada por

    L2,2A∗ =

    0 1 0 −1 0 0

    0 0 2 0 −1 0

    0 0 0 0 0 −1

    0 0 0 0 1 0

    0 0 0 0 0 2

    0 0 0 0 0 0

    e seu núcleo é gerado por

    {(0, 1, 0, 1, 0, 0), (1, 0, 0, 0, 0, 0)},

    ou seja, pelos monômios (x2, xy) e (0, x2).

  • Exemplo

    Desta forma, (10) é C 2-conjugado ao sistema{ẋ = y + αx2 + . . . ,

    ẏ = αxy + βx2 + . . . ,

    com α, β ∈ R dependendo do campo original.

    É posśıvel provar ainda que a forma normal de (10) até ordem r é

    da forma {ẋ = y + x2φ(x),

    ẏ = x2ψ(x) + xyφ(x),(11)

    com φ, ψ funções C r . Foi demonstrado em 2002 por Zoladek que a

    mudança de coordenadas que transforma (10) em (11), no caso de

    F ,G anaĺıticas, pode ser tomada anaĺıtica.

  • Monômios ressonantes

    Um caso em que o cálculo de Ker(Lk,nA∗ ) se torna bem simples é

    quando a matriz A é diagonal (neste caso A∗ = A).

    Lema

    Seja A ∈ Rn×n uma matriz diagonal, com λ = (λ1, . . . , λn) seusautovalores. Então Lr ,nA é invert́ıvel se, e só se,

    〈m, λ〉 − λi 6= 0

    para todo m = (m1, . . . ,mn) ∈ Nn com m1 + . . .+ mn ≥ 2.

    Prova: Vamos calcular a imagem por Lr ,nA de um monômio da base

    de Hnr .

  • Monômios ressonantes

    Lr,nA (xmei ) = D(x

    mei )Ax − A(xmei )

    = D(0, . . . , 0, xm11 xm22 · · · x

    mnn , 0, . . . , 0)(λ1x1, . . . , λnxn)

    t

    − (0, . . . , 0, λixm11 xm22 · · · x

    mnn , 0, . . . , 0)

    =

    0 0 · · · 0 0...

    m1x1

    xmm2x2

    xm · · · mn−1xn−1

    xmmnxn

    xm

    ...

    0 0 · · · 0 0

    λ1x1...

    λixi...

    λnxn

    − (0, . . . , 0, λixm11 x

    m22 · · · x

    mnn , 0, . . . , 0)

    =

    {∑nj=1 λjxj

    mjxj

    xmei

    }− λixmei

    =

    (〈m, λ〉 − λi

    )xmei

  • Monômios ressonantes

    Assim, os números 〈m, λ〉 − λi são os autovalores de Lr ,nA e dáı Lr ,nA

    é invert́ıvel se, e só se, todos eles são diferentes de zero. c.q.d.

    Os autovalores de A, λ1, . . . , λn são ditos ressonantes de ordem r

    se

    λi =n∑

    j=1

    mjλj

    para certos mj ∈ N com∑n

    j=1mj = r e algum i ∈ {1, . . . , n}.

    A cada relação do tipo λi =∑n

    j=1mjλj associamos o monômio

    xmei , chamado de monômio ressonante.

  • Monômios ressonantes

    Com isto, podemos re-enunciar o Teorema 1 da seguinte forma:

    Teorema (Poincaré-Dulac)

    Uma equação diferencial da forma

    ẋ = Ax + f2(x) + . . .+ fm(x) + o(|x |m+1), (12)

    com fk ∈ Hnk é Cm-conjugada a uma equação da forma

    ẏ = Ay + w(y) + o(|y |m+1),

    onde w(y) é formado somente por monômios ressonantes de or-

    dem menor ou igual a m.

  • Exemplo

    Exemplo: Considere o sistema de equações diferenciais{ẋ = x + f (x , y),

    ẏ = 2y + g(x , y),(13)

    onde p, q são funções C∞, f (0, 0) = g(0, 0) = 0,

    ∇f (0, 0) = ∇g(0, 0) = (0, 0).

    Se λ1 = 1 e λ2 = −2 são os autovalores da parte linear, entãoλ2 = 2λ1 + 0λ2 é a única relação de ressonância existente.

    Esta relação está associada ao monômio x2e2.

  • Exemplo

    Portanto, para todo r , o sistema (13) é C r -conjugado até ordem r

    a um sistema da forma{ẋ = x + o(|(x , y)|r+1),ẏ = 2y + αx2 + o(|(x , y)|r+1),

    onde α depende somente da série de Taylor de ordem 2 do sistema

    original.

  • Exemplo

    Exemplo: Considere o sistema de equações diferenciais{ẋ = −y + p(x , y),ẏ = x + q(x , y),

    (14)

    onde p, q são funções C∞, p(0, 0) = q(0, 0) = 0,

    ∇p(0, 0) = ∇q(0, 0) = (0, 0).

    Calculando as ressonâncias, podemos provar que (14) é

    C r -conjugado a um sistema da forma{ẋ = −y +

    ∑rk=1(x

    2 + y2)k(akx − bky) + . . . ,ẏ = x +

    ∑rk=1(x

    2 + y2)k(aky + bkx) + . . . ,

    onde ak , bk são coeficientes que dependem do sistema original.

  • Teorema de Siegel

    Um resultado muito interessante:

    Teorema (Siegel)

    Seja A ∈ Rn×n e suponha que o fecho convexo dos autovalores deA não contenha a origem (neste caso, dizemos que σ(A) está no

    doḿınio de Poincaré). Seja f : U ⊂ Rn×Rn uma função anaĺıticacom f (0) = 0, Df (0) = 0 e f (x) = o(|x |2) quando x → 0.Então existe uma mudança de variáveis anaĺıtica x = y + h(y),

    onde h(y) = o(|y |2) quando y → 0, que transforma o sistemaẋ = Ax + f (x) num sistema da forma ẏ = Ay +w(y), com w um

    polinômio e tal que w(y) comuta com exp(S), onde S é a parte

    semisimples de A.

  • Referências

    # S-N Chow, Chengzhi Li, Duo Wang, Normal forms andbifurcation of planar vector fields, Cambridge U. Press, 1994.

    # James A. Murdock, Normal forms and unfoldings for localdynamical systems, Springer, 2003.

    # A. D. Bruno, Local Methods in Nonlinear DifferentialEquations, Springer-Verlag, 1979.

    # William F. Langford, Wayne Nagata, Normal Forms andHomoclinic Chaos, AMS Bookstore, 1995.

    # Giampaolo Cicogna, Giuseppe Gaeta, Symmetry andPerturbation Theory in Nonlinear Dynamics, Springer, 1999.

    # Michael Charles Irwin, Smooth dynamical systems, AcademicPress, 1980.

  • Referências

    # G. Belitskii, C∞-normal form of local vector fields., In:Proceedings of Symmetry and Perturbation Theory. World

    Scientific, Singapore (2002).

    # C. Elphick, E. Tirapegui, M.E. Brachet, P. Coullet, G. Iooss,A simple global characterization for normal forms of singular

    vector fields.,Physica D, 29:95-127(1987).

    # E. Strózyna, H. Zoladek, The analytic and formal normal formfor the nilpotent singularity, JDE 179, 479-537.

    # G. Gaeta, Normal forms for reversible dynamical systems,IJTP 33 1917-1928.

    # G. Gaeta, Poincaré renormalized forms, Ann. Inst. HenriPoincaré 70, 461-514.

    # C. Rousseau, Normal Forms, Bifurcations and FinitenessProperties of Vector Fields, 2002.

  • Próxima aula: Alguns teoremas de convergência de formas

    normais, formas normais para difeomorfismos.

    Se cuidem: usem máscaras, limpem as mãos com álcool em gel.

    Fique em casa.