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GE J Port Gastrenterol. 2013;20(2):89---90 www.elsevier.pt/ge INSTANTÂNEO ENDOSCÓPICO Lesão esofágica como causa de disfagia Esophagic lesion as cause of dysphagia Lígia Peralta e Eunice Trindade Unidade de Gastroenterologia Pediátrica, Servic ¸o de Pediatria, UAG da Mulher e da Crianc ¸a, Centro Hospitalar de São João, Porto, Portugal Recebido a 6 de novembro de 2011; aceite a 15 de março de 2012 Disponível na Internet a 18 de setembro de 2012 Crianc ¸a de 6 anos de idade, sexo masculino, previamente saudável, referenciada ao servic ¸o de urgência por disfa- gia para sólidos, de agravamento progressivo, com uma semana de evoluc ¸ão, apesar de terapêutica com sucral- fato. Sem outras queixas. Foi realizada endoscopia digestiva alta (EDA) que revelou lesão plana rosada, com bordos bem definidos, não ulcerada, imediatamente abaixo do esfíncter esofágico superior (fig. 1), sendo a restante mucosa eso- fágica de aspeto normal. O estudo histológico da biópsia da lesão mostrou tratar-se de mucosa gástrica oxíntica de tipo fundo/corpo (fig. 2), sendo as biópsias do esófago dis- tal e médio normais. Ficou assintomática após realizac ¸ão da endoscopia, nunca tendo chegado a efetuar tratamento com inibidor de bomba de protões. Cerca de 6 meses após o diagnóstico iniciou epigastralgias, o que levou à repetic ¸ão da endoscopia e da biópsia lesional, observando-se aspetos endoscópico e histológico sobreponíveis. Dada a normali- dade do restante exame realizou apenas tratamento com antiácido com resoluc ¸ão das queixas. Ao fim de um ano de seguimento, a crianc ¸a está assintomática e sem qualquer medicac ¸ão. A heterotopia gástrica está descrita ao longo de todo o aparelho digestivo, sendo mais comum no esófago (3,8- 10%) e duodeno (0,5-2%) 1 . No estudo prospetivo de Macha et al. 2 , realizado em crianc ¸as submetidas a EDA durante um período de 2 anos, a incidência de heterotopia gástrica eso- fágica (HGE) foi de 5,9%, tendo sido superior em crianc ¸as mais velhas quando comparada com lactentes (11,8 vs 4,5%). Autor para correspondência. Correio eletrónico: [email protected] (L. Peralta). A sua identificac ¸ão depende em larga medida da experiên- cia do endoscopista e da procura ativa deste tipo de lesão 3 . Dada a sua localizac ¸ão, logo abaixo do esfíncter esofágico superior, a identificac ¸ão não é fácil na introduc ¸ão do endos- cópio, uma vez que a passagem é rápida neste local; na retirada do aparelho esta zona deve ser cuidadosamente observada, mantendo insuflac ¸ão adequada e inspecionando todo o perímetro esofágico. O diagnóstico deve ser confir- mado com biópsia. Quase sempre assintomática nos adultos, a HGE é frequentemente um achado endoscópico. A maio- ria dos doentes descritos em séries pediátricas tem outra Figura 1 Imagem endoscópica do terc ¸o proximal do esófago, mostrando lesão plana, rosada, não ulcerada, com bordos bem definidos (setas), medindo aproximadamente 2 x 1 cm, imedia- tamente abaixo do esfíncter esofágico superior. 0872-8178/$ – see front matter © 2011 Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia. Publicado por Elsevier España, S.L. Todos os direitos reservados. http://dx.doi.org/10.1016/j.jpg.2012.07.008

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Page 1: Lesão esofágica como causa de disfagia · Lesão esofágica como causa de disfagia Esophagic lesion as cause of dysphagia Lígia Peralta∗ e Eunice Trindade Unidade de Gastroenterologia

GE J Port Gastrenterol. 2013;20(2):89---90

www.elsevier.pt/ge

INSTANTÂNEO ENDOSCÓPICO

Lesão esofágica como causa de disfagia

Esophagic lesion as cause of dysphagia

Lígia Peralta ∗ e Eunice Trindade

Unidade de Gastroenterologia Pediátrica, Servico de Pediatria, UAG da Mulher e da Crianca,Centro Hospitalar de São João, Porto, Portugal

Recebido a 6 de novembro de 2011; aceite a 15 de março de 2012Disponível na Internet a 18 de setembro de 2012

Crianca de 6 anos de idade, sexo masculino, previamentesaudável, referenciada ao servico de urgência por disfa-gia para sólidos, de agravamento progressivo, com umasemana de evolucão, apesar de terapêutica com sucral-fato. Sem outras queixas. Foi realizada endoscopia digestivaalta (EDA) que revelou lesão plana rosada, com bordos bemdefinidos, não ulcerada, imediatamente abaixo do esfíncteresofágico superior (fig. 1), sendo a restante mucosa eso-fágica de aspeto normal. O estudo histológico da biópsiada lesão mostrou tratar-se de mucosa gástrica oxíntica detipo fundo/corpo (fig. 2), sendo as biópsias do esófago dis-tal e médio normais. Ficou assintomática após realizacãoda endoscopia, nunca tendo chegado a efetuar tratamentocom inibidor de bomba de protões. Cerca de 6 meses apóso diagnóstico iniciou epigastralgias, o que levou à repeticãoda endoscopia e da biópsia lesional, observando-se aspetosendoscópico e histológico sobreponíveis. Dada a normali-dade do restante exame realizou apenas tratamento comantiácido com resolucão das queixas. Ao fim de um ano deseguimento, a crianca está assintomática e sem qualquermedicacão.

A heterotopia gástrica está descrita ao longo de todoo aparelho digestivo, sendo mais comum no esófago (3,8-10%) e duodeno (0,5-2%)1. No estudo prospetivo de Machaet al.2, realizado em criancas submetidas a EDA durante umperíodo de 2 anos, a incidência de heterotopia gástrica eso-fágica (HGE) foi de 5,9%, tendo sido superior em criancasmais velhas quando comparada com lactentes (11,8 vs 4,5%).

∗ Autor para correspondência.Correio eletrónico: [email protected] (L. Peralta).

A sua identificacão depende em larga medida da experiên-cia do endoscopista e da procura ativa deste tipo de lesão3.Dada a sua localizacão, logo abaixo do esfíncter esofágicosuperior, a identificacão não é fácil na introducão do endos-cópio, uma vez que a passagem é rápida neste local; naretirada do aparelho esta zona deve ser cuidadosamenteobservada, mantendo insuflacão adequada e inspecionandotodo o perímetro esofágico. O diagnóstico deve ser confir-mado com biópsia. Quase sempre assintomática nos adultos,a HGE é frequentemente um achado endoscópico. A maio-ria dos doentes descritos em séries pediátricas tem outra

Figura 1 Imagem endoscópica do terco proximal do esófago,mostrando lesão plana, rosada, não ulcerada, com bordos bemdefinidos (setas), medindo aproximadamente 2 x 1 cm, imedia-tamente abaixo do esfíncter esofágico superior.

0872-8178/$ – see front matter © 2011 Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia. Publicado por Elsevier España, S.L. Todos os direitos reservados.http://dx.doi.org/10.1016/j.jpg.2012.07.008

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90 L. Peralta, E. Trindade

Figura 2 Imagem de exame histológico (H&E) da biópsia dalesão revelando mucosa oxíntica do tipo fundo/corpo gástrico.

patologia esofágica associada e frequentemente são sinto-máticos. Pode cursar com odinofagia e, mais raramente,com estenose, fístula ou perfuracão4. O tratamento médico,quando necessário, baseia-se na utilizacão de inibidores dabomba de protões, tendo sido recentemente descrita emadultos ablacão da lesão com argon plasma em casos depersistência de sintomas do tipo «bola faríngea»5. Emboradescrita, a ocorrência de adenocarcinoma é extraordinaria-mente rara e a HGE não deve ser encarada como uma lesãopré-neoplásica6. Não existem recomendacões acerca do tipo

de vigilância a manter, sendo desconhecida a história naturaldesta entidade. Apesar de pouco frequente, a HGE deve serprocurada ativamente nas criancas com sintomas de disfagiae impactacão alimentar não explicados por outras causas.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Bibliografia

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