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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO Profa. Katrin Gelfert Notas de curso IM-UFRJ 2018-2 Conteúdo 1. Prelude 1 1.1. Integração vs. diferenciação 1 1.2. Limites de funções contínuas 2 1.3. Séries de Fourier 2 1.4. Funções Cauchy-integráveis 3 1.5. Funções Riemann-integráveis 4 2. Integral de Riemann 4 2.1. Propriedades básicas da integral 4 2.2. Funções escada e a integral regulada 5 2.3. Teorema fundamental de Cálculo 6 2.4. Definição da integral de Riemann 8 2.5. Conjunto nulo 11 2.6. Conjunto(s) de Cantor 12 2.7. Integral de Darboux 12 2.8. Integrabilidade de Riemann 14 2.9. Exemplo de Volterra 16 3. Definição da medida de Lebesgue 16 3.1. Propriedades básicas desejadas 16 3.2. σ-álgebras 17 3.3. Medida de Lebesgue 17 4. Integral de Lebesgue em R 18 4.1. Funções simples 18 4.2. Funções de valor estendida 19 4.3. A integral de Lebesgue de funções limitadas 21 4.4. O teorema de convergência limitada 26 5. A integral de Lebesgue de funções não-limitadas 27 5.1. Integral de funções não-negativas 27 5.2. Convergência dominada e monótona 28 5.3. Integral de funções gerais 29 5.4. Propriedades da integral de Lebesgue 29 5.5. TFC-P 30 5.6. TFC-E 30 6. O espaço L 2 como espaço de Hilbert 32 6.1. Definição do espaço L 2 32 6.2. Convergência em L 2 [a, b] 33 6.3. Espaço(s) de Hilbert 35 6.4. Séries de Fourier 35 6.5. Séries de Fourier no L 2 [-π,π] 37 6.6. Séries de Fourier no espaço L 2 C [-π,π] 40 6.7. Usando séries de Fourier para mostrar ergodicidade 40 7. Os spaços L p 42 7.1. Convergências 43 8. A construção da medida de Lebesgue 45 8.1. Medida exterior 45 8.2. Conjuntos Lebesgue-mensuráveis 46 8.3. Conjuntos não-mensuráveis 48 8.4. O teorema de Banach-Tarski 49 9. A integral e a medida de Lebesgue em R n 51 9.1. Pre-medida 51 9.2. A medida de Lebesgue em R n 51 9.3. O teorema de Fubini 52 Referências 54 1. Prelude 1.1. Integração vs. diferenciação. . Teorema 1.1 (Cauchy 1823). Se f :[a, b] R é con- tínua, a função F :[a, b] R definida por F (x) := Z x a f (y) dy é diferenciável, tem-se F 0 = f . Em outras palavras (TFC-P(rimitiva)) f (x)= d dx Z x a f (y) dy. Este resultado se refere a existência de (uma) primitiva para cada função contínua. Teorema 1.2 (Cauchy 1823). Se F :[a, b] R é uma função diferenciável com derivada contínua, en- tão tem-se (TFC-E(valuaço)) F (b) - F (a)= Z b a F 0 (x) dx Este resultado se refere a interpretação da integral como área abaixo da curva. A integral considerado no Teorema Fundamental de Cál- culo de Cauchy é a integral de Cauchy (integral de Ri- emann, neste caso quando f é contínua). Perguntamos se caso apenas: f é integrável, vale (TFC-P)? F é diferenciável, vale (TFC-E)? Riemann deu um exemplo de uma função que é integrável e em nenhum lugar contínua e que da um contra-exemplo à parte (TFC-P) (ver [2, Exercise 3.4.3]). 1

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

Profa. Katrin GelfertNotas de cursoIM-UFRJ 2018-2

Conteúdo

1. Prelude 11.1. Integração vs. diferenciação 11.2. Limites de funções contínuas 21.3. Séries de Fourier 21.4. Funções Cauchy-integráveis 31.5. Funções Riemann-integráveis 42. Integral de Riemann 42.1. Propriedades básicas da integral 42.2. Funções escada e a integral regulada 52.3. Teorema fundamental de Cálculo 62.4. Definição da integral de Riemann 82.5. Conjunto nulo 112.6. Conjunto(s) de Cantor 122.7. Integral de Darboux 122.8. Integrabilidade de Riemann 142.9. Exemplo de Volterra 163. Definição da medida de Lebesgue 163.1. Propriedades básicas desejadas 163.2. σ-álgebras 173.3. Medida de Lebesgue 174. Integral de Lebesgue em R 184.1. Funções simples 184.2. Funções de valor estendida 194.3. A integral de Lebesgue de funções limitadas 214.4. O teorema de convergência limitada 265. A integral de Lebesgue de funções não-limitadas 275.1. Integral de funções não-negativas 275.2. Convergência dominada e monótona 285.3. Integral de funções gerais 295.4. Propriedades da integral de Lebesgue 295.5. TFC-P 305.6. TFC-E 306. O espaço L2 como espaço de Hilbert 326.1. Definição do espaço L2 326.2. Convergência em L2[a, b] 336.3. Espaço(s) de Hilbert 356.4. Séries de Fourier 356.5. Séries de Fourier no L2[−π, π] 376.6. Séries de Fourier no espaço L2

C[−π, π] 406.7. Usando séries de Fourier para mostrar

ergodicidade 407. Os spaços Lp 427.1. Convergências 43

8. A construção da medida de Lebesgue 458.1. Medida exterior 458.2. Conjuntos Lebesgue-mensuráveis 468.3. Conjuntos não-mensuráveis 488.4. O teorema de Banach-Tarski 499. A integral e a medida de Lebesgue em Rn 519.1. Pre-medida 519.2. A medida de Lebesgue em Rn 519.3. O teorema de Fubini 52Referências 54

1. Prelude

1.1. Integração vs. diferenciação. .

Teorema 1.1 (Cauchy 1823). Se f : [a, b]→ R é con-tínua, a função F : [a, b]→ R definida por

F (x) :=

∫ x

a

f(y) dy

é diferenciável, tem-se F ′ = f . Em outras palavras

(TFC-P(rimitiva)) f(x) =d

dx

∫ x

a

f(y) dy.

Este resultado se refere a existência de (uma) primitivapara cada função contínua.

Teorema 1.2 (Cauchy 1823). Se F : [a, b] → R éuma função diferenciável com derivada contínua, en-tão tem-se

(TFC-E(valuaço)) F (b)− F (a) =

∫ b

a

F ′(x) dx

Este resultado se refere a interpretação da integral comoárea abaixo da curva.

A integral considerado no Teorema Fundamental de Cál-culo de Cauchy é a integral de Cauchy (≡ integral de Ri-emann, neste caso quando f é contínua).

Perguntamos se caso apenas:• f é integrável, vale (TFC-P)?• F é diferenciável, vale (TFC-E)?

Riemann deu um exemplo de uma função que é integrávele em nenhum lugar contínua e que da um contra-exemploà parte (TFC-P) (ver [2, Exercise 3.4.3]).

1

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2 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

Esperando que continuidade (de F ′) não fosse necessá-rio em (TFC-E), Volterra [8] encontrou uma função dife-renciável cuja derivada é limitada mas não integrável (nosentido de Riemann) e portanto não valendo (TFC-E). (Afunção é descontínua num conjunto de medida positiva eportanto não é Riemann-integrável, ver [2, Section 3.12].)

Interessante a seguinte cronologia de pessoas (ver também[7]):

• Augustin-Louis Cauchy (1789–1857)• Karl Theodor Wilhelm Weierstrass (1815–1897)• Georg Friedrich Bernhard Riemann (1826–1866),

aluno de Gauss• Vito Volterra (1869–1940)• Jean Gaston Darboux (1842–1917)• Henri Léon Lebesgue (1875–1941)• Jordan• Cantor• Peano• Fatou

e da matemática:

1872 construção de função em nenhum lugar diferenciá-vel por Weierstrass

1881 introdução de função of variação limitada por Jor-dan, estudo de retifiabilidade

1883 construção do conjunto Cantor ternário1890 construção de curvas que preenchem o plano por

Peano1902 teoria de medida e integração por Lebesgue1905 construção de conjuntos não-mensuráveis por Vitali1906 aplicação da teoria de Lebesgue no contexto com-

plexo por Fatou

1.2. Limites de funções contínuas. .

Teorema 1.3. Se uma sequência fn : [a, b] → R defunções contínuas converge uniformemente para umafunção f : [a, b]→ R, então f é (contínua e portanto)integrável e tem-se∫ b

a

f(x) dx = limn→∞

∫ b

a

fn(x) dx.

Novamente, a integral no teorema é a integral de Cauchy(≡ integral de Riemann).

Podemos perguntar se a afirmação do Teorema 1.3 aindavale se a sequência (fn)n de funções (contínuas ou apenasintegráveis) converge apenas pontualmente:

f(x) := limn→∞

fn(x) ∀x

e, a convergência sendo não uniforme, portanto f talveznão mais é contínua mas apenas integrável?

Apresentaremos um exemplo de funções fn : [0, 1]→ [0, 1]contínuas tais que• 0 ≤ fn(x) ≤ 1 para todo x ∈ [0, 1],• fn ≥ fn+1,• a função limite f definida por f(x) :=

limn→∞ fn(x) não é contínua e não é (Riemann-)integrável.

Perguntamos:• se convergência não é uniforme, o limite é con-

tínua, mas não vale a igualidade das integrais(do seu limite)?• se convergência não é uniforme, o limite não é

contínua mas integrável, mas não vale a igua-lidade das integrais (do seu limite)?

1.3. Séries de Fourier. A pergunta da convergência defunções integráveis torna-se importante quando estudandoséries de Fourier. De fato isso foi um dos temas impor-tantes na época de Cauchy–Riemann-Darboux etc. Sé-ries de Fourier são séries trigonométricas (ou complex-trigonométricas) convergentes cuja soma representa (cer-tas) funções.Ver [9, Section 7.6]. Seja f : [−π, π] → R função limitadaRiemann-integrável. Podemos definir

an(f) :=1

πR

∫ π

−πf(x) cos(nx) dx

bn(f) :=1

πR

∫ π

−πf(x) sen(nx) dx.

e considerar a soma parcial(1.1)

SN (f)(x) =a0

2+

N∑n=1

(an(f) cos(nx) + bn(f) sen(nx)

)e a série trigonométrica

a0

2+

∞∑n=1

(an(f) cos(nx) + bn(f) sen(nx)

)Perguntas naturais são quando tal série é convergente equal é o seu limite. Vamos supor agora também que f écontínua por partes e monótona por partes e que os limi-tes laterais f(x−) e f(x+) existem e são finitas em todox. Pelo Lema de Riemann-Lebesgue, então os seguinteslimites

limn→∞

an(f), limn→∞

bn(f)

existem e são igual a 0. Pelo Teorema de Dirichlet, su-pondo que o limite de (1.1) quando N → ∞ existe e éfinito,

limN→∞

SN (f)(x) <∞,

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 3

então

S∞(f)(x) := limN→∞

SN (f)(x) =1

2(f(x+) + f(x−)).

Chamamos S∞(f)(x) a série de Fourier de f em x.Em particular, se f é contínua, então, sob as hipote-ses mencionadas acima, tem-se S∞(f)(x) = f(x) semprequando a série trigonomêtrica é convergente.

Observamos que há também exemplos (de du Bois-Reymond) de uma função f contínua cuja série trigono-mêtrica é divergente em um ponto.

Para cada f limitada e Riemann integrável podemos asso-ciar as sequências (cn)n∈Z onde cn = an(f) para n ≥ 0 ec−n = bn(f) para cada n ≥ 1 e assim

(cn)n ∈ `2(Z) :={

(. . . c−1c0c1 . . .) :

∞∑n=−∞

|cn|2}.

Por outro lado, para cada (cn)n ∈ `2(Z) podemos associaruma série trigonométrica SN como em (1.1) que é con-vergente (num certo sentido) para uma função f̃ quandoN →∞. Porém, há exemplos de sequência (cn)n ∈ `2(Z)

tal que a tal função f̃ é contínua em [−π, 0) ∪ (0, π] masque f̃ não é a soma de uma série de Fourier de uma funçãoRiemann-integrável.

Perguntamos:• Quais funções aparecem como funções limites

de sequências de funções limitadas Riemann-integráveis relativamente esta norma?

• Como integrar-las?

1.4. Funções Cauchy-integráveis. .

Dado uma partição P de [a, b] (em intervalos)

a = x0 < x1 < . . . < xn−1 < xn = b

chamamos

diamP := maxk=1,...,n

xk − xk−1

o seu diâmetro e consideramos a soma∑P

f∆x :=

n∑k=1

f(xk−1)(xk − xk−1).

Dizemos que f : [a, b]→ R é Cauchy-integrável se existeum número I tal que para todo ε > 0 existe δ > 0 tal quepara qualquer partição P com diamP < δ tem-se

|∑P

f∆x− I| < ε,

e neste caso chamamos I a integral de Cauchy de f edenotamos

C

∫ b

a

f(x) dx := I.

Teorema 1.4 (Cauchy, 1823). Se f : [a, b] → R écontínua, então é Cauchy-integrável.

Teorema 1.5. Se f : [a, b]→ R é contínua, então va-lem (TFC-P) e (TFC-E) para a integral de Cauchy.

Exemplo (função de Dirichlet, não é Cauchy-integrável).A função f : [0, 1]→ R

f(x) :=

{0 se x ∈ [0, 1] \Q1 se x ∈ [0, 1] ∩Q

.

não é Cauchy-integrável: Tomando uma partição P comxk ∈ Q∩ [0, 1] e uma partição P ′ com x′k ∈ [0, 1] \Q (am-bas podem ser escolhidas com diâmetro arbitrariamentepequenas) tem-se∑

P

f∆x = 1 > 0 =∑P ′

f∆x.

Observamos que Q é enumerável e a função de Dirichlet“quase sempre"igual a 0 (vamos dar uma definição e jus-tificativa mais tarde). Portanto (TFC-P) poderia aindafazer sentido.

Exemplo (função de Dirichlet modificada, não é Cauchy--integrável). A função f : [0, 1]→ R

f(x) :=

{0 se x ∈ [0, 1] \Q1q se x = p

q ∈ [0, 1] ∩Q, p, q primos.

é contínua em todo x iracional é descontínua em Q. Elanão é Cauchy-integrável: Tomando N ≥ 1 e uma parti-ção PN com xk = k

N ∈ Q ∩ [0, 1] e uma partição P ′ comx′k ∈ [0, 1] \Q tem-se

∑P ′

f∆x = 0 <

∫ 1

1/N

1

xdx− 1

N<∑PN

f∆x.

Argumentos similares aplicam aqui também.

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4 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

1.5. Funções Riemann-integráveis. .

(em intervalos)Dado uma partição P de [a, b]

a = x0 < x1 < . . . < xn−1 < xn = b

e pontos A = {ck}, ck ∈ [xk−1, xk], k = 1, . . . , n, e consi-deramos a soma∑

P,A

f∆x :=

n∑k=1

f(ck)(xk − xk−1).

Dizemos que f : [a, b] → R é Riemann-integrável seexiste um número I tal que para todo ε > 0 existe δ tal quepara qualquer partição P com diamP < δ para qualquerescolha de A tem-se

|∑P,A

f∆x− I| < ε,

e neste caso chamamos I a Riemann-integral de f eescrevemos

R

∫ b

a

f(x) dx := I.

Teorema 1.6. .Cauchy-integrável ⊂ Riemann-integrável.

Demonstração. Óbvio pela própria definição. �

Teorema 1.7 (Lebesgue). Seja f : [a, b] → R umafunção limitada,. Então ela é Riemann-integrável see somente se ela é quase-sempre continua.

Demonstração. Faremos na próxima seção. �

Vamos definir “quase-sempre"mais tarde.A função de Dirichlet modificada torna se integrável nosentido de Riemann que seguirá do teorema acima.

Exemplo (função de Dirichlet modificada, é Riemann-in-tegrável). A função f : [0, 1]→ R

f(x) :=

{0 se x ∈ [0, 1] \Q1q se x = p

q ∈ [0, 1] ∩Q, p, q primos.

é Riemann-integrável.

Exemplo (função de Dirichlet, não é Riemann-integrá-vel). A função f : [0, 1]→ R

f(x) :=

{0 se x ∈ [0, 1] \Q1 se x ∈ [0, 1] ∩Q

.

não é Riemann-integrável.

2. Integral de Riemann

2.1. Propriedades básicas da integral. Consideramosum espaço vetorial de funções reais

V := {f : I → R}

I ⊂ R um intervalo fechado.

• Se f, g ∈ V então f + g ∈ V

• Se f ∈ V e c ∈ R então cf ∈ V

⇒ 0 ∈ V

Os seguintes propriedades fundamentais são desejadaspara uma integral num espaço vetorial de funções f : I →R, I ⊂ R um intervalo fechado:

I (Linearidade) Para f1, f2 ∈ V e a, b ∈ I,c1, c2 ∈ R tem-se∫ b

a

c1f1(x) + c2f2(x) dx

= c1

∫ b

a

f1(x) dx+ c2

∫ b

a

f2(x) dx.

II (Monotonicidade) Se f, g ∈ V tais que f(x) ≤g(x) para todo x ∈ I e a ≤ b então∫ b

a

f(x) dx ≤∫ b

a

g(x) dx.

Em particular, se f ≥ 0 e a ≤ b então∫ b

a

f(x) dx ≥ 0.

e também

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 5

III (Aditividade) Para f ∈ V e a, b, c ∈ I tem-se∫ c

a

f(x) dx =

∫ b

a

f(x) dx+

∫ c

b

f(x) dx.

Em particular,∫ a

a

f(x) dx = 0 e∫ b

a

f(x) dx = −∫ a

b

f(x) dx.

IV (Função constante) Para f(x) ≡ c tem-se∫ b

a

f(x) dx = c(b− a).

V (Conjuntos finitos) Se f(x) = g(x) para todo xsalvo num conjunto finito, então para qualquera, b ∈ I tem-se∫ b

a

f(x) dx =

∫ b

a

g(x) dx.

Sem necessidade de entrar em definições mais complicadas,para qualquer “função integral"satisfazendo as proprieda-des I e II acima, podemos já mostrar a seguinte resultado.

Proposição 2.1 (Valor absoluto). Supomos que V éum espaço vetorial de funções em I ⊂ R, [a, b] ⊂ I

um intervalo fechado, e∫ baf(x) dx uma função inte-

gral satisfazendo I e II. Então para qualquer f ∈ V talque |f | ∈ V tem-se∣∣∣∣∣

∫ b

a

f(x) dx

∣∣∣∣∣ ≤∫ b

a

|f(x)| dx.

Demonstração. Como para qualquer x tem-se f(x) ≤|f(x)| segue (usando I)∫ b

a

f(x) dx ≤∫ b

a

|f(x)| dx.

Análogo, como −f(x) ≤ |f(x)| segue

−∫ b

a

f(x) dx =

∫ b

a

−f(x) dx ≤∫ b

a

|f(x)| dx.

Porém |∫ baf(x) dx| ou é igual a

∫ baf(x) dx ou é igual a

−∫ baf(x) dx. Em ambos casos

∫ ba|f(x)| dx era maior. Por-

tanto segue

|∫ b

a

f(x) dx| ≤∫ b

a

|f(x)| dx|

que termina a demonstração. �

Remark 2.2. Se f é contínua, então |f | também o é. Por-tanto f Cauchy-integrável implica |f | Cauchy-integrável.

O converso não é verdadeiro: se f é uma versão da funçãode Dirichtlet

f(x) :=

{−1 se x ∈ [0, 1] \Q1 se x ∈ [0, 1] ∩Q

,

então |f | ≡ 1 é Cauchy-integrável, mas f não o é.

2.2. Funções escada e a integral regulada. Uma fun-ção f : [a, b]→ R é uma função escada se existem núme-ros x0 = a < x1 < . . . < xn−1 < xn = b tal que f |(xk−1,xk)

é constante, k = 1, . . . , n.Se f : [a, b] → R é função escada com partição x0 = a <x1 < . . . < xn−1 < xn = b e tal que f(x) = ck paratodo x ∈ (xk−1, xk), k = 1, . . . , n, então definimos a suaintegral ∫ b

a

f(x) dx :=

n∑k=1

ck(xk − xk−1).

Proposição 2.3. A integral definido acima é a únicafunção real definido no espaço vetorial de funções es-cada que satisfaz as propriedades I–V.

Demonstração. Seja∫∫

uma função integral qualquer fa-zendo o desejado.Seja f função escada com partição a = x0 < x1 < . . . <xn = b e valores f(x) = ck para x ∈ (xk−1, xk).Pela aditividade (propriedade I) e propriedade IV tem-se∫∫ b

a

f(x) dx =

n∑k=1

∫∫ xk

xk−1

f(x) dx =

n∑k=1

ck(xk − xk−1).

Mas esta última expressão não depende mais da integralmas apenas das quantificadores da função escada. �

Lembramos que uma sequência de funções fn : [a, b] → Rconverge pontualmente em [a, b] para uma função f separa todo x ∈ [a, b] e todo ε > 0 existe M = M(ε, x) ≥ 1tal que

|f(x)− fn(x)| < ε se n ≥M.

Lembramos que uma sequência de funções fn : [a, b] → Rconverge uniformemente em [a, b] para uma função fse para todo ε > 0 existeM = M(ε) ≥ 1 tal que para todox ∈ [a, b] tem-se

|f(x)− fn(x)| < ε se n ≥M.

Chamamos uma função f : [a, b] → R regulada se existeuma sequência fn : [a, b] → R de funções escada que con-vergem uniformemente para f .

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6 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

Proposição 2.4. Sejam (fn)n e (gn)n duas sequên-cias de funções escadas em [a, b] que ambas convergemuniformemente para uma função regulada f . Então aslimites

limn→∞

∫ b

a

fn(x) dx e limn→∞

∫ b

a

gn(x) dx

ambas existem e coincidem.

Demonstração. Seja zn :=∫ bafn(x) dx. Para mostrar que

o limite limn→∞ zn existe, mostraremos que (zn)n é umasequência de Cauchy.Seja ε > 0. Como pela hipótese (fn)n convergem unifor-memente para f , existe n0 ≥ 1 tal que para todo x tem-se

|fn(x)− f(x)| < ε

2(b− a)sempre quando n ≥ n0.

Portanto, para qualquer n,m ≥ n0 segue

|zn − zm| =

∣∣∣∣∣∫ b

a

fn(x) dx−∫ b

a

fm(x) dx

∣∣∣∣∣≤∫ b

a

|fn(x)− fm(x)| dx

Como

|fn(x)− fm(x)|

≤ |fn(x)− f(x)|+ |f(x)− fm(x)| < 2ε

2(b− a)

segue|zn − zm| < ε.

Portanto (zn)n é sequência de Cauchy e portanto o seulimite existe.Para mostrar que o limite não depende da sequência defunções escada escolhida, considere (gn)n uma outra quetambém converge uniformemente para f . Portanto, dadoε > 0 existe n0 ≥ 1 tal que para todo x e todo n ≥ n0

tem-se

|fn(x)− f(x)| < ε, |gn(x)− f(x)| < ε.

Segue então

|fn(x)− gn(x)| ≤ |fn(x)− f(x)|+ |f(x)− gn(x)| < 2ε.

Usando Proposição 2.1 do valor absoluto e a propriedadeII, segue∣∣∣∣∣∫ b

a

fn(x) dx−∫ b

a

gn(x) dx

∣∣∣∣∣ ≤∫ b

a

|fn(x)− gn(x)| dx

≤∫ b

a

2ε dx

= 2ε(b− a).

Como ε > 0 foi arbitrariamente pequeno, podemos con-cluir

limn→∞

∣∣∣∣∣∫ b

a

fn(x) dx−∫ b

a

gn(x) dx

∣∣∣∣∣=

∣∣∣∣∣∫ b

a

(fn(x)− gn(x)) dx

∣∣∣∣∣= 0

que implica

limn→∞

∫ b

a

fn(x) dx = limn→∞

∫ b

a

gn(x) dx.

Assim foi mostrado que os limites coincidem. �

Com esta proposição, a seguinte definição está bem feita.Para qualquer função regulada f em [a, b] definimos∫ b

a

f(x) dx := limn→∞

∫ b

a

fn(x) dx,

e chamamos ela a integral regulada, onde (fn)n é qual-quer sequência de funções escada convergindo uniforme-mente para f .

Proposição 2.5. Qualquer função contínua é umafunção regulada.

Demonstração. Uma função contínua definida num inter-valo fechado e limitado é uniformemente contínua, i.e.para todo ε > 0 existe δ > 0 tal que |f(x) − f(y)| < εsempre se |x − y| < δ. Dado εn = 2−n seja δn o númerocorrespondente.Fix n e escolha uma partição x0 = a < x1 < . . . < xm = btal que xk − xk−1 < δn. Define uma função escada fn por

fn(x) := f(xk) se x ∈ [xk−1, xk)

e por fn(b) := f(b).Caso x = b tem-se fn(x) = f(x). Para x ∈ [a, b] existe ktal que x ∈ [xk−1, xk) e portanto

|fn(x)− f(x)| = |fn(xk−1)− f(x)| < εn.

Portantosupx∈[a,b]

|f(x)− fn(x)| < εn

e a sequência de funções escada (fn)n converge uniforme-mente para f e portanto f é uma função regulada. �

2.3. Teorema fundamental de Cálculo. Vamos agoraanunciar o seguinte teorema fundamental. Com as fer-ramentas obtidas podemos já dar uma demonstração nocaso de integral regulada, integrando qualquer função con-tínua (que, pela Proposição 2.5, pode ser integrada destaforma). Portanto, no seguinte anunciado a integral é umaintegral regulada.

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 7

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8 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

Teorema 2.6 (Cauchy 1823). Se f : [a, b]→ R é con-tínua, a função F : [a, b]→ R definida por

F (x) :=

∫ x

a

f(y) dy

é diferenciável, tem-se F ′ = f .

.

Demonstração. Lembramos que F sendo diferenciável emx0 significa que o limite

limh→0

F (x0 + h)− F (x0)

h=: F ′(x0)

existe. Então basta mostrar que para qualquer x0

f(x0) = limh→0

F (x0 + h)− F (x0)

h

ou, equivalentemente, que

0 = limh→0

∣∣∣∣F (x0 + h)− F (x0)

h− f(x0)

∣∣∣∣ .Observamos, usando a definição de F ,∣∣∣∣F (x0 + h)− F (x0)

h− f(x0)

∣∣∣∣=

∣∣∣∣∣∫ x0+h

x0f(y) dy

h− f(x0)

∣∣∣∣∣=

∣∣∣∣∣∫ x0+h

x0f(y) dy − f(x0)h

h

∣∣∣∣∣=|∫ x0+h

x0(f(y)− f(x0)) dy||h|

.

(2.1)

Proposição 2.1 sobre o valor absoluto, caso h > 0, implica∣∣∣∣∣∫ x0+h

x0

(f(y)− f(x0)) dy

∣∣∣∣∣ ≤∫ x0+h

x0

|f(y)− f(x0)| dy

e, caso h < 0, ∣∣∣∣∣∫ x0+h

x0

(f(y)− f(x0)) dy

∣∣∣∣∣=

∣∣∣∣∫ x0

x0+h

(f(y)− f(x0)) dy

∣∣∣∣≤∫ x0

x0+h

|f(y)− f(x0)| dy

= −∫ x0+h

x0

|f(y)− f(x0)| dy.

Em ambos casos, tem-se∣∣∣∣∣∫ x0+h

x0

(f(y)− f(x0)) dy

∣∣∣∣∣ ≤∣∣∣∣∣∫ x0+h

x0

|f(y)− f(x0)| dy

∣∣∣∣∣ .

Portanto, (2.2) implica∣∣∣∣F (x0 + h)− F (x0)

h− f(x0)

∣∣∣∣ ≤∣∣∣∫ x0+h

x0|f(y)− f(x0)| dy

∣∣∣|h|

.

Como f é contínua em x0, para todo ε > 0 existe δ > 0 talque caso |y − x0| < δ segue |f(y)− f(x0)| < ε. Portanto,se |h| < δ então |f(y) − f(x0)| < ε para qualquer y entrex0 e x0 + h. Portanto∣∣∣∣∣

∫ x0+h

x0

|f(y)− f(x0)| dy

∣∣∣∣∣ < ε|h|

que por sua vez implica∣∣∣∣F (x0 + h)− F (x0)

h− f(x0)

∣∣∣∣ < ε|h||h|

= ε.

Como ε foi arbitrário, isto implica a existência do limite eque é = f(x0). �

Exercício 2.7. Mostre que se f é função regulada entãoa função F definida por F (x) :=

∫ xaf(y) dy é contínua.

Chamamos F uma primitiva de f se F é diferenciável eF ′ = f .

Teorema 2.8 (Cauchy 1823). Se F : [a, b] → R éuma função diferenciável com derivada contínua, en-tão tem-se

F (b)− F (a) =

∫ b

a

F ′(x) dx

Demonstração. Como F é diferenciável e sua derivada F ′é contínua, pelo Teorema 2.6

F (b) =

∫ b

a

F ′(x) dx, F (a) =

∫ a

a

F ′(x) dx = 0

e portanto segue o resultado. �

2.4. Definição da integral de Riemann. Definimosagora uma integral, a integral de Riemann, que será capazde integrar não apenas funções reguladas f . Mas aindaesperamos que no caso que f é uma função regulada a in-tegral definida vai sim coincidir com a integral regulada.Portanto, podemos dizer que ela estende a integral regu-lada para um espaço vetorial de funções major.

Supomos que V é um espaço vetorial de certas funçõesf : [a, b] → R que satisfaz as propriedades I–V e que con-tém todas as funções reguladas (a sua caracterização como“espaço de funções Riemann-integráveis"será feito no finaldesta seção, ver Teorema 2.25).Vamos primeiro supor que V apenas contém funções li-mitadas. Se f é limitada, existe então M > 0 tal quef(x) ≤M para todo x. Portanto, existe sempre uma fun-ção escada u (e.g. x 7→M) tal que

f(x) ≤ u(x).

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 9

Denotamos por U(f) a família de todas as funções escadacom esta propriedade. Propriedade II implica portantopara u ∈ U(f) ∫ b

a

f(x) dx ≤∫ b

a

u(x) dx.

Definimos então

I∗(f) := inf

{∫ b

a

u(x) dx : u ∈ U(f)

}.

O infimum existe (é finito) pela hipótese que f é limitada(por cima e por baixo).Da forma análoga consideramos a familia L(f) de todasas funções escada v com a propriedade que v(x) ≤ f(x)para todo x e definimos

I∗(f) := sup

{∫ b

a

v(x) dx : v ∈ L(f)

}.

O supremo existe pelo argumento análogo.Portanto, se V é um espaço vetorial de funções limitadasque contém as funções reguladas e se

∫ bafoi definida (de

uma certa forma) uma integral que tem a propriedade demonotonicidade II, qualquer f ∈ V satisfaz

I∗(f) ≤∫ b

a

f(x) dx ≤ I∗(f)

Mas sem ainda definir a integral obtemos o seguinte.

Proposição 2.9. Para f uma função limitada sem-pre tem-se

I∗(f) ≤ I∗(f).

Definição. Seja f : [a, b] → R uma função limitada.Dizemos que f é Riemann-integrável se

I∗(f) = I∗(f).

e neste caso chamamos este valor a sua integral deRiemann e denotamos por

R

∫ b

a

f(x) dx := I∗(f) = I∗(f).

Teorema 2.10. Uma função f : [a, b] → R éRiemann-integrável se e somente se para todo ε > 0existem funções escada v0 e u0 tais que v0(x) ≤f(x) ≤ u0(x) para todo x ∈ [a, b] e∫ b

a

u0(x) dx−∫ b

a

v0(x) dx ≤ ε.

Demonstração. ⇐ Dado ε, sejam v0, u0 funções escada sa-tisfazendo v0(x) ≤ f(x) ≤ u0(x) e∫ b

a

u0(x) dx−∫ b

a

v0(x) dx ≤ ε.

Portanto, usando também∫ b

a

v0(x) dx

≤ sup

{∫ b

a

u(x) dx : u ∈ L(f)

}

≤ inf

{∫ b

a

u(x) dx : u ∈ U(f)

}

≤∫ b

a

u0(x) dx.

Portanto segue

inf

{∫ b

a

u(x) dx : u ∈ U(f)

}

− sup

{∫ b

a

u(x) dx : u ∈ L(f)

}≤ ε

e como ε foi arbitrariamente pequena, segue a Riemann-integrabilidade de f .⇒ Supondo que f é Riemann-integrável, pela definição doinfimum, segue que existe u0 ∈ U(f) tal que

ε

2>

∫ b

a

u0(x) dx− inf

{∫ b

a

u(x) dx : u ∈ U(f)

}

=

∫ b

a

u0(x) dx−∫ b

a

f(x) dx.

Da forma análoga, existe u0 ∈ L(f) tal que

ε

2>

∫ b

a

f(x) dx−∫ b

a

u0(x) dx.

Portanto,∫ b

a

u0(x) dx−∫ b

a

v0(x) dx <ε

2+ε

2= ε.

Exercício 2.11. Para f a função de Dirichlet (que é li-mitada entre 0 e 1), mostre que

I∗(f) = 0 < 1 = I∗(f)

e portanto esta função não é Riemann-integrável.

Vamos estabelecer que qualquer função regulada éRiemann-integrável (e sua integral regulada coincide com aintegral de Riemann). Porém, existem funções que não sãoreguladas e tal que sua integral regulada não existe (nãofaz sentido de definir-la) mas que são Riemann-integráveis.Se ambas integrais existem, elas coincidem).

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10 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

Exemplo. Consideramos a função f : [0, 1]→ R

f(x) :=

{1 se x = 1

n , n ∈ N0 caso contrário

Observamos que f é descontínua em todo xn = 1n e que

limxn = 0 e que f(0) = 0. Se pode ver que o conjuntodas descontinuidades é enumerável, pelo Teorema 2.25, fé Riemann-integrável. Vamos porém verificar a Riemann-integrabilidade diretamente.Dado n ≥ 1, considere a função escada

un(x) :=

{1 se x ∈ [0, 1

n ]

f(x) caso contrário

e uma partição para ela dada por

x0 = 0 < x1 =1

n< x2 =

1

n− 1

< . . . < xn−1 =1

2< xn = 1.

Observamos un(x) ≥ f(x). Fácil ver∫ 1

0un(x) dx = 1/n.

Portanto

I∗(f) = infu∈U(f)

∫ 1

0

u(x) dx

≤ infn∈N

∫ 1

0

un(x) dx =

∫n∈N

1

n= 0

Como v(x) ≡ 0 é uma função escada em L(f) e como elatem integral regulada 0 segue pela Proposição 2.9

0 ≤ I∗(f) ≤ I∗(f) = 0

Porém, f não é regulada. Por contradição, supondo quepara todo 0 < ε < 1

3 existe uma função escada u : [0, 1]→R tal que |f(x)−u(x)| < ε. Como u é função escada, exis-tem números x0 = 0 < x1 < . . . < xn−1 < xn = 1 tal queu|(xk−1,xk) = ck para certas constantes ck, k = 1, . . . , n.Portanto, se n ∈ N é tal que 1

n ∈ [0, x1], segue

c1 ≤ f(0) + ε = 0 + ε = ε, c1 ≥ f(1

n)− ε = 1− ε,

contradição.

Proposição 2.12. Toda função regulada é Riemann-integrável e a sua integral regulada coincide com a in-tegral de Riemann.

Demonstração. Seja f : I = [a, b] → R uma função regu-lada.Pela própria definição de função regulada, existe umasequência de funções escada fn que converge uniforme-mente para f . Seja então εn := 2−n e função escada gntal que supx|f − gn| < εn. Consideramos∫ b

a

f(x) dx := limn→∞

∫ b

a

g(x) dx.

Consideramos

un(x) := gn(x) +1

2n

vn(x) := gn(x)− 1

2n

e observamos que para todo x

vn(x) ≤ f(x) ≤ un(x)

pois tem-se

un(x)− f(x) =1

2n+ gn(x)− f(x) ≥ 0

ef(x)− vn(x) =

1

2n+ f(x)− gn(x) ≥ 0.

Como

un(x)− vn(x) = gn(x) +1

2n−(gn(x)− 1

2n

)=

1

2n−1

segue∫ b

a

un(x) dx−∫ b

a

vn(x) dx =

∫ b

a

un(x)− vn(x) dx

=

∫ b

a

1

2n−1dx

=b− a2n−1

e portanto f é Riemann-integrável.Como

limn→∞

∫ b

a

gn(x) dx = limn→∞

∫ b

a

vn(x) +1

2ndx

= limn→∞

∫ b

a

vn(x) dx

e

limn→∞

∫ b

a

gn(x) dx = limn→∞

∫ b

a

un(x) +1

2ndx

= limn→∞

∫ b

a

un(x) dx

e como ∫ b

a

vn(x) dx ≤∫ b

a

f(x) dx ≤∫ b

a

un(x) dx

podemos concluir que

limn→∞

∫ b

a

gn(x) dx =

∫ b

a

f(x) dx

a integral regulada é igual a integral de Riemann. �

Proposição 2.13. O conjunto R de todas funçõesRiemann-integráveis f : [a, b] → R é um espaço veto-rial que contém o espaço vetorial de todas as funçõesreguladas.

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 11

Demonstração. Pela proposição anterior, precisamos ape-nas mostrar que f, g Riemann-integrável e c ∈ R implicamque f + g e cf o são. Mostramos apenas o primeiro edeixamos o outro como exercício.Sejam f, g : [a, b] → R Riemann-integráveis. Seja ε > 0.Pela hipótese da Riemann-integrabilidade de f e g, exis-tem funções reguladas uf ∈ U(f), vf ∈ L(f),

vf (x) ≤ f(x) ≤ uf (x)

para qualquer x ∈ [a, b] e∫ b

a

uf (x) dx−∫ b

a

vf (x) dx < ε,

análogo para g para funções vg, ug. Portanto∫ b

a

(uf (x) + ug(x)) dx−∫ b

a

(vf (x) + vg(x)) dx < 2ε.

Como óbviamente (vf + vg) ∈ U(f + g) e (uf + ug) ∈L(f + g), segue

infu∈U(f+g)

∫ b

a

u(x) dx− supv∈L(f+g)

∫ b

a

v(x) dx < 2ε.

Como ε foi arbitrário, segue

infu∈U(f+g)

∫ b

a

u(x) dx = supv∈L(f+g)

∫ b

a

v(x) dx

e portanto f + g é Riemann-integrável. �

2.5. Conjunto nulo.

2.5.1. Conjuntos enumeráveis. .

Proposição 2.14. Q é enumerável.

Demonstração. (ver [9, Section 2]) Fazer enumeração dosnúmeros racionais em [0, 1]. Mostrar que qualquer uniãoenumerável de conjuntos enumeráveis é enumerável. Con-cluir. �

Proposição 2.15. R não é enumerável.

Demonstração. argumento diagonal de Cantor (ver [9,Section 2]) �

2.5.2. Conjuntos nulos. Um conjunto é um conjuntonulo se pode ser coberto por uma família de intervalosabertos tais que a soma dos seus comprimentos, o “com-primento total", é arbitrariamente pequena.

Definição. Um conjunto A ⊂ R é um conjuntonulo se para todo ε > 0 existe uma família {Ik =(ak, bk)}k enumerável de intervalos abertos tais que

A ⊂⋃k

(ak, bk),∑k

|Ik| =∑k

bk − ak < ε.

Proposição 2.16. Todo conjunto enumerável é umconjunto nulo.

Demonstração. Seja {rn} uma enumeração do conjunto Aconsiderado. Seja

Ik := (rk −ε

2k+1, rk +

ε

2k+1).

Observamos que

A =⋃k

{rk} ⊂⋃k

(rk −ε

2k+1, rk +

ε

2k+1).

Observamos também que∞∑k=1

|Ik| =∞∑k=1

2k+1= ε

∞∑k=1

1

2k= ε.

Corolário 2.17. Q é um conjunto nulo.

Proposição 2.18. Uma união enumerável de con-juntos

⋃k≥1Ak é conjunto nulo se e somente se Ak é

conjunto nulo para cada k ≥ 1.

Demonstração. ⇒ Segue imediatamente de A ⊃ Ak e queportanto cada cobertura de A cobre também Ak.

⇐ Sejam N1, N2, . . . uma família enumerável de conjuntosnulos. Dado ε > 0, como Nk, k ∈ {1, 2, . . .}, é conjuntonulo, existe uma família de intervalos {Ikj }j cuja união co-bre Nk e que tem comprimento total ε2−k. Arrumandoestes conjuntos

k = 1 I11 I1

2 I13 . . .

k = 2 I21 I2

2 I23 . . .

. . .

como no argumento diagonal de Cantor

I11 , I

12 , I

21 , I

13 , I

22 , I

31 , . . . .

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12 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

obtemos uma cobertura enumerável por intervalos cujacomprimento total é

ε(1

2+

1

22+

1

23+ . . .) = ε.

e segue a afirmação. �

2.6. Conjunto(s) de Cantor.

2.6.1. Conjunto de Cantor ternário. Consideramos [0, 1],os intervalos C0 = [0, 1

3 ] e C2 = [ 23 , 1], os intervalos

C00 = [0, 19 ], C02 = [2

9 ,13 ], C20 = [2

3 ,79 ] e C22 = [8

9 , 1],etc. obtemos uma família encaixada de conjuntos Dn fe-chados e limitados:

Dn :=⋃i1...in

Ci1...in

sendo que cada n é uma união finita de intervalos fecha-dos e limitados e que Dn ⊃ Dn+1 para todo n ≥ 1, ondetomamos a união sobre todas as seqências finitas i1 . . . incom elementos ik ∈ {0, 2}, k = 1, . . . , n. Definimos

C :=⋂n≥1

Dn

Chamamos C O Conjunto de Cantor (ternário). Obser-vamos• ∀n ≥ 1, os conjuntos Ci1...in são 2-2 disjuntos• diamCi1...in = 1

3n

• ∀n ≥ 1, ∀k ≥ n+ 1 tem-se Ci1...in ⊃ Ci1...ikSeguindo o conceito de expansão decimal de um númeroreal

x = a0100 + a110−1 + . . .+ ak10−k + . . .

podemos considerar a expansão ternária

x = b030 + b13−1 + . . .+ bk3−k + . . . =: a0 · a1a2 . . . ak . . .

de qualquer x ∈ R. Obtemos

C = {x ∈ [0, 1] : x = a0 · a1a2 . . . ak . . . onde ak ∈ {0, 2}}.

Proposição 2.19. C é conjunto nulo não-enumerável.

Demonstração. Para mostrar que é conjunto nulo, dadoε > 0 escolher n ≥ 1 tal que (2/3)n < ε e cobrir Dn (eportanto C) por 2n intervalos de comprimento 3−n cada.Portanto,

2n · 3−n < ε.

Para ver que é não enumerável, usar argumento diago-nal de Cantor com a expansão ternária de cada elementox ∈ C. �

2.6.2. Conjunto de Cantor gordo. Para construir contra-exemplos, o seguinte é muito útil. Seja

C̃0 ∪ C̃2 = [0,3

8] ∪ [

5

8, 1]

C̃00 ∪ . . . ∪ C̃22 = [0,5

32] ∪ . . . ∪ [

27

32, 1]

etc. e construindo C̃ da forma análoga. Chamamos C̃ umconjunto de Cantor gordo.Verificando que |[0, 1] \ C̃0 ∪ C̃2| = 1

3 , e

|[0, 1] \⋃

ξ1...ξ2

C̃ξ1...ξ2 | =1

4+

2

16=

3

8→ 1

2

Portanto [0, 1] \ C̃ é sempre coberto com uma família deintervalos com comprimento total 1/2 e seu complementoC̃ é também coberto com uma família de intervalos comcomprimento total 1/2.Desta forma, seguem os seguintes fatos.

Proposição 2.20. C̃ é conjunto não-nulo não-enumerável.

Comentário 2.21. O conjunto C̃ é de fato homeomorfaa C, i.e. existe uma transformação T : C → C̃ que é bi-jetora continua com inversa contínua. Assim, observamosque “ser conjunto nulo"não é uma propriedade topológica.

2.7. Integral de Darboux. .

Definição. Dado uma partição P = {x0, . . . , xn} de[a, b], os números

Mk := supx∈[xk−1,xk]

f(x), mk := infx∈[xk−1,xk]

f(x),

e as somas

UD(f, P ) :=

n∑k=1

Mk(xk − xk−1)

e

LD(f, P ) :=

n∑k=1

mk(xk − xk−1),

definimos

I∗,D(f) := infPUD(f, P ), I∗,D(f) := sup

PUD(f, P ).

Dizemos que f é Darboux-integrável se

I∗,D(f) = I∗,D(f)

e neste caso chamamos este valor a sua integral deDarboux e denotamos por

D

∫ b

a

f(x) dx := I∗,D(f) = I∗,D(f).

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 13

Da forma análoga com Teorema 2.10 temos o seguinte cri-tério.

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14 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

Teorema 2.22. Uma função f : [a, b] → R limitadaé Darboux-integrável se e somente se para todo ε > 0existe uma partição P de [a, b] tal que

UD(f, P )− LD(f, P ) ≤ ε.

Rascunho da Demonstração. Basta observar que sempre

LD(f, P ) ≤ UD(f, P )

e que para a refinação P ′′ = P ∪P ′ de duas partições P eP ′ tem-se

LD(f, P ) ≤ LD(f, P ′′) ≤ UD(f, P ′′) ≤ UD(f, P ).

⇒ Se f é Darboux-integrável, então existe uma partiçãoP tal que LD(f, P ) e UD(f, P ) são próximos.

⇐ Se existe uma partição P tal que LD(f, P ) e UD(f, P )são próximos, então para qualquer outra partição P ′ e arefinação P ′′ = P ∪ P ′, e portanto I∗,D (tomando ínfimo)e I∗,D (tomando supremo) são próximos. �

Teorema 2.23. Uma função f : [a, b] → R éRiemann-integrável se e somente se ela é Darboux-integrável e neste caso tem-se

D

∫ b

a

f(x) dx = R

∫ b

a

f(x) dx.

2.8. Integrabilidade de Riemann. .

Comentário 2.24. Porque integrabilidade (no sentido deRiemann) feito na Seção 2.4 não faz sentido para funçõesnão-limitadas?

O seguinte resultado é o teorema fundamental da integra-bilidade de Riemann.

Teorema 2.25. Uma função f : [a, b] → R éRiemann-integrável se, e somente se, ela é limitadae o conjunto das descontinuidades de f é conjuntonulo.

Mostramos este teorema, considerando o conjunto dospontos com “grande oscilação de f ”. A oscilação de fem x é

oscf (x) := lim supy→x

f(y)− lim infz→x

f(z)

= limε→0

diam f([x− ε, x+ ε]).

Lema 2.26. f é contínua em x se e somente se oscf (x) =0 se e somente se x ∈ Dε para algum ε > 0.

Seja

D := {x ∈ [a, b] : f não é contínua em x}

o conjunto das descontinuidades de f . Seja

Dκ := {x ∈ [a, b] : oscf (x) ≥ κ}

o conjunto de (pelo menos) κ-oscilação de f .

Lema 2.27. Tem-se

D =⋃n≥1

D1/n.

D é conjunto nulo se e somente se D1/n é conjunto nulopara todo n ≥ 1.

Lema 2.28. Para f limitada, para κ > 0 o conjunto Dκ

é limitado e fechado.

Demonstração. Mostramos que o complemento é aberto.Seja x /∈ Dκ e portanto

lim supy→x

f(y)− lim infz→x

f(z) < κ.

Seja ε ∈ (0, κ) tal que

lim supy→x

f(y)− lim infz→x

f(z) ≤ κ− ε.

Sejam

Mx := lim supy→x

f(y), mx := lim infz→x

f(z).

Existe δ > 0 tal que |y − x| < δ implicam

f(y) < Mx +ε

2, f(y) > mx −

ε

2.

Portanto, para cada |y − x| < δ segue

My < Mx +ε

2, my > mx −

ε

2e portanto

My −my < (Mx −mx) + ε ≤ (κ− ε) + ε = κ.

Segue y 6∈ Dκ para cada |y−x| < δ. Portanto Dcκ é aberto

e Dκ fechado. �

Demonstração do Teorema 2.25. ⇒ Seja f Riemann-integrável. Portanto f é limitada. Portanto f : [a, b] →[−M,M ] para algum M > 0.Observamos que

oscf (x) ≤ supy∈[a,b]

f(x)− infz∈[a,b]

f(z) ≤ 2M <∞

é limitada.

Afirmação. Para todo n ≥ 1, D1/n é conjunto nulo.

Demonstração. Pelo Teorema 2.10, pela integrabilidade,para qualquer ε > 0 existem funções escada v0 e u0 taisque v0(x) ≤ f(x) ≤ u0(x) para todo x ∈ [a, b] e∫ b

a

u0(x) dx−∫ b

a

v0(x) dx ≤ 1

nε.

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 15

Vamos supor que v0, u0 são constantes por parte na par-tição {a = x0, x1, . . . , xn = b}. Portanto∫ b

a

u0(x) dx =

n∑k=1

ck(xk − xk−1)

para ck ∈ (xk−1, xk), análogo u0. Seja

Mk := supx∈[xk−1,xk]

f(x), mk := infx∈[xk−1,xk]

f(x).

Como v0 ≤ f ≤ u0 segue

v0(x) ≤ mk ≤Mk ≤ u0(x)

para qualquer x ∈ [xk−1, xk]. Portanton∑k=1

(Mk −mk)(xk − xk−1) ≤ 1

nε.

O conjunto dos pontos da partição P = {x0, . . . , xn} éfinito e portanto enumerável. Se cobrimos

D1/n \ P ⊂⋃k∈J

(xk−1, xk)

por um número de intervalos abertos, onde J ⊂ {1, . . . , n},temos

Mk −mk ≥1

npara cada k ∈ J e portanto

1

n

∑k∈J

(xk − xk−1) ≤∑k∈J

(Mk −mk)(xk − xk−1)

≤n∑k=1

(Mk −mk)(xk − xk−1) ≤ 1

Segue que D1/n \ P é conjunto nulo. Portanto D1/n tam-bém o é. �

Portanto D =⋃n≥1D1/n é nulo, e segue a afirmação.

⇐ Supomos que f : [a, b]→ [−M,M ] é limitada e contínuaquase sempre (fora de um conjunto nulo D).Seja ε > 0. Escolha n ≥ 1 tal que

1

n<

ε

4(b− a).

O conjunto D1/n sendo nulo pela hipótese, tem coberturaenumerável

D1/n ⊂⋃j≥1

I ′j com∑j≥1

diam I ′j <ε

4M

por intervalos I ′j abertos.

Por outro lado, para cada x ∈ E existe um intervalo abertoIx contendo x tal que

(2.2) supy∈Ix

f(y)− infz∈Ix

f(z) <2

n.

A família

F := {I ′j : j ≥ 1} ∪ {Ix : x ∈ E}é cobertura por intervalos abertos de todo [a, b].

Lema 2.29 (Número de Lebesgue). Para qualquer cober-tura F por intervalos abertos de um intervalo compactoexiste L > 0 (o número de Lebesgue de F) tal quepara todo conjunto J com diam J < L tem-se J ⊂ F paraalgum F ∈ F.

Demonstração. Seja F cobertura por intervalos abertosde [a, b]. Por contradição. Suponha que para qualquerε > 0 existe x ∈ [a, b] talque nenhum F ∈ F satisfazF ⊃ (x− ε, x+ ε).Para cada n ≥ 1 e εn = 1/n seja xn ∈ [a, b] um talponto correspondente. Como [a, b] é compacto, existe umasubsequência (xnk

)k ⊂ [a, b] que converge para um pontox̃ ∈ [a, b]. Como F é cobertura por intervalos abertos de[a, b], existe F ∈ F com x̃ ∈ F . Como F é aberto, existeδ > 0 tal que (x̃− δ, x̃+ δ) ⊂ F . Pela convergência, existek ≥ 1 com 1/nk < δ/2 e com |xnk

− x̃| < δ/2 e portanto

(xnk− εnk

, xnk+ εnk

) ⊂ (x̃− δ, x̃+ δ) ⊂ F.

Contradição. �

Seja L número de Lebesgue de F. Seja P = {x0, . . . , xn}partição com diamP < L. Portanto, para cada k =1, . . . , n tem-se

[xk−1, xk] ⊂ F ∈ F

e portanto

(1) ou [xk−1, xk] ⊂ I ′j para um j ≥ 1(2) ou [xk−1, xk] ⊂ Ix para um x ∈ E,

e pomos dividir o conjunto dos indices {1, . . . , n} = J1∪J2

dependendo se nos estamos no caso (1) ou (2).

Estimamos então,

UD(f, P )− LD(f, P ) =

n∑k=1

(Mk −mk)(xk−1 − xk)

≤∑k∈J1

(Mk −mk)(xk−1 − xk) +∑k∈J2

(Mk −mk)(xk−1 − xk),

onde tem-se ≤, pois (1) e (2) podem ocorrer simultanea-mente. Portanto, usando (2.2),

UD(f, P )− LD(f, P )

≤∑k∈J1

2M(xk−1 − xk) +∑k∈J2

2

n(xk−1 − xk)

≤ 2M∑j

diam I ′j +2

n(b− a)

< 2Mε

4M+

ε

2(b− a)(b− a) = ε.

Portanto f é Darboux-integrável e portanto f é Riemann-integrável. �

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16 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

2.9. Exemplo de Volterra. Seja C̃ ⊂ [0, 1] um conjuntode Cantor não nulo.Suponha que no néssimo passo da construção de C̃ o in-tervalo In,k = (a, b) é o késsimo intervalo removido. Seja

c := max

{x ∈

(a,≤ a+ b

2

]:

((x− a)2 sen

1

x− a

)′= 0

}.

Define a função

fn,k(x) :=

(x− a)2 sen 1

x−a x ∈ (a, c]

(c− a)2 sen 1c−a x ∈ (c, b+ a− c]

(x− b)2 sen 1b−x x ∈ (b+ a− 1, b).

A função fn,k é diferenciável em (a, b) e f ′n,k ≤ 3. Tem-se

f ′n,k

(a+

1

)= f ′n,k

(b− 1

)= ±1.

Definimos V : [0, 1]→ [0, 1]

V (x) :=

{fn,k(x) x ∈ In,k, n ≥ 1, k ≥ 1

0 caso contrário

Afirmação. V é diferenciável em [0, 1].

Demonstração. Para x0 ∈ (a, b) = In,k ok. De fato

|V ′(x0)| =

∣∣∣∣∣(x2

0 sen

(1

x0

))′∣∣∣∣∣=

∣∣∣∣2x0 sen

(1

x0

)− x2

0

(−1

x20

)cos

(1

x0

)∣∣∣∣≤ 3

Seja x0 ∈ C̃ e x > x0.Caso x0 ∈ C̃, então V (x) = V (x0) = 0.Caso x0 6∈ C̃, existe algum In,k = (a, b) com x0 < a < x <b. Portanto

V (x)−V (x0) = V (x) ≤ min{(x−a)2, (x−b)2} ≤ (x−x0)2

e portantoV (x)− V (x0)

x− x0≤ x− x0

e portanto V ′(x0) = 0 para qualquer x0 ∈ C̃. �

Afirmação. V ′ não é contínua em C̃.

Demonstração. Dado x0 ∈ C̃.Caso x0 é ponto final de um intervalo In,k = (a, b) comou x0 = a ou x0 = b, então há uma sequência de pontosyn ∈ {a+1/(nπ)}∪{b−1/(nπ)} convergindo para x0 ondeV ′(yn) = ±1, porém V ′(x0) = 0.Caso x0 não é ponto final de um intervalo In,k, então exis-tem tais intervalos convergindo para x0, e o argumentoanterior aplica. �

Corolário 2.30. V ′ não é Riemann-integrável.

3. Definição da medida de Lebesgue

3.1. Propriedades básicas desejadas. Vamos primei-ramente recolher propriedades básicas desejadas de me-dida generalizando “comprimento”.

Problema de Conteúdo de Felix Hausdorff (1914)(PC): Existe ι : 2R

n → R ∪ {∞} com as seguintes propri-edades?:

1. ι(A) ≥ 02. ι(∅) = 03. A ∩B = ∅⇒ ι(A ∪B) = ι(A) + ι(B)4. ι(β(A)) = ι(A) para qualquer “movimento"β5. ι((0, 1]n) = 1

Segue imediatamente• A ⊂ B ⇒ ι(A) ≤ ι(B), ι(A ∪B) ≤ ι(A) + ι(B) e

ι(

n⋃i=1

Ai) ≤n∑i=1

ι(Ai)

3’.) A1, . . . , Ak 2-2 disjuntos ⇒

ι(

n⋃i=1

Ai) =

n∑i=1

ι(Ai)

Problema de Medida de Henri Lebesgue (PM) per-gunta se existe µ : 2R

n → R ∪ {∞} com as propriedadesanálogas, apenas trocando 3’.) por3”.) A1, A2, . . . 2-2 disjuntos ⇒

ι(⋃i≥1

Ai) =∑i≥1

ι(Ai).

Certamente, a solução de (PM) implicaria a solução de(PC). Porém, dentro do sistemas axiomático de Zermelo-Fränkel, estes problemas não são decidable. Ponto impor-tante aqui é o

Axioma de Escolha : Seja (Aλ)λ∈Λ família não-vazia deconjuntos. Então existe uma função f : Λ→

⋃λ∈ΛAλ tal

que f(λ) ∈ Aλ∀λ ∈ Λ.

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 17

Ponto interessante e surpreendente é o Paradoxo deBanach-Tarski. O (PC) tem (não única) solução paran = 1 e 2 [Banach 1923], mas não tem solução para n ≥ 3.O problema (PM) não tem solução para n = 1 [Vitali1905].Ponto chave é a conclusão que não podemos associar àqualquer tipo de conjunto uma “medida". Exemplo ilus-trativo e bastante simples é o seguinte que mostra que no(PM) união não-enumerável de conjuntos é problemática.

Exercício 3.1. Considerando os conjuntos {x}, x ∈ [0, 1],então desejável seria µ({x}) = 0. Mas [0, 1] =

⋃x∈[0,1]{x}

e µ([0, 1]) = 1.

Depois da introdução da medida de Lebesgue veremosum exemplo de um conjunto Lebesgue não-mensurável.

3.2. σ-álgebras. .

Definição. Uma família A de subconjuntos de umconjunto X é uma σ-álgebra se• X ∈ A,• A ∈ A⇒ Ac ∈ A,• Ai ∈ A⇒

⋃iAi ∈ A,

• Ai ∈ A⇒⋂iAi ∈ A.

São consequências as seguintes propriedades

• ∅ ∈ A

(observando que ∅ = Xc) e

• A,B ∈ A⇒ A \B ∈ A

(observando que A \B = A ∩Bc).

Os seguintes são exemplos (triviais) de σ-álgebras:

A1 = {∅, X}, A2 = 2X := {A : A ⊂ X}.

As exercícios pedem verificar estes fatos e outros mais.

Exercício 3.2. Seja X = [0, 1]. Encontre a menor σ-álgebra que contém os conjuntos[

0,1

4

],[1

4,

1

2

],[1

2,

3

4

),[3

4, 1].

Solução:

A = {∅, [0, 1], [0, 1/4], [1/4, 1/2], [1/2, 3/4), [3/4, 1],

(1/4, 1], [0, 1/4), (1/2, 1], [3/4, 1], [0, 3/4),

[0, 1/4), (1/4, 1/2), (1/2, 3/4), ...}

observando que

(1/4, 1/2) = [0, 1] \ ([1/2, 3/4] ∪ (3/4, 1] ∪ [0, 1/4])

etc.

Definição. Se C é uma família de subconjuntos de Xe A é a menor σ-álgebra de subconjuntos de X quecontém C chamamos A a σ-álgebra gerado por C.A σ-álgebra gerada pela família de intervalos abertosde R é a σ-álgebra de Borel e é denominado por B.Os elementos de B são chamados os conjuntos deBorel.

3.3. Medida de Lebesgue. .

Definição. A σ-álgebra gerada pela família que con-tém os intervalos abertos de R e os conjuntos nuloschamamos a σ-álgebra de conjuntos Lebesgue-mensuráveis e denotamos por M. Os elemen-tos de M são chamados os conjuntos Lebesgue-mensuráveis ou simplesmente mensuráveis.Dado um intervalo I ⊂ R, denotamos por M(I) a fa-mília dos conjuntos Lebesgue-mensuráveis con-tidos em I.

Comentário 3.3. Tem-se

B ( M ( 2R.

Teorema 3.4. Existe uma única função µ : M →[0,∞) que satisfaz as seguintes propriedades:(L1) µ

((a, b)

)= b− a para quaisquer a < b,

(L2) µ(A+c) = µ(A) para quaisquer A ∈M e c ∈ R(L3) µ

(⋃∞i=1Ai

)≤∑∞i=1 µ(Ai) para quaisquer Ai ∈

M, e se ainda mais Ai∩Ai = ∅ para todo i 6= jentão

µ( ∞⋃i=1

Ai)

=

∞∑i=1

µ(Ai)

(L4) µ(A) ≤ µ(B) para quaisquer A ⊂ B,A,B ∈M,(L5) A ⊂ R é conjunto nulo se e somente se A ∈M

e µ(A) = 0.

A demonstração dos itens (L1)–(L3) do teorema será adi-ado. Mostraremos apenas (L4) e (L5).

Proposição 3.5 ((L4)). µ(A) ≤ µ(B) para quaisquerA ⊂ B,A,B ∈M.

Demonstração. A ⊂ B ⇒ B = A ∪ (B \A).(L3)⇒ µ(B) = µ(A)+µ(B \A). Como µ(B \A) ≥ 0 segue

µ(A) ≤ µ(A) + µ(B \A) = µ(B).

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18 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

Proposição 3.6 ((L5)). Se A ⊂ I é conjunto nulo,então A ∈M(I) e tem-se µ(A) = 0.

Demonstração. Pela definição da σ-álgebra, A ∈ M eA ⊂ I implica A ∈M(I).Para qualquer ε > 0 existe família de intervalos abertos{(ai, bi)}i tal que

A ⊂⋃i≥1

(ai, bi),∑i≥1

(bi − ai) < ε.

(L1)⇒ µ((ai, bi)) = bi − ai. (L4)+(L3)⇒

µ(A) ≤ µ

⋃i≥1

(ai, bi)

≤∑i≥1

µ((ai, bi)) =∑i≥1

bi − ai < ε.

Como ε > 0 foi arbitrário, segue µ(A) = 0. �

Proposição 3.7 ((L4)). .A ∈M(I)⇒ I \A ∈M(I) e µ(I \A) = 1− µ(A)A,B ∈M⇒ A\B ∈M e µ(A∪B) = µ(A\B)+µ(B).

Demonstração. A ∩ (I \A) = ∅, A ∪ (I \A) = I⇒ µ(A) + µ(I \A) = µ(A ∪ (I \A)) = µ(I) = 1

A \B = A ∩Bc, (A \B) ∩B = ∅, (A \B) ∪B = A ∪B⇒ A \B ∈M

⇒ µ(A \B) + µ(B) = µ(A ∪B) �

Proposição 3.8. Se

A1 ⊂ A2 ⊂ . . . ⊂ An ⊂ . . . , Ai ∈M,

então

µ( ∞⋃i=1

Ai

)= limi→∞

µ(Ai).

SeB1 ⊃ B2 ⊃ . . . ⊃ Bn ⊃ . . . , Bi ∈M,

então

µ( ∞⋂i=1

Bi

)= limi→∞

µ(Bi).

Demonstração. Sejam C1 := A1 e Cn := An \ An−1 paran ≥ 2. Assim {Ci}i≥1 são 2-2-disjuntos e mensuráveis.

Usando aditividade enumerável, tem-se

µ( ⋃i≥1

Ai

)= µ

( ⋃i≥1

Ci

)=∑i≥1

µ(Ci)

= limn→∞

n∑i=1

µ(Ci) = limn→∞

µ( n⋃i=1

Ci

)= limn→∞

µ(An).

Da forma análoga, consideramos Z = B1 e Dn = Z \ Bn.Assim {Di}i≥1 é uma família crescente de conjuntos men-suráveis. Tem-se

Z \( ∞⋂i=1

Bn

)=

∞⋃i=1

Z \Bn =

∞⋃i=1

Dn.

Portanto

µ(Z)− µ(

∞⋂i=1

Bn) = µ(Z \

∞⋂i=1

Bn

)= µ

( ∞⋃i=1

Dn

)= limn→∞

µ(Dn)

= limn→∞

(µ(Z \Bn))

= µ(Z)− limn→∞

µ(Bn).

fim �

4. Integral de Lebesgue em R

4.1. Funções simples. Dado A ⊂ R, definimos sua fun-ção charaterística por

χA(x) :=

{1 se x ∈ A0 caso contrário

.

Dado A ⊂ R, dizemos que uma família {Ak}k de conjuntosé uma partição de A se Ai ∩Aj = ∅ e se A =

⋃k Ak.

Dizemos que uma partição é mensurável se ele é umafamília de conjuntos todos mensuráveis.

Definição. Dizemos que f : [a, b] → R é uma fun-ção Lebesgue-simples ou simplesmente uma fun-ção simples se existe uma partição mensurável finita{Ak}nk=1 de [a, b] e números rk, k = 1, . . . , n, tais que

f =

n∑k=1

rkχAk.

Definimos a integral de Lebesgue de uma funçãosimples f por

L

∫ b

a

f(x) dx :=

n∑k=1

rkµ(Ak).

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 19

Proposição 4.1. O conjunto de todas as funções sim-ples é um espaço vetorial.

Demonstração. f simples ⇒ cf simples.Basta mostrar f, g simples ⇒ f + g simples.Sejam então f =

∑nk=1 rkχAk

e g =∑m`=1 s`χB`

funçõessimples, onde {Ak}nk=1 e {B`}m`=1 são partições mensurá-veis de [0, 1], respectivamente.Observamos que

{Ck,`}k=1,...,n,`=1,...,m, Ck,` := Ak ∩B`,

é partição mensurável de [0, 1]. Tem-se

Ak =

m⋃`=1

Ck,`, B` =

n⋃k=1

Ck,`.

Portanto

χAk=

m∑`=1

χCk,`, χB`

=

n∑k=1

χCk,`.

Segue então

f =

n∑k=1

rkχAk=

n∑k=1

rk

m∑`=1

χCk,`=∑k,`

rkχCk,`.

Da forma análoga

g =∑k,`

s`χCk,`.

Portanto f + g =∑k,`(rk + s`)χCk,`

é simples. �

Proposição 4.2. A integral de Lebesgue de funçõessimples satisfaz as propriedades I (linearidade) e II(monotonicidade).

Demonstração. Certamente f simples e a ∈ R implica afsimples e

∫af dµ = a

∫f dµ.

Para ver I (linearidade), sejam f e g funções simples.Como na demonstração da Proposição ??, segue

L

∫(f + g) dµ =

∑k,`

(rk + s`)µ(Ck,`)

=∑k,`

rkµ(Ck,`) +∑k,`

s`µ(Ck,`)

=

n∑k=1

rk

m∑`=1

µ(Ck,`) +

m∑`=1

s`

n∑k=1

µ(Ck,`)

=

n∑k=1

rkµ(Ak) +

m∑`=1

s`µ(B`)

= L

∫f dµ+ L

∫g dµ.

Se f e g são funções simples tais que f ≤ g, então g − f éuma função simples não-negativa. A definição da integralentão implica L

∫(g−f) dµ ≥ 0. Então, linearidade implica

0 ≤ L

∫(g−f) dµ = L

∫g dµ+L

∫(−f) dµ = L

∫g dµ−L

∫f dµ

e portanto a afirmação. �

Exercício 4.3. Mostre que para f e g funções simples,a função f · g também o é. Em particular, se A ⊂ R éconjunto mensurável, então f · χA é função simples.

4.2. Funções de valor estendida. Uma função

f : [a, b]→ R ∪ {−∞} ∪ {∞} =: R∞chamamos uma função de valor real estendida. Paraa ∈ R denotamos

[−∞, a] := (−∞, a]∪{−∞} e [a,∞] := [a,∞)∪{∞}.Da forma análoga para conjuntos (semi-)abertos.

Proposição 4.4. Se f : [a, b]→ R∞ é uma função devalor real estendida, então são equivalentes os seguin-tes fatos: Para todo a ∈ R∞• o conjunto f−1([−∞, a]) é mensurável.• o conjunto f−1([−∞, a)) é mensurável.• o conjunto f−1([a,∞]) é mensurável.• o conjunto f−1((a,∞]) é mensurável.

Demonstração. Mostraremos 1)⇒ 2)⇒ 3)⇒ 4).Assumimos 1). Observamos que [−∞, a) =

⋃∞n=1[−∞, a−

2−n] e portanto

f−1([−∞, a)) =

∞⋃n=1

f−1([−∞, a− 2−n])

que é mensurável. Portanto vale 2).Assumimos 2). Como [a,∞] = [−∞, a)c, tem-se

f−1([a,∞]) = f−1([−∞, a)c) = f−1([−∞, a)))c

que é mensurável. Portanto vale 3).Assumimos 3). Como (a,∞] =

⋃∞n=1[a+ 2−n,∞], tem-se

f−1((a,∞]) =

∞⋃n=1

f−1([a− 2−n,∞])

que é mensurável. Portanto vale 4).Assumimos 3). Como [−∞, a] = (a,∞]c, segue da formaanáloga 1). �

Definição. Uma função de valor real estendidachamamos Lebesgue-mensurável ou simplesmentemensurável se satisfaz uma (e portanto todas) aspropriedades da Proposição 4.4.

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20 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

Proposição 4.5. Se uma função tem o valor 0 emtodos os pontos excepto em um conjunto de pontos demedida nulo, então ela é mensurável.

Demonstração. Seja f(x) = 0 para todo x 6∈ A, ondeA ⊂ [0, 1] tem medida 0. Portanto

A = f−1([−∞, 0)) ∪ f−1((0,∞])

é um conjunto nulo.Caso a < 0 tem-se

Ua := f−1([−∞, a]) ⊂ A

e portanto Ua é conjunto nulo e portanto mensurável.Caso a ≥ 0 tem-se

Ua := f−1([−∞, a]) = (f−1((a,∞]))c

e portanto Ua é mensurável. Portanto f é mensurável. �

Teorema 4.6. Seja (fn)n uma sequência de funçõesmensuráveis. Então todas as funções de valor real es-tendida

g1(x) := supn∈N

fn(x)

g2(x) := infn∈N

fn(x)

g3(x) := lim supn→∞

fn(x)

g4(x) := lim infn→∞

fn(x).

todas são mensuráveis.

Demonstração. Para a ∈ [−∞,∞] tem-se

g−11 ((a,∞]) = {x : g1(x) > a} =

∞⋃n=1

{x : fn(x) > a},

que portanto é um conjunto mensurável. Assim, g1 é men-surável.Finalmente os truques

g2(x) = infn∈N

fn(x) = − supn∈N

(−fn(x))

g3(x) = lim supn→∞

fn(x) = infm∈N

supn≥m

fn(x)

g4(x) = lim infn→∞

fn(x) = − lim supn→∞

(−fn(x))

implicam o desejado. �

Para ver a estrutura de um espaço vetorial, restringimosa funções de valor real (não estendida), pois se por exem-plo f e g são funções tais que f(x) = ∞ e g(x) = −∞,(f + g)(x) não esteja bem definida.

Teorema 4.7. O conjunto das funções mensuráveisf : [0, 1]→ R é um espaço vetorial.O conjunto das funções mensuráveis e limitadasf : [0, 1]→ R é um subespaço vetorial.Ainda mais, se f e g são mensuráveis, então f · gtambém o é.

Demonstração. f mensurável ⇒ cf mensurável.Basta mostrar f, g mensuráveis ⇒ f + g mensurável.

Afirmação. Para qualquer a ∈ R,

Ua := {x : f(x) + g(x) > a}

é mensurável.

Demonstração. Seja {ri}i enumeração dos racionais.x ∈ Ua ⇒ f(x) + g(x) > a⇒ f(x) > a− g(x)⇒ ∃rj tal que f(x) > rj > a− g(x)

⇒ x ∈ Vj := {x : f(x) > rj} ∩ {x : g(x) > a− rj}

Segue que qualquer x ∈ Ua está em um Vj .Por outro lado y ∈ Vj ⇒ f(y) > a− g(y)⇒ f(y) + g(y) >a⇒ y ∈ Ua. Segue que qualquer y ∈ Vj está em Ua.Portanto

Ua =⋃j≥1

Vj .

Como Vj são mensuráveis, segue que Ua é mensurável. �

Portanto segue f + g é mensurável.Para ver f · g: exercício. �

Proposição 4.8. f : [a, b] → R∞ é mensurável se esomente se para cada conjunto aberto U ⊂ R o con-junto f−1(U) é mensurável.

Demonstração. Pelo Teorema 4.9, existe uma familia deintervalos abertos 2-2 disjuntos {(ai, bi)}i tal que

U =⋃

... completar ... �

Teorema 4.9. Para qualquer conjunto U ⊂ R abertoexiste uma maneira única de escrever ele como uniãoenumerável de intervalos abertos, os pontos finais des-tes intervalos não pertencendo a U .

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 21

Demonstração. Dado x ∈ U definimos

ax := inf{a : (a, x) ⊂ U}bx := sup{b : (x, b) ⊂ U}.

Observamos que Ix := (ax, bx) é

• aberto (possivelmente não limitado)• x ∈ Ix ⊂ U .

Ix é o intervalo maximal com estas propriedades.Se bx estivesse em U , como U é aberto, existiria J inter-valos aberto tal que

bx ∈ J ⊂ U.

Ai, Ix ∪ J seria um intervalo aberto major, contido em U ,contendo x. Contradição com a maximalidade. Portantobx 6∈ U .Seja y ∈ U , y 6= x. Caso Iy ∩ Ix 6= ∅, Iy ∪ Ix é intervaloaberto contido em U , contendo x e y. Pela maximalidadesegue

Ix = Ix ∪ Iy = Iy.

Assim, concluímos que para x, y ∈ U , dois intervalos Ix eIy ou coincidem, ou são disjuntos. Assim segue que U éunião de tais intervalos maximais abertos e 2-2 disjuntos.Podem existir no máximo um número enumerável de taisintervalos. De fato, dado uma coleção desta, escolhe umnúmero racional em cada um deles. Como os intervalossão 2-2 disjuntos, segue que os números racionais esco-lhidos são distintas. Portanto escolhemos apenas enume-ráveis números destas. Portanto há apenas enumeráveisintervalos destes.Exercícios: mostrar que esta decomposição (partição) deU é única. �

4.3. A integral de Lebesgue de funções limitadas.No caso da integral regulada, funções integráveis são aque-les que são limites uniformes de funções escada. No caso daintegral de Riemann, funções integráveis são aqueles cujoínfimo de integrais de funções escada é maior ou igual dosupremo de funções escada.Tentando trocar funções escada por funções simples, seconsiderar funções limitadas resulta na mesma classe defunções. Ainda mais, esta classe é exactamente a de fun-ções limitadas Lebesgue-mensuráveis.

Teorema 4.10. Seja f : [0, 1]→ R uma função limi-tada. São equivalentes os seguintes fatos:

1) f é Lebesgue-mensurável,2) existe uma sequência de funções simples que

converge uniformemente para f ,3) Denotando por U(f) o conjunto de todas as

funções simples u : [0, 1] → R tais que f ≤ ue por L(f) o conjunto de todas as funções sim-ples v : [0, 1]→ R tais que v ≤ f , então tem-se

supv∈L(f)

L

∫v dµ = inf

u∈U(f)L

∫u dµ.

Demonstração. Seja f limitada Lebesgue-mensurável, di-gamos a ≤ f ≤ b para alguns a, b ∈ R.

Mostraremos 1)⇒2)⇒3)⇒1).

1)⇒2):Supomos 1). Seja εn := (b− a)/n. Consideramos a parti-ção de [a, b] definido por

a = c0 < c1 < . . . < cn = b, ci = a+ iεn.

Consideramos a partição de [0, 1] definido por

Ai := f−1([ci−1, ci)), An := f−1([cn−1, b]).

Obviamente

fn :=

n∑i=1

ciχAi

é função simples.

Afirmação. supx∈[0,1]|f(x)− fn(x)| ≤ εn.

Demonstração. Como a ≤ f ≤ b, para cada x ∈ [0, 1]existe i tal que x ∈ Ai. Portanto fn(x) = ci e f(x) ∈[ci−1, ci). Portanto |f(x)− fn(x)| ≤ ci − ci−1 = εn. �

Assim, segue 2).

2)⇒3):Supomos 2), f sendo limite uniforme de sequência de fun-ções simples (fn)n

δn := supx∈[0,1]

|fn(x)− f(x)| → 0.

Definimos que são funções simples

vn(x) := fn(x)− δn, un(x) := fn(x) + δn

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22 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

e assim vn(x) < fn(x) < un(x). Então

infu∈U(f)

L

∫u dµ = lim inf

nL

∫un dµ

= lim infn

L

∫(fn + δn) dµ

= lim infn

L

∫fn dµ

≤ lim supn

L

∫fn dµ

= lim supn

L

∫(fn − δn) dµ

≤ lim sup L

∫vn dµ

≤ supv∈L(f)

L

∫v dµ

Por outro lado, como para qualquer v ∈ L(f) e qualqueru ∈ U(f) tem-se L

∫v dµ ≤ L

∫u dµ, segue

supv∈L(f)

L

∫v dµ ≤ inf

u∈U(f)L

∫u dµ.

3)⇒1):Supomos 3), então para todo n ≥ 1 existem funções sim-ples vn e un tais que vn ≤ f ≤ un e que

L

∫un dµ− L

∫vn dµ < 2−n.

Pelo Teorema 4.6, as funções

g1 := supnvn, g2 := inf

nun

são mensuráveis. Como f é limitada, segue que g1 e g2

são limitadas eg1 ≤ f ≤ g2.

Afirmação. g1(x) = g2(x) para todo x fora de um con-junto de medida nula.

Demonstração. Por contradição, supondo que não. Seja

B := {x : g1(x) < g2(x)}

e supomos que µ(B) > 0. Observamos primeiro que B émensurável, pois

B = (g1 − g2)−1((∞, 0)).

Temos

B =⋃k≥1

Bk, Bk := {x : g1(x) < g2(x)− 1

k}.

Observamos que todo Bk é também mensurável e queBk ⊂ B` se k < `. Portanto

0 < µ(B) ≤∑k≥1

µ(Bk)

segue que existe k0 ≥ 1 tal que µ(Bk0) > 0. Portantoµ(Bk) > 0 para todo k ≥ k0. Portanto

vn(x) ≤ g1(x) < g2(x)− 1

k0≤ un(x)− 1

k0

Portanto para todo x ∈ Bk0

uk(x)− vk(x) >1

k0

e para todo x

un(x)− vn(x) ≥ 1

kkχBk0

Portanto, monoticidade de L∫

implicaria

L

∫un dµ−

∫vn dµ = L

∫(un − vn) dµ ≥

∫1

k0χBk0

=1

k0µ(Bk0) > 0

contradição. Portanto µ(B) = 0 e g1 = g2 µ-quase sem-pre. �

Como g1(x) ≤ f(x) ≤ g2(x) segue que

h(x) := f(x)− g1(x)

é 0 exceito num subconjunto deB. Portanto, pela Proposi-ção 4.5, h é mensurável. Portanto f = g1+h é mensurável.Segue 1). �

Definição. Para f : [a, b] → R mensurável limitada,definimos a sua integral de Lebesgue por

L

∫ b

a

f dµ := supv∈L(f)

L

∫v dµ = inf

u∈U(f)L

∫v dµ

Proposição 4.11. Seja (fn)n uma sequência de fun-ções simples convergente uniformemente para umafunção mensurável limitada f . Então

L

∫f dµ = lim

n→∞L

∫fn dµ.

Demonstração. Sendo

δn := supx∈[0,1]

|fn(x)− f(x)| → 0.

segue lim δn = 0 e

fn(x)− δn ≤ f(x) ≤ fn(x) + δn.

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 23

Assim fn(x)− δn ∈ L(f) e fn(x) + δn ∈ U(f).

L

∫f dµ = inf

uL

∫u dµ

≤ lim infn

L

∫(fn + δn) dµ

= lim inf L

∫fn dµ

≤ lim sup L

∫fn dµ

= lim sup L

∫(fn − δn) dµ

≤ supv

L

∫v dµ

= L

∫f dµ.

Assim segue

L

∫f dµ = lim L

∫fn dµ

(existência do limite e coincidência com integral de f). �

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24 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

Teorema 4.12. Dado f e g funções mensuráveis li-mitadas definida em [a, b]. Então as suas integrais deLebesgue satisfazem

1) Para todo c1, c2 ∈ R tem-se

L

∫(c1f + c2g) dµ = c1 L

∫f dµ+ c2 L

∫g dµ.

2) Se f ≤ g então L∫f dµ ≤ L

∫g dµ. Tem-se∣∣∣∣L∫ f dµ

∣∣∣∣ ≤ L

∫|f | dµ.

3) Se f é mensurável, então |f | também o é.4) Se f(x) = g(x) exceito num conjunto de me-

dida nulo, então L∫f dµ = L

∫g dµ.

Demonstração. 1) Pelo Teorema 4.10, existem sequências(fn)n e (gn)n de funções simples convergindo uniforme-mente para f e para g, respectivamente. Portanto asequência (hn)n de funções hn = c1fn+c2gn converge uni-formemente para a função mensurável limitada c1f + c2g.Pela Proposição 4.11, segue

L

∫(c1f + c2g) dµ = lim

n→∞L

∫(c1fn d+ c2gn) dµ

= c1 limn→∞

L

∫fn dµ+ c2 lim

n→∞L

∫gn dµ

= c1 L

∫f dµ+ c2 L

∫g dµ

e portanto 1).2) Se f ≤ g, então pelo Teorema 4.10 segue

L

∫f dµ = sup

v∈L(f)

L

∫v dµ ≤ inf

u∈L(g)L

∫u dµ = L

∫g dµ,

onde usamos que v ≤ f ≤ g ≤ u.3) Se f−1((−∞, a]) é mensurável para qualquer a, entãose a ≤ 0

(|f |)−1((−∞, a]) = ∅é mensurável e se a > 0

(|f |)−1((−∞, a])

= (|f |)−1([0, a])

=(f−1([0,∞)) ∩ f−1((−∞, a]))

)∪(f−1((−∞, 0]) ∩ f−1([−a,∞)))

)é mensurável. Observamos que∣∣∣∣L∫ f dµ

∣∣∣∣ =

∣∣∣∣ limn→∞

L

∫fn dµ

∣∣∣∣= limn→∞

∣∣∣∣L∫ fn dµ

∣∣∣∣ ≤ limn→∞

L

∫|fn| dµ = L

∫|f | dµ

4) Seja h := f − g. Portanto, h é mensurável e limitada.Sendo B := {x : h(x) 6= 0}, tem-se µ(B) = 0. Portanto,

usando itens 1) e 3), segue∣∣∣∣L∫ f dµ− L

∫g dµ

∣∣∣∣ =

∣∣∣∣L∫ h dµ

∣∣∣∣ ≤ L

∫|h| dµ.

Como h é limitada, |h| ≤M para algum M . Observamosque B é mensurável. Segue

0 ≤ |h| ≤MχB

Usando item 2), segue

L

∫|h| dµ ≤

∫MχB dµ = Mµ(B) = 0.

Assim, segue a afirmação. �

Como foi mostrado (ver Exercícios) que f e g mensurá-veis implica que f · g mensurável, a seguinte definição éjustificada.

Definição. Para E ⊂ [a, b] mensurável e f : [a, b] →R mensurável definimos

L

∫E

f dµ := L

∫f · χB dµ.

A seguinte fato é imediato com Teorem 4.12 item 1).

Proposição 4.13. Se {Ei}ni=1 é coleção finita de2-2 disjuntos mensuráveis subconjuntos de [a, b] ef : [a, b]→ R função mensurável e limitada, então

L

∫B

f dµ =

n∑i=1

L

∫Ei

f dµ, E =

n⋃i=1

Bi.

Finalmente vemos que a integral de Lebesgue “es-tende"aquele de Riemann.

Proposição 4.14. Toda função Riemann-integrável(e portanto limitada) f : [a, b] → R é mensurávele Lebesgue-integrável e os valores das suas integraiscoincidem.

Demonstração. Denotando por Usim(f) o conjunto de to-das as funções simples u : [0, 1] → R tais que f ≤ ue por Uesc(f) o conjunto de todas as funções escadau : [0, 1]→ R tais que f ≤ u segue

Usim(f) ⊃ Uesc(f).

Da forma análoga Lsim(f) ⊃ Lesc(f). Para uma funçãoescada, pelas suas definições, a sua integral de Riemann

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 25

coincide com a sua integral de Lebesgue. Portanto

supv∈Lesc(f)

R

∫f dµ = sup

v∈Lesc(f)

L

∫f dµ ≤ sup

v∈Lsim(f)

L

∫f dµ

≤ infv∈Usim(f)

L

∫f dµ ≤ inf

v∈Uesc(f)L

∫f dµ

= infv∈Uesc(f)

R

∫f dµ.

Pela Riemann-integrabilidade o primeiro termo coincidecom o último. Portanto tem igualidade em todos. �

Assim, o seguinte é uma consequência; que também podeser mostrada diretamente.

Lema 4.15. Cada função contínua f : [a, b] → R éLebesgue mensurável.

Demonstração. Pela continuidade, preimagens de abertossão abertos e portanto mensuráveis. �

Lema 4.16. Se f : [a, b] → R é Lebesgue mensurávele g : f([a, b])→ R contínua, então g ◦ f é mensurável.

Demonstração. Como g é contínua, U = g−1((−∞, a)) éaberta e portanto mensurável e portanto

(g ◦ f)−1((−∞, a)) = (f−1 ◦ g−1)((−∞, a)) = f−1(U)

é mensurável. �

Comentário 4.17. Observamos que se f : [a, b] → R éLebesgue mensurável e g : f([a, b]) → R contínua, entãof ◦ g pode ser não-mensurável. Ver Lista dos Excercíciosmais para frente.

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26 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

4.4. O teorema de convergência limitada. O com-portamento da(s) integra(i)l(s) de Lebesgue quando umasequência de funções converge uniformemente foi estudadona seção anterior. O seguinte ilustra que a convergênciauniforme não pode ser trocada pela convergência pontual.

Exemplo. Consideramos a sequência de funções escada

fn(x) =

{n se x ∈

[1n ,

2n

]0 caso contrário

cuja integral é

L

∫fn dµ = nµ

([1

n,

2

n

])= n

1

n= 1.

Observamos que limn→∞ fn(x) = 0 para cada x ∈ [0, 1],i.e. a sequência converge pontualmente para a funçãof ≡ 0. Portanto

L

∫( limn→∞

fn) dµ = 0 mas limn→∞

L

∫fn dµ = 1.

Teorema 4.18 (Teorema de Convergência Limitada).Seja (fn)n uma sequência de funções mensuráveis li-mitadas definidas em [a, b] que converge pontualmentepara f e suponha que existe um constante M > 0 talque |fn| ≤ M para todo n e x ∈ [a, b]. Então f émensurável e limitada e tem-se

limn→∞

L

∫fn dµ = L

∫f dµ.

Demonstração. É claro que |f | ≤ M . Pelo Teorema 4.6,f é mensurável. Usando também Teorema 4.12,

limn→∞

∣∣∣∣L∫ fn dµ− L

∫f dµ

∣∣∣∣ = limn→∞

∣∣∣∣L∫ (fn − f) dµ

∣∣∣∣≤ limn→∞

L

∫|fn − f | dµ

(4.1)

Basta estimar a integral de |fn − f |.Dado ε > 0, para cada n ≥ 1

En := {x : |fm(x)− f(x)| < ε

2para todo m ≥ n}.

Afirmação. En é mensurável.

Demonstração. Tem-se x ∈ En

⇔− ε

2< (fm − f)(x) <

ε

2∀m ≥ n

⇔x ∈ (fm − f)−1((−∞, ε2

)) ∩ (fm − f)−1((− ε2,∞))

∀m ≥ n

⇔x ∈⋂m≥n

(fm − f)−1((−∞, ε2

)) ∩ (fm − f)−1((− ε2,∞))

fim. �

Cada x ∈ [0, 1] eventualmente cai em um conjunto Enpara um n = n(x) suficientemente grande, pela conver-gência pontual, i.e. ⋃

n≥1

En = [a, b].

Observamos que En ⊂ En+1. Pela Proposição 3.8 segue

1 = µ([0, 1]) = µ(⋃n≥1

En) = limn→∞

µ(En).

Portanto existe n0 tal que µ(En0) > 1 − 1

4M e portantoµ(Ecn0

) < 14M . Pela monotonicidade da medida, também

µ(Bn) < 14M para todo n ≥ n0. Segue

L

∫ 1

0

|fn − f | dµ = L

∫En

|fn − f | dµ+ L

∫EC

n

|fn − f | dµ

≤ L

∫En

ε

2dµ+ L

∫En

2M dµ

= µ(En)ε

2+ µ(Ecn)

ε

2

≤ ε

2+ 2M

ε

4M= ε.

Assim, segue L∫ 1

0|fn − f | dµ→ 0 que implica

limn→∞

∣∣∣∣L∫ fn dµ− L

∫f dµ

∣∣∣∣ .fim �

Definição. Uma propriedade vale quase sempre seela vale para todos os pontos fora de um conjunto demedida nula.

Vamos usar este conceito por exemplo no caso que• duas funções f e g coincidem quase sempre• uma sequência de funções fn converge quase sem-

pre para uma função f

Exemplo. Seja C o conjunto de Cantor ternário. Sejaf = χC . Então f(x) = 0 quase sempre. A sequênciade funções fn : [0, 1] → R, fn(x) = x1/n, converge para afunção f = χ(0,1] quase sempre.

Teorema 4.19 (Teorema de Convergência Limitadaq.s.). Sejam (fn)n uma sequência de funções mensu-ráveis limitadas definidas em [a, b] que converge quasesempre para f e suponha que existe um constanteM > 0 tal que |fn| ≤ M quase sempre para todo n.Então f é mensurável e limitada e tem-se

limn→∞

L

∫fn dµ = L

∫f dµ.

Demonstração. Ver Lista 9 dos Excercícios �

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 27

5. A integral de Lebesgue de funçõesnão-limitadas

5.1. Integral de funções não-negativas. .

Definição. Sendo f : [a, b] → R uma função mensu-rável não-negativa, então

fn(x) := min{f(x), n}define uma sequência de funções mensuráveis limita-das. Definimos

L

∫f dµ := lim

n→∞L

∫fn dµ.

Caso que este limite existe (é <∞), dizemos que f éLebesgue-integrável.

Observamos que, (fn)n sendo uma sequência monotica-mente crescente, ou o limite existe ou é +∞.Este integral tem as seguintes propriedades que anuncia-mos sem dar a sua demonstração.

Teorema 5.1. Dado f e g funções mensuráveis de-finida em [a, b]. Então as suas integrais de Lebesguesatisfazem

1) Para todo c1, c2 ∈ R tem-se

L

∫(c1f + c2g) dµ = c1 L

∫f dµ+ c2 L

∫g dµ.

2) Se 0 ≤ f ≤ g então L∫f dµ ≤ L

∫g dµ

e se g é integrável, então f também o é.5) Se L

∫g dµ = 0, então g(x) = 0 quase sempre.

Proposição 5.2. Para cada função f mensurávelnão-negativa (possivelmente de valor estendida) queé integrável tem-se

µ(A) = 0, onde A := {x : f(x) = +∞}.

Demonstração. Para x ∈ A tem-se fn(x) = n e portantofn ≥ nχA para todo n ≥ 1. Pela monotonicidade

L

∫fn dµ ≥ L

∫nχA dµ = nµ(A).

Caso contrário, se µ(A) > 0, teria

L

∫f dµ = lim

n→∞L

∫fn dµ ≥ lim

n→∞nµ(A) > A

e f não seria integrável. Contradição. �

Exemplo. Consideramos a seguinte função não-negativade valor estendida

f(x) =

{+∞ se x = 0

1√x

se x ∈ (0, 1].

tem-se

fn(x) =

{n se x ∈ [0, 1

n2 ]1√x

se x ∈ [ 1n2 , 1].

Segue

L

∫fn dµ = L

∫ 1/n2

0

fn dµ+ L

∫ 1

1/n2

fn dµ

= nµ([0,1

n2]) + L

∫ 1

1/n2

1√xdx

= n1

n2+ 2− 2

n= 2

e f é integrável.

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28 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

5.2. Convergência dominada e monótona. Conside-ramos nesta seção variações da convergência limitada, as-sumindo agora que a função esteja limitada por uma fun-ção integrável.Mas antes disso, daremos um resultado bastante geral.

Lema 5.3 (Lema de Fatou). Seja (fn)n uma sequên-cia de funções não-negativas mensuráveis em [a, b].Caso limn→∞ fn = f quase sempre, tem-se

L

∫f dµ ≤ lim inf

nt∞L

∫fn dµ.

Demonstração. Seja g mensurável limitada tal que 0 ≤g ≤ f . Sendo

gn := min{g, fn}as funções gn são mensuráveis e lim gn = g quase sempre.Pelo Teorema de Convergência Limitada, segue

limn→∞

L

∫gn dµ = L

∫g dµ.

Como gn ≤ fn, segue também

L

∫gn dµ ≤ L

∫fn dµ ⇒ L

∫g dµ ≤ lim inf

nL

∫fn dµ.

Agora tomamos o supremo sobre todos tais funções g. �

Teorema 5.4. Seja (fn)n uma sequência de fun-ções não-negativas mensuráveis e g integrável tal quefn ≤ g quase sempre para todo n e limn→∞ fn = fquase sempre, então

L

∫f dµ = lim

nt∞L

∫fn dµ.

Demonstração. Faremos a demonstração no caso g ≡ f .O caso geral é um pouco mais longo.Como fn ≤ f quase sempre, segue

L

∫fn dµ ≤ L

∫f dµ

para todo n e portanto

lim supn→∞

L

∫fn dµ ≤ L

∫f dµ.

Assim, segue a afirmação logo com o Lema de Fatou. �

Para o anunciado do seguinte, escrevemos fn ↗ f se

fn ≤ fn+1 q.s.,∀n ≥ 1 e limn→∞

fn = f q.s..

Da forma análoga fn ↗ f .

Teorema 5.5 (Teorema de Convergência Monótona).Sejam (fn)n uma sequência de funções não-negativasmensuráveis definidas em [a, b] tais que fn ↗ f . En-tão f é mensurável e tem-se

limn→∞

L

∫fn dµ = L

∫f dµ.

Em particular, f é integrável se e somente selimn→∞ L

∫fn dµ < +∞.

Demonstração. Como f pela hipotese para todo x satisfaz

f(x) = limn→∞

fn(x) = supn≥1

fn(x),

segue que f é mensurável, pela Teorema 4.6.Caso que f é integrável, a afirmação será consequênciaimediata do Teorema de Convergência Dominada 5.4.Basta considerar o outro caso quando Leb

∫f dµ + ∞.

Neste caso, para todo N > 0 existe n0 ≥ 1 tal que

L

∫min{f, n0} dµ > N.

Quase sempre tem-se

limn→∞

min{fn(x), n0} = min{f(x), n0}.

Como cada uma delas é uma função mensurável limitada(por n0 e 0), segue pelo Teorema 5.5

limn→∞

L

∫min{fn(x), n0} dµ = L

∫min{f(x), n0} dµ > N

e portanto limn→∞ L∫fn dµ > N . Como N foi arbitrário,

segue a afirmação. �

Uma aplicação principal deste resultado são séries.

Corolário 5.6 (Trocar somatório e integral). Sejamf(x) =

∑∞k=1 ak(x) uma série infinita com coeficien-

tes ak ≥ 0 mensuráveis. Então

L

∫ ∞∑k=1

ak dµ =

∞∑k=1

L

∫ak dµ.

Ainda mais, se f é integrável, então a série∑∞k=1 ak(x) converge quase sempre.

Demonstração. Sendo fn =∑nk=1 ak(x), tem-se fn ≤

fn+1 e lim fn = f .Como para cada n

L

∫fn dµ =

n∑k=1

L

∫ak dµ,

pelo Teorema de Convergência Dominada, segue a for-mula. Ainda mais, caso

∑∫ak dµ < ∞, isto implica que

f é integrável. Assim segue a afirmação. �

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 29

5.3. Integral de funções gerais. .

Definição. Chamamos uma função mensurávelf : [a, b]→ R Lebesgue-integrável se |f | é Lebesgue-integrável.

Definimos

f+(x) := max{f(x), 0}, f−(x) := max{−f(x), 0}.

Assim, f+ e f− são não-negativas, f = f+−f−, f± ≤ |f |.

Definição. Para f : [a, b]→ R Lebesgue-integráveldefinimos a sua integral de Lebesgue por

L

∫ b

a

f dµ := L

∫ b

a

f+ dµ− L

∫ b

a

f− dµ.

Este integral também satisfaz as propriedades de Lineari-dade, Monotonicidade e Aditividade.

Teorema 5.7 (Teorema de Convergência de Lebes-gue). Sejam (fn)n uma sequência de funções men-suráveis e g uma função integrável tal que para todon ≥ 1 tem-se |fn| ≤ g quase sempre e limn→∞ fn =: fquase sempre, então f é integrável e∫

limn→∞

fn dµ = limn→∞

∫fn dµ.

Demonstração. Para f±n tem-se

limn→∞

f±n = f±

quase sempre. Tem-se f±n ≤ g quase sempre. Portanto,aplicando o Teorema ?? aos funções f+

n e f−n , respectiva-mente, segue ∫

f± dµ = limn→∞

∫f±n dµ,

respectivamente. Portanto, f = f+ − f− é Lebesgue-integrável e∫

f dµ =

∫(f+ − f−) dµ =

∫f+ dµ−

∫f− dµ

= lim

∫f+n dµ− lim

∫f+n dµ = lim

∫fn dµ.

5.4. Propriedades da integral de Lebesgue. .

Lema 5.8. Se f : [a, b] → R é Lebesgue-integrável,então a função

F (x) :=

∫ x

a

f(t) dt

é contínua. De fato, é Lipschitz caso f é limitada.

Demonstração. Faremos a demonstração no caso quandof é limitada (ver lista 9a de exercícios para a demonstra-ção no caso geral).Caso |f | ≤M , para a ≤ x < y ≤ b tem-se

|F (y)− F (x)| = |L∫ y

x

f(t) dt| ≤M |y − x|

é, de fato, F é Lipschitz. �

Teorema 5.9 (continuidade absoluta). Sef : [a, b] → R é Lebesgue-integrável, então para cadaε > 0 existe δ > 0 tais que

µ(A) < δ ⇒ L

∫A

f dµ < ε.

Demonstração. Caso |f | ≤ M , segue a afirmação imedia-tamente de

|L∫A

f(t) dt| ≤ L

∫A

|f(t)| dt ≤Mµ(A)

tomando δ < ε/M .Caso f é não-negativa, considerando

fn := min{f, n}

segue

L

∫A

fdµ = L

∫A

(f − fn) dµ+ L

∫A

fn dµ

≤ L

∫ b

a

(f − fn) dµ+ L

∫A

fn dµ.

Como n ≥ 1 foi arbitrário e como f − fn ↘ 0, pelo Te-orema de Convergência Monótona 5.5, dado ε > 0 existen0 ≥ 1 tal que

limn→∞

L

∫ b

a

(f − fn0) dµ <

ε

2

Tomando δ < ε/2n0, usando |fn0 | ≤ n0, segue

L

∫A

fn0dµ ≤ n0µ(A) <

ε

2

e assim a afirmação.Deixamos o caso geral (quando f pode ser negativa) comoexercício. �

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30 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

Lema 5.10. Se f : [a, b]→ R é Lebesgue-integrável enão-negativa, então

L

∫ x

a

f(t) dt = 0 ⇒ f = 0 quase sempre.

Demonstração. ver P1 2018-2 �

Lema 5.11. Se f : [a, b] → R é Lebesgue-integráveltal que

L

∫ x

a

f(t) dt = 0

para todo x ∈ [a, b], então f = 0 quase sempre.

Demonstração. ver lista 9a dos exercícios �

5.5. TFC-P. .

Teorema 5.12 (Lebesgue 1904). Se f : [a, b] → R éLebesgue-integrável, então(

L

∫ x

a

f(t) dt

)′= f(x) quase sempre.

Demonstração. [Property 7 and Theorem 6.4.1, Burk] �

Exemplo. Seja f : [0, 1]→ R

f(x) :=

{x se x ∈ [0, 1] \Q0 se x ∈ [0, 1] ∩Q

.

f é limitada não-negativa. Tem-se

f−1((−∞, 0]) = [0, 1] ∩Q

enumerável e portanto mensurável. Para todo a ∈ (0, 1]

f−1((−∞, a]) = [0, 1] ∩ (Q ∪ ([0, x] \Q))

mensurável. Para a > 1 tem-se

f−1((−∞, a]) = [0, 1]

mensurável. Portanto f é Lebesgue-integrável.Como f é descontinua em todo x 6∈ Q, f não é Riemann-integrável.Consideramos g(x) = x. Tem-se g = f quase sempre.

L

∫ 1

0

f dµ = L

∫ 1

0

g dµ+ L

∫ 1

0

(f − g) dµ =x2

2|10 = 1.

Tem-se (∫ x

0

f dµ

)′= f(x) = x

quase sempre.

5.6. TFC-E. .Respondemos a questão quando, para a integral de Lebes-gue, vale o resultado que corresponde ao TFC-E

F (x)− F (a) = L

∫ x

a

F ′(x) dx ?

Exemplo (Função de Cantor). A função de CantorF : [0, 1]→ [0, 1] (ver Exercício 5 na lista 8) satisfaz F ′ = 0quase sempre. Tem-se portanto

0 = L

∫ 1

0

F ′ dµ < F (1)− F (0) = 1− 0 = 1.

Teorema 5.13. Seja F : [a, b] → R uma funçãodiferenciável com derivada F ′ limitada, então F ′ éLebesgue-integrável e para todo x ∈ [a, b] tem-se

F (x)− F (a) = L

∫ x

a

F ′(x) dx.

Exemplo (Função de Volterra). A função de VolterraV : [0, 1] → [0, 1] satisfaz |V ′| ≤ 3. Ela que pode ser ob-tida como limite (convergência pontual) da sequência dasfunções

gm :=

m∑n=1

fn,k · χIn,k.

Observando que, pela construção do exemplo como somainfinita de funções não-nulas em intervalos 2-2 disjuntos,tem-se

|gm| =m∑n=1

|fn,k| · χIn,k

segue que |V | = limm|gm| é integrável. Portanto V éLebesgue-integrável. Assim, chegamos na conclusão que

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 31

o TFC-E da integral de Riemann não vale porque V ′ nãoé Riemann-integrável. Porém, tem-se

L

∫ 1

0

V ′ dµ = V (1)− V (0) = 0− 0 = 0.

Demonstração. Como F é diferenciável, existe o limite

F ′(x) = limk→∞

F (x+ εk)− F (x)

εk

para qualquer sequencia εk ↘ 0 (para fazer sentido,se pode considerar uma extensão F̂ de F ao intervalo[a − ε1, b + ε1] definido por F̂ (x) = F (a) + F ′(a)(x − a)caso x < a etc.).Como F é diferenciável, F é contínua. Como

F ′(x) = limk→∞

F (x+ 1n )− F (x)

1/n

é limited de funções mensuráveis, F ′ é mensurável. Comofunções diferenciáveis tem a propriedade de Darboux (va-lor médio): para algum x < c < x+ 1/n∣∣∣∣F (x+ 1

n )− F (x)

1/n

∣∣∣∣ ≤ |F ′(c)| ≤Msegue que F ′ é limitada e portanto Lebesgue-integrável.Usando o Teorema de Convergência Limitada 4.18

L

∫ x

a

F ′ dµ = L

∫ x

a

limn→∞

F (t+ 1n )− F (t)

1/ndt

= limn→∞

L

∫ x

a

F (t+ 1n )− F (t)

1/ndt

= limn→∞

R

∫ x

a

F (t+ 1n )− F (t)

1/ndt

= limn→∞

n

(R

∫ x

a

F (t+1

n) dt− R

∫ x

a

F (t) dt

)= limn→∞

n

(R

∫ x+1/n

a+1/n

F (s) ds− R

∫ x

a

F (t) dt

)

= limn→∞

nR

∫ x+1/n

x

F (t) dt− limn→∞

nR

∫ a+1/n

a

F (t) dt

e usando que F é contínua em x e em a, respectivamente,segue

L

∫ x

a

F ′ dµ = F (x)− F (a).

Comentário 5.14. A hipótese da derivada limitada nãopode ser removida (ver Exercício 2 Lista 11). Enfraqueceresta hipótese para variação limitada não será suficientepara um TFC-E: O exemplo

F (x) =

{1 se x ∈ [0, 1]

2 se x ∈ (a, 2]

satisfaz F ′ = 0 quase sempre, mas

L

∫ 2

0

F ′ dµ = 0 < 1 = F (2)− F (0).

Caso F é diferenciável com derivada limitada implica queF é absolutamente contínua, i.e. para todo ε > 0existe δ > 0 tal que para uma partição qualquer familiafinita de intervalos 2-2 disjuntos (ak, bk) ⊂ [a, b] tais que∑k(bk−ak) < δ tem-se

∑k|f(bk)−f(ak)| < ε. E, de fato,

continuidade absoluta é uma hipótese que é suficiente:

Teorema 5.15 (Lebesgue 1904). Se f : [a, b] →R é absolutamente contínua, então F ′ é Lebesgue-integrável e tem-se para todo x ∈ [a, b]

F (x)− F (a) = (L

∫ x

a

F ′(x) dx.

Demonstração. ver [Burk] �

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32 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

6. O espaço L2 como espaço de Hilbert

6.1. Definição do espaço L2. .Revisamos primeiro o produto escalar em Rn. Dadoum conjunto X = {1, 2, . . . , n}, A = 2X , e a medidaν(A) = #A, é fácil ver que ν é uma medida e que qualquerfunção f : X → R é mensurável. De fato, toda função éuma função escada e∫

f dν =

n∑i=1

f(i)

Uma função f : X → R podemos identificar como sequên-cia (x1, x2, . . . , xn) escrevendo

f(i) = xi.

Assim, se f : X → R, f(i) = xi, e g : X → R, g(i) = yi,são duas funções, o produto escalar em Rn tem a seguinteinterpretação

〈x, y〉 =

n∑i=1

xiyi =

n∑i=1

f(i)g(i) =

∫fg dν.

Ainda mais, a norma se escreve da forma

‖x‖2 = 〈x, x〉 =

n∑i=1

x2i =

n∑i=1

f(i)2 =

∫f2 dν

Definição. Uma função Lebesgue-mensurável f em[a, b] é quadrado-integrável se f2 é Lebesgue-integrável. Denotamos a família de todos as funçõesem [a, b] quadrado-integráveis por L2[a, b]. Definimos

‖f‖ :=

(∫f2 dµ

)1/2

.

Teorema 6.1. L2[a, b] é um espaço vetorial.

Demonstração. Sejam f, g ∈ L2[a, b] e c ∈ R.Afirmação. ‖cf‖ = |c| ‖f‖.Afirmação. fg é integrável e

2

∫|fg| dµ ≤ ‖f‖2 + ‖g‖2.

Demonstração. Tem-se

0 ≤ (|f | − |g|)2 = f2 − 2|fg|+ g2

e portanto2|fg| ≤ f2 + g2

e segue a afirmação. �

Tem-se

(f + g)2 = f2 + 2fg + g2 ≤ f2 + 2|fg|+ g2

e portanto f + g ∈ L2[a, b]. �

Teorema 6.2 (desigualidade de Hölder). Para f, g ∈L2[a, b] tem-se ∫

|fg| dµ ≤ ‖f‖ ‖g‖.

Vale a igualidade se e somente se |g| = |cf | quasesempre.

Demonstração. Caso ‖f‖ = 0 ou ‖g‖ = 0 trivial.Caso contrário f0 := f/‖f‖ e g0 := g/‖g‖. Segue

2

∫|f0g0| dµ ≤ ‖f0‖2 + ‖g0‖2 = 2

e portanto

1

‖f‖1

‖g‖

∫|fg| dµ =

∫|f0g0| dµ ≤ 1

com igualidade se e somente se |f0| = |g0| quase sempre.Segue ∫

|fg| dµ ≤ ‖f‖ ‖g‖.

Em caso de igualidades, |f0| = 1 = |g0| e |f | = |g| quasesempre. �

Corolário 6.3 (desigualidade de Cauchy-Schwarz).Para f, g ∈ L2[a, b] tem-se∣∣∣∣∫ fg dµ

∣∣∣∣ ≤ ‖f‖ ‖g‖.Vale a igualidade se e somente se g = cf quase semprepara algum c.

Demonstração. Pela desigualidade de Hölder,∣∣∣∣∫ fg dµ

∣∣∣∣ ≤ ∫ |fg| dµ ≤ ‖f‖ ‖g‖.Em caso de (duas) igualidades, há dois casos:Caso

∫fg ≥ 0: Então∫

|fg|µ =

∫fg dµ ⇒

∫(|fg| − fg) dµ ⇒ |fg| = fg

quase sempre. Aplicar agora Hölder.Caso

∫fg < 0: trocar f e −f e aplicar primeiro caso. �

Teorema 6.4 (desigualidade de Minkowski). Paraf, g ∈ L2[a, b] tem-se

‖f + g‖ ≤ ‖f‖+ ‖g‖.

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 33

Demonstração. Tem-se

‖f + g‖2 =

∫(f + g)2 dµ =

∫(f2 + 2fg + g2) dµ

≤∫

(f2 + 2|fg|+ g2) dµ

(Hölder) ≤ ‖f‖2 + 2‖f‖ ‖g‖+ ‖g‖2

= (‖f‖+ ‖g‖)2.

Definição. Dado f, g ∈ L2[a, b], definimos o produtoescalar

〈f, g〉 :=

∫fg dµ.

Mostraremos que o nome é bem justificado:

Teorema 6.5. Para f1, f2, g ∈ L2[a, b] e c1, c2 ∈ Rtem-se• (comutativo) 〈f1, g〉 = 〈g, f1〉,• (bilinear) 〈c1f1+c2f2, g〉 = c1〈f1, g〉+c2〈f2, g〉,• (definida positiva) 〈g, g〉 ≥ 0 e = 0 se e so-mente se g = 0 quase sempre,

• (norma) 〈g, g〉 = ‖g‖2.

6.2. Convergência em L2[a, b]. Usando

d(f, g) := ‖f − g‖como função da distância, o espaço L2[a, b] é um espaçométrico.Comentário 6.6. Falando estritamente, (L2[a, b], d) nãodefine (ainda) um espaço métrico: Tem-se d(f, f) = ‖f‖ =0 se e somente f = 0 quase sempre (e não f ≡ 0). Para serpreciso, usualmente se considere a relação de equivalência

f ∼ g ⇔ f = g quase sempre

e o espaço das classes de equivalência

L2[a, b] := L2[a, b]/∼

com a métrica induzida

DL2[a,b]([f ]∼, [g]∼) := d(f, g).

Assim, (L2[a, b], DL2[a,b]) é sim um espaço métrico. Apóseste aviso, continuaremos o espaço vetorial L2[a, b] comoespaço métrico com a métrica d(f, g) = ‖f − g‖.

Definição. Dizemos que uma sequência (fn)n ⊂L2[a, b] converge para f ∈ L2[a, b] se e somente se

limn→∞

‖fn − f‖ = 0.

Funções limitadas, escadas e contínuas são densas emL2[a, b] considerando a distância induzida pela norma.

Proposição 6.7. Para qualquer f ∈ L2[a, b] e paraqualquer ε > 0 existe uma

função

limitadaescadacontínua

g

tal que ‖g − f‖ < ε.

Demonstração. Dada f ∈ L2[a, b], considerando a função“cortada”

fn(x) =

n se f(x) > n,

f(x) se − n ≤ f(x) ≤ n,−n se f(x) < −n,

tem-se |fn| ≤ |f | e

|f − fn|2 ≤ |f |2 + 2|ffn|2 + |fn|2 ≤ 4|f |2.

Consideramos

En := {x : n < |f(x)|}

e observamos∫|f |2 dµ ≥

∫En

|f |2 dµ ≥∫En

n2 dµ = n2µ(En).

Pela continuidade absoluta (Teorema 5.9), existe δ > 0 talque

µ(A) < δ ⇒∫A

|f |2 dµ < ε

4.

Como |f − fn| = 0 em Ecn, segue

‖f − fn‖2 =

∫|f − fn|2 dµ

=

∫Ec

n

|f − fn|2 dµ+

∫En

|f − fn|2 dµ

≤∫En

4|f |2 dµ < 4ε

4= ε.

Como fn é limitada e portanto |fn| integrável, podemosusar o seguinte resultado (sem demostrar-lo; de fato valepara funções de valor estendido).

Afirmação. Para toda função h : [0, 1]→ R e todo ε > 0existe A ⊂ [a, b] e uma função escada (função contínua)H tal que

• µ(A) < ε,• |H| ≤ |h|,• |h−H| < ε em Ac.

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34 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

Portanto existem A, µ(A) < δ, e uma função g escada(contínua) tal que |g − fn| < δ em Ac. Portanto

‖g − fn‖2 =

∫|g − fn|2 dµ

=

∫A

|g − fn|2 dµ+

∫Ac

|g − fn|2 dµ

≤∫A

(2n)2 dµ+

∫Ac

δ2 µ

≤ 4n2µ(A) + δ2µ(Ac) ≤ 4n2δ + 2δ2 <ε

2

para δ pequeno. Portanto

‖f − g‖ ≤ ‖f − fn‖+ ‖fn − g‖ < ε.

Definição. Uma sequência (vn)n ⊂ V num espaçovetorial normado (V, ‖·‖) é convergente a um ele-mento w ∈ V se

limn→∞

‖vn − w‖ = 0.

é uma sequência de Cauchy se para todo ε > 0existe N ≥ 1 tais que para quaisquer n,m ≥ N tem-se

‖vn − vm‖ < ε.

Dizemos que (V, ‖·‖) é completo se cada sequênciade Cauchy é convergente para um elemento em V.

Sabemos que cada sequência convergente é Cauchy. Aquestão é se a natureza do limite de uma sequência deCauchy.

Definição. Um espaço de Hilbert é um espaço ve-torial com produto escalar 〈·, ·〉 tal que (V, ‖·‖) com anorma ‖·‖ = 〈·, ·〉1/2 é completa.

Exemplo. (Rn, ‖·‖Rn)

Exercício 6.8. (`2, ‖·‖`2). ver lista 12

Comentário 6.9. Observamos que

V1 := {f : f : [a, b]→ R função escada} ⊂ L2[a, b]

V2 := {f : f : [a, b]→ R função contínua} ⊂ L2[a, b]

são sub-espaços vetoriais de L2[a, b], mas não são Hil-bert. Dado qualquer (não escada, não contínua) funçãof ∈ L2[a, b] e portanto f 6∈ Vi, i ∈ {1, 2}, existe umasequência (fn)n ⊂ Vi, i ∈ {1, 2}, convergente em L2[a, b]e portanto sequência de Cauchy, mas tal que o seu limitenão pertence ao sub-espaço considerado.

Teorema 6.10. (L2[a, b], 〈., .〉) é espaço de Hilbert.

Demonstração. Seja (fn)n ⊂ L2[a, b] sequência de Cauchy.Dado k ≥ 1, existem Nk ≥ 1 tal que para n,m ≥ Nk

‖fm − fn‖ <1

2k.

Considerando

g0 = 0, g1 = fN1, . . . gk = fNk

segue ‖gk+1 − gk‖ < 1/2k e portanto

S :=∑k≥1

‖gk+1 − gk‖ <∞.

Consideramos a sequência hk ↗ h

hk := g0 + |g1 − g0|+ . . .+ |gk+1 − gk|, h := limk→∞

hk

onde h é possivelmente função de valor real estendida.Com a desigualdade de Minkowski (‖f + g‖ ≤ ‖f‖+ ‖g‖)segue ∫

h2n dµ = ‖hn‖ ≤

n−1∑k=0

‖gk+1 − gk‖ ≤ S.

Portanto, (h2n)n é monótona não-negativa e, pelo teorema

da Convergência Monótona, segue∫h2 dµ =

∫limn→∞

h2n dµ = lim

n→∞

∫h2n dµ = lim

n→∞‖hn‖2 ≤ S2

e portanto h ∈ L2[a, b].Identificamos um candidato limite da sequência de Cau-chy. Vamos definir ele mais precisamente:• h2 L-integrável ⇒ h <∞ quase sempre• portanto quase sempre

n−1∑k=0

(gk+1 − gk) ≡ gn <∞

converge absolutamente e portanto converge, e paratal x (se h(x) <∞) definimos

g(x) := limn→∞

gn(x).

• caso contrário (se h(x) =∞), definimos

g(x) := 0.

Tem-se

|g| = limn→∞

|gn| ≤ limn→∞

n−1∑k=0

|gk+1 − gk| = limn→∞

hn = h

sempre e portanto |g|2 ≤ h2 e portanto g ∈ L2[a, b].Basta mostrar a convergência ‖gn − g‖ → 0. Como

|g − gn|2 ≤ (|g|+ |gn|)2 ≤ (2|h|)2

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 35

e como |g−gn|2 → 0 quase sempre, pelo Teorema de Con-vergência de Lebesgue 5.7, segue

limn→∞

∫|g − gn|2 dµ =

∫limn→∞

|g − gn|2 dµ = 0

e portanto ‖g − gn‖ → 0.Finalmente, para todo ε > 0 existe k ≥ 1 com 2−k/2 < εe portanto para n ≥ Nk tem-se

‖g − fn‖ ≤ ‖g − gk‖+ ‖gk − fn‖ <ε

2+ε

2= ε.

Segue ‖g − fn‖ → 0. �

Comentário 6.11. Observamos o fato importante que

‖fn − f‖ → 0 6⇒ |fn − f | → 0

nem quase sempre.Porém, pela demonstração anterior, mostrávamos de fatoque existe uma subsequência (fnk

)k tal que |fnk− f | → 0

quase sempre.

6.3. Espaço(s) de Hilbert. Dizemos que u, v ∈ H sãoortogonais, u ⊥ v, se 〈u, v〉 = 0.

Teorema 6.12 (Pitágoras). Se u1, . . . , un ∈ H sãoelementos 2-2 ortogonais, então

‖n∑k=1

uk‖2 =

n∑k=1

‖uk‖2.

Demonstração. Caso n = 2: 〈u, v〉 = 0 implica

‖u+ v‖2 = 〈u+ v, u+ v〉2 = 〈u, u〉+ 2〈u, v〉+ 〈v, v〉.

Caso n > 2: indução em n. �

Uma família (un)n ⊂ H é ortonormal se ‖un‖ = 1 paratodo n e 〈un, um〉 = 0 para todo n 6= m.

Teorema 6.13 (Melhor aproximação). Para toda fa-mília finita ortonormal (uk)nk=1 ⊂ H e todo w ∈ H

tem-se

‖w −n∑k=1

〈w, uk〉uk‖ = minc1,...,cn∈R

‖w −n∑k=1

ckuk‖.

Demonstração. Sejam ak := 〈w, uk〉 e sejam c1, . . . , cn ∈R. Sendo

u :=

n∑k=1

anun, v :=

n∑k=1

cnun

segue pelo Teorema de Pythagoras

〈u, u〉 =

n∑k=1

|ak|2, 〈v, v〉 =

n∑k=1

|ck|2

e

〈w, v〉 =

n∑k=1

ck〈w, un〉 =

n∑k=1

akck.

Portanto

‖w − v‖2 = 〈w − v, w − v〉= ‖w‖2 − 2〈w, v〉+ ‖v‖2

= ‖w‖2 − 2∑k

akck + ‖v‖2

= ‖w‖2 −∑k

|an|2 +∑k

(ak − ck)2

= ‖w‖2 − ‖u‖2 +∑k

|ak − ck|2

e portanto‖w − v‖2 ≥ ‖w‖2 − ‖u‖2

para qualquer escolha de números c1, . . . , cn. A igualdadevale, e portanto ‖w−v‖ assume o seu mínimo, se e somentese ck = ak para todo k = 1, . . . , n. �

6.4. Séries de Fourier. .

Definição. Uma família ortonormal (un)n ⊂ H écompleta se para todo w ∈ H existem (cn)n ⊂ Rtal que

w =∑n≥1

cnun.

Neste caso esta série é a série de Fourier de w.Dado uma família ortonormal (un)n ⊂ H e dadow ∈ H, a série ∑

n≥1

〈w, un〉un

é a série de Fourier de w (relativamente a (un)n).

Teorema 6.14 (Desigualdade de Bessel). Dado umafamília ortonormal (un)n ⊂ H e dado w ∈ H, tem-se

∞∑k=1

|〈w, uk〉|2 ≤ ‖w‖2,

e em particular a série é convergente.

Demonstração. Para n ≥ 1 seja

sn :=

n∑k=1

〈w, uk〉uk.

Pelo Teorema de Pitágoras 6.12,

‖sn‖2 =

n∑k=1

‖〈w, uk〉un‖2 =

n∑k=1

|〈w, uk〉|2.

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36 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

Como

〈w − sn, sn〉 = 〈w, sn〉 − 〈sn, sn〉

=

n∑k=1

|〈w, uk〉| − ‖sn‖2 = 0

segue w − sn ⊥ sn. Portanto, usando de novo Pitágoras

‖w‖2 = ‖sn + (w − sn)‖2 = ‖sn‖2 + ‖w − sn‖2.

Portanton∑k=1

|〈w, uk〉|2 = ‖sn‖2 ≤ ‖sn‖2 + ‖w − sn‖2 = ‖w‖2.

Como esta última série finita é crescente, segue a existên-cia do seguinte limite

∞∑k=1

|〈w, uk〉|2 = limn→∞

‖sn‖2 ≤ ‖w‖2.

fim. �

Definição. Uma função L : H → R é um funcionallimitado se existeM ≥ 0 tais que para todo v, w ∈ H

e a, b ∈ R tem-se

L(av + bw) = aL(v) + bL(w)

e|L(v)| ≤M‖v‖.

Teorema 6.15 (Desigualdade de Cauchy-Schwarz).Seja (V, 〈·, ·〉) um espaço vetorial com produto esca-lar. Então para todo v, w ∈ V tem-se

|〈v, w〉| ≤ ‖v‖ ‖w‖.

Demonstração. No caso de V = L2[a, b], consequência dadesigualdade de Hölder. �

Exemplo. Fixado x ∈ H, consideramos

L : H→ R, L(v) := 〈x, v〉.

Portanto, pelo Cauchy-Schwarz

|L(v)| = |〈x, v〉| ≤ ‖x‖ ‖v‖

e segue que L é funcional linear limitado com M = ‖x‖.

Proposição 6.16. Sejam (un)n ⊂ H uma família or-tonormal e w ∈ H. Então a série de Fourier de w re-lativamente a (un)n,

∑n≥1〈w, un〉un, é convergente.

Caso a família ortonormal é completo, ela convergepara w. Ainda mais esta série é única no sentido quecaso w =

∑n≥1 cnun segue cn = 〈w, un〉 para todo

n ≥ 1.

Demonstração. Sendo

sn :=

n∑k=1

〈w, uk〉uk.

para n > m tem-se

sn − sm =

n∑k=m+1

〈w, uk〉uk.

Como um+1, . . . , un são 2-2 ortogonais, pelo Pitágoras se-gue

‖sn − sm‖2 =

‖n∑

k=m+1

〈w, uk〉uk‖2 =

n∑k=m+1

‖〈w, uk〉‖2

=

n∑k=m+1

|〈w, uk〉|2

Pela convergência da série∑k≥1|〈w, uk〉|2 segue que (sn)n

é sequência de Cauchy.

Como a família é completa, existem (ck)k tais que

w = limn→∞

Sn, Sn :=

n∑k=1

ckuk.

Observamos que o funcional L : H→ R,L(x) := 〈x, uk〉

é linear e contínua. Portanto, para todo k ≥ 1,L(w) = L( lim

n→∞Sn)

= limn→∞

L(Sn)

= limn→∞

〈Sn, uk〉 = ck

e assim a série é a série de Fourier de w. �

Caso a desigualdade de Bessel é uma igualdade, a série deFourier de w fato é convergente para w.

Teorema 6.17 (Igualdade de Bessel). Sejam (un)n ⊂H uma família ortonormal e w ∈ H. Então tem-se

∞∑k=1

|〈w, uk〉|2 = ‖w‖2 ⇔ w =

∞∑k=1

〈w, uk〉uk.

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 37

Demonstração. No caso da desigualdade de Bessel, mos-travamos

‖w‖2 = ‖sn‖2 + ‖w − sn‖2.Portanto

limn→∞

‖w − sn‖ = 0 ⇔ limn→∞

‖sn‖2 = ‖w‖2.

Como tinhamos também

‖sn‖2 =

n∑k=1

|〈w, uk〉|2

segue

w =

∞∑k=1

〈w, uk〉uk ⇔n∑k=1

|〈w, uk〉|2 = ‖w‖2

fim. �

Comentário 6.18. Considere L2[a, b] e `2 e seja{u1, u2, . . .} uma família ortonormal em L2[a, b]. Consi-dere

cn(f) := 〈f, un〉que define uma transformação de L2[a, b] para `2. A igual-dade de Bessel afirma que ela preserve as normas

‖(cn)n‖`2 = ‖f‖L2 .

Ela também preserve os produtos escalares (ver Parseval).

6.5. Séries de Fourier no L2[−π, π]. Consideramos oproduto escalar “renormalizado”

〈f, g〉 :=1

π

∫ π

−π|fg| dµ

Teorema 6.19. A família

F := { 1√2, cos kx, sen kx : k ≥ 1}

é uma família ortonormal em L2[−π, π].

Definição. Um espaço vetorial A = {f : X → R} defunções é uma álgebra caso

f, g ∈ A ⇒ f · g ∈ A.

Dizemos que A se anula em x ∈ X se f(x) = 0 paratodo f ∈ A. Dizemos que A não se anula se paratodo x ∈ X existe f ∈ A com f(x) 6= 0.Dizemos que A separa pontos se para x 6= y existef ∈ A tal que f(x) 6= f(y).

Exemplo. A família

A := {f : R→ R : f(x) = a1x1 + . . .+ anx

n, n ≥ 1}

é uma álgebra que se anula em x = 0.

Exemplo. Considerando o toro

T := {(cos θ, sen θ) : θ ∈ [−π, π]},

o espaço

C(T) := {f : T→ R : f é função contínua}

(em particular f(−π) = f(π)) é uma álgebra.

Exemplo. O espaço de todas as funções Lebesgue men-suráveis f : [a, b]→ R é uma álgebra.

Exemplo. L2[a, b] não é uma álgebra. Por exemplo para

f(x) =

{x−p x ∈ (0, 1]

0 x = 0

tem-se f ∈ L1[0, 1] se e somente se p < 1. Portanto para1/4 < p < 1/2 tem-se f ∈ L2[0, 1] mas f2 6∈ L2[0, 1].

Exemplo. O espaço de todas as funções

AF :={g : T→ R : g(θ) = a0+

N∑n=1

an cosnθ+

N∑n=1

bn sennθ}

é uma álgebra. Basta ver 1 = a0 ∈ AF e basta verificar

sen θ cos η =1

2(sen(θ + η) + sen(θ − η))

e os demais relações. Observamos que funções em AF “se-param pontos":

sen θ = sen η ∧ cos θ = cos η ⇒ θ = η.

Portanto θ 6= η implica ou sen θ 6= sen η ou cos θ 6= cos η.

Teorema 6.20 (Stone-Weierstrass). Seja X um es-paço métrico compacto e A : X → R uma álgebraque não se anula e que separa pontos. Então, paratodo ε > 0 e todo f ∈ C(X) existe g ∈ A tal quesupx∈X |g(x)− f(x)| < ε.

Corolário 6.21. Para toda ε > 0 e toda f ∈ C(T)existe g ∈ AF tal que sup|g − f | < ε.

.

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38 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

Teorema 6.22. Para qualquer f ∈ L2[−π, π], a suasérie de Fourier

A0 +

∞∑n=1

An cosnx+

∞∑n=1

Bn sennx,

onde

A0 :=1

2πL

∫ π

−πf dµ,

An :=1

πL

∫ π

−πf(x) cosnx dµ(x),

Bn :=1

πL

∫ π

−πf(x) sennx dµ(x),

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 39

converge para f no espaço L2[−π, π]. Em particular,a família ortonormal F é completa.

.Observamos

〈 1√2, f〉 1√

2=

1

π

∫ π

−π

1√2f dµ

1√2

= A0.

Demonstração. Dado ε > 0, existe uma função contínuag ∈ L2[−π, π] com ‖g − f‖ < ε/2 (ver Proposição 6.7).Existe

p(θ) = a0 +

N∑n=1

an cosnθ +

N∑n=1

bn sennθ

tal que |p− g| <√ε/√

4π (ver Corolário 6.21).Portanto

‖p− g‖ =

∫(p− g)2 dµ <

∫ε

4π=ε2π

4π=ε

2.

Portanto

‖f − p‖ ≤ ‖f − g‖+ ‖g − p‖ < ε

2+ε

2= ε.

Sendo

SNf(x) := A0 +

N∑n=1

An cosnx+

N∑n=1

Bn sennx,

a néssima soma parcial da série de Fourier de f em x,pelo Teorema 6.13 (SNf fornece a melhor aproximação)aplicado duas vezes, para cada n ≥ N tem-se

‖f − Snf‖ ≤ ‖f − SNf‖ ≤ ‖f − p‖ < ε.

Segue ‖Snf − f‖ → 0. �

Chamamos SNf a soma parcial da série de Fourierde f (de ordem N). Enfatizamos que ‖SNf − f‖ → 0(convergência em L2[−π, π]) a priori não implica conver-gência pontual:

‖SNf − f‖ → 0 6⇒ SNf(x)→ f(x).

Porem, pelo Comentário 6.11, existe uma subsequência(Nk)k tal que

|SNkf − f | → 0 quase sempre.

O resultado de fato é afirmado pelo seguinte teorema fun-damental (cuja demonstração não é trivial).

Teorema 6.23 (Carleson). Para todo f ∈ L2[−π, π]tem-se

|Snf − f | → 0

quase sempre, i.e., para Lebesgue quase todo x ∈[−π, π] tem-se

limn→∞

Snf(x) = f(x).

Caso a função f é diferenciável, convergência é melhor(mas novamente a demonstração do seguinte fato não estáincluido aqui).

Teorema 6.24. Para f ∈ L2[−π, π], caso f é dife-renciável (e portanto contínua) em x ∈ (−π, π), então

limn→∞

Snf(x) = f(x).

Caso as derivadas uni-laterais em −π e π existem,então para x = −π ou x = π tem-se

limn→∞

Snf(x) =1

2( limz↘−π

f(z) + limy↗π

f(y))

Exercício 6.25. .

-2.4 -1.6 -0.8 0 0.8 1.6 2.4

-1.2

-0.8

-0.4

0.4

0.8

1.2

Seja

f(x) =

−1 se − π < x < 0

0 se x = 0

1 se 0 < x < π.

Tem-se A0 = 0 e

An =1

π

(∫ π

0

cos(nx) dx−∫ 0

−πcos(nx) dx

)= 0.

(De fato, f é impar e portanto sempre An ≡ 0.) Tem-se

Bn =1

π

(∫ π

0

sen(nx) dx−∫ 0

−πsen(nx) dx

)=

2

π

∫ π

0

sen(nx) dx

=2

π(− 1

ncos(nπ) +

1

n)

=

{0 se n = 2k4π

1n se n = 2k − 1

para k ≥ 1. Portanto

S(f)(x) =4

π

∑k≥1

1

2k − 1sen(2k − 1)x.

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40 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

Tem-se 〈f, f〉 = 〈S(f), S(f)〉 onde 〈f, f〉 = 2 e

〈S(f), S(f)〉 =16

π2

∑k≥1

1

(2k − 1)2.

Portanto segue

1 +1

32+

1

52+ . . . =

π2

8.

6.6. Séries de Fourier no espaço L2C[−π, π]. .

Dado um espaço vetorial V, uma função 〈·, ·〉 : V → C éuma forma Hermitiana se• (conjugate symmetry) 〈v, w〉 = 〈w, v〉• (sesquilinear)

〈c1v1 + c2v2, w〉 = c1〈v1, w〉+ c2〈v2, w〉

〈v, c1w1 + c2w2〉 = c1〈v, w1〉+ c2〈v, w2〉• (definida positiva) 〈v, v〉 ≥ 0 e = 0 se e somente sev = 0

Consideramos brevemente o espaço das funções L2C[−π, π]

das funções

f : [−π, π]→ C, f(θ) = u(θ) + iv(θ).

Definição. Uma função f : [a, b] → C é Lebesgue-mensurável se u, v : [a, b]→ R são funções Lebesgue-mensuráveis, e Lebesgue-integrável se u, v : [a, b]→R são funções Lebesgue-integráveis. Neste último casodefinimos

L

∫ b

a

f dµ := L

∫ b

a

u dµ+ iL

∫ b

a

v dµ.

Dizemos que f é quadrado-integrável se |f |2 éLebesgue-integrável. Denotamos a família de to-dos tais funções em [a, b] quadrado-integráveis porL2C[a, b].

.

Teorema 6.26. L2C[a, b] é um espaço vetorial. Ainda

mais, f, g ∈ L2C[−π, π] implica que f · g é Lebesgue-

integrável.

Definimos 〈·, ·〉 : L2C[−π, π]× L2

C[−π, π]→ C por

〈f, g〉 :=1

∫ π

−πf g dµ

que é uma forma Hermitiana. Basta ver que∫f g dµ =

∫f g dµ =

∫g f dµ.

Assim,

‖f‖ :=

(1

π

∫|f |2 dµ

)1/2

define uma norma no espaço vetorial L2C[−π, π].

.

Teorema 6.27. A família FC := {einx : n ∈ Z} éfamília ortonormal em L2

C[−π, π].

Demonstração. Tem-se (ver Exercícios lista 3) para k 6= 0∫ π

−πeikx dx =

eikπ − e−ikπ

ik= 0.

Portanto, caso n 6= m,

〈einx, eimx〉 =1

∫ π

−πei(n−m)x dx = 0.

Tem-se

〈einx, einx〉 =1

∫ π

−π1 dx = 1.

Teorema 6.28. Para qualquer f ∈ L2C[−π, π], a sua

série de Fourier ∑n∈Z

Cneinx,

onde

Cn(f) :=1

2πL

∫ π

−πf(x)e−inx dx,

converge para f no espaço L2C[−π, π]. Em particular,

a família ortonormal FC é completa.

Vale também neste contexto o seguinte resultado de Carl-son.

Teorema 6.29 (Carleson). Para todo f ∈ L2C[−π, π]

tem-se

limN→∞

|N∑

n=−NCn(f)einx − f | = 0

quase sempre.

6.7. Usando séries de Fourier para mostrar ergodi-cidade. Consideramos um espaçoX e uma transformaçãoT : X → X. Seja A uma σ-algebra de subconjuntos de Xe ν : A→ R≥0 uma medida de probabilidade.

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 41

Definição. Dizemos que T preserve ν ou ν é T -invariante se para todo A ∈ A tem-se

T−1(A) ∈ A e ν(T−1(A)) = ν(A).

Dizemos que uma função ϕ : X → R é T -invariantese

f = f ◦ T quase sempre.Dizemos que um conjunto A ∈ A é T -invariante seχA é T -invariante, i.e. se

χA = χA ◦ T quase sempre.

Comentário 6.30. Verificamos

χA ◦ T = χT−1(A)

e portanto A ∈ A é T -invariante se e somente se

ν(A4T−1(A)) = 0

se e somente se

ν(A \ T−1(A)) = 0 = ν(T−1(A) \A).

Lema 6.31. Seja (X,B, ν) um espaço de probabili-dade ν e T : X → X mensurável preservando ν. Sef : X → R é ν-integrável, então g := f ◦ T também éν-integrável e tem-se∫

f dν =

∫f ◦ T dν.

Exemplo. A transformação Tα : T→ T

Tα(eiθ) := ei(θ+α)

deixa a medida de Lebesgue invariante.

Exemplo. A transformação D : T→ TD(eiθ) := e2iθ

deixa a medida de Lebesgue invariante.

Exercício 6.32. Mostre que para α ∈ 2πQ, todo θ ∈ Té um ponto periódico para Tα, i.e. Tnα (θ) = θ para algumn.

Exercício 6.33. Mostre que para D existen pontos pe-riodicos e pontos não-periodicos. Mostre que os pontosperiodicos são densos em T.

Caso A ∈ A é T -invariante, Ac também é T -invariante.

Definição. Seja ν : A → R≥0 uma medida de pro-babilidade e T -invariante para T : X → X. Dizemosque ν é ergódica se para todo conjunto A ∈ A T -invariante tem-se ou ν(A) = 0 ou ν(Ac) = 0.

Supomos que existe A ∈ A T -invariante com 0 < ν(A) <1. Verificamos que Ac também é T -invariante e satisfaz0 < ν(Ac) < 1. Portanto

µ1(B) :=ν(B ∩A)

ν(A), µ2(B) :=

ν(B ∩Ac)ν(Ac)

definem duas medidas de probabilidade e T -invariantes..

Proposição 6.34. Seja ν : A→ R≥0 uma medida deprobabilidade e T -invariante para T : X → X. Entãoν é ergódica se e somente se toda função mensurávelT -invariante é constante quase sempre.

Demonstração. .⇒: Caso f é mensurável T -invariante não-constante quasesempre, existe c ∈ R tal que f−1((−∞, c]) =: A sa-tisfaz ν(A) ∈ (0, 1) e portanto ν(Ac) ∈ (0, 1). ComoT−1(A) = (f ◦ T )−1((−∞, c]) = f−1((−∞, c]) = A mó-dulo 0, segue A é T -invariante.⇐ Caso as únicas funções mensuráveis T -invariantes sãoas constantes quase sempre, para f = χA A T -invariantesegue χA = χT−1(A) e portanto ou χA = 0 quase sempreou χA = 1 quase sempre. Portanto ν é ergódica. �

Para estudar ergodicidade de uma transformação T : T→T, é útil considerar o seguinte operador

UT : L2C(T)→ L2

C(T), UT (f) := f ◦ T.Pelo Lema 6.31, segue∫

T|f |2 dµ =

∫T|f ◦ T |2 dµ =

∫T|UT (f)|2 dµ.

Portanto f ∈ L2C(T) sim implica UT (f) ∈ L2

C(T) e

‖UT (f)‖ = ‖f‖,i.e. UT é uma isometria. Fácil ver que UT é linear.Observamos também que, caso fn converge para f emL2C(T), então UT (fn) converge para UT (f) em L2

C(T)

‖fn − f‖ = ‖UT (fn − f)‖ = ‖UT (f)− UT (f)‖.

Proposição 6.35. Se α 6∈ 2πQ, então a medida deLebesgue é ergódica para Tα.

Demonstração. Seja f ∈ L2C(T) e considere S(f) =∑

n∈Z Cneinx sua série de Fourier. Caso f é T -invariante,

tem-se f = UT (f) quase sempre. Segue que

UT (∑|n|≤N

Cneinx) =

∑|n|≤N

CnUT (einx)

converge para UT (f) em L2C(T). Como

UT (einx) = ein(x+α) = einαeinx

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42 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

segue que ∑|n|≤N

Cneinαeinx

converge para f em L2C(T). Como a série de Fourier é

única, segueCn = Cne

inα ∀n ∈ Z

e portanto ou Cn = 0 ou einα = 1 (o que acontece casonα ∈ 2πZ. Como α 6∈ 2πQ, segue Cn = 0 para todon ∈ Z \ {0} e portanto f = C0 quase sempre. �

Proposição 6.36. A medida de Lebesgue é ergódicapara D.

Demonstração. Da forma análoga:∑n∈Z

Cneinx =

∑k∈Z

Ckei2kx

e portanto, comparando coeficientes:Caso n impar: Cn = 0.Caso n par: Cn = C2n para todo n ∈ Z e portanto Cn = 0para todo n. �

7. Os spaços Lp

Definição. Uma função Lebesgue-mensurável f em[a, b] é integrável de ordem p se |f |p é Lebesgue-integrável. Denotamos a família de todos essas fun-ções por Lp[a, b]. Definimos

‖f‖p :=

(∫|f |p dµ

)1/p

.

Definição. Um espaço de Banach é um espaço ve-torial com norma ‖·‖ tal que (V, ‖·‖) é completa.

Dado p > 1 chamamos q > 1 o seu expoente conjugadose

1

p+

1

q= 1.

Teorema 7.1 (desigualdade de Hölder). Dados f ∈Lp[a, b] para p > 1, q o expoente conjugado a p eg ∈ Lq[a, b], então fg ∈ L1[a, b] e

‖fg‖1 ≤ ‖f‖p‖g‖q.

Teorema 7.2 (desigualdade de Minkowski). Sejap ≥ 1. Se f, g ∈ Lp[a, b], então

‖f + g‖p ≤ ‖f‖p + ‖g‖p.

Teorema 7.3 (Riesz-Fischer 1907). (Lp[a, b], ‖·‖p),p ≥ 1, é um espaço completo e portanto é um espaçode Banach.

Definição. Seja f : [a, b]→ R uma função Lebesgue-mensurável. O supremo essencial de f é

ess supx∈[a,b]

f(x) := inf{α : f(x) ≤ α quase sempre}.

Denotamos por L∞[a, b] a família de todas as funçõesf : [a, b]→ R Lebesgue-mensuráveis tal que ess sup|f |é finito. Definimos

‖f‖∞ := ess supx∈[a,b]

|f(x)|.

Exemplo. Para x ∈ [0, 1] seja

f(x) =

{2x se x 6∈ Qq se x = p

q

.

Entãosup f =∞, ess sup f = 2.

Exemplo. Para x ∈ [0, 1] seja

f(x) =

1x se x 6∈ Q0 se x = 0

q se x = pq

.

Entãoess sup f = sup f =∞.

Teorema 7.4. (L∞[a, b], ‖·‖∞) é um espaço de Ba-nach.

Podemos concluir a seguinte relação entre os espaços in-troducidos.

Proposição 7.5. Para 0 < p < p′ ≤ ∞ tem-se

Lp′[a, b] ⊂ Lp[a, b], ‖f‖p ≤ µ([a, b])

1p−

1p′ ‖f‖p′ .

para todo f ∈ Lp′ [a, b]. Em particular,

L1([a, b]) ⊂ Lp([a, b]) ⊂ Lp′([a, b]) ⊂ L∞([a, b]).

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 43

Demonstração. O caso p′ =∞ segue imediatamente.Caso 0 < p < p′ <∞ seja

r :=p′

p, s :=

(1− 1

r

)−1

.

Como 1/r + 1/s = 1, usamos a desigualdade de Hölderpara os expoentes r e s e para as funções |f |p e 1 (ondef ∈ Lp′ [a, b] como na hipótese). Segue então

‖|f |p · 1‖1 ≤ ‖|f |p‖r‖1‖s =

(∫ b

a

|f |pr dµ

)1/r

(µ([a, b])1/s

Usando pr = p′ segue ‖|f |p‖1 = ‖f‖p <∞ e

‖f‖p ≤ (µ([a, b]))1/p−1/p′‖f‖p′

e portanto a afirmação. �

7.1. Convergências. Lembramos que uma sequência(fn)n de funções fn : [a, b]→ R(Puf) converge uniformemente se tem-se

limn→∞

supx∈[a,b]

|fn(x)− f(x)| = 0.

(P) converge pontualmente se

∀x ∈ [a, b] limn→∞

|fn(x)− f(x)| = 0.

(Pqs) converge pontualmente quase sempre se

para quase todo x ∈ [a, b] limn→∞

|fn(x)− f(x)| = 0.

(Fp) converge fortemente (em Lp[a, b]) se

limn→∞

‖fn − f‖L2 = 0.

(Puf)⇒ (P)⇒ (Pqs)

(Pqs) 6⇒ (F)p

Exemplo.

fn(x) =

0 se x = 0

n se x ∈ (0, 1n )

0 se x ∈ [ 1n , 1]

Tem-se (fn)n converge pontualmente para f ≡ 0 (em todox).Tem-se ‖fn‖p = n1−1/p →∞ caso p > 1.Não existe f ∈ Lp tal que ‖f−fN‖p → 0: Por contradição,supondo que f ∈ Lp é tal que ‖f − fn‖p → 0.

∞← ‖fn‖p − ‖f‖p ≤ ‖f − fn‖p → 0,

contradição.Tem-se ‖fn‖1 = 1.

Não existe f ∈ L1[0, 1] tal que ‖f − fN‖1 → 0: Por con-tradição, supondo que f ∈ L1 é tal que ‖f − fn‖1 → 0.Caso ‖f‖ > 1, e pela desigualdade triangular tem-se

0 < ‖f‖p − 1 = ‖f‖p − ‖fn‖p ≤ ‖f − fn‖p → 0,

contradição.

(Pqs) 6⇐ (Fp)

Exemplo. Para a sequência

f1 = χ[0,1], f2 = χ[0,1/2], f3 = χ[1/2,1], f4 = χ[0,1/4],

etcetera, podemos re-escrever {fn} = {χIm}, onde

Im = [m2−k − 1, (m+ 1)2−k − 1], 2k ≤ m < 2k+1.

e tem-se ‖fm‖p = 2−k/p → 0.Para qualquer x ∈ [0, 1] tem-se fn(x) 6→ 0.

Definição. Para funções f, fn : [a, b] → R Lebesgue-mensuráveis dizemos que(Pqu) (fn)n converge quase uniformemente se

para todo δ > 0 existe A ∈ B com µ(A) < δ efn|Ac converge uniformemente para uma fun-ção f |Ac , i.e.

limn→∞

supx∈Ac

|fn(x)− f(x)| = 0.

(F∞) (fn)n quase sempre uniformemente senum conjunto complementar a um conjunto demedida zero ela converge uniformemente.

Exercício 7.6. Mostrar que a convergência quase sem-pre uniformemente é a convergência em L∞.

(F∞)⇒ (Pqu)

Teorema 7.7. Se (fn)n converge quase uniforme-mente, então ela converge quase sempre para uma fun-ção f Lebesgue-mensurável.

(Pqu) ⇒ (Pqs).

Demonstração. Para cada k ≥ 1 existe Ak ∈ B comµ(Ack) < 1/k e fn|Ac

k→ f |Ac

kuniformemente. Tem-se

µ(A) = 0, A :=⋂k≥1

Ak ∈ B.

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44 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

Para todo x ∈ Ac, tem-se fn(x) → f(x) onde a funçãof : [a, b]→ R é definida por

f(x) := limn→∞

fn(x)χAc(x), x ∈ [a, b].

Definição. Para funções f, fn : [a, b] → R Lebesgue-mensuráveis dizemos que (fn)n converge em me-dida para f se para todo ε > 0 tem-se

limn→∞

µ ({x ∈ [a, b] : |fn(x)− f(x)| ≥ ε}) = 0.

Teorema 7.8 (Riesz 1910). Para p ∈ (0,∞], f, fn ∈Lp[a, b] tem-se

limn→∞

‖fn − f‖p = 0 ⇒ fn → f em medida.

Demonstração. (Consideramos apenas o caso p ∈ (0,∞).)Sendo A := {|fn − f | ≥ ε}

µ (A) = µ

({|fn − f |

ε≥ 1

})=

∫A

1 dµ

≤∫A

|fn − fε|p dµ

≤∫ b

a

|fn − fε|p dµ

= ε−p‖fn − f‖pp → 0.

Teorema 7.9 (Lebesgue). Para f, fn : [a, b] → RLebesgue-mensuráveis tem-se

fn → f quase sempre ⇒ fn → f em medida.

Demonstração. Ver [3, 4.5 Satz]. �

Resumimos no seguinte diagrama as implicações obtidas.Notamos que existem resultados mais gerais (por exem-plo quando o espaço de integração não é de medida finitacomo no caso de um intervalo [a, b] compacto).

(Puf) ⇒ (F∞) ⇒ (Fp)⇓

⇓ (Pqu) ⇓⇓

(P) ⇒ (Pqs) ⇒ em medida

Exercício 7.10. Justificar cada uma das implicações nodiagrama acima.

(Pqs) 6⇐ em medida

Exercício 7.11. Considerar o exemplo anterior dasequência

f1 = χ[0,1], f2 = χ[0,1/2], f3 = χ[1/2,1], f4 = χ[0,1/4],

etc., podemos re-escrever {fn} = {χIm}, ondeIm = [m2−k − 1, (m+ 1)2−k − 1], 2k ≤ m < 2k+1.

Mostre que (fn)n define uma sequência de funçõesfn : [0, 1]→ R que converge em medida, mas que não con-verge quase sempre.

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 45

8. A construção da medida de Lebesgue

Queremos encontrar uma função µ definida num subcon-junto de : 2R com as seguintes propriedades:• µ(A) ≥ 0• µ(∅) = 0

(I) µ((a, b)) = b− a(II) µ(A+ β) = µ(A) para qualquer translação por β• µ((0, 1]n) = 1

(III) para A1, A2, . . .

µ(⋃i≥1

Ai) ≤∑i≥1

µ(Ai).

e se forem 2-2 disjuntos

µ(⋃i≥1

Ai) =∑i≥1

µ(Ai).

(IV) A ⊂ B implica µ(A) ≤ µ(B)

8.1. Medida exterior. .

Definição. Uma medida exterior num espaço X éuma função µ∗ : 2X → R≥0 satisfazendo• µ∗(∅) = 0.• A ⊂ B ⇒ µ∗(A) ≤ µ∗(B)• µ∗(

⋃i≥1Ai) ≤

∑i≥1 µ

∗(Ai).

Definimos a medida exterior de Lebesgue que será de-finida para todo subconjunto de R.

Definição. Seja A ⊂ R. Definimos

µ∗(A) := inf∑k

bk − ak,

onde o infimo é tomado sobre todas famílias enume-ráveis {(ak, bk)} tais que

A ⊂⋃k≥1

(ak, bk).

Unas primeiras propriedades:

Lema 8.1. a ≤ b⇒ µ∗([a, b]) = µ∗((a, b)) = b− a.

Demonstração. Como [a, b] ⊂ (a − ε, b + ε), segueµ∗([a, b]) ≤ b− a+ 2ε. e portanto µ∗([a, b]) ≤ b− a.

Mostraremos µ∗([a, b]) ≥ b − a. Pelo Teorema de Heine-Borel, toda cobertura do compacto [a, b] por intervalosabertos tem uma subcobertura finita; portanto basta con-siderar coberturas finitas.

Afirmação. Seja U1, . . . , Un cobertura de [a, b] por inter-valos abertos. Tem-se∑

k

|Un| ≥ b− a.

Demonstração. Por indução. Vale para n = 1.Supomos que vale n−1, n > 1. Existem (pelo menos) doisintervalos que se intersectam, digamos Un−1 e Un. SejaVn−1 := Un−1 ∪ Un e Vi = Ui para i < n − 1. Portanto{Vi}n−1

i=1 é cobertura de [a, b]. Pela hipotese da indução

n−1∑i=1

|Vi| ≥ b− a

Como |Un−1|+ |Un| > |Vn−1| e |Ui| = |Vi−1| para i < n−1segue

n∑i=1

|Ui| >n−1∑i=1

|Vi| ≥ b− a

Assim segue µ∗([a, b]) = b− a.

Caso (a, b), segue trivialmente µ∗((a, b)) ≤ b−a. Por outrolado, qualquer cobertura (enumerável/finita) por abertosde (a, b) também é cobertura de [a, b], e a primeira partese aplica. �

Lema 8.2. Se A é conjunto nulo, então µ∗(A) = 0.µ∗({x}) = 0. µ∗(∅) = 0.

Verificamos a propriedade de ser uma medida exterior:

Teorema 8.3. A função µ∗ : 2X → R≥0 definida emcima é uma medida exterior.

Demonstração.

Afirmação. µ∗(∅) = 0.

Afirmação. A ⊂ B ⇒ µ∗(A) ≤ µ∗(B).

Afirmação. Para {An}, tem-se

µ∗(⋃n

An) ≤∑n

µ∗(An).

Demonstração. Seja ε > 0. Pela definição de µ∗(An),existe cobertura enumerável {Uni } de An tal que∑

i

|Uni | ≤ µ∗(An) +1

2nε.

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46 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

Como⋃n

⋃i U

ni ⊃

⋃nAn, segue

µ∗(⋃n

An) ≤∑n

∑i

|Uni |

≤∑n

µ∗(An) +∑n

1

2nε

=∑n

µ∗(An) + ε.

Como ε > 0 foi arbitrário, segue a afirmação. �

Corolário 8.4. Para A enumerável, µ∗(A) = 0.

Proposição 8.5. Para A ⊂ R e c ∈ R tem-seµ∗(A+ c) = µ∗(A).

Corolário 8.6. µ∗((a,∞)) = µ∗((−∞, a)) =µ∗(R) =∞.

Proposição 8.7 (Regularidade). Se A ⊂ R comµ∗(A) < ∞, então para todo ε > 0 existe V ⊂ Raberto tal que A ⊂ V e µ∗(V ) < µ∗(A) + ε. Portanto

µ∗(A) = inf{µ∗(U) : U aberto e A ⊂ U}.

Demonstração. Pela definição de µ∗(A) (e usando o fatoque é < ∞), existe cobertura enumerável {Ui} de A talque ∑

i

|Ui| ≤ µ∗(A) + ε.

Pela subaditividade, segue com V =⋃i Ui ⊃ A aberto que

µ∗(V ) = µ∗(⋃i

Ui) ≤∑i

µ∗(Ui) =∑i

|Ui| < µ∗(A) + ε.

Tomando inf, segue

inf{µ∗(U) : U aberto e A ⊂ U} ≤ µ∗(A) + ε.

Como ε > 0 foi arbitrário, segue

inf{µ∗(U) : U aberto e A ⊂ U} ≤ µ∗(A).

Como A ⊂ U implica µ∗(A) ≤ µ∗(U), segue afirma-ção. �

A medida exterior de Lebesgue não é additiva: existemconjuntos disjuntos (bastante “irregular”) A,B ⊂ R talque µ∗(A ∪B) < µ∗(A) + µ∗(B).

8.2. Conjuntos Lebesgue-mensuráveis. Lembramosque a σ-álgebra M de conjuntos Lebesgue-mensuráveis eaquela gerada pela família dos intervalos abertos de R edos conjuntos nulos. Ela coincide com a σ-álgebra geradapela família dos conjuntos Borelianos de R e dos conjuntosnulos.O procedimento é o seguinte:• Definir M0 ⊂ 2R.• Definir a medida de Lebesgue µ(A) para A ∈M0.• Verificar que M0 é uma σ-álgebra, de fato M0 = M.• Verificar as propriedades (I)–(IV) para µ.

Proposição 8.8. Seja A uma σ-álgebra que contémos conjuntos Borelianos de R. Seja µ : A → [0,∞]uma função que satisfaz (I), (III) e (IV). Então paratodo a ≤ b e todo A ∈ A tem-se

(b−a)−µ∗(Ac∩ [a, b]) ≤ µ(A∩ [a, b]) ≤ µ∗(A∩ [a, b]).

Demonstração. Seja {Ui} cobertura enumerável de A ∩[a, b]. Portanto

µ(A ∩ [a, b]) ≤ µ(⋃i

Ui) ≤∑i

µ(Ui) =∑i

|Ui|

e segue – tomando infímo –

µ(A ∩ [a, b]) ≤ µ∗(A ∩ [a, b]).

Como Ac ∈ A, igualmente tem-se

µ(Ac ∩ [a, b]) ≤ µ∗(Ac ∩ [a, b]).

Por outro lado, pela hipótese que µ satisfaz (III) e (I),segue

µ(A ∩ [a, b]) + µ(Ac ∩ [a, b]) = µ([a, b]) = b− a.

Segue então

(b− a)− µ(A ∩ [a, b]) = µ(Ac ∩ [a, b]) ≤ µ∗(Ac ∩ [a, b]).

Caso as duas desigualdas acima são igualdades,

µ∗(A ∩ [a, b]) + µ∗(Ac ∩ [a, b]) = b− a

e então µ(A ∩ [a, b]) = µ∗(A ∩ [a, b]).

Exercício 8.9 (*). Seja S a família de conjuntos A ⊂ Rtais que

µ∗(A ∩B) + µ∗(Ac ∩B) = µ∗(B) ∀B = [a, b] ⊂ R.

Mostre que para todo A ∈ S e todo U ⊂ R limitado abertotem-se

µ∗(A ∩ U) + µ∗(Ac ∩ U) = µ∗(U).

Mostre que para todo A ∈ S e B ⊂ R um conjunto qual-quer tem-se

µ∗(A ∩B) + µ∗(Ac ∩B) = µ∗(B).

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 47

Portanto faz sentido a seguinte definição:.

Definição. Seja M0 a família de conjuntos A ⊂ Rtais que

µ∗(A ∩B) + µ∗(Ac ∩B) = µ∗(B) ∀B ⊂ R.Dizemos que M0 é a família dos conjuntos µ∗-mensuráveis.Para A ∈ M0, definimos a medida de Lebesgue µde A por

µ(A) := µ∗(A).

Definição. Umamedida é uma função µ : A→ R≥0,onde A ⊂ 2X é uma σ-álgebra, satisfazendo• µ(∅) = 0.• A ⊂ B ⇒ µ(A) ≤ µ(B)• {Ai}i≥1 2-2 disjuntos ⇒

µ(⋃i≥1

Ai) =∑i≥1

µ(Ai).

Notamos primeiro

Definição. Uma família A de subconjuntos de umconjunto X é uma álgebra se• X ∈ A,• A ∈ A⇒ Ac ∈ A,• A,B ∈ A⇒ A ∪B ∈ A,

Teorema 8.10 (Carathéodory). Seja η : 2X → R≥0

uma medida exterior e

Adef= {A ∈ 2X : η(A∩B)+η(Ac∩B) = η(B)∀B ∈ 2X}

a família dos conjuntos η-mensuráveis. Então A éuma σ-álgebra e η|A é uma medida.

Demonstração.

Afirmação. A é uma álgebra.

Demonstração. A ∈ A⇒ Ac ∈ A é óbvio.Sejam A,B ∈ A. Então segueη(C) ≥ η(A ∩ C) + η(Ac ∩ C)

≥ η(A ∩ C) + η(Ac ∩ C ∩B) + η(Ac ∩ C ∩Bc)= η((A ∩ C) ∪ (Ac ∩ C ∩B)) + η((A ∪B)c) ∩ C)

≥ η(C ∩ (A ∪B)) + η((A ∪B)c) ∩ C)

e portanto A ∪B ∈ A. �

Afirmação. (Ai)i≥1 ⊂ A 2-2 disjuntos ⇒ Adef=⋃iAi ∈

A e η(A) =∑i η(Ai).

Demonstração. Sejam A,B ∈ A. Portantoη(C ∩ (A ∪B)) = η(C ∩ (A ∪B) ∩A))

+ η(C ∩ (A ∪B) ∩Ac)= η(C ∩A) + η(C ∩B)

Por indução, segue para qualquer n

η(C ∩n⋃i=1

Ai) =

n∑i=1

η(C ∩Ai).

Portanto⋃ni=1Ai ∈ A.

η(C) ≥ η

(C ∩

n⋃i=1

Ai

)+ η

(C ∩

(n⋃i=1

Ai

)c)

≥n∑i=1

η(C ∩Ai) + η(C ∩Ac)

≥ η(C ∩A) + η(C ∩Ac)≥ η(C)

as últimas duas pela sub-additividade da medida exteriorη. Portanto, como n foi arbitrário, segue

η(C) =∑i≥1

η(C ∩Ai) + η(C ∩Ac) = η(C ∩A) + η(C ∩Ac)

Segue então A ∈ A e η(A) =∑i η(Ai). �

Segue a afirmação. �

Como já definimos a σ-álgebra dos conjuntos Lebesgue-mensuráveis M, mostrarémos no restante desta seção queM0 = M.

Teorema 8.11. Tem-se M0 = M e µ é a (única) me-dida de Lebesgue, i.e. M0 é a σ-álgebra gerada pelafamília que contém os intervalos abertos de R e osconjuntos nulos e µ : M→ [0,∞) satisfaz as seguintespropriedades:(L1) =(I) µ

((a, b)

)= b− a para quaisquer a < b,

(L2) =(II) µ(A + c) = µ(A) para quaisquer A ∈ M

e c ∈ R(L3) =(III) µ

(⋃∞i=1Ai

)≤∑∞i=1 µ(Ai) para quais-

quer Ai ∈ M, e se ainda mais Ai ∩ Ai = ∅para todo i 6= j então

µ( ∞⋃i=1

Ai)

=

∞∑i=1

µ(Ai)

(L4) =(IV) µ(A) ≤ µ(B) para quaisquer A ⊂B,A,B ∈M,

(L5) A ⊂ R é conjunto nulo se e somente se A ∈M

e µ(A) = 0.

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48 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

A medida η

Demonstração.

Afirmação. Para todo A ∈M0 limitado tem-se

A = B \N,onde B é Borel e N = Ac \B conjunto nulo.

Demonstração. Pela regularidade de µ∗, para k ≥ 1 existeVk ⊃ A aberto tal que

µ∗(Vk) < µ∗(A) +1

k.

Para B :=⋂k Vk tem-se

µ∗(A) ≤ µ∗(B) ≤ µ∗(Vk) ≤ µ∗(A) +1

k

e portanto µ∗(B) = µ∗(A).Tomando X = B na definição de A ∈ M0 e usandoA ∩B = A, segue

µ∗(A) + µ∗(Ac ∩B) = µ∗(A ∩B) + µ∗(Ac ∩B)

= µ∗(B) = µ∗(A).

Portanto (usando A limitado) µ∗(Ac ∩ B) = 0. PortantoN := Ac ∩B conjunto nulo.Tem-se

A = B \ (B ∩Ac) = B \N.fim. �

Afirmação. A ⊂ R conjunto nulo se e somente se A ∈M0 e µ(A) = 0.

Demonstração. A nulo se e somente µ∗(A) = 0.Dado X ⊂ R e A nulo, então µ∗(A ∩X) = 0.Tem-se µ∗(Ac ∩X) ≤ µ∗(X).Portanto

µ∗(A ∩X) + µ∗(Ac ∩X) = µ∗(Ac ∩X) ≤ µ∗(X).

Portanto A ∈M0. �

Afirmação. Todo intervalo é em M0.

Demonstração. �

Concluimos então M0 = M da seguinte forma:M0 é uma σ-álgebra que contém os intervalos abertos.Portanto, M0 ⊃ B. M0 contém os conjuntos nulos.⇒M0 ⊃M.Por outro lado A ∈ M0 limitado implica A = B \N comB Borel e N nulo e portanto A ∈M.A ∈M0 ⇒ A ∩ [n, n+ 1] ∈M0 ⇒ A ∩ [n, n+ 1] ∈M

⇒ A =⋃n(A ∩ [n, n+ 1]) ∈M.

⇒M0 ⊂M.

Falta apenas ver que µ é a única medida com estes pro-priedades. Por contradição, supondo que µ1 e µ2 sãoduas medidas com (L1)–(L5). Por (L1), para qualquer(a, b) segue µ1((a, b)) = µ2((a, b)). Como cada aberto éunião enumerável de intervalos abertos 2-2 disjuntos segue

µ1(U) = µ2(U) para U aberto. Finalmente, pela regulari-dade de µ∗

µ∗(A) = inf{µ∗(U) : U aberto e A ⊂ U}.

e portanto de µ, segue µ1 = µ2. �

8.3. Conjuntos não-mensuráveis. .

Teorema 8.12. Existe um conjunto E ⊂ [0, 1] quenão é Lebesgue-mensurável.

Dado x ∈ R consideramos o conjunto

Sxdef= Q + x.

Afirmação. Sx ∩ Sy 6= ∅⇒ Sx = Sy.

Demonstração. Caso

z ∈ (Q + x) ∩ (Q + y)

segue z = x + r = y + s para r, s ∈ Q. Portantox− y = s− r ∈ Q. Portanto

Sy = {y + r : r ∈ Q}= {y + r + (x− y) : r ∈ Q}= {x+ r : r ∈ Q} = Sx.

Tem-se Sx ∩ [0, 1] denso em [0, 1].

Pelo axioma de escolha, existe uma função de escolhaΨ: 2R → R, i.e. uma função Ψ tal que Ψ(A) ∈ A paraqualquer conjunto não-vazio A ⊂ R. Definimos

Edef= {y : y = Ψ([0, 1] ∩ Sx) para algum x ∈ R},

e assim E contém o conjunto de todos y tais que y ∈ [0, 1]e y ∈ Sx para algum x. Em particular, para todo x ∈ R

E ∩ Sxcontém exatamente um ponto e este ponto está em [0, 1].

Seja {ri}i≥1 uma enumeração de Q.

Afirmação. {E + ri}i é uma partição de R, i.e.◦⋃i

(E + ri) = R

Demonstração. Caso z ∈ (E + ri) ∩ (E + rj) segue y =ei + ri = ej + rj para ei, ej ∈ E, segue ei − ej ∈ Q eportanto ei e ej estão no mesmo conjunto Sx, x ∈ R. Por-tanto, ei = ej . Portanto ri = rj . Portanto a união é deconjuntos 2-2 disjuntos.Dado x ∈ R, seja {z} def

= E∩Sx. Portano x = z+r para al-gum r ∈ Q. Portanto x ∈ E+r. Portanto x ∈

⋃i(E+ri).

Segue⋃i(E + ri) = R. �

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 49

Como E ⊂ [0, 1] segue µ∗(E) ≤ 1.Tem-se µ∗(E) > 0 que é consequência de

µ∗(R) = µ∗

( ◦⋃i

(E + ri)

)≤∑i

µ∗(E + ri) =∑i

µ∗(E) = 0

(usando (L2)).Sendo {sn}Nn=1 ⊂ Q ∩ [0, 1] números diferentes, segue

E + sn ⊂ [0, 2] ⇒ µ∗(

N⋃n=1

(E + sn)) ≤ µ∗([0, 2])

Por outro lado, caso E fosse mensurável

µ∗

(N⋃n=1

(E + sn)

)= µ

(N⋃n=1

(E + sn)

)

=

N∑n=1

µ(E + sn)

= Nµ(E) = Nµ∗(E),

que lela numa contradição com µ∗(E) > 0 e Nµ∗(E) ≤µ∗([0, 2]) = 2 para N � 1. �

8.4. O teorema de Banach-Tarski. .Lembramos do Problema de Conteúdo de FelixHausdorff (1914): Existe ι : 2R

n

b → R ∪ {∞} com asseguintes propriedades?:(C01) ι(A) ≥ 0(C02) ι(∅) = 0(C1) A ∩B = ∅⇒ ι(A ∪B) = ι(A) + ι(B)(C2) ι(β(A)) = ι(A) para qualquer isometria β(C3) ι([0, 1]n) = 1

Comentário 8.13. Seguindo Hausdorff, existe uma parti-ção {A,B,C,D} de S2 = {(x, y, z) ∈ R3 : x2+y2+z2 = 1}tais que• A ∼= B,• A ∼= (B ∪ C),• D enumerável.

Como consequência

Corolário 8.14. Não existe um conteúdo ι : 2R2

b → R ∪{∞} satisfazendo (C0)–(C2) e (C3’) ι(S2) > 0.

Demonstração. Por contradição. Supondo que sim existe.Como D é enumerável, existe uma isometria em f : S2 →S2 tal que D ∩ f(D) = ∅. Portanto D1 := D ∪ f(D) éenumerável e

µ(D1) = µ(D) + µ(f(D)) = µ(D) + µ(D) = 2µ(D).

Da forma indutiva, existem conjuntos enumeráveis Dn

com µ(Dn) = 2n · µ(D). Observamos

Dn ⊂ S2 ⇒ µ(Dn) ≤ µ(S2) ⇒ µ(D) = 0.

Portanto

µ(S2) = µ(A∪B∪C ∪D) = µ(A)+µ(B)+µ(C) = 3µ(A)

eµ(S2) = µ(B ∪ C) + µ(B) + µ(C) = 4 · µ(A).

Portanto µ(A) = 0 e assim µ(S2) = 0. Contradição. �

Corolário 8.15. Não existe um conteúdo ι3 : 2R3

b → R ∪{∞} satisfazendo (C0)–(C2) e (C3).

Demonstração. Caso que ι3 existisse, a função ι : 2R2

b →R ∪ {∞}

µ(A) := µ3({(λx, λy, λz) : (x, y, z) ∈ A, 0 < λ ≤ 1})satisfaria (C0)–(C2), (C3’) em contradição com o Corolá-rio anterior. �

Curiosamente, o fenômeno é baseado em propriedades degrupos de isometrias.

Definição. Um grupo livre F2 de dois geradores a e bé o conjunto de todas as palavras x1x2 . . . xn de letrasa, b, a−1, b−1 tais que a e a−1 nunca são adjacentes e b eb−1 também não são. Usamos a seguinte multiplicaçãode dois palavras v = x1x2 . . . xn e w = y1y2 . . . ym paraobter v · w:• concatenar x1x2 . . . xny1y2 . . . ym• eliminar xn e y1 caso ou {xn, y1} = {a, a−1} ou

= {b, b−1}• repetir o passo anterior tantas vezes quanto possí-

vel.A palavra neutro e é a palavra sem letra.Notamos

x · Y := {xy : y ∈ Y } para x ∈ F2, Y ⊂ F2.

Dizemos X ∼= Y , X é congruente com Y , caso existez ∈ F2 tal que Y = z ·X.

Teorema 8.16. Existe uma partição {A,B,C,D} de F2

tais que1. A ∼= (A ∪ C ∪D),2. C ∼= (A ∪B ∪ C).

ConsideramosA = {x1 . . . xn ∈ F2 : x1 = a}B = {x1 . . . xn ∈ F2 : x1 = a−1}C = {x1 . . . xn ∈ F2 : x1 = b}D = {x1 . . . xn ∈ F2 : x1 = b−1}

e então {A,B,C,D} é quase uma partição, salvo do fatoque a palavra neutra está faltando. Além disso tem-se

A ∼= a−1 ·A = A ∪ C ∪D ∪ {e}C ∼= b−1 · C = A ∪B ∪ C ∪ {e}

Para ser mais precisa, tomando em conta também o ele-mento neutro, a demonstração fica um pouco mais feia:

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50 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

Demonstração. SejamA = {x1 . . . xn ∈ F2 : x1 = a}B = {x1 . . . xn ∈ F2 : x1 = a−1}.

Sejam

C = {x1 . . . xn ∈ F2 : x1 = b} ∪ {b−n : n ∈ ND = F2 \ (A ∪B ∪ C)

= {x1 . . . xn ∈ F2 : x1 = b−1} \ {b−n : n ∈ N}.

Portanto {A,B,C,D} é sim uma partição de F2 e

A ∼= a−1 ·A = A ∪ C ∪DC ∼= b−1 · C = A ∪B ∪ C.

Teorema 8.17. Caso o grupo livre em dois geradores F2

em X atua sem ponto fixo (apenas o elemento neutro tempontos fixos), então existe uma partição {A,B,C,D} deX tais que

1. A ∼= (A ∪ C ∪D),2. C ∼= (A ∪B ∪ C).

Demonstração. Seja {A,B,C,D} partição de F2 satisfa-zendo A ∼= (A ∪ C ∪ D) e C ∼= (A ∪ B ∪ C). Para cadax ∈ X seja

O(x) := {g(x) : g ∈ F2}sua órbita. Então {O(x) : x ∈ X} é uma partição de X.Pelo Axioma de Escolha existe um subconjunto S de Xque contém exatamente um elemento de cada elementodesta partição. Seja

A∗ := {g(x) : g ∈ A, x ∈ S}e da forma análoga B∗, C∗, D∗. Como F2 atua sem pontosfixos, {A∗, B∗, C∗, D∗} é partição de X. Pela construçãotem-se

A∗ ∼= (A∗ ∪ C∗ ∪D∗), C∗ ∼= (A∗ ∪B∗ ∪ C∗).�

Observamos que o grupo de todas as isometrias em R3

contém um subgrupo isomorfa à F2 e atuando em B3 (ro-tação e reflexão). Caso este subgrupo estivesse sem pontofixo, poderíamos aplicar diretamente o teorema. Porém,como cada rotação tem dois pontos fixos, o mundo fica umpouco mais difícil. Mesmo assim, Banach e Tarski conse-guem mostrar o seguinte. Ver [6] para mais material.

Teorema 8.18 (Banach-Tarski [1]). Existem partiçõesP1 = {A1, . . . , An, B1, . . . , Bm}P2 = {C1, . . . , Cn}P3 = {D1, . . . , Cm}

da bola unitária B3 = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y2 + z2 ≤ 1}tais que

Ai ∼= Ci para i = 1, . . . , nBj ∼= Dj para j = 1, . . . ,m.

Foi mostrado• Stromberg 40 = 24 + 16• Bruckner e Ceder 30 = 18 + 12• von Neumann 9 = 5 + 4• Sierpinski 8 = 5 + 3 = 6 + 2• Robinson 5 = 3 + 2 (e 4 não é suficiente)

É claro que nos teoremas anteriores, os conjuntos afirma-dos não são Lebesgue-mensuráveis (relativamente a me-dida de Lebesgue de R3 etc.).

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 51

9. A integral e a medida de Lebesgue em Rn

9.1. Pre-medida.

Definição. Uma pre-medida é uma função µ : A →[0,∞] onde A ⊂ 2X é uma álgebra A, satisfazendo

• µ(∅) = 0• A ⊂ B ⇒ µ(A) ≤ µ(B)• {Ai}i=1,...,N 2-2 disjuntos ⇒

µ(

N⋃i=1

Ai) =

N∑i=1

µ(Ai).

Uma pre-medida é σ-finita se X =⋃k Ak com Ak ∈ A e

µ(Ak) <∞.

Proposição 9.1. Seja A ⊂ 2X uma álgebra e µ : A→[0,∞] uma pre-medida. Então

µ∗(A)def= inf

∑k

µ(Ak)

onde o ínfimo é tomado sobre todas famílias enumerá-veis {Ak}, Ak ∈ A, tais que A ⊂

⋃Ak, é uma medida

exterior em X. Ainda mais, todo conjunto A ∈ A éµ∗-mensurável (no sentido de Carathéodory) e tem-seµ∗(A) = µ(A).

Dado uma álgebra A, denotamos por σ(A) a σ-álgebragerada por A (i.e. a menor σ-álgebra que contém A).

Teorema 9.2 (Extensão, Lebesgue-Hahn-Kolmogo-rov). Seja µ : A → [0,∞] uma pre-medida σ-finitanuma álgebra A, então existe uma única medidaµ′ : σ(A) → [0,∞] que estende µ, i.e. µ′(A) = µ(A)para todo A ∈ A.

A demonstração deste fato é similar com a demonstraçãodo teorema de Carathéodory: consideramos primeiro a fa-milia A0 dos conjuntos µ∗-mensurável (no sentido de Ca-rathéodory), mostramos que é uma σ-álgebra como antes.Apenas falta mostrar que A0 ⊃ A.Em particular, conjuntos borelianos são µ∗-mensuráveis(µ sendo a (Lebesgue) pre-medida em {(a, b] : a ≤ b}) eportanto Lebesgue-mensuráveis. A restrição da medidade Lebesgue a σ-álgebra de Borel se chama a medida deLebesgue-Borel.Ainda mais, é agora bem transparente que a medida deLebesgue necessáriamente tem como σ-álgebra aquela quecontém os borelianos e os conjuntos nulos.

9.2. A medida de Lebesgue em Rn. .

Definição. Sejam (X,BX) e (Y,BY ) dois espaçosmensuráveis. Seja BX ⊗ BY a σ-álgebra produto,i.e. a σ-álgebra gerada por

{X1 ×X2 : X1 ∈ BX , X2 ∈ BY }.

Exercício 9.3. Mostre que E ∈ BX ⊗ BY implica quepara cada x ∈ X tem-se

Exdef= {y ∈ Y : (x, y) ∈ E} ∈ BY

eEy

def= {x ∈ X : (x, y) ∈ E} ∈ BX

Exercício 9.4. Mostre que caso f : X×Y → [0,∞] é men-surável (com respeito a BX⊗BY ), então para cada x ∈ Xa função fx : y → f(x, y) é BY -mensurável e similar paracada y ∈ Y a função fy : x→ f(x, y) é BX -mensurável.

Definição. Dado (X,BX , µX) e (Y,BY , µY ) dois es-paços de medida, definimos a medida exterior pro-duto por (µX ⊗ µY )∗ : 2X×Y → [0,∞]

(µX⊗µY )∗(E)def= inf

∑k≥1

{µX(Ak)µY (Bk) :

E ⊂⋃k≥1

(Ak ×Bk), Ak ∈ BX , Bk ∈ BY}.

A medida produto

µX ⊗ µY : BX ⊗BY → [0,∞]

é a restrição da medida exterior produto ao σ-álgebraproduto.

Comentário 9.5. Observamos que (em geral) a σ-álgebrados conjuntos (µX ⊗ µY )∗-mensuráveis (via a construçãode Carathéodory) é major do que a σ-álgebra produto.O produto de dois espaços de medida em geral não é “com-pleto” no seguinte sentido.

Definição. Dado um espaço de medida (X,B, µ), umconjunto A ∈ B é conjunto nulo se µ(A) = 0. Dize-mos que (X,B, µ) é completo se para todo conjuntonulo A ∈ B e todo B ⊂ A segue B nulo, i.e. B ∈ B

e µ(B) = 0. Para cada espaço de medida (X,B, µ)existe uma única extensão completa de B, que deno-tamos por B ⊃ B.

Comentário 9.6. Observamos que (R,M, µ) com a σ-álgebra de Lebesgue M e a medida de Lebesgue µ é com-pleto. Observamos que (R,B, µ) com a σ-álgebra de Borel

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52 INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO

B e a medida de Lebesgue µ não é completo, pois exis-tem conjuntos borelianos nulos que contém conjuntos daσ-álgebra de Lebesgue não-borelianos, lembrando que

B ⊂M ⊂ 2R.

Seja N ⊂ R não-Lebesgue-mensurável. Então

{0} ×N 6∈M(R)⊗M(R).

Porém {0} ×N ∈ M(R2), pois este conjunto tem medidade Lebesgue (R2,M(R2), µ ⊗ µ) nulo e a medida de Le-besgue é completa.Tem-se

M(Rn+m) = M(Rn)⊗M(Rm).

9.3. O teorema de Fubini. .

Teorema 9.7 (Tonelli). (X,BX , µX) e (Y,BY , µY )dois espaços de medida σ-finitos. Seja f : X × Y →[0,∞] mensurável (com respeito a BX ⊗BY ). Então• As funções

x 7→∫Y

f(x, y) dµY (y), y 7→∫X

f(x, y) dµX(x)

são mensuráveis rel. BX e BY , respectiva-mente.

• Tem-se∫X×Y

f(x, y) dµX ⊗ µY (x, y)

=

∫X

(∫Y

f(x, y) dµY (y)

)dµX(x)

=

∫Y

(∫X

f(x, y) dµX(x)

)dµY (y)

Demonstração. teorema de convergência monótona etc.�

Teorema 9.8 (Tonelli). Sejam (X,BX , µX) e(Y,BY , µY ) dois espaços de medida completos e σ-finitos. Seja f : X × Y → [0,∞] mensurável (comrespeito a BX ⊗BY ). Então• Para µX-quase todo x ∈ X, a função fx é BY -mensurável e, em particular,

∫Yf(x, y) dµY (y)

existe. Para µY -quase todo y ∈ Y , a fun-ção fy é BX-mensurável e, em particular,∫Xf(x, y) dµX(x) existe.

• Tem-se∫X×Y

f(x, y) dµX ⊗ µY (x, y)

=

∫X

(∫Y

f(x, y) dµY (y)

)dµX(x)

=

∫Y

(∫X

f(x, y) dµX(x)

)dµY (y)

Teorema 9.9 (Fubini). Sejam (X,BX , µX) e(Y,BY , µY ) dois espaços de medida completos e σ-finitos. Seja f : X × Y → [0,∞] absolutamente inte-grável (com respeito a BX ⊗BY ). Então• Para µX-quase todo x ∈ X, a função fxé BY -absolutamente integrável e, em particu-lar,

∫Yf(x, y) dµY (y) existe. Para µY -quase

todo y ∈ Y , a função fy é BX-absolutamenteintegrável e, em particular,

∫Xf(x, y) dµX(x)

existe.• Tem-se∫

X×Yf(x, y) dµX ⊗ µY (x, y)

=

∫X

(∫Y

f(x, y) dµY (y)

)dµX(x)

=

∫Y

(∫X

f(x, y) dµX(x)

)dµY (y)

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INTRODUÇÃO A MEDIDA E INTEGRAÇÃO 53

As notas estão baseadas nas seguintes referências

Referências

[1] Stefan Banach e A. Tarski. Sur la d?ecomposition des ensemblesde points in parties respectivement congruents. Fund. Math.,6:244?277, 1924.

[2] Frank E. Burk. A Garden of Integrals. The Dolciani Mathema-tical Expositions. The Mathematical Association of America,2007.

[3] Jürgen Elstrodt Maß- und Integrationstheorie. Springer, 2000.[4] John Franks. A (Terse) Introduction to Lebesgue Integration.

Student Mathematical Library 48. AMS, Providence, RhodeIsland, 2009.

[5] John Franks. Notes on Measure and Integration.arxiv:0802.4076 (verhttp://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/us/).

[6] Horst Herrlich, Axiom of Choice. Springer, 2006.[7] Elias M. Stein and Rami Shakarchi. Real Analysis. Princeton

Lecture Notes in Analysis, 2005.[8] Vito Volterra. Some observation on pointwise discontinuous

functions. (Alcune osservazioni sulle funzioni punteggiate dis-continue.) Batt. G. XIX, 76–87 (1881).

[9] Alan J. Weir. Lebesgue Integration & Measure. Cambridge Uni-versity Press (1973).