instituto a vez do mestre licenciatura em pedagogia documento protegido pela lei de ... · 2012....

42
1 Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA ALFABETIZAÇÃO E CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA Apresentação de monografia AO Instituto A Vez do Mestre/Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de licenciatura em pedagogia. Por.: Marcele Moraes Rodrigues Ferrari Bessa Professora Ms. Andressa Maria Freire da Rocha Arana Rio de Janeiro 2010 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

Upload: others

Post on 22-Nov-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

1

Instituto A Vez do Mestre

LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

ALFABETIZAÇÃO E CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

Apresentação de monografia AO

Instituto A Vez do Mestre/Candido

Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de licenciatura em

pedagogia.

Por.: Marcele Moraes Rodrigues Ferrari

Bessa

Professora Ms. Andressa Maria Freire

da Rocha Arana

Rio de Janeiro

2010

DOCU

MENTO

PRO

TEGID

O PEL

A LE

I DE D

IREIT

O AUTO

RAL

Page 2: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

2

AGRADECIMENTOS

A minha mãe Angela e ao meu pai

Rubens, por sempre me apoiarem nos

momentos difíceis de minha vida.

Ao meu marido Vinícuis, pelo incentivo,

apoio, companheirismo e carinho com

que sempre me tratou.

Page 3: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

3

RESUMO

Este trabalho procura analisar a importância da alfabetização para a

construção e exercício da cidadania na atualidade. Ultimamente muito se tem

falado da necessidade crescente do exercício da cidadania e que a obtenção

da leitura e da escrita é a condição primeira para o exercício da mesma por

uma pessoa. O ponto de partida deste estudo é a discussão em torno das

novas perspectivas de alfabetização existentes na sociedade brasileira

contemporânea. O processo de alfabetização também é debatido como

resultante de ações políticas, que se vinculam a interesses econômicos e

sociais de determinada época. Em seguida, o estudo dirige-se ao conceito de

cidadania. Ao longo do capitulo definições de cidadania são apresentadas,

porem o consenso é de que a cidadania de uma nação só é criada a partir do

conhecimento e exercício dos direitos civis, sociais e políticos. Só assim serão

formados jovens verdadeiramente preparados para o exercício mínimo da

cidadania. No ultimo capitulo, o trabalho volta-se ao assunto principal deste

trabalho: a relação entre a alfabetização e a formação da cidadania. Tal relação

é pensada e discutida em dois caminhos distintos: o primeiro é o da negação,

ou seja, a afirmação de que o acesso a leitura e a escrita não é imprescindível

para o exercício da cidadania. O outro é o da afirmação de que a aquisição de

habilidades de leitura e escrita é imprescindível para o exercício pleno da

cidadania. O objetivo deste trabalho é analisar este assunto de maneira a

esclarecer até que ponto a alfabetização contribui decisivamente para a

construção e exercício da cidadania. Um pedagogo que alfabetiza seus alunos

conscientizando-os de seus direitos e deveres abre as portas para o exercício

da cidadania. Mas a condição primeira para tal exercício é a garantia, por parte

do governo, do cumprimento dos direitos básicos de seu povo.

Page 4: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

4

METODOLOGIA

O presente trabalho foi elaborado a partir da leitura e da pesquisa bibliográfica

em livros, artigos e trabalhos publicados em revistas e periódicos relacionados

ao tema deste estudo em questão. As obras de Paulo Freire e Magda Soares

serviram como principal suporte para a elaboração deste trabalho acadêmico. .

Page 5: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

5

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................7 CAPITULO I- A alfabetização na sociedade brasileira............................................................9 1.1 O que é alfabetização?................................................................................9 1.2 Alfabetização e política...............................................................................13 CAPITULO II O que é cidadania?...........................................................................................17 1.1 O direito civil................................................................................................21 1.2 O direito político...........................................................................................23

1.3 O direito social.............................................................................................25 CAPITULO III Alfabetização como elemento de formação de cidadania.................................27 1.1 O analfabetismo e o exercício da cidadania................................................27 1.2 A vinculação entre alfabetização e cidadania.............................................30 CONCLUSÃO....................................................................................................36 BIBLIOGRAFIA..................................................................................................38 INDICE...............................................................................................................41

Page 6: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

6

INTRODUÇÃO

Atualmente muito se tem falado de exercício da cidadania. A sociedade

cobra de homens, mulheres e até de crianças a prática de deveres. A

conscientização de alguns direitos fundamentais passou a ser uma

necessidade da sociedade como um todo.

Uma das armas utilizadas, principalmente pelos governantes, para

conscientizar as pessoas de seus direitos e seus deveres é a escola. Tanto é

assim, que a necessidade de se acabar como o analfabetismo funcional em

nosso país tem sido tema de discussão de diversos programas de governo que

foram criados com o objetivo de alfabetizar – dando idéia de que a obtenção da

leitura e da escrita é a condição primeira para o pleno exercício da cidadania

de uma pessoa.

A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel da educação,

mais especificamente da alfabetização, na construção e no exercício da

cidadania em nosso país.

A discussão deste trabalho começa dando um novo sentido a

alfabetização – trazido pelo conceito de letramento. Alfabetizado é o individuo

que tem a capacidade de utilizar as habilidades de leitura e escrita para

interagir com o mundo. Esta nova perspectiva de alfabetização é fruto de ações

políticas que visam atender determinados interesses econômicos e sociais de

setores da sociedade – que, atualmente, possui como grande interesse a

garantia do alcance desta nova perspectiva de alfabetização.

O estudo parte, então para o conceito de cidadania, mostrando que

cidadania está ligada ao exercício dos direitos civis, sociais e políticos. Mais

que isso: ser cidadão é ter direito de possuir direitos – direitos esses que são

considerados alicerces na vida de qualquer pessoa.

Para fechar a discussão, apresenta-se a relação entre alfabetização e a

formação da cidadania. O acesso a leitura e a escrita é mostrado então como

fator necessário, mas não imprescindível para o exercício pleno da cidadania.

O acesso a uma educação de qualidade é um direito de todo e qualquer

cidadão, porém o fato de ter acesso a ela não é a garantia do exercício pleno

da cidadania.

Page 7: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

7

Ser cidadão vai além de ter a consciência de seus direitos e deveres. A

cidadania só ocorre com a participação ativa dos indivíduos na sociedade. É só

assim um país, e conseqüentemente o seu povo, pode se desenvolver

plenamente.

Page 8: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

8

CAPÍTULO I

A ALFABETIZAÇÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA

“A escrita pode ser concebida de duas formas muito diferentes e

conforme o modo de considerá-la as conseqüências pedagógicas mudam

drasticamente. [...]” (FERRERO, 2001, P. 10)

Durante muitos anos a alfabetização foi vista como uma mera aquisição

de códigos da língua escrita. O ato de alfabetizar está restrito ao ensino de

habilidades de ler e escrever. Sendo assim, o simples fato de se relacionar

fonemas e grafemas já era o suficiente para se considerar alguém alfabetizado.

Com o passar dos anos novas perspectivas de alfabetização surgiram,

com isso novos conceitos de alfabetização apareceram – como, por exemplo, o

letramento. Esses novos conceitos fazem muitos educadores se questionarem

sobre o que é, na realidade, alfabetizar.

1.1 – O que é alfabetização?

A alfabetização, em seu significado ou perspectiva mais simples,

consiste no aprendizado do alfabeto e de sua utilização como código de

comunicação. De modo geral, quando alguém aprende a ler e escrever se diz

que esta pessoa está alfabetizada.

O processo de leitura e escrita, ainda de acordo com esta perspectiva, é

visto como uma aprendizagem escolar que se realiza independente da

realidade cultural, econômica e social dos indivíduos.

Barbosa (2008) que há vários anos pesquisa sobre o assunto garante

que:

Page 9: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

9

“Tradicionalmente, a leitura e escrita vem sendo concebidas como

aprendizagens escolares; quer dizer, é no âmbito da escola que estas

aprendizagens se realizam. Procede-se sempre como se o mundo da escrita

fosse apresentado a criança a apartir do momento em que ela tem acesso a

escola (fato que poderia ser real há algumas dezenas de anos atrás). Através

desta iniciação, a criança vai desvendando os segredos daqueles sinais negros

sobre a pagina branca. Parte-se do grau zero da aprendizagem da escrita.”

(BARBOSA, 2008, p. 54).

Essas perspectivas de alfabetização não levam em conta o aluno e,

muito menos, a sua realidade. O que se leva em conta é o método em si e a

sua eficácia. O importante é que o aluno, ao final do período estabelecido,

consiga ler e escrever – mesmo que mecanicamente.

Diante de inúmeros novos estudos que se realizam sobre o tema, tal

perspectiva de alfabetização, parece ser algo ultrapassado em termos de

ensino. Tantos foram os educadores que já estudaram e publicaram livros

sobre o tema, que parece inconcebível que ainda se alfabetize sobre esta

perspectiva.

Os novos estudos definem alfabetização como algo mais abrangente. A

alfabetização é vista como um ato de construção. Construção da gramática e

suas variações a partir da realidade do aluno, do mundo que o cerca – idéia

defendida, por exemplo, pelo construtivismo.

Nessa nova perspectiva, alfabetização gira em torno do sujeito. É o

aluno que produz o saber. O professor, por sua vez, age apenas como um

facilitador ou mediador da aprendizagem. Aqui não se quer a pura e simples

Page 10: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

10

aquisição mecânica do ato de ler e escrever, mas sim a capacidade de

compreender, interpretar, criticar, ressignificar e produzir conhecimento.

Contudo o que a realidade aponta é que muitos educadores ainda

possuem uma visão mais tradicional sobre o processo de alfabetização. Prova

disso é que muitos ainda possuem como base principal para suas aulas a

cartilha – que está fortemente ligada a essa concepção mais tradicional da

alfabetização.

“Apesar de todas as interferências recentes no processo de

alfabetização, a pratica escolar mais comum em nossas escolas ainda se apóia

na cartilha tradicional (a cada ano com nova roupa e maquiagem). Quando o

professor diz que não adota a cartilha, continua usando o método da cartilha,

fazendo ele próprio o que antes vinha nos livros didáticos. [...]”(CAGLIARI,

1998, P. 31).

O fato de muitos professores embasarem suas aulas nas cartilhas

significa afirmar que muitas escolas brasileiras ainda alfabetizam seus alunos

de maneira mecânica, ou seja, baseando-se na simples copia de códigos e

decodificação de alguns símbolos.

Esta afirmativa se baseia no fato de as cartilhas serem livros didáticos

que se limitam ao “ensino de uma técnica de leitura, entendendo-se essa

técnica como a decifração de um elemento gráfico em um elemento sonoro”.

(BARBOSA, 2008, P.54)

A cartilha segue a lógica de algumas metodologias tradicionais, que

defendem que a aprendizagem da leitura e da escrita está associada ao ensino

da codificação e decodificação de sinais gráficos.

Page 11: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

11

Mas o que a realidade mostra é que a memorização mecânica do objeto

de estudo não garante a aprendizagem real, o alcance do verdadeiro

conhecimento e compreensão do mesmo. Já dizia Paulo Freire (2008):

“[...] A memorização mecânica da descrição do objeto não se constitui

em conhecimento do objeto. Por isso é que a leitura de um texto, tomado como

pura descrição de um objeto é feita no sentido de memorizá-la, nem é a real

leitura, nem dela, portanto resulta o conhecimento do objeto de que o texto

fala.” (FREIRE, 2008, P.21)

E é por tudo isso que Freire (2008) o ato de ler e de escrever é de

extrema importância. A leitura, segundo ele, é um ato de transformação – é

uma forma de você perceber, criticar, interagir e mudar o mundo. O ato de ler

“implica sempre percepção critica, interpretação e “re-escrita” do lido. (FREIRE,

2008 p.21).

E é por tudo isso que Freire e outros educadores contemporâneos

defendem que a concepção do ato de ler vai alem do simples ato de memorizar

e decodificar símbolos. A alfabetização que se defende atualmente é uma que

permita o individuo fazer uso das praticas sociais de leitura e escrita.

[...]. Sem dúvida, a alfabetização é um processo de representação de

fonemas em grafemas, e vice-versa, mas é também um processo de

compreensão/expressão de significados por meio do código escrito.

Não se considera “alfabetizada” uma pessoa que fosse apenas capaz de

decodificar símbolos visuais em símbolos sonoros, “lendo”, por exemplo,

sílabas ou palavras isoladas, como também não se consideraria “alfabetizada”

uma pessoa incapaz de , por exemplo, usar adequadamente o sistema

ortográfico de sua língua, ao expressar-se por escrito.” (SOARES, 2008, p.16).

Page 12: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

12

Tal sentido mais ampliado da alfabetização é denominado por muitos

educadores como letramento. O letramento, portanto vai além do aprendizado

de ler e escrever – ele envolve hábitos e atitudes dos indivíduos nas atividades

de leitura e escrita.

Esse novo sentido dado a alfabetização – o letramento – começou a ser

altamente debatido a partir da década de 80. Ele é resultante de uma nova

perspectiva que foi criada sobre a prática da leitura e da escrita.

O conceito do letramento acaba então por trazer uma nova perspectiva

para a alfabetização. O fato de um indivíduo ser letrado lhe traz uma nova

condição social e cultural, já que este passa a interagir com o mundo de forma

diferente.

“Socialmente e culturalmente, a pessoa letrada já não é a mesma que

era quando analfabeta ou iletrada, ela passa a ter outra condição social e

cultural – não se trata propriamente de mudar de nível ou de classe social,

cultural, mas de mudar seu lugar social, seu modo de viver na sociedade, sua

inserção na cultura – sua relação com os outros, com o contexto, com os bens

culturais torna-se diferente.” (SOARES, 2006, p.37).

Quando o individuo é alfabetizado e letrado ele aprende a aprender.

Sendo assim, uma das perspectivas atuais do conceito de alfabetização é a de

que alfabetizado é aquele individuo capaz de entender o mundo que o cerca,

de perceber seus direitos e seus deveres, de compreender sua condição de

oprimido na sociedade e, assim, de exercer plenamente e verdadeiramente a

sua liberdade e democracia.

Essa nova perspectiva e conceito de alfabetização espera que os

indivíduos saibam muito mais que ler e escrever – defende que os indivíduos

Page 13: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

13

adquiram habilidades e conhecimentos de leitura e escrita e, que tais

habilidades, sejam usadas para responder as demandas sociais.

“Fica claro que esse conceito liberal, funcional, assume que o

alfabetismo tem o poder de promover o progresso social e individual; seu

pressuposto é a crença de que o alfabetismo tem, necessariamente,

conseqüências positivas, e apenas positivas: sendo o uso das habilidades e

conhecimentos de leitura e escrita necessário para “funcionar” adequadamente

na sociedade, participar ativamente dela e realizar-se pessoalmente, o

alfabetismo torna-se possível pelo desenvolvimento cognitivo e econômico,

pela mobilidade social, pelo progresso profissional, pela promoção da

cidadania.” (SOARES, 2008, p.35).

Essa outra perspectiva de alfabetização comentada por Soares (2008)

traz consigo uma perspectiva política, econômica e social enorme.

Subentende-se que a funcionalidade da alfabetização é algo que surge não

para mudar a condição de oprimido em que se encontra o povo, mas sim para

modificar alguns aspectos econômicos, sociais e políticos que acabam por

dificultar o desenvolvimento do país.

1.2 – Alfabetização e política

O progresso de alfabetização, ao longo dos séculos, tem se mostrado

como conseqüência da ação política de uma classe detentora do poder. Dessa

forma, tal processo se apresenta constantemente como resultante de ações

políticas, que se vinculam e interesses econômicos e sociais de determinada

época.

Page 14: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

14

“Se antes a alfabetização foi um imperativo da fé, garantia de acesso a

Santa Doutrina, com a republica é exigência de modernização social: de uma

mística, passamos para uma concepção social da alfabetização. Dois modelos

que correspondem a representações diferentes desse projeto: um, como meio

de dotar crianças e adultos do instrumento de conquista da salvação eterna;

outro, como meio de acesso a um modelo urbano de socialização. Ambos têm

algo em comum: um projeto político, primeiro da igreja (da reforma e da contra-

reforma) e, posteriormente, do estado.” (BARBOSA, 2008, p.20).

O projeto político-educacional do estado vai de acordo com uma série de

interesses. Com o advento da revolução industrial, por exemplo, o estado

necessita de uma mão-de-obra mais qualificada. Tal necessidade impulsiona a

escolarização da classe trabalhadora.

O crescimento de uma nação, de um país está ligado ao

desenvolvimento do seu povo, de seus grupos sociais. Essa mudança de

perspectiva ocorre após o século XIX e influencia, principalmente no século XX

e XXI, países que ainda se encontram em processo de desenvolvimento – os

subdesenvolvidos. Portanto uma educação de qualidade passou a ser requisito

básico para um país que almeja se desenvolver politicamente,

economicamente e socialmente.

O processo de industrialização brasileiro foi ampliado no governo Vargas

e, juntamente com esta ampliação, o governo promoveu diversas campanhas

para incentivar a alfabetização no país.

“[...], 1946 inaugura um período que apresenta os maiores índices de

expansão da escola básica regular visando preparar os novos quadros capazes

Page 15: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

15

de desempenhar as funções exigidas por uma sociedade que se moderniza; é

também o inicio de um período de numerosas iniciativas em prol da educação

de adolescente e adultos, com o objetivo de qualificar a população para o

exercício do voto.” (BARBOSA, 2008, p.26).

Criado em 1967, o movimento brasileiro de alfabetização (MOBRAL) é

um exemplo deste esforço feito pelo governo (no caso o militar) para alfabetizar

parte da massa trabalhadora a todo custo. Entretanto o MOBRAL sofreu várias

críticas de educadores por conta de seu caráter pedagógico – que muita vez se

restringia a ensinar o aluno a desenhar o nome.

“Os últimos anos do Mobral foram marcados por denuncias que

culminaram na criação de uma CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito para

apurar os destinos e a aplicação dos recursos financeiros e a divulgação de

falsos índices de analfabetismo. Pedagogicamente, o Mobral também passa a

ser criticado. Por não garantir a continuidade dos estudos, muitos adultos que

se alfabetizaram através dele “desaprenderam” a ler e escrever.”

(ALBUQUERQUE, 2006, p.46).

O panorama da alfabetização muda em meados da década de 80,

quando a UNESCO aprova o projeto principal da educação para América

Latina e Caribe. Tal projeto estabeleceu três grandes objetivos específicos para

as nações latino-americanas, objetivando oferecer soluções para os problemas

de desenvolvimento dos mesmos.

O Brasil, desde então persegue esses objetivos estabelecidos. Segundo

Barbosa (2008) os objetivos estabelecidos foram os seguintes:

Page 16: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

16

“1. Assegura a escolarização a todas as crianças em idade escolar,

oferecendo-lhes uma educação geral mínima de 8 a 10 anos, antes do ano de

1999;

2. Eliminar o analfabetismo antes do final do século e desenvolver e

ampliar os serviços educativos para os adultos;

3. Melhorar a qualidade e eficiência dos sistemas educativos através da

realização de reformas necessárias. (BARBOSA, 2008, p.26).

Buscando o alcance destes objetivos, o Brasil faz sua constituição em

1988 que, dentre outras coisas, estende o direito a educação aos que ainda

não haviam freqüentado ou concluído o ensino fundamental.

Na década de 90 abre-se uma forte discussão em torno da qualidade na

educação. Com isso o conceito de letramento ganha força e outros padrões de

leitura e escrita começam a ser exigidos. O conceito de alfabetização funcional

criado pela UNESCO ganha força e a idéia de educação permanente cresce –

com ênfase nas questões da etapa da pós-alfabetização.

Chegando o século XXI, índices revelam que um elevado número de

brasileiros ainda não possuem o domínio da leitura, da escrita das operações

matemáticas.

“[...]. São quase 20 milhões de analfabetos considerados absolutos e

passam de 30 milhões os considerados analfabetos funcionais que chegaram a

freqüentar uma escola, mas, por falta de uso da leitura e da escrita, retornaram

a posição anterior. [...]. Somam-se a esses os neo-analfabetos que, mesmo

freqüentando a escola, não conseguem atingir o domínio da leitura e da escrita.

Page 17: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

17

São produto de uma nova exclusão; mesmo tendo se escolarizado, não

conseguem ler e interpretar um simples bilhete ou texto. Esse novo contingente

estará fazendo parte do público de mandatário de educação de jovens e

adultos.” (ALBUQUERQUE, 2006, p.50).

Para mudar este quadro problemático atual em que se encontra a

alfabetização brasileira, uma nova política de nove anos de ensino fundamental

é implicada – sendo que a maior repercussão desta nova política está na

alfabetização, que é até então estava excluída do ensino fundamental.

A introdução da criança de seis anos no ciclo inicial de ensino

fundamental é impasse desta nova política, pois muitos educadores

questionam se essa seria a idade ideal para se iniciar o processo de

alfabetização.

Entretanto o foco da discussão não é esse. A intenção dos governantes

é a de mudar os índices de analfabetismo, partindo do pressuposto de que

quanto mais cedo se entra na escola mais e melhor se aprende. A qualidade da

educação, portanto, é o foco da discussão. Se essa nova política trará ou não

resultados positivos neste aspecto, só o tempo dirá.

Page 18: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

18

CAPÍTULO II

O QUE É CIDADANIA?

“ Há algum tempo o tema cidadania passou a ser mais ventilado no

mundo contemporâneo, inclusive no Brasil. Ele aparece na fala de quem detém

o poder político (políticos, capitalistas, etc.), na produção intelectual e nos

meios de comunicação (rádio, jornal, TV), e também junto as camadas mais

desprivilegiadas da população.” (MANZINI CROVE, 2007, P.7).

Cidadania é um dos assuntos mais debatidos na atualidade.

Independente do lugar do mundo em que se esteja e da condição social ou

econômica que se possua, a cidadania está lá sendo contestada ou pleiteada.

Os mais ricos filosofam sobre o que é a cidadania e como colocá-la em

prática

Investigam e debatem sobre questões éticas, estéticas, políticas,

semióticas, gnosiológicas, entre tantas outras que emergem da práxis social,

com vistas a construção da cidadania. Enquanto isso, os mais pobres e

conscientizados, reivindicam pelo direito a condições básicas de existência, tais

como saneamento básico, comida, roupa, moradia, educação e atendimento a

saúde.

A realidade é que cada um desses grupos sociais ocupam posições

diferentes na sociedade, porém todos eles possuem os mesmos direitos e

deveres. Tais grupos sociais, portanto, apesar de tratarem de diferentes formas

de cidadania, no final das contas estão falando da mesma coisa.

Cidadania não pode ter um determinado significado para um grupo

social e para outro grupo ter um distinto. A cidadania é uma só. Ela diz respeito

Page 19: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

19

há um contrato social estabelecidos entre os indivíduos – independente do

grupo sócia pertencente.

“Ora, cidadania enfaixa uma série de direitos, deveres e atitudes

relativos ao cidadão, aquele individuo que estabeleceu um contrato social com

seus iguais para utilização dos serviços em troca de pagamento (taxas e

impostos) e de sua participação, ativa ou passiva, na administração comum.”

(PINSKY, 2005, p.18).

Tal conceito de cidadania apresentado por PINSKY (2005) se aproxima,

e muito, da dimensão que se possuía deste conceito em sua origem, já que em

sentido etimológico, cidadania refere-se a condição dos que residem na cidade,

mais especificamente aos seus direitos.

“E onde está a origem da cidadania? Atribui-se em principio a cidadania

ou polis grega. A polis era composta de homens livres, com participação

política contínua numa democracia direta, em que o conjunto de suas vidas em

coletividade era debatido em função dos direitos e deveres. Assim, o homem

grego livre era, por excelência, um homem político no sentido estrito.”

(MANZINI-COVRE, 2007, p.16)

Este conceito original de cidadania, com o passar do tempo, foi se

ampliando. Exercer a cidadania, atualmente, não pressupõe apenas pagar

impostos ou votar. A noção de cidadania que se tem hoje é a de que todos

possuem o direito de possuir condições básicas de existência e a obrigação de

se zelar pelo bem comum.

Ser cidadão, portanto, é ir além de fazer as obrigações impostas pelo

contrato social. Ser cidadão é você, no seu dia-a-dia, demonstrar ser tolerante

com o outro, é aceitar e ter respeito a diversidade presente na sociedade.

Page 20: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

20

Cidadania está ligada a atitude de cada um perante situações consideradas

adversas.

“Operacionalmente, cidadania pode ser qualquer atitude cotidiana que

implique a manifestação de uma consciência de pertinência e de

responsabilidade coletiva. Nesse sentido, exercer a cidadania tanto é votar

como não emporcalhar a cidade, respeitar o pedestre nas faixas de trânsito

(haverá algum cidadão motorista?) e controlar a emissão de ruídos.” (PINSKY,

2005, p.19).

Não são todos os homens, portanto, que possuem a capacidade de

exercer corretamente seus direitos e deveres de cidadão. Para ser cidadão é

preciso desenvolver e por em prática todas as características de um ser

humano verdadeiramente consciente do seu papel social. “Cidadão é, pois,

aquele que está capacitado a participar da vida da cidade e, extensivamente,

da vida da sociedade.” (OLIVEIRA, 2002, p.57).

O verdadeiro cidadão é aquele que toma parte da organização, da

participação social, ou seja, ele intervém ativamente na sociedade. Ele

participa ativamente das decisões de sua comunidade, influencia modos de

vida ao seu redor de maneira positiva. Ele exerce os direitos constitucionais

adquiridos e luta pelos que virão. Para ser um verdadeiro cidadão é preciso

saber viver em sociedade, estando cientes dos anseios comum.

O que se observa no cotidiano é que são poucas as pessoas que se

preocupam com as necessidades do outro. Prova disto são os inúmeros casos

que a mídia mostra todos os dias, de conflitos armados e violência existentes

em diversos países. Ou, ainda, a falta de ética de inúmeros políticos

espalhados pelo Brasil e o mundo.

Page 21: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

21

A ética é mais uma dentre tantas as formas de exercer a cidadania. A

ética é uma atitude desejável em qualquer pessoa, independente do seu nível

social ou profissional – político, empresário, médico, professor,...

Suborno , propina e as gorjetas (com a finalidade de ser mais bem

atendido) são exemplos clássicos da falta de ética. Quando se faz esse tipo de

coisa, grandes reflexos podem ser vistos na sociedade em que vivemos. Sobre

a falta de ética, Dimenstein (2005) diz o seguinte:

“Pode-se dizer que ela é um dos principais fatores que mantém o Brasil

no estado de pobreza em que se encontra. Por causa da corrupção, milhões de

reais são desviados todos os anos para o bolso de corruptos, em vez de se

destinarem a construção de escolas, hospitais, estradas, etc. Enfim, é dinheiro

tirado da saúde, da educação, de projetos sociais, do saneamento básico.”

(DIMENSTEIN, 2005, p.40).

A cidadania pode e deve ser exercida no dia a dia, sem medos ou

constrangimentos. Ser cidadão, na verdade, é ter a consciência de que todos

possuem direitos e, por isso mesmo, respeitar os direitos dos outros – um bom

começo para exercer tal respeito é sendo ético.

Ter respeito ao outro é outra condição fundamental para o exercício da

cidadania. Ser cidadão é permitir que cada um faça suas escolhas. Que cada

ser humano possa optar por seguir, ou não, determinada ideologia. Sem

respeito não se pode falar de liberdade e igualdade.

“Cidadania é o direito de ter uma idéia e poder expressá-la. É poder

votar em quem quiser sem constrangimento, processar um médico que tenha

agido com negligencia. É devolver um produto estragado e receber o dinheiro

de volta. É o direito de ser negro, índio, homossexual, mulher, sem ser

Page 22: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

22

discriminado. De praticar uma religião sem ser perseguido.” (DIMENSTEIN,

2005, p.12).

Ser cidadão hoje é ter direito a ter direitos. É poder ter direito a vida, a

liberdade, a propriedade, a igualdade perante a lei. É poder ter uma vida digna!

Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovado pela ONU

(Organização das Nações Unidas) em 1948, está expresso o direito a ter uma

vida digna. Manzini-Covre (2007) aponta esta conquista:

“Podemos afirmar que ser cidadão significa ter direitos e deveres, ser

súdito e ser soberano. Tal situação está descrita na Carta de Direitos da

Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948, [...]. Sua proposta mais

funda de cidadania é a de que todos os homens são iguais ainda que perante a

lei, sem discriminação de raça, credo ou cor. E ainda: a todos cabe o domínio

sobre o seu corpo e sua vida, o direito a educação, a saúde, a habilitação, ao

lazer. E mais: é direito de todos poderem expressar-se livremente, militar em

partidos políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais, lutar por seus

valores. Enfim, o direito de ter uma vida digna de ser homem.” (MANZINI-

COVRE, 2007, p.9).

Ser um cidadão de verdade é lutar para que seus direitos sejam

respeitados. Em contrapartida é cumprir sempre com os seus deveres. Uma

pessoa só pode exercer plenamente a sua cidadania quando desempenha os

deveres impostos pela sociedade. O cumprimento de tais deveres é parte

essencial para que se exerça a cidadania de forma plena.

“Há detalhes que parecem insignificantes, mas revelam estágios de

cidadania: respeitar o sinal vermelho no trânsito, não jogar papel na rua, não

Page 23: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

23

destruir telefones públicos. Por trás desse comportamento está o respeito a

coisa pública.” (DIMENSTEIN, 2005, p.13)

O respeito a coisa pública é um dever. Esse e muitos outros direitos e

deveres devem ser adquiridos por meio da educação. Seja em casa ou na

escola, se deve aprender a ter respeito. Quando tal respeito não é aprendido

em casa, surge o papel da escola na formação da cidadania.

No Brasil, o ensino fundamental é obrigatório. Sendo assim o mínimo

que se espera da escola é que ela ensine conteúdos que ultrapassem a vida

acadêmica do aluno – conteúdos que se apliquem a vida, ao cotidiano do

mesmo.

Acontece que assim como a cidadania, a educação brasileira só existe

no papel. No ano de 2004 houve um teste com alunos de quarenta países,

alguns deles pobres. No resultado final o Brasil ficou em ultimo lugar em

matemática. E leitura a posição ficou um pouco melhor (mesmo assim bem

longe dos primeiros colocados). Esse teste é a prova que nossas escolas não

chegam nem perto de ensinar o mínimo necessário para o exercício pleno da

cidadania.

“Tão frágil como o papel e, quase sempre, com seus direitos

assegurados apenas no papel. Assim se resume a cidadania no Brasil, onde,

apesar de todos os avanços, a regra é a exclusão social, a incapacidade de

oferecer o mínimo de oportunidades as pessoas. Essa raiz da violência que

vemos por todos os lados e que nos faz sentir como reféns.” (DIMENSTEIN,

2005, p.4)

A cidadania de uma nação, ou seja, a de um povo de um país só é

criada a partir da junção de três elementos básicos: o civil, o político e o social.

Page 24: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

24

Tais elementos devem ser trabalhados desde os primeiros anos escolares. Só

através do conhecimento e exercícios dos direitos civis, sociais e políticos

serão formados jovens verdadeiramente preparados para o exercício mínimo

da cidadania.

1.1 – O DIREITO CIVIL

“Os direitos civis dizem respeito basicamente ao direito de se dispor do

próprio corpo, locomoção, segurança, etc. Parece obvio que somos donos do

nosso próprio corpo. Afinal, não nos movimentamos por ele, dormimos e

andamos nele? Mas, na realidade esse direito é muito pouco respeitado para

maior parte da população mundial, inclusive no Brasil.”( MANZINI-CROVE,

2005, p.9).

Pode-se dizer que o Brasil viveu longos períodos de anticidadania – é só

tomar, por exemplo, o período da escravidão e, mais recentemente, o da

ditadura militar. Nestes períodos havia um cerceamento da liberdade. Eram

comuns as práticas de torturas e os rígidos castigos físicos. O direito a

expressão era para poucos.

Esses são exemplos claros de não-cidadania, uma vez que os mesmos

desrespeitaram a liberdade que cada individuo tem de dispor do próprio corpo.

Mas se engana quem pensa que isso faz parte do passado. Infelizmente ainda

existem regimes ditatórios espalhados pelo mundo.

O Brasil felizmente não possui mais ditadura. Em compensação, o que

não faltam são organizações criminosas que constantemente chocam a

sociedade com casos de violências cruéis. Também estão sobrando neste país

policiais pertencentes a milícias e grupos de extermínio.

Page 25: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

25

“[...]. No Brasil da chamada Nova Republica, e mesmo atualmente,

assistindo a fenômenos que explicam a nossa não-cidadania. Exemplo gritante:

os esquadrões de morte, por meio dos quais a policia decide torturar ou matar

os considerados marginais, num processo de “profilaxia social”, considerando

que determinados homens que não valem nada, não passam de números.”

(MANZINI-COVRE, p.12).

Até bem pouco tempo as pessoas podiam sair livremente as ruas –

inclusive cheias de jóias. Hoje é quase um absurdo alguém pensar em andar

no centro de uma grande cidade repleta de jóias, já que há uma grande

probabilidade de ser assaltado – isso se não sofrer violência pior.

A realidade é que toda essa violência, que se espalha pelo Brasil e por

outros lugares do mundo, acaba por cercear o direito a liberdade. Há faces da

violência que, de certa forma, são reflexos da falta de cidadania da população,

uma vez que em parte dos casos ela ocorre simplesmente pela falta de

respeito ao direito do outro.

“Antigamente os bandidos eram “profissionais” e alguns deles até

desprezavam colegas que usassem violência. Muitas dessas estrelas do

submundo nem andavam armadas. Era época dos batedores de carteiras, [...].

Mas a situação mudou. Os “profissionais” vistos até com certa admiração

popular, desapareceram. Instalou-se a barbárie. Surgiram gangues violentas

que traficam drogas, roubam idosos, ateiam fogo em índios e mendigos por

mera diversão, atacam crianças e adolescentes, matam por um par de tênis.

Isso acontece muitas vezes na frente da escola, em plena luz do dia.”

(DIMENSTEIN, 2005, p.23).

Page 26: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

26

Para exercer a verdadeira cidadania é preciso respeitar a liberdade

individual das pessoas – começando pelo ir e vir de cada um. Não adianta ser

falar tanto em por a cidadania em prática se o que temos no dia a dia a

privação de um dos direitos mais básicos do ser humano.

Outro direito civil que deve ser respeitado é o de liberdade de expressão

e de pensamento. O respeito a este direito pode começar em casa e também

na escola, basta que se de oportunidade para que as crianças exteriorizem

suas idéias e sentimentos. Se, desde cedo, a criança tiver sua liberdade de

expressão e pensamento respeitado ela crescerá reproduzindo tal atitude com

seus semelhantes.

Mas o indispensável em toda esta discussão sobre direito civil é que não

se deixe de lado o direito a justiça. Esse é um direito muito importante, pois

sem ele pouco se acredita que realmente possuímos direitos de verdade. Mas

para que esse direito seja respeitado é preciso que existam os direitos políticos

e, para que estes realmente existam, se torna necessário “a existência de

regimes efetivamente democráticos.” (MANZINI-COVRE, 2007, p.13).

1.2 O DIREITO POLITICO

“Os direitos políticos dizem respeito a deliberação do homem sobre sua

vida, ao direito de ter livre expressão de pensamento e prática política, religiosa

e etc. Mas principalmente, relacionam-se a convivência com os outros homens

em organismos de representação direta (sindicatos,partidos,movimentos

sociais, escolas, conselhos, associações de bairro etc.) ou indireta (pela

eleição de governantes, parlamento, assembléias), resistindo a imposições dos

poderes (por meio de greves, pressões, movimentos sociais). E, ainda, dizem

Page 27: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

27

respeito a deliberações dos outros dois direitos e de que modo chegar a eles.”

(MANZINI-COVRE, 2007, p.15).

O direito político é um elemento extremamente importante para o pleno

desempenho da cidadania. O exercício do poder político, como eleito e eleitor,

é o que permite a construção do papel social dos indivíduos. São abertas as

portas para o questionamento, o debate, a ideologia.

O livre debate político abre as portas para confrontação de idéias. São

pessoas que muitas vez possuem ideologias diferenciadas, mas que estão

buscando soluções para um mesmo tema ou problema. Esta é uma das formas

primordiais de se ter respeito ao outro, ao novo, ao diferente.

A convivência respeitosa com outros seres humanos é um grande

desafio para a humanidade. É uma tarefa árdua, que precisa ser muito

discutida ainda por todos aqueles pensam em exercer uma cidadania real.

Ter compromisso com a organização política da sociedade é participar

do funcionamento e do destino da vida coletiva, é zelar pelo bem comum.

Quando se exercem os direitos políticos automaticamente estamos interferindo

na vida do outro, no futuro da sociedade.

Somente a luta política é capaz de modificar estruturas sociais e

econômicas que se estabeleceram historicamente e que dominam o mundo

contemporâneo. Já dizia Freire (2000):

“Sem luta política, que é a luta pelo poder, essas condições necessárias

não se criam. E sem as condições necessárias a liberdade, sem a qual o ser

humano se imobiliza, é privilegio da minoria dominante quando deve ser

apanágio seu. [...]. “ (FREIRE, 2000, p.11).

Page 28: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

28

Ser cidadão é exercer sua liberdade política. É poder participar direta ou

indiretamente da historia de seu povo, de sua nação. É ter a consciência que

sem o debate e a luta política, dificilmente os direitos serão adquiridos pelos

indivíduos.

1.3 – O DIREITO SOCIAL

“Os direitos sociais dizem respeito ao atendimento das necessidades

humanas básicas. São todos aqueles que devem repor a força de trabalho,

sustentando o corpo humano – alimentação, habitação, saúde, educação etc.

Dizem respeito, portanto, ao direito ao trabalho, a um salário decente e, por

extensão, ao chamado salário social, relativo ao direito a saúde, educação,

habitação etc. O que dizer do atendimento desses direitos no Brasil, quando se

sabe que a maioria da população se encontra em situação de clamorosa

injustiça e pobreza?” (MANZINI-COVRE, 2007, p.14).

O direito social é relativo ao bem-estar econômico e social dos

indivíduos. Tais direitos vão desde um saneamento básico decente até a

segurança da população. Todos devem ter o direito de partilhar do nível de vida

que é estabelecidos pelos padrões prevalecentes na sociedade.

Para que os direitos sociais sejam estendidos a todas as pessoas, é

preciso, em primeiro lugar, que todos já tenham o direito a vida assegurado.

Ser cidadão é ter direito a vida. Quando este direito se encontra ameaçado não

se tem cidadania. Nenhum bem humano é superior a vida, que é o bem maior

de qualquer pessoa. Ao valorizar a minha vida e a do outro, estou valorizando

a humanidade.

“Em todo o mundo, milhões de crianças estão nascendo em meio a uma

emergência silenciosa de necessidades básicas”, afirmou Carol Bellamy,

Page 29: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

29

diretora-executiva do Unicef, o órgão da ONU para a infância. ““ Precisamos

agir agora para fechar esse gap (de saúde) ou então a cifra de mortes vai

certamente aumentar”, acrescentou. (DIMENSTEIN, 2005, p.50).

Mas, além de garantir a vida, há ainda que se viver com dignidade, o

que requer a satisfação das necessidades fundamentais. A remuneração pelo

trabalho deveria proporcionar aos trabalhadores e suas famílias a satisfação de

suas necessidades fundamentais – alimentação, moradia, saúde, educação,

cultura e lazer.

O Brasil, infelizmente, ainda não consegue proporcionar esses direitos

fundamentais a todos os seus habitantes. Segundo Dimenstein (2005):

“Mais de 27 milhões de crianças vivem abaixo da linha de pobreza no

Brasil e fazem parte de famílias que têm renda mensal de até meio salário

mínimo. É o que revela o relatório “O estado da criança no mundo”, divulgado

pelo UNICEF (Fundos das nações unidas para a infância) nesta quinta-feira.”

(DIMENSTEIN, 2005, p.53).

Mudar este quadro é um dos grandes desafios do Brasil e do mundo.

Para vencer tal desafio é preciso que os direitos civis, políticos e sociais do

povo sejam respeitados. Tais direitos devem ultrapassar o papel, mas para que

isso ocorra é preciso que aqueles que dominam os rumos da sociedade

queiram. É preciso que se deseje, realmente, criar cidadãos.

Page 30: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

30

CAPÍTULO III

ALFABETIZAÇÃO COMO ELEMENTO DE

FORMAÇAO DA CIDADANIA

“A relação entre alfabetização e cidadania pode ser analisadas sob duas

perspectivas, aparentemente contraditórias: de um lado, é preciso negar, de

outro, é preciso afirmar a vinculação entre o exercício da cidadania e o acesso

a leitura e a escrita.” (SOARES 2008, p.55).

Muitos políticos e educadores julgam ser a alfabetização um fator

imprescindível para o exercício da cidadania. Entretanto o que a realidade

mostra é que nem todas as pessoas que são alfabetizadas exercem

plenamente sua cidadania.

Entretanto, essa mesma realidade também expõe outra questão: a de

que existem pessoas que não sabem ler e escrever e mesmo assim exercem

sua cidadania de forma consciente. Esse fato aponta para o caminho da

negação a que se refere Soares (2008) – o acesso a leitura e a escrita não é

imprescindível para o exercício da cidadania.

1.1 – O ANALFABETISMO E O EXERCICIO DA CIDADANIA

O senso comum julga inquestionável a vinculação entre alfabetização e

cidadania. A concepção é a de que só quem sabe ler e escrever é capaz de

agir politicamente, de ter a consciência e ser capaz de reivindicar seus direitos,

de exercer plenamente seus deveres – de ser um cidadão.

Olhando por este prisma pode-se afirmar que cidadão é aquele que sabe

ler e escrever. A leitura e a escrita seriam, assim, componentes indispensáveis

para se obter a plena cidadania.

Mas acontece que também é de senso comum que o povo brasileiro

pouco age e participa politicamente. Esse fato começa a apontar para um

caminho: o que não saber ler e escrever não é o principal fator que impõe

limites ao exercício dos direitos sociais, civis e políticos que constituem a

cidadania.

“A ênfase excessiva posta na alfabetização como fator determinante do

exercício da cidadania e, correspondentemente, no analfabetismo ou no

Page 31: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

31

precário acesso a leitura e a escrita como causas da exclusão da cidadania

oculta as causas mais profundas dessa exclusão, que são as condições

materiais de existência a que são submetidos os “excluídos”, as estruturas

privatizantes do poder, os mecanismos de alienação e de opressão, tudo isso

resultando na distribuição diferenciada de direitos sociais, civis e políticos as

diversas classes e categorias sociais.” (SOARES, 2008, p.56).

O Brasil é o país da desigualdade. Segundo Dimenstein (2005) “no

Brasil, os 50% mais pobres detém apenas 14% da renda nacional, enquanto o

1% mais rico fica com 15% dela”. Esses dados demonstram que a

desigualdade social está presente no Brasil, e mais: que esta é uma forma de

se excluir parte da população ao direito a cidadania, uma vez que os direitos

sociais de parcela da população são, simplesmente, deixados de lado.

Sendo assim a democracia brasileira fica abalada. O país não permite

que a igualdade econômica e social se estabeleça. O capitalismo prevalece e

acaba por promover a desigualdade social – chegando a permitir que algumas

pessoas vivam em condições de miséria.

“Atualmente, o conceito de democracia significa não apenas direitos

políticos iguais (direito de voto, por exemplo), mas também maior acesso a

renda nacional. Isso garantiria maiores condições para a cidadania.”

(DIMENSTEIN, 2005, p.68).

O alcance da cidadania só é realmente realizado através da justiça

social. Enquanto houver um alto desequilíbrio social entre as pessoas

permanecerá a violência, a mortalidade infantil, a corrupção, o desemprego, a

falta de ética... tudo o que por acarretar na não cidadania.

O exercício da cidadania deve, portanto ser entendido como, algo mais

amplo. Ler e escrever devem ser considerado um, entre outros meios, de se

lutar conta as injustiças sociais – não sendo, portanto o único. A prática social e

política é sim, o fator que mais determina o exercício do papel de cidadão e, tal

prática, independe do fato de se saber ler e escrever.

Os movimentos de reivindicação e as lutas populares são formas de se

expressar a cidadania – e para isso não é necessário que se saiba ler e

escrever a cidadania com perfeição. Será que todos os trabalhadores que

reivindicam por salários melhores são eximidos eleitores?

Page 32: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

32

“[...], não é nem mesmo a educação, a escola, de uma maneira mais

ampla – que conduzirá o povo a conquista da cidadania; essa conquista se faz,

fundamentalmente, por intermédio da prática social e política, dos movimentos

de reação e reivindicação das organizações populares, expressões de uma

cidadania em construção , pois evidenciam o povo participando, lutando por

seus direitos sociais, civis, políticos, agindo como sujeito histórico , fazendo-se

cidadão. [...].” (SOARES, 2008, p.56)

A conquista da verdadeira cidadania se dá quando são promovidas

condições básicas de vida aos indivíduos. Quando eles se conscientizam que

possuem direitos e deveres – dentre eles o de reivindicar o acesso a leitura e a

escrita.

Ser analfabeto não é condição para a anticidadania, porém o fato de não

se possuir o pleno domínio da leitura e da escrita vai de encontro os princípios

da cidadania. Ser um cidadão pleno é exercer todos seus direitos e deveres e,

estudar, é um direito adquirido de todo o cidadão brasileiro.

Um analfabeto pode, por exemplo, exercer plenamente seu direito de

votar. Mas a realidade é que ele terá muito mais dificuldade de avaliar e de

comparar as propostas dos candidatos, de notar as contradições apresentadas

em seus discursos e de pesquisar sobre o passado dos candidatos – a

liberdade real só existe quando se tem a opção a informação. “A capacidade de

um analfabeto obter informação e processá-la é muito limitada”. (DIMENSTEIN,

2005, p.68).

Ser analfabeto não é condição para se declarar que este indivíduo não

exerce sua cidadania. Contudo, o não acesso a leitura e a escrita, acaba por

criar limites no exercício da cidadania. O que garante é uma alfabetização que

o faça visando que os alfabetizandos adquiram a capacidade de conhecer,

reconhecer e lutar pela plenitude de ser um cidadão de verdade.

“Que a alfabetização tem que ver com a identidade individual e de

classe, que ela tem que ver com a formação da cidadania, tem. É preciso,

porém, sabermos primeiro, que ela não é a alavanca de uma tal formação – ler

e escrever não são suficientes para perfilar a plenitude da cidadania -, segundo

é necessário que a tornemos e a façamos como um ato político, jamais como

um fazer neutro.” (FREIRE)

Page 33: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

33

Ser alfabetizado, portanto, não é condição imprescindível para o

exercício da cidadania. O que é imprescindível é que a pessoa tome para si o

ato de ler e escrever e o torne significante, ou seja, utilize-o para conscientizar-

se sobre a sociedade em que vive e modificar o mundo que o cerca.

1.2 – A VINCULAÇÃO ENTRE ALFABETIZAÇÃO E

CIDADANIA

“As sociedades modernas, porém, são fundamentalmente

grafocêntricas; nelas, a escrita está profundamente incorporada a vida política,

econômica, cultural, social, e é não só enormemente valorizada, mas, mais que

isso, é mitificada (é freqüente, por exemplo, a suposição de que na escrita é

que está o discurso da verdade, que só a escrita é o repertorio da saber

legitimo). Nesse contexto, a alfabetização é um instrumento necessário a

vivencia e até mesmo a sobrevivência política, econômica, social, e é também

um bem simbólico, um bem cultural, instancia privilegiada e valorizada , de

prestigio e de poder.” (SOARES, 2008, p. 56).

A escola é um espelho da sociedade. Por isso, pode-se dizer que ela

caminha, ou não, no rumo da transformação social. As camadas populares da

sociedade brasileira reivindicam o acesso a escola porque sabem que a

mesma é um forte instrumento na luta contra as desigualdades econômicas e

sociais existentes no país.

O problema é que o modelo escolar que possuímos atualmente pouco

tem feito pela transformação social, uma vez que, muitos saem da

alfabetização (e a própria escola) sem fazer o uso social das praticas de leitura

e de escrita adquiridas.

Muitos, na realidade, saem da escola sem compreender o real

significado da leitura e da escrita. Com isso formam-se indivíduos sem as

capacidades básicas que se espera de um cidadão.

Para Abreu (2005) a alfabetização deve proporcionar a apropriação de

uma série de competências e habilidades, assim como possibilitar aos

indivíduos as formas mais elaboradas de pensamento e relações de

conhecimento da realidade, principalmente as deles mesmos.

“O homem tem de ser o sujeito de sua aprendizagem. Tem de construir

seus conhecimentos nos diferentes momentos da vida e nas diferentes

situações que vivencia. Nesse contexto a escrita é fundamental.” (ABREU)

Page 34: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

34

O aprendizado da leitura e da escrita será praticamente inútil se não

precisa vier acompanhado da real compreensão do lido, que deve se dar

juntamente com sua contextualização. “A leitura do mundo precede a leitura da

palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade

da leitura daquela.” (FREIRE)

Não se pode possibilitar a cidadania sem oferecer ao povo uma leitura e

escrita em seu papel funcional. Um indivíduo que é alfabetizado e letrado

possui em suas mãos um instrumento de luta pela cidadania. Ler e escrever

pode representar uma forma de inclusão – indo desde o aspecto social e

econômico até o cultural.

Ter acesso a leitura e a escrita significa criar possibilidades de

participação social e cultural, abrindo portas para transformações políticas –

uma vez que este individuo possui a possibilidade de reivindicar seus direitos

civis, políticos e sociais autonomamente.

“Assim, enquanto a posse e o uso plenos da leitura e da escrita sejam

privilégios de determinadas classes e categorias sociais – como tem sido – elas

assumem papel de arma para o exercício do poder, para a legitimação da

dominação econômica, social e cultural, instrumentos de discriminação e de

exclusão. No quadro da ideologia hegemônica em sociedades grafocentricas,

não há possibilidade de participação econômica, política, social, cultural plena

sem o domínio da língua escrita, não há possibilidade de participação nos bens

simbólicos sem o acesso a leitura como bem cultural. Em síntese: não há. Em

sociedades grafocentricas, não há possibilidade de cidadania sem o amplo

acesso de todos a leitura e a escrita, quer em seu papel funcional – como

instrumentos imprescindíveis a vida social, política e profissional –quer em seu

uso cultural – como forma de prazer e lazer.” (SOARES)

Nesse sentido é preciso compreender que a escola passa a ser mais

importante para as classes populares do que para as classes dominantes, já

que o acesso a educação e a cultura pode ser uma arma na luta contra a

dominação imposta. A alfabetização funcional é a chave para abrir as portas de

um país mais igualitário e cidadão.

Sendo assim o papel da escola precisa ser revisto – ele é muito mais

importante e fundamental do que se imaginava. A escola pode transformar

vidas, pode gerar cidadãos.

Page 35: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

35

Uma boa escola deve ser autônoma, ou seja, ter liberdade para ensinar

o que é realmente importante para seus educandos e não ter de ficar presa a

conteúdos previamente expressos nos livros didáticos. As escolas,

principalmente as públicas, precisam atender as classes menos favorecidas

objetivando ensinar a ler, a interagir e a transformar o mundo.

“Assim, o que a escola comprometida com a luta contra as

desigualdades pode fazer é vitalizar e direcionar adequadamente as forças

progressivas nela presentes e garantir as classes populares à aquisição dos

conhecimentos e habilidades que as instrumentalizem para a participação no

processo de transformação social. Uma escola transformadora é, pois, uma

escola consciente de seu papel político na luta contra as desigualdades sociais

e econômicas, e que, por isso, assume a função de proporcionar as camadas

populares, através de um sentido eficiente, os instrumentos que lhes permitam

conquistar mais amplas condições de participação cultural e política e de

reivindicação social.” (SOARES).

A escola precisa, então, repensar a formação de seu aluno, ajudando-o

a tomar o rumo para a idealização de sua própria vida, resgatando o poder

político da população na elaboração de valores sociais calcados na

emancipação humana e na vontade democrática.

O que a escola precisa é se basear na democracia, assumindo a

implantação de uma gestão mais participativa, em que alunos, professores e

pais tenham a capacidade de participar efetivamente do processo de

formulação de ações pedagógicas concretas e eficazes.

Alfabetizar para a cidadania é fazer de cada educando um agente de

transformação. Para isso é preciso que o professor cultive alguns saberes,

necessários para uma prática educativa transformadora.

Um desses saberes essenciais defendido por Freire (1996) é o de que

“ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no

mundo.”

“[...]. Intervenção que vai além do conhecimento dos conteúdos bem ou

mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da

ideologia dominante quanto o seu desmascaramento. Dialética e contraditória,

não poderia ser a educação só uma ou só outra dessas coisas. Nem apenas

reprodutora nem apenas desmascaradora de ideologia dominante.” (FREIRE)

Page 36: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

36

Outro saber fundamental, segundo Freire (1996), para o exercício do

magistério é o que “ensinar exige a convicção de que a mudança é possível”.

Sendo assim torna-se indispensável, para todos aqueles envolvidos na

educação, pensar que é possível mudar a realidade que ai está.

O aprendizado e apropriação do ato de ler podem intervir positivamente

na realidade dos educandos. Basta que eles percebam a situação concreta em

que se encontram – crianças ou adultos.

“É a partir deste saber fundamental: mudar é difícil mais é possível, que

vamos programar nossa ação politica-pedagogica, não importa se o projeto

com o qual nos comprometemos é de alfabetização de adultos ou de crianças,

se de ação sanitária, se de evangelização, se de formação de mão-de-obra

técnica.” (FREIRE, 1996, p. 76).

Para que a escola proporcione uma transformação social se faz

necessário um projeto contínuo, ou seja, não basta apenas proporcionar uma

alfabetização funcional, pois ler e escrever devem ser atos contínuos.

Alfabetizar objetivando a formação do cidadão é diminuir os índices de

evasão e repetência. Não adianta o governo conseguir aumentar o número de

matriculados no ensino fundamental se, nos anos seguintes essas crianças

abandonam a escola.

“Em média, os alunos abandonam a escola antes de completar a quarta

série. Isso significa que não aprenderam o mínimo necessário para que, na

prática, não sejam analfabetos. Com menos de quatro anos de escolaridade,

há uma tendência de se esquecer rapidamente como se escreve ou se

lê.”(DIMENSTEIN, 2005, p.111)

A discussão retorna então ao ponto inicial. Se o governo não

proporciona condições mínimas de acesso e permanência desses jovens a

escola fica difícil se falar em cidadania.

Cidadania é poder ir a escola. É ter acesso a educação. É ter a

oportunidade de descobrir sua condição de oprimido e alcançar a oportunidade

de lutar contra esta condição.

A alfabetização se torna um item indispensável ao exercício da

cidadania quando ela é percebida, pelos docentes e discentes, como agente de

transformação, caso contrario ela apenas serve como adorno, enfeite para o

povo.

Page 37: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

37

Educação é uma questão de cidadania e, a escola, é a fonte primaria

desta cidadania. Cabe aos promotores da alfabetização do e aos que a

executam lutar para que esta função politicamente distorcida a que a educação

está sendo submetida seja modificada.

“[...] Se os administradores da educação, os professores, os

alfabetizadores, compromissados que devemos ser com a construção de uma

sociedade mais democrática, em que o exercício da cidadania seja plenamente

garantido a todos, não assumiremos vigorosamente a reflexão sobre a

alfabetização no quadro mais amplo de seu significado social, político, cultural,

e de seu substrato ideológico, nossa atuação poderá continuar marcada pelo

divorcio entre a alfabetização e a conquista dos direitos sociais, civis e políticos

– entre alfabetização e cidadania.” (SOARES, 2008, p.60).

Cabe então aos educadores e estudiosos da educação apontar os

melhores caminhos para que o acesso a leitura e a escrita seja marcado por

um significado real do exercício da cidadania.

Aos pedagogos, que hoje possuem a habilitação e a responsabilidade de

alfabetizar os educandos, resta a possibilidade de mudar a realidade brasileira.

Basta que se tenha um pouco de vontade, a atitude e consciência de que

transformar o ser humano é possível.

Page 38: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

38

Conclusão

A sociedade brasileira contemporânea possui uma enorme necessidade

de formar cidadãos. Essa formação é indispensável para o desenvolvimento

político, econômico e social do país. Os governantes precisam imediatamente

investir numa educação de qualidade para o povo brasileiro, caso contrario,

dificilmente o pais chegará a condição de pais desenvolvido.

Contudo esses mesmos governantes precisam entender que o puro e

simples investimento em educação não garante que se formem cidadãos. A

escola não pode ser a única a se responsabilizar por esta mudança social.

É preciso que se invista em outros setores da sociedade – como, PR

exemplo, saúde, moradia, transporte, meio ambiente e emprego – para que a

discussão sobre cidadania seja real.

Não adianta se criar programas que visam colocar as crianças na escola

se nos anos seguintes elas precisam abandonar os estudos para auxiliar seus

pais no sustento da família. Para que se possa pensar em exercício de

cidadania por parte do povo brasileiro, é preciso que seus direitos básicos

sejam atendidos.

Sendo assim, a alfabetização não é condição imprescindível para o

exercício da cidadania. O que a condiciona é uma sociedade mais consciente e

politizada. É uma sociedade que participe mais ativamente da luta por uma

sociedade mais democrática e igualitária.

Entretanto a alfabetização – que um direito de todos – pode ser uma das

armas na luta pela construção de um cidadão. Um pedagogo tem o poder de

formar uma pessoa que seja capaz de transformar a sociedade, basta que ele

alfabetize seu aluno buscando contextualizar a realidade que o cerca com as

práticas de leitura e escrita.

Os alfabetizandos, mesmo que as crianças ainda pequenas, precisam

ser conscientizados do papel fundamental que a leitura e a escrita pode

exercer em suas vidas. Ler e escrever não podem ser encarados apenas como

uma obrigação de todos.

O ato de ler e escrever precisa ser encarado como um ato libertador. Ele

é a possibilidade que o povo possui de se libertar da condição de oprimido em

Page 39: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

39

que vive. Ler e escrever podem e devem ser vistos como o caminho que os

levará ao verdadeiro sentimento do que é ser cidadão.

Para o exercício pleno da cidadania é necessário ter a consciência do

que é ser um cidadão e, tal consciência só poderá ser adquirida quando cada

criança, já ao nascer, possua o direito a ter uma vida digna e a uma educação

de qualidade.

Page 40: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

40

BIBLIOGRAFIA

ALBURQUERQUE, Eliana Borges Correia de Alfabetização de jovens e adultos em uma perspectiva de letramento 3 ed. Belo horizonte: Autentica, 2006. BARBOSA, José Juvêncio Barbosa. Alfabetização e leitura. São Paulo: Cortez, 2008. CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem ba-be-bi-bo-bu. São Paulo: Scipione, 1998. CARVALHO, Marlene. Guia prático do alfabetizador. 5 ed. São Paulo: Ática, 2007. DIMENSTEIN, Gilberto. O cidadão de papel: a infância, a adolescência e os direitos humanos no Brasil. São Paulo: Ática, 2005. FERRERO, Emilia. Alfabetização. 24.ed. São Paulo:Cortez, 2001 FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 49.ed. São Paulo: Cortez, 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 47.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005 FREIRE, Paulo. Política e educação: ensaios. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2000 KRAMER,Sonia. Alfabetização, leitura e escrita – Formação de professores em curso. São Paulo: Ática, 2006 LAROSA, M. A. e AYRES, F. A. Como produzir uma monografia: passo a passo...Siga o mapa da mina. 5.ed. Rio de Janeiro: revisada e ampliada, 2005 LEMLE, Mirian. Guia teórico do alfabetizador. 17.ed. São Paulo: Ática, 2007 MANZINI-COVRE, Maria de Lourdes. O que é cidadania. São Paulo: Brasiliense, 2007 MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da alfabetização. São Paulo: Editora UNESP, 2000 OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Introdução a sociologia. 24.ed. São Paulo: Ática, 2002. PINSKY, Jaime. Cidadania e educação. 9.ed. São Paulo: Contexto, 2005.

Page 41: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

41

RODRIGO, Lidia Maria. Maquiavel – Educação e cidadania. Petrópolis, RJ:Vozes, 2002 ROSA, Sanny S. da. Construtivismo e mudança. 10 ed. São Paulo:Cortez, 2007 SILVA, Ezequiel Theodoro da Silva (org). Alfabetização no Brasil:questões e provocações da atualidade. Campinas, SP: Autores Associados, 2007. SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. 5.ed. São Paulo: Contexto, 2008 SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros.2.ed. Belo Horizonte: Autentica, 2006 SOARES, Magda. Linguagem e escola – Uma perspectiva social. 17.ed. São Paulo:Ática, 2008. TFOUNI, Leda. Letramento e alfabetização. 8.ed. São Paulo: Cortez, 2006

Page 42: Instituto A Vez do Mestre LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE ... · 2012. 11. 14. · de uma pessoa. A proposta deste trabalho, portanto, é a de discutir papel

42

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO....................................................................................1 TERMO DE APROVAÇÃO ........................................................................2 AGRADECIMENTOS..................................................................................3 RESUMO....................................................................................................4 METODOLOGIA.........................................................................................5 SUMÁRIO...................................................................................................6 INTRODUÇÃO............................................................................................7 CAPÍTULO I A ALFABETIZAÇÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA..................................9 1.1 O que é alfabetização?..........................................................................9 1.2 Alfabetização e política........................................................................13 CAPITULO II O QUE É CIDADANIA?.............................................................................17 1.1 O direito civil........................................................................................21 1.2 O direito público...................................................................................23

1.3 O direito social....................................................................................25 1.4 CAPÍTULO III ALFABETIZAÇÃO COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO DA CIDADANIA ..................................................................................................................27 1.1 O analfabetismo e o exercício da cidadania.......................................27 1.2 A vinculação entre alfabetização e cidadania.....................................30 CONCLUSÃO...........................................................................................36 REFERÊNCIAS........................................................................................38 ÍNDICE...............................................................................................................41