gratuidade no sistema de transporte público-1

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  • Biblioteca Digital da Cmara dos Deputados

    Centro de Documentao e Informao

    Coordenao de Biblioteca

    http://bd.camara.gov.br

    "Dissemina os documentos digitais de interesse da atividade legislativa e da sociedade.

  • ESTUDO

    Cmara dos DeputadosPraa 3 PoderesConsultoria LegislativaAnexo III - TrreoBraslia - DF

    GRATUIDADE NO SISTEMA DE

    TRANSPORTE PBLICO COLETIVO

    DE PASSAGEIROS

    Maria Slvia Barros Lorenzetti

    Consultora Legislativa da rea XIIIDesenvolvimento Urbano, Trnsito e Transportes

    ESTUDO

    FEVEREIRO/2007

  • 2SUMRIO

    1 O ORDENAMENTO LEGAL ..........................................................................................................3

    2 OS BENEFCIOS VIGENTES..........................................................................................................7

    2.1 A Constituio Federal ...................................................................................................................7

    2.2 A gratuidade para pessoas portadoras de deficincia .................................................................8

    2.3 A gratuidade para idosos ................................................................................................................9

    2.4 A gratuidade para tratamento de sade ..................................................................................... 14

    3 UM CASO ESPECIAL...................................................................................................................... 14

    2006 Cmara dos Deputados.Todos os direitos reservados. Este trabalho poder ser reproduzido ou transmitido na ntegra, desde quecitadas a autora e a Consultoria Legislativa da Cmara dos Deputados. So vedadas a venda, a reproduoparcial e a traduo, sem autorizao prvia por escrito da Cmara dos Deputados.

    Este trabalho de inteira responsabilidade de seu autor, no representando necessariamente a opinio daCmara dos Deputados.

  • 3GRATUIDADE NO SISTEMA DE TRANSPORTE

    PBLICO COLETIVO DE PASSAGEIROS

    Maria Slvia Barros Lorenzetti

    A idia de conceder, por meio de projeto de lei, gratuidade (oudescontos) para categorias diversas de usurios do sistema de transporte pblico coletivo depassageiros tem sido tema recorrente nesta Casa. No obstante, raras iniciativas tm logradosucesso, devido basicamente a imposies derivadas da Constituio Federal e do quadronormativo dela decorrente. O presente estudo pretende analisar essas imposies, bem como osbenefcios hoje vigentes no nvel federal.

    1 O ORDENAMENTO LEGAL

    As atribuies de cada ente federado em relao prestao do serviopblico de transporte coletivo de passageiros esto assim definidas pela Constituio Federal:

    Art. 21. Compete Unio:

    ...................................................................................................................

    XII explorar, diretamente ou mediante autorizao, concesso oupermisso:

    ...................................................................................................................

    c) a navegao area, aeroespacial e a infra-estrutura aeroporturia;

    d) os servios de transporte ferrovirio e aquavirio entre portos brasileiros efronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Territrio;

    e) os servios de transporte rodovirio interestadual e internacional depassageiros;

    ................................................................................................................

    Art. 30. Compete aos Municpios:

    ...................................................................................................................

    V organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concesso oupermisso, os servios pblicos de interesse local, inclusive o de transporte coletivo, quetem carter essencial;

    .................................................................................................................

  • 4 importante notar que, em relao ao transporte urbano, o dispositivocitado no especifica a modalidade, valendo, portanto, para todas elas. Por outro lado, otransporte intermunicipal, no referido explicitamente no texto constitucional, situa-se, a ttulo decompetncia residual, na esfera estadual (art. 25, 1, da Constituio Federal).

    O entendimento estabelecido nesta Casa o de que cabe a cada ente doPoder Pblico regular a prestao do servio no mbito de sua competncia, regulao essa queinclui a fixao de tarifas e a eventual concesso de benefcios.

    Vencidas essas consideraes iniciais acerca da competncia para aprestao do servio, cabe analisar a questo do financiamento do benefcio, que constitui, talvez,o problema fundamental a ser enfrentado quando da concesso de descontos ou gratuidades.Essa questo encontra sua base constitucional no art. 175 da Carta Magna, o qual determina:

    Art. 175. Incumbe ao poder pblico, na forma da lei, diretamente ou sob oregime de concesso ou permisso, sempre atravs de licitao, a prestao de serviospblicos.

    Pargrafo nico. A lei dispor sobre:

    I o regime das empresas concessionrias e permissionrias de serviospblicos, o carter especial de seu contrato e de sua prorrogao, bem como as condiesde caducidade, fiscalizao e resciso da concesso ou permisso;

    II os direitos dos usurios;

    III a poltica tarifria;

    IV a obrigao de manter servio adequado.

    A norma legal requerida pelo dispositivo supracitado estconsubstanciada na Lei n 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que, entre outras providncias,dispe sobre o regime de concesso e permisso da prestao de servios pblicos previsto noart. 175 da Constituio Federal. Essa norma legal foi complementada pela Lei n 9.074, de 7 dejulho de 1995, que regula a outorga e as prorrogaes das concesses e permisses de serviospblicos, a qual dispe em seu art. 35:

    Art. 35. A estipulao de novos benefcios tarifrios pelo poder concedente ficacondicionada previso, em lei, da origem dos recursos ou da simultnea reviso daestrutura tarifria do concessionrio ou permissionrio, de forma a preservar oequilbrio econmico-financeiro do contrato.

    Da leitura, depreende-se que s existem duas alternativas para a concesso de gratuidade ou descontos natarifa dos servios.

    A primeira corresponde ao subsdio direto, via recursos pblicos, a qualesbarra na escassez de recursos que caracteriza os oramentos pblicos no Pas. Nunca demaislembrar que, a despeito da sociedade brasileira conviver com uma carga tributria considerada

  • 5alta, via de regra, o Poder Pblico dispe de pouco flego para arcar com a concesso debenefcios sociais. Ademais, o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n101, de 4 de maio de 2000) trouxe ainda maior controle sobre a criao ou ampliao debenefcios (sejam de natureza fiscal ou relativos seguridade social), bem como sobre os atosgovernamentais que gerem despesa (sejam de carter continuado ou no).

    A segunda alternativa para o custeio da gratuidade ou de desconto natarifa dos transportes a do subsdio cruzado, interno ao prprio sistema, que consiste em incluiro custo dos usurios no pagantes na composio da tarifa. Essa opo, embora bastante utilizadana concesso de gratuidades em geral, revela-se perversa, uma vez que o nus do benefcio vai serrateado pelo conjunto dos usurios pagantes que, no mais das vezes, so to carentes quanto osegmento beneficiado.

    Pode-se concluir, portanto, que a concesso de um benefcio degratuidade ou desconto estaria condicionada observao da esfera de competncia para aprestao do servio e indicao dos meios para custear o benefcio pretendido. Esse custeiopode ser realizado pelo aporte de recursos oramentrios ou pela autorizao para reviso dastarifas praticadas.

    Considerando a competncia da Unio para legislar sobre trnsito etransporte, constante do art. 22, inciso XI, da Constituio Federal, seria defensvel a idia deconceder, por lei federal, uma gratuidade ou desconto no servio pblico de transporte coletivourbano ou intermunicipal, desde que houvesse o aporte de recursos federais necessrios parasubsidiar o benefcio. Note-se que, nesse caso, no seria possvel a alternativa de reajuste tarifrio,uma vez que, conforme j mencionado, a prestao dos servios urbano e intermunicipal decompetncia, respectivamente, municipal e estadual, o que inclui autonomia para fixao detarifas. Tambm no possvel determinar que o subsdio se d mediante aporte de recursos dosoramentos estadual e municipal, pois cada ente da federao soberano para decidir sobre aaplicao de suas receitas.

    Especificamente no que se refere ao transporte areo, cabe fazer algunsregistros adicionais. So relativamente freqentes as iniciativas Parlamentares com o objetivo deinterferir nas tarifas areas, como, por exemplo, mediante a criao de novas classes tarifrias ou amodificao do sistema de descontos concedidos pelas empresas do setor. Tais iniciativas so,provavelmente, inspiradas na idia de que o Poder Pblico o responsvel pela fixao dosvalores praticados, o que no procede.

    O transporte areo disciplinado pelo Cdigo Brasileiro de Aeronutica(Lei 7.565/86 CBA), bem como por tratados, convenes e atos Internacionais sobre a matriade que o Brasil seja parte. O CBA no desce em detalhes sobre questes relacionadas a tarifas,remetendo tais pontos para regulamentao por parte do rgo governamental competente. Aesse respeito, veja-se:

  • 6"Art. 193. Os servios areos de transporte regular ficaro sujeitos s normasque o Governo estabelecer para impedir a competio ruinosa e assegurar o seu melhorrendimento econmico podendo, para esse fim, a autoridade aeronutica, a qualquertempo, modificar freqncias, rotas, horrios e tarifas de servios e outras quaisquercondies da concesso ou autorizao."

    O rgo governamental responsvel pelo setor era o Departamento deAviao Civil DAC1, que regulamentou a matria em normas de carter infralegal. Entre essasnormas, cabe fazer o registro da Portaria n 676/GC-5, de 13 de novembro de 2000, que aprovaas condies gerais de transporte. No que tange s tarifas domsticas, a referida Portariadetermina:

    "Art. 51. As tarifas areas domsticas sero aplicadas de aeroporto aaeroporto e a sua construo ser feita pela soma das distncias dos percursos, sendopermitida a construo da tarifa do ponto de partida ao ponto extremo da viagem,quando esta tarifa for menor.

    "Pargrafo nico. facultada empresa area a construo de tarifas deforma diferente das estabelecidas neste artigo, desde que a metodologia adotada sejapreviamente aprovada pelo DAC.

    "Art. 52. As empresas de transporte areo devero registrar, no DAC, astarifas areas domsticas, para aplicao exclusivamente no Pas, obedecendo aodisposto em regulamentao especfica sobre a matria, e as publicaro em moedanacional."

    Determina ainda:

    "Art. 57. No transporte domstico de crianas com menos de 2 (dois) anos deidade, no poder ser aplicada tarifa maior do que o equivalente a 10% (dez porcento) da tarifa do adulto, desde que no ocupem assento e estejam ao colo de umpassageiro com mais de 12 (doze) anos de idade."

    Registre-se, tambm, a Portaria DAC n 1.213/DGAC, de 16 de agostode 2001, que "estabelece as regras de funcionamento do sistema de tarifas areas domsticas" e,na prtica, institui o regime de liberdade tarifria. Essa portaria determina:

    "Art 2 Para fins de tarifao, as linhas areas regulares domsticas depassageiros e cargas esto submetidas ao regime de liberdade tarifria.

    "Art 3 Os valores das tarifas areas aplicveis s linhas areas domsticassero estabelecidas livremente pelas empresas de transporte areo regular, observados osprocedimentos de registro ex-post previstos no art. 4 desta Portaria.

    1 A Lei n 11.182, de 2005, que criou a Agncia Nacional de Aviao Civil (ANAC), autoriza o Poder Executivo aextinguir o Departamento de Aviao Civil (DAC) e demais organizaes do Comando da Aeronutica quetenham tido a totalidade de suas atribuies transferidas para a ANAC (vide Decreto 5.731, de 2006). Entretanto,boa parte das normas emitidas pelo antigo rgo continuam vigentes.

  • 7"Art 4 As empresas de transporte areo regular devero registrar no DAC,para fins de monitoramento, os valores de suas tarifas, no mximo at o 5 dia tilaps a data de incio de sua aplicao."

    Por sua vez, a Portaria DAC n 447/DGAC, de 2004, que substituiu anorma citada acima, mantm a regra segundo a qual os valores das tarifas areas relativos s linhasareas domsticas sero fixados livremente pelas empresas de transporte areo regular,observados os procedimentos de registro previstos na prpria Portaria (art. 3). O poderconcedente limita-se a definir ndices Tarifrios de Referncia, calculados com base nos custosoperacionais mdios da indstria brasileira de transporte areo regular, para fins deacompanhamento da evoluo dos nveis tarifrios praticados no transporte areo domstico, deforma a evitar distores (art. 4).

    A leitura dos dispositivos supracitados revela que os servios detransporte areo regular domstico funcionam sob regime de liberdade tarifria, no cabendo aoDAC a tarefa de fixar tarifas ou definir poltica de descontos. A exigncia de registro dos valorespraticados e da metodologia de clculo tem a finalidade apenas de permitir um monitoramento,de modo a coibir prticas contra a ordem econmica. Ademais, mesmo que as tarifas fossemfixadas pelo DAC, o eventual estabelecimento de descontos deveria observar aspectos ligados questo do financiamento do benefcio, nos termos do que dispe a Lei 9.074/95, j citada.

    2 OS BENEFCIOS VIGENTES

    2.1 A Constituio Federal

    A prpria Carta Magna estatui um benefcio de gratuidade para os idososno transporte urbano, a saber:

    "Art. 230. A famlia, a sociedade e o Estado tm o dever de amparar aspessoas idosas, assegurando sua participao na comunidade, defendendo sua dignidadee bem-estar e garantindo-lhes o direito vida.

    "....................................................................................................................

    " 2 Aos maiores de sessenta e cinco anos garantida a gratuidade dostransportes coletivos urbanos."

    Essa gratuidade vlida em todo o territrio nacional e seu custeio se dpor meio de subsdio cruzado.

    Muitos Estados e Municpios aprovaram legislao especficaconcedendo gratuidade ou descontos, no mbito de seus prprios sistemas de transporte pblico

  • 8coletivo de passageiros, para diversas categorias de beneficirios, como estudantes, por exemplo.Foge ao escopo desse trabalho analisar tais iniciativas.

    2.2 A gratuidade para pessoas portadoras de deficincia

    No mbito federal, tem-se a Lei n 8.899, de 29 de junho de 1994, queconcede passe livre s pessoas portadoras de deficincia, comprovadamente carentes, no sistemade transporte coletivo interestadual. Note-se que a norma legal no especifica uma modalidade detransporte (portanto, esto todas includas), mas no h previso de fonte de custeio, o queatrasou sobremaneira sua regulamentao e, em conseqncia, sua plena aplicao. O impasse fezcom que pessoas portadoras de deficincia recorressem justia para garantir o gozo do direitolegalmente institudo, tendo sido concedidas algumas liminares a respeito. Posteriormente, houvea intervenincia do Ministrio Pblico, que contribuiu decisivamente para a regulamentao danorma.

    Em 8 de novembro de 2000, sem que a Lei n 8.899/94 tivesse sidoregulamentada, foi sancionada a Lei n 10.048, que, entre outros dispositivos, determina aobrigatoriedade das empresas de transporte reservarem assentos, devidamente identificados, paraidosos, gestantes, lactantes, pessoas portadoras de deficincia e pessoas acompanhadas de crianasde colo.

    Finalmente, em 19 de dezembro de 2000, foi editado o Decreto n 3.691,que regulamenta a Lei n 8.899/94. O texto limita-se a determinar que as empresaspermissionrias e autorizatrias de transporte interestadual de passageiros reservem dois assentosem cada veculo destinado a servio convencional, para ocupao por pessoas portadoras dedeficincia comprovadamente carentes. O decreto faz meno a outros diplomas legais quetambm se relacionam com o tema, inclusive Lei n 10.048/00, e remete o detalhamento damatria a portaria do Ministrio dos Transportes.

    De interesse, cabe observar dois pontos:

    1. no h referncia a empresas concessionrias de transporte;

    2. no foi prevista a intervenincia do Ministrio da Defesa no disciplinamento da matria,necessria em virtude da lei abranger tambm o transporte areo.

    Em cumprimento ao que determina o Decreto n 3.691/00, o Ministriodos Transportes editou a Portaria n 1, de 9 de janeiro de 2001, posteriormente substituda pelaPortaria Interministerial n 3, de 10 de abril de 2001, dos Ministrios dos Transportes, da Justia eda Sade, a qual, entre outros dispositivos:

    1. estabelece o prazo de at 3 horas antes do horrio previsto para o incio da viagem para asolicitao do benefcio, dispensvel para os casos de servio de transporte rodoviriointerestadual de carter semi-urbano;

  • 92. define alguns termos importantes para a concesso do benefcio, como: sistema detransporte coletivo interestadual e pessoa portadora de deficincia comprovadamentecarente;

    3. prev que a deficincia ou incapacidade deve ser atestada por equipe multiprofissional doSistema Pblico de Sade;

    4. determina os procedimentos necessrios para a obteno do benefcio e os documentosaceitveis para a identificao da pessoa portadora de deficincia;

    5. estabelece as penalidades a serem aplicadas em caso de infrao norma.

    Importa observar que a definio de sistema de transporte coletivointerestadual remetia originalmente (Portaria n 1/01-MT) apenas s modalidades rodoviria eferroviria. A Portaria Interministerial n 3/01 contempla tambm a modalidade aquaviria. Nocaso do transporte areo, espera-se norma do Ministrio da Defesa para que as pessoasportadoras de deficincia possam usufruir plenamente seus direitos legais. Em princpio, talprovidncia dependeria de novo decreto presidencial, uma vez que o Decreto 3.691/00 remete aregulamentao apenas ao Ministrio dos Transportes.

    2.3 A gratuidade para idosos

    A Lei n 10.741, de 1 de outubro de 2003, conhecida como Estatuto doIdoso, dedica questo da gratuidade os seguintes dispositivos:

    Art. 39. Aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos fica assegurada agratuidade dos transportes coletivos pblicos urbanos e semi-urbanos, exceto nosservios seletivos e especiais, quando prestados paralelamente aos servios regulares.

    1 Para ter acesso gratuidade, basta que o idoso apresente qualquerdocumento pessoal que faa prova de sua idade.

    2 Nos veculos de transporte coletivo de que trata este artigo, seroreservados 10% (dez por cento) dos assentos para os idosos, devidamente identificadoscom a placa de reservado preferencialmente para idosos.

    3 No caso das pessoas compreendidas na faixa etria entre 60 (sessenta) e65 (sessenta e cinco) anos, ficar a critrio da legislao local dispor sobre as condiespara exerccio da gratuidade nos meios de transporte previstos no caput deste artigo.

    Art. 40. No sistema de transporte coletivo interestadual observar-se-, nostermos da legislao especfica:

    I a reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por veculo para idosos com rendaigual ou inferior a 2 (dois) salrios-mnimos;

  • 10

    II desconto de 50% (cinqenta por cento), no mnimo, no valor daspassagens, para os idosos que excederem as vagas gratuitas, com renda igual ouinferior a 2 (dois) salrios-mnimos.

    Pargrafo nico. Caber aos rgos competentes definir os mecanismos e oscritrios para o exerccio dos direitos previstos nos incisos I e II.

    Da leitura desses dispositivos, pode-se ver que o legislador, ao elaborar oEstatuto do Idoso, restringiu a concesso da gratuidade a duas esferas do servio: o urbano e ointerestadual.

    No que concerne ao transporte urbano, o Estatuto do Idoso no vaimuito alm do que j define a Constituio Federal. A novidade fica por conta do acrscimo daexpresso "semi-urbano", explicitando a equiparao desse tipo de servio ao transporte urbano,para o fim do gozo de direito j consagrado constitucionalmente. Tecnicamente, o servio detransporte semi-urbano aquele que, embora prestado em reas urbanas contguas, comcaractersticas operacionais tpicas de transporte urbano, transpe os limites de municpios, emreas metropolitanas e aglomeraes urbanas. O transporte semi-urbano tambm pode transporos limites de Estados, do Distrito Federal e dos Territrios, caso em que a extenso das linhas ficalimitada em 75 quilmetros, conforme conceituado pelo Decreto n 2.521/98, que trata daexplorao dos servios de transporte rodovirio interestadual e internacional de passageiros.

    O entendimento que, ao fazer referncia ao transporte semi-urbano, olegislador federal no ampliou o direito consagrado pela Constituio Federal, mas apenasexplicitou o nvel de abrangncia desse direito, equiparando, de forma objetiva, o transporte semi-urbano ao urbano. Cabe registrar, a propsito, que tal equiparao j ocorre para outros fins,como por exemplo, para efeito de fiscalizao dos veculos das empresas de transporte rodovirionos percursos em que se admite o transporte de passageiros em p e, portanto, sem o cinto desegurana (conforme o inciso I, do art. 105 do Cdigo de Trnsito Brasileiro).

    Note-se que, no 3 do art. 39 do Estatuto do Idoso, o legislador deixoua critrio da legislao municipal reduzir a idade mnima para o gozo do direito da gratuidade.Isso porque determinar de forma impositiva a reduo seria entendido como uma ampliao dobenefcio j concedido pela Constituio Federal (que menciona 65 anos como idade limite) e,assim, feriria a competncia municipal para organizar e prestar o servio pblico de transporte.No mais, o art. 40 do Estatuto do Idoso refere-se gratuidade no transporte pblicointerestadual, este sim sob competncia da Unio. No foi sem razo que o legislador eximiu-sequanto ao transporte intermunicipal: um dispositivo que o inclusse poderia ser questionadoquanto constitucionalidade. Cabe esfera estadual, responsvel pela organizao e prestao dotransporte intermunicipal, manifestar-se sobre a concesso, ou no, da gratuidade nessa esfera.

    Deve-se registrar, ademais, que, enquanto o art. 39 de aplicaoimediata, o art. 40 demanda regulamentao (vide o pargrafo nico do referido dispositivo). Em

  • 11

    julho de 2004, quase um ano aps a entrada em vigor do Estatuto do Idoso, o Governo Federaleditou o Decreto n 5.130, que disciplina o exerccio do direito previsto no art. 40. Essa normalegal, alterada posteriormente em alguns pontos por meio do Decreto n 5.155, tambm de 2004,traz as definies necessrias plena aplicao do direito gratuidade e determinaes quanto aprocedimentos operacionais a serem adotados pelas empresas prestadoras de servio. Entre esses,cumpre destacar:

    a regulamentao abrange apenas os servios de transporte regidos pela Agncia Nacional deTransportes Terrestres ANTT e pela Agncia Nacional de Transportes Aquavirios ANTAQ, deixando de fora o transporte areo, regido pela Agncia Nacional de Aviao Civil ANAC, como j acontece com a gratuidade concedida aos deficientes fsicos pela Lei n8.899/94, anteriormente citada;

    a gratuidade e o desconto de 50% previstos pelo Estatuto do Idoso esto garantidos para osidosos carentes (aqueles com renda igual ou inferior a dois salrios mnimos), apenas emveculo rodovirio, comboio ferrovirio ou embarcao do servio convencional de transporteinterestadual de passageiros;

    para usufruir do direito gratuidade, o beneficirio deve solicitar um "Bilhete de Viagem doIdoso", nos pontos de venda da transportadora, com antecedncia de, pelo menos, trs horasem relao ao horrio de partida, considerado a partir do ponto inicial da linha, podendo,ainda, solicitar a emisso do bilhete de retorno, respeitados os procedimentos gerais da vendade bilhetes de passagem, naquilo que for apropriado;

    caso a linha possua, ao longo do itinerrio, pontos de seo devidamente autorizados paraembarque de passageiros, a reserva de assentos gratuitos tambm deve estar disponvel emcada ponto de seo, respeitado o mesmo limite de horrio definido para o ponto inicial dalinha;

    os bilhetes com desconto de 50%, por sua vez, devem estar disponveis para venda aosinteressados a partir de sete dias antes da data da viagem, considerada em relao ao pontoinicial da linha;

    no dia marcado para a viagem, o beneficirio deve comparecer para embarque, no terminaldeterminado, at trinta minutos antes da hora marcada para o incio da viagem, sob pena deperda do benefcio;

    em ambos os casos, os bilhetes (tanto o gratuito, como aquele vendido com desconto) sopessoais e intransferveis e devem ser devidamente identificados pela empresa prestadora doservio, na ocasio da emisso, com informaes especficas sobre a prpria empresa, a linhae o beneficirio;

    a comprovao de idade para gozo dos benefcios concedidos pode ser feita por qualquerdocumento pessoal com f pblica e a comprovao de renda pode ser feita por Carteira deTrabalho e Previdncia Social (CTPS) atualizada, contracheque ou outro documento expedidopelo empregador, carn de contribuio para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS),

  • 12

    extrato de pagamento de benefcio ou declarao fornecida pelo INSS ou outro regime deprevidncia social pblico ou privado, ou ainda por documento ou carteira emitida pelasSecretarias Estaduais ou Municipais de Assistncia Social ou congneres;

    cabe ANTT e ANTAQ, em suas respectivas esferas de atuao, editar normascomplementares para o cumprimento do disposto na regulamentao, se necessrio for, emespecial no que se refere tipificao das condutas que caracterizem infraes e ao valor dasmultas correspondentes s infraes cometidas.

    No obstante o direito gratuidade estar plenamente definido no planolegal, a existncia de uma deciso judicial em carter liminar eximiu as empresas associadas Associao Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (ABRATI) documprimento da reserva de bilhetes gratuitos instituda pelo Estatuto do Idoso. A ANTT, no usode suas atribuies, solicitou ao Superior Tribunal de Justia (STJ) a suspenso da liminarconcedida ao impetrada pela ABRATI, mas o Presidente do STJ, Ministro Edson Vidigal,indeferiu o pedido, em 10 de setembro de 2004. Justificando sua deciso, o Ministro Vidigalargumentou que as relaes econmicas em nosso Pas so regidas pela economia de mercado,no podendo o Estado impor uma gratuidade sem a correspondente contrapartida indenizatria.Ainda segundo o Ministro Vidigal, se no tem previso contratual no est em vigor, no foipactuado entre a empresa e o Estado; ainda que essa ordem decorra de uma lei, no est aempresa autorizatria, concessionria ou permissionria, obrigada a transportar de graa.

    Para tentar solucionar o impasse, o Governo Federal editou, em 18 deoutubro de 2006, uma nova norma de regulamentao, o Decreto n 5.934, que revoga os doisanteriores (Dec. 5.130/04 e Dec. 5.155/04). Esse Decreto, que foi seguido da Resoluo ANTTn 1.692, de 24 de outubro de 2006, trouxe poucas alteraes em relao ao que estava em vigoranteriormente, a saber:

    foram retirados os dispositivos que traziam detalhes sobre a forma de identificao do bilhete,detalhamento este que passou a ser feito na Resoluo da ANTT;

    foi estabelecido um prazo mximo para a aquisio do bilhete com desconto, que de seishoras, em caso de viagens com distncia inferior a 500 quilmetros, e de doze horas, nosdemais casos;

    foi suprimido o prazo mnimo de sete dias antes da data de incio da viagem, para que osbilhetes com desconto fossem disponibilizados para venda aos interessados;

    foi includa a possibilidade de adoo de mecanismos para a recomposio do equilbrioeconmico financeiro dos contratos afetados pela concesso do benefcio tarifrio.

    Esse ltimo ponto constitui, de longe, a mais importante modificaointroduzida na regulamentao da matria, tendo em vista o questionamento judicial que obenefcio concedido aos idosos recebeu. O art. 9 do Decreto n 5.934/06 prev que a ANTT e aANTAQ, em conjunto com o concessionrio ou o permissionrio, devero adotar as

  • 13

    providncias cabveis para o atendimento ao disposto no caput do art. 35 da Lei n 9.074, de 7 dejulho de 1995, j citado neste estudo. Por sua vez, a Resoluo ANTT n 1.692/06 limita-se aprever que o tema dever ser objeto de resoluo especfica (art. 8). Note-se que aregulamentao estabelece a necessidade de o concessionrio ou permissionrio apresentarcomprovao do impacto do benefcio concedido no equilbrio econmico-financeiro docontrato para obteno da reviso tarifria.

    No obstante essa significativa alterao, a ABRATI voltou a recorrer Justia e conseguiu, em 1 de novembro de 2006, tutela antecipada da Justia Federal, em Braslia,em ao ordinria que pretende desobrigar as empresas de transporte da implementao dosbenefcios para os idosos no transporte rodovirio interestadual de passageiros. A referida tutelaantecipada foi suspensa poucos dias depois, em 9 de novembro, como resultado de um agravo deinstrumento interposto pela ANTT. Inconformada, a ABRATI impetrou mandado de segurana,com pedido de liminar, o qual, uma vez deferido, novamente desobrigou as empresas daimplementao dos benefcios previstos no Estatuto do Idoso.

    Em resposta, a ANTT recorreu ao Supremo Tribunal Federal,requerendo a suspenso da execuo da medida liminar concedida. A ANTT alegou, entre outrosargumentos, que a liminar impugnada suprimiu de todos os idosos com renda de at doissalrios mnimos (universo indeterminado), o direito constante do art. 40 do Estatuto do Idoso,em ntido favorecimento aos interesses econmicos das empresas transportadoras, em detrimentodos interesses de todos os cidados idosos e carentes do pas, que necessitam fazer uso do serviopblico, delegado a terceiros, de transporte rodovirio interestadual de passageiros.

    Em 5 de janeiro ltimo, o Ministro Gilmar Mendes, no exerccio daPresidncia do STF, deferiu pedido da ANTT, obrigando as empresas de transporte a garantir aconcesso da gratuidade e do desconto para os idosos, at o julgamento do mrito da aoordinria que corre na Justia Federal. Em sua deciso, reconheceu que a implementao dobenefcio depende de medida administrativa, uma vez que, de um lado, o j citado art. 9 doDecreto 5.934/06 prev a adoo de providncias cabveis para a manuteno do equilbrioeconmico-financeiro do contrato e, de outro, a Resoluo ANTT no trata do tema, remetendo-o a uma resoluo especfica ainda no editada.

    O Ministro Gilmar Mendes ponderou, contudo, que simplesmente negaraos idosos, em sede cautelar, o benefcio conferido pelo Estatuto do Idoso seria sumamenteinjusto e flagrantemente desproporcional. Assim, considerando que a Constituio Federal, emseu art. 230, prev que a famlia, a sociedade e o Estado tm o dever de amparar as pessoasidosas, assegurando sua participao na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar egarantindo-lhes o direito vida, foi deferido o pedido da ANTT para a suspenso da execuoda medida liminar concedida no mandado de segurana, at o julgamento do mrito da aoordinria correspondente.

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    2.4 A gratuidade para tratamento de sade

    Finalmente, cumpre fazer referncia existncia de um tipo especial degratuidade, vinculado necessidade de tratamento de sade. Trata-se de um programa doMinistrio da Sade, financiado com recursos do Sistema nico de Sade SUS, destinado acobrir despesas decorrentes do deslocamento de pacientes para tratamento fora do domiclio, queabrange o pagamento de passagens e dirias, inclusive para acompanhante. A solicitao dobenefcio deve ser feita pelo mdico assistente do paciente nas unidades vinculadas ao SUS eautorizada por comisso nomeada pelo respectivo gestor municipal/estadual, respeitados oslimites oramentrios.

    3 UM CASO ESPECIAL

    Embora opere basicamente na esfera urbana ou intermunicipal, o sistemade trens suburbanos, existente na maioria das grandes cidades brasileiras, esteve, durante bastantetempo, sob responsabilidade federal. Isso devido criao, em 1984, da Companhia Brasileira deTrens Urbanos CBTU, vinculada Secretaria Nacional de Transportes do Ministrio dosTransportes e subsidiria da Rede Ferroviria Federal S.A. RFFSA. O objetivo da medida eradesvincular o servio de transporte ferrovirio de passageiros nas reas metropolitanas dossistemas ferrovirios de longa distncia, em regra direcionados para o transporte de carga. Seriapossvel, assim, melhorar a prestao dos servios, por meio de investimentos na implantao oumelhoria de um sistema de transporte de massa nas reas metropolitanas.

    Alguns anos depois, a Constituio Federal de 1988 redesenhou adistribuio das competncias de cada ente federado em relao prestao do servio pblico detransporte coletivo de passageiros. A nova estrutura de competncias, j explicitada no inciodeste trabalho, motivou a reformulao do setor, uma vez que no cabia mais a presena daUnio na esfera do transporte urbano ou intermunicipal. Um novo modelo de gesto institucionalpara o setor foi definido e formalizado nos termos da Lei n 8.693, de 3 de agosto de 1993, que"dispe sobre a descentralizao dos servios de transporte ferrovirio coletivo de passageiros,urbano e suburbano, da Unio para os Estados e Municpios, e d outras providncias".

    A referida norma legal estabelece, entre outros dispositivos, o seguinte:

    a transferncia para a Unio da totalidade das aes de propriedade da Rede FerroviriaFederal S.A. e da Rede Federal de Armazns Gerais Ferrovirios S.A. no capital da CBTU e daEmpresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A. Trensurb;

    a autorizao para, uma vez efetivada tal transferncia, proceder-se ciso da CBTU, visando criao de novas sociedades;

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    a alienao, a qualquer ttulo, das aes da Unio nessas novas sociedades e na Trensurb aosEstados e Municpios nos quais os servios de transporte so prestados, repassando a eles aexplorao dos servios;

    a extino ou dissoluo da CBTU aps a efetivao do repasse de todos os servios sob suaresponsabilidade.

    Atualmente, parte dos sistemas de trens suburbanos j foramestadualizados, como ocorreu em So Paulo e no Rio de Janeiro, e outros esto em processo deadequao para transferncia. Assim, no obstante a CBTU ainda manter alguma atividade nosetor, pode-se afirmar que o servio de transporte ferrovirio de passageiros nas reasmetropolitanas encontra-se desvinculado da esfera federal. Uma vez consumada a transferncia daexplorao dos servios para Estados e Municpios, cabe a eles regular a sua prestao, com todasas prerrogativas inerentes.

    PAGINA_INICIAL_BIBLIOTECA_DIGITAL.pdfPgina 1

    titulo: GRATUIDADE NO SISTEMA DE TRANSPORTE PBLICO COLETIVO DE PASSAGEIROSNome do autor: Maria Slvia Barros LorenzettiData: 2007