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Escola de Ciências Sociais e Humanas Departamento de Economia Política Incidências Jus-Laborais da Maternidade Margarida Sequeira Santos Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito das Empresas Orientadora: Professora Doutora Maria Luísa Teixeira Alves, Professora Auxiliar Convidada ISCTE Instituto Universitário de Lisboa Setembro, 2015

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Escola de Ciências Sociais e Humanas

Departamento de Economia Política

Incidências Jus-Laborais da Maternidade

Margarida Sequeira Santos

Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito das

Empresas

Orientadora:

Professora Doutora Maria Luísa Teixeira Alves,

Professora Auxiliar Convidada ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa

Setembro, 2015

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ii

A todas as mulheres mães que se debatem na árdua tarefa de

conjugar o sonho de ser Mãe e alcançar a sua realização

profissional.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

iii

AGRADECIMENTOS

Quero agradecer a Deus pela luz que me iluminou neste caminho e que me fez nunca desistir

de chegar ao fim.

Aos meus pais, por caminharem sempre ao meu lado, pela força e garra que inspiram em mim

e pelas palavras de coragem com que me determinam, diariamente, a alcançar os meus

objetivos.

Ao meu tio, pelo entusiasmo com que acompanhou este trabalho, pelo apoio incansável,

amizade e carinho.

À minha irmã, que me deu a felicidade de com ela partilhar o espírito da maternidade, pelas

palavras de incentivo e por estar sempre ao meu lado.

Ao meu sobrinho Francisco, que é a minha fonte de inspiração e me mostra todos os dias a

alegria que é receber esta dádiva na família.

Ao meu cunhado, pela partilha de sugestões, pelas análises críticas e pelo exemplo de rigor.

Sinto-me abençoada por esta família e todos os agradecimentos só poderiam ser para eles,

sem vocês nada disto teria sido possível!

Dirijo também um especial agradecimento à Professora Doutora Maria Luísa Teixeira Alves,

pela disponibilidade em me orientar neste trabalho e pelas sábias sugestões que muito

contribuíram para o seu enriquecimento.

A todos, o meu mais sincero obrigada.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

iv

RESUMO

Esta dissertação analisa o tema da proteção da maternidade na legislação laboral portuguesa.

No Título I, dedicado à fase de acesso ao emprego e formação do contrato de trabalho, é

estudado o regime legal de proteção da intimidade da vida privada da trabalhadora grávida,

colocando em foco o reflexo que as ausências ao trabalho, por ocasião da maternidade, têm no

plano da contratação de mulheres. Visa-se, por um lado, clarificar a definição dos limites ao

poder de investigação do empregador em entrevistas de emprego em temas relacionados com

a gravidez e as perspetivas futuras de constituir família e, por outro lado, refletir sobre a

eventual existência de um dever de informação espontânea a cargo da candidata a emprego,

um direito ao silêncio ou a, inclusivamente, mentir sobre esses assuntos.

No Título II, em sede de execução do contrato de trabalho, abordamos o exercício do direito à

dispensa para amamentação no contexto das dificuldades de conciliação entre a vida

profissional e familiar. Procurámos fazer uma análise crítica ao atual quadro normativo e uma

reflexão exaustiva sobre as condições práticas para o exercício pleno e efetivo deste direito,

com especial enfâse na problemática dos meios de prova associados ao exercício deste direito

e na definição clara e objetiva dos seus pressupostos, limites temporais e finalidade última de

proteção da maternidade.

Palavras-chave: Proteção da maternidade; Conciliação entre a vida profissional e familiar;

Direito à dispensa para amamentação; Direito à reserva da intimidade da vida privada;

Informação sobre o estado de gravidez.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

v

ABSTRACT

The present essay analyses the maternity protection in the context of the Portuguese labour

legislation.

In Title I, regarding the access to employment and the formation of the labour contract, it was

analysed the legal framework concerning the right to privacy of the pregnant woman,

focusing, in particular, on the consequences of the maternity leave and related absences from

work in the context of hiring women. The essay, on the one hand, aims to clarify the

definition of the boundaries and limits on the research and inquiry powers of the employers

during the recruitment interviews, with regard to topics related with pregnancy or the

prospective to raise a family and, on the other hand, to reflect about the spontaneous duty to

disclose personal information, the right to silence or, even, the right to lie on pregnancy issues

of woman seeking work.

The Title II of this essay, regarding the period of execution of a labor contract, focus the topic

of exercising the right to breastfeeding breaks, concerning the difficulties in reconciling work

and family life. We aimed to do a critical analysis on the current legal framework and a

rigorous reflection about the practical conditions to exercise effectively this right, focusing,

particularly, on the topics regarding the forms of evidence when exercising the right to

breastfeeding breaks and examining the objective and clear definitions of the assumptions,

time limits and ultimate purpose of this special right regarding maternity protection.

Keywords: Maternity Protection; Reconciliation between professional and family life; Right

to exemption for breastfeeding; Right to privacy of private life; Pregnancy status information.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

vi

ÍNDICE

INTRODUÇÃO ---------------------------------------------------------------------------------------------- 1

TÍTULO I

A proteção legal da maternidade no acesso ao emprego:

A esfera da intimidade da vida privada da candidata a emprego ------------------------------------ 3

CAPÍTULO I

Enquadramento do tema --------------------------------------------------------------------------------- 4

1. Identificação das questões ---------------------------------------------------------------------- 4

2. A debilidade do candidato a emprego frente à (des) necessidade do empregador

recolher informações sobre a sua vida privada ----------------------------------------------- 4

CAPÍTULO II

Proteção na perspetiva do empregador: a definição de limites ao poder de investigação -------- 7

1. A recolha de informações sobre o estado de gravidez -------------------------------------- 7

1.1 A regra da ilegitimidade das indagações ------------------------------------------------- 7

1.2 Concretização da exceção “as particulares exigências inerentes à natureza da

atividade profissional” ---------------------------------------------------------------------- 9

1.2.1 Primeiro grupo de situações: impossibilidade de prestar ---------------------- 10

1.2.2 Segundo grupo de situações: fins de proteção da saúde e segurança da

trabalhadora e do nascituro ------------------------------------------------------- 11

1.2.3 O perigo da excessiva indeterminação na definição legal da exceção ------- 12

2. Mecanismos de recurso e consequências em caso de violação da proibição do art. 17.º

do CT --------------------------------------------------------------------------------------------- 15

3. A recolha de informações sobre a intenção de engravidar no futuro breve---------------- 16

3.1 Enunciado do problema -------------------------------------------------------------------- 16

3.2 Enquadramento legal ----------------------------------------------------------------------- 19

CAPÍTULO III

Proteção na perspetiva da candidata a emprego ------------------------------------------------------ 24

1. Dever de informação pré-contratual sobre o estado de gravidez --------------------------- 24

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

vii

2. Dever de responder, direito ao silêncio ou um direito a responder com recurso à

mentira? ------------------------------------------------------------------------------------------ 28

TÍTULO II

A proteção legal da maternidade no regresso ao trabalho -------------------------------------------- 33

CAPÍTULO IV

Contextualização ----------------------------------------------------------------------------------------- 34

1. A difícil harmonização da vida profissional e familiar -------------------------------------- 34

2. A visão negativa vs. vantagens dos direitos de ausência ao trabalho ---------------------- 37

CAPÍTULO V

O direito à dispensa para amamentação --------------------------------------------------------------- 42

1. A proteção a nível internacional e comunitário ---------------------------------------------- 42

2. Antecedentes históricos na regulação normativa nacional ---------------------------------- 44

3. A (des) proteção da legislação laboral portuguesa vigente --------------------------------- 45

Uma abordagem na perspetiva de um caso real -------------------------------------------------- 45

4. O limite temporal máximo para exercício do direito à dispensa --------------------------- 47

5. O pano de fundo das fraudes ------------------------------------------------------------------- 48

5.1. A dispensa que, afinal, não serve para amamentar ------------------------------------- 48

5.1.1. A dispensa em caso de nascimentos múltiplos ---------------------------------- 52

5.1.2. A utilização da bomba extratora de leite no local de trabalho ---------------- 53

5.2. O aproveitamento indevido da dispensa para fins diversos da amamentação ------- 55

6. A definição dos métodos de prova admissíveis ---------------------------------------------- 60

7. Competência para determinação dos momentos em que deve ser gozada a dispensa --- 63

CAPÍTULO VI

Um contributo em defesa das ausências ao trabalho para amamentar:

“Regime de amamentação decrescente ou tripartido” ------------------------------------------------ 67

1. Estádio 1: os primeiros seis meses de vida – a amamentação em exclusivo e em regime

livre ----------------------------------------------------------------------------------------------- 68

1.1 Argumentos em defesa desta tese -------------------------------------------------------- 69

1.1.1. Os exemplos vindos do exterior --------------------------------------------------- 69

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

viii

1.1.2. Os benefícios da amamentação --------------------------------------------------- 70

2. Estádio 2: entre os 6 meses e os 12 meses de vida – o período de adaptação ------------ 73

3. Estádio 3: entre os 12 meses e os 24 meses, a necessidade de fixação de um limite

máximo? ------------------------------------------------------------------------------------------ 74

CONCLUSÃO ---------------------------------------------------------------------------------------------- 76

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ----------------------------------------------------------------------- 79

ANEXOS

ANEXO A – Notícia Jornal Público ““E bebés?” Questão suscita cada vez mais queixas de

candidatas a emprego”, 20 de Novembro de 2014;

ANEXO B – Notícia Jornal Público “As mulheres portuguesas são parvas”, 2 de Março de

2005;

ANEXO C – Notícia Jornal Diário de Notícias “As dificuldades de amamentar depois da

licença de parto”, 3 de Maio de 2015;

ANEXO D – Notícia Jornal Público “Mulheres forçadas a espremer mamas para provar que

amamentam”, 19 de Abril de 2015;

ANEXO E – Notícia Jornal Expresso “Empresas devem dar duas horas por dia a mães com

filhos até três anos”, 4 de Julho de 2015;

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

ix

GLOSSÁRIO DE SIGLAS E ABREVIATURAS

Ac. Acórdão

Al. Alínea

Art. Artigo

Arts. Artigos

BFDUC Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

CC Código Civil

CDFUE Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

Cfr. Confrontar

CITE Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego

CNPD Comissão Nacional de Proteção de Dados

CRP Constituição da República Portuguesa

CT Código do Trabalho

CV Curriculum Vitae

DG Decreto do Governo

DL Decreto-Lei

DUDH Declaração Universal dos Direitos do Homem

DGAEP Direcção-Geral de Administração e do Emprego Público

Et al. E outros

Ob. cit. Obra citada

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico

OIT Organização Internacional do Trabalho

OMS Organização Mundial de Saúde

P. Página

Pp. Páginas

PNT Período normal de trabalho

Ss. Seguintes

TC Tribunal Constitucional

UE União Europeia

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

Vd. Vide, veja

V.g. Por exemplo

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INTRODUÇÃO

Com a elaboração desta dissertação de Mestrado pretendo refletir sobre as fragilidades da

legislação laboral portuguesa em matéria de proteção da maternidade com o objetivo de

concluir pela adequação ou não do regime atualmente previsto e, sempre que se justifique,

contribuir com soluções capazes de contornar as falhas detetadas.

No âmbito do regime de proteção da maternidade previsto no CT são múltiplas as questões

que se podem colocar pelo que, com consciência de que a temática selecionada é de uma

vastidão excessiva e na impossibilidade de abarcar exaustivamente o tema de proteção da

maternidade em sentido amplo, optamos por centrar o objeto em duas importantes e

polémicas questões relacionadas com o exercício do direito à dispensa para amamentação e as

repercussões que o gozo deste tipo de ausências ao trabalho tem gerado na fase de formação e

acesso ao trabalho, mais precisamente, ao nível da violação do direito à reserva da intimidade

da vida sobre aspetos relacionados com a gravidez. Para evitar os prejuízos provocados pelo

gozo de direitos de ausência ao trabalho as entidades empregadoras optam por evitar a

contratação de mulheres, antecipando riscos e prevenindo encargos acrescidos. Por isso, é

comum nas entrevistas de emprego os recrutadores cercarem as trabalhadoras de questões

intrusivas da intimidade da vida privada, questionando se estão ou não grávidas e se

pretendem ou não constituir família.

Posteriormente, na fase de regresso ao trabalho, após o parto, serão apreciadas em concreto

alguns problemas que o exercício do direito à dispensa para amamentação tem evidenciado e

que se prendem, em suma, com as dificuldades de implementação do regime em questão, a

que se tem chegado por via da indefinição legal e pelas barreiras erguidas pelos

empregadores.

As questões que se colocam a propósito do gozo do direito à dispensa para amamentação

assim como a fuga à contratação de mulheres grávidas ou que pretendam constituir família

que em consequência se verifica, são temas atuais e controvertidos entre nós e que têm

colocado, na prática, constantes e infindáveis problemas.

É nosso objetivo, em cada um destes momentos, analisar os mecanismos legais de proteção da

trabalhadora, a fim de assinalar os aspetos positivos dessa regulamentação, bem como os

vícios e incompletudes de que eventualmente padeça, bem como, salientar sempre que

justifique a necessidade de conciliação desta proteção com os interesses dos empregadores.

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Tentaremos, sempre que possível, encontrar o caminho a adotar para uma maior adequação da

regulamentação laboral nesta matéria às necessidades de conciliação do trabalho com a vida

familiar e à compatibilização destas com o mundo do trabalho e os interesses do empregador.

O tema será analisado, sobretudo, tomando como ponto de partida as revoltas e receios de

muitas trabalhadoras que se defrontam com a dura e complicada realidade de conciliar o

tempo disponível para se dedicar à família e, simultaneamente, à vida profissional, tarefas que

se revelam, muitas das vezes, inconciliáveis.

As questões em foco serão abordadas tendo como ponta de partida casos reais expressos em

publicações de jornais oficiais atuais com o intuito de avaliar à luz da legislação laboral os

problemas que a prática evidenciado e que denunciam a insuficiente proteção do CT nesta

matéria.

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TÍTULO I

A PROTEÇÃO DA MATERNIDADE NO ACESSO AO EMPREGO:

A ESFERA DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA DA CANDIDATA A EMPREGO

“As mulheres precisam de sentir que a maternidade não é um peso de chumbo”

José Manuel Silva, Bastonário da Ordem dos Médicos

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

4

CAPÍTULO I

ENQUADRAMENTO DO TEMA

1. Identificação das questões

No contexto da apreciação dos mecanismos específicos de tutela da maternidade iremos

analisar a proteção legal conferida pelo CT aplicável à fase pré contratual.

Os entraves colocados ao gozo das ausências ao trabalho previstas no regime da parentalidade

por parte das entidades empregadoras têm se refletido na dificuldade de acesso ao emprego.

Com frequência, na fase de recrutamento e seleção as trabalhadoras são auscultadas quanto às

suas intenções em constituir família, circunstância que choca diretamente com o direito à

reserva da intimidade da vida privada.

Os capítulos que se seguem serão dedicados à análise da projeção do princípio da irrelevância

de aspetos relativos à vida privada da candidata a emprego (especificamente no que diz

respeito ao seu estado de gravidez e à sua intenção de engravidar no futuro próximo) na fase

de formação do contrato de trabalho. Veremos de que forma o direito à reserva da intimidade

da vida privada está protegido pela nossa legislação laboral, em concreto pelo CT.

O tema será apreciado, por um lado, na perspetiva do empregador – o empregador pode

indagar a candidata a emprego relativamente ao seu estado de gravidez ou sobre a sua

intenção de no futuro breve engravidar? Ou deverá ficar circunscrito à averiguação da aptidão

profissional da candidata a emprego para o posto de trabalho que procura preencher?

Na perspetiva da candidata a emprego, existe algum dever de informar, espontaneamente, o

empregador sobre o fato de estar grávida, inclusive expondo circunstâncias que a possam vir a

prejudicar (como seja, designadamente, a intenção de no futuro breve engravidar)?

E se não estiver obrigada a, espontaneamente, prestar informações sobre o seu estado de

gravidez ao empregador, se questionada, terá o direito de não responder à questão ou,

inclusivamente, mentir?

2. A debilidade do candidato a emprego frente à (des) necessidade do empregador

recolher informações sobre a sua vida privada

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5

O empregador, que procura preencher um posto de trabalho, pretende, ao longo do processo

de recrutamento e seleção tendente à celebração de um contrato de trabalho, ganhar a certeza

máxima de que as características psíquicas e físicas, aptidões técnicas e qualificações

profissionais do candidato a emprego se adequam ao perfil exigido.

Neste processo em que se prepara a escolha do candidato, para aferir dessa exata

correspondência, o empregador tem direito a tomar conhecimento de determinadas

informações pessoais do candidato a emprego, de modo a que seja possível avaliar da sua

aptidão para realizar a prestação de trabalho e averiguar se reúne as características pessoais

necessárias para integrar a sua organização.

Só através da recolha deste tipo de informação é possível o empregador encontrar, de entre os

disponíveis, o candidato que se apresente mais adequado à função a desempenhar.

Neste contexto de incessante busca de informação, a fronteira entre aquilo que pode ou não

ser questionado é bastante ténue.

Acresce que, o candidato a emprego se encontra numa posição de maior fragilidade, no

essencial, devido à sua debilidade económica e à escassa expetativa de emprego.

Para este o emprego “constitui, normalmente, uma necessidade vital, não apenas em termos

económicos, mas também sociais”. Já o empregador “em regra, poderá facilmente substituir

aquele candidato a emprego por outro, sobretudo num clima de desemprego generalizado

como o presente” 1.

Por isso, frequentemente, o empregador, pretendendo aceder a um maior número de

elementos suscetíveis de influenciarem o funcionamento da empresa, aproveita-se da

vulnerabilidade do candidato a emprego, correndo um sério risco de interferir com o seu

direito a não ver devassada a intimidade da sua vida privada.

Muitas vezes sob as vestes de aparentes indagações acerca da aptidão profissional o

empregador realiza verdadeiros inquéritos sobre a vida privada sendo demasiado frequentes

os arbítrios cometidos. Em consequência da sua necessidade de obter trabalho, os candidatos

a emprego são, normalmente, “convencidos” a aceder às interrogações do empregador.

Devido ao desequilíbrio contratual existente é necessário que haja maior vigilância e proteção

da lei em eventuais intromissões da intimidade da vida privada, nomeadamente, por via da

1 Cfr. JÚLIO VIEIRA GOMES, ob. cit., pp. 337-338. Segundo o autor é natural que na fase pré contratual

se manifeste com maior intensidade a disparidade de poder e a desigualdade social entre os sujeitos

contraentes.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

6

concretização objetiva de limites ao poder inquisitório do empregador, capaz de filtrar e

impedir certos abusos.

No que diz respeito à situação concreta da candidata a emprego grávida, ou que revele a

intenção de engravidar no futuro breve, embora o CT preveja um direito à reserva da

intimidade da vida privada, o quadro legal nesta matéria apresenta algumas fragilidades que

teremos oportunidade de demonstrar, as quais nos parecem suscetíveis de gerar, na prática, as

violações mais graves deste direito.

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CAPÍTULO II

PROTEÇÃO NA PERSPETIVA DO EMPREGADOR: DEFINIÇÃO DE LIMITES AO PODER DE

INVESTIGAÇÃO

Uma das primeiras fragilidades a apontar, é o fato de, no nosso ordenamento jurídico, não

existir qualquer previsão normativa a respeito dos métodos de indagação passiveis de serem

utilizados pelo empregador, no momento do recrutamento e seleção, com o objetivo de

averiguar se está ou não diante da pessoa mais indicada para ocupar determinada função.2

Na busca de informação sobre o futuro contraente, não existe nenhum padrão normativo ou

procedimental a seguir3 mas esta omissão não significa que o mesmo não deva observar certas

regras, elas existem – ainda que insuficientes – e devem ser devidamente cumpridas, sob pena

de se gerarem as mais graves violações do direito à reserva da intimidade da vida privada.

1. A recolha de informações sobre o estado de gravidez

1.1 A regra da ilegitimidade das indagações

No âmbito da proteção jus-laboral conferida pelo CT ao direito à reserva da intimidade da

vida privada da candidata a emprego, a dificuldade está em estabelecer a fronteira entre aquilo

que o empregador está autorizado a questionar e os temas relativamente aos quais se deve

abster de tentar conhecer. Quem define o que fica para cada um dos lados?

A doutrina tem defendido que apenas podem ser questionados aspetos conexos com a

capacidade profissional da candidata a emprego, ou seja, com a aptidão profissional para o

exercício de determinada atividade.

2 Cfr. SARA DA COSTA APOSTOLIDES, Do dever pré-contratual de informação e da sua aplicabilidade

na formação do contrato de trabalho, Coimbra: Almedina, 2008, p. 262. 3 Na verdade, a escolha do trabalhador a admitir pode até ser feita numa informal conversa de café sem

nenhuma especial complexidade procedimental.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

8

Nas palavras de TERESA MOREIRA4, “o empregador só pode obter informação e interrogar

sobre fatos que tenham relação direta com o emprego. Toda a procura de informação de outro

tipo pode ser considerada como invasão da esfera privada dos trabalhadores”.

Para a autora5, “os direitos fundamentais não podem ficar extra-muros, do lado de fora da

empresa”. Quer dizer que a proteção do direito à reserva da intimidade da esfera privada

existe independentemente de as candidatas integrarem, ou não, a organização do potencial

empregador e funciona como limite aos poderes inquisitórios do empregador na fase de

recrutamento e seleção. Devem, por isso, considerar-se vedadas quaisquer outras averiguações

sobre aspetos pessoais que não sejam relevantes para a constituição e desenvolvimento da

relação laboral.

Pode o estado de gravidez ser considerado um dado relevante a ser valorado na apreciação da

aptidão profissional?

Defendemos que, em princípio, as indagações realizadas pelo empregador para aferir do

estado de gravidez das candidatas a emprego devem ser proibidas já que na maioria das

situações o fato de a candidata se encontrar grávida não afeta a sua aptidão para o exercício da

prestação de trabalho. Contudo esta questão só poderá ser, efetivamente, respondida no caso

concreto pois existem profissões em que o conhecimento do estado de gravidez se revela

imprescindível.

Na fase de acesso ao emprego e formação do contrato de trabalho existe na legislação laboral

uma proibição expressa dirigida ao empregador que o inibe de efetuar indagações a respeito

do estado de gravidez da candidata a emprego. No âmbito da subsecção do CT dedicada à

tutela dos direitos de personalidade, o legislador reconheceu, expressamente, no art. 17.º n.º1

al. b) do CT6, o direito à reserva da intimidade da vida privada da candidata a emprego no que

se refere ao estado de gravidez. Nos termos daquele preceito o empregador não pode exigir à

candidata a emprego informações relativas ao seu estado de gravidez.

4 TERESA COELHO MOREIRA, Da esfera privada do trabalhador e o controlo do empregador,

Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 157. 5 TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., pp. 152-153.

6 Embora esteja sistematicamente colocado fora da Secção III que trata da formação do contrato de

trabalho não existem dúvidas sobre a sua aplicabilidade à fase de recrutamento e seleção.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

9

O art. referido7 prevê, relativamente à recolha de dados pessoais, um princípio de

autodeterminação8 informativa do titular dos dados pessoais ao estabelecer a regra de

inexigibilidade à candidata a emprego de informações relativas ao seu estado de gravidez.

Este é um preceito que visa proteger a esfera pessoal da candidata a emprego e que pretende

travar o ímpeto do empregador na procura de informação que, claro está, não pode decerto ser

toda e qualquer uma que lhe convém.

Diz a norma que “o empregador não pode exigir”, nada impedindo que formule perguntas. Tal

redação pode, erroneamente, conduzir o intérprete a confundir o objeto da proibição. O que a

lei proíbe é a exigência de informações a respeito da vida privada ou tão só a formulação de

indagações a esse respeito? Apenas estará aqui em causa a mera insistência na resposta?

Consideramos ser de admitir uma interpretação extensiva da norma de forma a proibir

inclusive as perguntas.

Neste mesmo sentido SARA APOSTOLIDES9, entende que, ao determinar que o empregador não

pode exigir informações sobre o estado de gravidez, o art. 17.º do CT está, igualmente, a

proibir a formulação de questões.

Apesar de resultar claramente da letra da lei que a gravidez é um dos temas excluídos a priori

da indagação por parte do empregador resta-nos averiguar a eficácia da proteção conferida

pela norma, procurando detetar as suas fragilidades e refletir sobre algumas questões.

1.2 Concretização da exceção “as particulares exigências inerentes à natureza da

atividade profissional”

Como vimos a alínea b) do n.º1 do art. 17.º do CT afirma como princípio geral o de que o

empregador não pode exigir à candidata a emprego que preste informações relativas ao seu

estado de gravidez. Contudo, este princípio não é absoluto, no sentido em que admite ser

limitado.

7 O art. 17.º do CT sob a epígrafe “proteção de dados pessoais” regula duas questões distintas mas

conexas entre si: dedica, por um lado, os n.º1, 2 e 3 à recolha de dados pessoais e, por outro lado, o

n.º4 e 5 ao tratamento desses dados pessoais. 8 Cfr. DAVID OLIVEIRA FESTAS, "O direito à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador no

Código de Trabalho", Revista da Ordem dos Advogados, Ano 64, Vol. I / II, Novembro 2004.

Disponível em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=45841&ida=47185,

consultado em 12 de Setembro de 2015. 9 SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 233.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

10

Com efeito para que se admita a inquirição da candidata a emprego quanto ao seu estado de

gravidez, a lei exige o preenchimento cumulativo de três requisitos de natureza substantiva,

formal e procedimental. Em sede de fundamentação, exige-se que tais questões sejam

justificadas por “particulares exigências inerentes à atividade profissional”.

1.2.1 Primeiro grupo de situações: impossibilidade de prestar

Na concretização deste conceito indeterminado, a doutrina tem admitido que as informações

sobre o estado de gravidez possam ser exigidas pelo empregador quando, atendendo à

natureza da atividade, essa circunstância (a gravidez) possa vir a determinar a impossibilidade

de prestar10

.

Segundo a interpretação de DAVID FESTAS11

, a expressão legal em causa “traduz a exigência

de uma especial conexão entre as informações exigidas e as características objetivas da

atividade, em termos tais que a necessidade de saber as informações seja justificada pelas

características objetivas da função”.

Tendo em conta que existem certas atividades profissionais que não podem ser executadas por

mulheres grávidas a admissibilidade e licitude das questões a este respeito devem ser aferidas

à luz das características da atividade. Assim o empregador ao averiguar da capacidade que a

pessoa inquirida tem para executar atividade laboral com determinadas características pode,

em certos casos, ter de conhecer o eventual estado de gravidez da candidata.

ROMANO MARTINEZ12

defende a licitude das perguntas que se refiram ao estado de gravidez

se este aspeto estiver, direta ou indiretamente, implicado com a relação laboral; não colidir

com a tutela da personalidade do trabalhador e sejam justificadas com base na natureza da

atividade.

O empregador só se deve considerar autorizado a investigar sobre este aspeto se concluir pela

existência de uma ligação direta e necessária com a aferição da capacidade para a execução da

prestação laboral. Só assim, apenas em casos muito excecionais, relacionados com o tipo de

atividade, se aceita que possam ser exigidas à candidata a emprego informações desta

natureza.

10

Nesse sentido SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 239. 11

DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit.. 12

PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 6ª Edição, Coimbra: Almedina, 2015, p. 429.

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11

Estariam nessa situação, por exemplo, o caso de uma trabalhadora grávida que se candidata

para o lugar de instrutora de aeróbica13

. Neste caso, as caraterísticas objetivas da atividade

profissional justificam o pedido de informações sobre o estado de gravidez porque essa

circunstância impossibilita a prestação de trabalho14

.

Fora das situações em que seja possível concluir pela existência de uma conexão entre a

natureza da atividade a prestar e a necessidade de conhecer informações relativas ao estado de

gravidez, deve-se concluir pela ilegitimidade do empregador para perguntar, ou informar-se

por via de outros métodos, sobre o estado de gravidez.

Segundo um exemplo de DAVID FESTAS15

, “a informação relativa ao estado de gravidez é

“necessária e relevante” para avaliar a aptidão de uma candidata a secretária de uma grande

empresa, na medida em que, estando grávida, não poderá encontrar-se sujeita às mesmas

situações de tensão, nem deslocar-se com a mesma rapidez e facilidade. Contudo, não há uma

particular relação entre as “exigências inerentes à atividade profissional” de secretária e o fato

de se estar grávida. Por isso, não se encontram, em princípio, “particulares exigências

inerentes à natureza da actividade profissional” de secretária que justifiquem a prestação de

informações relativas ao estado de gravidez. Na verdade, nada impede que uma mulher

grávida preste o seu trabalho como secretária, mesmo que se admita que a sua gravidez pode

condicionar de algum modo a sua aptidão”.

Este exemplo permite estabelecer uma clara distinção entre as situações em que a prestação de

informações sobre o estado de gravidez é indispensável para aferir da capacidade para

executar a prestação de trabalho e aquelas em que a gravidez é, meramente, um dado que

respeita à curiosidade do empregador e à sua irremediável ânsia de controlar/assegurar o

futuro das suas relações laborais.

1.2.2 Segundo grupo de situações: fins de proteção da saúde e segurança da

trabalhadora e do nascituro

13

Cfr. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral, 2003, p. 573 (nota 72) citado por SARA DA COSTA

APOSTOLIDES, ob. cit., p. 239 (nota 625). O autor aponta como exemplos de profissões as de bailarina,

modelo ou hospedeira, concluindo que nestes casos o exercício da atividade é objetivamente

impossível no estado de gravidez pelo que, caso celebre o contrato sem conhecer tal estado, o

empregador pode anular o contrato por erro. 14

Cfr. DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit.. 15

DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit..

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12

No conceito de “particulares exigências inerentes à natureza da atividade profissional”, além

das referidas situações de possibilidade ou impossibilidade de prestar a atividade laboral,

existe um outro grupo de situações que pode legitimar a colocação de perguntas sobre o

estado de gravidez.

Nos casos em que a natureza da atividade implica a existência de um risco para a saúde e

segurança da candidata a emprego e do bebé, o empregador deve-se considerar autorizado,

por via da exceção, a formular questões sobre o estado de gravidez16

.

É o caso17

, designadamente, de uma mulher grávida que se candidate ao emprego de judoca

profissional ou que se candidate a um arriscado cargo de investigadora nuclear e radiológica.

Em qualquer dos exemplos referidos, as características da atividade profissional justificam o

pedido de informações: no primeiro caso, porque a gravidez impossibilita a prestação de

trabalho (a prática de judo) e põe em causa a saúde do bebé; no segundo caso, porque a

atividade de investigadora nuclear e radiológica (e os riscos inerentes) poderá também pôr em

causa a saúde do bebé, não havendo, neste último exemplo, impossibilidade de prestar.

Assim, as situações que se reconduzem à impossibilidade de prestar ou aos fins de proteção

da saúde e segurança da trabalhadora e do bebé, ainda que possam ter âmbitos de aplicação

parcialmente coincidentes, não se afiguram equivalentes18

.

1.2.3 O perigo da excessiva indeterminação na definição legal da exceção

Apesar de a doutrina se revelar unânime na concretização do significado ínsito na expressão

“particulares exigências inerentes à natureza da atividade profissional”, não podemos deixar

de manifestar o nosso profundo desagrado pela opção do legislador do trabalho em utilizar

este tipo de conceitos indeterminados, excessivamente amplos e vagos. Esta é uma

formulação demasiado genérica da exceção à proibição do empregador exigir da candidata

informações sobre o seu estado de gravidez 19

.

A indeterminação da fórmula legal tem criado margem para algum arbítrio e resultado na

violação do direito à reserva da vida privada no seio das organizações empresariais. A

excepção revela pela sua amplitude e imprecisão o risco sério de se esvaziar por completo a 16

Cfr. SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 241. 17

O exemplo é de DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit.. 18

Cfr. DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit.. 19

Neste sentido JOÃO JOSÉ ABRANTES, Direitos Fundamentais da Pessoa Humana no Trabalho – em

especial, a reserva da intimidade da vida privada (algumas questões), Coimbra: Almedina, 2014, p. 30.

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13

aplicação da proibição expressa na lei dirigida ao empregador de indagar a candidata acerca

do seu estado de gravidez e por esse motivo não cremos que a norma seja suficientemente

protetora.

Na opinião de MARIA REDINHA20

, afigura-se “excessivo o recurso a tantos conceitos

indeterminados, principalmente no âmbito das ressalvas ou excepções às proibições expressas

no articulado. Corre-se o risco de as paralisar através de interpretações pouco rigorosas e de

introduzir numa zona sensível um fator de incerteza jurídica através do inevitável

subjetivismo no preenchimento de conceitos como “a natureza da actividade profissional””.

Também PAULA QUINTAS21

se pronuncia a este propósito afirmando que “o juízo de

adequação concedido ao empregador é excessivo”.

Na verdade, a impossibilidade de prestar a atividade e a proteção da segurança e saúde da

trabalhadora e do bebé, podem enquadrar-se na fórmula “particulares exigências inerente à

natureza da atividade profissional” contudo não são as únicas.

Nesse sentido, DAVID FESTAS22

afirma que as particulares exigências inerentes à atividade

profissional podem justificar pedidos de informações que nada têm que ver com a proteção da

segurança ou saúde mas apenas com a aptidão ou melhor aptidão para a realização da

prestação.

Foi também este o entendimento seguido no TC no Ac. n.º 306/03, no qual se prevê que

podem existir outras exigências relacionadas com especificidades da atividade (as

“particulares exigências”) que justifiquem os pedidos de informação sobre o estado de

gravidez (como a determinação da aptidão – ou da melhor aptidão).

Concordamos com este entendimento pois muito embora possam divergir as interpretações

acerca do significado da fórmula legal em causa, deve-se reconhecer a possibilidade de nela

enquadrar situações que se reconduzem à aptidão para a realização da prestação e concluir

pela insuficiência da densificação dos critérios nos casos em que existe verdadeiramente um

direito do empregador a exigir informações de cariz profundamente íntimo.

20

MARIA REGINA REDINHA, “Os direitos de personalidade no Código de Trabalho: Actualidade e

Oportunidade da sua Inclusão”, A Reforma do Código de Trabalho, Coimbra, 2004, p. 11. Disponível

em www.cije.up.pt/download-file/218, consultado em 17 de Março de 2015. 21

PAULA DO COUTO QUINTAS, Os direitos de Personalidade Consagrados no Código de Trabalho na

Perspectiva Exclusiva do Trabalhador Subordinado – Direitos (Des) figurados, Coimbra: Almedina,

2013, p. 284. 22

DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit..

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14

O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar encontra-se constitucionalmente

consagrado no art. 26.º n.º1 da CRP como direito fundamental, enquadrando-se no âmbito dos

direitos, liberdades e garantias. A qualificação do direito à reserva da intimidade da vida

privada como direito fundamental implica que as limitações a ele previstas respeitem os

princípios do art. 18.º da CRP.

Assim, como refere JOÃO ABRANTES,23

“quando a lei fundamental imporia que o legislador se

preocupasse, sobretudo, com a definição dos limites às restrições sofridas pelos direitos nela

consagrados, sucede, ao invés, que o enunciado destes é por vezes acompanhado de exceções

que, nalguns casos, se traduzem por contornos vagos e imprecisos (v.g., “particulares

exigências inerentes à natureza da atividade profissional”), comprometendo-se desse modo –

com eventual violação dos princípios consignados nos arts. 18.º e 26.º da CRP – a

possibilidade de observância rigorosa da ideia segundo a qual as restrições à reserva da

intimidade deverão “limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses

constitucionalmente protegidos””.

Numa matéria que é de extrema sensibilidade, a utilização de conceitos indeterminados sugere

uma abertura, a nosso ver, demasiado ampla e suscetível de despoletar as maiores

discricionariedades por parte do empregador, que pode, com alguma facilidade, a favor dos

seus interesses de gestão da empresa, manobrar o preceito de forma a incluir nesta expressão

o que melhor lhe convier.

Apesar das críticas que o preceito merece, SARA APOSTOLIDES24

entende, em sentido

contrário, que “esta formulação legal não deixa qualquer espaço a valorações subjetivas do

empregador”. Em defesa desta tese, com a qual não podemos concordar, para a autora parece

evidente que “o que está em causa neste preceito são as situações de capacidade, no sentido de

determinar se a prestação é ou não possível”. E conclui que a recolha de informações sobre a

gravidez só pode ter como finalidade, e justificação, verificar se o candidato pode ou não

executar a atividade.

De acordo com MARIA DO ROSÁRIO RAMALHO25

, para situações de dúvida, sobre a

exigibilidade da informação atinente a aspetos da vida privada do trabalhador, que subsistam,

após a aplicação dos critérios dispostos pelos arts. 16.º e 17.º do CT, deve ser resolvida 23

JOÃO JOSÉ ABRANTES, “O novo Código do Trabalho e os direitos de personalidade do trabalhador”,

Estudos sobre o Código de Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 164. 24

SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., pp. 238 e ss.. 25

MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito de Trabalho – Parte II – Situações

Laborais Individuais, 4ª Edição, Coimbra: Almedina, 2012, p. 145.

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15

através da prevalência daquele direito e a dúvida sobre a extensão da informação a prestar

deve ser resolvida no sentido da restrição ao conteúdo mínimo, correspondente à necessidade

objetiva de inquirição.

Idealmente o que se procura atingir é um equilíbrio entre os direitos conflituantes – o direito

da entidade empregadora a escolher a candidata mais apta para ser contratada, por outro lado,

o direito desta a que não lhe seja aniquilado, ou limitado de forma injustificada, o direito à

reserva da intimidade da sua vida privada.

2. Mecanismos de recurso e consequências em caso de violação da proibição do art.

17.º do CT

No caso de o empregador violar a proibição constante do art. 17.º do CT a candidata a

emprego pode recusar-se, legitimamente, a revelar informações quanto ao seu estado de

gravidez, tratando-se de uma hipótese típica de desobediência lícita, subsumível na parte final

da alínea e) do n.º1 do art. 128.º do CT26

.

Além da hipótese de desobediência ilícita, na perspetiva protetiva conferida pela ordem

jurídica portuguesa a este tipo de situações, que meios estão ao dispor da candidata a emprego

que lhe permitam reagir contra o empregador quando se sinta devassada na intimidade da sua

vida privada? A candidata a emprego pode apresentar queixa na CITE, a qual tem como

missão promover, entre outras finalidades, a proteção da parentalidade e a conciliação da

atividade profissional com a vida familiar e pessoal.

A discricionariedade, a que nos vimos referindo, é agravada porquanto não se indica qualquer

outro mecanismo de recurso face a uma certa excessividade na busca de informação27

.

Por outro lado, que consequências jurídicas decorrem para o empregador dessa violação?

Em traços gerais, a violação do direito à reserva da intimidade da vida privada configura uma

situação de justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, nos termos do

art. 340.º al. g) e art. 394.º do CT. Consequentemente, a resolução do contrato de trabalho

confere o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais

sofridos, conforme dispõe o art. 396.º do CT. Por último, o empregador incorre ainda em

26

Cfr. GUILHERME MACHADO DRAY, Direitos de Personalidade - Anotações ao Código Civil e ao

Código de Trabalho, Coimbra: Almedina, 2006, p. 78. 27

Cfr. PAULA DO COUTO QUINTAS, ob. cit., p. 284. Refere a autora que “desconhece-se, aliás,

qualquer ação judicial intentada por um trabalhador ou candidato que se tenha sentido devassado”.

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16

responsabilidade contraordenacional por violação de disposições relativas a direitos de

personalidade do trabalhador (art. 548.º do CT)28

.

Na fase de formação do contrato de trabalho apenas tem aplicação a responsabilidade

contraordenacional pelo que o empregador parece estar praticamente isento de consequências

no caso de proceder em desrespeito da lei.

Portanto, além da dificuldade em trazer estas situações ao conhecimento da entidade

competente (CITE) para posterior averiguação e aplicação de sanções, uma vez que são

muitos os casos de candidatas que se retraem em apresentar queixas por medo de sofrer

represálias ou por inexistência de provas, as sanções que possam advir como resultado dessas

queixas para o empregador afiguram-se pouco intimidatórias.

Em anotação ao n.º2 do art. 26.º da CRP, GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA29

salientam

que neste preceito a lei fundamental impõe ao legislador o estabelecimento de garantias –

designadamente sanções de carácter penal e sanções de carácter civil – contra a utilização

abusiva ou contrária à dignidade humana de informações relativas às pessoas e famílias.

3. A recolha de informações sobre a intenção de engravidar no futuro breve

3.1 Enunciado do problema

A CITE, no Parecer n.º 14/CITE/98, de 13 de Julho30

, analisou o caso de uma empresa

alimentar que no formulário a preencher pelos candidatos tinha uma questão exclusiva para o

sexo feminino e que colocava a seguinte pergunta: “Tem fundamento para pensar que nos

próximos 9 meses irá utilizar o direito à proteção à maternidade?”.

Mais recentemente, no Jornal Público (Anexo A) foi noticiado o testemunho de uma

candidata a emprego que relata à CITE o sucedido numa entrevista de emprego da qual conta

o seguinte: “É casada há quanto tempo? Há cerca de três meses. E bebés? Referi que de

momento não tencionava ter filhos. De seguida surge novamente uma observação: Já tem 34

anos, não pode atrasar muito mais! Referi novamente que não tencionava ter filhos, uma vez

28

Cfr. DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit.. 29

GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª Edição,

Coimbra: Coimbra Editora, 2014, pp. 471-472. 30

CITE, Edição Comemorativa dos 20 anos da CITE – Pareceres da Comissão para a Igualdade no

Trabalho e no Emprego, DEPP, Centro de Informação e de Documentação Económica e Social,

Lisboa, 1999, pp. 457-478.

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17

que pretendia trabalhar por já estar desempregada há algum tempo. Fui novamente

confrontada com a seguinte observação: Sabe que a gravidez pode condicionar a vida

profissional”.

É um fato do conhecimento geral que é prática corrente perguntar às mulheres, nas entrevistas

de emprego, se pensam engravidar futuramente. E ainda que a pergunta não seja diretamente

apresentada exatamente nestes termos, existem outras formas mais indiretas ou “discretas” de

abordar este tema e chegar à resposta pretendida.

As preocupações das empresas não estão tão focadas em saber se no momento do

recrutamento e seleção as candidatas se encontram grávidas mas sim em saber se algures num

futuro próximo desejam ter filhos, ao contrário do que nos parece ter estado na mente do

legislador quando redigiu a norma do art. 17.º do CT.

Segundo dados avançados pela própria CITE, diariamente são apresentadas cerca de cinco

queixas informais que pretendem denunciar situações semelhantes a esta mas raramente as

candidatas decidem formalizar estas queixas, umas vezes pela dificuldade em fazer prova da

ocorrência (no momento em que as perguntas são colocadas estão sozinhas e não existe quem

possa testemunhar), outras devido ao fato de existir algum receio em sofrer represálias no

mercado de trabalho por revelar o nome da empresa em questão.

No caso do sector privado, a responsabilidade para aplicar penalizações nestes casos cabe à

Autoridade para as Condições do Trabalho, que pode aplicar coimas que variam de acordo

com o volume de negócios da empresa. No sector público, cabe às inspeções dos ministérios

agir, mas não está previsto nenhum sistema de contraordenações. No limite, pode haver

procedimento disciplinar. Mas nestes casos as consequências para a empresa são poucas ou

quase inexistentes.

Mais chocantes são os casos noticiados de candidatas a emprego coagidas, pela entidade

empregadora no processo de recrutamento, a assinar uma declaração comprometendo-se a não

engravidar nos anos seguintes.

O problema das violações do direito à reserva da intimidade vida privada em matéria de

gravidez não se reconduz, única e exclusivamente, à busca de informação pelo empregador

acerca do estado de gravidez das candidatas a emprego. Existem, na realidade, conforme

demonstrado, outro tipo de indagações suscetíveis de despoletar essas violações e que se

costumam traduzir em averiguações mais ou menos subtis acerca das perspetivas futuras em

constituir família.

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18

Observa-se que, em entrevistas, tais perguntas são formuladas e aceites como normais, não

obstante serem irrelevantes para averiguar da capacidade técnica da candidata ao desempenho

da profissão31

.

Na verdade, são uma forma de manifestar ab initio o receio do impacto que uma gravidez terá

na organização da empresa.

Se a candidata a emprego “confessar” que pretende engravidar ou que naquele momento está

grávida, o empregador fica desde logo alertado para a circunstância de aquela trabalhadora ter

direito ao gozo de uma série de direitos que implicam a sua ausência ao trabalho por certos

períodos.

E para evitar toda esta complicação, a de ter que aceitar alegremente estas ausências, mais

vale (pensam os empregadores) “cortar o mal pela raiz”. Para os empregadores mais radicais

afigura-se preferível não contratar mulheres que em entrevista relevem a sua vontade de num

futuro próximo engravidar.

A intenção das entidades empregadoras com as indagações a propósito de temas como a

gravidez (seja quanto ao estado atual ou intenção futura de engravidar) é acautelar eventuais

prejuízos futuros ocasionados por ausências ao trabalho que decorram do gozo de direitos

previstos no regime da parentalidade. Por isso, as empresas ponderam, numa perspetiva de

longo prazo, a contratação de uma trabalhadora a quem não lhes interessa tolerar ausências

para gozo de direitos legalmente conferidos por ocasião do nascimento de um filho.

Quanto à candidata a emprego resta-lhe uma de duas hipóteses de resposta, ou diz a verdade e

revela a sua intenção em ter filhos, e nesse caso, corre o risco de ser friamente eliminada do

processo de recrutamento e seleção, ou opta por mentir e, nesse caso, continua “em jogo”.

Isto revela uma desmedida e preocupante insensibilidade quanto ao tema da maternidade por

parte de quem recruta com sérias consequências a diversos níveis, visíveis, nomeadamente, na

baixa taxa de natalidade em Portugal.

Normalmente, os empregadores esforçam-se por nesta fase chegar ao conhecimento do

máximo de informações possíveis para delas extrair os elementos que lhe permitam avaliar se

a integração de determinada pessoa na sua organização é ou não vantajosa32

.

Apesar de a lei restringir o direito à informação aos aspetos relevantes para a prestação da

atividade laboral, na prática é preciso reconhecer que a escolha de um candidato vai muito

31

MARIA MARGARIDA GÓIS MOREIRA, “O princípio da conciliação da vida profissional com a vida

familiar: algumas considerações”, Questões Laborais, Ano 20, n.º41, Janeiro-Junho 2013, p. 151. 32

Cfr. SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., pp. 224-225.

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além da avaliação das competências técnicas e físicas necessárias ao desempenho dessa

atividade.

A generalidade das pessoas possuem, hoje em dia, níveis de formação profissional bastante

elevados e a opção por determinado candidato implica normalmente a apreciação de outro

tipo de critérios e valores, como características pessoais sociais, vivências e experiências,

estilos de vida, entre outras. Ao contrário da formação e da experiência profissional, que são

aspetos mais ou menos líquidos, no sentido em que ou se tem formação e experiência na área

pretendida ou não se tem, o que é fácil de percecionar pela simples observação do CV da

pessoa que se candidata, o conhecimento destes outros elementos resulta apenas do contato

direto e pessoal que é estabelecido durante as entrevistas.

Por isso, durante as entrevistas, é natural que o recrutador coloque questões não diretamente

relacionadas com a execução da atividade laboral e aproveite este contato para conhecer, em

pormenor, a pessoa que se “esconde” através do CV. A par das competências, da formação e

experiência profissional, os elementos que possam ser conhecidos neste momento permitem

distinguir os candidatos e são muitas vezes a chave para a decisão final.

A dificuldade está em chegar a este patamar de conhecimento sem ultrapassar a fronteira das

informações que estão protegidas (ou que devem estar…) pelo direito à reserva da intimidade

da vida privada. Pode acontecer que os aspetos questionados não se integrem no conceito de

relevância para a prestação da atividade pois, independentemente deles, a candidata sempre

conseguirá desempenhar a função, apesar de o empregador pessoalmente valorizar certo tipo

de informações.

Apesar da necessidade de se imporem certos limites ao poder de investigação do empregador

é preciso conhecer com algum pormenor as características pessoais da pessoa que se pretende

contratar, até mesmo por razões que se prendem com a boa convivência no seio da empresa33

.

3.2 Enquadramento legal

No contexto da proteção conferida pelo CT ao direito à intimidade da vida privada sobre o

estado de gravidez, onde enquadrar as situações acima descritas?

A resposta a esta questão remete-nos para a destrinça entre o âmbito de aplicação do art. 16.º

e 17.º do CT e entre a al. a) e b) do n.º1 do art. 17.º do CT.

33

MARIA MARGARIDA GÓIS MOREIRA, ob. cit., p. 151.

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20

O art. 16.º n.º1, 1ª parte, do CT estatui, genericamente, que tanto o empregador como o

trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte. Neste preceito

aparentemente o legislador apenas pretendeu consagrar uma tutela geral da personalidade ou

uma referência genérica às personalidades do empregador e do trabalhador34

.

O núcleo central de tutela do direito à reserva da vida privada encontra-se no art. 16.º n.º2 do

CT que estende a tutela às informações relativas à esfera íntima e pessoal das partes35

.

GUILHERME DRAY36

explica que “ao passo que o artigo anterior consagra a regra geral do

direito à reserva da intimidade da vida privada (…), o art. 17.º, disciplina, apenas, as situações

em que o empregador solicita ao trabalhador ou ao candidato a emprego informações relativas

à respetiva vida privada, regulando por outro lado o regime de proteção de dados pessoais que

hajam sido fornecidos ao empregador. O âmbito de aplicação pessoal é mais vasto do que o

artigo anterior: para além de abranger as partes do contrato de trabalho – trabalhador e

empregador – abrange também o candidato a emprego, ou seja, aquele que se relaciona com o

empregador nos preliminares da formação contratual, tendo em vista aceder ao emprego.”

O art. 17.º do CT é uma projeção do direito à reserva da intimidade da vida privada previsto

no art. 16.º do CT mas o legislador ao referir-se no art. 17.º do CT, em particular, às

indagações sobre o estado de gravidez, não parece ter pretendido abranger também os casos

em que o empregador questiona a candidata sobre a sua perspetiva futura de constituir família,

pois a letra da lei não o refere. Resta saber se o alcance desta norma é suficientemente vasto

de forma a abranger também essas situações.

Além da diferença que como vimos é possível estabelecer entre o art. 16.º e o art. 17.º ambos

do CT, existe ainda uma outra que se refere à diferença de regime entre a al. a) e a al. b) do

n.º1 do art. 17.º do CT. É que enquanto a primeira se reporta à esfera privada do trabalhador

ou candidato a emprego, a segunda diz respeito à esfera íntima.

A diferença de regime entre a al. a) e b) do n.º1 do art. 17.º do CT, de acordo com um setor da

doutrina portuguesa, entre os quais MENEZES LEITÃO37

, foi inspirada na habitualmente

34

Cfr. DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit.. 35

Cfr. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, ob. cit., p. 631. 36

GUILHERME MACHADO DRAY, ob. cit., p. 78 e PEDRO ROMANO MARTINEZ; LUÍS MIGUEL

MONTEIRO; JOANA VASCONCELOS; PEDRO MADEIRA DE BRITO; GUILHERME DRAY e LUÍS

GONÇALVES DA SILVA, Código de Trabalho Anotado, 9ª Edição, Coimbra: Almedina, 2013, p. 155. 37

LUÍS MENEZES LEITÃO, Código do Trabalho Anotado, 2ª Edição, Coimbra: Almedina, 2004, p. 38,

idem, “A proteção dos dados pessoais no Contrato de Trabalho”, BFDUC: Estudos em Homenagem ao

Prof. Doutor António Castanheira Neves, Vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, pp. 387-397.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

21

denominada teoria das três esferas38

, segundo a qual, em sede de direito à intimidade da vida

privada, importa distinguir: a esfera íntima ou secreta (corresponde ao núcleo duro do

direito), que compreende todos os fatos que devem, objetivamente, ser inacessíveis a terceiros

e absolutamente protegidos da curiosidade alheia, designadamente os que digam respeito a

aspetos da vida familiar, saúde, a comportamentos sexuais, a práticas e convicções políticas

ou religiosas; a esfera privada, que compreende todos os fatos cujo conhecimento o respetivo

titular tem, subjetivamente, o interesse em guardar para si, designadamente factos atinentes à

sua vida profissional, ao seu domicílio e hábitos de vida, cuja proteção é relativa, podendo ter

que ceder em caso de conflito com direitos ou interesses superiores; a esfera pública ou

social, que compreende todos os factos e situações do conhecimento público, que se verificam

e se desenvolvem perante toda a comunidade e que por esta podem ser genericamente

conhecidos e divulgados.

Portanto, a al. a) do preceito em questão compreende os aspetos atinentes à esfera privada do

trabalhador ou candidato a emprego, cuja proteção pode ceder caso tais elementos sejam

estritamente necessários e relevantes para avaliar da respetiva aptidão no que respeita à

execução do contrato de trabalho; a al. b) abrange as questões relativas à esfera íntima, as

quais pressupõem, consequentemente, uma tutela acrescida: “apenas se admitindo a não

proteção absoluta desta esfera, em situações excecionais – “quando particulares exigências

relativas à natureza da atividade profissional o justifiquem”39

.

Assim, a al. b) prevê um regime especial relativamente à al. a) do n.º1 do art. 17.º do CT. Em

ambos os casos está em causa a exigibilidade de informações relativas à vida privada, todavia,

as informações relativas à saúde e ao estado de gravidez inserem-se na esfera íntima de

proteção, devendo gozar de uma maior proteção do que outras informações relativas à esfera

privada.

Em sentido contrário DAVID FESTAS40

, entende que o art. 17.º n.º1 al. a) do CT estabelece a

regra geral aplicando-se aos aspetos da vida privada, independentemente de fazerem parte da

esfera privada ou íntima, sendo o art. 17.º n.º1 al. b) do CT uma regra especial reservada para

as informações sobre a saúde e gravidez. Segundo o autor, o art. 17.º n.º1 al. a) do CT aplica-

se, fundamentalmente, às informações habitualmente incluídas na esfera privada (como os

38

Esta teoria foi desenvolvida pela doutrina germânica. 39

LUÍS MENEZES LEITÃO, ob. cit., 2008, p. 392. 40

DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit..

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

22

hábitos de vida) e às informações relativas à esfera íntima que não digam respeito ao estado

de saúde ou gravidez (v.g. sentimentos, memórias pessoais, entre outros).

A questão de saber se as candidatas a emprego pretendem engravidar num futuro próximo

enquadra-se, de acordo com a referida teoria das esferas, na esfera íntima de proteção, a qual

compreende, designadamente, os factos que digam respeito a aspetos da vida familiar. A ser

assim, poderíamos ser levados a defender que esta questão integra a previsão do art. 17.º n.º1

al. b) do CT.

Além de esta opção estar de acordo com a teoria das esferas, respeita também a ideia segundo

a qual o art. 17.º do CT, enquanto projeção do direito à reserva da vida privada previsto no

art. 16.º do CT, se dedica, especificamente, à fase de recrutamento e seleção.

Mas apesar de âmbito o subjetivo de aplicação do art. 17.º do CT abranger os candidatos a

emprego esta norma parece pretender regular projeções do direito à reserva da vida privada

muito concretas, a saber: por um lado, as questões relacionadas com a vida privada em geral,

por outro lado, a saúde e o estado de gravidez.

A proteção da esfera íntima no art. 17.º do CT resume-se tão só à proteção, especificamente,

da saúde e do estado de gravidez. Pelo que, tal leva-nos a concluir que o legislador não

pretendeu, nesse artigo, tutelar também este tipo de ocorrências.

Atenta a delimitação que a doutrina faz quanto ao âmbito de aplicação das normas que

protegem o direito à reserva da intimidade da vida privada (os arts. 16.º e 17.º do CT) a

solução que se apresenta mais correta, em conformidade com o espírito do legislador, será a

aplicação da regra contida no art. 16.º n.º2 do CT atenta a sua formulação de carácter geral e

cujo objetivo é proteger áreas relativas ao direito à reserva da intimidade da vida privada não

previstas em disposições especiais.

Só assim não sucederá se optarmos por considerar, à semelhança da posição defendida por

MENEZES LEITÃO41

, que a enumeração constante do art. 17.º n.º1 al. b) do CT é meramente

exemplificativa, posição que não parece ser de acolher por DAVID FESTAS.

Com o devido respeito, não concordamos com o entendimento segundo o qual a enumeração

feita na al. b) do n.º1 do art. 17.º do CT é meramente exemplificativa. Desde logo não existe,

na letra do preceito, qualquer indicação que revele essa intenção do legislador, como

habitualmente sucede quando introduz as expressões “nomeadamente” ou “designadamente”.

Em conclusão, embora as duas questões em análise se prendam com a gravidez da candidata a

emprego – numa porque se pretende interrogar quanto a esse estado no momento em que é

41

LUÍS MENEZES LEITÃO, ob. cit., 2004, p. 38.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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entrevistada pelo empregador e na outra porque se questiona se a candidata a emprego pensa

vir a engravidar brevemente – parece-nos que a al. b) do n.º1 do art. 17.º do CT se apresenta

demasiado insuficiente para abranger também esta última situação.

Apesar de existir enquadramento legal que permita tutelar as situações em que a candidata é

interrogada quanto à sua intenção de constituir família, não podemos deixar de criticar esta

insipiente tutela.

Por fazer parte da esfera íntima, entendemos que a questão exige, à semelhança do que sucede

com as questões acerca do estado de gravidez, um regime especial e, consequentemente, uma

proteção maior, o que passaria desde logo por uma especificação da questão em termos

idênticos ao que sucede para a saúde e para o estado de gravidez.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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CAPÍTULO III

PROTEÇÃO NA PERSPETIVA DA CANDIDATA A EMPREGO

1. Dever de informação pré-contratual sobre o estado de gravidez

Impõe-se, agora, na perspetiva inversa, a necessidade de assegurar a compatibilidade do dever

de informação da candidata a emprego com a salvaguarda do direito à reserva da intimidade

da vida privada que lhe assiste perante o empregador na fase de formação do contrato.

Nesse sentido, questiona-se se sobre a candidata a emprego recai algum dever de informar,

espontaneamente, o empregador acerca do facto de estar grávida no momento do

recrutamento e seleção? Qual a fronteira a partir da qual a candidata a emprego não pode

silenciar este tipo de informações sob pena de o contrato ser declarado inválido (por erro) ou

de ser condenada a responder pelos danos causados?

Na fase das negociações tendentes à celebração do contrato de trabalho, os deveres das partes

são ainda muito elementares. Contudo, devem ser observadas certas regras impostas pelo

princípio da culpa in contrahendo. Segundo este princípio, “quem negoceia com outrem para

conclusão de um contrato deve, tantos nos preliminares, como na formação dele, proceder

segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à

outra parte”, arts. 227.º do CC e 102.º do CT.

Proceder de acordo com as regras da boa-fé, na fase que antecede a celebração do contrato de

trabalho implica, que as partes se informem, mutuamente, sobre todos os elementos relevantes

para a formação da vontade negocial de cada uma delas.

O CT estabelece, no art. 106.º n.º2, a regra geral sobre o dever de informação do trabalhador

na fase das negociações. Nos termos deste art. o trabalhador deve informar o empregador

sobre aspetos relevantes para a prestação da atividade laboral.

Da letra do art. 106.º do CT não se pode retirar qualquer dado sobre a questão de saber se a

informação é devida espontaneamente ou, apenas, no seguimento de indagações do

empregador42

, pelo que, iremos analisar o preceito partindo do princípio de que a norma se

refere às situações em que a candidata deve informar, de forma espontânea, o empregador de

que se encontra grávida.

42

Cfr. SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 212.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

25

O que está em causa são apenas os aspetos relevantes para a prestação da atividade laboral e

não todos os aspetos relevantes para a formação da vontade contratual do empregador43

.

É necessário diferenciar os aspetos que interferem, diretamente, com a execução da prestação

(impedindo-a) de outros que, não obstante permitirem ao empregador conhecer melhor a

candidata, não se reconduzem às condições mínimas exigidas para o desempenho de

determinada atividade.

Na interpretação da norma, em princípio, sobre a candidata a emprego não recai nenhum

dever de informar o empregador do seu estado de gravidez. É o empregador que deve, por

iniciativa própria, procurar obter a informação que considera relevante na formação da sua

vontade contratual44

.

Contudo, conforme salienta MENEZES LEITÃO45

, uma vez que a celebração do contrato deve

ser realizada pelas partes com plena consciência dos benefícios e riscos que desse contrato

possam advir, caso o trabalhador tenha conhecimento de circunstâncias que possam obstar ao

cumprimento do contrato de trabalho pela sua parte, tem o dever de as revelar ao empregador,

sem que isso impeça o empregador de tentar averiguar a sua existência por iniciativa própria.

Em geral, deve-se reconhecer a existência de determinadas circunstâncias impeditivas do

exercício da atividade relativamente às quais o empregador deve ser informado pelo candidato

a emprego ainda que, quanto a estas, não seja especificamente interrogado46

.

Na verdade a gravidez pode, em certas atividades, ser considerada uma circunstância

impeditiva do exercício da atividade laboral. Sempre que assim seja, independentemente, de o

empregador poder/dever procurar obter a informação que lhe pareça pertinente, exige-se da

candidata a emprego o cumprimento do dever de informar o empregador de que se encontra

grávida.

De acordo com o art. 106.º n.º2 do CT para aferir da relevância do estado de gravidez para o

desenvolvimento da relação laboral o critério deverá ser o da impossibilidade ou não de

prestar a atividade para a qual a mulher grávida se candidata.

43

Cfr. SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., pp. 224-225. 44

Ainda que se trate de aspetos que “embora dotados duma certa relevância contratual, poderiam ou

deveriam ter sido conhecidos pelo empregador se tivesse utilizado uma diligência comum” – Cfr.

TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., p. 155. Nesse mesmo sentido, vd. JEAN-CLAUDE JAVILLIER,

Droit du Travail, 7ª ed., Paris: LGDJ, 1999, p. 246 citado por SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit.,

p. 216 (nota 563) 45

LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito do Trabalho, 3ª Edição, Coimbra: Almedina, 2014, p. 240. 46

Cfr. SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., pp. 216-217.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

26

Quando em determinada atividade a gravidez obste à execução da prestação laboral por

impossibilidade objetiva de prestar a atividade nos termos acordados deve-se afirmar a

existência de um dever de informação espontânea da candidata a emprego perante o

empregador47

. Quer dizer que, se no caso concreto a prestação da atividade para a qual a

pessoa se candidata for incompatível com o estado de gravidez a candidata a emprego, que em

princípio não está vinculada a revelar que se encontra grávida, deverá fazê-lo.48

. Por

exemplo49

, à mulher que se candidata a um lugar de bailarina ou de modelo, impõe-se-lhe o

dever de informação quanto à sua gravidez.

Pelo contrário, uma candidata não tem de informar espontaneamente sobre o seu estado de

gravidez, se esse estado não implica uma impossibilidade objetiva de prestar a atividade50

.

A inexistência de um dever de informar o empregador acerca de um fato da vida privada,

mostra-se coerente com a proteção conferida no art. 36.º da CRP ao direito de constituir

família, bem como, com o art. 26.º da CRP, no qual se consagra o direito à reserva da

intimidade da vida privada e familiar, ressalvadas aquelas situações em que a situação de

gravidez constitui inevitavelmente uma informação relevante.

Assim, por ocasião da formação do contrato de trabalho, o direito à reserva da intimidade da

vida privada limita, negativamente, o dever de informação da candidata a emprego em relação

ao empregador.

Em última análise, quaisquer aspetos relacionados com a vida privada ou familiar podem

mostrar-se relevantes para a formação da vontade contratual do empregador. No limite, como

47

Do mesmo modo, GUILHERME MACHADO DRAY, O princípio da Igualdade, 1999, p. 207, admite

um dever de o trabalhador esclarecer o empregador quanto às situações anómalas que eventualmente o

impeçam de exercer a atividade para que se candidata, citado por SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob.

cit., p. 220 (nota 579). 48

Cfr. refere MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, ob. cit., pp. 142-143, v.g., se a trabalhadora se

candidata a um lugar como operadora de radiologia ou em que manuseia substâncias químicas

perigosas. Salienta a autora que tal não sucede no caso de a trabalhadora grávida se candidatar a outras

funções, apesar de poder vir a ter impedimentos mais ou menos prolongados para desempenho das

respetivas funções por ocasião do parto. Não estão em causa eventuais vicissitudes que a situação

clínica destes trabalhadores possa vir a produzir no contrato, mas acautela-se, tão somente, uma

incompatibilidade objetiva entre aquela situação clínica e a atividade profissional a desenvolver. 49

O exemplo é de PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob. cit., p. 429. 50

De forma menos exigente ZÖLLNER e LORITZ, Arbeitsrecht, 1998, p. 149, entendem que a gravidez

deve ser revelada quando seja provável que essas circunstâncias prejudiquem a prestação, citado por

SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 221 (nota 580).

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

27

vimos já, os empregadores podem pretender saber, por exemplo, se a candidata pensa vir a ter

encargos familiares já que tal pode fazer supor a ocorrência de faltas ao trabalho51

.

A relevância, a que apela a norma do art. 106.º n.º2 do CT, reporta-se à prestação da atividade

laboral e não à curiosidade do empregador – ou seja, a informação objeto das questões

formuladas pelo empregador deve ser relevante para o efeito de determinar se a pessoa

entrevistada reúne os requisitos necessários para desempenhar determinada atividade laboral.

Quando a gravidez não seja decisiva para o desenvolvimento da relação laboral não se impõe

qualquer dever de informar o empregador. Ainda que a circunstância de a mulher se encontrar

grávida acarretasse que o emprego não lhe fosse concedido, conforme salienta MENEZES

LEITÃO52

. Trata-se aqui daquelas situações em que não obstante a gravidez não impedir a

prestação da atividade laboral o empregador tem preferência por pessoa que não se encontre

grávida.

Segundo a doutrina53

, na concretização do conceito de relevância, exige-se que haja uma

conexão objetiva entre determinada circunstância e a prestação da atividade laboral a prestar.

Apesar desta concretização, estamos uma vez mais diante de conceitos indeterminados que

não garantem a segurança e certeza jurídica desejável nesta matéria.

Apesar das críticas, SARA APOSTOLIDES54

defende que “o recurso a conceitos indeterminados

dá espaço à construção de soluções jurídicas adequadas a cada caso concreto, sem que isso

signifique arbitrariedade”.

Para PAULA MEIRA LOURENÇO55

, as candidatas devem informar o empregador da sua

condição de grávidas, sob pena de não poderem no decurso da relação laboral gozar os

direitos que a lei confere, considerando a autora que caso assim não suceda tal situação

51

Esta questão foi incluída num boletim de candidatura a emprego no qual se inquiria, entre outras

coisas, sobre o número de filhos e idades. Este boletim de candidatura foi objeto da deliberação n.º

32/98 de 13 de Maio da CNPD. Disponível em www.cnpd.pt/bin/decisoes/1998/htm/del/del032-

98.htm, consultado em 13 de Fevereiro de 2015, e comentada em AMADEU GUERRA, A privacidade no

Local de Trabalho. As Novas Tecnologias e o Controlo dos Trabalhadores através de Sistemas

Automatizados. Uma abordagem ao Código de Trabalho, Coimbra: Almedina, 2004, p. 163. A CNPD

considerou ilícitas estas questões por não apresentarem qualquer relevância para a apreciação da

capacidade e aptidão para a atividade em questão. 52

LUÍS MENEZES LEITÃO, ob. cit., 2014, p. 241. 53

Vd. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, ob. cit., p. 141, SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit.,

pp. 221 e ss. e PAULA MEIRA LOURENÇO, Os Deveres de Informação no Contrato de Trabalho,

Relatório de Mestrado, Lisboa, 2000, pp. 33 e ss.. 54

SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 227 (nota 559). 55

PAULA MEIRA LOURENÇO, ob. cit., pp. 34-35.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

28

consubstancia um abuso de direito. Segundo entende SARA APOSTOLIDES56

, o que parece estar

em causa neste entendimento é a tutela de uma situação patrimonial desvantajosa para o

empregador, que este não previu.

Poderia supor-se, na linha do que escreve TERESA MOREIRA57

, que a candidata a emprego

poderia não informar o empregador acerca da circunstância de se encontrar grávida por

considerar essa informação irrelevante para o desenvolvimento da relação laboral, no caso de

não ter sido interrogada quanto a este aspeto. Mas mesmo que não tenha sido indagada a este

respeito, em certo tipo de atividades é razoável exigir da candidata que conheça o caráter

essencial do conhecimento da gravidez.

De notar que a nível europeu, esta proteção não existe na fase anterior à celebração do

contrato de trabalho, já que a Diretiva n.º 92/85/CEE apenas prevê essa proteção após a

contratação da trabalhadora. Nestes termos, os problemas que se coloquem na fase de acesso

ao trabalho ficam abrangidos apenas pelas Diretivas Comunitárias em matéria de igualdade de

tratamento. Embora a questão da preterição da candidata a emprego por motivos de gravidez

origine um problema de discriminação em função do sexo, de onde resulta uma violação do

art. 24.º do CT que consagra o princípio da igualdade no acesso ao emprego e no trabalho,

essa não é a perspetiva que aqui nos trás.

Em caso de violação do dever de informação por parte da candidata, nas situações em que

esteja adstrita a revelar o seu estado de gravidez, há lugar a responsabilidade pré-contratual,

devendo indemnizar o empregador nomeadamente dos eventuais custos que este tenha que

suportar para contratar um trabalhador substituto.

2. Dever de responder, direito ao silêncio ou um direito a responder com recurso à

mentira?

Quando questionada pelo empregador, terá o direito de não responder à questão e,

inclusivamente, o direito de, querendo, responder mentindo? Qual a atitude a adotar no caso

de o recrutador exceder os limites do necessário e invadir a esfera da sua vida privada?

No âmbito da contratação, a candidata a emprego deve adotar um certo comportamento ético,

optando sempre por responder de forma correta e completa às questões que lhe são colocadas

56

SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 230 (nota 606). 57

TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., p. 155.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

29

pelo empregador, desde que relacionadas com a sua aptidão e idoneidade para a execução de

eventual contrato a celebrar.

Além disso, a candidata encontra-se adstrita a um dever de verdade58

, o qual exige que as

informações prestadas correspondam à realidade, sob pena de responder pelos prejuízos que a

mentira possa causar. Além da correspondência com a realidade, os fatos devem ser

transmitidos com clareza para que o empregador possa construir uma representação correta da

realidade, devendo, em todo o caso, a candidata esclarecer o empregador sobre falsas

conceções e erros que possa formular a seu respeito59

.

Do lado do empregador, conforme já tivemos oportunidade de expor, exige-se,

correlativamente, que coloque apenas as questões essenciais para apurar as aptidões e

capacidades profissionais para o exercício da atividade.

Se a fronteira que limita o poder inquisitório do empregador for por este ultrapassada, em

violação dos deveres a que se encontra adstrito, a candidata poderá não só não responder,

como, em casos extremos, adulterar os dados sobre os quais é questionada.

Mas aqui há que distinguir a falsidade de informações que viola o princípio da boa-fé

contratual da falta de resposta a questões impertinentes, abusivamente colocadas pelo

empregador e relativamente às quais a candidata não tem qualquer dever de resposta.

Se o empregador inquirir a candidata a emprego sobre aspetos da vida privada, fora dos casos

ressalvados pelo art. 17.º n.º1 al. b) do CT, a sua atuação é considerada ilegítima.

Nesse caso, a doutrina tem entendido que a candidata a emprego não está vinculada a fornecer

esse tipo de dados e pode, legitimamente, recusar-se a prestar essa informação, não podendo

tal recusa dar lugar à aplicação de qualquer sanção disciplinar60

. Só há que responder de boa-

fé e com verdade a quem tem o direito de perguntar ou a quem pergunta de boa-fé61

.

58

O dever de verdade impõe-se, ainda, fora das situações em que existe dever de informar, quando o

trabalhador opta por espontaneamente fornecer informações ao empregador, cfr. WILHELM DUTZ,

Arbeitsrecht, 2004, p. 50 citado por SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 218 (nota 567). 59

Cfr. SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 218 e TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., pp. 155-

157. 60

Vd. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, ob. cit., p. 145 e LUÍS MENEZES LEITÃO, ob. cit., 2008,

pp. 393-394. 61

Cfr. JÚLIO VIEIRA GOMES, ob. cit., p. 344.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

30

Segundo MENEZES LEITÃO62

, “efectivamente deve considerar-se que existe um direito ao

silêncio do candidato a emprego sobre aspetos da sua vida que não tenham relevância direta

para a aquisição do posto de trabalho”.

Portanto, a conclusão a que se chega é a de que, se em desrespeito da proibição de exigir da

candidata a emprego informações sobre o estado de gravidez, o empregador formular questões

dirigidas a esse propósito, tais questões devem ser consideras ilegítimas e, nesse caso, inexiste

qualquer dever de responder quanto a estas.

Contudo, sucede que a recusa em prestar essa informação determina, normalmente, a imediata

exclusão da candidata a emprego do processo de seleção. Para obviar a esta inevitável

consequência da opção pela “não resposta”, tem se, inclusivamente, admit ido a possibilidade,

como forma de autodefesa, prestar informações falsas sobre dados pessoais ao empregador.

Sempre que as indagações por parte do empregador incidam sobre aspetos não relacionados

com a avaliação das capacidades profissionais, admite-se que a candidata falseie as suas

respostas.

A admissão da mentira na resposta reside no fato de se considerar que foi o empregador quem

agiu ilicitamente ao extrapolar os limites de averiguação, não restando à candidata outra

opção se não recorrer à mentira como forma de assegurar que não é excluída do processo de

seleção.

Portanto, além da inexistência de um dever de resposta, há ainda quem defenda63

que o

trabalhador tem um direito a mentir quando interrogado sobre questões que afetem a sua

intimidade.

Para TERESA MOREIRA64

, é necessário que se reconheça um direito da mulher grávida a não

responder ou de ocultar o seu estado de gravidez através do recurso à mentira, sem que tal

resulte em incumprimento de um dever pré-contratual e, consequentemente, que haja culpa in

contrahendo. Embora seja de frisar que a mentira acerca do estado de gravidez é nestes casos

assumida como uma possibilidade que apenas deve ser aceite como ultima ratio65

, já que é

obrigação das partes atuarem de boa-fé.

62

LUÍS MENEZES LEITÃO, ob. cit., 2012, p. 241. 63

Neste sentido vd. TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., pp. 156-157, LUÍS MENEZES LEITÃO, ob. cit.,

2008, pp. 343-344, JÚLIO GOMES, ob. cit., p. 344 e MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, ob. cit.,

pp. 145-146. 64

TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., p. 176. 65

Quando tendo em conta o comportamento do empregador não exista outra forma de salvaguardar o

respeito pela esfera privada.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

31

Assim, segundo a autora, “salvo casos extremos onde a mentira seja a única forma de

preservar a esfera privada do trabalhador ou outro direito fundamental em perigo, a indução a

contratar recorrendo a falsidades ou ocultações constituirá um vício no consentimento

contratual”.

A informação falsa sobre o estado de gravidez, sendo irrelevante para o desenvolvimento da

relação laboral e não estando por esse motivo a candidata vinculada ao dever de resposta, não

pode ser considerada ilícita e não determina a invalidade do contrato de trabalho a ser

celebrado 66

.

A ocultação da gravidez é um meio de controlar as questões que o empregador decida colocar,

de forma arbitrária, no acesso ao emprego. A possibilidade de recurso à mentira não evita que

o empregador cometa atos ilícitos de ingerência na vida privada das candidatas, pois não está

ao alcance das candidatas controlar este tipo de ousadias, mas serve para proteger as

candidatas naqueles casos em que ânsia de vasculhar a sua esfera íntima não se contenha nos

limites legalmente estabelecidos.

Se o empregador questionar a candidata sobre o estado de gravidez, não sendo tal indagação

relevante para a atividade profissional a desempenhar, e, por receio de perder a oportunidade

de emprego, a candidata o informar que não está grávida, quais as consequências no caso de

se verificar depois que está? Pode ou não o empregador invocar a quebra do dever de

lealdade, por prestação de informações falsas na formação do contrato como justa causa para

o despedimento da trabalhadora?

Para MARIA DO ROSÁRIO RAMALHO67

, a resposta a esta questão deve ser negativa. Segundo a

autora, por um lado, sendo ilícito o pedido de informação, não pode o empregador prevalecer-

se posteriormente das consequências do ato ilícito que ele próprio praticou contra a outra

parte (tal atuação constituiria, no mínimo, um caso de abuso do direito); por outro lado, a

atuação da trabalhadora corresponde ao meio substancial de defesa do seu direito à intimidade

da vida privada sem sacrifício do direito ao trabalho.

Esta é, aliás, a única solução possível já que, se assim não fosse, o empregador recusaria em

todo o caso a contratação de uma mulher grávida, motivado pelos inconvenientes que essa

contratação acarretaria e pela circunstância de não estar obrigado a motivar a sua decisão.

66

Mesmo que o candidato tenha subscrito uma declaração a reconhecer essa faculdade ao empregador.

Neste sentido vd., LUÍS MENEZES LEITÃO, ob. cit., 2008, pp. 393-394. E ainda, AMADEU GUERRA, ob.

cit., p. 168. 67

MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, ob. cit., pp. 145-146.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

32

O entendimento descrito apresenta-se como uma solução de equilíbrio entre o respeito pelo

direito à intimidade da vida privada da mulher grávida no acesso ao emprego e a pretensão do

empregador em escolher, livre e discricionariamente, os seus trabalhadores.

A existência de um direito a mentir, isento de efeitos jurídico-laborais, terá que ser aferido

casuisticamente, pela ponderação no caso concreto, da relevância da mentira na atividade a

exercer pelo trabalhador. Na falta de norma reguladora desta matéria no CT, os limites devem

ser aferidos à luz do dolo ilícito previsto no art. 253.º n.º2 do CC.

Não constituem dolo ilícito todas e quaisquer informações inexatas e/ou omissões fornecidas

pela candidata, mas, apenas relativamente às informações/omissões que sejam essenciais, ou

seja, as que estão compreendidas no cerne da motivação de contratar daquela candidata

específica e não outra.

A candidata a emprego grávida, quando não esteja em causa nenhuma atividade

desaconselhável68

, pode responder, optando por dizer a verdade, por mentir, ou,

simplesmente, por não responder, podendo, inclusivamente, exigir ao empregador que, nos

termos da lei, forneça, por escrito, a respetiva fundamentação, a fim de permitir ajuizar da sua

pertinência e legitimidade.

Diversamente, na eventualidade da trabalhadora, dolosamente, omitir o respetivo estado de

gravidez e sendo essa informação contratualmente relevante o contrato celebrado deve ser

declarado inválido, por erro sobre a pessoa, nos termos dos arts. 251.º e 253.º do CC e de

acordo com o princípio geral da boa-fé (art. 227.º do CC)69

.

68

V.g. não o será se a entrevista realizada tem em vista a ocupação de um lugar de secretária num

escritório de Advogados. 69

Cfr. PAULA DO COUTO QUINTAS, ob. cit., p. 308.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

33

TÍTULO II

A PROTEÇÃO LEGAL DA MATERNIDADE NO REGRESSO AO TRABALHO

“As mulheres precisam de sentir que a maternidade não é um peso de chumbo”

José Manuel Silva, Bastonário da Ordem dos Médicos

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

34

CAPÍTULO IV

CONTEXTUALIZAÇÃO

1. A difícil harmonização da vida profissional e familiar

Há algumas décadas a sociedade encontrava-se estruturada em função de uma divisão dual em

que os homens integravam, maioritariamente, a esfera produtiva, através do trabalho

remunerado, como forma de sustento dos membros da família, e as mulheres pertenciam à

esfera reprodutiva, encarregando-se, na sua maioria, do trabalho familiar (no qual se integra o

cuidado dos filhos), indispensável à reprodução social. Esta divisão ancestral foi posta em

causa e, nos últimos anos, tem-se quebrado paulatinamente devido à incorporação e

participação massiva das mulheres no mercado de trabalho70

.

Em Portugal as mulheres realizam trabalho remunerado durante quase tantas horas como os

homens. Mais, ao contrário do que sucede em outros países da OCDE, existe uma elevada

percentagem de mulheres portuguesas que trabalham a tempo inteiro, devido à necessidade de

garantir um mínimo de rendimento familiar71

.

Contudo, esta mudança não tem sido acompanhada do necessário equilíbrio ao nível do

estatuto atribuído à mulher no quadro das relações familiares. A par da afirmação progressiva

da presença feminina no mundo do trabalho as mulheres continuam a assumir

maioritariamente, quase em exclusivo, a totalidade das responsabilidades familiares,

cumulando o emprego com a assistência familiar. Continuam a ser vistas como as principais

responsáveis pelo cuidado dos filhos e de outros dependentes72

(Anexo B).

70

FRANCISCO CARVALHO, “A conciliação entre a vida familiar e o trabalho”, Trabalho & Segurança

Social: revista de actualidade laboral, n.º 11, Grupo Editorial Peixoto de Sousa, Porto, 2001, pp. 16-22. 71

OCDE, “Babies and Bosses: Políticas de Conciliação da Actividade Profissional e da Vida

Familiar”, Vol. 3, 2004, p. 198; GLÓRIA REBELO, “Parentalidade e família no Código de Trabalho”,

Questões Laborais, Ano 15, n.º32, Julho-Dezembro 2008, p. 242. 72

MARIA DAS DORES GUERREIRO, VANDA LOURENÇO, INÊS PEREIRA, “Boas práticas de conciliação

entre a vida profissional e vida familiar: manual para as empresas”, Lisboa, CITE, 4ª Edição, 2006,

p.7; MARIA MARGARIDA GÓIS MOREIRA, ob. cit., p. 133; GLÓRIA REBELO, ob. cit., p. 243.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

35

Além disso, os novos desafios a que as empresas se sujeitam requerem maior

competitividade, designadamente a nível de recursos humanos. Por isso, as entidades laborais

têm exigido dos seus trabalhadores níveis de dedicação e disponibilidade redobrados73

.

O setor feminino não tem sido poupado a estas exigências acrescidas e tal circunstância tem

resultado na diminuição da disponibilidade de tempo para que as mulheres se consigam

realizar no plano familiar e alcançar o equilíbrio com a vida profissional, de forma a, por um

lado, honrar os compromissos profissionais assumidos e, por outro lado, assegurar o cuidado

dos filhos. Consequentemente, a mulher é obrigada a decidir entre ter filhos numa idade mais

avançada, não ter tantos quanto deseja ou não ter mesmo nenhum. É de notar que a idade

média para uma mãe ter o seu primeiro filho é de cerca de 30 anos74

.

Esta dificuldade está atualmente espelhada de forma clara no declínio da taxa de natalidade

em Portugal e tem vindo a suscitar, ao nível das políticas de emprego e do direito do trabalho,

inúmeros desafios.

Neste contexto, tem-se revelado fundamental a previsão de formas de organização do tempo

de trabalho em moldes de flexibilidade e de ausências ao trabalho/reduções do tempo de

trabalho que permitam assegurar a proteção da mulher no mundo laboral no sentido de

facilitar a conciliação entre as responsabilidades profissionais e familiares, com respeito pela

importância da família mas sem descurar os interesses empresariais75

. A conciliação76

prende-

se com o direito do trabalhador a uma vida privada e ao papel que o direito deve ter na sua

promoção, com o objetivo de garantir que a sua atividade profissional seja compatível com

tempos livres, que possa dedicar à vida pessoal e familiar.

O princípio da conciliação entre o trabalho e a vida pessoal e familiar do trabalhador consta

do art. 59.º n.º2 al. c) da CRP no qual se prevê que incumbe ao Estado assegurar a especial

proteção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto. E ainda que, a família,

como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à

efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.

No cumprimento deste desiderato – proteção da família – incumbe ao Estado promover,

através da concertação de várias políticas sectoriais, a conciliação da atividade profissional

com a vida familiar, nos termos do disposto no art. 67.º n.º2 al. h) da CRP. Também a

73

Cfr. MARIA DAS DORES GUERREIRO et al., ob cit., p. 8. 74

Cfr. OCDE, ob. cit., p. 5. 75

Cfr. GLÓRIA REBELO, ob. cit., p. 247. 76

Cfr. MARIA MARGARIDA GÓIS MOREIRA, ob. cit., p. 131.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

36

DUDH77

determina no seu art. 16.º n.º3 a proteção da família como elemento natural e

fundamental da sociedade com direito à proteção desta e do Estado.

No campo de atuação da OIT temos a destacar a Convenção da OIT n.º 156 relativa aos

trabalhadores com responsabilidades familiares, a qual determina que os Estados devem

adotar medidas que possibilitem aos trabalhadores trabalhar e responder às várias

responsabilidades familiares de forma harmoniosa. No âmbito do tema da proteção da

maternidade, a principal preocupação da OIT tem sido a de permitir às mulheres conciliar os

seus papéis reprodutivo e produtivo78.

Deve ainda salientar-se a atenção do direito comunitário a esta matéria. O objetivo de

promover a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar inspira algumas regras da

Diretiva n.º 92/85/CEE, de 19 de Outubro, relativa à tutela das trabalhadoras grávidas,

puérperas e lactantes e é também evidente nas Diretivas sobre a licença parental (Diretiva n.º

96/34/CE, de 3 Junho e Diretiva n.º 2010/18/UE, de 8 de Março) bem como na Diretiva n.º

97/81/CE, de 15 de Dezembro, sobre o trabalho a tempo parcial. Por outro lado, a União

Europeia reforçou o vigor deste princípio através da Resolução do Conselho de 29/06/2000,

relativa à participação equilibrada das mulheres e dos homens na atividade profissional e na

vida familiar.

Também a Carta Social Europeia79

enaltece a importância da família ao consagrar no seu art.

16.º que se devem “assegurar as condições indispensáveis ao pleno desenvolvimento da

família, célula fundamental da sociedade” através de uma proteção social, jurídica e

económica80

.

É, portanto, incumbência do Estado proteger os cidadãos que optem por constituir família,

não podendo ser prejudicados em relação aos que não tomaram esta opção81

.

77

Nos termos do art. 16.º n.º2 da CRP “os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos

fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos

Direitos do Homem. 78

Vd. OIT, “Proteger o futuro: maternidade, paternidade e trabalho, 2009, p. 2. 79

Trata-se da Carta Social Europeia Revista que foi adotada em Estrasburgo, a 3 de Maio de 1996,

aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 64-A/2001, de 17/10, e

ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 54-A/2001, de 17/10. 80

Para um desenvolvimento aprofundado sobre este diploma vd. Tese de Doutoramento “El

cumplimiento de la Carta Social Europea en matéria de salarios. Un estúdio comparado de los

ordenamentos laborales portugués, español e italiano”, de MARIA LUÍSA TEIXEIRA ALVES. 81

Cfr. J. MIRANDA E R. MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra:

Coimbra Editora, 2010, p. 1370.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

37

Uma das formas de o Estado assegurar esta tarefa é através da legislação laboral, por via da

atribuição de direitos de ausência ao trabalho, muito presentes no regime da parentalidade

(arts. 35.º e ss. do CT).

O ordenamento jurídico português consagra a maternidade e a paternidade como valores

sociais eminentes (art. 33.º n.º1 do CT) e atribuiu aos pais e às mães o direito à proteção da

sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos com

garantia de realização profissional (art. 68.º n.º1 e 2 da CRP).

A CRP prevê que as mulheres têm direito a especial proteção durante a gravidez e após o

parto, tendo as mulheres trabalhadoras ainda direito a dispensa do trabalho por período

adequado, sem perda de retribuição ou quaisquer outras regalias (art. 68.º n.º3 da CRP) e que

a lei regule a atribuição às mães e aos pais de direitos de dispensa de trabalho por período

adequado, de acordo com os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar (art.

68.º n.º4 CRP).

Dentro dos limites impostos no plano internacional e pela nossa lei fundamental, o legislador

pode optar por ser mais protecionista ou mais liberal, privilegiar mais a família ou os

interesses empresariais, sendo certo que nunca poderá agradar igualmente a todos. Atenta

amplitude da formulação da lei fundamental nesta matéria o Estado tem uma margem de

flexibilidade para adaptar a lei em função das mentalidades da época e daquilo que terá

capacidade para assegurar em cada momento82

.

A consagração de licenças e dispensas (bem como outros tempos de não trabalho) para

assistência à família tem uma importância vital na repartição da vida particular e das

responsabilidades profissionais, sendo desejável que o regime jurídico da parentalidade se

adapte às necessidades que em função dos tempos se fazem sentir e atinja idealmente um

equilíbrio entre interesses particulares e empresariais83

.

2. A visão negativa vs. vantagens dos direitos de ausência ao trabalho

82

Cfr. M. MINÉ, “Le droit du temps de travail à la lumière des droits fondamentaux de la personne”,

Le Droit Ouvrier (Jan. 2011), p. 40, citado por MARIA MARGARIDA GÓIS MOREIRA, ob. cit., pp. 144-

145. 83

Cfr. DAVID FALCÃO E SÉRGIO TOMÁS, Lições de Direito do Trabalho – A relação Individual de

Trabalho, Coimbra: Almedina, 2014, pp. 74-75.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

38

O CT prevê, no contexto da proteção da parentalidade, a atribuição de diversos direitos de

ausência ao trabalho (de que é exemplo a dispensa para amamentação) com o objetivo de

permitir aos trabalhadores a sua realização pessoal, enquanto pais, e no contexto familiar.

O gozo desses direitos representa uma interrupção do contrato de trabalho em que se suspende

a obrigação de prestação laboral mas permanece a obrigação retributiva, afetando desta forma

a esfera jurídica do empregador. Por essa razão, estes tempos de não trabalho, chocam com os

interesses do empregador e são, frequentemente, fonte de litígios no âmbito das relações

laborais.

Os padrões tradicionais das culturas organizacionais pressupõem que quem trabalha pode

colocar o trabalho no topo das suas prioridades. Por isso, as ausências ao trabalho para

atender a responsabilidades familiares, geralmente, não são bem encaradas pelas entidades

empregadoras que associam essas ausências a manifestações de falta de comprometimento em

relação aos objetivos da organização. Noutras situações, apesar de não haver uma postura de

oposição direta e assumida, existe uma enorme pressão devido à sobrecarga de

trabalho/responsabilidade associada à ausência da trabalhadora para que esta regresse o mais

rápido possível (sobretudo em cargos de chefia).

A verdade é que, mesmo com conhecimento dos direitos previstos no regime da

parentalidade, esta é uma questão menor para as empresas e para quem as gere. Cada projeto,

negócio ou assunto é sempre prioritário, para anteontem. A pressão e a competição, quer seja

entre empresas quer entre colegas de trabalho, para cair nas graças das suas entidades

empregadoras, é feroz.

Regra geral, para um empregador, um trabalhador com responsabilidades familiares traduz-se

num mau investimento por, devido à sua menor disponibilidade para o trabalho, ser sinónimo

de menor produtividade e acarretar, consequentemente, mais custos. Uma redução das horas

trabalhadas por trabalhador implica mais trabalhadores e isso envolve custos de adaptação ao

trabalho e formação elevados84

. Nesta perspetiva, tem-se criado o estereótipo de que as

mulheres são menos produtivas e representam encargos acrescidos para a empresa85

.

Esta situação propende a que no trabalho as mulheres sejam penalizadas ao nível da inserção

laboral e da progressão na carreira bem como no exercício dos direitos legalmente atribuídos

por ocasião do evento da maternidade86

.

84

Cfr. OCDE, ob. cit., p. 192. 85

Cfr. MARIA MARGARIDA GÓIS MOREIRA, ob. cit., p. 135. 86

Cfr. GLÓRIA REBELO, ob. cit., p. 242.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

39

Aliás, o exercício do direito à dispensa para amamentação é condicionado pela forma como

este tipo de ausências (não) são aceites pelas empresas e por vezes as trabalhadoras retraem-se

em manifestar a intenção de gozar este direito antevendo potenciais penalizações que possam

sofrer e/ou entraves que são com frequência colocados. Em casos extremos, ponderam até a

hipótese de se privarem do exercício desse direito, evitando os problemas inerentes.

“A prática clínica e os estudos (…) provam que os portugueses estão mais sensibilizados

querem e amamentam até mais tarde. Mas também há registos de quem não o possa fazer ou

tenha medo de exigir direitos” (Anexo C).

O receio de que o gozo da dispensa redunde em prejuízos na carreira profissional está

relacionado com a precariedade do vínculo laboral e com a perceção da instabilidade no

mercado de trabalho. Estes dois fatores fazem com que se maximize a ânsia de demonstrar

dedicação e comprometimento com o trabalho e, desta forma, assegurar o lugar.

Seja de forma mais direta ou mais subtil, as entidades empregadoras vão erguendo as suas

barreiras ao gozo pleno dos direitos de ausência e à efetividade da legislação nesta matéria.

Não só se colocam entraves ao gozo desses direitos como se evita, desde logo, a contratação

de mulheres.

Por uma questão estritamente lógica de moral é difícil, aos nossos olhos, conceber uma

empresa, ou uma sociedade, em que se favoreça alguém capaz de pôr o trabalho à frente da

família.

A nosso ver a atitude de um empregador que reage negativamente ao gozo dos direitos de

ausência ao trabalho previstos no CT, colocando entraves ao seu exercício ou, inclusivamente,

impedindo-os não é, de acordo com a psicologia das organizações, a que fomenta uma relação

laboral alicerçada na confiança, dedicação e respeito, como nos parece desejável. É preciso

atuar ao nível das mentalidades e tratar o tema das ausências ao trabalho na perspetiva

exatamente inversa, a qual nos revela a existência de uma série de inegáveis vantagens em

facilitar a harmonização entre o plano profissional e a vida familiar que devem ser valorizadas

pelas empresas87

.

Um trabalhador realizado familiarmente é também um trabalhador bem-sucedido a nível

profissional, frequentemente mais motivado e inovador88

.

87

Vd. MARIA MARGARIDA GÓIS MOREIRA, ob. cit., pp. 146-147. 88

Cfr. MANUEL CORREA CARRASCO, “Tiempo de Trabaljo e Igualdad de Género: Regulación Legal y

Negociación Colectiva”, Revista de Derecho Social 49, 2010, p. 194 citado por MARIA MARGARIDA

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

40

Na análise da relação entre o aumento do número de horas trabalhadas e o reflexo da

produtividade “com segurança que a primeira variável não é preditora da segunda, uma vez

que não existe uma relação consistente entre o número de horas trabalhadas e a

produtividade”89

.

Nos dias de hoje, a vida profissional é cada vez mais exigente e consome quase a totalidade

do tempo diário disponível. O empregador que tenha sensibilidade para facilitar a difícil

conciliação entre a vida profissional e a vida familiar será um empregador recompensado com

a força de trabalho, um empregador fortalecido nas suas relações com os trabalhadores, um

empregador respeitado e valorizado. Além das vantagens relacionais que se apontam, a

motivação do trabalhador é, desta forma, alimentada.

Impor a um trabalhador que dê prioridade ao trabalho acima de todas as coisas,

nomeadamente da família, pode gerar sentimentos de descontentamento, revolta,

desmotivação, injustiça, entre outros, que em nada contribuem para o sucesso da sua atividade

profissional. Por isso, cremos que a alegada ideia de menor produtividade da trabalhadora

que, ao beneficiar de licenças e dispensas, não se dedica em exclusivo à sua entidade laboral é

compensada pela certeza de que a satisfação proporcionada a nível pessoal e familiar se

reflete positivamente no exercício da profissão.

Em última análise, esta é uma questão de ordem psicológica e de extrema sensibilidade pois a

família é considerada uma das instituições mais antigas na história da humanidade. É a base, o

pilar fundamental e o sustento de uma vida em sociedade e tem uma importância

desmesurável na formação do ser humano.

Havendo disponibilidade para a ela nos dedicarmos, certamente, haverá uma disponibilidade

mental reforçada para, com sucesso, enfrentar a jornada de trabalho.

Na busca incessante pela produtividade, pelo cumprimento de objetivos exigentes e pelo

lucro, é preciso relembrar que as organizações são feitas de pessoas. Pessoas que são seres

GÓIS MOREIRA, ob. cit., p. 147, estudos foram feitos que demonstram a dissociação entre os índices de

produtividade nacionais e o tempo que os trabalhadores passam no local de trabalho. 89

Cfr. Estudo da DGAEP, “O modelo de organização e duração do tempo de trabalho na

administração Pública – análise comparada dos 27 Estados-membros da EU”, Lisboa, 10 de Janeiro de

2013. V.g. no caso de Portugal, o estudo indica que, embora se verifique um número médio de horas

trabalhadas por semana superior ao da Alemanha, o índice de produtividade é pouco mais de metade

do alemão. A DGAEP faz referência a outros estudos realizados nos últimos 20 anos e que revelam

que “à medida que se avança no número de horas trabalhadas durando o dia, a produtividade vai-se

tornando gradualmente mais baixa”.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

41

humanos, com sentimentos, vontades, histórias, valores e uma família. Não compreender esta

vertente humana é prejudicar a prestação de trabalho. Um líder não vai longe sem a motivação

dos seus trabalhadores. Esta motivação não se conquista apenas através de níveis

remuneratórios ou prémios, pelo reconhecimento do mérito, mas também pelo respeito e

sensibilidade no trato pessoal, designadamente nos temas pessoais que nos afetam a todos.

Além de se verificarem melhorias ao nível do trabalho realizado e do bem-estar geral da

comunidade empresarial, as empresas criam, assim, condições para atrair o melhor capital

humano, que deseja exercer uma atividade profissional em harmonia com as suas

responsabilidades familiares. A imagem da empresa é valorizada tanto na comunidade

envolvente como a nível internacional, tornando-se um exemplo no mercado de trabalho no

que toca às questões sociais e aos valores e práticas da cidadania, em moldes que as tornam

atrativas e queiram nelas trabalhar os melhores profissionais. A adoção de boas práticas ao

nível da conciliação promove o reconhecimento e visibilidade da empresa no mercado, o que

é uma mais-valia na promoção dos seus produtos que se poderá refletir no aumento do

volume dos negócios90

.

Por último, a gestão do capital humano nestes moldes conquista a vontade de os trabalhadores

permanecerem na empresa e evita a fuga de talentos91

.

Tendo em conta as vantagens identificadas, não é imperativo que o gozo de ausências ao

trabalho, em prol de responsabilidades familiares, seja sinónimo de existência de prejuízos

catastróficos para as empresas. Aliás, segundo recomendações da UE, a análise dos resultados

de uma empresa deverá ser realizada, a partir de dois elementos: por um lado, através das suas

margens de lucro, por outro, tendo em conta a qualidade de vida que proporciona aos seus

trabalhadores, dentro e fora do local de trabalho92

.

Apesar de se reconhecer a extrema importância e necessidade de mecanismos legais que

auxiliem a conciliação estes não podem significar para o empregador a assunção de encargos

desmensurados, sob pena de os trabalhadores por eles abrangidos serem a priori preteridos

devido à associação que é desde logo feita com a sua maior onerosidade.

90

Vd. MARIA DAS DORES GUERREIRO, et al., ob. cit., p. 11. 91

Cfr. MARIA MARGARIDA GÓIS MOREIRA, ob. cit., p. 147. 92

Cfr. MARIA DAS DORES GUERREIRO, et al., ob. cit., p. 9.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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CAPÍTULO V

O DIREITO À DISPENSA PARA AMAMENTAÇÃO

No contexto da proteção legal da parentalidade, no desenvolvimento da relação laboral, existe

um vasto leque de mecanismos legais que visam cumprir o objetivo de facilitar aos pais que

trabalham a harmonização da vida profissional e da vida familiar mediante a atribuição de

direitos a tempos de não trabalho. Atenta a sua extensão, não é possível realizar neste trabalho

a análise integral desses regimes pelo que nos centraremos no estudo concreto do direito à

dispensa para amamentação.

A lactação tanto por via natural – a amamentação (por intermédio do peito materno) – como

por via artificial – a aleitação (por meio de substitutos comerciais do leite materno) – são

formas de alimentação da criança tuteladas pela lei, da qual derivam dois direitos distintos: o

direito de dispensa para amamentação e o direito de dispensa para aleitação. GUILHERME

DRAY93

em anotação ao art. 47.º do CT faz a seguinte destrinça: “a amamentação corresponde

à aleitação materna, que naturalmente só pode ser desempenhada pela trabalhadora lactante94

;

a aleitação, pelo contrário, corresponde à aleitação não materna, que pode consequentemente

ser executada por qualquer dos progenitores”. A dispensa para amamentação é

necessariamente atribuída à mãe, já que apenas a esta, por inerência biológica, é possível

amamentar o filho de forma natural.

Veremos adiante de que forma este direito se encontra protegido no plano internacional,

comunitário e mais especificamente no contexto da legislação laboral portuguesa, refletindo

sobre as falhas que o regime jurídico português apresenta, tomando como ponto de partida os

problemas que a prática tem evidenciado, com o objetivo de equacionar possíveis soluções

que melhor tutelem o instituto da maternidade no que toca à questão da amamentação e dando

assim o nosso contributo para a visibilidade deste tema, numa tentativa também de

sensibilização.

93

PEDRO ROMANO MARTINEZ et al., ob. cit., p. 207. 94

No âmbito do regime de proteção da parentalidade entende-se por trabalhadora lactante, nos termos

do art. 36.º do CT, aquela que amamenta o filho e informe o empregador do seu estado, por escrito,

com apresentação de atestado médico.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

43

1. A proteção a nível internacional e comunitário

No âmbito das Convenções da OIT, o direito à dispensa para amamentação foi consagrado

originariamente na Convenção da OIT n.º3, de 28 de Novembro de 191995

. Nesta Convenção

previa-se que deveria ser concedido à mulher trabalhadora um período de meia hora, duas

vezes por dia, durante as horas de trabalho, para cuidar do seu filho96

.

Posteriormente, em 1952, a OIT procedeu à revisão da referida Convenção através da

Convenção n.º 103 da OIT, de 18 de Junho de 1952, ratificada entre nós pelo DG 63/84 de

10.10.84. Esta Convenção ampliou a proteção, não relativamente ao número ou duração dos

intervalos97

, mas ao determinar que tais períodos se deverão considerar como prestação de

trabalho e, portanto, deveriam ser remunerados como tal98

.

A Recomendação da OIT n.º 95, do mesmo ano, veio regulamentar e interpretar a Convenção

da OIT n.º 103 e propôs, nomeadamente, no tocante ao tempo de trabalho, que a licença para

aleitamento fosse alargada a um período total de 1h e 30m e que o horário de trabalho fosse

adequado a garantir o descanso necessário da trabalhadora.

A Convenção mais recente da OIT sobre proteção da maternidade é a Convenção n.º 183, de

15 de Junho de 2000, veio determinar no seu art. 10.º que deverão ser concedidos à mulher

uma ou mais pausas diárias ou redução do horário de trabalho para amamentar o seu filho.

Estabelece-se, igualmente, que o período durante o qual são permitidas as pausas ou redução

da duração do trabalho diário, o número e a duração das pausas, bem como as modalidades da

redução do trabalho diário, devem ser determinados pela legislação e a prática nacionais e que

as mesmas devem ser consideradas tempo efetivo de trabalho e remunerados em

conformidade.

95

Ao nível de ordenamentos internos de países específicos tal direito já se encontrava anteriormente

consagrado na lei, nomeadamente em Espanha, onde o direito a dispensa para amamentação foi

previsto, pela primeira vez, em 1900, por determinação da Ley de 13 de Março de 1900 (determinava

o direito da mãe a um período de lactação de uma hora por dia, que se poderia dividir em dois

períodos de meia hora cada, considerando-se tais períodos como períodos retribuídos). 96

Cfr. art. 3.º, al. d) da Convenção n.º3 OIT. Note-se que esta matéria é de tal modo importante que foi

objeto de regulação pela OIT no próprio ano em que esta organização foi criada, em 1919. 97

Neste ponto, o art. 5.º n.º1 da Convenção n.º 103 OIT terá, inclusivamente, regredido, dado que não

estabelece mínimos de número de intervalos nem de duração dos mesmos. Estabelece tão só que “If a

woman is nursing her child she shall be entitled to interrupt her work for this purpose at a time or

times to be prescribed by the national laws or regulations”. 98

Cfr. art. 5.º n.º2 da Convenção n.º103 OIT.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

44

Ainda a nível internacional, com vista a assegurar o exercício efetivo do direito das

trabalhadoras à proteção da maternidade, o art. 8.º da Carta Social Europeia prevê que seja

assegurada às mães que aleitem os seus filhos pausas suficientes para esse fim.

Lamentavelmente, a regulamentação comunitária, em particular a Diretiva 92/85/CEE99

, de 19

de Outubro de 1992, não prevê a concessão de qualquer tipo de dispensa por necessidades

decorrentes da amamentação ou aleitamento do filho.

Sobre a proteção da parentalidade existem inúmeras Convenções da OIT e Diretivas

Comunitárias cujo conteúdo respeita à questão do princípio da igualdade de tratamento em

função do sexo. Embora a discriminação em função do sexo no contexto laboral tenha uma

incontornável ligação ao tema que aqui nos trás, essa questão não será analisada por

extrapolar o objeto deste estudo.

2. Antecedentes históricos na regulação normativa nacional

A regulação desta matéria a nível legislativo ordinário teve o seu início no DL, de 14 de Abril

de 1891, cujo art. 22.º determinava que as mães tinham possibilidade de, durante o horário de

trabalho, se deslocarem às cresces para amamentar os seus bebés, remetendo para diplomas

regulamentares o modo de determinação de tais interrupções e duração das mesmas. Em 1966

esta matéria foi objeto de nova regulamentação com a promulgação do DL n.º 47.032, de 25

de Maio, que estabeleceu no art. 115.º n.º1 al. d) a possibilidade de interrupção do trabalho

diário em dois períodos diários de meia hora. Esta previsão foi mantida inalterada na sua

redação no posterior DL de 49.408, de 24 de Novembro de 1969, mais especificamente no art.

118.º n.º1 al. d), norma posteriormente revogada pelo DL n.º 136/85, de 3 de Maio, que veio

regulamentar a Lei n.º 4/84, de 5 de Abril.

Em 1984, a promulgação da Lei n.º4/84 veio prever, no art. 12.º n.º2 e 3, o direito da mãe que

amamenta (mediante comprovação deste facto) a ser dispensada em cada dia de trabalho por

dois períodos distintos com a duração máxima de uma hora cada para amamentar, até a

criança completar um ano de idade. O DL n.º136/85, de 3 de Maio, ao regulamentar a Lei

n.º4/84, previu no art. 7.º a possibilidade de o direito à dispensa para amamentação ser

exercido de forma diferente à consagrada legalmente havendo acordo entre o empregador e a

99

Esta Diretiva é o principal diploma legislativo de proteção relativo à implementação de medidas

destinadas a promover a melhoria da segurança e saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas e

lactantes no trabalho.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

45

trabalhadora. Além disso, o referido DL determinou que a forma de comprovação para o facto

de a trabalhadora se encontrar a amamentar consistia na apresentação à entidade empregadora

de uma declaração sob compromisso de honra. Relativamente ao método de prova exigido, o

posterior DL n.º 332/95, de 23 de Dezembro, veio exigir que essa declaração fosse

acompanhada de atestado médico e apresentada com a antecedência mínima de 10 dias em

relação ao início do período em que a trabalhadora pretendia gozar a dispensa.

Numa significativa alteração posterior levada a cabo pela Lei n.º142/99, de 31 de Agosto, a

mãe passou a beneficiar do período de ausência durante todo o período em que a

amamentação durar, tendo sido eliminado o limite máximo de um ano.

3. A (des) proteção da legislação laboral portuguesa vigente

Uma abordagem na perspetiva de um caso real

Recentemente foi divulgada pela comunicação social a situação de duas enfermeiras de

Hospitais do Porto (Santo António e São João) que foram forçadas a espremer as mamas para

sair leite e provar às entidades laborais que estavam efetivamente em período de

amamentação (Anexo D).

De forma a clarificar a veracidade das declarações médicas que atestam a amamentação as

profissionais foram convocadas para comparecer em consultas de saúde ocupacional no

respetivo local de trabalho, depois de os filhos terem completado um ano de idade e, lá

chegadas, foi-lhes pedido que, em frente aos médicos, fizessem “uma prova de evidência de

leite” para continuarem a beneficiar da redução de horário. Há notícia de que ter-lhes-á sido

dito que, caso recusassem, perderiam os direitos inerentes à fase da amamentação.

Esta política hospitalar foi justificada com base no nível elevado de fraudes, tendo sido dito

que haveria mais de 50% de dispensas de amamentação fraudulentas. Suspeitava-se da

existência de trabalhadoras a beneficiar da dispensa em causa ao abrigo de atestados médicos

falsos para amamentar crianças com idade superior a dois anos.

A alegada atribuição injustificada do direito à dispensa determinou a entidade empregadora a

recorrer à prova por evidência de leite com o objetivo de confirmar se as trabalhadoras se

encontravam efetivamente em período de amamentação, requisito exigido pela lei.

A reflexão acerca desta situação impõe que se pondere acerca da inexistência de um limite

temporal máximo para o gozo da dispensa para amamentação, das razões que estão

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

46

eventualmente na base do uso fraudulento deste benefício e, por último, da razoabilidade do

método de prova utilizado (prova por evidência de leite, vulgo “espremer as mamas”).

A circunstância de a lei não balizar temporalmente o limite temporal dentro do qual se deve

considerar aceite pelas entidades laborais o gozo desta dispensa abre portas a abusos, havendo

dispensas para amamentação com duração superior a dois anos sem que se verifique, na

realidade, o pressuposto de atribuição deste benefício.

Sendo evidente a necessidade de obstar a gozos injustificados da dispensa para amamentação,

o método de prova utilizado não pode em qualquer situação ser considerado justificado, seja

qual for a duração da dispensa, de 5 ou 10 anos pois parece-nos excessivo investigar a este

ponto solicitando às trabalhadoras que provem por esguicho que têm leite. As trabalhadoras

sujeitas a esta humilhação poderiam ter recusado a demonstração da existência de leite por

evidência, não podendo com base em tal recusa ser prejudicadas na sua relação laboral, nem

sequer sofrer qualquer tipo de consequência.

Além disso, a lei é omissa no que se refere à frequência com que a prova deve ser prestada

pelas trabalhadoras/exigida pelas entidades empregadoras.

Se por um lado é motivo de indignação o fato de as trabalhadoras terem sido obrigadas a

prestar provas desta forma, por outro lado reconhecemos que é insustentável para as entidades

empregadoras que as dispensas sejam abusivamente gozadas além de limites razoáveis à

sombra de atestados falsos.

Este é um exemplo pleno de atualidade ilustrativo da necessidade de repensar os moldes

legais em que a dispensa se encontra prevista, mormente no que se refere à expressão legal

que atribui este direito “enquanto durar a amamentação”.

Até quando se deve admitir o gozo da dispensa, isto é, até que idade do filho se admite que a

trabalhadora se ausente para o efeito de o amamentar?

Por que razões se tem verificado que em certos casos as trabalhadoras violam a lei através do

gozo da dispensa para amamentação quando, de fato, não amamentam? O que estará na

origem deste “aproveitamento indevido”?

Como provar a existência real desta necessidade? Será suficiente a apresentação de atestado

médico? Que outros meios podem estar ao dispor das entidades empregadoras para sua

salvaguarda em caso de suspeita de apresentação de atestados falsos?

Estas são questões a que tentaremos responder, apresentando a nossa reflexão sobre o assunto

bem como o raciocínio que está na base das soluções apresentadas.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

47

4. O limite temporal máximo para exercício do direito à dispensa

Conforme oportunamente referido a propósito dos antecedentes históricos nesta matéria, na

revogada Lei n.º4/84 determinava-se que a dispensa podia ser usufruída até a criança

completar um ano de idade. Este regime foi posteriormente alterado pela posterior Lei

n.º142/99, a qual veio a prever que a mãe tinha direito à dispensa para amamentação durante

todo o período em que esta durar, desaparecendo assim o limite máximo de um ano.

Curiosamente na legislação laboral atual, no art. 47.º do CT, não se prevê que a dispensa para

amamentação se deva sujeitar a quaisquer limites temporais pré-determinados pelo legislador,

o que nos leva a questionar o porquê de a lei deixar de regular esta aspeto. Quando no

enquadramento comunitário, e até internacional, se prevê e garante mais direitos de cidadania

e direitos fundamentais no seio das relações laborais qual a razão que está base desta aparente

retrocesso?

Questiona-se até quando pode ser considerado razoável que a trabalhadora exija do

empregador o gozo do direito a ausentar-se para amamentar. Pode ser o empregador a definir

o limite de duração da amamentação considerando-a inaceitável, por exemplo, no caso de

crianças de 2 ou 3 anos?

O legislador optou por não balizar temporalmente a possibilidade de exercício deste direito,

limitando-se a prever que a dispensa se mantém “enquanto durar a amamentação”. Portanto,

segundo a previsão legal, isso equivale a dizer que o direito à dispensa será concedido

enquanto a trabalhadora entender necessário e adequado amamentar o seu bebé e faça prova

de que se encontra em período de amamentação. Reunidos estes requisitos a trabalhadora,

terá, sem mais, direito a beneficiar da redução de horário para amamentar, ilimitadamente no

tempo.

Naturalmente, esta indefinição legal deixa margem para que o gozo do direito à dispensa se

prolongue, indefinidamente, no tempo, muito para além do primeiro ou segundo ano de vida

da criança e dê origem à prática de abusos por parte de trabalhadoras que usufruem

injustificadamente da redução de horário (quando na realidade já não amamentam!) prestando

provas falsas.

Estes descomedimentos têm gerado a revolta das entidades laborais que, em defesa dos seus

interesses, exigem regularmente – sempre que considerarem necessário já que a lei não fixa a

regularidade com que tal exigência deve ter lugar – a prestação de provas com o objetivo de

negar a atribuição deste direito nos casos em que a dispensa se revelar injustificada.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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Não lhes cabe, em todo o caso, definir, uma vez reunidos os requisitos legais, até quando a

trabalhadora tem direito a gozar da dispensa para amamentação. É a mãe que decide até

quando pretende amamentar o seu bebé, sem se sujeitar a quaisquer imposições limitativas

por parte das entidades empregadoras. A estas cabe, apenas e tão só, o direito de exigir que se

faça prova da circunstância de a mãe continuar a amamentar.

De modo a prevenir utilizações abusivas do direito à dispensa para amamentação pelas

trabalhadoras, bem como um excessivo uso do poder de fiscalização e controlo, com recurso a

métodos de prova inadmissíveis, pelas entidades empregadoras o legislador laboral deveria

prever outra solução legal nesta matéria, menos vaga e imprecisa, designadamente através da

imposição de um limite temporal máximo.

A previsão de um limite legal máximo para o exercício do direito à dispensa protegeria ambos

os interesses em presença: por um lado, as trabalhadoras seriam menos prejudicadas por se

excluir a hipótese de o empregador interferir na definição do momento até ao qual este direito

pode ser exercido; por outro lado, as entidades empregadoras estariam também

salvaguardadas das pretensões de gozo da dispensa ad aeternum.

5. O pano de fundo das fraudes

5.1 A dispensa para amamentação que, afinal, não serve para amamentar

A OMS e a UNICEF no decorrer do encontro “Aleitamento Materno na Década de 90: Uma

Iniciativa Global”, realizado em Spedale Degli Innocenti, na cidade de Florença, traçaram

uma meta global na “Declaração de Innocenti”100

, de 1 de Agosto de 1990, nos termos da qual

para otimizar a saúde e a nutrição materno-infantil, todas as mulheres devem estar capazes de

praticar o aleitamento materno exclusivo e todas as crianças devem ser alimentadas

exclusivamente com leite materno, desde o nascimento até aos primeiros 4 a 6 meses de vida.

Após esse período, as crianças devem continuar a ser amamentadas, juntamente com

alimentos complementares, até aos dois anos de idade, ou mais. Para a OMS, a questão do

aleitamento materno é uma prioridade de saúde pública pelo fato de considerar que o leite

humano é o alimento de excelência para o bebé.

100

Trata-se de uma declaração conjunta da OMS e da UNICEF na qual estas entidades expressam a

importância da amamentação prolongada e assumem como código de conduta um conjunto de

passos/medidas conhecidas como “Dez Medidas para um Aleitamento Materno com sucesso”.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

49

Contudo a aplicação deste objetivo tem encontrado obstáculos e ao longo do século XX o

aleitamento materno tem perdido preponderância devido, entre outros motivos, sobretudo à

emancipação feminina e crescente participação da mulher no mercado de trabalho. A

dificuldade em conciliar a amamentação com a atividade profissional tem-se afirmado como

uma das causas para a descontinuidade precoce do aleitamento materno. Em Portugal, apenas

55-64% das mães amamentam até aos três meses e apenas 34% até aos seis meses101

. Como

as licenças de maternidade, geralmente, terminam antes de a criança atingir os seis meses de

idade, as disposições que permitem às mulheres continuarem a amamentar os filhos após o

regresso ao trabalho são muito importantes, não só para o cumprimento das recomendações

internacionais relativas à amamentação mas, principalmente, para a saúde da mãe e da

criança102

.

De que dificuldade estaremos nós a falar se a nossa legislação laboral prevê uma dispensa

específica que tem como objetivo permitir à mãe o tempo necessário para amamentar o seu

filho?

A regra, nos termos previstos no art. 47.º do CT, é a de que, após o nascimento da criança, a

mãe tem direito à dispensa de trabalho para amamentação a ser gozada durante dois períodos

diários distintos com a duração máxima de uma hora cada durante todo o tempo que esta

durar, salvo se outro regime for acordado com o empregador.

O que a lei estabelece é o período máximo durante o qual se admite que a trabalhadora possa

“impor” ao empregador a sua ausência, nada obstando a que o empregador, caso assim

entenda, permita à trabalhadora períodos de ausência superiores.

Assim, o limite máximo de duração de cada período pode ser alargado mediante acordo entre

o empregador e a trabalhadora. Por via de acordo pode-se, por exemplo, determinar que os

períodos de dispensa serão gozados de forma seguida, juntos ao princípio ou ao fim do

horário de trabalho; ou que a trabalhadora gozará de dois períodos de licença de duração

superior a uma hora, sendo a duração determinada em função do tempo que despenda para se

deslocar ao local onde a criança se encontra.

101

Cfr. HÉLDER AGUIAR et al., “Aleitamento Materno – A importância de intervir”, Acta Médica

Portuguesa, 24, 2011, p. 890. 102

Cfr. OIT, ob. cit., p. 4.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

50

Está inteiramente na disponibilidade das partes chegar a acordo quanto à aplicação de um

regime diferente – quer por alargamento da duração máxima de uma hora prevista para cada

período quer, por exemplo, por estipulação de um único período de duas horas103

.

Pelo contrário, pode-se defender que a entidade empregadora não é obrigada a conceder à mãe

que amamente as duas horas previstas como duração máxima na sua totalidade, nada obstando

a que o empregador conceda, se assim entender, por exemplo, dois períodos de 15 minutos

diários.

O gozo do direito à dispensa deve ser exercido diariamente em função da necessidade diária,

de acordo com o tempo que a mãe precisa para dar de mamar. Se for possível fazê-lo em 10

minutos a entidade empregadora não tem que conceder mais tempo para o efeito.

Em todo o caso não é possível cumular tempos de dispensa, que não tenham sido exercidos ou

que o tenham sido em duração inferior ao fixado.

Tendo presente as recomendações da OMS e as regras enunciadas nesta matéria questiona-se

se, em termos práticos, será realmente possível para as mães trabalhadoras amamentaram em

exclusividade durante os primeiros seis meses de vida do bebé.

Na impossibilidade de chegar a acordo com a entidade empregadora relativamente à aplicação

de períodos de dispensa com duração máxima superior à legalmente prevista temos sérias

dúvidas de que a dispensa se traduza, de fato, numa ausência para amamentar o bebé.

O nosso CT prevê que a mãe possa ficar de licença durante 120 dias consecutivos (4 meses),

sem sofrer qualquer penalização salarial, nesse caso o subsídio corresponde a 100% da sua

remuneração. Por opção da trabalhadora, a licença pode ser alargada em mais 30 dias, num

total de 150 dias (cinco meses), com penalização mensal de 20% do salário, neste caso a

trabalhadora recebe um subsídio de 80% da sua remuneração de referência.

Num país, como o nosso, em que a remuneração salarial está abaixo da média europeia, a

penalização salarial mensal de 20% constitui muitas vezes um fator determinante para a

escolha do período de tempo em que a trabalhadora pretende gozar a licença por maternidade.

Assim, de acordo com o cenário habitual, na data em que previsivelmente a mãe regressa ao

trabalho o bebé tem cerca de 4 a 5 meses (consoante a mãe tenha gozado a licença parental

inicial de 120 ou 150 dias). Nesta fase espera-se, de acordo com as recomendações da OMS,

que o bebé esteja a ser exclusivamente alimentado a leite materno e que assim continue até

103

Neste sentido vd. CATARINA CARVALHO, “A proteção da maternidade e paternidade no Código de

Trabalho”, Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XLV, n.ºs 1 a 3, jan./set. 2004, p. 102.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

51

aos 6 meses de idade, normalmente, em regime livre. O regime livre significa que o bebé

mama quando quer e o tempo que quiser.

Como alimentar a criança exclusivamente a leite materno durante um dia inteiro, em regime

livre, quando a mãe se encontra no local de trabalho (por vezes longe do sítio onde a criança

se encontra) não sendo possível, na maioria das situações, no período máximo de uma hora,

efetuar a deslocação e satisfazer a necessidade do bebé? Quererá dizer que o bebé deve

concentrar nessas duas horas diárias, gozadas em períodos distintos, as suas refeições de um

dia inteiro? Evidentemente que a resposta a estas questões terá de ser negativa.

Para situações deste género a lei não apresenta solução por isso somos levados a concluir que

nos exatos termos em que a dispensa para amamentação se encontra consagrada no CT não é

possível seguir as recomendações da OMS. A dispensa de trabalho é manifestamente

insuficiente para cumprir os objetivos propostos pela OMS durante os primeiros seis meses de

vida. Nenhuma mãe que regresse ao trabalho aos 4 meses de idade do bebé consegue,

ausentando-se do local de trabalho duas horas por dia, uma hora de cada vez, amamentar o

seu filho a leite materno exclusivamente.

Em primeiro lugar, nenhum bebé que se encontre a seguir o regime de aleitamento materno

em exclusivo até aos 6 meses se alimenta apenas duas vezes por dia; em segundo lugar, as

duas horas disponíveis devem ainda ser compatibilizadas com o tempo necessário para

deslocações. Aliás, é possível que só em deslocação trabalho-casa e vice-versa o período

legalmente previsto se esgote.

Sem um CT suficientemente protetor e abrangente, o aleitamento materno em exclusividade

durante os primeiros 6 meses de vida não poderá ser mais do que uma realidade para uma

minoria das mulheres104

.

De resto, estes problemas só não se colocarão no caso de a trabalhadora optar pela licença

parental inicial com a duração de 180 dias (6 meses). Contudo, esta possibilidade só existe se,

a mãe e o pai gozarem cada um, em exclusivo, pelo menos 30 dias consecutivos ou dois

períodos de 15 dias consecutivos, após o período de gozo obrigatório pela mãe de seis

semanas. Os 180 dias de licença parental inicial são pagos a 83%.

Além desta hipótese, se a mãe trabalhadora que quiser prolongar a licença parental inicial

pode optar pela licença parental complementar alargada, nos termos do art. 51.º n.º1 a) do CT,

que tem de ser gozada imediatamente a seguir ao termo da licença parental inicial. Nesse caso

104

Cfr. HÉLDER AGUIAR et al., ob. cit., p. 7.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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tem direito a receber o subsídio parental alargado durante um período adicional de 3 meses

(num total de 8 meses de licença), concedendo o direito a receber um subsídio de 25% da sua

remuneração de referência. O impacto na perda de vencimento é de tal modo significativo que

faz com que apenas as famílias com maiores recursos possam aceder a ele, pois nem todas

têm capacidade para suportar um corte de 75%.

Também na hipótese de nascimento de mais de um filho, a licença parental inicial tem a

duração anteriormente referida de, 120 ou 150 dias, a que acresce um período de 30 por cada

gémeo/a além do primeiro/a, o que permite à trabalhadora ausentar-se do trabalho num

período de 180 dias (equivalente a 6 meses).

5.1.1 A dispensa em caso de nascimentos múltiplos

Antes do CT, era entendimento comum que a mãe teria direito a tantos períodos de dispensa

quanto os filhos que tivesse105

. Considerava-se que, sendo este direito atribuído em função de

se ter tido um filho, o mesmo não poderia ser prejudicado pelo fato de se ter mais do que um.

Se assim não fosse, cada filho beneficiaria de menos tempo para amamentar.

Esta solução legal, conforme aponta CATARINA CARVALHO106

, conduziria a situações limite

em que a mãe no caso de ter tido trigémeos teria direito a seis horas de dispensa de trabalho.

O que nos parece manifestamente excessivo pois nesse caso pouco tempo restaria para a

trabalhadora se dedicar à sua atividade profissional.

A nossa legislação atual optou por atribuir um acréscimo de tempo de trinta minutos por cada

filho. Solução que nos parece razoável, já que o período de interrupção da prestação de

trabalho para amamentar não é utilizado na totalidade para amamentar o bebé; em parte, é

despendido na deslocação entre o local de trabalho e o local onde a criança se encontra107

. No

caso de nascimentos múltiplos, parte-se do princípio de que todos os bebés se encontram no

105

Vd., neste sentido, o PARECER N.º 38 A/CITE/2000. 106

CATARINA CARVALHO, ob. cit., p. 105. 107

Embora tal facto não possa ser tomado em conta para justificar diminuição da duração de cada

período. Neste sentido o PARECER N.º20/CITE/2002, onde se pode ler “Independentemente de a

trabalhadora prestar serviço na creche que a sua filha frequenta, tem direito a ser dispensada

diariamente do trabalho por dois períodos distintos de duração máxima de uma hora cada um, para

aleitar a criança, salvo se acordar outra forma com a entidade empregadora”. Disponível em

www.cite.gov.pt/pt/pareceres/pareceres2002/P20_02.pdf, consultado em 11 de Março de 2015.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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mesmo local pelo que, a ser assim, a trabalhadora não necessita de despender tempo acrescido

para esse efeito.

De qualquer forma, considerando que os bebés podem ter horários diferentes para amamentar,

esta solução legal poderá não satisfazer todos os cenários possíveis, podendo o gozo deste

direito vir a ser afetado. O mesmo sucede se os bebés não se encontrarem no mesmo local o

que, sendo menos provável, pode ocorrer.

5.1.2 A utilização da bomba extratora de leite no local de trabalho

“Marta é diretora comercial de um laboratório que tem sede em Barcelona. Tem a gestão

para Portugal a seu cargo, o que lhe traz muita responsabilidade mas também flexibilidade

de horários e permitia interromper as funções para tirar o leite. Começa a trabalhar às 09.00

e acaba às 17.00 e ir a casa a meio do dia estava fora de questão, já que mora em Carcavelos

e o escritório é em Lisboa. “Sempre quis amamentar e tinha o objetivo de o fazer até aos 6

meses. Dava mama de manhã e quando regressava a casa e tirava o leite no trabalho com a

bomba numa sala emprestada por uma colega.”” (Testemunho Marta Cruz, Anexo C).

Não havendo abertura por parte do empregador para ajustar o período de tempo conforme as

circunstâncias do caso concreto sugere-se que o empregador tenha a iniciativa de criar uma

sala especial à disposição das mães lactantes em que estas possam extrair o leite e guardá-lo

em boas condições de temperatura e higiene.

Em bom rigor não é a dispensa para amamentação que tem tornado possível amamentar em

exclusivo o bebé a leite materno nos primeiros 6 meses de vida mas sim um aparelho elétrico

ou manual designado por “bomba extratora de leite” que permite à mãe extrair leite no próprio

local de trabalho, conservando reservas de leite no frigorífico, que será, posteriormente,

oferecido ao bebé em biberão por outra pessoa, na ausência da mãe.

Esta poderia parecer uma solução do agrado comum que beneficiaria tanto empregadores

como trabalhadoras – se por um lado evita ausências ao trabalho o que os empregadores

muito agradecem, por outro torna possível alimentar o bebé a leite materno em exclusivo.

Estaria assim, aparentemente, solucionada a questão.

“Tem de haver flexibilidade de horários, quando uma pessoa sente o peito a encher tem de

tirar logo o leite, senão tem muitas dores. (…) Uma vez teve de se deslocar a Barcelona. “Um

dia inteiro fora de casa, tive de fazer stock e interrompi a reunião por já não aguentar com o

peito cheio”” (Testemunho Marta Cruz, Anexo C).

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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O problema é que o ato de extrair leite não pode ser realizado a qualquer momento, muito

menos num único momento durante o qual se extraia leite para suprir necessidades

alimentares de um dia/semana. Antes implica que a mãe o faça com uma certa periodicidade

no ritmo adequado às necessidades do bebé.

Se a mãe estiver um dia a trabalhar sem dar de mamar/extrair leite a quantidade de leite

produzida pelo seu organismo começará a diminuir e é muito provável que quando regressar a

casa não tenha sido produzido leite em quantidade suficiente para satisfazer o bebé. A redução

da regularidade com que a mãe amamenta/extrai leite inibe a produção de leite e impede

totalmente o aleitamento materno em exclusivo, já que deixa de ser produzido leite suficiente

para esse efeito. Dar de mamar/tirar leite estimula a produção e assim, quando amamenta, a

mãe terá uma boa quantidade para oferecer.

A trabalhadora deve extrair leite no local de trabalho preferencialmente numa sala privada,

calma e em que sejam asseguradas as condições de higiene, no horário que seria esperado o

bebé mamar. Mas aqui é preciso ter noção da dimensão da empresa108

pois a facilidade com

uma empresa grande pode reunir estas condições é muito maior do que no caso de empresas

médias ou pequenas. De um modo geral, as pequenas empresas têm recursos relativamente

limitados para investir neste tipo de apoios.

Acresce que a utilização da bomba extratora de leite prejudica a promoção do vínculo afetivo

do bebé com a mãe.

Não sendo possível amamentar em exclusivo utilizando os dois períodos de duração máxima

de uma hora cada legalmente previstos no CT nem tão pouco reunir as condições para extrair

o leite no próprio local de trabalho com a frequência necessária, a possibilidade de a mãe

optar por amamentar o seu bebé a leite materno exclusivamente até aos 6 meses de vida

encontra-se literalmente co arctada. Entre verdadeiras impossibilidades e outras dificuldades,

muitas mães afastam a hipótese de amamentar a partir do momento em que regressam ao

trabalho, fazendo-o apenas de manhã cedo, antes de sair de casa para o trabalho e à noite,

quando regressam.

108

Vd. neste sentido, FRANCISCO CARVALHO, ob. cit., pp. 16-22; OCDE, ob. cit., p. 194.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

55

5.2 O aproveitamento indevido da dispensa para fins diversos da amamentação

Como vimos a dispensa para amamentação, pelo menos no que se refere aos primeiros seis

meses de vida do bebé, desincentiva esta prática já que não autoriza a ausência da mãe do

local de trabalho por tempo suficiente para alimentar o bebé a leite materno em exclusivo.

Ainda assim a dispensa tem na realidade vindo a ser aproveitada por muitas trabalhadoras

que, não amamentando, continuam a pretender gozar da redução de horário para outros fins,

por longos períodos de tempo, através da prestação de provas falsas.

A dispensa para amamentação é estabelecida com o intuito de garantir em exclusivo a

alimentação específica de leite materno não incluindo, portanto, outros alimentos. Aliás, é a

própria lei que exige para que se admita o gozo deste direito, além do primeiro ano de vida,

que o bebé seja comprovadamente amamentado de forma natural. Ainda assim, durante o

tempo da dispensa, compreende-se que a trabalhadora possa atender a outras necessidades do

bebé e não exclusivamente à amamentação109

. Mas a possibilidade de utilizar o tempo

concedido para gozo desta dispensa para fins diversos da amamentação não significa que esse

período não seja dedicado ao fim principal a que foi destinado: amamentar o bebé.

Além de a trabalhadora se dedicar a outros cuidados do bebé, paralelamente à amamentação

que nesse tempo deverá ter lugar, a dispensa de prestar a atividade laboral não pode ser usada

para outros fins, como fazer compras de bens de supermercado (ainda que relacionados, em

geral, com a vida do bebé) 110

.

109

Neste sentido, o Ac. da Relação de Coimbra de 19.03.98 (FERNANDES DA SILVA), CJ, 1998, II, pp.

71-73, ao determinar que “a partir do momento em que cessa, de facto a necessidade de assistência à

amamentação/aleitação, cessa forçosamente o referido direito da A./mãe da criança,

independentemente do tempo que falta para atingir o ano sobre a data de nascimento”. 110

Quanto a este aspeto, Ac. da Relação de Coimbra de 19.03.98 (FERNANDES DA SILVA), CJ, 1998,

II, pp. 71-73, em que foi considerado lícito o despedimento de trabalhadora por falsas declarações

sobre os pressupostos da dispensa, dado que se ausentava “do serviço sob o mesmo pretexto de ir

prestar amamentação à filha” mas acabava por “não se dirigir ao infantário onde essa mesma se

encontrava, indo, em vez disso, passar esses períodos de duas horas a casa dos pais”.

No PARECER N.º 20/CITE/2002, lê-se “(…) não será de admitir que uma mãe ou um pai trabalhadores

que se encontrem dispensados de prestar trabalho durante determinado período com o objectivo de

alimentarem a sua criança, utilizem esse período para fim diverso, sem motivo urgente ou

devidamente justificado”. Disponível em www.cite.gov.pt/pt/pareceres/pareceres2002/P20_02.pdf,

consultado em 11 de Março de 2015.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

56

Serão as fraudes na utilização da dispensa para amamentação motivadas pela necessidade real

de dar assistência à família, perante horários de trabalho pouco compatíveis com um apoio

adequado a filhos menores?

Uma mulher que carece de tempo para se dedicar aos filhos, socorre-se de atestado médico

falso, alarga o período de gozo da dispensa muito além do primeiro ano de vida do filho (o

máximo que conseguir) e utiliza a dispensa para fins diversos da amamentação. Num

entendimento mais ou menos consensual, as mães trabalhadoras dirão que “se não serve para

amamentar, que sirva para conseguir um tempo livre extra que tanta falta faz quando as

tarefas de uma mulher no fim de um dia de trabalho vão a meio”.

A utilização da dispensa nestes moldes tem vindo a relevar-se injustificada, e em

consequência, despoletado a revolta das entidades laborais que pretendem a todo o custo pôr

termo a abusos na utilização deste benefício concedido pela lei.

Apesar de o CT prever a atribuição de diversos direitos para proteção da parentalidade que se

concretizam na consagração legal de diversas licenças e dispensas111

as responsabilidades

familiares assumidas por ocasião do evento da maternidade continuam a representar enormes

dificuldades quando se trata de compatibilizar com a rotina profissional já existente.

A legislação laboral portuguesa pretende através da consagração destes direitos – regra geral

previstos para situações específicas (relacionadas com questões de saúde) ou para ausências

de curta duração (faltas) – permitir a conciliação da vida profissional e familiar em coerência

com o disposto no art. 27.º da Carta Social Europeia que prevê que sejam tomadas medidas

apropriadas para permitir aos trabalhadores com responsabilidades familiares entrar e

permanecer na vida ativa ou regressar a ela após uma ausência devida a essas

responsabilidades e, ainda, medidas que prevejam a possibilidade de cada um dos pais,

durante um período posterior à licença de maternidade, obter uma licença parental para

111

Licença em situação de risco clínico durante a gravidez, licença por interrupção da gravidez,

licença parental (em qualquer das modalidades), licença por adoção, licença parental complementar

em qualquer das modalidades, dispensa da prestação de trabalho por parte de trabalhadora, grávida,

puérpera ou lactante, por motivo de proteção da sua segurança e saúde, dispensa para consulta pré-

natal, dispensa para avaliação para adoção, dispensa para amamentação ou aleitação, faltas para

assistência a filho ou a neto, licença para assistência a filho, licença para assistência a filho com

deficiência ou doença crónica, trabalho a tempo parcial de trabalhador com responsabilidades

familiares, horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares, dispensa para prestação

de trabalho em regime de adaptabilidade, dispensa de prestação de trabalho suplementar e dispensa de

prestação de trabalho no período noturno.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

57

acompanhamento de um filho, cuja duração e condições serão fixadas pela legislação

nacional, pelas convenções coletivas ou pela prática. Até aqui tudo certo.

Acontece que, na vida real e prática, na maioria das situações, após o gozo da licença parental

inicial, a mãe regressa ao trabalho nas condições de tempo de trabalho já existentes

anteriormente à maternidade – o que equivale a trabalhar no mínimo oito horas diárias (sim,

no mínimo pois não é novidade que o PNT estabelecido no CT é letra morta para as entidades

empregadoras) mas agora com um importante e valioso acréscimo na sua vida, ao qual se

deseja e se espera que haja tempo para se dedicar. A circunstância de o horário de trabalho

permanecer igual ao que existia antes da assunção das responsabilidades familiares que

representam o nascimento de um filho importa naturalmente uma sobrecarga acrescida.

Embora as mães se socorram de ajudas familiares para aliviar essa sobrecarga, deve ser dada à

mãe trabalhadora a possibilidade de estar mais presente e este é um aspeto pouco valorizado

pela maioria das entidades empregadoras, que raramente vêm este nesta possibilidade uma

forma de incentivo. E, portanto, o regresso ao trabalho não deixa de significar para todas as

mães, por muitas licenças e dispensas que se prevejam, uma dura adaptação.

A disponibilidade de tempo para o acompanhamento da vida familiar, em especial dos filhos,

encontra-se diminuída pela forma de viver dos tempos de hoje de “pressas e pressões” e em

que o lema é o de que se vive para trabalhar.

Apesar de a nossa legislação laboral consagrar determinados direitos relacionados com

tempos de não trabalho não remunerados que visam atribuir o tempo livre necessário tendo

em vista a harmonização da vida profissional e familiar não se tem atingido com facilidade

(ou melhor, sem consequências) este equilíbrio. Aqui o que é necessário é passar dos

princípios à prática.

Atualmente, os regimes de horário flexível têm pouca aplicabilidade e quando reivindicados

pelas trabalhadoras as consequências no vínculo laboral incluem a sua marginalização ao

nível da contratação, entre outras consequências (v.g. remuneratórias). Por outras palavras,

quem deseja “pagar o preço” a nível profissional de dar prioridade à sua vida familiar? Existe

uma cultura enraizada segundo a qual quem deseja ser bem-sucedido a nível profissional deve

saber que isso pressupõe que a sua vida gire à volta do trabalho e concentre toda a sua

disponibilidade física e mental nesse sucesso, sob pena de não servir os interesses da

organização e ser, por essa razão, considerado um trabalhador fraco e marginalizado.

Muitas são as mulheres que gostariam de trabalhar em horários diferentes ou reduzir as horas

de trabalho para poderem dedicar mais tempo aos filhos mas não o fazem porque não podem

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

58

ter o seu salário reduzido ou porque não querem pôr em risco as suas perspetivas de

carreira112

. O emprego a tempo parcial é visto como sinal de menor empenhamento na carreira

e, por isso, prejudicial em termos de futuro.

Mais, frequentemente os pais não podem prescindir de horas de trabalho ou usufruir de

licenças sem vencimento e daí que o recurso a estas medidas esteja limitado. A decisão

relativamente ao tempo subtraído às horas de trabalho para prestação de cuidados aos filhos

depende do montante de remunerações de que as trabalhadoras serão privadas. Em geral,

quanto menor for a perda de rendimentos mais probabilidades há de estas poderem reduzir o

tempo dedicado ao trabalho.

Por esta razão cremos que a dispensa tem vindo a ser aproveitada para fins de harmonização

da vida profissional e familiar em geral e não para os concretos e estritos fins para que foi

prevista. Quanto a nós defendemos que deve existir algum equilíbrio e bom senso no

aproveitamento desta ausência ao trabalho pois não se deve desconsiderar que o empregador

suporta certos custos, designadamente com a retribuição por um período do horário de

trabalho em que não há contraprestação da atividade laboral e com as perdas de produção,

apesar do controlo da conformidade do uso do direito à dispensa para amamentar para o fim a

que se destina se apresentar muito difícil, se não praticamente impossível.

A conjugação que resulta da acumulação do trabalho pago com o trabalho efetuado em prol da

família tem revelado a necessidade de repensar as formas de organização dos tempos de

trabalho com intuito de proteger a mulher na conquista de uma vida profissional que acomode

todas as exigências que levam consigo na bagagem.

Idealmente, deseja-se alcançar um patamar de estabilidade que permita às mulheres, a par da

sua realização familiar, prosseguir os seus objetivos profissionais, progredindo na carreira e

em que se inverta o estereótipo associado às mulheres de mão-de-obra insegura e pouco

produtiva.

Só através da sensibilização, esta questão poderá surtir o efeito desejado de se adaptar as

condições de trabalho às necessidades quotidianas da sociedade atual.

No caso das advogadas, a desproteção agrava-se. A realidade das mulheres advogadas que

querem ser mães é bem pior113

. É que a maioria dos atos de advocacia são atos judiciais

(julgamentos e outros atos processuais), cuja marcação não depende da vontade daquelas

112

Cfr. OCDE, ob. cit., p. 10. 113

Vd. BÁRBARA, Daniela, “As Advogadas e a Maternidade”, Boletim da Ordem dos Advogados, n.º

97, Dezembro 2012, p. 63.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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profissionais e a que estas não podem faltar, salvo nos termos previstos na lei. Por esse

motivo, não gozam de certos direitos e regalias que a generalidade das trabalhadoras

beneficiam, nomeadamente da dispensa de atividade durante certo período de tempo, em caso

de maternidade. Contudo, não fica prejudicada a possibilidade de substabelecer o mandato

forense, nos termos da lei.

Existe uma quantidade significativa de mulheres jovens que são advogadas e que, além de

profissionais, partilham da realidade de todas as outras: a falta de tempo disponível para

conciliar o trabalho e a vida familiar.

Aquando do parto, o DL n.º 131/2009 de 1 de Junho atribui às mães advogadas o direito ao

adiamento de atos processuais em que devam intervir.

Na al. a) do art. 2.º daquele diploma, sob a epígrafe “maternidade ou paternidade”, prevê-se

que “quando a diligência devesse ter lugar durante o primeiro mês após o nascimento, o

adiamento não deve ser inferior a dois meses e quando devesse lugar durante o segundo mês,

o adiamento não deverá ser inferior a um mês”. Os referidos prazos são reduzidos apenas a

duas semanas e uma semana, respetivamente, no caso de processos urgentes; por fim,

havendo arguidos sujeitos a qualquer das medidas de coacção previstas nos arts. 201.º e 202.º

do Código de Processo Penal a possibilidade de adiamento nem sequer se aplica, nos termos

da al. b) e c) do artigo citado.

É do conhecimento geral que a mulher, nos períodos pré e pós-parto, ainda que corra tudo

sem surpresas, sofre um grande desgaste físico, emocional e psicológico. Os períodos de

repouso, para recuperação, são indispensáveis. É também de ter em conta o fato de a profissão

em causa ser bastante exigente a vários níveis.

É evidente que no período de apenas dois meses a mulher advogada não consegue resguardar-

se o tempo necessário e adequado a reorganizar o seu corpo e a sua mente devidamente.

Além disso, a Caixa de Previdência atribui um subsídio de maternidade e nascimento em

valores manifestamente insuficientes que não permitem que uma advogada fique em casa num

período, pelo menos igual, ao que todas as mulheres têm direito, isto porque “quem não

trabalha não come”!

Importa, por isso, estender às advogadas certos direitos, de forma a compatibilizar o exercício

da profissão com a vida familiar, em termos equilibrados, sem afetar excessivamente a

necessária celeridade da justiça.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

60

6. A definição dos métodos de prova admissíveis

A dificuldade de fazer prova quanto ao período de amamentação – o método utilizado e a

regularidade da sua exigência – representa uma outra dificuldade que deve ser resolvida pela

nossa legislação laboral.

O exercício do direito à dispensa exige que a trabalhadora comunique que amamenta com a

antecedência de 10 dias, relativamente ao momento em que pretende iniciar o gozo da

dispensa. No caso de a amamentação se prolongar além do primeiro ano de vida do filho, a

comunicação de aviso prévio deve ser complementada com a apresentação de atestado médico

que comprove que a trabalhadora se encontra efetivamente a amamentar, de acordo com o art.

48.º do CT.

A exigência de apresentação do atestado médico situa-se no âmbito da discricionariedade do

empregador. Se esta não for exigida nada impede o exercício do direito à dispensa para

amamentação, consubstanciando a apresentação de atestado médico uma formalidade ad

probationem e não uma formalidade ad substatiam114

.

Contudo, as entidades empregadoras não encontram no atestado médico um elemento fiável e

verdadeiro. À sombra de atestados médicos falsos vão-se tolerando as dispensas muito além

do primeiro ano de vida do bebé.

A verificação pelo médico de que, de fato, a criança é amamentada é feita, na maioria das

vezes, fazendo fé na declaração da mãe. A atestação médica baseia-se, essencialmente, numa

relação de boa-fé entre o médico e a mulher trabalhadora. Nada obsta a que, na formação da

sua convicção, o médico não deva ter em conta fatos concretos ou indícios adequados às

circunstâncias. O médico, devido ao acompanhamento clínico prolongado e à relação que

através deste se estabelece entre ele e a mãe trabalhadora, conhece normalmente informação

privilegiada que permite fundar a realidade de cada caso concreto.

114

Neste sentido Ac. da Relação de Lisboa de 26.07.2005 (MARIA PAULA SÁ FERNANDES), CJ, 2005,

IV, pp. 155-156, no qual se entende que a informação escrita, acompanhada de atestado médico,

constitui um requisito exigível para que a entidade empregadora seja obrigada a conceder tais

dispensas. Contudo, nada impede que a entidade empregadora dispense tal prova documental e

considere suficiente o conhecimento pessoal do parto e a informação verbal da necessidade de

amamentar o filho, não dando a essa formalidade uma natureza de formalidade ad substatiam,

revestindo-a, apenas de natureza de formalidade ad probationem.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

61

Do ponto de vista ético, os médicos, nas situações em que seja preciso atestar a amamentação

que se prolonga além do primeiro ano de vida da criança, apenas o devem fazer se estiverem,

efetivamente, convencidos de que essa amamentação é uma realidade.

Em nosso entender, não se põe em causa o direito da entidade trabalhadora a fiscalizar os

atestados médicos, haja muita ou pouca fraude. Não vivemos num estado selvagem e de total

ausência de direito. Vivemos num Estado de Direito e, como tal, existem regras.

Se é certo que é sobre a trabalhadora que recai o dever de justificar as ausências ao trabalho,

através dos meios legais adequados, não é menos verdade que à entidade empregadora é

reservado o direito de, também pelos meios legais adequados, poder exigir, a qualquer

momento, a comprovação da situação por aquela invocada, de cuja existência tenha dúvidas

fundadas.

Assim, no caso de o empregador pretender confirmar a veracidade do atestado médico

apresentado pela trabalhadora, parece-nos razoável que a lei preveja a possibilidade de o

empregador solicitar novo atestado médico, desta vez designando médico da sua confiança

para esse efeito.

Uma outra questão deve ser definitivamente resolvida pelo legislador: a periodicidade com

que deve ser renovado o atestado médico.

Não se conhece qualquer previsão legal na legislação laboral que imponha que os atestados

emitidos pelos médicos para comprovar situações de amamentação tenham que referir uma

previsão da duração da mesma ou tenham uma validade máxima previamente estabelecida.

Para prova da subsistência da situação de amamentação muitas empresas optam por exigir a

apresentação de atestado médico com uma periodicidade mensal. Esta exigência torna

necessário a comparência em consultas mensais, o que, tendo em conta o fato de muitas mães

serem seguidas em hospitais privados, se torna economicamente insustentável. A Ordem dos

Médicos “continua a ser confrontada com as dificuldades de aplicação da lei e com exigências

absurdas por parte de algumas instituições, nomeadamente a apresentação de atestados

mensais de amamentação” (Anexo E).

Refira-se ainda que, a propósito do caso concreto enunciado (Anexo D), deve ser esclarecido

que as consultas de saúde ocupacional, inseridas no âmbito da medicina do trabalho nos

termos da Lei n.º 3/2014, de 28 de Janeiro, têm um objetivo estritamente informativo e

formativo: visam assegurar as condições de trabalho e a aplicação de medidas preventivas no

interesse da promoção da saúde dos trabalhadores em geral. No que à trabalhadora grávida,

puérpera ou lactante diz respeito têm por objetivo específico a proteção em caso de atividades

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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suscetíveis de apresentar risco específico de exposição a agentes, processos ou condições de

trabalho, de acordo com o art. 62.º n.º2 do Código de Trabalho e art. 1.º e 73.ºA daquela Lei.

Assim, os exames, no âmbito da medicina no trabalho, são realizados de acordo com os

fatores de risco profissional a que o trabalhador se encontra exposto no decorrer da sua

atividade habitual.

As consultas destinadas à vigilância da saúde são realizadas por médicos do trabalho115

, nos

termos do art. 108.º n.º2 da Lei n.º3/2014. Ora, os médicos do trabalho estão, por via do art.

122.º e 124.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, limitados pelas funções que

desempenham e devem utilizar “sempre e só os meios de exame estritamente necessários à

sua missão”: neste caso, entenda-se, à prevenção de riscos profissionais e à vigilância da

saúde no trabalho atendendo às condições de trabalho existentes.

Para ser mais clara: as consultas de saúde ocupacional não servem para fiscalizar a atribuição

do direito de ausências ao trabalho e muito menos para certificar a veracidade de atestados

médicos. A ser assim o pretendido exame destinado à prova da amamentação por evidência de

leite cai fora do âmbito das competências destes profissionais de saúde.

Em alternativa, deve a lei laboral prever, além da possibilidade de solicitar a avaliação da

situação por médico/junta médica designado/a pelo empregador um segundo nível de

prestação de provas para os casos em que o atestado médico não se revelar, aos olhos da

entidade empregadora, um método de prova fiável. Em situações de comprovada existência de

motivos de desconfiança relativamente à atestação médica seria adequada a previsão legal da

possibilidade de realização de análises sanguíneas para verificar a concentração de prolactina

no sangue.

Quando um bebé mama, impulsos sensoriais vão do mamilo para o cérebro. Em resposta, o

cérebro produz uma hormona designada por prolactina. A prolactina vai através do sangue

para a mama, fazendo com que as células secretoras produzam leite e a maior parte desta

hormona permanece no sangue cerca de 30 minutos após a mamada.

A produção de leite depende da estimulação da mama, isto é, a mama deixa de produzir leite

se o bebé, por alguma razão, deixar de mamar. Se efetivamente o bebé deixar de mamar, o

resultado da análise indicará a ausência total de prolactina no sangue da trabalhadora,

provando assim que não se encontra a amamentar. Pelo contrário, a presença desta hormona

115

Considera-se médico do trabalho o licenciado em Medicina com especialidade de medicina no

trabalho reconhecida pela Ordem dos Médicos, de acordo com o previsto no art. 103.º da Lei

102/2009.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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no sangue indica que a produção de leite está a ser estimulada e que, realmente, a trabalhadora

dá de mamar ao seu filho.

Estes são métodos de prova que, sendo menos intrusivos da intimidade da mulher, podem

evitar hipóteses bizarras e humilhantes como o recurso à expressão mamária.

7. Competência para determinação dos momentos em que deve ser gozada a

dispensa

A titularidade da competência para a determinação dos momentos em que o direito à dispensa

para amamentação pode ser exercido é questão que não encontra resposta expressa na letra da

lei e que tem gerado alguns conflitos entre entidades empregadoras e trabalhadoras.

Segundo o entendimento de CATARINA CARVALHO116

, “tratando-se de um direito da

trabalhadora a exercer no interesse da criança, não pode ser o empregador a fixar estes

períodos de acordo com as conveniências da empresa, além de que, muitas vezes, atendendo à

distância física do local de trabalho a fixação desta hora no meio do período normal de

trabalho, por exemplo, inviabilizaria, do ponto de vista prático, o exercício deste direito”.

Segundo a autora, “a alimentação da criança não pode secundarizar-se em função de

interesses empresariais”.

Também, na opinião de JÚLIO GOMES117

, na falta de acordo entre entidade patronal e

trabalhadora, parece que não poderá, de modo algum, ser o empregador a fixar estes períodos

de acordo com as conveniências da empresa.

No mesmo sentido, a Relação do Porto, no Ac. de 19.10.98 (MACHADO SILVA), entende que,

na falta de acordo entre a entidade patronal e a trabalhadora, compete à mãe trabalhadora a

definição dos momentos em que o direito à dispensa para amamentação pode ser exercido.

Esta posição que privilegia os interesses da mãe e da criança é, segundo o Ac., a única que

respeita o art. 68.º da CRP cujo n.º4 estabelece que “a lei regula a atribuição às mães e aos

pais dos direitos de dispensa de trabalho por período adequado, de acordo com os interesses

da criança e as necessidades do agregado familiar”118

.

116

CATARINA CARVALHO, ob. cit., p. 156. 117

JÚLIO VIEIRA GOMES, ob. cit., p. 447. 118

Vd. neste mesmo sentido o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 8.5.2012, (SAMPAIO GOMES),

no qual se sumaria o seguinte “não tendo sido possível acertar os interesses de ambas as partes, os

interesses do lactante devem sobrepor-se aos interesses da entidade patronal da mãe, pelo que a ordem

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

64

A CITE vai no mesmo sentido ao concluir, no Parecer n.º1/CITE/83119

, num caso em que a

empresa pretendia limitar o gozo da dispensa para amamentação a determinados intervalos de

tempo, durante os quais, face à localização da fábrica e à pouca frequência de transportes

públicos, se tornava difícil o exercício do direito, o seguinte: “na verdade compete à entidade

patronal, nos termos do art. 11.º, n.º1, do DL n.º 409/71, de 27 de Setembro, estabelecer o

horário do pessoal ao seu serviço dentro dos condicionalismos legais. Não pode esta, porém,

com base em tal norma, retirar ou cercear aos trabalhadores, na prática, a possibilidade de

exercício dos direitos que lhe estão reconhecidos por via legal ou convencional”.

Em diversos pareceres analisados, a CITE tem-se pronunciado a favor das trabalhadoras ao

decidir que a entidade empregadora deve proporcionar condições de trabalho que favoreçam a

conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal, concluindo que não deve

ser colocado qualquer obstáculo a que a trabalhadora amamente nos precisos termos que, de

acordo com a sua vontade, comunique à entidade empregadora, com respeito pelo ritmo

biológico da criança.

Nesse sentido defende a CITE que, na falta de acordo entre empregador e trabalhadora, deve

atender-se ao horário indicado pela trabalhadora como adequado para o exercício do direito à

dispensa para amamentação. “Não permitir à mãe trabalhadora lactante determinar em que

período da manhã e da tarde pretende proceder à amamentação poderá conduzir a uma

situação de inviabilização do exercício do direito da mãe trabalhadora a amamentar, no

interesse da criança, respeitando o seu ritmo biológico”120

.

Também em nossa opinião a determinação dos momentos em que a dispensa deve ser gozada

cabe à trabalhadora.

Assim, na comunicação de aviso prévio, além de declarar que amamenta o bebé, a

trabalhadora deve também indicar em que momentos do dia pretende exercer o direito à

dispensa e qual a duração de cada período. O empregador deve sujeitar-se a essa decisão sem

apresentar qualquer objeção, não obstante a empresa poder vir a ser afetada.

dada, no sentido de aquela cumprir um horário totalmente incompatível com a amamentação da

recém-nascida, se mostra ilegítima e, enquanto tal, a A. não estava obrigada a cumpri-la, sendo o seu

despedimento, fundamentado nesse incumprimento, ilícito”. 119

CITE, Edição Comemorativa dos 20 anos da CITE ob. cit.. 120

Vd. PARECER N.º 51/CITE/2009. Neste sentido ainda, vd. PARECER n.º 286/CITE/2014 e PARECER

n.º 115/CITE/2011.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

65

Esta comunicação permite ao empregador acautelar os seus interesses, designadamente,

através da reorganização da força de trabalho disponível, tendo em conta que em

determinados períodos do dia passará a contar com menos uma trabalhadora.

Em defesa deste entendimento, refira-se que o direito à dispensa para amamentação é

estabelecido em torno do direito do bebé a ser alimentado. Por esse motivo, o gozo dos

períodos da dispensa deve ser gerido em função dessa necessidade. Ninguém, além da mãe,

saberá qual o momento em que é necessário amamentar o bebé, pelo que deve ser a

trabalhadora a indicar à sua entidade empregadora quais os períodos de tempo em que estará

ausente do seu local de trabalho para esse efeito.

Entendemos, assim, que quaisquer interesses empresariais não devem concorrer para a

determinação do momento em que o gozo da dispensa terá lugar.

Tanto mais que este é um momento em que se constrói a relação afetiva entre mãe e filho,

pelo que, também por este motivo entendemos não ser possível conferir ao empregador

liberdade para determinar os momentos em que esse elo pode ser “alimentado”.

CATARINA CARVALHO121

salienta, neste sentido, que “a tutela legal, neste contexto, não se

restringe à saúde física da mãe e da criança: abarca a relação integral que, no respetivo

período, se desenvolve entre mãe e filho. As necessidades biológicas, a par das exigências

relacionais e afetivas, essenciais no desenvolvimento da criança, fazem parte desta relação e,

como tal, devem ser protegidas”122

.

Em coerência nada deve impedir a trabalhadora de alterar o momento do dia em que pretende

gozar a dispensa e a duração desses períodos, cumprindo, em todo o caso, com o aviso prévio

a que está obrigada.

Sendo certo que atribuir à trabalhadora o poder de determinação nesta matéria é a posição que

nos parece mais adequada, atentos os valores em causa e os argumentos apresentados, deve-

se, no entanto, reconhecer que a preferência por certos períodos do dia podem acarretar

dificuldades de organização do trabalho dentro da empresa.

Assim sucederá, por exemplo, se os períodos designados pela trabalhadora coincidirem com

momentos em que a prestação de trabalho se torna imprescindível. Nesses casos é de difícil

conjugação o exercício deste direito com os interesses legítimos do empregador.

121

Vd. CATARINA CARVALHO, ob. cit., 2004, p. 44. 122

Cfr. GIOVANNI NICOLINI, Manuale di dirito del lavoro, 3ª ed., Giuffré, Milão, 2000, p. 171, citado

por CATARINA CARVALHO, ob. cit., p. 44 (nota 7).

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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Idealmente estas decisões devem ser pautadas por algum bom senso de modo a que, sendo

inegável que deve ser a mãe, unilateralmente, a decidir em que períodos do horário de

trabalho se irá ausentar para o efeito de amamentar o seu filho, seja possível encontrar uma

solução que permita compatibilizar os interesses do empregador e o direito da trabalhadora a

amamentar, sem inviabilizar na totalidade a prestação da atividade laboral para a qual foi

contratada e, consequentemente, causar prejuízos consideráveis.

No limite, o empregador pode ver-se na obrigação de remunerar uma trabalhadora

indisponível para oferecer a contrapartida correspondente, isto é, a força do seu trabalho. Isto

porque, em virtude do gozo da dispensa para amamentação, o empregador não pode, em caso

algum, reduzir o montante da prestação retributiva123

ou proceder a quaisquer alterações na

retribuição da trabalhadora.

A regra é a de que a dispensa para amamentação não determina a perda de quaisquer direitos,

sendo contabilizadas como prestação efetiva as ausências ao trabalho delas resultantes.

“A manutenção da retribuição não tem de impender sobre o empregador (até para não criar

um encargo que poderia constituir argumento contrário contra o emprego de mulheres), mas

sim sobre o sistema de segurança social”124

.

123

Neste sentido, PARECER N.º8/CITE/96, em que se determinou que a entidade patronal em causa

deveria pagar às trabalhadoras em gozo de licença de amamentação “(…) as horas que lhes descontou

por amamentarem os seus filhos, bem como aquelas que futuramente venham a usufruir para o mesmo

efeito”, CITE Edição Comemorativa dos 20 anos da CITE, ob. cit.. 124

GOMES CANOTILHO, J.J. e MOREIRA, Vital, ob. cit., p. 866.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

67

CAPÍTULO VI

UM CONTRIBUTO EM DEFESA DAS AUSÊNCIAS AO TRABALHO PARA AMAMENTAR:

“REGIME DE AMAMENTAÇÃO DECRESCENTE OU TRIPARTIDO”

Para obviar a situações de conflito é imprescindível repensar os moldes em que o CT atual

prevê o regime de dispensa para amamentação de forma a conciliar ambos os interesses em

presença – por um lado evitar a utilização abusiva do direito à dispensa para amamentar e, por

outro, permitir que as trabalhadoras não sejam, sob qualquer forma mais ou menos direta,

impedidas de gozar este direito em pleno, isto é, que o direito legalmente previsto se traduza

numa real hipótese de amamentar de acordo com as recomendações da OMS.

O regime que, a seguir se apresenta, pretende ensaiar possíveis soluções para os problemas

atrás identificados: a inexistência de um limite máximo para a duração da dispensa; a

impossibilidade de amamentar em exclusivo até aos 6 meses de vida do bebé, dadas as

dificuldades de conciliação com o regresso ao trabalho, e, paralelamente, cumprir o objetivo

de evitar que se cometam abusos no exercício deste importante direito.

A ideia que presidiu à definição deste regime é inspirada na variação das necessidades

nutricionais do bebé ao longo dos primeiros meses de vida. Consiste na delimitação de três

importantes e distintos momentos aos quais correspondem necessidades de amamentação

quantitativamente diversas, que justificam a atribuição de distintos direitos de ausência ao

trabalho para amamentar, em moldes proporcionais a essas mesmas necessidades, no sentido

decrescente: o direito de ausência ao trabalho decresce à medida que as necessidades de

amamentação diminuem.

Esta delimitação tem, sobretudo, em conta as recomendações da OMS, que não parecem ter

orientado as decisões do legislador aquando da redação dos arts. 47.º e 48.º do CT.

Relembramos, conforme se expôs acima, que a OMS recomenda o aleitamento materno em

exclusivo do bebé, sem lhe oferecer mais nenhum alimento ou bebida, durante os primeiros 6

meses de idade e a sua manutenção a partir dessa idade, como complemento de uma

alimentação diversificada, até pelo menos aos dois anos de idade.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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1. Estádio 1: os primeiros seis meses de vida – a amamentação em exclusivo e em

regime livre

Na primeira fase, até aos primeiros 6 meses de vida, espera-se que o bebé seja alimentado em

exclusivo de leite materno e em regime livre. A amamentação nestes termos significa que o

bebé mama quando quer e o tempo que quiser, circunstância que deixa evidente a

dependência do bebé em relação à mãe durante este período.

Por este motivo, entendemos que seria adequado prever-se que o regresso ao trabalho a tempo

parcial. No termo da licença parental inicial, a mãe trabalhadora beneficiaria do acréscimo de

30 dias ou 60 dias, consoante a duração de 120 ou 150 dias daquela licença, respetivamente,

período em que prestaria a sua atividade laboral a tempo parcial.

Este acréscimo tornaria viável a possibilidade de amamentar o bebé em exclusivo até aos 6

meses e atenuaria o choque de afastamento entre mãe e filho depois de terem passado os

últimos meses em perfeita simbiose. Além de ser uma excelente forma de proporcionar uma

adaptação progressiva às rotinas profissionais num momento que se caracteriza por ser tão

delicado.

Em alternativa, outra opção, que nos parece de aplaudir, é o alargamento da licença de

maternidade até aos 6 meses de vida do bebé. Mas às vezes, o mais conveniente é reduzir o

tempo de trabalho em vez protelar a interrupção da atividade profissional. O desenvolvimento

do trabalho a tempo parcial é uma forma de fomentar a compatibilidade entre as atenções aos

filhos e a integração no mundo de trabalho125

.

Ambas as opções concedem um período adequado para ajudar as trabalhadoras a recuperar do

parto, fomentar o vínculo mãe-filho e a encorajar o aleitamento materno nos primeiros meses

de vida, cujos benefícios para a saúde da criança e da mulher são atualmente uma evidência.

Aliás, aproveito para mencionar que, no atual contexto demográfico, caracterizado por baixas

taxas de natalidade e uma proporção crescente de idosos, o prolongamento da licença de

maternidade, a par de outras medidas que favoreçam a conciliação da vida profissional e

familiar, deveria ser valorizado como um incentivo à natalidade.

125

Vd. neste sentido FRANCISCO CARVALHO, ob. cit., p. 16.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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1.1 Argumentos em defesa desta tese

1.1.1 Os exemplos vindos do exterior

Neste ponto reunimos os exemplos de países em que a licença de maternidade permite à mãe

amamentar em exclusivo até aos 6 meses.

Na Irlanda126

, a licença tem a duração de 26 semanas pagas (através do maternity benefit –

pagamento realizado pelo departamento de proteção social, o que não invalida que o contrato

preveja a atribuição de outros direitos de pagamento adicionais durante o período da licença.

Pode prever, por exemplo, que a trabalhadora receba a sua remuneração total, descontado o

montante respeitante ao subsídio de maternidade que irá receber). Além disso, está legalmente

prevista a atribuição de mais 16 semanas adicionais, não remuneradas (este período adicional

já não é coberto pelo subsídio de maternidade. O empregador também não é obrigado a

realizar qualquer pagamento durante este período, salvo acordo em contrário, a começar

imediatamente após o final da licença de maternidade. Obrigatoriamente, pelo menos, 2

semanas têm de ser gozadas antes da semana prevista para o nascimento do bebé e, pelo

menos, 4 semanas após o nascimento.

Na Noruega127

, é possível optar por uma licença de 49 semanas ou 59 semanas pagas. O

subsídio parental atribuído durante a licença tem diferentes graus de cobertura, será pago a

100% ou 80% consoante a licença seja gozada no período mais longo ou mais curto. Do

período total da licença 9 semanas estão exclusivamente reservadas à mãe (3 semanas antes

do nascimento e as restantes 6 após o nascimento) e 10 semanas reservadas ao pai. O restante

tempo de licença pode ser dividido entre o pai e a mãe, de acordo com as preferências do

casal.

No Reino Unido128

, a licença de maternidade, designada por “Statutory Maternity Leave”,

compreende 52 semanas divididas em dois grupos: Ordinary Maternity Leave (primeiras 26

semanas) e Additional Maternity Leave (últimas 26 semanas). A trabalhadora não tem de

gozar as 52 semanas completas mas deve gozar, pelo menos, duas semanas após o nascimento

do bebé (ou 4 semanas se o trabalho for realizado numa fábrica).

126

Citizens Information, Public Service Information – http://www.citizensinformation.ie/en/

consultado em 18 de Maio de 2015. 127

http://www.regjeringen.no/ e http://www.nav.no/en/ consultado em 09 de Junho de 2015. 128

Government Services and Information – https://www.gov.uk/ consultado em 18 de Maio de 2015.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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Normalmente, a licença pode ter início, (i) no máximo, 11 semanas antes da semana prevista

para o nascimento do bebé; (ii) no dia seguinte após o nascimento se for o caso de bebé

prematuro ou (iii) no caso de a mãe estar ausente do trabalho por motivo relacionado com a

gravidez a licença inicia-se nas 4 semanas anteriores à data prevista para o nascimento do

bebé.

A licença de maternidade é paga durante 39 semanas. Começa com o pagamento de 90% do

salário semanal médio (antes de impostos) nas primeiras 6 semanas e £139.58 ou 90% do

salário semanal médio (o valor que for menor) nas restantes 33 semanas. A Statutory

Maternity Pay é paga com a mesma periodicidade que o salário, mensalmente ou

semanalmente.

Na Suécia129

existe uma licença de parentalidade longa e paga. Os pais têm direito a 480 dias

pagos de licença parental por ocasião do nascimento de um filho. Este número é bastante

elevado quando comparado com os padrões internacionais.

Durante 390 dias a licença é paga no valor correspondente a cerca de 80% do salário normal,

havendo a fixação de um limite máximo mensal de SEK 37,083 (aproximadamente

4000€/mês), a partir do qual a licença deixa de ser progressiva. Os restantes 90 dias são pagas

a uma taxa fixa.

A licença parental pode ser usufruída até a criança ter 8 anos e aplica-se por cada criança

(exceto em caso de nascimentos múltiplos), pelo que os pais podem acumular a licença de

vários filhos. Depois dos 480 dias e até aos 8 anos de idade do filho, os pais podem ainda

reduzir até 25% as horas de trabalho, sendo que só são pagas as horas de trabalho efetivo.

Portanto, tanto o pai como a mãe têm direito a 240 dias de licença (num total de 480 dias) e

juntos podem usufruir de 16 meses pagos (dos quais 13 meses a 80%).

A Suécia e a Noruega têm as maiores licenças de maternidade do Mundo (mais de um ano

pago).

1.1.2 Os benefícios da amamentação

Outro argumento que merece ser destacado e ponderado quando se trata de “salvar” a

dispensa para amamentação da sua inoperância atual prende-se com o profundo impacto

129

10 Things that make Sweden Family Friendly – https://sweden.se/society/10-things-that-make-

sweden-family-friendly/ consultado em 18 de Maio de 2015.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

71

positivo que a amamentação representa na saúde atual e futura do bebé e da mãe, aspeto que

deve ser valorizado quando se trata de garantir o exercício pleno deste direito.

Muitas empresas supõem que os leites artificiais são verdadeiros substitutos do leite materno

e por essa razão consideram as ausências ao trabalho para amamentar injustificadas. A

verdade é que, apesar dos grandes avanções científicos na sua produção, o leite artificial

continua a ser insubstituível do ponto de vista da sua composição ao leite humano130

. Nenhum

leite de substituição consegue reproduzir as propriedades únicas do leite materno,

independentemente da quantidade de vitaminas, minerais e suplementos que se adicionem ao

que é, no fundo, uma formulação química.

O leite materno é uma substância de grande complexidade biológica que a tecnologia

moderna não foi capaz de “copiar”. É um alimento vivo, completo e natural. As suas

vantagens – quer a curto quer a longo prazo – são indiscutíveis e estão bem documentadas

pela investigação científica, existindo um consenso mundial de que a prática exclusiva da

amamentação é a melhor maneira de alimentar as crianças até aos 6 meses de vida. Em Março

de 2004, a UNICEF131

divulgou uma folha informativa sobre os benefícios do aleitamento

materno, apresentando dados em como tem sido produzida evidência significativa e fiável no

que respeita às vantagens da amamentação, quer para o lactente, quer para a mãe, mesmo nos

países industrializados.

Por questões de saúde é necessário proporcionar as estruturas adequadas a nível de tempo de

trabalho que viabilizem a amamentação durante um período de tempo significativo132

.

O leite produzido pelo organismo da mãe corresponde exatamente às características e

necessidades nutricionais do bebé e adapta-se ao seu desenvolvimento, modificando

fisiologicamente a sua composição e quantidade de forma gradual. Daí se dizer que é “feito à

medida”. Contém tudo o que o bebé necessita: proteínas, lípidos, lactose, vitaminas, ferro,

minerais, água e enzimas nas quantidades exatas para o crescimento e desenvolvimento

considerados ideais. A prova é que mulheres que têm bebés prematuros produzem leite mais

rico em ácidos gordos essenciais de forma a satisfazer as necessidades específicas de

maturação cerebral do bebé prematuro.

130

Cfr. HÉLDER AGUIAR et al., ob. cit., p. 3. 131

UNICEF – Health benefits of breastfeeding. UNICEF UK Baby Friendly Initiative, 2004.

Disponível em http://www.babyfriendly.org.uk/health.asp., consultado em 23 de Junho de 2015. 132

Cfr. OCDE, ob. cit., p. 185.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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Entre as várias vantagens para a saúde humana associadas ao consumo de leite materno,

destaca-se, a curto prazo, o fortalecimento do sistema imunitário do bebé, ainda muito

imaturo – os bebés amamentados têm menor suscetibilidade a infeções bacterianas do que os

bebés alimentados com leite de vaca.

Além do menor risco infecioso, o consumo de leite materno protege o desenvolvimento de

outro tipo de patologias como as doenças alérgicas e asma, doenças neoplásicas,

cardiovasculares e reduz o risco de síndrome de morte súbita.

Há ainda cada vez mais a evidência de que o consumo de leite materno apresenta benefícios a

longo prazo. Estudos reportam a proteção no desenvolvimento de doenças crónicas ao longo

da vida, designadamente a diminuição do risco de obesidade, alterações na pressão arterial e

nos níveis de colesterol em idade adulta.

Assim, a nutrição do bebé durante a fase fetal (período da gravidez) e pós-natal tem um papel

determinante na saúde a curto e a longo prazo. É um fato que os bebés amamentados são mais

saudáveis, o que reduz, a longo prazo, o absentismo das mães no local de trabalho.

Para além dos efeitos benéficos ao nível da saúde do bebé, existe evidência sólida de que o

aleitamento materno confere proteção também à mãe contra diversos tipos de cancro, tais

como os cancros da mama, ovário e útero, reduz as hemorragias pós-parto e o risco de

anemia. Quanto mais prolongada for a amamentação maior será também o sucesso do

aleitamento materno.

Mas amamentar é mais do que alimentar. Além de conter o balanço ideal de nutrientes

adequados a cada fase do crescimento a amamentação promove o vínculo afetivo entre mãe e

filho.

Amamentar é um ato de cumplicidade e amor durante o qual se estabelecem laços fortes entre

mãe e filho que ajudam no equilíbrio emocional e psicológico do bebé. Este momento de

grande intimidade física reconforta o bebé e oferece-lhe uma sensação de segurança, ajudando

a acalmar e a relaxar.

““É uma ligação ao bebé completamente diferente, é um momento de intimidade. Primeiro,

temos muito leite e dores enquanto não nos adaptamos às necessidades do bebé, depois é

muito gratificante, muito bom”” (Testemunho Susana Morgado, Anexo C).

A evidência dos benefícios do aleitamento materno ao nível da saúde parece-nos demasiado

convincente para ser ignorada. Evitar o abandono precoce do aleitamento materno, depende,

entre outras motivações, da previsão de condições, ao nível da legislação laboral, que

possibilitem, de fato, a amamentação.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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Infelizmente contra todas as evidências e argumentos científicos, a taxa de amamentação bem

como a sua duração ficam aquém do que seria desejável.

2. Estádio 2: entre os 6 meses e os 12 meses de vida – o período de adaptação

A partir dos 6 meses de vida do bebé, a trabalhadora passaria a beneficiar da redução de

horário para amamentar, em moldes idênticos à dispensa atualmente prevista.

No primeiro semestre de vida o leite materno é suficiente para suprir integralmente

necessidades nutricionais e alimentares assegurando um crescimento e desenvolvimento de

acordo com o desejável.

Após os 6 meses, não é esperado que o bebé se alimente exclusivamente a leite materno.

Cerca desta idade, o bebé começa a diversificar a alimentação através da ingestão de outro

tipo de alimentos, para além do leite materno, até se integrar, por volta de um ano de idade, no

regime alimentar da família. O processo de introdução de alimentos sólidos é gradual pelo

que o leite materno, apesar de se diminuir a frequência com que é oferecido, continua a ser

um importante alimento durante os meses seguintes. Ou seja, o leite materno deixa de ser a

única fonte de sustento do bebé e passa a funcionar apenas como complemento de outro tipo

de alimentação.

À medida que se introduzem esses novos alimentos, a necessidade de amamentar o bebé

diminui, circunstância que justifica, só por si, que a atribuição de tempo disponível para a mãe

satisfazer esta necessidade varie, aumente ou diminua, à medida que os hábitos alimentares do

bebé se aproximam do regime alimentar familiar.

Em conformidade, a dispensa que prevê a ausência ao trabalho a gozar em dois períodos

distintos com a duração de uma hora cada deveria ser alargada para uma hora e meia cada

período, devendo a prova a produzir para comprovar o período de amamentação, além da

apresentação de atestado médico, ser legalmente determinada e suficiente para que se afigure

desnecessário ao empregador optar por outros métodos, nos termos já expostos a propósito da

definição dos métodos de prova admissíveis.

Poucas são as mães trabalhadoras que resistem às dificuldades de compatibilizar o regresso ao

trabalho e a amamentação, sendo frequente que, por volta dos 6 meses, a amamentação seja

abandonada.

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3. Estádio 3: entre os 12 meses e os 24 meses, a necessidade de fixação de um limite

máximo?

Com um ano de idade, o bebé deve estar enquadrado no regime alimentar familiar e

alimentar-se exatamente da mesma forma que os pais ou pessoas com que viva. O leite

materno não é já suficiente para satisfazer todas as necessidades, apesar de se continuarem a

verificar benefícios na amamentação nesta idade, desde que combinada com as refeições ditas

normais. Aliás, amamentar uma criança com um ano ou mais, que já anda, é normal, saudável

e absolutamente comum em várias partes do mundo e perante certas culturas.

Nesse caso, o leite materno é oferecido em períodos do dia muito específicos, não se

destinando já a fazer parte das refeições principais, normalmente oferecido ao pequeno-

almoço e ao deitar.

Para satisfazer estas necessidades pontuais, que não reclamam por um dispêndio de tempo

significativo da trabalhadora, seria adequado prever legalmente que a dispensa para

amamentação, anteriormente prevista com a duração máxima de uma hora e meia, fosse

reduzida, apenas, a meia hora. Previa-se, assim, um género de “tolerância” para amamentar.

Atingindo os dois anos de idade cremos que a dispensa para amamentar além deste período

não fará sentido. Na maioria das situações é pouco provável que a amamentação se prolongue

até aos dois anos de vida do bebé ou que vá além deste limite mas ainda que isso suceda o

aleitamento sempre será parcial e terá uma expressão bastante reduzida. Não existe data certa

para parar a amamentação, a interrupção deve ser um processo natural e menos arbitrário. É

uma decisão que deve ser tomada pela trabalhadora e não de qualquer forma imposta por

entidades laborais ou limitada pela lei.

O estabelecimento de um limite máximo por volta dos dois anos de idade, à semelhança do

que se encontra previsto para a dispensa para aleitação, não significa que se pretendam impor

datas para as trabalhadoras deixarem de amamentar os seus filhos, pois como se referiu já a

decisão que põe termo à amamentação não deve ser por qualquer meio imposta.

Antes se pretende por um lado, ao concretizar os limites para o exercício deste direito, que o

mesmo não se revele demasiado penoso para os empregadores, os quais se têm confrontado

com a obrigatoriedade de aceitar falsas dispensas, e, por outro lado, para as trabalhadoras,

assegurar na letra da lei o período exato dentro do qual o gozo das ausências deve ser

admitido e aceite, sem margem para outras imposições limitativas. A maior adequação da lei

às reais necessidades para amamentar ao privilegiar os empregadores por balizar a hipótese de

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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abusos, tem, por outro lado, a vantagem de, uma vez atribuído este direito quando realmente é

necessário, não se conceder margem para olhar estes mecanismos de proteção com a

desconfiança e a conotação negativa com que têm vindo a ser marginalizados.

Segundo dados da OIT133

, em 92 países do Mundo as legislações nacionais concedem às mães

interrupções nas suas jornadas laborais para amamentar até uma hora diária, que poderá ser

dividida em duas pausas de meia hora cada. Outros países, nomeadamente a Suíça ou a

Indonésia, não dão orientações legais quanto ao número de períodos durante o dia e duração

dos mesmos, sendo determinado apenas que será concedido o tempo necessário.

Nem uma, nem outra solução nos parece de aplaudir – a primeira por excessivamente

limitativa da hipótese de alimentar o bebé a leite materno, seja em exclusivo seja como

complemento; a segunda por, ao atribuir o tempo necessário, pecar por poder ser

contraproducente, pois sendo permissiva tanto quanto desejado poder despoletar com maior

facilidade abusos por parte de trabalhadoras e sugerir um controlo mais apertado por parte de

entidades empregadoras, o que, no limite, redunda em sérios conflitos.

133

Cfr. OIT, ob. cit., p. 4.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

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CONCLUSÃO

A realização deste trabalho permite-nos concluir pela incompletude de regulamentação do

regime jurídico de tutela da maternidade previsto no direito laboral português, quer na fase de

acesso ao emprego, quer na fase de regresso ao trabalho.

Neste trabalho foram relatados casos concretos e atuais que espelham as arbitrariedades que,

frequentemente, têm sido praticadas pelas entidades empregadoras e que têm dificultado a

concretização de objetivos profissionais e, simultaneamente, a realização pessoal e familiar.

Apesar da regulação a nível internacional deste tema remontar ao ano de 1919, data em que

foi criada a Convenção da OIT n.º3, de 28 de Novembro de 1919, são evidentes as

dificuldades de implementação do regime da dispensa para amamentação devido, em parte, à

indeterminação que a legislação laboral nacional em certas questões evidencia. Por outro lado,

não se compreende a enunciação de fórmulas e conceitos indeterminados nos preceitos

analisados quando se está diante de temas de extrema sensibilidade.

Conforme demonstram os testemunhos relatados, a verdade é que o gozo de direitos de

ausência ao trabalho, previstos no regime da parentalidade, é, normalmente, fonte de conflitos

devido à oposição de interesses que se verifica. Se por um lado, ao empregador interessa que

a trabalhadora tenha a máxima disponibilidade de tempo para se dedicar à prestação do seu

trabalho; por outro, à trabalhadora que acaba de ser mãe interessa especialmente ter tempo

para se dedicar à responsabilidade que o nascimento de um filho representa.

Neste contexto, a indefinição legal do regime em nada contribui para atenuar a oposição de

interesses. Aliás, a prática tem revelado que o vago e impreciso enquadramento legal da

matéria, muitas vezes através do recurso a princípios gerais, é uma porta aberta para abusos,

quer da trabalhadora, que vai pretender estender o período de ausência ao limite, quer do

empregador, que vai adotar a posição exatamente contrária, numa tentativa de limitar o

exercício desse direito.

A notória falta de tempo disponível para acudir às responsabilidades familiares, tem resultado

no aproveitamento indevido do direito à dispensa para amamentação. Em consequência, esta

utilização abusiva muito tem contribuído para encorajar a defesa de uma visão pejorativa da

mulher no mercado de trabalho.

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Incidências Jus-Laborais da Maternidade

77

São as fraudes e conflitos entre empregadores e trabalhadoras, em torno do gozo,

nomeadamente, deste direito, que têm contribuído para erguer barreiras à entrada da mulher

no mercado de trabalho.

E por isso, a intenção de constituir família ou a própria gravidez, são questões que estão

presentes na generalidade das entrevistas e que não caiem fora do âmbito de temas a abordar.

Com isto, esperam os recrutadores eliminar da corrida ao lugar que se procura preencher, as

candidatas que, no futuro breve, estejam enquadradas no referido regime da parentalidade e

que, porventura, possam representar problemas acrescidos.

A opção pela não contratação de mulheres e a realização de inquéritos sem limites a propósito

da gravidez, na fase de formação do contrato de trabalho, têm, na origem, o objetivo de evitar

o gozo de direitos atribuídos por ocasião da maternidade.

Atentos os valores em causa, seria de esperar que o deficiente gozo do direito à dispensa para

amamentação e as, consequentes, situações de violação da reserva da intimidade da vida

privada das candidatas, em sede de entrevistas a emprego, fossem alvo de um controlado

apertado e sancionadas em conformidade.

Mas a verdade é que, além das menores condições em termos profissionais para engravidar,

não se dá estabilidade e ainda se colocam entraves ao pleno gozo de direitos atribuídos pelo

regime da parentalidade.

Embora a gravidez seja, em princípio, sinónimo de alguma limitação em termos de

disponibilidade de tempo para a prestação de trabalho, que no limite é suscetível de causar

prejuízo à organização empresarial, deve-se lembrar a importância que assume o fenómeno da

reprodução para a sociedade. A mulher é um ser com características biológicas únicas e

essenciais à vida humana pois são os únicos seres com capacidade para reproduzir e os

amamentar nos primeiros tempos de vida.

Se, tradicionalmente, a mulher se dedicava, em exclusivo, às tarefas do lar, ela assume, nos

dias de hoje, muitas outras responsabilidades que fazem com que a sua presença no mercado

de trabalho mereça um enquadramento legal especial. Nesse contexto, os instrumentos legais

de tutela da maternidade constituem mecanismos de proteção essenciais para a

compatibilização dos tempos de família e trabalho. O problema é que a sua efetividade tem

sido impedida por determinadas entidades empregadoras que não vislumbram na utilização

desses instrumentos legais qualquer vantagem.

Revela-se, aos nossos olhos, imperativa e urgente a necessidade de inverter a tendência de

olhar a maternidade como algo de prejudicial, proteger a condição biológica única da mulher

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e conciliar ambos os interesses, por um lado, o menor prejuízo possível ao empregador,

protegendo-o de eventuais abusos, sem descurar o direito a constituir família e ao trabalho.

A par de uma mudança de mentalidades, essa sim imprescindível, as disposições legislativas

nacionais do trabalho devem auxiliar esse processo no sentido da atualização das soluções

legais previstas, proporcionando um maior equilíbrio da balança: menor risco para as

empresas e maior segurança para as trabalhadoras.

Ao nível da mudança de mentalidades muitas são as medidas de sensibilização que se podem

adotar no contexto empresarial, designadamente, através da sensibilização dos sindicatos e

organizações de empregadores para os direitos e disposições pertinentes nesta matéria.

Em última instância, cremos que tudo dependerá da cultura do local de trabalho, da medida

em que a empresa tenha sido afetada pela gravidez de outras mulheres e da sua relação com os

seus superiores.

Para os mais sensíveis ao tema como eu, a maternidade é, sem dúvida, uma fase graciosa da

mulher que deve ser respeitada e gozada em paz.

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ANEXOS

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ANEXO A

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ANEXO B

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ANEXO C

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ANEXO D

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ANEXO E

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