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Escola de Ciências Sociais e Humanas
Departamento de Economia Política
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
Margarida Sequeira Santos
Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito das
Empresas
Orientadora:
Professora Doutora Maria Luísa Teixeira Alves,
Professora Auxiliar Convidada ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa
Setembro, 2015
ii
A todas as mulheres mães que se debatem na árdua tarefa de
conjugar o sonho de ser Mãe e alcançar a sua realização
profissional.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
iii
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer a Deus pela luz que me iluminou neste caminho e que me fez nunca desistir
de chegar ao fim.
Aos meus pais, por caminharem sempre ao meu lado, pela força e garra que inspiram em mim
e pelas palavras de coragem com que me determinam, diariamente, a alcançar os meus
objetivos.
Ao meu tio, pelo entusiasmo com que acompanhou este trabalho, pelo apoio incansável,
amizade e carinho.
À minha irmã, que me deu a felicidade de com ela partilhar o espírito da maternidade, pelas
palavras de incentivo e por estar sempre ao meu lado.
Ao meu sobrinho Francisco, que é a minha fonte de inspiração e me mostra todos os dias a
alegria que é receber esta dádiva na família.
Ao meu cunhado, pela partilha de sugestões, pelas análises críticas e pelo exemplo de rigor.
Sinto-me abençoada por esta família e todos os agradecimentos só poderiam ser para eles,
sem vocês nada disto teria sido possível!
Dirijo também um especial agradecimento à Professora Doutora Maria Luísa Teixeira Alves,
pela disponibilidade em me orientar neste trabalho e pelas sábias sugestões que muito
contribuíram para o seu enriquecimento.
A todos, o meu mais sincero obrigada.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
iv
RESUMO
Esta dissertação analisa o tema da proteção da maternidade na legislação laboral portuguesa.
No Título I, dedicado à fase de acesso ao emprego e formação do contrato de trabalho, é
estudado o regime legal de proteção da intimidade da vida privada da trabalhadora grávida,
colocando em foco o reflexo que as ausências ao trabalho, por ocasião da maternidade, têm no
plano da contratação de mulheres. Visa-se, por um lado, clarificar a definição dos limites ao
poder de investigação do empregador em entrevistas de emprego em temas relacionados com
a gravidez e as perspetivas futuras de constituir família e, por outro lado, refletir sobre a
eventual existência de um dever de informação espontânea a cargo da candidata a emprego,
um direito ao silêncio ou a, inclusivamente, mentir sobre esses assuntos.
No Título II, em sede de execução do contrato de trabalho, abordamos o exercício do direito à
dispensa para amamentação no contexto das dificuldades de conciliação entre a vida
profissional e familiar. Procurámos fazer uma análise crítica ao atual quadro normativo e uma
reflexão exaustiva sobre as condições práticas para o exercício pleno e efetivo deste direito,
com especial enfâse na problemática dos meios de prova associados ao exercício deste direito
e na definição clara e objetiva dos seus pressupostos, limites temporais e finalidade última de
proteção da maternidade.
Palavras-chave: Proteção da maternidade; Conciliação entre a vida profissional e familiar;
Direito à dispensa para amamentação; Direito à reserva da intimidade da vida privada;
Informação sobre o estado de gravidez.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
v
ABSTRACT
The present essay analyses the maternity protection in the context of the Portuguese labour
legislation.
In Title I, regarding the access to employment and the formation of the labour contract, it was
analysed the legal framework concerning the right to privacy of the pregnant woman,
focusing, in particular, on the consequences of the maternity leave and related absences from
work in the context of hiring women. The essay, on the one hand, aims to clarify the
definition of the boundaries and limits on the research and inquiry powers of the employers
during the recruitment interviews, with regard to topics related with pregnancy or the
prospective to raise a family and, on the other hand, to reflect about the spontaneous duty to
disclose personal information, the right to silence or, even, the right to lie on pregnancy issues
of woman seeking work.
The Title II of this essay, regarding the period of execution of a labor contract, focus the topic
of exercising the right to breastfeeding breaks, concerning the difficulties in reconciling work
and family life. We aimed to do a critical analysis on the current legal framework and a
rigorous reflection about the practical conditions to exercise effectively this right, focusing,
particularly, on the topics regarding the forms of evidence when exercising the right to
breastfeeding breaks and examining the objective and clear definitions of the assumptions,
time limits and ultimate purpose of this special right regarding maternity protection.
Keywords: Maternity Protection; Reconciliation between professional and family life; Right
to exemption for breastfeeding; Right to privacy of private life; Pregnancy status information.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
vi
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ---------------------------------------------------------------------------------------------- 1
TÍTULO I
A proteção legal da maternidade no acesso ao emprego:
A esfera da intimidade da vida privada da candidata a emprego ------------------------------------ 3
CAPÍTULO I
Enquadramento do tema --------------------------------------------------------------------------------- 4
1. Identificação das questões ---------------------------------------------------------------------- 4
2. A debilidade do candidato a emprego frente à (des) necessidade do empregador
recolher informações sobre a sua vida privada ----------------------------------------------- 4
CAPÍTULO II
Proteção na perspetiva do empregador: a definição de limites ao poder de investigação -------- 7
1. A recolha de informações sobre o estado de gravidez -------------------------------------- 7
1.1 A regra da ilegitimidade das indagações ------------------------------------------------- 7
1.2 Concretização da exceção “as particulares exigências inerentes à natureza da
atividade profissional” ---------------------------------------------------------------------- 9
1.2.1 Primeiro grupo de situações: impossibilidade de prestar ---------------------- 10
1.2.2 Segundo grupo de situações: fins de proteção da saúde e segurança da
trabalhadora e do nascituro ------------------------------------------------------- 11
1.2.3 O perigo da excessiva indeterminação na definição legal da exceção ------- 12
2. Mecanismos de recurso e consequências em caso de violação da proibição do art. 17.º
do CT --------------------------------------------------------------------------------------------- 15
3. A recolha de informações sobre a intenção de engravidar no futuro breve---------------- 16
3.1 Enunciado do problema -------------------------------------------------------------------- 16
3.2 Enquadramento legal ----------------------------------------------------------------------- 19
CAPÍTULO III
Proteção na perspetiva da candidata a emprego ------------------------------------------------------ 24
1. Dever de informação pré-contratual sobre o estado de gravidez --------------------------- 24
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
vii
2. Dever de responder, direito ao silêncio ou um direito a responder com recurso à
mentira? ------------------------------------------------------------------------------------------ 28
TÍTULO II
A proteção legal da maternidade no regresso ao trabalho -------------------------------------------- 33
CAPÍTULO IV
Contextualização ----------------------------------------------------------------------------------------- 34
1. A difícil harmonização da vida profissional e familiar -------------------------------------- 34
2. A visão negativa vs. vantagens dos direitos de ausência ao trabalho ---------------------- 37
CAPÍTULO V
O direito à dispensa para amamentação --------------------------------------------------------------- 42
1. A proteção a nível internacional e comunitário ---------------------------------------------- 42
2. Antecedentes históricos na regulação normativa nacional ---------------------------------- 44
3. A (des) proteção da legislação laboral portuguesa vigente --------------------------------- 45
Uma abordagem na perspetiva de um caso real -------------------------------------------------- 45
4. O limite temporal máximo para exercício do direito à dispensa --------------------------- 47
5. O pano de fundo das fraudes ------------------------------------------------------------------- 48
5.1. A dispensa que, afinal, não serve para amamentar ------------------------------------- 48
5.1.1. A dispensa em caso de nascimentos múltiplos ---------------------------------- 52
5.1.2. A utilização da bomba extratora de leite no local de trabalho ---------------- 53
5.2. O aproveitamento indevido da dispensa para fins diversos da amamentação ------- 55
6. A definição dos métodos de prova admissíveis ---------------------------------------------- 60
7. Competência para determinação dos momentos em que deve ser gozada a dispensa --- 63
CAPÍTULO VI
Um contributo em defesa das ausências ao trabalho para amamentar:
“Regime de amamentação decrescente ou tripartido” ------------------------------------------------ 67
1. Estádio 1: os primeiros seis meses de vida – a amamentação em exclusivo e em regime
livre ----------------------------------------------------------------------------------------------- 68
1.1 Argumentos em defesa desta tese -------------------------------------------------------- 69
1.1.1. Os exemplos vindos do exterior --------------------------------------------------- 69
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
viii
1.1.2. Os benefícios da amamentação --------------------------------------------------- 70
2. Estádio 2: entre os 6 meses e os 12 meses de vida – o período de adaptação ------------ 73
3. Estádio 3: entre os 12 meses e os 24 meses, a necessidade de fixação de um limite
máximo? ------------------------------------------------------------------------------------------ 74
CONCLUSÃO ---------------------------------------------------------------------------------------------- 76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ----------------------------------------------------------------------- 79
ANEXOS
ANEXO A – Notícia Jornal Público ““E bebés?” Questão suscita cada vez mais queixas de
candidatas a emprego”, 20 de Novembro de 2014;
ANEXO B – Notícia Jornal Público “As mulheres portuguesas são parvas”, 2 de Março de
2005;
ANEXO C – Notícia Jornal Diário de Notícias “As dificuldades de amamentar depois da
licença de parto”, 3 de Maio de 2015;
ANEXO D – Notícia Jornal Público “Mulheres forçadas a espremer mamas para provar que
amamentam”, 19 de Abril de 2015;
ANEXO E – Notícia Jornal Expresso “Empresas devem dar duas horas por dia a mães com
filhos até três anos”, 4 de Julho de 2015;
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
ix
GLOSSÁRIO DE SIGLAS E ABREVIATURAS
Ac. Acórdão
Al. Alínea
Art. Artigo
Arts. Artigos
BFDUC Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
CC Código Civil
CDFUE Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
Cfr. Confrontar
CITE Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego
CNPD Comissão Nacional de Proteção de Dados
CRP Constituição da República Portuguesa
CT Código do Trabalho
CV Curriculum Vitae
DG Decreto do Governo
DL Decreto-Lei
DUDH Declaração Universal dos Direitos do Homem
DGAEP Direcção-Geral de Administração e do Emprego Público
Et al. E outros
Ob. cit. Obra citada
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
OIT Organização Internacional do Trabalho
OMS Organização Mundial de Saúde
P. Página
Pp. Páginas
PNT Período normal de trabalho
Ss. Seguintes
TC Tribunal Constitucional
UE União Europeia
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
Vd. Vide, veja
V.g. Por exemplo
1
INTRODUÇÃO
Com a elaboração desta dissertação de Mestrado pretendo refletir sobre as fragilidades da
legislação laboral portuguesa em matéria de proteção da maternidade com o objetivo de
concluir pela adequação ou não do regime atualmente previsto e, sempre que se justifique,
contribuir com soluções capazes de contornar as falhas detetadas.
No âmbito do regime de proteção da maternidade previsto no CT são múltiplas as questões
que se podem colocar pelo que, com consciência de que a temática selecionada é de uma
vastidão excessiva e na impossibilidade de abarcar exaustivamente o tema de proteção da
maternidade em sentido amplo, optamos por centrar o objeto em duas importantes e
polémicas questões relacionadas com o exercício do direito à dispensa para amamentação e as
repercussões que o gozo deste tipo de ausências ao trabalho tem gerado na fase de formação e
acesso ao trabalho, mais precisamente, ao nível da violação do direito à reserva da intimidade
da vida sobre aspetos relacionados com a gravidez. Para evitar os prejuízos provocados pelo
gozo de direitos de ausência ao trabalho as entidades empregadoras optam por evitar a
contratação de mulheres, antecipando riscos e prevenindo encargos acrescidos. Por isso, é
comum nas entrevistas de emprego os recrutadores cercarem as trabalhadoras de questões
intrusivas da intimidade da vida privada, questionando se estão ou não grávidas e se
pretendem ou não constituir família.
Posteriormente, na fase de regresso ao trabalho, após o parto, serão apreciadas em concreto
alguns problemas que o exercício do direito à dispensa para amamentação tem evidenciado e
que se prendem, em suma, com as dificuldades de implementação do regime em questão, a
que se tem chegado por via da indefinição legal e pelas barreiras erguidas pelos
empregadores.
As questões que se colocam a propósito do gozo do direito à dispensa para amamentação
assim como a fuga à contratação de mulheres grávidas ou que pretendam constituir família
que em consequência se verifica, são temas atuais e controvertidos entre nós e que têm
colocado, na prática, constantes e infindáveis problemas.
É nosso objetivo, em cada um destes momentos, analisar os mecanismos legais de proteção da
trabalhadora, a fim de assinalar os aspetos positivos dessa regulamentação, bem como os
vícios e incompletudes de que eventualmente padeça, bem como, salientar sempre que
justifique a necessidade de conciliação desta proteção com os interesses dos empregadores.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
2
Tentaremos, sempre que possível, encontrar o caminho a adotar para uma maior adequação da
regulamentação laboral nesta matéria às necessidades de conciliação do trabalho com a vida
familiar e à compatibilização destas com o mundo do trabalho e os interesses do empregador.
O tema será analisado, sobretudo, tomando como ponto de partida as revoltas e receios de
muitas trabalhadoras que se defrontam com a dura e complicada realidade de conciliar o
tempo disponível para se dedicar à família e, simultaneamente, à vida profissional, tarefas que
se revelam, muitas das vezes, inconciliáveis.
As questões em foco serão abordadas tendo como ponta de partida casos reais expressos em
publicações de jornais oficiais atuais com o intuito de avaliar à luz da legislação laboral os
problemas que a prática evidenciado e que denunciam a insuficiente proteção do CT nesta
matéria.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
3
TÍTULO I
A PROTEÇÃO DA MATERNIDADE NO ACESSO AO EMPREGO:
A ESFERA DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA DA CANDIDATA A EMPREGO
“As mulheres precisam de sentir que a maternidade não é um peso de chumbo”
José Manuel Silva, Bastonário da Ordem dos Médicos
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
4
CAPÍTULO I
ENQUADRAMENTO DO TEMA
1. Identificação das questões
No contexto da apreciação dos mecanismos específicos de tutela da maternidade iremos
analisar a proteção legal conferida pelo CT aplicável à fase pré contratual.
Os entraves colocados ao gozo das ausências ao trabalho previstas no regime da parentalidade
por parte das entidades empregadoras têm se refletido na dificuldade de acesso ao emprego.
Com frequência, na fase de recrutamento e seleção as trabalhadoras são auscultadas quanto às
suas intenções em constituir família, circunstância que choca diretamente com o direito à
reserva da intimidade da vida privada.
Os capítulos que se seguem serão dedicados à análise da projeção do princípio da irrelevância
de aspetos relativos à vida privada da candidata a emprego (especificamente no que diz
respeito ao seu estado de gravidez e à sua intenção de engravidar no futuro próximo) na fase
de formação do contrato de trabalho. Veremos de que forma o direito à reserva da intimidade
da vida privada está protegido pela nossa legislação laboral, em concreto pelo CT.
O tema será apreciado, por um lado, na perspetiva do empregador – o empregador pode
indagar a candidata a emprego relativamente ao seu estado de gravidez ou sobre a sua
intenção de no futuro breve engravidar? Ou deverá ficar circunscrito à averiguação da aptidão
profissional da candidata a emprego para o posto de trabalho que procura preencher?
Na perspetiva da candidata a emprego, existe algum dever de informar, espontaneamente, o
empregador sobre o fato de estar grávida, inclusive expondo circunstâncias que a possam vir a
prejudicar (como seja, designadamente, a intenção de no futuro breve engravidar)?
E se não estiver obrigada a, espontaneamente, prestar informações sobre o seu estado de
gravidez ao empregador, se questionada, terá o direito de não responder à questão ou,
inclusivamente, mentir?
2. A debilidade do candidato a emprego frente à (des) necessidade do empregador
recolher informações sobre a sua vida privada
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
5
O empregador, que procura preencher um posto de trabalho, pretende, ao longo do processo
de recrutamento e seleção tendente à celebração de um contrato de trabalho, ganhar a certeza
máxima de que as características psíquicas e físicas, aptidões técnicas e qualificações
profissionais do candidato a emprego se adequam ao perfil exigido.
Neste processo em que se prepara a escolha do candidato, para aferir dessa exata
correspondência, o empregador tem direito a tomar conhecimento de determinadas
informações pessoais do candidato a emprego, de modo a que seja possível avaliar da sua
aptidão para realizar a prestação de trabalho e averiguar se reúne as características pessoais
necessárias para integrar a sua organização.
Só através da recolha deste tipo de informação é possível o empregador encontrar, de entre os
disponíveis, o candidato que se apresente mais adequado à função a desempenhar.
Neste contexto de incessante busca de informação, a fronteira entre aquilo que pode ou não
ser questionado é bastante ténue.
Acresce que, o candidato a emprego se encontra numa posição de maior fragilidade, no
essencial, devido à sua debilidade económica e à escassa expetativa de emprego.
Para este o emprego “constitui, normalmente, uma necessidade vital, não apenas em termos
económicos, mas também sociais”. Já o empregador “em regra, poderá facilmente substituir
aquele candidato a emprego por outro, sobretudo num clima de desemprego generalizado
como o presente” 1.
Por isso, frequentemente, o empregador, pretendendo aceder a um maior número de
elementos suscetíveis de influenciarem o funcionamento da empresa, aproveita-se da
vulnerabilidade do candidato a emprego, correndo um sério risco de interferir com o seu
direito a não ver devassada a intimidade da sua vida privada.
Muitas vezes sob as vestes de aparentes indagações acerca da aptidão profissional o
empregador realiza verdadeiros inquéritos sobre a vida privada sendo demasiado frequentes
os arbítrios cometidos. Em consequência da sua necessidade de obter trabalho, os candidatos
a emprego são, normalmente, “convencidos” a aceder às interrogações do empregador.
Devido ao desequilíbrio contratual existente é necessário que haja maior vigilância e proteção
da lei em eventuais intromissões da intimidade da vida privada, nomeadamente, por via da
1 Cfr. JÚLIO VIEIRA GOMES, ob. cit., pp. 337-338. Segundo o autor é natural que na fase pré contratual
se manifeste com maior intensidade a disparidade de poder e a desigualdade social entre os sujeitos
contraentes.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
6
concretização objetiva de limites ao poder inquisitório do empregador, capaz de filtrar e
impedir certos abusos.
No que diz respeito à situação concreta da candidata a emprego grávida, ou que revele a
intenção de engravidar no futuro breve, embora o CT preveja um direito à reserva da
intimidade da vida privada, o quadro legal nesta matéria apresenta algumas fragilidades que
teremos oportunidade de demonstrar, as quais nos parecem suscetíveis de gerar, na prática, as
violações mais graves deste direito.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
7
CAPÍTULO II
PROTEÇÃO NA PERSPETIVA DO EMPREGADOR: DEFINIÇÃO DE LIMITES AO PODER DE
INVESTIGAÇÃO
Uma das primeiras fragilidades a apontar, é o fato de, no nosso ordenamento jurídico, não
existir qualquer previsão normativa a respeito dos métodos de indagação passiveis de serem
utilizados pelo empregador, no momento do recrutamento e seleção, com o objetivo de
averiguar se está ou não diante da pessoa mais indicada para ocupar determinada função.2
Na busca de informação sobre o futuro contraente, não existe nenhum padrão normativo ou
procedimental a seguir3 mas esta omissão não significa que o mesmo não deva observar certas
regras, elas existem – ainda que insuficientes – e devem ser devidamente cumpridas, sob pena
de se gerarem as mais graves violações do direito à reserva da intimidade da vida privada.
1. A recolha de informações sobre o estado de gravidez
1.1 A regra da ilegitimidade das indagações
No âmbito da proteção jus-laboral conferida pelo CT ao direito à reserva da intimidade da
vida privada da candidata a emprego, a dificuldade está em estabelecer a fronteira entre aquilo
que o empregador está autorizado a questionar e os temas relativamente aos quais se deve
abster de tentar conhecer. Quem define o que fica para cada um dos lados?
A doutrina tem defendido que apenas podem ser questionados aspetos conexos com a
capacidade profissional da candidata a emprego, ou seja, com a aptidão profissional para o
exercício de determinada atividade.
2 Cfr. SARA DA COSTA APOSTOLIDES, Do dever pré-contratual de informação e da sua aplicabilidade
na formação do contrato de trabalho, Coimbra: Almedina, 2008, p. 262. 3 Na verdade, a escolha do trabalhador a admitir pode até ser feita numa informal conversa de café sem
nenhuma especial complexidade procedimental.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
8
Nas palavras de TERESA MOREIRA4, “o empregador só pode obter informação e interrogar
sobre fatos que tenham relação direta com o emprego. Toda a procura de informação de outro
tipo pode ser considerada como invasão da esfera privada dos trabalhadores”.
Para a autora5, “os direitos fundamentais não podem ficar extra-muros, do lado de fora da
empresa”. Quer dizer que a proteção do direito à reserva da intimidade da esfera privada
existe independentemente de as candidatas integrarem, ou não, a organização do potencial
empregador e funciona como limite aos poderes inquisitórios do empregador na fase de
recrutamento e seleção. Devem, por isso, considerar-se vedadas quaisquer outras averiguações
sobre aspetos pessoais que não sejam relevantes para a constituição e desenvolvimento da
relação laboral.
Pode o estado de gravidez ser considerado um dado relevante a ser valorado na apreciação da
aptidão profissional?
Defendemos que, em princípio, as indagações realizadas pelo empregador para aferir do
estado de gravidez das candidatas a emprego devem ser proibidas já que na maioria das
situações o fato de a candidata se encontrar grávida não afeta a sua aptidão para o exercício da
prestação de trabalho. Contudo esta questão só poderá ser, efetivamente, respondida no caso
concreto pois existem profissões em que o conhecimento do estado de gravidez se revela
imprescindível.
Na fase de acesso ao emprego e formação do contrato de trabalho existe na legislação laboral
uma proibição expressa dirigida ao empregador que o inibe de efetuar indagações a respeito
do estado de gravidez da candidata a emprego. No âmbito da subsecção do CT dedicada à
tutela dos direitos de personalidade, o legislador reconheceu, expressamente, no art. 17.º n.º1
al. b) do CT6, o direito à reserva da intimidade da vida privada da candidata a emprego no que
se refere ao estado de gravidez. Nos termos daquele preceito o empregador não pode exigir à
candidata a emprego informações relativas ao seu estado de gravidez.
4 TERESA COELHO MOREIRA, Da esfera privada do trabalhador e o controlo do empregador,
Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 157. 5 TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., pp. 152-153.
6 Embora esteja sistematicamente colocado fora da Secção III que trata da formação do contrato de
trabalho não existem dúvidas sobre a sua aplicabilidade à fase de recrutamento e seleção.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
9
O art. referido7 prevê, relativamente à recolha de dados pessoais, um princípio de
autodeterminação8 informativa do titular dos dados pessoais ao estabelecer a regra de
inexigibilidade à candidata a emprego de informações relativas ao seu estado de gravidez.
Este é um preceito que visa proteger a esfera pessoal da candidata a emprego e que pretende
travar o ímpeto do empregador na procura de informação que, claro está, não pode decerto ser
toda e qualquer uma que lhe convém.
Diz a norma que “o empregador não pode exigir”, nada impedindo que formule perguntas. Tal
redação pode, erroneamente, conduzir o intérprete a confundir o objeto da proibição. O que a
lei proíbe é a exigência de informações a respeito da vida privada ou tão só a formulação de
indagações a esse respeito? Apenas estará aqui em causa a mera insistência na resposta?
Consideramos ser de admitir uma interpretação extensiva da norma de forma a proibir
inclusive as perguntas.
Neste mesmo sentido SARA APOSTOLIDES9, entende que, ao determinar que o empregador não
pode exigir informações sobre o estado de gravidez, o art. 17.º do CT está, igualmente, a
proibir a formulação de questões.
Apesar de resultar claramente da letra da lei que a gravidez é um dos temas excluídos a priori
da indagação por parte do empregador resta-nos averiguar a eficácia da proteção conferida
pela norma, procurando detetar as suas fragilidades e refletir sobre algumas questões.
1.2 Concretização da exceção “as particulares exigências inerentes à natureza da
atividade profissional”
Como vimos a alínea b) do n.º1 do art. 17.º do CT afirma como princípio geral o de que o
empregador não pode exigir à candidata a emprego que preste informações relativas ao seu
estado de gravidez. Contudo, este princípio não é absoluto, no sentido em que admite ser
limitado.
7 O art. 17.º do CT sob a epígrafe “proteção de dados pessoais” regula duas questões distintas mas
conexas entre si: dedica, por um lado, os n.º1, 2 e 3 à recolha de dados pessoais e, por outro lado, o
n.º4 e 5 ao tratamento desses dados pessoais. 8 Cfr. DAVID OLIVEIRA FESTAS, "O direito à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador no
Código de Trabalho", Revista da Ordem dos Advogados, Ano 64, Vol. I / II, Novembro 2004.
Disponível em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=45841&ida=47185,
consultado em 12 de Setembro de 2015. 9 SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 233.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
10
Com efeito para que se admita a inquirição da candidata a emprego quanto ao seu estado de
gravidez, a lei exige o preenchimento cumulativo de três requisitos de natureza substantiva,
formal e procedimental. Em sede de fundamentação, exige-se que tais questões sejam
justificadas por “particulares exigências inerentes à atividade profissional”.
1.2.1 Primeiro grupo de situações: impossibilidade de prestar
Na concretização deste conceito indeterminado, a doutrina tem admitido que as informações
sobre o estado de gravidez possam ser exigidas pelo empregador quando, atendendo à
natureza da atividade, essa circunstância (a gravidez) possa vir a determinar a impossibilidade
de prestar10
.
Segundo a interpretação de DAVID FESTAS11
, a expressão legal em causa “traduz a exigência
de uma especial conexão entre as informações exigidas e as características objetivas da
atividade, em termos tais que a necessidade de saber as informações seja justificada pelas
características objetivas da função”.
Tendo em conta que existem certas atividades profissionais que não podem ser executadas por
mulheres grávidas a admissibilidade e licitude das questões a este respeito devem ser aferidas
à luz das características da atividade. Assim o empregador ao averiguar da capacidade que a
pessoa inquirida tem para executar atividade laboral com determinadas características pode,
em certos casos, ter de conhecer o eventual estado de gravidez da candidata.
ROMANO MARTINEZ12
defende a licitude das perguntas que se refiram ao estado de gravidez
se este aspeto estiver, direta ou indiretamente, implicado com a relação laboral; não colidir
com a tutela da personalidade do trabalhador e sejam justificadas com base na natureza da
atividade.
O empregador só se deve considerar autorizado a investigar sobre este aspeto se concluir pela
existência de uma ligação direta e necessária com a aferição da capacidade para a execução da
prestação laboral. Só assim, apenas em casos muito excecionais, relacionados com o tipo de
atividade, se aceita que possam ser exigidas à candidata a emprego informações desta
natureza.
10
Nesse sentido SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 239. 11
DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit.. 12
PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 6ª Edição, Coimbra: Almedina, 2015, p. 429.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
11
Estariam nessa situação, por exemplo, o caso de uma trabalhadora grávida que se candidata
para o lugar de instrutora de aeróbica13
. Neste caso, as caraterísticas objetivas da atividade
profissional justificam o pedido de informações sobre o estado de gravidez porque essa
circunstância impossibilita a prestação de trabalho14
.
Fora das situações em que seja possível concluir pela existência de uma conexão entre a
natureza da atividade a prestar e a necessidade de conhecer informações relativas ao estado de
gravidez, deve-se concluir pela ilegitimidade do empregador para perguntar, ou informar-se
por via de outros métodos, sobre o estado de gravidez.
Segundo um exemplo de DAVID FESTAS15
, “a informação relativa ao estado de gravidez é
“necessária e relevante” para avaliar a aptidão de uma candidata a secretária de uma grande
empresa, na medida em que, estando grávida, não poderá encontrar-se sujeita às mesmas
situações de tensão, nem deslocar-se com a mesma rapidez e facilidade. Contudo, não há uma
particular relação entre as “exigências inerentes à atividade profissional” de secretária e o fato
de se estar grávida. Por isso, não se encontram, em princípio, “particulares exigências
inerentes à natureza da actividade profissional” de secretária que justifiquem a prestação de
informações relativas ao estado de gravidez. Na verdade, nada impede que uma mulher
grávida preste o seu trabalho como secretária, mesmo que se admita que a sua gravidez pode
condicionar de algum modo a sua aptidão”.
Este exemplo permite estabelecer uma clara distinção entre as situações em que a prestação de
informações sobre o estado de gravidez é indispensável para aferir da capacidade para
executar a prestação de trabalho e aquelas em que a gravidez é, meramente, um dado que
respeita à curiosidade do empregador e à sua irremediável ânsia de controlar/assegurar o
futuro das suas relações laborais.
1.2.2 Segundo grupo de situações: fins de proteção da saúde e segurança da
trabalhadora e do nascituro
13
Cfr. HEINRICH HÖRSTER, A parte geral, 2003, p. 573 (nota 72) citado por SARA DA COSTA
APOSTOLIDES, ob. cit., p. 239 (nota 625). O autor aponta como exemplos de profissões as de bailarina,
modelo ou hospedeira, concluindo que nestes casos o exercício da atividade é objetivamente
impossível no estado de gravidez pelo que, caso celebre o contrato sem conhecer tal estado, o
empregador pode anular o contrato por erro. 14
Cfr. DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit.. 15
DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit..
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
12
No conceito de “particulares exigências inerentes à natureza da atividade profissional”, além
das referidas situações de possibilidade ou impossibilidade de prestar a atividade laboral,
existe um outro grupo de situações que pode legitimar a colocação de perguntas sobre o
estado de gravidez.
Nos casos em que a natureza da atividade implica a existência de um risco para a saúde e
segurança da candidata a emprego e do bebé, o empregador deve-se considerar autorizado,
por via da exceção, a formular questões sobre o estado de gravidez16
.
É o caso17
, designadamente, de uma mulher grávida que se candidate ao emprego de judoca
profissional ou que se candidate a um arriscado cargo de investigadora nuclear e radiológica.
Em qualquer dos exemplos referidos, as características da atividade profissional justificam o
pedido de informações: no primeiro caso, porque a gravidez impossibilita a prestação de
trabalho (a prática de judo) e põe em causa a saúde do bebé; no segundo caso, porque a
atividade de investigadora nuclear e radiológica (e os riscos inerentes) poderá também pôr em
causa a saúde do bebé, não havendo, neste último exemplo, impossibilidade de prestar.
Assim, as situações que se reconduzem à impossibilidade de prestar ou aos fins de proteção
da saúde e segurança da trabalhadora e do bebé, ainda que possam ter âmbitos de aplicação
parcialmente coincidentes, não se afiguram equivalentes18
.
1.2.3 O perigo da excessiva indeterminação na definição legal da exceção
Apesar de a doutrina se revelar unânime na concretização do significado ínsito na expressão
“particulares exigências inerentes à natureza da atividade profissional”, não podemos deixar
de manifestar o nosso profundo desagrado pela opção do legislador do trabalho em utilizar
este tipo de conceitos indeterminados, excessivamente amplos e vagos. Esta é uma
formulação demasiado genérica da exceção à proibição do empregador exigir da candidata
informações sobre o seu estado de gravidez 19
.
A indeterminação da fórmula legal tem criado margem para algum arbítrio e resultado na
violação do direito à reserva da vida privada no seio das organizações empresariais. A
excepção revela pela sua amplitude e imprecisão o risco sério de se esvaziar por completo a 16
Cfr. SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 241. 17
O exemplo é de DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit.. 18
Cfr. DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit.. 19
Neste sentido JOÃO JOSÉ ABRANTES, Direitos Fundamentais da Pessoa Humana no Trabalho – em
especial, a reserva da intimidade da vida privada (algumas questões), Coimbra: Almedina, 2014, p. 30.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
13
aplicação da proibição expressa na lei dirigida ao empregador de indagar a candidata acerca
do seu estado de gravidez e por esse motivo não cremos que a norma seja suficientemente
protetora.
Na opinião de MARIA REDINHA20
, afigura-se “excessivo o recurso a tantos conceitos
indeterminados, principalmente no âmbito das ressalvas ou excepções às proibições expressas
no articulado. Corre-se o risco de as paralisar através de interpretações pouco rigorosas e de
introduzir numa zona sensível um fator de incerteza jurídica através do inevitável
subjetivismo no preenchimento de conceitos como “a natureza da actividade profissional””.
Também PAULA QUINTAS21
se pronuncia a este propósito afirmando que “o juízo de
adequação concedido ao empregador é excessivo”.
Na verdade, a impossibilidade de prestar a atividade e a proteção da segurança e saúde da
trabalhadora e do bebé, podem enquadrar-se na fórmula “particulares exigências inerente à
natureza da atividade profissional” contudo não são as únicas.
Nesse sentido, DAVID FESTAS22
afirma que as particulares exigências inerentes à atividade
profissional podem justificar pedidos de informações que nada têm que ver com a proteção da
segurança ou saúde mas apenas com a aptidão ou melhor aptidão para a realização da
prestação.
Foi também este o entendimento seguido no TC no Ac. n.º 306/03, no qual se prevê que
podem existir outras exigências relacionadas com especificidades da atividade (as
“particulares exigências”) que justifiquem os pedidos de informação sobre o estado de
gravidez (como a determinação da aptidão – ou da melhor aptidão).
Concordamos com este entendimento pois muito embora possam divergir as interpretações
acerca do significado da fórmula legal em causa, deve-se reconhecer a possibilidade de nela
enquadrar situações que se reconduzem à aptidão para a realização da prestação e concluir
pela insuficiência da densificação dos critérios nos casos em que existe verdadeiramente um
direito do empregador a exigir informações de cariz profundamente íntimo.
20
MARIA REGINA REDINHA, “Os direitos de personalidade no Código de Trabalho: Actualidade e
Oportunidade da sua Inclusão”, A Reforma do Código de Trabalho, Coimbra, 2004, p. 11. Disponível
em www.cije.up.pt/download-file/218, consultado em 17 de Março de 2015. 21
PAULA DO COUTO QUINTAS, Os direitos de Personalidade Consagrados no Código de Trabalho na
Perspectiva Exclusiva do Trabalhador Subordinado – Direitos (Des) figurados, Coimbra: Almedina,
2013, p. 284. 22
DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit..
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
14
O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar encontra-se constitucionalmente
consagrado no art. 26.º n.º1 da CRP como direito fundamental, enquadrando-se no âmbito dos
direitos, liberdades e garantias. A qualificação do direito à reserva da intimidade da vida
privada como direito fundamental implica que as limitações a ele previstas respeitem os
princípios do art. 18.º da CRP.
Assim, como refere JOÃO ABRANTES,23
“quando a lei fundamental imporia que o legislador se
preocupasse, sobretudo, com a definição dos limites às restrições sofridas pelos direitos nela
consagrados, sucede, ao invés, que o enunciado destes é por vezes acompanhado de exceções
que, nalguns casos, se traduzem por contornos vagos e imprecisos (v.g., “particulares
exigências inerentes à natureza da atividade profissional”), comprometendo-se desse modo –
com eventual violação dos princípios consignados nos arts. 18.º e 26.º da CRP – a
possibilidade de observância rigorosa da ideia segundo a qual as restrições à reserva da
intimidade deverão “limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos””.
Numa matéria que é de extrema sensibilidade, a utilização de conceitos indeterminados sugere
uma abertura, a nosso ver, demasiado ampla e suscetível de despoletar as maiores
discricionariedades por parte do empregador, que pode, com alguma facilidade, a favor dos
seus interesses de gestão da empresa, manobrar o preceito de forma a incluir nesta expressão
o que melhor lhe convier.
Apesar das críticas que o preceito merece, SARA APOSTOLIDES24
entende, em sentido
contrário, que “esta formulação legal não deixa qualquer espaço a valorações subjetivas do
empregador”. Em defesa desta tese, com a qual não podemos concordar, para a autora parece
evidente que “o que está em causa neste preceito são as situações de capacidade, no sentido de
determinar se a prestação é ou não possível”. E conclui que a recolha de informações sobre a
gravidez só pode ter como finalidade, e justificação, verificar se o candidato pode ou não
executar a atividade.
De acordo com MARIA DO ROSÁRIO RAMALHO25
, para situações de dúvida, sobre a
exigibilidade da informação atinente a aspetos da vida privada do trabalhador, que subsistam,
após a aplicação dos critérios dispostos pelos arts. 16.º e 17.º do CT, deve ser resolvida 23
JOÃO JOSÉ ABRANTES, “O novo Código do Trabalho e os direitos de personalidade do trabalhador”,
Estudos sobre o Código de Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 164. 24
SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., pp. 238 e ss.. 25
MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito de Trabalho – Parte II – Situações
Laborais Individuais, 4ª Edição, Coimbra: Almedina, 2012, p. 145.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
15
através da prevalência daquele direito e a dúvida sobre a extensão da informação a prestar
deve ser resolvida no sentido da restrição ao conteúdo mínimo, correspondente à necessidade
objetiva de inquirição.
Idealmente o que se procura atingir é um equilíbrio entre os direitos conflituantes – o direito
da entidade empregadora a escolher a candidata mais apta para ser contratada, por outro lado,
o direito desta a que não lhe seja aniquilado, ou limitado de forma injustificada, o direito à
reserva da intimidade da sua vida privada.
2. Mecanismos de recurso e consequências em caso de violação da proibição do art.
17.º do CT
No caso de o empregador violar a proibição constante do art. 17.º do CT a candidata a
emprego pode recusar-se, legitimamente, a revelar informações quanto ao seu estado de
gravidez, tratando-se de uma hipótese típica de desobediência lícita, subsumível na parte final
da alínea e) do n.º1 do art. 128.º do CT26
.
Além da hipótese de desobediência ilícita, na perspetiva protetiva conferida pela ordem
jurídica portuguesa a este tipo de situações, que meios estão ao dispor da candidata a emprego
que lhe permitam reagir contra o empregador quando se sinta devassada na intimidade da sua
vida privada? A candidata a emprego pode apresentar queixa na CITE, a qual tem como
missão promover, entre outras finalidades, a proteção da parentalidade e a conciliação da
atividade profissional com a vida familiar e pessoal.
A discricionariedade, a que nos vimos referindo, é agravada porquanto não se indica qualquer
outro mecanismo de recurso face a uma certa excessividade na busca de informação27
.
Por outro lado, que consequências jurídicas decorrem para o empregador dessa violação?
Em traços gerais, a violação do direito à reserva da intimidade da vida privada configura uma
situação de justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, nos termos do
art. 340.º al. g) e art. 394.º do CT. Consequentemente, a resolução do contrato de trabalho
confere o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais
sofridos, conforme dispõe o art. 396.º do CT. Por último, o empregador incorre ainda em
26
Cfr. GUILHERME MACHADO DRAY, Direitos de Personalidade - Anotações ao Código Civil e ao
Código de Trabalho, Coimbra: Almedina, 2006, p. 78. 27
Cfr. PAULA DO COUTO QUINTAS, ob. cit., p. 284. Refere a autora que “desconhece-se, aliás,
qualquer ação judicial intentada por um trabalhador ou candidato que se tenha sentido devassado”.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
16
responsabilidade contraordenacional por violação de disposições relativas a direitos de
personalidade do trabalhador (art. 548.º do CT)28
.
Na fase de formação do contrato de trabalho apenas tem aplicação a responsabilidade
contraordenacional pelo que o empregador parece estar praticamente isento de consequências
no caso de proceder em desrespeito da lei.
Portanto, além da dificuldade em trazer estas situações ao conhecimento da entidade
competente (CITE) para posterior averiguação e aplicação de sanções, uma vez que são
muitos os casos de candidatas que se retraem em apresentar queixas por medo de sofrer
represálias ou por inexistência de provas, as sanções que possam advir como resultado dessas
queixas para o empregador afiguram-se pouco intimidatórias.
Em anotação ao n.º2 do art. 26.º da CRP, GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA29
salientam
que neste preceito a lei fundamental impõe ao legislador o estabelecimento de garantias –
designadamente sanções de carácter penal e sanções de carácter civil – contra a utilização
abusiva ou contrária à dignidade humana de informações relativas às pessoas e famílias.
3. A recolha de informações sobre a intenção de engravidar no futuro breve
3.1 Enunciado do problema
A CITE, no Parecer n.º 14/CITE/98, de 13 de Julho30
, analisou o caso de uma empresa
alimentar que no formulário a preencher pelos candidatos tinha uma questão exclusiva para o
sexo feminino e que colocava a seguinte pergunta: “Tem fundamento para pensar que nos
próximos 9 meses irá utilizar o direito à proteção à maternidade?”.
Mais recentemente, no Jornal Público (Anexo A) foi noticiado o testemunho de uma
candidata a emprego que relata à CITE o sucedido numa entrevista de emprego da qual conta
o seguinte: “É casada há quanto tempo? Há cerca de três meses. E bebés? Referi que de
momento não tencionava ter filhos. De seguida surge novamente uma observação: Já tem 34
anos, não pode atrasar muito mais! Referi novamente que não tencionava ter filhos, uma vez
28
Cfr. DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit.. 29
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª Edição,
Coimbra: Coimbra Editora, 2014, pp. 471-472. 30
CITE, Edição Comemorativa dos 20 anos da CITE – Pareceres da Comissão para a Igualdade no
Trabalho e no Emprego, DEPP, Centro de Informação e de Documentação Económica e Social,
Lisboa, 1999, pp. 457-478.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
17
que pretendia trabalhar por já estar desempregada há algum tempo. Fui novamente
confrontada com a seguinte observação: Sabe que a gravidez pode condicionar a vida
profissional”.
É um fato do conhecimento geral que é prática corrente perguntar às mulheres, nas entrevistas
de emprego, se pensam engravidar futuramente. E ainda que a pergunta não seja diretamente
apresentada exatamente nestes termos, existem outras formas mais indiretas ou “discretas” de
abordar este tema e chegar à resposta pretendida.
As preocupações das empresas não estão tão focadas em saber se no momento do
recrutamento e seleção as candidatas se encontram grávidas mas sim em saber se algures num
futuro próximo desejam ter filhos, ao contrário do que nos parece ter estado na mente do
legislador quando redigiu a norma do art. 17.º do CT.
Segundo dados avançados pela própria CITE, diariamente são apresentadas cerca de cinco
queixas informais que pretendem denunciar situações semelhantes a esta mas raramente as
candidatas decidem formalizar estas queixas, umas vezes pela dificuldade em fazer prova da
ocorrência (no momento em que as perguntas são colocadas estão sozinhas e não existe quem
possa testemunhar), outras devido ao fato de existir algum receio em sofrer represálias no
mercado de trabalho por revelar o nome da empresa em questão.
No caso do sector privado, a responsabilidade para aplicar penalizações nestes casos cabe à
Autoridade para as Condições do Trabalho, que pode aplicar coimas que variam de acordo
com o volume de negócios da empresa. No sector público, cabe às inspeções dos ministérios
agir, mas não está previsto nenhum sistema de contraordenações. No limite, pode haver
procedimento disciplinar. Mas nestes casos as consequências para a empresa são poucas ou
quase inexistentes.
Mais chocantes são os casos noticiados de candidatas a emprego coagidas, pela entidade
empregadora no processo de recrutamento, a assinar uma declaração comprometendo-se a não
engravidar nos anos seguintes.
O problema das violações do direito à reserva da intimidade vida privada em matéria de
gravidez não se reconduz, única e exclusivamente, à busca de informação pelo empregador
acerca do estado de gravidez das candidatas a emprego. Existem, na realidade, conforme
demonstrado, outro tipo de indagações suscetíveis de despoletar essas violações e que se
costumam traduzir em averiguações mais ou menos subtis acerca das perspetivas futuras em
constituir família.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
18
Observa-se que, em entrevistas, tais perguntas são formuladas e aceites como normais, não
obstante serem irrelevantes para averiguar da capacidade técnica da candidata ao desempenho
da profissão31
.
Na verdade, são uma forma de manifestar ab initio o receio do impacto que uma gravidez terá
na organização da empresa.
Se a candidata a emprego “confessar” que pretende engravidar ou que naquele momento está
grávida, o empregador fica desde logo alertado para a circunstância de aquela trabalhadora ter
direito ao gozo de uma série de direitos que implicam a sua ausência ao trabalho por certos
períodos.
E para evitar toda esta complicação, a de ter que aceitar alegremente estas ausências, mais
vale (pensam os empregadores) “cortar o mal pela raiz”. Para os empregadores mais radicais
afigura-se preferível não contratar mulheres que em entrevista relevem a sua vontade de num
futuro próximo engravidar.
A intenção das entidades empregadoras com as indagações a propósito de temas como a
gravidez (seja quanto ao estado atual ou intenção futura de engravidar) é acautelar eventuais
prejuízos futuros ocasionados por ausências ao trabalho que decorram do gozo de direitos
previstos no regime da parentalidade. Por isso, as empresas ponderam, numa perspetiva de
longo prazo, a contratação de uma trabalhadora a quem não lhes interessa tolerar ausências
para gozo de direitos legalmente conferidos por ocasião do nascimento de um filho.
Quanto à candidata a emprego resta-lhe uma de duas hipóteses de resposta, ou diz a verdade e
revela a sua intenção em ter filhos, e nesse caso, corre o risco de ser friamente eliminada do
processo de recrutamento e seleção, ou opta por mentir e, nesse caso, continua “em jogo”.
Isto revela uma desmedida e preocupante insensibilidade quanto ao tema da maternidade por
parte de quem recruta com sérias consequências a diversos níveis, visíveis, nomeadamente, na
baixa taxa de natalidade em Portugal.
Normalmente, os empregadores esforçam-se por nesta fase chegar ao conhecimento do
máximo de informações possíveis para delas extrair os elementos que lhe permitam avaliar se
a integração de determinada pessoa na sua organização é ou não vantajosa32
.
Apesar de a lei restringir o direito à informação aos aspetos relevantes para a prestação da
atividade laboral, na prática é preciso reconhecer que a escolha de um candidato vai muito
31
MARIA MARGARIDA GÓIS MOREIRA, “O princípio da conciliação da vida profissional com a vida
familiar: algumas considerações”, Questões Laborais, Ano 20, n.º41, Janeiro-Junho 2013, p. 151. 32
Cfr. SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., pp. 224-225.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
19
além da avaliação das competências técnicas e físicas necessárias ao desempenho dessa
atividade.
A generalidade das pessoas possuem, hoje em dia, níveis de formação profissional bastante
elevados e a opção por determinado candidato implica normalmente a apreciação de outro
tipo de critérios e valores, como características pessoais sociais, vivências e experiências,
estilos de vida, entre outras. Ao contrário da formação e da experiência profissional, que são
aspetos mais ou menos líquidos, no sentido em que ou se tem formação e experiência na área
pretendida ou não se tem, o que é fácil de percecionar pela simples observação do CV da
pessoa que se candidata, o conhecimento destes outros elementos resulta apenas do contato
direto e pessoal que é estabelecido durante as entrevistas.
Por isso, durante as entrevistas, é natural que o recrutador coloque questões não diretamente
relacionadas com a execução da atividade laboral e aproveite este contato para conhecer, em
pormenor, a pessoa que se “esconde” através do CV. A par das competências, da formação e
experiência profissional, os elementos que possam ser conhecidos neste momento permitem
distinguir os candidatos e são muitas vezes a chave para a decisão final.
A dificuldade está em chegar a este patamar de conhecimento sem ultrapassar a fronteira das
informações que estão protegidas (ou que devem estar…) pelo direito à reserva da intimidade
da vida privada. Pode acontecer que os aspetos questionados não se integrem no conceito de
relevância para a prestação da atividade pois, independentemente deles, a candidata sempre
conseguirá desempenhar a função, apesar de o empregador pessoalmente valorizar certo tipo
de informações.
Apesar da necessidade de se imporem certos limites ao poder de investigação do empregador
é preciso conhecer com algum pormenor as características pessoais da pessoa que se pretende
contratar, até mesmo por razões que se prendem com a boa convivência no seio da empresa33
.
3.2 Enquadramento legal
No contexto da proteção conferida pelo CT ao direito à intimidade da vida privada sobre o
estado de gravidez, onde enquadrar as situações acima descritas?
A resposta a esta questão remete-nos para a destrinça entre o âmbito de aplicação do art. 16.º
e 17.º do CT e entre a al. a) e b) do n.º1 do art. 17.º do CT.
33
MARIA MARGARIDA GÓIS MOREIRA, ob. cit., p. 151.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
20
O art. 16.º n.º1, 1ª parte, do CT estatui, genericamente, que tanto o empregador como o
trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte. Neste preceito
aparentemente o legislador apenas pretendeu consagrar uma tutela geral da personalidade ou
uma referência genérica às personalidades do empregador e do trabalhador34
.
O núcleo central de tutela do direito à reserva da vida privada encontra-se no art. 16.º n.º2 do
CT que estende a tutela às informações relativas à esfera íntima e pessoal das partes35
.
GUILHERME DRAY36
explica que “ao passo que o artigo anterior consagra a regra geral do
direito à reserva da intimidade da vida privada (…), o art. 17.º, disciplina, apenas, as situações
em que o empregador solicita ao trabalhador ou ao candidato a emprego informações relativas
à respetiva vida privada, regulando por outro lado o regime de proteção de dados pessoais que
hajam sido fornecidos ao empregador. O âmbito de aplicação pessoal é mais vasto do que o
artigo anterior: para além de abranger as partes do contrato de trabalho – trabalhador e
empregador – abrange também o candidato a emprego, ou seja, aquele que se relaciona com o
empregador nos preliminares da formação contratual, tendo em vista aceder ao emprego.”
O art. 17.º do CT é uma projeção do direito à reserva da intimidade da vida privada previsto
no art. 16.º do CT mas o legislador ao referir-se no art. 17.º do CT, em particular, às
indagações sobre o estado de gravidez, não parece ter pretendido abranger também os casos
em que o empregador questiona a candidata sobre a sua perspetiva futura de constituir família,
pois a letra da lei não o refere. Resta saber se o alcance desta norma é suficientemente vasto
de forma a abranger também essas situações.
Além da diferença que como vimos é possível estabelecer entre o art. 16.º e o art. 17.º ambos
do CT, existe ainda uma outra que se refere à diferença de regime entre a al. a) e a al. b) do
n.º1 do art. 17.º do CT. É que enquanto a primeira se reporta à esfera privada do trabalhador
ou candidato a emprego, a segunda diz respeito à esfera íntima.
A diferença de regime entre a al. a) e b) do n.º1 do art. 17.º do CT, de acordo com um setor da
doutrina portuguesa, entre os quais MENEZES LEITÃO37
, foi inspirada na habitualmente
34
Cfr. DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit.. 35
Cfr. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, ob. cit., p. 631. 36
GUILHERME MACHADO DRAY, ob. cit., p. 78 e PEDRO ROMANO MARTINEZ; LUÍS MIGUEL
MONTEIRO; JOANA VASCONCELOS; PEDRO MADEIRA DE BRITO; GUILHERME DRAY e LUÍS
GONÇALVES DA SILVA, Código de Trabalho Anotado, 9ª Edição, Coimbra: Almedina, 2013, p. 155. 37
LUÍS MENEZES LEITÃO, Código do Trabalho Anotado, 2ª Edição, Coimbra: Almedina, 2004, p. 38,
idem, “A proteção dos dados pessoais no Contrato de Trabalho”, BFDUC: Estudos em Homenagem ao
Prof. Doutor António Castanheira Neves, Vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, pp. 387-397.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
21
denominada teoria das três esferas38
, segundo a qual, em sede de direito à intimidade da vida
privada, importa distinguir: a esfera íntima ou secreta (corresponde ao núcleo duro do
direito), que compreende todos os fatos que devem, objetivamente, ser inacessíveis a terceiros
e absolutamente protegidos da curiosidade alheia, designadamente os que digam respeito a
aspetos da vida familiar, saúde, a comportamentos sexuais, a práticas e convicções políticas
ou religiosas; a esfera privada, que compreende todos os fatos cujo conhecimento o respetivo
titular tem, subjetivamente, o interesse em guardar para si, designadamente factos atinentes à
sua vida profissional, ao seu domicílio e hábitos de vida, cuja proteção é relativa, podendo ter
que ceder em caso de conflito com direitos ou interesses superiores; a esfera pública ou
social, que compreende todos os factos e situações do conhecimento público, que se verificam
e se desenvolvem perante toda a comunidade e que por esta podem ser genericamente
conhecidos e divulgados.
Portanto, a al. a) do preceito em questão compreende os aspetos atinentes à esfera privada do
trabalhador ou candidato a emprego, cuja proteção pode ceder caso tais elementos sejam
estritamente necessários e relevantes para avaliar da respetiva aptidão no que respeita à
execução do contrato de trabalho; a al. b) abrange as questões relativas à esfera íntima, as
quais pressupõem, consequentemente, uma tutela acrescida: “apenas se admitindo a não
proteção absoluta desta esfera, em situações excecionais – “quando particulares exigências
relativas à natureza da atividade profissional o justifiquem”39
.
Assim, a al. b) prevê um regime especial relativamente à al. a) do n.º1 do art. 17.º do CT. Em
ambos os casos está em causa a exigibilidade de informações relativas à vida privada, todavia,
as informações relativas à saúde e ao estado de gravidez inserem-se na esfera íntima de
proteção, devendo gozar de uma maior proteção do que outras informações relativas à esfera
privada.
Em sentido contrário DAVID FESTAS40
, entende que o art. 17.º n.º1 al. a) do CT estabelece a
regra geral aplicando-se aos aspetos da vida privada, independentemente de fazerem parte da
esfera privada ou íntima, sendo o art. 17.º n.º1 al. b) do CT uma regra especial reservada para
as informações sobre a saúde e gravidez. Segundo o autor, o art. 17.º n.º1 al. a) do CT aplica-
se, fundamentalmente, às informações habitualmente incluídas na esfera privada (como os
38
Esta teoria foi desenvolvida pela doutrina germânica. 39
LUÍS MENEZES LEITÃO, ob. cit., 2008, p. 392. 40
DAVID OLIVEIRA FESTAS, ob. cit..
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
22
hábitos de vida) e às informações relativas à esfera íntima que não digam respeito ao estado
de saúde ou gravidez (v.g. sentimentos, memórias pessoais, entre outros).
A questão de saber se as candidatas a emprego pretendem engravidar num futuro próximo
enquadra-se, de acordo com a referida teoria das esferas, na esfera íntima de proteção, a qual
compreende, designadamente, os factos que digam respeito a aspetos da vida familiar. A ser
assim, poderíamos ser levados a defender que esta questão integra a previsão do art. 17.º n.º1
al. b) do CT.
Além de esta opção estar de acordo com a teoria das esferas, respeita também a ideia segundo
a qual o art. 17.º do CT, enquanto projeção do direito à reserva da vida privada previsto no
art. 16.º do CT, se dedica, especificamente, à fase de recrutamento e seleção.
Mas apesar de âmbito o subjetivo de aplicação do art. 17.º do CT abranger os candidatos a
emprego esta norma parece pretender regular projeções do direito à reserva da vida privada
muito concretas, a saber: por um lado, as questões relacionadas com a vida privada em geral,
por outro lado, a saúde e o estado de gravidez.
A proteção da esfera íntima no art. 17.º do CT resume-se tão só à proteção, especificamente,
da saúde e do estado de gravidez. Pelo que, tal leva-nos a concluir que o legislador não
pretendeu, nesse artigo, tutelar também este tipo de ocorrências.
Atenta a delimitação que a doutrina faz quanto ao âmbito de aplicação das normas que
protegem o direito à reserva da intimidade da vida privada (os arts. 16.º e 17.º do CT) a
solução que se apresenta mais correta, em conformidade com o espírito do legislador, será a
aplicação da regra contida no art. 16.º n.º2 do CT atenta a sua formulação de carácter geral e
cujo objetivo é proteger áreas relativas ao direito à reserva da intimidade da vida privada não
previstas em disposições especiais.
Só assim não sucederá se optarmos por considerar, à semelhança da posição defendida por
MENEZES LEITÃO41
, que a enumeração constante do art. 17.º n.º1 al. b) do CT é meramente
exemplificativa, posição que não parece ser de acolher por DAVID FESTAS.
Com o devido respeito, não concordamos com o entendimento segundo o qual a enumeração
feita na al. b) do n.º1 do art. 17.º do CT é meramente exemplificativa. Desde logo não existe,
na letra do preceito, qualquer indicação que revele essa intenção do legislador, como
habitualmente sucede quando introduz as expressões “nomeadamente” ou “designadamente”.
Em conclusão, embora as duas questões em análise se prendam com a gravidez da candidata a
emprego – numa porque se pretende interrogar quanto a esse estado no momento em que é
41
LUÍS MENEZES LEITÃO, ob. cit., 2004, p. 38.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
23
entrevistada pelo empregador e na outra porque se questiona se a candidata a emprego pensa
vir a engravidar brevemente – parece-nos que a al. b) do n.º1 do art. 17.º do CT se apresenta
demasiado insuficiente para abranger também esta última situação.
Apesar de existir enquadramento legal que permita tutelar as situações em que a candidata é
interrogada quanto à sua intenção de constituir família, não podemos deixar de criticar esta
insipiente tutela.
Por fazer parte da esfera íntima, entendemos que a questão exige, à semelhança do que sucede
com as questões acerca do estado de gravidez, um regime especial e, consequentemente, uma
proteção maior, o que passaria desde logo por uma especificação da questão em termos
idênticos ao que sucede para a saúde e para o estado de gravidez.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
24
CAPÍTULO III
PROTEÇÃO NA PERSPETIVA DA CANDIDATA A EMPREGO
1. Dever de informação pré-contratual sobre o estado de gravidez
Impõe-se, agora, na perspetiva inversa, a necessidade de assegurar a compatibilidade do dever
de informação da candidata a emprego com a salvaguarda do direito à reserva da intimidade
da vida privada que lhe assiste perante o empregador na fase de formação do contrato.
Nesse sentido, questiona-se se sobre a candidata a emprego recai algum dever de informar,
espontaneamente, o empregador acerca do facto de estar grávida no momento do
recrutamento e seleção? Qual a fronteira a partir da qual a candidata a emprego não pode
silenciar este tipo de informações sob pena de o contrato ser declarado inválido (por erro) ou
de ser condenada a responder pelos danos causados?
Na fase das negociações tendentes à celebração do contrato de trabalho, os deveres das partes
são ainda muito elementares. Contudo, devem ser observadas certas regras impostas pelo
princípio da culpa in contrahendo. Segundo este princípio, “quem negoceia com outrem para
conclusão de um contrato deve, tantos nos preliminares, como na formação dele, proceder
segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à
outra parte”, arts. 227.º do CC e 102.º do CT.
Proceder de acordo com as regras da boa-fé, na fase que antecede a celebração do contrato de
trabalho implica, que as partes se informem, mutuamente, sobre todos os elementos relevantes
para a formação da vontade negocial de cada uma delas.
O CT estabelece, no art. 106.º n.º2, a regra geral sobre o dever de informação do trabalhador
na fase das negociações. Nos termos deste art. o trabalhador deve informar o empregador
sobre aspetos relevantes para a prestação da atividade laboral.
Da letra do art. 106.º do CT não se pode retirar qualquer dado sobre a questão de saber se a
informação é devida espontaneamente ou, apenas, no seguimento de indagações do
empregador42
, pelo que, iremos analisar o preceito partindo do princípio de que a norma se
refere às situações em que a candidata deve informar, de forma espontânea, o empregador de
que se encontra grávida.
42
Cfr. SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 212.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
25
O que está em causa são apenas os aspetos relevantes para a prestação da atividade laboral e
não todos os aspetos relevantes para a formação da vontade contratual do empregador43
.
É necessário diferenciar os aspetos que interferem, diretamente, com a execução da prestação
(impedindo-a) de outros que, não obstante permitirem ao empregador conhecer melhor a
candidata, não se reconduzem às condições mínimas exigidas para o desempenho de
determinada atividade.
Na interpretação da norma, em princípio, sobre a candidata a emprego não recai nenhum
dever de informar o empregador do seu estado de gravidez. É o empregador que deve, por
iniciativa própria, procurar obter a informação que considera relevante na formação da sua
vontade contratual44
.
Contudo, conforme salienta MENEZES LEITÃO45
, uma vez que a celebração do contrato deve
ser realizada pelas partes com plena consciência dos benefícios e riscos que desse contrato
possam advir, caso o trabalhador tenha conhecimento de circunstâncias que possam obstar ao
cumprimento do contrato de trabalho pela sua parte, tem o dever de as revelar ao empregador,
sem que isso impeça o empregador de tentar averiguar a sua existência por iniciativa própria.
Em geral, deve-se reconhecer a existência de determinadas circunstâncias impeditivas do
exercício da atividade relativamente às quais o empregador deve ser informado pelo candidato
a emprego ainda que, quanto a estas, não seja especificamente interrogado46
.
Na verdade a gravidez pode, em certas atividades, ser considerada uma circunstância
impeditiva do exercício da atividade laboral. Sempre que assim seja, independentemente, de o
empregador poder/dever procurar obter a informação que lhe pareça pertinente, exige-se da
candidata a emprego o cumprimento do dever de informar o empregador de que se encontra
grávida.
De acordo com o art. 106.º n.º2 do CT para aferir da relevância do estado de gravidez para o
desenvolvimento da relação laboral o critério deverá ser o da impossibilidade ou não de
prestar a atividade para a qual a mulher grávida se candidata.
43
Cfr. SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., pp. 224-225. 44
Ainda que se trate de aspetos que “embora dotados duma certa relevância contratual, poderiam ou
deveriam ter sido conhecidos pelo empregador se tivesse utilizado uma diligência comum” – Cfr.
TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., p. 155. Nesse mesmo sentido, vd. JEAN-CLAUDE JAVILLIER,
Droit du Travail, 7ª ed., Paris: LGDJ, 1999, p. 246 citado por SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit.,
p. 216 (nota 563) 45
LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito do Trabalho, 3ª Edição, Coimbra: Almedina, 2014, p. 240. 46
Cfr. SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., pp. 216-217.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
26
Quando em determinada atividade a gravidez obste à execução da prestação laboral por
impossibilidade objetiva de prestar a atividade nos termos acordados deve-se afirmar a
existência de um dever de informação espontânea da candidata a emprego perante o
empregador47
. Quer dizer que, se no caso concreto a prestação da atividade para a qual a
pessoa se candidata for incompatível com o estado de gravidez a candidata a emprego, que em
princípio não está vinculada a revelar que se encontra grávida, deverá fazê-lo.48
. Por
exemplo49
, à mulher que se candidata a um lugar de bailarina ou de modelo, impõe-se-lhe o
dever de informação quanto à sua gravidez.
Pelo contrário, uma candidata não tem de informar espontaneamente sobre o seu estado de
gravidez, se esse estado não implica uma impossibilidade objetiva de prestar a atividade50
.
A inexistência de um dever de informar o empregador acerca de um fato da vida privada,
mostra-se coerente com a proteção conferida no art. 36.º da CRP ao direito de constituir
família, bem como, com o art. 26.º da CRP, no qual se consagra o direito à reserva da
intimidade da vida privada e familiar, ressalvadas aquelas situações em que a situação de
gravidez constitui inevitavelmente uma informação relevante.
Assim, por ocasião da formação do contrato de trabalho, o direito à reserva da intimidade da
vida privada limita, negativamente, o dever de informação da candidata a emprego em relação
ao empregador.
Em última análise, quaisquer aspetos relacionados com a vida privada ou familiar podem
mostrar-se relevantes para a formação da vontade contratual do empregador. No limite, como
47
Do mesmo modo, GUILHERME MACHADO DRAY, O princípio da Igualdade, 1999, p. 207, admite
um dever de o trabalhador esclarecer o empregador quanto às situações anómalas que eventualmente o
impeçam de exercer a atividade para que se candidata, citado por SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob.
cit., p. 220 (nota 579). 48
Cfr. refere MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, ob. cit., pp. 142-143, v.g., se a trabalhadora se
candidata a um lugar como operadora de radiologia ou em que manuseia substâncias químicas
perigosas. Salienta a autora que tal não sucede no caso de a trabalhadora grávida se candidatar a outras
funções, apesar de poder vir a ter impedimentos mais ou menos prolongados para desempenho das
respetivas funções por ocasião do parto. Não estão em causa eventuais vicissitudes que a situação
clínica destes trabalhadores possa vir a produzir no contrato, mas acautela-se, tão somente, uma
incompatibilidade objetiva entre aquela situação clínica e a atividade profissional a desenvolver. 49
O exemplo é de PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob. cit., p. 429. 50
De forma menos exigente ZÖLLNER e LORITZ, Arbeitsrecht, 1998, p. 149, entendem que a gravidez
deve ser revelada quando seja provável que essas circunstâncias prejudiquem a prestação, citado por
SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 221 (nota 580).
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
27
vimos já, os empregadores podem pretender saber, por exemplo, se a candidata pensa vir a ter
encargos familiares já que tal pode fazer supor a ocorrência de faltas ao trabalho51
.
A relevância, a que apela a norma do art. 106.º n.º2 do CT, reporta-se à prestação da atividade
laboral e não à curiosidade do empregador – ou seja, a informação objeto das questões
formuladas pelo empregador deve ser relevante para o efeito de determinar se a pessoa
entrevistada reúne os requisitos necessários para desempenhar determinada atividade laboral.
Quando a gravidez não seja decisiva para o desenvolvimento da relação laboral não se impõe
qualquer dever de informar o empregador. Ainda que a circunstância de a mulher se encontrar
grávida acarretasse que o emprego não lhe fosse concedido, conforme salienta MENEZES
LEITÃO52
. Trata-se aqui daquelas situações em que não obstante a gravidez não impedir a
prestação da atividade laboral o empregador tem preferência por pessoa que não se encontre
grávida.
Segundo a doutrina53
, na concretização do conceito de relevância, exige-se que haja uma
conexão objetiva entre determinada circunstância e a prestação da atividade laboral a prestar.
Apesar desta concretização, estamos uma vez mais diante de conceitos indeterminados que
não garantem a segurança e certeza jurídica desejável nesta matéria.
Apesar das críticas, SARA APOSTOLIDES54
defende que “o recurso a conceitos indeterminados
dá espaço à construção de soluções jurídicas adequadas a cada caso concreto, sem que isso
signifique arbitrariedade”.
Para PAULA MEIRA LOURENÇO55
, as candidatas devem informar o empregador da sua
condição de grávidas, sob pena de não poderem no decurso da relação laboral gozar os
direitos que a lei confere, considerando a autora que caso assim não suceda tal situação
51
Esta questão foi incluída num boletim de candidatura a emprego no qual se inquiria, entre outras
coisas, sobre o número de filhos e idades. Este boletim de candidatura foi objeto da deliberação n.º
32/98 de 13 de Maio da CNPD. Disponível em www.cnpd.pt/bin/decisoes/1998/htm/del/del032-
98.htm, consultado em 13 de Fevereiro de 2015, e comentada em AMADEU GUERRA, A privacidade no
Local de Trabalho. As Novas Tecnologias e o Controlo dos Trabalhadores através de Sistemas
Automatizados. Uma abordagem ao Código de Trabalho, Coimbra: Almedina, 2004, p. 163. A CNPD
considerou ilícitas estas questões por não apresentarem qualquer relevância para a apreciação da
capacidade e aptidão para a atividade em questão. 52
LUÍS MENEZES LEITÃO, ob. cit., 2014, p. 241. 53
Vd. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, ob. cit., p. 141, SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit.,
pp. 221 e ss. e PAULA MEIRA LOURENÇO, Os Deveres de Informação no Contrato de Trabalho,
Relatório de Mestrado, Lisboa, 2000, pp. 33 e ss.. 54
SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 227 (nota 559). 55
PAULA MEIRA LOURENÇO, ob. cit., pp. 34-35.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
28
consubstancia um abuso de direito. Segundo entende SARA APOSTOLIDES56
, o que parece estar
em causa neste entendimento é a tutela de uma situação patrimonial desvantajosa para o
empregador, que este não previu.
Poderia supor-se, na linha do que escreve TERESA MOREIRA57
, que a candidata a emprego
poderia não informar o empregador acerca da circunstância de se encontrar grávida por
considerar essa informação irrelevante para o desenvolvimento da relação laboral, no caso de
não ter sido interrogada quanto a este aspeto. Mas mesmo que não tenha sido indagada a este
respeito, em certo tipo de atividades é razoável exigir da candidata que conheça o caráter
essencial do conhecimento da gravidez.
De notar que a nível europeu, esta proteção não existe na fase anterior à celebração do
contrato de trabalho, já que a Diretiva n.º 92/85/CEE apenas prevê essa proteção após a
contratação da trabalhadora. Nestes termos, os problemas que se coloquem na fase de acesso
ao trabalho ficam abrangidos apenas pelas Diretivas Comunitárias em matéria de igualdade de
tratamento. Embora a questão da preterição da candidata a emprego por motivos de gravidez
origine um problema de discriminação em função do sexo, de onde resulta uma violação do
art. 24.º do CT que consagra o princípio da igualdade no acesso ao emprego e no trabalho,
essa não é a perspetiva que aqui nos trás.
Em caso de violação do dever de informação por parte da candidata, nas situações em que
esteja adstrita a revelar o seu estado de gravidez, há lugar a responsabilidade pré-contratual,
devendo indemnizar o empregador nomeadamente dos eventuais custos que este tenha que
suportar para contratar um trabalhador substituto.
2. Dever de responder, direito ao silêncio ou um direito a responder com recurso à
mentira?
Quando questionada pelo empregador, terá o direito de não responder à questão e,
inclusivamente, o direito de, querendo, responder mentindo? Qual a atitude a adotar no caso
de o recrutador exceder os limites do necessário e invadir a esfera da sua vida privada?
No âmbito da contratação, a candidata a emprego deve adotar um certo comportamento ético,
optando sempre por responder de forma correta e completa às questões que lhe são colocadas
56
SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 230 (nota 606). 57
TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., p. 155.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
29
pelo empregador, desde que relacionadas com a sua aptidão e idoneidade para a execução de
eventual contrato a celebrar.
Além disso, a candidata encontra-se adstrita a um dever de verdade58
, o qual exige que as
informações prestadas correspondam à realidade, sob pena de responder pelos prejuízos que a
mentira possa causar. Além da correspondência com a realidade, os fatos devem ser
transmitidos com clareza para que o empregador possa construir uma representação correta da
realidade, devendo, em todo o caso, a candidata esclarecer o empregador sobre falsas
conceções e erros que possa formular a seu respeito59
.
Do lado do empregador, conforme já tivemos oportunidade de expor, exige-se,
correlativamente, que coloque apenas as questões essenciais para apurar as aptidões e
capacidades profissionais para o exercício da atividade.
Se a fronteira que limita o poder inquisitório do empregador for por este ultrapassada, em
violação dos deveres a que se encontra adstrito, a candidata poderá não só não responder,
como, em casos extremos, adulterar os dados sobre os quais é questionada.
Mas aqui há que distinguir a falsidade de informações que viola o princípio da boa-fé
contratual da falta de resposta a questões impertinentes, abusivamente colocadas pelo
empregador e relativamente às quais a candidata não tem qualquer dever de resposta.
Se o empregador inquirir a candidata a emprego sobre aspetos da vida privada, fora dos casos
ressalvados pelo art. 17.º n.º1 al. b) do CT, a sua atuação é considerada ilegítima.
Nesse caso, a doutrina tem entendido que a candidata a emprego não está vinculada a fornecer
esse tipo de dados e pode, legitimamente, recusar-se a prestar essa informação, não podendo
tal recusa dar lugar à aplicação de qualquer sanção disciplinar60
. Só há que responder de boa-
fé e com verdade a quem tem o direito de perguntar ou a quem pergunta de boa-fé61
.
58
O dever de verdade impõe-se, ainda, fora das situações em que existe dever de informar, quando o
trabalhador opta por espontaneamente fornecer informações ao empregador, cfr. WILHELM DUTZ,
Arbeitsrecht, 2004, p. 50 citado por SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 218 (nota 567). 59
Cfr. SARA DA COSTA APOSTOLIDES, ob. cit., p. 218 e TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., pp. 155-
157. 60
Vd. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, ob. cit., p. 145 e LUÍS MENEZES LEITÃO, ob. cit., 2008,
pp. 393-394. 61
Cfr. JÚLIO VIEIRA GOMES, ob. cit., p. 344.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
30
Segundo MENEZES LEITÃO62
, “efectivamente deve considerar-se que existe um direito ao
silêncio do candidato a emprego sobre aspetos da sua vida que não tenham relevância direta
para a aquisição do posto de trabalho”.
Portanto, a conclusão a que se chega é a de que, se em desrespeito da proibição de exigir da
candidata a emprego informações sobre o estado de gravidez, o empregador formular questões
dirigidas a esse propósito, tais questões devem ser consideras ilegítimas e, nesse caso, inexiste
qualquer dever de responder quanto a estas.
Contudo, sucede que a recusa em prestar essa informação determina, normalmente, a imediata
exclusão da candidata a emprego do processo de seleção. Para obviar a esta inevitável
consequência da opção pela “não resposta”, tem se, inclusivamente, admit ido a possibilidade,
como forma de autodefesa, prestar informações falsas sobre dados pessoais ao empregador.
Sempre que as indagações por parte do empregador incidam sobre aspetos não relacionados
com a avaliação das capacidades profissionais, admite-se que a candidata falseie as suas
respostas.
A admissão da mentira na resposta reside no fato de se considerar que foi o empregador quem
agiu ilicitamente ao extrapolar os limites de averiguação, não restando à candidata outra
opção se não recorrer à mentira como forma de assegurar que não é excluída do processo de
seleção.
Portanto, além da inexistência de um dever de resposta, há ainda quem defenda63
que o
trabalhador tem um direito a mentir quando interrogado sobre questões que afetem a sua
intimidade.
Para TERESA MOREIRA64
, é necessário que se reconheça um direito da mulher grávida a não
responder ou de ocultar o seu estado de gravidez através do recurso à mentira, sem que tal
resulte em incumprimento de um dever pré-contratual e, consequentemente, que haja culpa in
contrahendo. Embora seja de frisar que a mentira acerca do estado de gravidez é nestes casos
assumida como uma possibilidade que apenas deve ser aceite como ultima ratio65
, já que é
obrigação das partes atuarem de boa-fé.
62
LUÍS MENEZES LEITÃO, ob. cit., 2012, p. 241. 63
Neste sentido vd. TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., pp. 156-157, LUÍS MENEZES LEITÃO, ob. cit.,
2008, pp. 343-344, JÚLIO GOMES, ob. cit., p. 344 e MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, ob. cit.,
pp. 145-146. 64
TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., p. 176. 65
Quando tendo em conta o comportamento do empregador não exista outra forma de salvaguardar o
respeito pela esfera privada.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
31
Assim, segundo a autora, “salvo casos extremos onde a mentira seja a única forma de
preservar a esfera privada do trabalhador ou outro direito fundamental em perigo, a indução a
contratar recorrendo a falsidades ou ocultações constituirá um vício no consentimento
contratual”.
A informação falsa sobre o estado de gravidez, sendo irrelevante para o desenvolvimento da
relação laboral e não estando por esse motivo a candidata vinculada ao dever de resposta, não
pode ser considerada ilícita e não determina a invalidade do contrato de trabalho a ser
celebrado 66
.
A ocultação da gravidez é um meio de controlar as questões que o empregador decida colocar,
de forma arbitrária, no acesso ao emprego. A possibilidade de recurso à mentira não evita que
o empregador cometa atos ilícitos de ingerência na vida privada das candidatas, pois não está
ao alcance das candidatas controlar este tipo de ousadias, mas serve para proteger as
candidatas naqueles casos em que ânsia de vasculhar a sua esfera íntima não se contenha nos
limites legalmente estabelecidos.
Se o empregador questionar a candidata sobre o estado de gravidez, não sendo tal indagação
relevante para a atividade profissional a desempenhar, e, por receio de perder a oportunidade
de emprego, a candidata o informar que não está grávida, quais as consequências no caso de
se verificar depois que está? Pode ou não o empregador invocar a quebra do dever de
lealdade, por prestação de informações falsas na formação do contrato como justa causa para
o despedimento da trabalhadora?
Para MARIA DO ROSÁRIO RAMALHO67
, a resposta a esta questão deve ser negativa. Segundo a
autora, por um lado, sendo ilícito o pedido de informação, não pode o empregador prevalecer-
se posteriormente das consequências do ato ilícito que ele próprio praticou contra a outra
parte (tal atuação constituiria, no mínimo, um caso de abuso do direito); por outro lado, a
atuação da trabalhadora corresponde ao meio substancial de defesa do seu direito à intimidade
da vida privada sem sacrifício do direito ao trabalho.
Esta é, aliás, a única solução possível já que, se assim não fosse, o empregador recusaria em
todo o caso a contratação de uma mulher grávida, motivado pelos inconvenientes que essa
contratação acarretaria e pela circunstância de não estar obrigado a motivar a sua decisão.
66
Mesmo que o candidato tenha subscrito uma declaração a reconhecer essa faculdade ao empregador.
Neste sentido vd., LUÍS MENEZES LEITÃO, ob. cit., 2008, pp. 393-394. E ainda, AMADEU GUERRA, ob.
cit., p. 168. 67
MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, ob. cit., pp. 145-146.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
32
O entendimento descrito apresenta-se como uma solução de equilíbrio entre o respeito pelo
direito à intimidade da vida privada da mulher grávida no acesso ao emprego e a pretensão do
empregador em escolher, livre e discricionariamente, os seus trabalhadores.
A existência de um direito a mentir, isento de efeitos jurídico-laborais, terá que ser aferido
casuisticamente, pela ponderação no caso concreto, da relevância da mentira na atividade a
exercer pelo trabalhador. Na falta de norma reguladora desta matéria no CT, os limites devem
ser aferidos à luz do dolo ilícito previsto no art. 253.º n.º2 do CC.
Não constituem dolo ilícito todas e quaisquer informações inexatas e/ou omissões fornecidas
pela candidata, mas, apenas relativamente às informações/omissões que sejam essenciais, ou
seja, as que estão compreendidas no cerne da motivação de contratar daquela candidata
específica e não outra.
A candidata a emprego grávida, quando não esteja em causa nenhuma atividade
desaconselhável68
, pode responder, optando por dizer a verdade, por mentir, ou,
simplesmente, por não responder, podendo, inclusivamente, exigir ao empregador que, nos
termos da lei, forneça, por escrito, a respetiva fundamentação, a fim de permitir ajuizar da sua
pertinência e legitimidade.
Diversamente, na eventualidade da trabalhadora, dolosamente, omitir o respetivo estado de
gravidez e sendo essa informação contratualmente relevante o contrato celebrado deve ser
declarado inválido, por erro sobre a pessoa, nos termos dos arts. 251.º e 253.º do CC e de
acordo com o princípio geral da boa-fé (art. 227.º do CC)69
.
68
V.g. não o será se a entrevista realizada tem em vista a ocupação de um lugar de secretária num
escritório de Advogados. 69
Cfr. PAULA DO COUTO QUINTAS, ob. cit., p. 308.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
33
TÍTULO II
A PROTEÇÃO LEGAL DA MATERNIDADE NO REGRESSO AO TRABALHO
“As mulheres precisam de sentir que a maternidade não é um peso de chumbo”
José Manuel Silva, Bastonário da Ordem dos Médicos
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
34
CAPÍTULO IV
CONTEXTUALIZAÇÃO
1. A difícil harmonização da vida profissional e familiar
Há algumas décadas a sociedade encontrava-se estruturada em função de uma divisão dual em
que os homens integravam, maioritariamente, a esfera produtiva, através do trabalho
remunerado, como forma de sustento dos membros da família, e as mulheres pertenciam à
esfera reprodutiva, encarregando-se, na sua maioria, do trabalho familiar (no qual se integra o
cuidado dos filhos), indispensável à reprodução social. Esta divisão ancestral foi posta em
causa e, nos últimos anos, tem-se quebrado paulatinamente devido à incorporação e
participação massiva das mulheres no mercado de trabalho70
.
Em Portugal as mulheres realizam trabalho remunerado durante quase tantas horas como os
homens. Mais, ao contrário do que sucede em outros países da OCDE, existe uma elevada
percentagem de mulheres portuguesas que trabalham a tempo inteiro, devido à necessidade de
garantir um mínimo de rendimento familiar71
.
Contudo, esta mudança não tem sido acompanhada do necessário equilíbrio ao nível do
estatuto atribuído à mulher no quadro das relações familiares. A par da afirmação progressiva
da presença feminina no mundo do trabalho as mulheres continuam a assumir
maioritariamente, quase em exclusivo, a totalidade das responsabilidades familiares,
cumulando o emprego com a assistência familiar. Continuam a ser vistas como as principais
responsáveis pelo cuidado dos filhos e de outros dependentes72
(Anexo B).
70
FRANCISCO CARVALHO, “A conciliação entre a vida familiar e o trabalho”, Trabalho & Segurança
Social: revista de actualidade laboral, n.º 11, Grupo Editorial Peixoto de Sousa, Porto, 2001, pp. 16-22. 71
OCDE, “Babies and Bosses: Políticas de Conciliação da Actividade Profissional e da Vida
Familiar”, Vol. 3, 2004, p. 198; GLÓRIA REBELO, “Parentalidade e família no Código de Trabalho”,
Questões Laborais, Ano 15, n.º32, Julho-Dezembro 2008, p. 242. 72
MARIA DAS DORES GUERREIRO, VANDA LOURENÇO, INÊS PEREIRA, “Boas práticas de conciliação
entre a vida profissional e vida familiar: manual para as empresas”, Lisboa, CITE, 4ª Edição, 2006,
p.7; MARIA MARGARIDA GÓIS MOREIRA, ob. cit., p. 133; GLÓRIA REBELO, ob. cit., p. 243.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
35
Além disso, os novos desafios a que as empresas se sujeitam requerem maior
competitividade, designadamente a nível de recursos humanos. Por isso, as entidades laborais
têm exigido dos seus trabalhadores níveis de dedicação e disponibilidade redobrados73
.
O setor feminino não tem sido poupado a estas exigências acrescidas e tal circunstância tem
resultado na diminuição da disponibilidade de tempo para que as mulheres se consigam
realizar no plano familiar e alcançar o equilíbrio com a vida profissional, de forma a, por um
lado, honrar os compromissos profissionais assumidos e, por outro lado, assegurar o cuidado
dos filhos. Consequentemente, a mulher é obrigada a decidir entre ter filhos numa idade mais
avançada, não ter tantos quanto deseja ou não ter mesmo nenhum. É de notar que a idade
média para uma mãe ter o seu primeiro filho é de cerca de 30 anos74
.
Esta dificuldade está atualmente espelhada de forma clara no declínio da taxa de natalidade
em Portugal e tem vindo a suscitar, ao nível das políticas de emprego e do direito do trabalho,
inúmeros desafios.
Neste contexto, tem-se revelado fundamental a previsão de formas de organização do tempo
de trabalho em moldes de flexibilidade e de ausências ao trabalho/reduções do tempo de
trabalho que permitam assegurar a proteção da mulher no mundo laboral no sentido de
facilitar a conciliação entre as responsabilidades profissionais e familiares, com respeito pela
importância da família mas sem descurar os interesses empresariais75
. A conciliação76
prende-
se com o direito do trabalhador a uma vida privada e ao papel que o direito deve ter na sua
promoção, com o objetivo de garantir que a sua atividade profissional seja compatível com
tempos livres, que possa dedicar à vida pessoal e familiar.
O princípio da conciliação entre o trabalho e a vida pessoal e familiar do trabalhador consta
do art. 59.º n.º2 al. c) da CRP no qual se prevê que incumbe ao Estado assegurar a especial
proteção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto. E ainda que, a família,
como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à
efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.
No cumprimento deste desiderato – proteção da família – incumbe ao Estado promover,
através da concertação de várias políticas sectoriais, a conciliação da atividade profissional
com a vida familiar, nos termos do disposto no art. 67.º n.º2 al. h) da CRP. Também a
73
Cfr. MARIA DAS DORES GUERREIRO et al., ob cit., p. 8. 74
Cfr. OCDE, ob. cit., p. 5. 75
Cfr. GLÓRIA REBELO, ob. cit., p. 247. 76
Cfr. MARIA MARGARIDA GÓIS MOREIRA, ob. cit., p. 131.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
36
DUDH77
determina no seu art. 16.º n.º3 a proteção da família como elemento natural e
fundamental da sociedade com direito à proteção desta e do Estado.
No campo de atuação da OIT temos a destacar a Convenção da OIT n.º 156 relativa aos
trabalhadores com responsabilidades familiares, a qual determina que os Estados devem
adotar medidas que possibilitem aos trabalhadores trabalhar e responder às várias
responsabilidades familiares de forma harmoniosa. No âmbito do tema da proteção da
maternidade, a principal preocupação da OIT tem sido a de permitir às mulheres conciliar os
seus papéis reprodutivo e produtivo78.
Deve ainda salientar-se a atenção do direito comunitário a esta matéria. O objetivo de
promover a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar inspira algumas regras da
Diretiva n.º 92/85/CEE, de 19 de Outubro, relativa à tutela das trabalhadoras grávidas,
puérperas e lactantes e é também evidente nas Diretivas sobre a licença parental (Diretiva n.º
96/34/CE, de 3 Junho e Diretiva n.º 2010/18/UE, de 8 de Março) bem como na Diretiva n.º
97/81/CE, de 15 de Dezembro, sobre o trabalho a tempo parcial. Por outro lado, a União
Europeia reforçou o vigor deste princípio através da Resolução do Conselho de 29/06/2000,
relativa à participação equilibrada das mulheres e dos homens na atividade profissional e na
vida familiar.
Também a Carta Social Europeia79
enaltece a importância da família ao consagrar no seu art.
16.º que se devem “assegurar as condições indispensáveis ao pleno desenvolvimento da
família, célula fundamental da sociedade” através de uma proteção social, jurídica e
económica80
.
É, portanto, incumbência do Estado proteger os cidadãos que optem por constituir família,
não podendo ser prejudicados em relação aos que não tomaram esta opção81
.
77
Nos termos do art. 16.º n.º2 da CRP “os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos
fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos
Direitos do Homem. 78
Vd. OIT, “Proteger o futuro: maternidade, paternidade e trabalho, 2009, p. 2. 79
Trata-se da Carta Social Europeia Revista que foi adotada em Estrasburgo, a 3 de Maio de 1996,
aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 64-A/2001, de 17/10, e
ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 54-A/2001, de 17/10. 80
Para um desenvolvimento aprofundado sobre este diploma vd. Tese de Doutoramento “El
cumplimiento de la Carta Social Europea en matéria de salarios. Un estúdio comparado de los
ordenamentos laborales portugués, español e italiano”, de MARIA LUÍSA TEIXEIRA ALVES. 81
Cfr. J. MIRANDA E R. MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra:
Coimbra Editora, 2010, p. 1370.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
37
Uma das formas de o Estado assegurar esta tarefa é através da legislação laboral, por via da
atribuição de direitos de ausência ao trabalho, muito presentes no regime da parentalidade
(arts. 35.º e ss. do CT).
O ordenamento jurídico português consagra a maternidade e a paternidade como valores
sociais eminentes (art. 33.º n.º1 do CT) e atribuiu aos pais e às mães o direito à proteção da
sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos com
garantia de realização profissional (art. 68.º n.º1 e 2 da CRP).
A CRP prevê que as mulheres têm direito a especial proteção durante a gravidez e após o
parto, tendo as mulheres trabalhadoras ainda direito a dispensa do trabalho por período
adequado, sem perda de retribuição ou quaisquer outras regalias (art. 68.º n.º3 da CRP) e que
a lei regule a atribuição às mães e aos pais de direitos de dispensa de trabalho por período
adequado, de acordo com os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar (art.
68.º n.º4 CRP).
Dentro dos limites impostos no plano internacional e pela nossa lei fundamental, o legislador
pode optar por ser mais protecionista ou mais liberal, privilegiar mais a família ou os
interesses empresariais, sendo certo que nunca poderá agradar igualmente a todos. Atenta
amplitude da formulação da lei fundamental nesta matéria o Estado tem uma margem de
flexibilidade para adaptar a lei em função das mentalidades da época e daquilo que terá
capacidade para assegurar em cada momento82
.
A consagração de licenças e dispensas (bem como outros tempos de não trabalho) para
assistência à família tem uma importância vital na repartição da vida particular e das
responsabilidades profissionais, sendo desejável que o regime jurídico da parentalidade se
adapte às necessidades que em função dos tempos se fazem sentir e atinja idealmente um
equilíbrio entre interesses particulares e empresariais83
.
2. A visão negativa vs. vantagens dos direitos de ausência ao trabalho
82
Cfr. M. MINÉ, “Le droit du temps de travail à la lumière des droits fondamentaux de la personne”,
Le Droit Ouvrier (Jan. 2011), p. 40, citado por MARIA MARGARIDA GÓIS MOREIRA, ob. cit., pp. 144-
145. 83
Cfr. DAVID FALCÃO E SÉRGIO TOMÁS, Lições de Direito do Trabalho – A relação Individual de
Trabalho, Coimbra: Almedina, 2014, pp. 74-75.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
38
O CT prevê, no contexto da proteção da parentalidade, a atribuição de diversos direitos de
ausência ao trabalho (de que é exemplo a dispensa para amamentação) com o objetivo de
permitir aos trabalhadores a sua realização pessoal, enquanto pais, e no contexto familiar.
O gozo desses direitos representa uma interrupção do contrato de trabalho em que se suspende
a obrigação de prestação laboral mas permanece a obrigação retributiva, afetando desta forma
a esfera jurídica do empregador. Por essa razão, estes tempos de não trabalho, chocam com os
interesses do empregador e são, frequentemente, fonte de litígios no âmbito das relações
laborais.
Os padrões tradicionais das culturas organizacionais pressupõem que quem trabalha pode
colocar o trabalho no topo das suas prioridades. Por isso, as ausências ao trabalho para
atender a responsabilidades familiares, geralmente, não são bem encaradas pelas entidades
empregadoras que associam essas ausências a manifestações de falta de comprometimento em
relação aos objetivos da organização. Noutras situações, apesar de não haver uma postura de
oposição direta e assumida, existe uma enorme pressão devido à sobrecarga de
trabalho/responsabilidade associada à ausência da trabalhadora para que esta regresse o mais
rápido possível (sobretudo em cargos de chefia).
A verdade é que, mesmo com conhecimento dos direitos previstos no regime da
parentalidade, esta é uma questão menor para as empresas e para quem as gere. Cada projeto,
negócio ou assunto é sempre prioritário, para anteontem. A pressão e a competição, quer seja
entre empresas quer entre colegas de trabalho, para cair nas graças das suas entidades
empregadoras, é feroz.
Regra geral, para um empregador, um trabalhador com responsabilidades familiares traduz-se
num mau investimento por, devido à sua menor disponibilidade para o trabalho, ser sinónimo
de menor produtividade e acarretar, consequentemente, mais custos. Uma redução das horas
trabalhadas por trabalhador implica mais trabalhadores e isso envolve custos de adaptação ao
trabalho e formação elevados84
. Nesta perspetiva, tem-se criado o estereótipo de que as
mulheres são menos produtivas e representam encargos acrescidos para a empresa85
.
Esta situação propende a que no trabalho as mulheres sejam penalizadas ao nível da inserção
laboral e da progressão na carreira bem como no exercício dos direitos legalmente atribuídos
por ocasião do evento da maternidade86
.
84
Cfr. OCDE, ob. cit., p. 192. 85
Cfr. MARIA MARGARIDA GÓIS MOREIRA, ob. cit., p. 135. 86
Cfr. GLÓRIA REBELO, ob. cit., p. 242.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
39
Aliás, o exercício do direito à dispensa para amamentação é condicionado pela forma como
este tipo de ausências (não) são aceites pelas empresas e por vezes as trabalhadoras retraem-se
em manifestar a intenção de gozar este direito antevendo potenciais penalizações que possam
sofrer e/ou entraves que são com frequência colocados. Em casos extremos, ponderam até a
hipótese de se privarem do exercício desse direito, evitando os problemas inerentes.
“A prática clínica e os estudos (…) provam que os portugueses estão mais sensibilizados
querem e amamentam até mais tarde. Mas também há registos de quem não o possa fazer ou
tenha medo de exigir direitos” (Anexo C).
O receio de que o gozo da dispensa redunde em prejuízos na carreira profissional está
relacionado com a precariedade do vínculo laboral e com a perceção da instabilidade no
mercado de trabalho. Estes dois fatores fazem com que se maximize a ânsia de demonstrar
dedicação e comprometimento com o trabalho e, desta forma, assegurar o lugar.
Seja de forma mais direta ou mais subtil, as entidades empregadoras vão erguendo as suas
barreiras ao gozo pleno dos direitos de ausência e à efetividade da legislação nesta matéria.
Não só se colocam entraves ao gozo desses direitos como se evita, desde logo, a contratação
de mulheres.
Por uma questão estritamente lógica de moral é difícil, aos nossos olhos, conceber uma
empresa, ou uma sociedade, em que se favoreça alguém capaz de pôr o trabalho à frente da
família.
A nosso ver a atitude de um empregador que reage negativamente ao gozo dos direitos de
ausência ao trabalho previstos no CT, colocando entraves ao seu exercício ou, inclusivamente,
impedindo-os não é, de acordo com a psicologia das organizações, a que fomenta uma relação
laboral alicerçada na confiança, dedicação e respeito, como nos parece desejável. É preciso
atuar ao nível das mentalidades e tratar o tema das ausências ao trabalho na perspetiva
exatamente inversa, a qual nos revela a existência de uma série de inegáveis vantagens em
facilitar a harmonização entre o plano profissional e a vida familiar que devem ser valorizadas
pelas empresas87
.
Um trabalhador realizado familiarmente é também um trabalhador bem-sucedido a nível
profissional, frequentemente mais motivado e inovador88
.
87
Vd. MARIA MARGARIDA GÓIS MOREIRA, ob. cit., pp. 146-147. 88
Cfr. MANUEL CORREA CARRASCO, “Tiempo de Trabaljo e Igualdad de Género: Regulación Legal y
Negociación Colectiva”, Revista de Derecho Social 49, 2010, p. 194 citado por MARIA MARGARIDA
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
40
Na análise da relação entre o aumento do número de horas trabalhadas e o reflexo da
produtividade “com segurança que a primeira variável não é preditora da segunda, uma vez
que não existe uma relação consistente entre o número de horas trabalhadas e a
produtividade”89
.
Nos dias de hoje, a vida profissional é cada vez mais exigente e consome quase a totalidade
do tempo diário disponível. O empregador que tenha sensibilidade para facilitar a difícil
conciliação entre a vida profissional e a vida familiar será um empregador recompensado com
a força de trabalho, um empregador fortalecido nas suas relações com os trabalhadores, um
empregador respeitado e valorizado. Além das vantagens relacionais que se apontam, a
motivação do trabalhador é, desta forma, alimentada.
Impor a um trabalhador que dê prioridade ao trabalho acima de todas as coisas,
nomeadamente da família, pode gerar sentimentos de descontentamento, revolta,
desmotivação, injustiça, entre outros, que em nada contribuem para o sucesso da sua atividade
profissional. Por isso, cremos que a alegada ideia de menor produtividade da trabalhadora
que, ao beneficiar de licenças e dispensas, não se dedica em exclusivo à sua entidade laboral é
compensada pela certeza de que a satisfação proporcionada a nível pessoal e familiar se
reflete positivamente no exercício da profissão.
Em última análise, esta é uma questão de ordem psicológica e de extrema sensibilidade pois a
família é considerada uma das instituições mais antigas na história da humanidade. É a base, o
pilar fundamental e o sustento de uma vida em sociedade e tem uma importância
desmesurável na formação do ser humano.
Havendo disponibilidade para a ela nos dedicarmos, certamente, haverá uma disponibilidade
mental reforçada para, com sucesso, enfrentar a jornada de trabalho.
Na busca incessante pela produtividade, pelo cumprimento de objetivos exigentes e pelo
lucro, é preciso relembrar que as organizações são feitas de pessoas. Pessoas que são seres
GÓIS MOREIRA, ob. cit., p. 147, estudos foram feitos que demonstram a dissociação entre os índices de
produtividade nacionais e o tempo que os trabalhadores passam no local de trabalho. 89
Cfr. Estudo da DGAEP, “O modelo de organização e duração do tempo de trabalho na
administração Pública – análise comparada dos 27 Estados-membros da EU”, Lisboa, 10 de Janeiro de
2013. V.g. no caso de Portugal, o estudo indica que, embora se verifique um número médio de horas
trabalhadas por semana superior ao da Alemanha, o índice de produtividade é pouco mais de metade
do alemão. A DGAEP faz referência a outros estudos realizados nos últimos 20 anos e que revelam
que “à medida que se avança no número de horas trabalhadas durando o dia, a produtividade vai-se
tornando gradualmente mais baixa”.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
41
humanos, com sentimentos, vontades, histórias, valores e uma família. Não compreender esta
vertente humana é prejudicar a prestação de trabalho. Um líder não vai longe sem a motivação
dos seus trabalhadores. Esta motivação não se conquista apenas através de níveis
remuneratórios ou prémios, pelo reconhecimento do mérito, mas também pelo respeito e
sensibilidade no trato pessoal, designadamente nos temas pessoais que nos afetam a todos.
Além de se verificarem melhorias ao nível do trabalho realizado e do bem-estar geral da
comunidade empresarial, as empresas criam, assim, condições para atrair o melhor capital
humano, que deseja exercer uma atividade profissional em harmonia com as suas
responsabilidades familiares. A imagem da empresa é valorizada tanto na comunidade
envolvente como a nível internacional, tornando-se um exemplo no mercado de trabalho no
que toca às questões sociais e aos valores e práticas da cidadania, em moldes que as tornam
atrativas e queiram nelas trabalhar os melhores profissionais. A adoção de boas práticas ao
nível da conciliação promove o reconhecimento e visibilidade da empresa no mercado, o que
é uma mais-valia na promoção dos seus produtos que se poderá refletir no aumento do
volume dos negócios90
.
Por último, a gestão do capital humano nestes moldes conquista a vontade de os trabalhadores
permanecerem na empresa e evita a fuga de talentos91
.
Tendo em conta as vantagens identificadas, não é imperativo que o gozo de ausências ao
trabalho, em prol de responsabilidades familiares, seja sinónimo de existência de prejuízos
catastróficos para as empresas. Aliás, segundo recomendações da UE, a análise dos resultados
de uma empresa deverá ser realizada, a partir de dois elementos: por um lado, através das suas
margens de lucro, por outro, tendo em conta a qualidade de vida que proporciona aos seus
trabalhadores, dentro e fora do local de trabalho92
.
Apesar de se reconhecer a extrema importância e necessidade de mecanismos legais que
auxiliem a conciliação estes não podem significar para o empregador a assunção de encargos
desmensurados, sob pena de os trabalhadores por eles abrangidos serem a priori preteridos
devido à associação que é desde logo feita com a sua maior onerosidade.
90
Vd. MARIA DAS DORES GUERREIRO, et al., ob. cit., p. 11. 91
Cfr. MARIA MARGARIDA GÓIS MOREIRA, ob. cit., p. 147. 92
Cfr. MARIA DAS DORES GUERREIRO, et al., ob. cit., p. 9.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
42
CAPÍTULO V
O DIREITO À DISPENSA PARA AMAMENTAÇÃO
No contexto da proteção legal da parentalidade, no desenvolvimento da relação laboral, existe
um vasto leque de mecanismos legais que visam cumprir o objetivo de facilitar aos pais que
trabalham a harmonização da vida profissional e da vida familiar mediante a atribuição de
direitos a tempos de não trabalho. Atenta a sua extensão, não é possível realizar neste trabalho
a análise integral desses regimes pelo que nos centraremos no estudo concreto do direito à
dispensa para amamentação.
A lactação tanto por via natural – a amamentação (por intermédio do peito materno) – como
por via artificial – a aleitação (por meio de substitutos comerciais do leite materno) – são
formas de alimentação da criança tuteladas pela lei, da qual derivam dois direitos distintos: o
direito de dispensa para amamentação e o direito de dispensa para aleitação. GUILHERME
DRAY93
em anotação ao art. 47.º do CT faz a seguinte destrinça: “a amamentação corresponde
à aleitação materna, que naturalmente só pode ser desempenhada pela trabalhadora lactante94
;
a aleitação, pelo contrário, corresponde à aleitação não materna, que pode consequentemente
ser executada por qualquer dos progenitores”. A dispensa para amamentação é
necessariamente atribuída à mãe, já que apenas a esta, por inerência biológica, é possível
amamentar o filho de forma natural.
Veremos adiante de que forma este direito se encontra protegido no plano internacional,
comunitário e mais especificamente no contexto da legislação laboral portuguesa, refletindo
sobre as falhas que o regime jurídico português apresenta, tomando como ponto de partida os
problemas que a prática tem evidenciado, com o objetivo de equacionar possíveis soluções
que melhor tutelem o instituto da maternidade no que toca à questão da amamentação e dando
assim o nosso contributo para a visibilidade deste tema, numa tentativa também de
sensibilização.
93
PEDRO ROMANO MARTINEZ et al., ob. cit., p. 207. 94
No âmbito do regime de proteção da parentalidade entende-se por trabalhadora lactante, nos termos
do art. 36.º do CT, aquela que amamenta o filho e informe o empregador do seu estado, por escrito,
com apresentação de atestado médico.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
43
1. A proteção a nível internacional e comunitário
No âmbito das Convenções da OIT, o direito à dispensa para amamentação foi consagrado
originariamente na Convenção da OIT n.º3, de 28 de Novembro de 191995
. Nesta Convenção
previa-se que deveria ser concedido à mulher trabalhadora um período de meia hora, duas
vezes por dia, durante as horas de trabalho, para cuidar do seu filho96
.
Posteriormente, em 1952, a OIT procedeu à revisão da referida Convenção através da
Convenção n.º 103 da OIT, de 18 de Junho de 1952, ratificada entre nós pelo DG 63/84 de
10.10.84. Esta Convenção ampliou a proteção, não relativamente ao número ou duração dos
intervalos97
, mas ao determinar que tais períodos se deverão considerar como prestação de
trabalho e, portanto, deveriam ser remunerados como tal98
.
A Recomendação da OIT n.º 95, do mesmo ano, veio regulamentar e interpretar a Convenção
da OIT n.º 103 e propôs, nomeadamente, no tocante ao tempo de trabalho, que a licença para
aleitamento fosse alargada a um período total de 1h e 30m e que o horário de trabalho fosse
adequado a garantir o descanso necessário da trabalhadora.
A Convenção mais recente da OIT sobre proteção da maternidade é a Convenção n.º 183, de
15 de Junho de 2000, veio determinar no seu art. 10.º que deverão ser concedidos à mulher
uma ou mais pausas diárias ou redução do horário de trabalho para amamentar o seu filho.
Estabelece-se, igualmente, que o período durante o qual são permitidas as pausas ou redução
da duração do trabalho diário, o número e a duração das pausas, bem como as modalidades da
redução do trabalho diário, devem ser determinados pela legislação e a prática nacionais e que
as mesmas devem ser consideradas tempo efetivo de trabalho e remunerados em
conformidade.
95
Ao nível de ordenamentos internos de países específicos tal direito já se encontrava anteriormente
consagrado na lei, nomeadamente em Espanha, onde o direito a dispensa para amamentação foi
previsto, pela primeira vez, em 1900, por determinação da Ley de 13 de Março de 1900 (determinava
o direito da mãe a um período de lactação de uma hora por dia, que se poderia dividir em dois
períodos de meia hora cada, considerando-se tais períodos como períodos retribuídos). 96
Cfr. art. 3.º, al. d) da Convenção n.º3 OIT. Note-se que esta matéria é de tal modo importante que foi
objeto de regulação pela OIT no próprio ano em que esta organização foi criada, em 1919. 97
Neste ponto, o art. 5.º n.º1 da Convenção n.º 103 OIT terá, inclusivamente, regredido, dado que não
estabelece mínimos de número de intervalos nem de duração dos mesmos. Estabelece tão só que “If a
woman is nursing her child she shall be entitled to interrupt her work for this purpose at a time or
times to be prescribed by the national laws or regulations”. 98
Cfr. art. 5.º n.º2 da Convenção n.º103 OIT.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
44
Ainda a nível internacional, com vista a assegurar o exercício efetivo do direito das
trabalhadoras à proteção da maternidade, o art. 8.º da Carta Social Europeia prevê que seja
assegurada às mães que aleitem os seus filhos pausas suficientes para esse fim.
Lamentavelmente, a regulamentação comunitária, em particular a Diretiva 92/85/CEE99
, de 19
de Outubro de 1992, não prevê a concessão de qualquer tipo de dispensa por necessidades
decorrentes da amamentação ou aleitamento do filho.
Sobre a proteção da parentalidade existem inúmeras Convenções da OIT e Diretivas
Comunitárias cujo conteúdo respeita à questão do princípio da igualdade de tratamento em
função do sexo. Embora a discriminação em função do sexo no contexto laboral tenha uma
incontornável ligação ao tema que aqui nos trás, essa questão não será analisada por
extrapolar o objeto deste estudo.
2. Antecedentes históricos na regulação normativa nacional
A regulação desta matéria a nível legislativo ordinário teve o seu início no DL, de 14 de Abril
de 1891, cujo art. 22.º determinava que as mães tinham possibilidade de, durante o horário de
trabalho, se deslocarem às cresces para amamentar os seus bebés, remetendo para diplomas
regulamentares o modo de determinação de tais interrupções e duração das mesmas. Em 1966
esta matéria foi objeto de nova regulamentação com a promulgação do DL n.º 47.032, de 25
de Maio, que estabeleceu no art. 115.º n.º1 al. d) a possibilidade de interrupção do trabalho
diário em dois períodos diários de meia hora. Esta previsão foi mantida inalterada na sua
redação no posterior DL de 49.408, de 24 de Novembro de 1969, mais especificamente no art.
118.º n.º1 al. d), norma posteriormente revogada pelo DL n.º 136/85, de 3 de Maio, que veio
regulamentar a Lei n.º 4/84, de 5 de Abril.
Em 1984, a promulgação da Lei n.º4/84 veio prever, no art. 12.º n.º2 e 3, o direito da mãe que
amamenta (mediante comprovação deste facto) a ser dispensada em cada dia de trabalho por
dois períodos distintos com a duração máxima de uma hora cada para amamentar, até a
criança completar um ano de idade. O DL n.º136/85, de 3 de Maio, ao regulamentar a Lei
n.º4/84, previu no art. 7.º a possibilidade de o direito à dispensa para amamentação ser
exercido de forma diferente à consagrada legalmente havendo acordo entre o empregador e a
99
Esta Diretiva é o principal diploma legislativo de proteção relativo à implementação de medidas
destinadas a promover a melhoria da segurança e saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas e
lactantes no trabalho.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
45
trabalhadora. Além disso, o referido DL determinou que a forma de comprovação para o facto
de a trabalhadora se encontrar a amamentar consistia na apresentação à entidade empregadora
de uma declaração sob compromisso de honra. Relativamente ao método de prova exigido, o
posterior DL n.º 332/95, de 23 de Dezembro, veio exigir que essa declaração fosse
acompanhada de atestado médico e apresentada com a antecedência mínima de 10 dias em
relação ao início do período em que a trabalhadora pretendia gozar a dispensa.
Numa significativa alteração posterior levada a cabo pela Lei n.º142/99, de 31 de Agosto, a
mãe passou a beneficiar do período de ausência durante todo o período em que a
amamentação durar, tendo sido eliminado o limite máximo de um ano.
3. A (des) proteção da legislação laboral portuguesa vigente
Uma abordagem na perspetiva de um caso real
Recentemente foi divulgada pela comunicação social a situação de duas enfermeiras de
Hospitais do Porto (Santo António e São João) que foram forçadas a espremer as mamas para
sair leite e provar às entidades laborais que estavam efetivamente em período de
amamentação (Anexo D).
De forma a clarificar a veracidade das declarações médicas que atestam a amamentação as
profissionais foram convocadas para comparecer em consultas de saúde ocupacional no
respetivo local de trabalho, depois de os filhos terem completado um ano de idade e, lá
chegadas, foi-lhes pedido que, em frente aos médicos, fizessem “uma prova de evidência de
leite” para continuarem a beneficiar da redução de horário. Há notícia de que ter-lhes-á sido
dito que, caso recusassem, perderiam os direitos inerentes à fase da amamentação.
Esta política hospitalar foi justificada com base no nível elevado de fraudes, tendo sido dito
que haveria mais de 50% de dispensas de amamentação fraudulentas. Suspeitava-se da
existência de trabalhadoras a beneficiar da dispensa em causa ao abrigo de atestados médicos
falsos para amamentar crianças com idade superior a dois anos.
A alegada atribuição injustificada do direito à dispensa determinou a entidade empregadora a
recorrer à prova por evidência de leite com o objetivo de confirmar se as trabalhadoras se
encontravam efetivamente em período de amamentação, requisito exigido pela lei.
A reflexão acerca desta situação impõe que se pondere acerca da inexistência de um limite
temporal máximo para o gozo da dispensa para amamentação, das razões que estão
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
46
eventualmente na base do uso fraudulento deste benefício e, por último, da razoabilidade do
método de prova utilizado (prova por evidência de leite, vulgo “espremer as mamas”).
A circunstância de a lei não balizar temporalmente o limite temporal dentro do qual se deve
considerar aceite pelas entidades laborais o gozo desta dispensa abre portas a abusos, havendo
dispensas para amamentação com duração superior a dois anos sem que se verifique, na
realidade, o pressuposto de atribuição deste benefício.
Sendo evidente a necessidade de obstar a gozos injustificados da dispensa para amamentação,
o método de prova utilizado não pode em qualquer situação ser considerado justificado, seja
qual for a duração da dispensa, de 5 ou 10 anos pois parece-nos excessivo investigar a este
ponto solicitando às trabalhadoras que provem por esguicho que têm leite. As trabalhadoras
sujeitas a esta humilhação poderiam ter recusado a demonstração da existência de leite por
evidência, não podendo com base em tal recusa ser prejudicadas na sua relação laboral, nem
sequer sofrer qualquer tipo de consequência.
Além disso, a lei é omissa no que se refere à frequência com que a prova deve ser prestada
pelas trabalhadoras/exigida pelas entidades empregadoras.
Se por um lado é motivo de indignação o fato de as trabalhadoras terem sido obrigadas a
prestar provas desta forma, por outro lado reconhecemos que é insustentável para as entidades
empregadoras que as dispensas sejam abusivamente gozadas além de limites razoáveis à
sombra de atestados falsos.
Este é um exemplo pleno de atualidade ilustrativo da necessidade de repensar os moldes
legais em que a dispensa se encontra prevista, mormente no que se refere à expressão legal
que atribui este direito “enquanto durar a amamentação”.
Até quando se deve admitir o gozo da dispensa, isto é, até que idade do filho se admite que a
trabalhadora se ausente para o efeito de o amamentar?
Por que razões se tem verificado que em certos casos as trabalhadoras violam a lei através do
gozo da dispensa para amamentação quando, de fato, não amamentam? O que estará na
origem deste “aproveitamento indevido”?
Como provar a existência real desta necessidade? Será suficiente a apresentação de atestado
médico? Que outros meios podem estar ao dispor das entidades empregadoras para sua
salvaguarda em caso de suspeita de apresentação de atestados falsos?
Estas são questões a que tentaremos responder, apresentando a nossa reflexão sobre o assunto
bem como o raciocínio que está na base das soluções apresentadas.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
47
4. O limite temporal máximo para exercício do direito à dispensa
Conforme oportunamente referido a propósito dos antecedentes históricos nesta matéria, na
revogada Lei n.º4/84 determinava-se que a dispensa podia ser usufruída até a criança
completar um ano de idade. Este regime foi posteriormente alterado pela posterior Lei
n.º142/99, a qual veio a prever que a mãe tinha direito à dispensa para amamentação durante
todo o período em que esta durar, desaparecendo assim o limite máximo de um ano.
Curiosamente na legislação laboral atual, no art. 47.º do CT, não se prevê que a dispensa para
amamentação se deva sujeitar a quaisquer limites temporais pré-determinados pelo legislador,
o que nos leva a questionar o porquê de a lei deixar de regular esta aspeto. Quando no
enquadramento comunitário, e até internacional, se prevê e garante mais direitos de cidadania
e direitos fundamentais no seio das relações laborais qual a razão que está base desta aparente
retrocesso?
Questiona-se até quando pode ser considerado razoável que a trabalhadora exija do
empregador o gozo do direito a ausentar-se para amamentar. Pode ser o empregador a definir
o limite de duração da amamentação considerando-a inaceitável, por exemplo, no caso de
crianças de 2 ou 3 anos?
O legislador optou por não balizar temporalmente a possibilidade de exercício deste direito,
limitando-se a prever que a dispensa se mantém “enquanto durar a amamentação”. Portanto,
segundo a previsão legal, isso equivale a dizer que o direito à dispensa será concedido
enquanto a trabalhadora entender necessário e adequado amamentar o seu bebé e faça prova
de que se encontra em período de amamentação. Reunidos estes requisitos a trabalhadora,
terá, sem mais, direito a beneficiar da redução de horário para amamentar, ilimitadamente no
tempo.
Naturalmente, esta indefinição legal deixa margem para que o gozo do direito à dispensa se
prolongue, indefinidamente, no tempo, muito para além do primeiro ou segundo ano de vida
da criança e dê origem à prática de abusos por parte de trabalhadoras que usufruem
injustificadamente da redução de horário (quando na realidade já não amamentam!) prestando
provas falsas.
Estes descomedimentos têm gerado a revolta das entidades laborais que, em defesa dos seus
interesses, exigem regularmente – sempre que considerarem necessário já que a lei não fixa a
regularidade com que tal exigência deve ter lugar – a prestação de provas com o objetivo de
negar a atribuição deste direito nos casos em que a dispensa se revelar injustificada.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
48
Não lhes cabe, em todo o caso, definir, uma vez reunidos os requisitos legais, até quando a
trabalhadora tem direito a gozar da dispensa para amamentação. É a mãe que decide até
quando pretende amamentar o seu bebé, sem se sujeitar a quaisquer imposições limitativas
por parte das entidades empregadoras. A estas cabe, apenas e tão só, o direito de exigir que se
faça prova da circunstância de a mãe continuar a amamentar.
De modo a prevenir utilizações abusivas do direito à dispensa para amamentação pelas
trabalhadoras, bem como um excessivo uso do poder de fiscalização e controlo, com recurso a
métodos de prova inadmissíveis, pelas entidades empregadoras o legislador laboral deveria
prever outra solução legal nesta matéria, menos vaga e imprecisa, designadamente através da
imposição de um limite temporal máximo.
A previsão de um limite legal máximo para o exercício do direito à dispensa protegeria ambos
os interesses em presença: por um lado, as trabalhadoras seriam menos prejudicadas por se
excluir a hipótese de o empregador interferir na definição do momento até ao qual este direito
pode ser exercido; por outro lado, as entidades empregadoras estariam também
salvaguardadas das pretensões de gozo da dispensa ad aeternum.
5. O pano de fundo das fraudes
5.1 A dispensa para amamentação que, afinal, não serve para amamentar
A OMS e a UNICEF no decorrer do encontro “Aleitamento Materno na Década de 90: Uma
Iniciativa Global”, realizado em Spedale Degli Innocenti, na cidade de Florença, traçaram
uma meta global na “Declaração de Innocenti”100
, de 1 de Agosto de 1990, nos termos da qual
para otimizar a saúde e a nutrição materno-infantil, todas as mulheres devem estar capazes de
praticar o aleitamento materno exclusivo e todas as crianças devem ser alimentadas
exclusivamente com leite materno, desde o nascimento até aos primeiros 4 a 6 meses de vida.
Após esse período, as crianças devem continuar a ser amamentadas, juntamente com
alimentos complementares, até aos dois anos de idade, ou mais. Para a OMS, a questão do
aleitamento materno é uma prioridade de saúde pública pelo fato de considerar que o leite
humano é o alimento de excelência para o bebé.
100
Trata-se de uma declaração conjunta da OMS e da UNICEF na qual estas entidades expressam a
importância da amamentação prolongada e assumem como código de conduta um conjunto de
passos/medidas conhecidas como “Dez Medidas para um Aleitamento Materno com sucesso”.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
49
Contudo a aplicação deste objetivo tem encontrado obstáculos e ao longo do século XX o
aleitamento materno tem perdido preponderância devido, entre outros motivos, sobretudo à
emancipação feminina e crescente participação da mulher no mercado de trabalho. A
dificuldade em conciliar a amamentação com a atividade profissional tem-se afirmado como
uma das causas para a descontinuidade precoce do aleitamento materno. Em Portugal, apenas
55-64% das mães amamentam até aos três meses e apenas 34% até aos seis meses101
. Como
as licenças de maternidade, geralmente, terminam antes de a criança atingir os seis meses de
idade, as disposições que permitem às mulheres continuarem a amamentar os filhos após o
regresso ao trabalho são muito importantes, não só para o cumprimento das recomendações
internacionais relativas à amamentação mas, principalmente, para a saúde da mãe e da
criança102
.
De que dificuldade estaremos nós a falar se a nossa legislação laboral prevê uma dispensa
específica que tem como objetivo permitir à mãe o tempo necessário para amamentar o seu
filho?
A regra, nos termos previstos no art. 47.º do CT, é a de que, após o nascimento da criança, a
mãe tem direito à dispensa de trabalho para amamentação a ser gozada durante dois períodos
diários distintos com a duração máxima de uma hora cada durante todo o tempo que esta
durar, salvo se outro regime for acordado com o empregador.
O que a lei estabelece é o período máximo durante o qual se admite que a trabalhadora possa
“impor” ao empregador a sua ausência, nada obstando a que o empregador, caso assim
entenda, permita à trabalhadora períodos de ausência superiores.
Assim, o limite máximo de duração de cada período pode ser alargado mediante acordo entre
o empregador e a trabalhadora. Por via de acordo pode-se, por exemplo, determinar que os
períodos de dispensa serão gozados de forma seguida, juntos ao princípio ou ao fim do
horário de trabalho; ou que a trabalhadora gozará de dois períodos de licença de duração
superior a uma hora, sendo a duração determinada em função do tempo que despenda para se
deslocar ao local onde a criança se encontra.
101
Cfr. HÉLDER AGUIAR et al., “Aleitamento Materno – A importância de intervir”, Acta Médica
Portuguesa, 24, 2011, p. 890. 102
Cfr. OIT, ob. cit., p. 4.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
50
Está inteiramente na disponibilidade das partes chegar a acordo quanto à aplicação de um
regime diferente – quer por alargamento da duração máxima de uma hora prevista para cada
período quer, por exemplo, por estipulação de um único período de duas horas103
.
Pelo contrário, pode-se defender que a entidade empregadora não é obrigada a conceder à mãe
que amamente as duas horas previstas como duração máxima na sua totalidade, nada obstando
a que o empregador conceda, se assim entender, por exemplo, dois períodos de 15 minutos
diários.
O gozo do direito à dispensa deve ser exercido diariamente em função da necessidade diária,
de acordo com o tempo que a mãe precisa para dar de mamar. Se for possível fazê-lo em 10
minutos a entidade empregadora não tem que conceder mais tempo para o efeito.
Em todo o caso não é possível cumular tempos de dispensa, que não tenham sido exercidos ou
que o tenham sido em duração inferior ao fixado.
Tendo presente as recomendações da OMS e as regras enunciadas nesta matéria questiona-se
se, em termos práticos, será realmente possível para as mães trabalhadoras amamentaram em
exclusividade durante os primeiros seis meses de vida do bebé.
Na impossibilidade de chegar a acordo com a entidade empregadora relativamente à aplicação
de períodos de dispensa com duração máxima superior à legalmente prevista temos sérias
dúvidas de que a dispensa se traduza, de fato, numa ausência para amamentar o bebé.
O nosso CT prevê que a mãe possa ficar de licença durante 120 dias consecutivos (4 meses),
sem sofrer qualquer penalização salarial, nesse caso o subsídio corresponde a 100% da sua
remuneração. Por opção da trabalhadora, a licença pode ser alargada em mais 30 dias, num
total de 150 dias (cinco meses), com penalização mensal de 20% do salário, neste caso a
trabalhadora recebe um subsídio de 80% da sua remuneração de referência.
Num país, como o nosso, em que a remuneração salarial está abaixo da média europeia, a
penalização salarial mensal de 20% constitui muitas vezes um fator determinante para a
escolha do período de tempo em que a trabalhadora pretende gozar a licença por maternidade.
Assim, de acordo com o cenário habitual, na data em que previsivelmente a mãe regressa ao
trabalho o bebé tem cerca de 4 a 5 meses (consoante a mãe tenha gozado a licença parental
inicial de 120 ou 150 dias). Nesta fase espera-se, de acordo com as recomendações da OMS,
que o bebé esteja a ser exclusivamente alimentado a leite materno e que assim continue até
103
Neste sentido vd. CATARINA CARVALHO, “A proteção da maternidade e paternidade no Código de
Trabalho”, Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XLV, n.ºs 1 a 3, jan./set. 2004, p. 102.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
51
aos 6 meses de idade, normalmente, em regime livre. O regime livre significa que o bebé
mama quando quer e o tempo que quiser.
Como alimentar a criança exclusivamente a leite materno durante um dia inteiro, em regime
livre, quando a mãe se encontra no local de trabalho (por vezes longe do sítio onde a criança
se encontra) não sendo possível, na maioria das situações, no período máximo de uma hora,
efetuar a deslocação e satisfazer a necessidade do bebé? Quererá dizer que o bebé deve
concentrar nessas duas horas diárias, gozadas em períodos distintos, as suas refeições de um
dia inteiro? Evidentemente que a resposta a estas questões terá de ser negativa.
Para situações deste género a lei não apresenta solução por isso somos levados a concluir que
nos exatos termos em que a dispensa para amamentação se encontra consagrada no CT não é
possível seguir as recomendações da OMS. A dispensa de trabalho é manifestamente
insuficiente para cumprir os objetivos propostos pela OMS durante os primeiros seis meses de
vida. Nenhuma mãe que regresse ao trabalho aos 4 meses de idade do bebé consegue,
ausentando-se do local de trabalho duas horas por dia, uma hora de cada vez, amamentar o
seu filho a leite materno exclusivamente.
Em primeiro lugar, nenhum bebé que se encontre a seguir o regime de aleitamento materno
em exclusivo até aos 6 meses se alimenta apenas duas vezes por dia; em segundo lugar, as
duas horas disponíveis devem ainda ser compatibilizadas com o tempo necessário para
deslocações. Aliás, é possível que só em deslocação trabalho-casa e vice-versa o período
legalmente previsto se esgote.
Sem um CT suficientemente protetor e abrangente, o aleitamento materno em exclusividade
durante os primeiros 6 meses de vida não poderá ser mais do que uma realidade para uma
minoria das mulheres104
.
De resto, estes problemas só não se colocarão no caso de a trabalhadora optar pela licença
parental inicial com a duração de 180 dias (6 meses). Contudo, esta possibilidade só existe se,
a mãe e o pai gozarem cada um, em exclusivo, pelo menos 30 dias consecutivos ou dois
períodos de 15 dias consecutivos, após o período de gozo obrigatório pela mãe de seis
semanas. Os 180 dias de licença parental inicial são pagos a 83%.
Além desta hipótese, se a mãe trabalhadora que quiser prolongar a licença parental inicial
pode optar pela licença parental complementar alargada, nos termos do art. 51.º n.º1 a) do CT,
que tem de ser gozada imediatamente a seguir ao termo da licença parental inicial. Nesse caso
104
Cfr. HÉLDER AGUIAR et al., ob. cit., p. 7.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
52
tem direito a receber o subsídio parental alargado durante um período adicional de 3 meses
(num total de 8 meses de licença), concedendo o direito a receber um subsídio de 25% da sua
remuneração de referência. O impacto na perda de vencimento é de tal modo significativo que
faz com que apenas as famílias com maiores recursos possam aceder a ele, pois nem todas
têm capacidade para suportar um corte de 75%.
Também na hipótese de nascimento de mais de um filho, a licença parental inicial tem a
duração anteriormente referida de, 120 ou 150 dias, a que acresce um período de 30 por cada
gémeo/a além do primeiro/a, o que permite à trabalhadora ausentar-se do trabalho num
período de 180 dias (equivalente a 6 meses).
5.1.1 A dispensa em caso de nascimentos múltiplos
Antes do CT, era entendimento comum que a mãe teria direito a tantos períodos de dispensa
quanto os filhos que tivesse105
. Considerava-se que, sendo este direito atribuído em função de
se ter tido um filho, o mesmo não poderia ser prejudicado pelo fato de se ter mais do que um.
Se assim não fosse, cada filho beneficiaria de menos tempo para amamentar.
Esta solução legal, conforme aponta CATARINA CARVALHO106
, conduziria a situações limite
em que a mãe no caso de ter tido trigémeos teria direito a seis horas de dispensa de trabalho.
O que nos parece manifestamente excessivo pois nesse caso pouco tempo restaria para a
trabalhadora se dedicar à sua atividade profissional.
A nossa legislação atual optou por atribuir um acréscimo de tempo de trinta minutos por cada
filho. Solução que nos parece razoável, já que o período de interrupção da prestação de
trabalho para amamentar não é utilizado na totalidade para amamentar o bebé; em parte, é
despendido na deslocação entre o local de trabalho e o local onde a criança se encontra107
. No
caso de nascimentos múltiplos, parte-se do princípio de que todos os bebés se encontram no
105
Vd., neste sentido, o PARECER N.º 38 A/CITE/2000. 106
CATARINA CARVALHO, ob. cit., p. 105. 107
Embora tal facto não possa ser tomado em conta para justificar diminuição da duração de cada
período. Neste sentido o PARECER N.º20/CITE/2002, onde se pode ler “Independentemente de a
trabalhadora prestar serviço na creche que a sua filha frequenta, tem direito a ser dispensada
diariamente do trabalho por dois períodos distintos de duração máxima de uma hora cada um, para
aleitar a criança, salvo se acordar outra forma com a entidade empregadora”. Disponível em
www.cite.gov.pt/pt/pareceres/pareceres2002/P20_02.pdf, consultado em 11 de Março de 2015.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
53
mesmo local pelo que, a ser assim, a trabalhadora não necessita de despender tempo acrescido
para esse efeito.
De qualquer forma, considerando que os bebés podem ter horários diferentes para amamentar,
esta solução legal poderá não satisfazer todos os cenários possíveis, podendo o gozo deste
direito vir a ser afetado. O mesmo sucede se os bebés não se encontrarem no mesmo local o
que, sendo menos provável, pode ocorrer.
5.1.2 A utilização da bomba extratora de leite no local de trabalho
“Marta é diretora comercial de um laboratório que tem sede em Barcelona. Tem a gestão
para Portugal a seu cargo, o que lhe traz muita responsabilidade mas também flexibilidade
de horários e permitia interromper as funções para tirar o leite. Começa a trabalhar às 09.00
e acaba às 17.00 e ir a casa a meio do dia estava fora de questão, já que mora em Carcavelos
e o escritório é em Lisboa. “Sempre quis amamentar e tinha o objetivo de o fazer até aos 6
meses. Dava mama de manhã e quando regressava a casa e tirava o leite no trabalho com a
bomba numa sala emprestada por uma colega.”” (Testemunho Marta Cruz, Anexo C).
Não havendo abertura por parte do empregador para ajustar o período de tempo conforme as
circunstâncias do caso concreto sugere-se que o empregador tenha a iniciativa de criar uma
sala especial à disposição das mães lactantes em que estas possam extrair o leite e guardá-lo
em boas condições de temperatura e higiene.
Em bom rigor não é a dispensa para amamentação que tem tornado possível amamentar em
exclusivo o bebé a leite materno nos primeiros 6 meses de vida mas sim um aparelho elétrico
ou manual designado por “bomba extratora de leite” que permite à mãe extrair leite no próprio
local de trabalho, conservando reservas de leite no frigorífico, que será, posteriormente,
oferecido ao bebé em biberão por outra pessoa, na ausência da mãe.
Esta poderia parecer uma solução do agrado comum que beneficiaria tanto empregadores
como trabalhadoras – se por um lado evita ausências ao trabalho o que os empregadores
muito agradecem, por outro torna possível alimentar o bebé a leite materno em exclusivo.
Estaria assim, aparentemente, solucionada a questão.
“Tem de haver flexibilidade de horários, quando uma pessoa sente o peito a encher tem de
tirar logo o leite, senão tem muitas dores. (…) Uma vez teve de se deslocar a Barcelona. “Um
dia inteiro fora de casa, tive de fazer stock e interrompi a reunião por já não aguentar com o
peito cheio”” (Testemunho Marta Cruz, Anexo C).
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
54
O problema é que o ato de extrair leite não pode ser realizado a qualquer momento, muito
menos num único momento durante o qual se extraia leite para suprir necessidades
alimentares de um dia/semana. Antes implica que a mãe o faça com uma certa periodicidade
no ritmo adequado às necessidades do bebé.
Se a mãe estiver um dia a trabalhar sem dar de mamar/extrair leite a quantidade de leite
produzida pelo seu organismo começará a diminuir e é muito provável que quando regressar a
casa não tenha sido produzido leite em quantidade suficiente para satisfazer o bebé. A redução
da regularidade com que a mãe amamenta/extrai leite inibe a produção de leite e impede
totalmente o aleitamento materno em exclusivo, já que deixa de ser produzido leite suficiente
para esse efeito. Dar de mamar/tirar leite estimula a produção e assim, quando amamenta, a
mãe terá uma boa quantidade para oferecer.
A trabalhadora deve extrair leite no local de trabalho preferencialmente numa sala privada,
calma e em que sejam asseguradas as condições de higiene, no horário que seria esperado o
bebé mamar. Mas aqui é preciso ter noção da dimensão da empresa108
pois a facilidade com
uma empresa grande pode reunir estas condições é muito maior do que no caso de empresas
médias ou pequenas. De um modo geral, as pequenas empresas têm recursos relativamente
limitados para investir neste tipo de apoios.
Acresce que a utilização da bomba extratora de leite prejudica a promoção do vínculo afetivo
do bebé com a mãe.
Não sendo possível amamentar em exclusivo utilizando os dois períodos de duração máxima
de uma hora cada legalmente previstos no CT nem tão pouco reunir as condições para extrair
o leite no próprio local de trabalho com a frequência necessária, a possibilidade de a mãe
optar por amamentar o seu bebé a leite materno exclusivamente até aos 6 meses de vida
encontra-se literalmente co arctada. Entre verdadeiras impossibilidades e outras dificuldades,
muitas mães afastam a hipótese de amamentar a partir do momento em que regressam ao
trabalho, fazendo-o apenas de manhã cedo, antes de sair de casa para o trabalho e à noite,
quando regressam.
108
Vd. neste sentido, FRANCISCO CARVALHO, ob. cit., pp. 16-22; OCDE, ob. cit., p. 194.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
55
5.2 O aproveitamento indevido da dispensa para fins diversos da amamentação
Como vimos a dispensa para amamentação, pelo menos no que se refere aos primeiros seis
meses de vida do bebé, desincentiva esta prática já que não autoriza a ausência da mãe do
local de trabalho por tempo suficiente para alimentar o bebé a leite materno em exclusivo.
Ainda assim a dispensa tem na realidade vindo a ser aproveitada por muitas trabalhadoras
que, não amamentando, continuam a pretender gozar da redução de horário para outros fins,
por longos períodos de tempo, através da prestação de provas falsas.
A dispensa para amamentação é estabelecida com o intuito de garantir em exclusivo a
alimentação específica de leite materno não incluindo, portanto, outros alimentos. Aliás, é a
própria lei que exige para que se admita o gozo deste direito, além do primeiro ano de vida,
que o bebé seja comprovadamente amamentado de forma natural. Ainda assim, durante o
tempo da dispensa, compreende-se que a trabalhadora possa atender a outras necessidades do
bebé e não exclusivamente à amamentação109
. Mas a possibilidade de utilizar o tempo
concedido para gozo desta dispensa para fins diversos da amamentação não significa que esse
período não seja dedicado ao fim principal a que foi destinado: amamentar o bebé.
Além de a trabalhadora se dedicar a outros cuidados do bebé, paralelamente à amamentação
que nesse tempo deverá ter lugar, a dispensa de prestar a atividade laboral não pode ser usada
para outros fins, como fazer compras de bens de supermercado (ainda que relacionados, em
geral, com a vida do bebé) 110
.
109
Neste sentido, o Ac. da Relação de Coimbra de 19.03.98 (FERNANDES DA SILVA), CJ, 1998, II, pp.
71-73, ao determinar que “a partir do momento em que cessa, de facto a necessidade de assistência à
amamentação/aleitação, cessa forçosamente o referido direito da A./mãe da criança,
independentemente do tempo que falta para atingir o ano sobre a data de nascimento”. 110
Quanto a este aspeto, Ac. da Relação de Coimbra de 19.03.98 (FERNANDES DA SILVA), CJ, 1998,
II, pp. 71-73, em que foi considerado lícito o despedimento de trabalhadora por falsas declarações
sobre os pressupostos da dispensa, dado que se ausentava “do serviço sob o mesmo pretexto de ir
prestar amamentação à filha” mas acabava por “não se dirigir ao infantário onde essa mesma se
encontrava, indo, em vez disso, passar esses períodos de duas horas a casa dos pais”.
No PARECER N.º 20/CITE/2002, lê-se “(…) não será de admitir que uma mãe ou um pai trabalhadores
que se encontrem dispensados de prestar trabalho durante determinado período com o objectivo de
alimentarem a sua criança, utilizem esse período para fim diverso, sem motivo urgente ou
devidamente justificado”. Disponível em www.cite.gov.pt/pt/pareceres/pareceres2002/P20_02.pdf,
consultado em 11 de Março de 2015.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
56
Serão as fraudes na utilização da dispensa para amamentação motivadas pela necessidade real
de dar assistência à família, perante horários de trabalho pouco compatíveis com um apoio
adequado a filhos menores?
Uma mulher que carece de tempo para se dedicar aos filhos, socorre-se de atestado médico
falso, alarga o período de gozo da dispensa muito além do primeiro ano de vida do filho (o
máximo que conseguir) e utiliza a dispensa para fins diversos da amamentação. Num
entendimento mais ou menos consensual, as mães trabalhadoras dirão que “se não serve para
amamentar, que sirva para conseguir um tempo livre extra que tanta falta faz quando as
tarefas de uma mulher no fim de um dia de trabalho vão a meio”.
A utilização da dispensa nestes moldes tem vindo a relevar-se injustificada, e em
consequência, despoletado a revolta das entidades laborais que pretendem a todo o custo pôr
termo a abusos na utilização deste benefício concedido pela lei.
Apesar de o CT prever a atribuição de diversos direitos para proteção da parentalidade que se
concretizam na consagração legal de diversas licenças e dispensas111
as responsabilidades
familiares assumidas por ocasião do evento da maternidade continuam a representar enormes
dificuldades quando se trata de compatibilizar com a rotina profissional já existente.
A legislação laboral portuguesa pretende através da consagração destes direitos – regra geral
previstos para situações específicas (relacionadas com questões de saúde) ou para ausências
de curta duração (faltas) – permitir a conciliação da vida profissional e familiar em coerência
com o disposto no art. 27.º da Carta Social Europeia que prevê que sejam tomadas medidas
apropriadas para permitir aos trabalhadores com responsabilidades familiares entrar e
permanecer na vida ativa ou regressar a ela após uma ausência devida a essas
responsabilidades e, ainda, medidas que prevejam a possibilidade de cada um dos pais,
durante um período posterior à licença de maternidade, obter uma licença parental para
111
Licença em situação de risco clínico durante a gravidez, licença por interrupção da gravidez,
licença parental (em qualquer das modalidades), licença por adoção, licença parental complementar
em qualquer das modalidades, dispensa da prestação de trabalho por parte de trabalhadora, grávida,
puérpera ou lactante, por motivo de proteção da sua segurança e saúde, dispensa para consulta pré-
natal, dispensa para avaliação para adoção, dispensa para amamentação ou aleitação, faltas para
assistência a filho ou a neto, licença para assistência a filho, licença para assistência a filho com
deficiência ou doença crónica, trabalho a tempo parcial de trabalhador com responsabilidades
familiares, horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares, dispensa para prestação
de trabalho em regime de adaptabilidade, dispensa de prestação de trabalho suplementar e dispensa de
prestação de trabalho no período noturno.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
57
acompanhamento de um filho, cuja duração e condições serão fixadas pela legislação
nacional, pelas convenções coletivas ou pela prática. Até aqui tudo certo.
Acontece que, na vida real e prática, na maioria das situações, após o gozo da licença parental
inicial, a mãe regressa ao trabalho nas condições de tempo de trabalho já existentes
anteriormente à maternidade – o que equivale a trabalhar no mínimo oito horas diárias (sim,
no mínimo pois não é novidade que o PNT estabelecido no CT é letra morta para as entidades
empregadoras) mas agora com um importante e valioso acréscimo na sua vida, ao qual se
deseja e se espera que haja tempo para se dedicar. A circunstância de o horário de trabalho
permanecer igual ao que existia antes da assunção das responsabilidades familiares que
representam o nascimento de um filho importa naturalmente uma sobrecarga acrescida.
Embora as mães se socorram de ajudas familiares para aliviar essa sobrecarga, deve ser dada à
mãe trabalhadora a possibilidade de estar mais presente e este é um aspeto pouco valorizado
pela maioria das entidades empregadoras, que raramente vêm este nesta possibilidade uma
forma de incentivo. E, portanto, o regresso ao trabalho não deixa de significar para todas as
mães, por muitas licenças e dispensas que se prevejam, uma dura adaptação.
A disponibilidade de tempo para o acompanhamento da vida familiar, em especial dos filhos,
encontra-se diminuída pela forma de viver dos tempos de hoje de “pressas e pressões” e em
que o lema é o de que se vive para trabalhar.
Apesar de a nossa legislação laboral consagrar determinados direitos relacionados com
tempos de não trabalho não remunerados que visam atribuir o tempo livre necessário tendo
em vista a harmonização da vida profissional e familiar não se tem atingido com facilidade
(ou melhor, sem consequências) este equilíbrio. Aqui o que é necessário é passar dos
princípios à prática.
Atualmente, os regimes de horário flexível têm pouca aplicabilidade e quando reivindicados
pelas trabalhadoras as consequências no vínculo laboral incluem a sua marginalização ao
nível da contratação, entre outras consequências (v.g. remuneratórias). Por outras palavras,
quem deseja “pagar o preço” a nível profissional de dar prioridade à sua vida familiar? Existe
uma cultura enraizada segundo a qual quem deseja ser bem-sucedido a nível profissional deve
saber que isso pressupõe que a sua vida gire à volta do trabalho e concentre toda a sua
disponibilidade física e mental nesse sucesso, sob pena de não servir os interesses da
organização e ser, por essa razão, considerado um trabalhador fraco e marginalizado.
Muitas são as mulheres que gostariam de trabalhar em horários diferentes ou reduzir as horas
de trabalho para poderem dedicar mais tempo aos filhos mas não o fazem porque não podem
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
58
ter o seu salário reduzido ou porque não querem pôr em risco as suas perspetivas de
carreira112
. O emprego a tempo parcial é visto como sinal de menor empenhamento na carreira
e, por isso, prejudicial em termos de futuro.
Mais, frequentemente os pais não podem prescindir de horas de trabalho ou usufruir de
licenças sem vencimento e daí que o recurso a estas medidas esteja limitado. A decisão
relativamente ao tempo subtraído às horas de trabalho para prestação de cuidados aos filhos
depende do montante de remunerações de que as trabalhadoras serão privadas. Em geral,
quanto menor for a perda de rendimentos mais probabilidades há de estas poderem reduzir o
tempo dedicado ao trabalho.
Por esta razão cremos que a dispensa tem vindo a ser aproveitada para fins de harmonização
da vida profissional e familiar em geral e não para os concretos e estritos fins para que foi
prevista. Quanto a nós defendemos que deve existir algum equilíbrio e bom senso no
aproveitamento desta ausência ao trabalho pois não se deve desconsiderar que o empregador
suporta certos custos, designadamente com a retribuição por um período do horário de
trabalho em que não há contraprestação da atividade laboral e com as perdas de produção,
apesar do controlo da conformidade do uso do direito à dispensa para amamentar para o fim a
que se destina se apresentar muito difícil, se não praticamente impossível.
A conjugação que resulta da acumulação do trabalho pago com o trabalho efetuado em prol da
família tem revelado a necessidade de repensar as formas de organização dos tempos de
trabalho com intuito de proteger a mulher na conquista de uma vida profissional que acomode
todas as exigências que levam consigo na bagagem.
Idealmente, deseja-se alcançar um patamar de estabilidade que permita às mulheres, a par da
sua realização familiar, prosseguir os seus objetivos profissionais, progredindo na carreira e
em que se inverta o estereótipo associado às mulheres de mão-de-obra insegura e pouco
produtiva.
Só através da sensibilização, esta questão poderá surtir o efeito desejado de se adaptar as
condições de trabalho às necessidades quotidianas da sociedade atual.
No caso das advogadas, a desproteção agrava-se. A realidade das mulheres advogadas que
querem ser mães é bem pior113
. É que a maioria dos atos de advocacia são atos judiciais
(julgamentos e outros atos processuais), cuja marcação não depende da vontade daquelas
112
Cfr. OCDE, ob. cit., p. 10. 113
Vd. BÁRBARA, Daniela, “As Advogadas e a Maternidade”, Boletim da Ordem dos Advogados, n.º
97, Dezembro 2012, p. 63.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
59
profissionais e a que estas não podem faltar, salvo nos termos previstos na lei. Por esse
motivo, não gozam de certos direitos e regalias que a generalidade das trabalhadoras
beneficiam, nomeadamente da dispensa de atividade durante certo período de tempo, em caso
de maternidade. Contudo, não fica prejudicada a possibilidade de substabelecer o mandato
forense, nos termos da lei.
Existe uma quantidade significativa de mulheres jovens que são advogadas e que, além de
profissionais, partilham da realidade de todas as outras: a falta de tempo disponível para
conciliar o trabalho e a vida familiar.
Aquando do parto, o DL n.º 131/2009 de 1 de Junho atribui às mães advogadas o direito ao
adiamento de atos processuais em que devam intervir.
Na al. a) do art. 2.º daquele diploma, sob a epígrafe “maternidade ou paternidade”, prevê-se
que “quando a diligência devesse ter lugar durante o primeiro mês após o nascimento, o
adiamento não deve ser inferior a dois meses e quando devesse lugar durante o segundo mês,
o adiamento não deverá ser inferior a um mês”. Os referidos prazos são reduzidos apenas a
duas semanas e uma semana, respetivamente, no caso de processos urgentes; por fim,
havendo arguidos sujeitos a qualquer das medidas de coacção previstas nos arts. 201.º e 202.º
do Código de Processo Penal a possibilidade de adiamento nem sequer se aplica, nos termos
da al. b) e c) do artigo citado.
É do conhecimento geral que a mulher, nos períodos pré e pós-parto, ainda que corra tudo
sem surpresas, sofre um grande desgaste físico, emocional e psicológico. Os períodos de
repouso, para recuperação, são indispensáveis. É também de ter em conta o fato de a profissão
em causa ser bastante exigente a vários níveis.
É evidente que no período de apenas dois meses a mulher advogada não consegue resguardar-
se o tempo necessário e adequado a reorganizar o seu corpo e a sua mente devidamente.
Além disso, a Caixa de Previdência atribui um subsídio de maternidade e nascimento em
valores manifestamente insuficientes que não permitem que uma advogada fique em casa num
período, pelo menos igual, ao que todas as mulheres têm direito, isto porque “quem não
trabalha não come”!
Importa, por isso, estender às advogadas certos direitos, de forma a compatibilizar o exercício
da profissão com a vida familiar, em termos equilibrados, sem afetar excessivamente a
necessária celeridade da justiça.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
60
6. A definição dos métodos de prova admissíveis
A dificuldade de fazer prova quanto ao período de amamentação – o método utilizado e a
regularidade da sua exigência – representa uma outra dificuldade que deve ser resolvida pela
nossa legislação laboral.
O exercício do direito à dispensa exige que a trabalhadora comunique que amamenta com a
antecedência de 10 dias, relativamente ao momento em que pretende iniciar o gozo da
dispensa. No caso de a amamentação se prolongar além do primeiro ano de vida do filho, a
comunicação de aviso prévio deve ser complementada com a apresentação de atestado médico
que comprove que a trabalhadora se encontra efetivamente a amamentar, de acordo com o art.
48.º do CT.
A exigência de apresentação do atestado médico situa-se no âmbito da discricionariedade do
empregador. Se esta não for exigida nada impede o exercício do direito à dispensa para
amamentação, consubstanciando a apresentação de atestado médico uma formalidade ad
probationem e não uma formalidade ad substatiam114
.
Contudo, as entidades empregadoras não encontram no atestado médico um elemento fiável e
verdadeiro. À sombra de atestados médicos falsos vão-se tolerando as dispensas muito além
do primeiro ano de vida do bebé.
A verificação pelo médico de que, de fato, a criança é amamentada é feita, na maioria das
vezes, fazendo fé na declaração da mãe. A atestação médica baseia-se, essencialmente, numa
relação de boa-fé entre o médico e a mulher trabalhadora. Nada obsta a que, na formação da
sua convicção, o médico não deva ter em conta fatos concretos ou indícios adequados às
circunstâncias. O médico, devido ao acompanhamento clínico prolongado e à relação que
através deste se estabelece entre ele e a mãe trabalhadora, conhece normalmente informação
privilegiada que permite fundar a realidade de cada caso concreto.
114
Neste sentido Ac. da Relação de Lisboa de 26.07.2005 (MARIA PAULA SÁ FERNANDES), CJ, 2005,
IV, pp. 155-156, no qual se entende que a informação escrita, acompanhada de atestado médico,
constitui um requisito exigível para que a entidade empregadora seja obrigada a conceder tais
dispensas. Contudo, nada impede que a entidade empregadora dispense tal prova documental e
considere suficiente o conhecimento pessoal do parto e a informação verbal da necessidade de
amamentar o filho, não dando a essa formalidade uma natureza de formalidade ad substatiam,
revestindo-a, apenas de natureza de formalidade ad probationem.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
61
Do ponto de vista ético, os médicos, nas situações em que seja preciso atestar a amamentação
que se prolonga além do primeiro ano de vida da criança, apenas o devem fazer se estiverem,
efetivamente, convencidos de que essa amamentação é uma realidade.
Em nosso entender, não se põe em causa o direito da entidade trabalhadora a fiscalizar os
atestados médicos, haja muita ou pouca fraude. Não vivemos num estado selvagem e de total
ausência de direito. Vivemos num Estado de Direito e, como tal, existem regras.
Se é certo que é sobre a trabalhadora que recai o dever de justificar as ausências ao trabalho,
através dos meios legais adequados, não é menos verdade que à entidade empregadora é
reservado o direito de, também pelos meios legais adequados, poder exigir, a qualquer
momento, a comprovação da situação por aquela invocada, de cuja existência tenha dúvidas
fundadas.
Assim, no caso de o empregador pretender confirmar a veracidade do atestado médico
apresentado pela trabalhadora, parece-nos razoável que a lei preveja a possibilidade de o
empregador solicitar novo atestado médico, desta vez designando médico da sua confiança
para esse efeito.
Uma outra questão deve ser definitivamente resolvida pelo legislador: a periodicidade com
que deve ser renovado o atestado médico.
Não se conhece qualquer previsão legal na legislação laboral que imponha que os atestados
emitidos pelos médicos para comprovar situações de amamentação tenham que referir uma
previsão da duração da mesma ou tenham uma validade máxima previamente estabelecida.
Para prova da subsistência da situação de amamentação muitas empresas optam por exigir a
apresentação de atestado médico com uma periodicidade mensal. Esta exigência torna
necessário a comparência em consultas mensais, o que, tendo em conta o fato de muitas mães
serem seguidas em hospitais privados, se torna economicamente insustentável. A Ordem dos
Médicos “continua a ser confrontada com as dificuldades de aplicação da lei e com exigências
absurdas por parte de algumas instituições, nomeadamente a apresentação de atestados
mensais de amamentação” (Anexo E).
Refira-se ainda que, a propósito do caso concreto enunciado (Anexo D), deve ser esclarecido
que as consultas de saúde ocupacional, inseridas no âmbito da medicina do trabalho nos
termos da Lei n.º 3/2014, de 28 de Janeiro, têm um objetivo estritamente informativo e
formativo: visam assegurar as condições de trabalho e a aplicação de medidas preventivas no
interesse da promoção da saúde dos trabalhadores em geral. No que à trabalhadora grávida,
puérpera ou lactante diz respeito têm por objetivo específico a proteção em caso de atividades
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
62
suscetíveis de apresentar risco específico de exposição a agentes, processos ou condições de
trabalho, de acordo com o art. 62.º n.º2 do Código de Trabalho e art. 1.º e 73.ºA daquela Lei.
Assim, os exames, no âmbito da medicina no trabalho, são realizados de acordo com os
fatores de risco profissional a que o trabalhador se encontra exposto no decorrer da sua
atividade habitual.
As consultas destinadas à vigilância da saúde são realizadas por médicos do trabalho115
, nos
termos do art. 108.º n.º2 da Lei n.º3/2014. Ora, os médicos do trabalho estão, por via do art.
122.º e 124.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, limitados pelas funções que
desempenham e devem utilizar “sempre e só os meios de exame estritamente necessários à
sua missão”: neste caso, entenda-se, à prevenção de riscos profissionais e à vigilância da
saúde no trabalho atendendo às condições de trabalho existentes.
Para ser mais clara: as consultas de saúde ocupacional não servem para fiscalizar a atribuição
do direito de ausências ao trabalho e muito menos para certificar a veracidade de atestados
médicos. A ser assim o pretendido exame destinado à prova da amamentação por evidência de
leite cai fora do âmbito das competências destes profissionais de saúde.
Em alternativa, deve a lei laboral prever, além da possibilidade de solicitar a avaliação da
situação por médico/junta médica designado/a pelo empregador um segundo nível de
prestação de provas para os casos em que o atestado médico não se revelar, aos olhos da
entidade empregadora, um método de prova fiável. Em situações de comprovada existência de
motivos de desconfiança relativamente à atestação médica seria adequada a previsão legal da
possibilidade de realização de análises sanguíneas para verificar a concentração de prolactina
no sangue.
Quando um bebé mama, impulsos sensoriais vão do mamilo para o cérebro. Em resposta, o
cérebro produz uma hormona designada por prolactina. A prolactina vai através do sangue
para a mama, fazendo com que as células secretoras produzam leite e a maior parte desta
hormona permanece no sangue cerca de 30 minutos após a mamada.
A produção de leite depende da estimulação da mama, isto é, a mama deixa de produzir leite
se o bebé, por alguma razão, deixar de mamar. Se efetivamente o bebé deixar de mamar, o
resultado da análise indicará a ausência total de prolactina no sangue da trabalhadora,
provando assim que não se encontra a amamentar. Pelo contrário, a presença desta hormona
115
Considera-se médico do trabalho o licenciado em Medicina com especialidade de medicina no
trabalho reconhecida pela Ordem dos Médicos, de acordo com o previsto no art. 103.º da Lei
102/2009.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
63
no sangue indica que a produção de leite está a ser estimulada e que, realmente, a trabalhadora
dá de mamar ao seu filho.
Estes são métodos de prova que, sendo menos intrusivos da intimidade da mulher, podem
evitar hipóteses bizarras e humilhantes como o recurso à expressão mamária.
7. Competência para determinação dos momentos em que deve ser gozada a
dispensa
A titularidade da competência para a determinação dos momentos em que o direito à dispensa
para amamentação pode ser exercido é questão que não encontra resposta expressa na letra da
lei e que tem gerado alguns conflitos entre entidades empregadoras e trabalhadoras.
Segundo o entendimento de CATARINA CARVALHO116
, “tratando-se de um direito da
trabalhadora a exercer no interesse da criança, não pode ser o empregador a fixar estes
períodos de acordo com as conveniências da empresa, além de que, muitas vezes, atendendo à
distância física do local de trabalho a fixação desta hora no meio do período normal de
trabalho, por exemplo, inviabilizaria, do ponto de vista prático, o exercício deste direito”.
Segundo a autora, “a alimentação da criança não pode secundarizar-se em função de
interesses empresariais”.
Também, na opinião de JÚLIO GOMES117
, na falta de acordo entre entidade patronal e
trabalhadora, parece que não poderá, de modo algum, ser o empregador a fixar estes períodos
de acordo com as conveniências da empresa.
No mesmo sentido, a Relação do Porto, no Ac. de 19.10.98 (MACHADO SILVA), entende que,
na falta de acordo entre a entidade patronal e a trabalhadora, compete à mãe trabalhadora a
definição dos momentos em que o direito à dispensa para amamentação pode ser exercido.
Esta posição que privilegia os interesses da mãe e da criança é, segundo o Ac., a única que
respeita o art. 68.º da CRP cujo n.º4 estabelece que “a lei regula a atribuição às mães e aos
pais dos direitos de dispensa de trabalho por período adequado, de acordo com os interesses
da criança e as necessidades do agregado familiar”118
.
116
CATARINA CARVALHO, ob. cit., p. 156. 117
JÚLIO VIEIRA GOMES, ob. cit., p. 447. 118
Vd. neste mesmo sentido o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 8.5.2012, (SAMPAIO GOMES),
no qual se sumaria o seguinte “não tendo sido possível acertar os interesses de ambas as partes, os
interesses do lactante devem sobrepor-se aos interesses da entidade patronal da mãe, pelo que a ordem
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
64
A CITE vai no mesmo sentido ao concluir, no Parecer n.º1/CITE/83119
, num caso em que a
empresa pretendia limitar o gozo da dispensa para amamentação a determinados intervalos de
tempo, durante os quais, face à localização da fábrica e à pouca frequência de transportes
públicos, se tornava difícil o exercício do direito, o seguinte: “na verdade compete à entidade
patronal, nos termos do art. 11.º, n.º1, do DL n.º 409/71, de 27 de Setembro, estabelecer o
horário do pessoal ao seu serviço dentro dos condicionalismos legais. Não pode esta, porém,
com base em tal norma, retirar ou cercear aos trabalhadores, na prática, a possibilidade de
exercício dos direitos que lhe estão reconhecidos por via legal ou convencional”.
Em diversos pareceres analisados, a CITE tem-se pronunciado a favor das trabalhadoras ao
decidir que a entidade empregadora deve proporcionar condições de trabalho que favoreçam a
conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal, concluindo que não deve
ser colocado qualquer obstáculo a que a trabalhadora amamente nos precisos termos que, de
acordo com a sua vontade, comunique à entidade empregadora, com respeito pelo ritmo
biológico da criança.
Nesse sentido defende a CITE que, na falta de acordo entre empregador e trabalhadora, deve
atender-se ao horário indicado pela trabalhadora como adequado para o exercício do direito à
dispensa para amamentação. “Não permitir à mãe trabalhadora lactante determinar em que
período da manhã e da tarde pretende proceder à amamentação poderá conduzir a uma
situação de inviabilização do exercício do direito da mãe trabalhadora a amamentar, no
interesse da criança, respeitando o seu ritmo biológico”120
.
Também em nossa opinião a determinação dos momentos em que a dispensa deve ser gozada
cabe à trabalhadora.
Assim, na comunicação de aviso prévio, além de declarar que amamenta o bebé, a
trabalhadora deve também indicar em que momentos do dia pretende exercer o direito à
dispensa e qual a duração de cada período. O empregador deve sujeitar-se a essa decisão sem
apresentar qualquer objeção, não obstante a empresa poder vir a ser afetada.
dada, no sentido de aquela cumprir um horário totalmente incompatível com a amamentação da
recém-nascida, se mostra ilegítima e, enquanto tal, a A. não estava obrigada a cumpri-la, sendo o seu
despedimento, fundamentado nesse incumprimento, ilícito”. 119
CITE, Edição Comemorativa dos 20 anos da CITE ob. cit.. 120
Vd. PARECER N.º 51/CITE/2009. Neste sentido ainda, vd. PARECER n.º 286/CITE/2014 e PARECER
n.º 115/CITE/2011.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
65
Esta comunicação permite ao empregador acautelar os seus interesses, designadamente,
através da reorganização da força de trabalho disponível, tendo em conta que em
determinados períodos do dia passará a contar com menos uma trabalhadora.
Em defesa deste entendimento, refira-se que o direito à dispensa para amamentação é
estabelecido em torno do direito do bebé a ser alimentado. Por esse motivo, o gozo dos
períodos da dispensa deve ser gerido em função dessa necessidade. Ninguém, além da mãe,
saberá qual o momento em que é necessário amamentar o bebé, pelo que deve ser a
trabalhadora a indicar à sua entidade empregadora quais os períodos de tempo em que estará
ausente do seu local de trabalho para esse efeito.
Entendemos, assim, que quaisquer interesses empresariais não devem concorrer para a
determinação do momento em que o gozo da dispensa terá lugar.
Tanto mais que este é um momento em que se constrói a relação afetiva entre mãe e filho,
pelo que, também por este motivo entendemos não ser possível conferir ao empregador
liberdade para determinar os momentos em que esse elo pode ser “alimentado”.
CATARINA CARVALHO121
salienta, neste sentido, que “a tutela legal, neste contexto, não se
restringe à saúde física da mãe e da criança: abarca a relação integral que, no respetivo
período, se desenvolve entre mãe e filho. As necessidades biológicas, a par das exigências
relacionais e afetivas, essenciais no desenvolvimento da criança, fazem parte desta relação e,
como tal, devem ser protegidas”122
.
Em coerência nada deve impedir a trabalhadora de alterar o momento do dia em que pretende
gozar a dispensa e a duração desses períodos, cumprindo, em todo o caso, com o aviso prévio
a que está obrigada.
Sendo certo que atribuir à trabalhadora o poder de determinação nesta matéria é a posição que
nos parece mais adequada, atentos os valores em causa e os argumentos apresentados, deve-
se, no entanto, reconhecer que a preferência por certos períodos do dia podem acarretar
dificuldades de organização do trabalho dentro da empresa.
Assim sucederá, por exemplo, se os períodos designados pela trabalhadora coincidirem com
momentos em que a prestação de trabalho se torna imprescindível. Nesses casos é de difícil
conjugação o exercício deste direito com os interesses legítimos do empregador.
121
Vd. CATARINA CARVALHO, ob. cit., 2004, p. 44. 122
Cfr. GIOVANNI NICOLINI, Manuale di dirito del lavoro, 3ª ed., Giuffré, Milão, 2000, p. 171, citado
por CATARINA CARVALHO, ob. cit., p. 44 (nota 7).
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
66
Idealmente estas decisões devem ser pautadas por algum bom senso de modo a que, sendo
inegável que deve ser a mãe, unilateralmente, a decidir em que períodos do horário de
trabalho se irá ausentar para o efeito de amamentar o seu filho, seja possível encontrar uma
solução que permita compatibilizar os interesses do empregador e o direito da trabalhadora a
amamentar, sem inviabilizar na totalidade a prestação da atividade laboral para a qual foi
contratada e, consequentemente, causar prejuízos consideráveis.
No limite, o empregador pode ver-se na obrigação de remunerar uma trabalhadora
indisponível para oferecer a contrapartida correspondente, isto é, a força do seu trabalho. Isto
porque, em virtude do gozo da dispensa para amamentação, o empregador não pode, em caso
algum, reduzir o montante da prestação retributiva123
ou proceder a quaisquer alterações na
retribuição da trabalhadora.
A regra é a de que a dispensa para amamentação não determina a perda de quaisquer direitos,
sendo contabilizadas como prestação efetiva as ausências ao trabalho delas resultantes.
“A manutenção da retribuição não tem de impender sobre o empregador (até para não criar
um encargo que poderia constituir argumento contrário contra o emprego de mulheres), mas
sim sobre o sistema de segurança social”124
.
123
Neste sentido, PARECER N.º8/CITE/96, em que se determinou que a entidade patronal em causa
deveria pagar às trabalhadoras em gozo de licença de amamentação “(…) as horas que lhes descontou
por amamentarem os seus filhos, bem como aquelas que futuramente venham a usufruir para o mesmo
efeito”, CITE Edição Comemorativa dos 20 anos da CITE, ob. cit.. 124
GOMES CANOTILHO, J.J. e MOREIRA, Vital, ob. cit., p. 866.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
67
CAPÍTULO VI
UM CONTRIBUTO EM DEFESA DAS AUSÊNCIAS AO TRABALHO PARA AMAMENTAR:
“REGIME DE AMAMENTAÇÃO DECRESCENTE OU TRIPARTIDO”
Para obviar a situações de conflito é imprescindível repensar os moldes em que o CT atual
prevê o regime de dispensa para amamentação de forma a conciliar ambos os interesses em
presença – por um lado evitar a utilização abusiva do direito à dispensa para amamentar e, por
outro, permitir que as trabalhadoras não sejam, sob qualquer forma mais ou menos direta,
impedidas de gozar este direito em pleno, isto é, que o direito legalmente previsto se traduza
numa real hipótese de amamentar de acordo com as recomendações da OMS.
O regime que, a seguir se apresenta, pretende ensaiar possíveis soluções para os problemas
atrás identificados: a inexistência de um limite máximo para a duração da dispensa; a
impossibilidade de amamentar em exclusivo até aos 6 meses de vida do bebé, dadas as
dificuldades de conciliação com o regresso ao trabalho, e, paralelamente, cumprir o objetivo
de evitar que se cometam abusos no exercício deste importante direito.
A ideia que presidiu à definição deste regime é inspirada na variação das necessidades
nutricionais do bebé ao longo dos primeiros meses de vida. Consiste na delimitação de três
importantes e distintos momentos aos quais correspondem necessidades de amamentação
quantitativamente diversas, que justificam a atribuição de distintos direitos de ausência ao
trabalho para amamentar, em moldes proporcionais a essas mesmas necessidades, no sentido
decrescente: o direito de ausência ao trabalho decresce à medida que as necessidades de
amamentação diminuem.
Esta delimitação tem, sobretudo, em conta as recomendações da OMS, que não parecem ter
orientado as decisões do legislador aquando da redação dos arts. 47.º e 48.º do CT.
Relembramos, conforme se expôs acima, que a OMS recomenda o aleitamento materno em
exclusivo do bebé, sem lhe oferecer mais nenhum alimento ou bebida, durante os primeiros 6
meses de idade e a sua manutenção a partir dessa idade, como complemento de uma
alimentação diversificada, até pelo menos aos dois anos de idade.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
68
1. Estádio 1: os primeiros seis meses de vida – a amamentação em exclusivo e em
regime livre
Na primeira fase, até aos primeiros 6 meses de vida, espera-se que o bebé seja alimentado em
exclusivo de leite materno e em regime livre. A amamentação nestes termos significa que o
bebé mama quando quer e o tempo que quiser, circunstância que deixa evidente a
dependência do bebé em relação à mãe durante este período.
Por este motivo, entendemos que seria adequado prever-se que o regresso ao trabalho a tempo
parcial. No termo da licença parental inicial, a mãe trabalhadora beneficiaria do acréscimo de
30 dias ou 60 dias, consoante a duração de 120 ou 150 dias daquela licença, respetivamente,
período em que prestaria a sua atividade laboral a tempo parcial.
Este acréscimo tornaria viável a possibilidade de amamentar o bebé em exclusivo até aos 6
meses e atenuaria o choque de afastamento entre mãe e filho depois de terem passado os
últimos meses em perfeita simbiose. Além de ser uma excelente forma de proporcionar uma
adaptação progressiva às rotinas profissionais num momento que se caracteriza por ser tão
delicado.
Em alternativa, outra opção, que nos parece de aplaudir, é o alargamento da licença de
maternidade até aos 6 meses de vida do bebé. Mas às vezes, o mais conveniente é reduzir o
tempo de trabalho em vez protelar a interrupção da atividade profissional. O desenvolvimento
do trabalho a tempo parcial é uma forma de fomentar a compatibilidade entre as atenções aos
filhos e a integração no mundo de trabalho125
.
Ambas as opções concedem um período adequado para ajudar as trabalhadoras a recuperar do
parto, fomentar o vínculo mãe-filho e a encorajar o aleitamento materno nos primeiros meses
de vida, cujos benefícios para a saúde da criança e da mulher são atualmente uma evidência.
Aliás, aproveito para mencionar que, no atual contexto demográfico, caracterizado por baixas
taxas de natalidade e uma proporção crescente de idosos, o prolongamento da licença de
maternidade, a par de outras medidas que favoreçam a conciliação da vida profissional e
familiar, deveria ser valorizado como um incentivo à natalidade.
125
Vd. neste sentido FRANCISCO CARVALHO, ob. cit., p. 16.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
69
1.1 Argumentos em defesa desta tese
1.1.1 Os exemplos vindos do exterior
Neste ponto reunimos os exemplos de países em que a licença de maternidade permite à mãe
amamentar em exclusivo até aos 6 meses.
Na Irlanda126
, a licença tem a duração de 26 semanas pagas (através do maternity benefit –
pagamento realizado pelo departamento de proteção social, o que não invalida que o contrato
preveja a atribuição de outros direitos de pagamento adicionais durante o período da licença.
Pode prever, por exemplo, que a trabalhadora receba a sua remuneração total, descontado o
montante respeitante ao subsídio de maternidade que irá receber). Além disso, está legalmente
prevista a atribuição de mais 16 semanas adicionais, não remuneradas (este período adicional
já não é coberto pelo subsídio de maternidade. O empregador também não é obrigado a
realizar qualquer pagamento durante este período, salvo acordo em contrário, a começar
imediatamente após o final da licença de maternidade. Obrigatoriamente, pelo menos, 2
semanas têm de ser gozadas antes da semana prevista para o nascimento do bebé e, pelo
menos, 4 semanas após o nascimento.
Na Noruega127
, é possível optar por uma licença de 49 semanas ou 59 semanas pagas. O
subsídio parental atribuído durante a licença tem diferentes graus de cobertura, será pago a
100% ou 80% consoante a licença seja gozada no período mais longo ou mais curto. Do
período total da licença 9 semanas estão exclusivamente reservadas à mãe (3 semanas antes
do nascimento e as restantes 6 após o nascimento) e 10 semanas reservadas ao pai. O restante
tempo de licença pode ser dividido entre o pai e a mãe, de acordo com as preferências do
casal.
No Reino Unido128
, a licença de maternidade, designada por “Statutory Maternity Leave”,
compreende 52 semanas divididas em dois grupos: Ordinary Maternity Leave (primeiras 26
semanas) e Additional Maternity Leave (últimas 26 semanas). A trabalhadora não tem de
gozar as 52 semanas completas mas deve gozar, pelo menos, duas semanas após o nascimento
do bebé (ou 4 semanas se o trabalho for realizado numa fábrica).
126
Citizens Information, Public Service Information – http://www.citizensinformation.ie/en/
consultado em 18 de Maio de 2015. 127
http://www.regjeringen.no/ e http://www.nav.no/en/ consultado em 09 de Junho de 2015. 128
Government Services and Information – https://www.gov.uk/ consultado em 18 de Maio de 2015.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
70
Normalmente, a licença pode ter início, (i) no máximo, 11 semanas antes da semana prevista
para o nascimento do bebé; (ii) no dia seguinte após o nascimento se for o caso de bebé
prematuro ou (iii) no caso de a mãe estar ausente do trabalho por motivo relacionado com a
gravidez a licença inicia-se nas 4 semanas anteriores à data prevista para o nascimento do
bebé.
A licença de maternidade é paga durante 39 semanas. Começa com o pagamento de 90% do
salário semanal médio (antes de impostos) nas primeiras 6 semanas e £139.58 ou 90% do
salário semanal médio (o valor que for menor) nas restantes 33 semanas. A Statutory
Maternity Pay é paga com a mesma periodicidade que o salário, mensalmente ou
semanalmente.
Na Suécia129
existe uma licença de parentalidade longa e paga. Os pais têm direito a 480 dias
pagos de licença parental por ocasião do nascimento de um filho. Este número é bastante
elevado quando comparado com os padrões internacionais.
Durante 390 dias a licença é paga no valor correspondente a cerca de 80% do salário normal,
havendo a fixação de um limite máximo mensal de SEK 37,083 (aproximadamente
4000€/mês), a partir do qual a licença deixa de ser progressiva. Os restantes 90 dias são pagas
a uma taxa fixa.
A licença parental pode ser usufruída até a criança ter 8 anos e aplica-se por cada criança
(exceto em caso de nascimentos múltiplos), pelo que os pais podem acumular a licença de
vários filhos. Depois dos 480 dias e até aos 8 anos de idade do filho, os pais podem ainda
reduzir até 25% as horas de trabalho, sendo que só são pagas as horas de trabalho efetivo.
Portanto, tanto o pai como a mãe têm direito a 240 dias de licença (num total de 480 dias) e
juntos podem usufruir de 16 meses pagos (dos quais 13 meses a 80%).
A Suécia e a Noruega têm as maiores licenças de maternidade do Mundo (mais de um ano
pago).
1.1.2 Os benefícios da amamentação
Outro argumento que merece ser destacado e ponderado quando se trata de “salvar” a
dispensa para amamentação da sua inoperância atual prende-se com o profundo impacto
129
10 Things that make Sweden Family Friendly – https://sweden.se/society/10-things-that-make-
sweden-family-friendly/ consultado em 18 de Maio de 2015.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
71
positivo que a amamentação representa na saúde atual e futura do bebé e da mãe, aspeto que
deve ser valorizado quando se trata de garantir o exercício pleno deste direito.
Muitas empresas supõem que os leites artificiais são verdadeiros substitutos do leite materno
e por essa razão consideram as ausências ao trabalho para amamentar injustificadas. A
verdade é que, apesar dos grandes avanções científicos na sua produção, o leite artificial
continua a ser insubstituível do ponto de vista da sua composição ao leite humano130
. Nenhum
leite de substituição consegue reproduzir as propriedades únicas do leite materno,
independentemente da quantidade de vitaminas, minerais e suplementos que se adicionem ao
que é, no fundo, uma formulação química.
O leite materno é uma substância de grande complexidade biológica que a tecnologia
moderna não foi capaz de “copiar”. É um alimento vivo, completo e natural. As suas
vantagens – quer a curto quer a longo prazo – são indiscutíveis e estão bem documentadas
pela investigação científica, existindo um consenso mundial de que a prática exclusiva da
amamentação é a melhor maneira de alimentar as crianças até aos 6 meses de vida. Em Março
de 2004, a UNICEF131
divulgou uma folha informativa sobre os benefícios do aleitamento
materno, apresentando dados em como tem sido produzida evidência significativa e fiável no
que respeita às vantagens da amamentação, quer para o lactente, quer para a mãe, mesmo nos
países industrializados.
Por questões de saúde é necessário proporcionar as estruturas adequadas a nível de tempo de
trabalho que viabilizem a amamentação durante um período de tempo significativo132
.
O leite produzido pelo organismo da mãe corresponde exatamente às características e
necessidades nutricionais do bebé e adapta-se ao seu desenvolvimento, modificando
fisiologicamente a sua composição e quantidade de forma gradual. Daí se dizer que é “feito à
medida”. Contém tudo o que o bebé necessita: proteínas, lípidos, lactose, vitaminas, ferro,
minerais, água e enzimas nas quantidades exatas para o crescimento e desenvolvimento
considerados ideais. A prova é que mulheres que têm bebés prematuros produzem leite mais
rico em ácidos gordos essenciais de forma a satisfazer as necessidades específicas de
maturação cerebral do bebé prematuro.
130
Cfr. HÉLDER AGUIAR et al., ob. cit., p. 3. 131
UNICEF – Health benefits of breastfeeding. UNICEF UK Baby Friendly Initiative, 2004.
Disponível em http://www.babyfriendly.org.uk/health.asp., consultado em 23 de Junho de 2015. 132
Cfr. OCDE, ob. cit., p. 185.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
72
Entre as várias vantagens para a saúde humana associadas ao consumo de leite materno,
destaca-se, a curto prazo, o fortalecimento do sistema imunitário do bebé, ainda muito
imaturo – os bebés amamentados têm menor suscetibilidade a infeções bacterianas do que os
bebés alimentados com leite de vaca.
Além do menor risco infecioso, o consumo de leite materno protege o desenvolvimento de
outro tipo de patologias como as doenças alérgicas e asma, doenças neoplásicas,
cardiovasculares e reduz o risco de síndrome de morte súbita.
Há ainda cada vez mais a evidência de que o consumo de leite materno apresenta benefícios a
longo prazo. Estudos reportam a proteção no desenvolvimento de doenças crónicas ao longo
da vida, designadamente a diminuição do risco de obesidade, alterações na pressão arterial e
nos níveis de colesterol em idade adulta.
Assim, a nutrição do bebé durante a fase fetal (período da gravidez) e pós-natal tem um papel
determinante na saúde a curto e a longo prazo. É um fato que os bebés amamentados são mais
saudáveis, o que reduz, a longo prazo, o absentismo das mães no local de trabalho.
Para além dos efeitos benéficos ao nível da saúde do bebé, existe evidência sólida de que o
aleitamento materno confere proteção também à mãe contra diversos tipos de cancro, tais
como os cancros da mama, ovário e útero, reduz as hemorragias pós-parto e o risco de
anemia. Quanto mais prolongada for a amamentação maior será também o sucesso do
aleitamento materno.
Mas amamentar é mais do que alimentar. Além de conter o balanço ideal de nutrientes
adequados a cada fase do crescimento a amamentação promove o vínculo afetivo entre mãe e
filho.
Amamentar é um ato de cumplicidade e amor durante o qual se estabelecem laços fortes entre
mãe e filho que ajudam no equilíbrio emocional e psicológico do bebé. Este momento de
grande intimidade física reconforta o bebé e oferece-lhe uma sensação de segurança, ajudando
a acalmar e a relaxar.
““É uma ligação ao bebé completamente diferente, é um momento de intimidade. Primeiro,
temos muito leite e dores enquanto não nos adaptamos às necessidades do bebé, depois é
muito gratificante, muito bom”” (Testemunho Susana Morgado, Anexo C).
A evidência dos benefícios do aleitamento materno ao nível da saúde parece-nos demasiado
convincente para ser ignorada. Evitar o abandono precoce do aleitamento materno, depende,
entre outras motivações, da previsão de condições, ao nível da legislação laboral, que
possibilitem, de fato, a amamentação.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
73
Infelizmente contra todas as evidências e argumentos científicos, a taxa de amamentação bem
como a sua duração ficam aquém do que seria desejável.
2. Estádio 2: entre os 6 meses e os 12 meses de vida – o período de adaptação
A partir dos 6 meses de vida do bebé, a trabalhadora passaria a beneficiar da redução de
horário para amamentar, em moldes idênticos à dispensa atualmente prevista.
No primeiro semestre de vida o leite materno é suficiente para suprir integralmente
necessidades nutricionais e alimentares assegurando um crescimento e desenvolvimento de
acordo com o desejável.
Após os 6 meses, não é esperado que o bebé se alimente exclusivamente a leite materno.
Cerca desta idade, o bebé começa a diversificar a alimentação através da ingestão de outro
tipo de alimentos, para além do leite materno, até se integrar, por volta de um ano de idade, no
regime alimentar da família. O processo de introdução de alimentos sólidos é gradual pelo
que o leite materno, apesar de se diminuir a frequência com que é oferecido, continua a ser
um importante alimento durante os meses seguintes. Ou seja, o leite materno deixa de ser a
única fonte de sustento do bebé e passa a funcionar apenas como complemento de outro tipo
de alimentação.
À medida que se introduzem esses novos alimentos, a necessidade de amamentar o bebé
diminui, circunstância que justifica, só por si, que a atribuição de tempo disponível para a mãe
satisfazer esta necessidade varie, aumente ou diminua, à medida que os hábitos alimentares do
bebé se aproximam do regime alimentar familiar.
Em conformidade, a dispensa que prevê a ausência ao trabalho a gozar em dois períodos
distintos com a duração de uma hora cada deveria ser alargada para uma hora e meia cada
período, devendo a prova a produzir para comprovar o período de amamentação, além da
apresentação de atestado médico, ser legalmente determinada e suficiente para que se afigure
desnecessário ao empregador optar por outros métodos, nos termos já expostos a propósito da
definição dos métodos de prova admissíveis.
Poucas são as mães trabalhadoras que resistem às dificuldades de compatibilizar o regresso ao
trabalho e a amamentação, sendo frequente que, por volta dos 6 meses, a amamentação seja
abandonada.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
74
3. Estádio 3: entre os 12 meses e os 24 meses, a necessidade de fixação de um limite
máximo?
Com um ano de idade, o bebé deve estar enquadrado no regime alimentar familiar e
alimentar-se exatamente da mesma forma que os pais ou pessoas com que viva. O leite
materno não é já suficiente para satisfazer todas as necessidades, apesar de se continuarem a
verificar benefícios na amamentação nesta idade, desde que combinada com as refeições ditas
normais. Aliás, amamentar uma criança com um ano ou mais, que já anda, é normal, saudável
e absolutamente comum em várias partes do mundo e perante certas culturas.
Nesse caso, o leite materno é oferecido em períodos do dia muito específicos, não se
destinando já a fazer parte das refeições principais, normalmente oferecido ao pequeno-
almoço e ao deitar.
Para satisfazer estas necessidades pontuais, que não reclamam por um dispêndio de tempo
significativo da trabalhadora, seria adequado prever legalmente que a dispensa para
amamentação, anteriormente prevista com a duração máxima de uma hora e meia, fosse
reduzida, apenas, a meia hora. Previa-se, assim, um género de “tolerância” para amamentar.
Atingindo os dois anos de idade cremos que a dispensa para amamentar além deste período
não fará sentido. Na maioria das situações é pouco provável que a amamentação se prolongue
até aos dois anos de vida do bebé ou que vá além deste limite mas ainda que isso suceda o
aleitamento sempre será parcial e terá uma expressão bastante reduzida. Não existe data certa
para parar a amamentação, a interrupção deve ser um processo natural e menos arbitrário. É
uma decisão que deve ser tomada pela trabalhadora e não de qualquer forma imposta por
entidades laborais ou limitada pela lei.
O estabelecimento de um limite máximo por volta dos dois anos de idade, à semelhança do
que se encontra previsto para a dispensa para aleitação, não significa que se pretendam impor
datas para as trabalhadoras deixarem de amamentar os seus filhos, pois como se referiu já a
decisão que põe termo à amamentação não deve ser por qualquer meio imposta.
Antes se pretende por um lado, ao concretizar os limites para o exercício deste direito, que o
mesmo não se revele demasiado penoso para os empregadores, os quais se têm confrontado
com a obrigatoriedade de aceitar falsas dispensas, e, por outro lado, para as trabalhadoras,
assegurar na letra da lei o período exato dentro do qual o gozo das ausências deve ser
admitido e aceite, sem margem para outras imposições limitativas. A maior adequação da lei
às reais necessidades para amamentar ao privilegiar os empregadores por balizar a hipótese de
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
75
abusos, tem, por outro lado, a vantagem de, uma vez atribuído este direito quando realmente é
necessário, não se conceder margem para olhar estes mecanismos de proteção com a
desconfiança e a conotação negativa com que têm vindo a ser marginalizados.
Segundo dados da OIT133
, em 92 países do Mundo as legislações nacionais concedem às mães
interrupções nas suas jornadas laborais para amamentar até uma hora diária, que poderá ser
dividida em duas pausas de meia hora cada. Outros países, nomeadamente a Suíça ou a
Indonésia, não dão orientações legais quanto ao número de períodos durante o dia e duração
dos mesmos, sendo determinado apenas que será concedido o tempo necessário.
Nem uma, nem outra solução nos parece de aplaudir – a primeira por excessivamente
limitativa da hipótese de alimentar o bebé a leite materno, seja em exclusivo seja como
complemento; a segunda por, ao atribuir o tempo necessário, pecar por poder ser
contraproducente, pois sendo permissiva tanto quanto desejado poder despoletar com maior
facilidade abusos por parte de trabalhadoras e sugerir um controlo mais apertado por parte de
entidades empregadoras, o que, no limite, redunda em sérios conflitos.
133
Cfr. OIT, ob. cit., p. 4.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
76
CONCLUSÃO
A realização deste trabalho permite-nos concluir pela incompletude de regulamentação do
regime jurídico de tutela da maternidade previsto no direito laboral português, quer na fase de
acesso ao emprego, quer na fase de regresso ao trabalho.
Neste trabalho foram relatados casos concretos e atuais que espelham as arbitrariedades que,
frequentemente, têm sido praticadas pelas entidades empregadoras e que têm dificultado a
concretização de objetivos profissionais e, simultaneamente, a realização pessoal e familiar.
Apesar da regulação a nível internacional deste tema remontar ao ano de 1919, data em que
foi criada a Convenção da OIT n.º3, de 28 de Novembro de 1919, são evidentes as
dificuldades de implementação do regime da dispensa para amamentação devido, em parte, à
indeterminação que a legislação laboral nacional em certas questões evidencia. Por outro lado,
não se compreende a enunciação de fórmulas e conceitos indeterminados nos preceitos
analisados quando se está diante de temas de extrema sensibilidade.
Conforme demonstram os testemunhos relatados, a verdade é que o gozo de direitos de
ausência ao trabalho, previstos no regime da parentalidade, é, normalmente, fonte de conflitos
devido à oposição de interesses que se verifica. Se por um lado, ao empregador interessa que
a trabalhadora tenha a máxima disponibilidade de tempo para se dedicar à prestação do seu
trabalho; por outro, à trabalhadora que acaba de ser mãe interessa especialmente ter tempo
para se dedicar à responsabilidade que o nascimento de um filho representa.
Neste contexto, a indefinição legal do regime em nada contribui para atenuar a oposição de
interesses. Aliás, a prática tem revelado que o vago e impreciso enquadramento legal da
matéria, muitas vezes através do recurso a princípios gerais, é uma porta aberta para abusos,
quer da trabalhadora, que vai pretender estender o período de ausência ao limite, quer do
empregador, que vai adotar a posição exatamente contrária, numa tentativa de limitar o
exercício desse direito.
A notória falta de tempo disponível para acudir às responsabilidades familiares, tem resultado
no aproveitamento indevido do direito à dispensa para amamentação. Em consequência, esta
utilização abusiva muito tem contribuído para encorajar a defesa de uma visão pejorativa da
mulher no mercado de trabalho.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
77
São as fraudes e conflitos entre empregadores e trabalhadoras, em torno do gozo,
nomeadamente, deste direito, que têm contribuído para erguer barreiras à entrada da mulher
no mercado de trabalho.
E por isso, a intenção de constituir família ou a própria gravidez, são questões que estão
presentes na generalidade das entrevistas e que não caiem fora do âmbito de temas a abordar.
Com isto, esperam os recrutadores eliminar da corrida ao lugar que se procura preencher, as
candidatas que, no futuro breve, estejam enquadradas no referido regime da parentalidade e
que, porventura, possam representar problemas acrescidos.
A opção pela não contratação de mulheres e a realização de inquéritos sem limites a propósito
da gravidez, na fase de formação do contrato de trabalho, têm, na origem, o objetivo de evitar
o gozo de direitos atribuídos por ocasião da maternidade.
Atentos os valores em causa, seria de esperar que o deficiente gozo do direito à dispensa para
amamentação e as, consequentes, situações de violação da reserva da intimidade da vida
privada das candidatas, em sede de entrevistas a emprego, fossem alvo de um controlado
apertado e sancionadas em conformidade.
Mas a verdade é que, além das menores condições em termos profissionais para engravidar,
não se dá estabilidade e ainda se colocam entraves ao pleno gozo de direitos atribuídos pelo
regime da parentalidade.
Embora a gravidez seja, em princípio, sinónimo de alguma limitação em termos de
disponibilidade de tempo para a prestação de trabalho, que no limite é suscetível de causar
prejuízo à organização empresarial, deve-se lembrar a importância que assume o fenómeno da
reprodução para a sociedade. A mulher é um ser com características biológicas únicas e
essenciais à vida humana pois são os únicos seres com capacidade para reproduzir e os
amamentar nos primeiros tempos de vida.
Se, tradicionalmente, a mulher se dedicava, em exclusivo, às tarefas do lar, ela assume, nos
dias de hoje, muitas outras responsabilidades que fazem com que a sua presença no mercado
de trabalho mereça um enquadramento legal especial. Nesse contexto, os instrumentos legais
de tutela da maternidade constituem mecanismos de proteção essenciais para a
compatibilização dos tempos de família e trabalho. O problema é que a sua efetividade tem
sido impedida por determinadas entidades empregadoras que não vislumbram na utilização
desses instrumentos legais qualquer vantagem.
Revela-se, aos nossos olhos, imperativa e urgente a necessidade de inverter a tendência de
olhar a maternidade como algo de prejudicial, proteger a condição biológica única da mulher
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
78
e conciliar ambos os interesses, por um lado, o menor prejuízo possível ao empregador,
protegendo-o de eventuais abusos, sem descurar o direito a constituir família e ao trabalho.
A par de uma mudança de mentalidades, essa sim imprescindível, as disposições legislativas
nacionais do trabalho devem auxiliar esse processo no sentido da atualização das soluções
legais previstas, proporcionando um maior equilíbrio da balança: menor risco para as
empresas e maior segurança para as trabalhadoras.
Ao nível da mudança de mentalidades muitas são as medidas de sensibilização que se podem
adotar no contexto empresarial, designadamente, através da sensibilização dos sindicatos e
organizações de empregadores para os direitos e disposições pertinentes nesta matéria.
Em última instância, cremos que tudo dependerá da cultura do local de trabalho, da medida
em que a empresa tenha sido afetada pela gravidez de outras mulheres e da sua relação com os
seus superiores.
Para os mais sensíveis ao tema como eu, a maternidade é, sem dúvida, uma fase graciosa da
mulher que deve ser respeitada e gozada em paz.
Incidências Jus-Laborais da Maternidade
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ANEXOS
ANEXO A
ANEXO B
ANEXO C
ANEXO D
ANEXO E