UMA EXPERIÊNCIA ARTICULADA PARA A PRODUÇÃO DE PROPOSTAS
DIDÁTICAS NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE
GEOGRAFIA1
Rodrigo Costa de Aguiar/Universidade Federal do Rio Grande do Sul
POR QUE ENSINAR GEOGRAFIA DE MANEIRA MAIS PRAZEROSA?
A Geografia tradicional, ainda tão presente nas salas de aula tem sido norteada pelo
paradigma “A Terra e o Homem”, na qual ainda é estudado o papel do espaço no
funcionamento dos grupos humanos (funcionalista-reducionista) ou as relações sociedade-
natureza de forma mecanicista e dicotômica. Além disso, em muitas salas de aula, a
disciplina simplesmente se reduz a decorar nomes de capitais, cidades, rios... podendo
torná-la uma ciência meramente mnenômica e descritiva.
Essas formas tradicionais de ensinar Geografia nos remontam aos projetos originais
deste campo de conhecimento, durante o período no qual se consolida como ciência na
modernidade: legitimar o projeto expansionista dos estados nacionais que estavam surgindo
neste período. Além disso, em sala de aula, as primeiras cátedras de Geografia tinham por
finalidade incutir o nacionalismo, tão necessário para as aventuras coloniais das potências
que estavam emergindo na Europa no Século XIX. Vale lembrarmos que desde a
1 Co-autores: Antonio Carlos Castrogiovanni (Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Ponticícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, coordenador da pesquisa, e-mail: [email protected]), Daniel Mallmann Valerius (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e-mail: [email protected]), Fernando Dreissig de Moraes (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e-mail: [email protected]); (Henrique Dorneles de Castro (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e-mail: [email protected]), Kinsey Santos Pinto (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e-mail: [email protected]), Rafael Zílio Fernandes (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e-mail: [email protected]), Rodrigo Alves Lampert (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e-mail: [email protected]) e Stefan Szczesny Rout (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e-mail: [email protected] ).
Antigüidade, o conhecimento geográfico esteve vinculado à dominação e expansão
territorial (CASTRO, 2005)2.
Os novos paradigmas da(s) chamada(s) “Geografia(s) Crítica(s)3”, cuja ascensão se
dá no final da década de 1970 trazem novos rumos à geografia brasileira. O espaço
geográfico passa a ser entendido de forma relacional, sendo condição, meio e produto das
relações sociais. Busca-se compreender as diferentes formas pelas quais as sociedades se
apropriam da natureza e são influenciadas e influenciadoras nela. Não podemos ignorar que
a geografia tradicional continua presente em muitas salas de aula, mas pretendemos avançar
na discussão sobre o ensino deste campo de conhecimento.
Entendemos ainda que o ensino de Geografia, em especial o da chamada “Geografia
Física”4 tem se limitado a trabalhar temas e conceitos das ciências naturais de maneira
isolada, como elementos do universo, movimentos da Terra, climatologia, geomorfologia
etc, sem o entendimento das formas como a natureza influencia as ações humanas e como
as diferentes técnicas afetam o ambiente natural, na produção do que chamamos de espaço
geográfico. Estas formas enfadonhas de ensinarmos Geografia têm gerado desinteresse e
desmotivação por parte dos alunos, bem como um questionamento da sua finalidade como
disciplina escolar. Por outro lado, é contraditoriamente recorrente encontrarmos a
afirmação de que a disciplina deveria retornar aos seus primórdios, com a memorização de
localizações, capitais, rios etc. VEZENTINI (2004) esclarece essa inquietação afirmando
que o questionamento por parte da disciplina da Geografia nas escolas se deve muito mais
aos paradigmas ultrapassados frente ao contexto atual, do que propriamente o advento da
Geografia Crítica5.
Consideramos que existem pressupostos epistemológicos da Geografia e da
Educação, mesmo quando não temos ciência destes, quando o professor se diz transmissor
de conhecimentos e não tenha clareza destes.
2 Vale lembrarmos que mesmo com toda a crítica que se faz àquilo que a autora chama de “pecado original da Geografia”, o desvio ideológico e a vinculação dos saberes produzidos ao projeto expansionista dos Estados nacionais e grandes impérios não foi exclusiva à Geografia, mas às demais ciências, sejam elas ditas da natureza ou da sociedade. 3 Aqui damos um caráter ambíguo de pluralidade devido ao fato destas correntes emergentes terem pressupostos epistemológicos diversos, tendo em comum a crítica aos paradigmas até então vigentes. 4 No Ensino Médio, os conteúdos da dita “Geografia Física” costumam ser trabalhados no primeiro ano de ensino dessa modalidade. 5 No ano de 2008, a Revista Veja publicou uma reportagem de tom extremamente simplista e preconceituoso criticando a postura dos professores de Geografia e História em sala de aula, afirmando que estes “[...] com a justificativa de ‘incentivar’ a cidadania, incutem ideologias anacrônicas e preconceitos esquerdistas nos alunos”. Para mais detalhes, ver REVISTA VEJA (2008).
Assim, será possível compreender o espaço geográfico na sua totalidade em sala de
aula? Concebemos o espaço geográfico, conforme a proposição de SANTOS (1996), como
sendo como “um conjunto indissociável, solidário, e também contraditório, de sistemas de
objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no
qual a história se dá”, sendo repleto de repleto de dinâmicas, conflitos, ritos, emoções e
frustrações. É apropriado constituindo diferentes territórios, se materializando em
paisagens de diversos períodos históricos, e pode/deve ser analisado em diferentes escalas.
Desta forma, a disciplina de Geografia não pode ser resumida a ensinar conceitos e
conteúdos de maneira isolados, estudando “relevo pelo relevo”, ou a “climatologia pela
climatologia”, mas a partir do estudo da natureza e da sociedade na sua (inter)totalidade.
Com este projeto buscamos discutir o ensino da Geografia no Ensino Médio
inserido na realidade social brasileira para construir propostas didáticas, fazeres e saberes
pedagógicos para esta modalidade de ensino em sala de aula. Pensamos estar buscando,
assim, uma forma mais satisfatória de ensinar Geografia.
As propostas pedagógicas que estão sendo geradas se articulam em torno da mística
dos quatro elementos básicos - terra, fogo, água e ar – que foram associadas às questões
referentes ao objeto de estudo da geografia, que é o Espaço Geográfico. Entendemos que o
estudo da Geografia Física pode ser mais integrado às dinâmicas das relações sociedade-
natureza se a partir deste olhar compreendermos a natureza como totalidade e a ação
humana como integrada à natureza. Entretanto, sabemos que essas relações não são
harmônicas e dentro da atual lógica de acumulação capitalista, estas têm sido articuladas
conforme os interesses dos grandes capitais.
Durante um dos momentos de descontração do grupo de trabalho, um dos nossos
colegas levantou a idéia que enquanto docentes, deveríamos construir na sala de aula uma
“geografia do cocóricó”. O colega autor, que denominou assim a possível Geografia do
encantamento poético, após nosso espanto, explicou como entendia está “prática” do
cocoricó: Cocoricó entendido como conceito, cotidiano, ritual = conhecimento.
Esclarecendo, o ensino através da prática do “cocoricó” seria a junção dos
conteúdos/conceitos presentes na Geografia com o cotidiano do aluno que deve sempre ser
levado em conta no aprendizado, tudo isso dentro do ritual que deva ser a aula e seus
diferentes momentos. Quando feito adequadamente, este amálgama resultaria na construção
do conhecimento do sujeito aluno. Ainda, que tal formulação não seja um joguete
pirotécnico de palavras de qualidade questionável. A prática do cocoricó deve ser também
compreendida como uma pesquisa-ação que deixa claro uma de nossas crenças sobre o que
entendemos por uma boa aula de geografia: uma busca por aliar os conceitos “formais”
com a trajetória cotidiana do aluno, tornando o momento de sala de aula prazeroso e
aproximando o conhecimento geográfico das vivências e anseios diários, vistos sempre
como uma constante busca da excelência, mas sabendo que cada momento é diferente e,
portanto, o que esperamos pode não ser o que vivenciamos, mas é justamente isto que deve
nos entusiasmar enquanto professores descobridores e autores.
Assim, professores e alunos são sujeitos ativos no processo de construção do
conhecimento em sala de aula. Lembramos que no contexto educacional no qual estamos
inseridos, muitas vezes considera-se a sala de aula da Educação Básica como um espaço de
reprodução do conhecimento produzido nos centros acadêmicos. Contrariando estas
proposições, afirmamos e ressaltamos que a sala de aula pode constituir num espaço de
reflexão crítica e de produção de conhecimentos e saberes.
METODOLOGIA
Inicialmente, pontuamos que esta pesquisa, que se apresenta enquanto uma Pesquisa
Qualitativa, com uma aproximação metodológica na pesquisa-ação, se propõe a buscar,
através das práticas que são obrigatórias ao Estágio Curricular em Geografia e das trocas
constantes com os professores da rede pública de Ensino Médio caminhos possíveis e, ou
que pareçam possíveis para um saber fazer e ensinar geografia com mais satisfação e que
esteja voltado ao perfil da juventude contemporânea.
A Pesquisa Qualitativa refere-se a métodos de investigação empregados para
realizar a observação e a coleta de dados da realidade, transitando entre prática-teoria-
prática, num movimento interminável. Sabemos que os métodos são apenas ferramentas
que tomadas por si sós, não indicam muito, já que estão inextricavelmente subordinadas aos
propósitos finais da pesquisa, ou seja, à problemática que norteia a prática investigativa, no
nosso caso - a desafiante situação que se encontra a escola brasileira e, mais
particularmente, o ensino da Geografia. O questionamento à realidade social e às situações
a serem observadas e, que são objeto da pesquisa, é sim portador de determinadas
concepções epistemológicas quanto à natureza do conhecimento em geografia, quanto ao
objeto de sua investigação e aos seus propósitos enquanto fonte de contribuição para o
conhecimento no que toca ao ensino básico.
Esta pesquisa vem sendo desenvolvida desde o início do ano de 2008, como já foi
pontuado, a partir das disciplinas de Estágio Curricular em Geografia. Dá-se pela
elaboração de práticas através de oficinas que buscam o maior envolvimento e interesse dos
estudantes na construção do conhecimento geográfico, bem como reflexões teóricas,
buscando uma aproximação metodológica com a pesquisa-ação. Entendemos que ensinar
geografia não é somente uma prática “ativista” na qual simplesmente “se dão aulas de
geografia”, mas deve ser também uma prática constante de pesquisa.
As atividades de pesquisa envolvem o levantamento bibliográfico, a elaboração e
aplicação de oficinas, e a avaliação e aperfeiçoamento das práticas pedagógicas em um
constante diálogo entre prática-teoria-prática, num movimento infindável e repleto de
tensão. A reflexão teórica perpassa desde os momentos de elaboração e concepção das
oficinas, até a avaliação das atividades. Desta forma, encaminhamos os nossos trabalhos de
forma a exercer a autonomia autoral, em contraponto às lógicas reproducionistas dos
grandes manuais didáticos produzidos nas grandes metrópoles para serem aplicadas de
maneira homogeneizada nas escolas brasileiras.
Como produto final da pesquisa, pretendemos publicar um livro com as
experiências produzidas no processo de pesquisa-ação cooperativa, e ministrar uma série de
oficinas nas redes de ensino, de forma a contribuir na formação continuada dos professores
de Geografia.
DESAFIOS PARA A CONSTRUÇÃO DE OUTRAS POSSIBILIDADES
PARA ENSINAR GEOGRAFIA
Durante o processo de pesquisa-ação nos deparamos com uma série de desafios
relacionados tanto com a criatividade para a elaboração das práticas, quanto à aplicação dos
conhecimentos geográficos para a análise e compreensão de diferentes situações.
Vale lembrarmos que o grupo de trabalho começou quando estávamos iniciando as
disciplinas de Estágio Curricular em Geografia e observávamos nas escolas uma série de
ambigüidades. . Ao mesmo tempo em que começamos a nossa docência em sala de aula na
posição de autores das propostas práticas com a finalidade de superar o reproducionismo já
anteriormente mencionado, as nossas inexperiências resultantes desta iniciação em sala de
aula foram fatores desafiantes. Mesmo assim, com o tempo fomos adquirindo aquilo que
chamamos de maturação pedagógica e estes desafios foram sendo superados.
Quando práticas meramente expositivas e despreocupadas com o seu caráter
epistêmico são empregadas, com a apresentação e exposição de conceitos meramente
“engessados” e estanques, pode não existir uma preocupação com a interpretação de
diferentes situações, bem como a produção de competências e habilidades para se
compreender os diferentes processos que ocorrem nas relações sociedade-natureza. O
trabalho com uma postura educacional que considera professores e alunos como sujeitos
ativos no processo de aprendizagem exigem dos sujeitos-professores um domínio muito
maior do conhecimento geográfico, uma vez que cada sala de aula carrega em si uma gama
muito grande de especificidades, histórias de vida e situações diferenciadas dos sujeitos
envolvidos no processo educacional. Neste sentido, o conhecimento geográfico proposto
deve dar conta de teorizar as diferentes situações e realidades socioespaciais.
Gostaríamos de ressaltar ainda que não seguimos uma linha de ensino de modo
hermético. Talvez essa postura seja devida a um estágio ainda pouco maturado na condição
de professor, o que causa certa insegurança quanto à afirmação de um método de ensino.
Contudo, ao afirmarmos a nossa busca pelo “desequilíbrio” necessário para o
desenvolvimento cognitivo do aluno, assumimos nossa simpatia com as idéias de Piaget.
Considerar-se construtivista seria uma pretensão demasiada, tendo em vista o uso
despreocupado e vulgarizado deste conceito por muitos educadores; no entanto, torna-se
importante ressaltar nossa tentativa constante de não realizarmos uma “transmissão” de
conhecimento para os alunos e, sim, de nos dispormos com intermediadores do processo de
aprendizagem dos alunos.
Consideramos que seja valiosa a tentativa de realizarmos, através de novos
procedimentos didáticos, aproximações de temáticas normalmente distantes da realidade e
do cotidiano destes alunos. Esse procedimento deve estar sempre presente nas associações
realizadas pelo professor em sala de aula, mesmo que seja nas “entrelinhas”. Os jovens têm
pouca paciência para suportar aulas expositivas e monótonas sem qualquer ligação (leia-se
utilidade) com a sua vida. A Geografia, mais do que qualquer outra disciplina escolar, tem
o dever de proporcionar a esse sujeito uma leitura dos fenômenos e transformações que
ocorrem no espaço (remitindo ao seu espaço vivido). As atividades que propomos tentaram,
portanto, oferecer subsídios que instigassem esse educando a essa reflexão, a partir de
linguagens comuns a esses alunos, como jogos, brincadeiras, músicas (adaptadas à sua
faixa etária), análises cartográficas e práticas de laboratório. Procuramos também trabalhar
com a capacidade de criação e atuação, como foi o caso de uma oficina na qual simulamos
uma assembléia popular sobre a possibilidade de instalação de uma indústria petrolífera em
uma praia bastante preservada. A guisa de exemplo apresentamos esta proposta que está
situada no eixo temático Terra.
PROPOSTA: EXPLORANDO O PETRÓLEO NA AULA DE GEOGRAFIA
Com o forte desenvolvimento industrial e o avanço tecnológico verificado nas
últimas décadas, o planeta demanda cada vez mais uma quantidade significativa de energia
para alimentar fábricas, para girar todos os tipos de motores e para atender confortos e
necessidades do nosso cotidiano.
Tal crescimento de demanda não foi acompanhado de maneira proporcional pelo
aumento da oferta de energia, forçando a descoberta e/ou o desenvolvimento de novas
fontes geradoras, com destaque especial para as ditas “energias limpas”, como a solar e a
eólica, para ficarmos apenas em dois exemplos.
Contudo ainda hoje, boa parte de nossos sistemas de produção e de transporte são
encontrados diretamente vinculados a uma fonte de energia não-renovável, poluente e cuja
exploração não é simples. Estamos falando do petróleo.
Uma das principais fontes de energia utilizadas no Brasil (aproximadamente 1/3 da
energia consumida no país) e no mundo, o petróleo consiste em mistura natural, oleosa e
fluida de hidrocarbonetos gasosos, líquidos e sólidos e encontra-se em bacias sedimentares.
Sua destilação dá origem a uma infinita gama de produtos industriais, tais como resinas,
plástico, tintas, produtos farmacêuticos, dentre outros.
Mesmo conhecendo o petróleo desde a Antiguidade, foi apenas em 1859 que se deu
início ao aproveitamento industrial deste. Edwin Drake (EUA), ao tentar furar um poço
para obtenção de água, percebeu o petróleo jorrando a poucos metros de profundidade.
Poucos anos depois os Estados Unidos já possuíam o maior parque refinador do mundo e o
país ainda consolidou sua industrialização com base nesta fonte de energia.
Atualmente, além de uma das mais importantes fontes de energia disponíveis, o
petróleo consiste em uma das mais respeitáveis commoditites no mercado financeiro
internacional. A posse de reservas passíveis de exploração torna-se elemento fomentador de
disputas e conflitos internacionais, fato ilustrado, por exemplo, pela ocupação Estado-
Unidense no Iraque.
Desta forma, o petróleo consiste em um tema deveras importante para uma aula de
nossa ciência. Ressaltamos, porém, que uma abordagem satisfatória do assunto deve
contemplar uma infinidade de variáveis que perpassam desde a sua formação geológica,
passando pela sua utilização de inegável significância como fonte de energia e seus
conseqüentes impactos ambientais, até a sua ascensão como elemento de poder e de cobiça
internacional. O desafio está proposto. E uma – tentativa de - resposta a este, também.
A atividade que citaremos como exemplo versa sobre uma temática usualmente
abordada como sendo um mero “produto” geológico, e que, mais recentemente, também
tem sido trabalhada como pivô de conflitos em escala internacional. Nossa intenção é
propor um momento pedagógico que contemple a participação e o envolvimento dos alunos
(não como a cereja do bolo, mas como o próprio bolo, visto que sem estas, a aula
simplesmente “freia”), dentro de uma perspectiva mais palpável e inserida no cenário atual
de descoberta de novas reservas de petróleo com uma freqüência considerável – e destaque
especial para o Brasil.
Objetivando contribuir para a construção do senso crítico no aluno, além da
retomada de temas muito correntes na geografia, esperamos que os estudantes consigam
compreender, por meio de um hipotético estudo de caso, parte do intrincado conjunto de
ações e relações que permeiam o nosso espaço geográfico.
Em suma, nossa proposta requer apenas algumas fotocópias para a sua execução e
consiste na simulação de uma audiência pública que envolva todos os alunos da classe,
onde estes representarão os diversos agentes eventualmente interessados na exploração (ou
não) do petróleo recentemente descoberto próximo a uma praia quase intocada. Neste
sentido, os alunos deverão persuadir a corte decisória a deliberar pela a exploração ou não
deste petróleo, usando para isto de argumentos convincentes e em especial, fazendo uso dos
apoios conquistados junto aos outros grupos.
Temas como distribuição de renda, biodiversidade e corrupção são alguns dos mais
presentes na proposta. Todavia, itens como turismo, poder, geração de empregos,
preservação ambiental, políticas de desenvolvimento local, e tantos outros acabam fazendo
parte em maior ou menor intensidade do contexto da aula, tornando o desafio ainda mais
completo e enriquecedor.
O professor divide a turma em nove grupos, com vistas a dispersar eventuais
“grupinhos” previamente existentes e fomentar a troca de experiências e idéias com colegas
que, em teoria, tenham menor contato. Atribui-se um número (de 01 a 09) para cada um dos
colegas, tomando por base o local onde estes estão sentados na sala de aula e baseando-se
no número total de alunos presentes no dia da atividade. Os grupos podem ser compostos
por qualquer número de alunos - desde que este seja comum á todos eles -, permitindo o
emprego desta proposta em classes de qualquer tamanho.
Após esta divisão, pede-se que os alunos que se reúnam em grupos, conforme os
números recebidos. Já com os grupos formados, entrega-se uma cópia para cada estudante
(pode ser uma por grupo, propiciando uma economia ao professor caso a escola não
disponibilize fotocópias) de uma notícia hipotética, que trata sobre a descoberta de reservas
de petróleo, próximas a uma praia paradisíaca e preservada (vide anexo), e que também
convoca para uma audiência pública a ser realizada na escola principal da cidade, na data e
hora da aplicação do desafio na sala de aula – tornando o aluno ainda mais um sujeito
decisório. Faz-se uma leitura intercalada com os alunos e alguns comentários a respeito da
situação, alem de buscar sanar eventuais dúvidas em relação ao conteúdo do texto.
Na seqüência, entrega-se a designação correspondente a cada grupo conforme o
número a eles atribuídos, bem como uma orientação inicial conforme tabela na página
seguinte:
Agentes (Grupos) Orientações recebidas 1 – Prefeitura de Rio Pequeno
A exploração do petróleo permitiria um forte ganho econômico para a os cofres públicos, apesar de que parte dos royalties e impostos serão divididos com o estado e com a federação. Enfrentará a fúria dos habitantes de Cacimbinhas e de seus milhares de admiradores, exatamente em ano eleitoral.
2 – Associação Comercial e Empresarial de Rio Pequeno
Defende os interesses dos empresários da cidade. Acreditam que a receita gerada pela extração do petróleo será alta e julgam necessária sua exploração; Os empresários correm o risco de verem suas empresas serem mal-vistas pela população, pelo pouco zelo com a causa ambiental.
3 – Empresas petrolíferas
Desejam a exploração imediata do petróleo encontrado em Cacimbinhas, visto que parece ser abundante e de boa qualidade. A operação tem um custo elevado, devido à proximidade com a costa.
4 – Associação de Moradores da praia de Cacimbinhas
Defende os interesses da população da praia de mesmo nome, que é majoritariamente contra a exploração do petróleo. Ao tomar tal posição, é acusada por uma parcela dos moradores do local, que vêem na exploração do petróleo a única chance de abandonar a estagnação econômica da região.
5 – Movimento Ambientalista
Várias organizações em prol do meio ambiente uniram-se contra a exploração do petróleo em Cacimbinhas. Temem que esta traga danos irreversíveis a uma praia com diversidade biológica incalculável, e um reduto de preservação ambiental da região. Recebem muitas críticas por estarem impedindo um eventual progresso da região.
6 – Pesquisadores
Os principais responsáveis pela descoberta das reservas petrolíferas ainda não conseguiram se decidir sobre a relação custo-benefício de sua exploração, pois sabem o impacto ambiental e social que pode isto pode gerar.
7 – Imprensa
Possui papel importante nesta questão. Fonte principal de informação dos moradores de Rio Pequeno e Cacimbinhas. A imprensa pode ajudar a fortalecer a opinião pública, seja para qual posição for. Importante apoio a ser conquistado pelas duas opiniões sobre a causa.
8 – Comitê Pró-Exploração do petróleo
Formados por três alunos cada, são os responsáveis por iniciar a articulação entre os grupos e comandar a defesa de cada uma das propostas junto á corte.
9 – Comitê contra a exploração do petróleo
É importante clarificar que cada grupo não recebeu esta tabela completa, mas sim,
apenas o seu respectivo papel com sua orientação conseguinte. Isto se faz necessário para
evitar uma espécie de condicionamento, e fazer com que a articulação seja feita apenas
entre grupos com posições teoricamente semelhantes em relação ao assunto.
Já os alunos integrantes dos comitês pró e contra a exploração são orientados pelo
professor a buscarem o maior número de apoios possíveis para suas respectivas bandeiras.
Também são avisados de que, ao iniciar a sessão da corte, deverão apresentar seus
argumentos e apoiadores perante toda a turma.
Concede-se de 20 a 30 minutos para que os alunos promovam a articulação entre os
grupos. O professor transita entre estes para colaborar quando solicitado, porém
recomenda-se que o educador pouco participe deste momento. Os alunos devem descobrir-
se enquanto atores sociais e transportar-se para dentro da realidade proposta, libertando-se
da dependência do professor para articular suas ações ou endossar seus pensamentos.
Após este período – que pode inclusive ser prorrogado, conforme a disponibilidade
de tempo e da necessidade de maior debate, ficando tal deliberação a cargo do professor,
“instala-se” a corte decisória. O professor fica em sua classe postada na frente dos demais
alunos e convoca os membros dos comitês a favor e contrários a exploração. Cada um
destes grupos recebe dois minutos para compartilhar suas posições e argumentos. Após,
ambos os comitês recebem a oportunidade de escolher um integrante de qualquer um dos
grupos/agentes participantes para corroborar com as idéias previamente publicizadas. No
momento seguinte, faz-se uma rodada para ouvir a posição final de cada grupo, sendo que,
no caso específico da imprensa, esta deve ser emitida em forma de uma pequena notícia e
lida para os demais colegas neste momento.
Com base nos argumentos trazidos pelos alunos, bem como pelos apoios
conquistados, o professor emite seu parecer – se este julgar conveniente, pode “dividir” a
tarefa com algum outro professor da turma, que aceite participar da atividade – e explicita o
porquê de sua decisão. Ainda, conversa-se com os alunos sobre alguns dos tópicos que
pautaram a discussão e pede-se para que os alunos façam uma redação empregando três
destes tópicos em uma situação parecida (pode ser a implantação de uma indústria, ou de
algum empreendimento de grande impacto ambiental e/ou social) á ser entregue na próxima
aula. Recomenda-se retomar o tema e fazer uma avaliação da atividade no encontro
seguinte, além de uma pequena teorização. Cabe a você professor, avaliar a necessidade e a
densidade desta, pois ninguém melhor do que você para conhecer os anseios de sua turma.
A proposta de trabalho foi bem aceita pelos alunos desde o primeiro momento.
Apesar de alguns "muxoxos” quando da divisão dos grupos – o que comprova o acerto em
não delegar a formação destes aos próprios alunos -, logo os estudantes incorporaram os
papéis aos quis foram delegados e realmente aderiram a nossa proposição.
Inicialmente restrita aos alunos representantes dos comitês, logo a
articulação/negociação passou a ser feita diretamente pelos integrantes dos grupos e, para
nossa surpresa, alguns até “racharam”, sendo que onde isso ocorreu, constatou-se elementos
como corrupção e propina permeando as discussões. Também foi nítida a participação e a
motivação de alunos até então pouco “empolgados” com as temáticas geográficas.
Questões diretamente vinculadas ao uso do território foram abordadas de forma
direta pelos estudantes e tornou-se um dos cernes da atividade. Os conflitos de
territorialidades entre os moradores nativos e os residentes na área urbana do município
também ficaram latentes e permitem que o aluno enxergue as várias interpretações que
podem existir em relação a um mesmo fato.
Outro ponto importante consiste na noção de organização espacial por eles
desenvolvida, ao passo que a proposta fomentou discussões sobre as readequações
necessárias para a instalação do empreendimento em questão, além das conseqüências
relativas a modificação da paisagem local e do impacto que isto traria as comunidades
envolvidas, tanto as positivas quanto as negativas. Quando você perceber que esta
discussão estiver ocorrendo, sinta-se a vontade para contribuir, pois isto tornará o debate
mais construtivo ainda, porém busque não se posicionar em demasia, visto que alguns
alunos podem deixar-se influenciar por suas opiniões.
Mesmo sem uma intervenção maciça de nossa parte, as questões ambientais, sociais
e econômicas abordadas pelos alunos superaram as expectativas. E o fato da “corte” ser
composta pelos dois professores da turma tornou o processo mais equilibrado. Reforçamos
a sugestão prévia de convidar um colega de outra disciplina para acompanhar a realização
da atividade.
É claro que os grupos aqui sugeridos, assim como as demais orientações da
atividade, são apenas uma referência. Recomendamos que antes de utilizá-la em sua turma,
você faça uma reflexão sobre a inclusão/exclusão de algum dos grupos propostos conforme
sua análise, assim como o nível de detalhamento oferecido nas instruções aos mesmos. Isso
apenas fará com que o desafio tenha um êxito ainda maior e se aprimore cada vez mais,
qualificando e valorizando o seu trabalho e tornando ainda mais válida esta jornada
pedagógica.
MUITO LONGE DE CESSAR A DISCUSSÃO...
As propostas geradas no processo de pesquisa-ação pelo grupo não pretende
oferecer soluções acabadas e estanques para as problemáticas e desafios decorrentes dessas
para o ensino da Geografia, mas buscar avançar na discussão sobre o ensino da Geografia,
em especial a chamada Geografia Física. Buscando, assim, superar a “mesmice” que ocorre
em muitas das escolas, nas quais os professores detêm exclusivamente o conhecimento sem
transformá-lo em sabedoria. Sua função consistiria somente “em dar conteúdos aos alunos”,
utilizando a mesma metodologia para todas as turmas nas quais estão sendo desenvolvidos
os trabalhos pedagógicos. Todavia, consideramos que a aula expositiva dialogada pode ser
um dos momentos do trabalho pedagógico, não excluindo essa possibilidade metodológica
como também possibilidade de construção de conhecimentos e saberes geográficos em sala
de aula.
Concebemos que as propostas construídas por nós e que são sugestões geradas por
esse processo devem ser vistas como possibilidades a serem refletidas e, quem sabe,
aplicadas em diferentes fazeres pedagógicos. Elas serão materializadas em um livro síntese
que demonstra o nosso trabalho coletivo de pesquisa-ação. Convém sempre lembrarmos
que o espaço, objeto de estudo da Geografia, é cheio de especificidades, e a sala de aula,
enquanto uma parte integrante do próprio espaço geográfico escola, oferece uma gama
variada de sistemas de ações (exercidas pelos sujeitos) que nele (ocorrem) coexistem e o
constroem.
Este nosso proposta, aqui apresentada de forma sintética, tentar romper, como tantas
outras, com os paradigmas tradicionais da Geografia e a dicotomia entre a Geografia Física
e Geografia Humana. Significa considerar o espaço geográfico uma totalidade, embora
muitas vezes, pela nossa formação positivista, seja quase impossível assim percebê-lo.
Além disso, a partir de uma postura crítica e questionadora do real papel histórico que a
Educação e a Geografia desempenharam ao longo da história na produção e manutenção
das desigualdades socioespaciais, bem como a busca de novas possibilidades
metodológicas que têm por finalidade o ensino mais prazeroso e ao mesmo tempo crítico,
podemos avançar no possível caminho da construção de uma sociedade mais justa e
igualitária.
As prática e propostas que vêm sendo geradas estão inseridas num contexto aplico
de mudança de curso da Geografia, que no Brasil tem ocorrido desde a década de 1970.
Essa por sua vez, traz uma nova ciência preocupada com a cidadania, evidenciando as
lógicas pelas quais o espaço geográfico é (re)construído e (re)organizado processualmente
em um processo infinito. O desafio está posto, vamos compartilhá-lo.
BIBLIOGRAFIA
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