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8/17/2019 AULA 16 - Margaret Mead - Sexo e Temperamento
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a r ~ i s t a ':_do _oráculo. Trabalhando com novelos tio univer
saas
e
tao
samples
como
esses, o
hómem
construiu
para
si
mesmo
u ~ t ~ a ~ ~
de
cultura
em cujo interior cada vida
humana
f?a
dagmfa
c
ada
pela
forma
e pelo significado.
o
homem nao
se tornou simplesmente
um dos
animais
que
se acasalavam, lutavam
por
seu alimento e morriam mas
um
ser humano,
com
um
nome,
uma
posição e
um
dew
Cada povo constrói essa tessitura
de
maneira diferente.
~ c o l h e
alguns novelos e ignora outros, acentua um seto;
daferente da
gama
total das potencialidades humanas. Onde
u lla cultura emprega,
por trama
principal, o ego
vulne-
ravel, pronto a sentir·se insultado ou a sucumbir de ver
gonha,
outra_
s c o l ~ e a coragem inflexível e mesmo, de
forma que nao
haJa covardes reconhecidos pode como
os
C ~ e y e n n e ,
inventar
uma
posição social
' e s p e c i ~ l m e n t e
c o m p h c a ~ a para os supermedrosos. Cada cultura s i m p l e ~
e
homogenea pode
dar
largas somente a alguns
dos
diversos
d o t ~ s .
~ u m a n o s ,
desaprovando
ou
punindo outros demasiado
a n . l l t - : t • c ~ ou por
demais desvinculados de seus acentos
pnnc1paas .
a r a que encontrem
lugar entre suas paredes.
fendo
ongmalmente. tirado os seus valores
dos
valores
caros a alguns temperamentos humanos e estranhos a
~ u t r o s , na c.ultura incorpora esses va:ores cada vez mais
f t . r m e ~ e n t e a sua
estrutura, a seus ·sistemas político e reli
gaoso, a.sua arte e ~ ~ ~ ~ l i t e r a t u r a ; cada geração nova é amol
dada, f1rme
e
deftntllvamente, às tendências dominante.>.
Nessas
c i ~ c u n s t ã n c i a s ,
assim
como cada cultura cria
de modo d1stanto a tessitura social em
que
0
espírito
h u m ~ o pode enredar-se com segurança e compreensão,
c ~ l ~ J c a n d o ,
r e c o m p o n d ~ e rejeitando fios na tradição
b J S t o r ~ c a .
que
ele
o m p ~ r t d h a
com vários
p o v o ~
vizinhos,
pode mchnat cada 1ndavíduo nascido dentro dela a
um
tipo
de
c o m p o _ : t a ~ n t o ,
q ~ não reconhece idade,
nem
sexo,
n ~ m
t e ~ d ê n c • a s
especuus como motivos para elaboração
diferenctal.
~ u
entã'? uma cullura apodera•se dos fatos
realmente
? b ~ • o s
.de
d t f ~ r e n ç a
de idade, sexo, força, beleza,
ou das vanaçoes musuats, tais
como
o pendor nato a visões
ou sonhos, e converte-os em temas culturais dominantes.
D ~ s t a r t e , sociedades semelhantes às dos Masai e dos Zulus
fazem do
n i , v ~ J a m e n t o
de todos os indivíduos pela idade
u ~ ponto b ~ a c o de organização, e os AkiJdyu
da
Africa
~ n e n t a l c o n s ~ d e r a ~ um drama maior
a destituição cerimo
naal ~ a , g ~ r a ç a o
maas velha pela mais jovem. Os aborígines
da
Stbéraa elevaram o indivíduo de instabilidade nervosa
à
dignidade
de xamã,
cujos pronunciamentos acreditavam
ser de inspiração sobrenatural
e constituíam lei para os
outros membros mais equilibrados da tribo. Parece-nos
bastante claro
um
caso extremo
como
esse, onde todo
um
2
povo se curva ante a palavra
de
um indivíduo que nós
classificaríamos
de in
s
ano
. Os siberianos, fantasiosamente
e
...,..
ao
modo
de
ver
da
nossa sociedade -
de
forma
injustificada, elevaram uma pessoa anormal a
um
lugar
socialmente impor tante . Basearam-se
num
desvio humano
que.
nós desaprovaríamos,
ou
,
caso
se tornasse importuno,
encerrariamos
numa
prisão.
Quando ouvimos dizer
que
, entre os Mundugumor da
Nova Guiné, as crianças
que
nascem com o cordão umbl
ikai em
v(). .
.
LQ
O c ~ o são djstingujdas como artistas de .
(ftreito inato·e indiscutível, sentimo-nos estar diante de uma
cultura
9 . . ~ ~ m . 5 . 1 t i i n
t u u c i o n a l i _ z o • ' i õ i t i P Q : ~ j ~ m p e ~
fãine:nm
. { e p , ~ ~ M D Q
A lQrmªJ w al
aQ c:aso
.. o ~ a m a
siberiano - como t a m ~ ~ m .uwa
_ ç _ u ] l ~ . a
_q_ue associou arbi
tiiifsim
eiite, .de
.:·
Oima .artificial -e
fantasiosã: ~ d Q . . S : P ' < n t 9 s
completamente desvinculados .
entre
s•;
m< d.o
.
de
~ n t Q
~ 1 2 . m a . ª d e de pintar desenho i .
comp ic
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espectadores, porém partícipes diretos, nosso distanciamen
to
~ e a p a r e c ~ . e
sem dúvida
pura
imaginação atribuir a
apttdao
de
pmtar
ao
nascimento com o
cordão em
volta
do
pescoço,
ou
capacidade de escrever poesias
ao
fato
de
ter nascido gêmeo. Escolher líderes ou. oráculos dentre
temperamentos raros
ou
extravagantes,
que nós
rotularía
mo
s
de
alienados,
não é t o t a l m e n t ~
imaginário;
ma
s, pelo
menos, fundamenta-se
numa
premtssa
muito
diferente, a
qual seleciona uma potencialidade natural da raça humana
que não usamos nem valorizamos.
No
entanto
, a insis
tência nas mil e uma diferenças inatas entre homens e
~ u l h ~ r e s , : muitas
das
quais não mostram relação mais
t m e d t ~ ~ a
com os. fatores biológicos do sexo do que tem
a .habthdade de
pmtar
com a forma do nascimento, e outras
ruferenças que apresentam
uma
congruência
com
o s
exo
que não
é
nem universal
nem
necessária - como no caso
da
a s s ~ c i a ç ã ?
entre. ataque epilético e pendor religio
so
-
essa
s
stm,
nao
constderamos fruto
da
imaginação da mente
h u ~ a n a , ocupada em
dar
signific.ado
a uma
existência
Va·Zla
. Este estudo não se
ocupa
da 4'Xistência
ou
não de
~ • f e n ç a s
reais e universa
is entre
os
~ x o
sejam qualita·
lavas ou quantitativas.
Não trata
de saber se a mulher
é
mais instável
do
que o homem,
como
se pretendeu
a n t e ~
que a doutrina
da
evolução
eullasse
a variabilidade
ou
· menos instável, como se afirmou depois. Não é um
t r a ~ a d o
:.
sobre .direitos da
~ u l h e r ,
nem
uma
pesquisa
das
bases
do
femm1smo.
1:::
multo simplesmente, um relato
de
como
. três sociedades primitivas agruparam suas atitudes sociais
em
relação ao temperamento
em
torno dos fatos realmente
evidentes das diferenças sexuais. Estudei esse problema
em sociedades simples, porque nelas temos
o drama
da
civilização redigido
de
forma sucinta, um microcosmo
social semelhante em
e s p ~ i e , porm
diferente, em tamanho
e grandeza, das complexas estrutura sociais de povos
que,
como o nosso, dependem
de
uma tradição escrita e da
i n _ t e g ~ a ç ã o de grande numero
de
tradições históricas con-
fhtuats . Estudei essa questão nos plácidos montanheses
Arapesh, nos ferozes canibais Mundugumor e nos elegant
es
caçadores
de
cabeças
de
Tchambuli. Cada
uma
deSJas
tt:ib05 dispunha, como
toda
sociedade humana do
ponto
de diferença
de
sexo
para
empregar como
t e m ~
na
trama
da vida
s o c ~ a l
que
cada
um desses três povos desenvolveu
de forma d1ferente. Comparando o modo como dramati·
zaram a diferença
de
sexo,
é
possível perceber melhor que
elementos são construções sociais, originalmente irrelevan
tes aos fatos biológicos do gênero de sexo.
Nossa própria SQCiedade
usa
muito
essa
trama.
Atribui
p a ~ i s diferentes aos dois sexos, cerca-os desde o nasci-
mento com
uma
expectativa
de
comportamento diferente.
representa o
drama
c o m p ~ e t o do namoro, c s m e n t ~ e
paternidade conforme
os
t1pos.
de
comportamento
ace1
tos
como inatos e, portanto,
apropnados
a
um ou
a
outro
se:to.
Sabemos vagamente que esses papéis
mudaram
mesmo
. dentro
de
nossa
hi
stória.
tudos,
como
The
~ y
de
Mrs. Putnam, retratam a mulher como
uma
ftgur.a de
barro infinitamente maJeávet, sobre a qual a humamdade
dispôs trajes característicos de uma época, constantemente
variáveis,
de acordo
com os quais murchan
ou ~ t o ~
dominante, flert
ava
ou fugia. Entretanto, t o d ~ . as d J S ~ U s -
sões acentuaram,
não
as personalidades soctaJS relat1vas
atribuídas aos dois
~ x o s ,
mas, antes, os padrões de
c o ~ -
portarnento superficiais consignados
às
mulheres, porem
apenas
para
as
da
e l a s ~ alta. O reconhecimento afetado
de que essas mulheres da e l s ~ alta e r ~ m fantoches de uma
tradição em mudança
o b s c u r e c e . ~
mat_s que esclareceu
a questão.
Não
tocou nos papets
atnbwdos
aos homens,
que,
segundo
se
supunha, prosseguiam
ao
longo
um
caminho masculino especial, moldando as mulheres as suac;
manias
e
caprichos com respeito
à
feminilidade. Qualquer
discussão acêrca da posição
da
mulher, do seu
c a ~ á t e ~
e
do
temperamento,
da
s
ua
escravização
.ou em
anctpaçao,
obscurece a questão básica; o reconhecunento _de que a
trama cuJtural
por
trás
das
relações humal?as e o modo
como os papéis dos dois são
n c e b i d o
e de que
o m nino
em
crescimento e formado
para
enfa:e
local
e especial tão inexoràvelmente
como
o e a
memna em
crescimento.
Os Vaérting abordaram o problema
em seu
livro The
Dominant
Sex2
embora sua imaginação critica
fosse pre·
judicada
pela
tradição cultural européia. Eles sabiam que,
em algumas partes do mundo, ~ o u v e e ainda instituições
matriarcais que dão
à
mulher hberdade de açao, d o t m - ~ a
de
uma
independência de escolha que a cultura europeta
histórica conc
ede
tão-somente aos homens. Com um
simples passe
de
mágica, eles i n v e r ~ e r a m a a ç ã o euro
péia e construíram uma interpretaçao das s o c t ~ a d e s
tri rc is onde as
mu
lheres eram consideradas fnas, altivas
e dominantes, e os homens, fracos e submissos. Os atributos
das mulheres na Europa {oram impingidos aos homens das
comunidades matriarcais - isso foi tudo. Foi um retrato
simples,
que na
realidade
nada
acrescentou
à oossa
co?l
preensão do
prob
lema, baseado,
como
estava,
no
c ~ o c
e t t o
limitativo
de
que, se um sexo tem personalidade dommaote,
J )
E.
J .
S. ,
T l t ~
La
y.
SCurlis e
Wall«
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.
o
~ u t ~ o , i p s ~ facto,
tê-la-á submissa. A raiz do erro dos
Vaerting restde em nossa tradicional insistência em con
t r a s ~
entre a personalidade dos dois sexos, em n.õSSã
capacidade ver apenas uma única variação no tema do
~ a c ~ o donunante: a do marido dominado. Entretanto
u ~ a g m a r a m a possibilidade de um arran;o de
d o m i n a Ç ã ~
d1ferente do nosso tradicional, principalmente porque para
~
p ~ n s a r baseado em instituições patriarcais a própria exis
~ e n c a a
_de
.uma.
~ r l l a
rnatriarcal
da
sociedade implica uma
mversao •rnagmaraa da posição ternpcramental dos dois
sexos.
No entanto, estudos recentes de povos primitivos nos
tornaram mais
s ~ f i s t i c a d o s J .
Sabemos que todas as cul
turas
. h ~ m a n a s
nao pertencem a um
ou
a outro lado de
uma fmca escala e que a uma sociedade é possível ignorar
comr etamente uma saída, que duas outras sociedades
reso
e r a m
de
. ~ o d o
contrastante. O fato de um povo
respe tar o anctao pode significar que considerem pouco
as craanças, porém pode ocorrer também que um povo a
exemplo dos Ba ~ o n g a da Africa do Sul, não
r e s p e i t ~ m
~ e m velhos ~ e m cr1anças; ou, como os fndios das Planícies
o ~ m a craança
~ q u e n a
e o
~ v ô ;
ou ainda, como e n t r ~
os ~ n u s e em regtões da America moderna considerem
as cr1an5as o grupo mais importante da
s o ~ i e d a d e Na
expectattva de simples inversões - isto é quand ·
aspecto d ~ . vida social não é especificamente s a g r a d o ~ d::
ser e s p e c ~ f t c a m e n t e secular; ou, se o homem é forte, a
mulher ha de ser fraca ignoramos o fato de ue as
culturas ~ o z a m de uma hcença muito maior do q esta
na - s e e ~ a ?
~ o s possíveis aspectos da vida humana que
serao mmtmJzados, superacentuados, ou ignorados. E em
bora ~ ~ ~ a cuJtura tenha
de
algum modo institucionalizado
os papeis dos homens e das mulheres, não foi necessaria
mente. em termos de contraste entre personalidades
p r e s c ~ J t ~ s dos dois sexos, nem em termos de dominação ou
subm•ssao. Com a escassez de material para elaboração
ne lhuma cultura deixou de apoderar-se dos fatos de s e x ~
e.
~ d ~ d e
de alguma forma, seja a· convenção de uma tribo
fdtptna de que o homem não sabe guardar segredo, a crença
dos
M a n ~ s
de que somente os homens gostam de brincar
com bebes: a.
p r e ; ~ c r i ç ã o
dos Toda de que
q u a ~ e
todo tra
b a ~ h ~
d . o m ~ s t t c o
e demasiado sagrado para as mulheres, ou
m s t s t ~ n c t a
dos Arapesh em que as cabeças das mulheres
sao mats fortes
d?.
que as dos homens. Na divisão do
trabalho, no vestuano, nas maneiras, na atividade social e
M i f i i ~ ) ~ .
especialmente
R.Utb
Benedict.
Pattun
o/
C u l t u ~ .
Hou&lltoD
24
reliJiosa - às vezes apenas em alguns destes aspectos,
outras vezes em todos eles - homens e mulheres são
IOcialmente diferenciados, e cada sexo. como sexo, é for
çado a conformar-se ao p a p e ~ que. lhe é a t r i b ~ í ~ o . E_?'
aiJUmas sociedades. estes
papé&s
soctalmente d e f J n t d o ~ sao
expressos, especialmente, nas roupas
ou
na ocupação, sem
qualquer insistência nas diferenças temperamentais inatas.
As mulheres usam cabelos compridos e os homens, curtos;
ou os homens usam cachos e as mulheres raspam suas
cabeças; as mulheres usam saias e os homens, calças; ou
as mulheres vestem calças e os homens, saias. As mulheres
tecem e os homens não; ou os homens tecem e as mulheres
não. Vinculações simples como estas entre r o u p ~ ou
ocupação e sexo são facilmente ensinadas a toda cnança
e
nio
suscitam hipóteses a que uma dada criança não se
adapte com facilidade.
Não ocorre o mesmo nas sociedades que diferenciam
rigorosamente o comportamento do homem e
da
mulher
em termos que admitem uma diferença genuína de tempe
ramento. Entre os Dakota das Planícies sustentava-se fre
neticamente que a aptidão de enfrentar qualquer grau de
perigo ou dificuldade era característica masculina. Logo
que um menino
c o m p l e t a ~ a
S ou 6 a n ? ~ de i d a ~ e :
~ o d o
o
esforço educacional consctente da famtha era dartg1do no
sentido de torná-lo um homem incontestável. Toda lágrima,
toda timidez, todo apego a uma mão protetora, ou o desejo
de con·tinuar brincando com crianças mais jovens ou com
meninas era obsessivamente interpretado como prova de
que ele não se estava desenvolvendo como verdadeiro
homem. Em tal sociedade, não
é
surpreendente encontrar
um
bel dache,
o homem que de bom grado desistiu de lutar
por conformar-se ao p ~ p e l masculino e
q u ~
u ~ a . r?upas 1 .. .
....
,
femininas e executa serv1ços de mulheres. A mstJtutçao do
berdache,
por sua vez, serviu de advertência a todo pai;
o ~
Temor de que o filho se convertesse em
berdache
fornecta 1 •
aos esforços paternos um desespero adicional, e a própria
pressão que ajudava a orientar o menino nessa e ~ c o l h ~
ra
redobrada. O
i n v e r t i d ~ ~ f _ e ~ ; .
~ - ~
base
fJStca
v ~ s w e l
.
lara a sua. io_v_ersa )_ mtrag )1J_por mutto t e m p ~ _ o . _ _ ~ ~ ~ c l _ a ~ s ~ ~ - ~ - : ' •"·
o sexo, os q u a i ~ ~ H . a J 1 d t ) _ nã_'?_ enct?_J1tram qualquer a ~ . o n n a :
Jldade
glandülãr Õbservável, VQI_ ílm-_se .
~ r a
as teonas de
condtcaoriãmê.nlo ·.:íntéiiõr ·oú· identificação com o pai do
;sexo oaoslo;-·Nn· tteeorrer demt
t ~ t f t a Ç ã o .
teremó:;
o p ó r ~
/
tunlda e de examinar a mulher "masculina" e o homem
..feminino", como ocorrem nestas diferentes ~ r i b o : s , obser:
\'ar se é sempre a mulher de natureza domtnante que e
considerada masculina, ou é o homem dócil, submisso.
que·
gosta de crianças
ou
bordados, que
é
reputado
feminino.
· ·
25
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8/17/2019 AULA 16 - Margaret Mead - Sexo e Temperamento
5/12
Nos capítulos seguintes, p r e o c u p a r n o s e m a ~
com
a
padronização do comportamento do sexos à luz do tempe
ramento, com as presunções culturais de que certa atitudes
temperamentais são "naturalmente" masculinas e outra5
"naturalmente" femininas. Neste assunto, os povos primi
tivos parecem ser, superficialmente, mais sofisticados do
que nós. Assim como sabem que os deuses,
os
hábitos
alimentares e os costumes de casamento da tribo vizinha
diferem dos seus, e
não
afirmam que uma forma é verda
deira ou natural enquanto a outra é falsa ou inatural,
também sabem amiúde que as tendências temperamentais
que consideram naturais nos homens ou nas mulhere l
diferem dos temperamentos naturais masculinos e femi
ninos ent re seus vizinhos. Apesar dis lo, dentro de um al
cance mais limitado e com menos pretensões de validade
biológica ou divina de suas formas sociais do que às vezes
antecipamos,
cada
tribo tem certas atitudes definidas
em
relação ao temperame.nto. uma teoria de como são os
seres humanos naturalmente, sejam homens, mulheres ou
ambos, uma norma pela qual julgar e condenar os indi
víduos que se desviam.
Duas destas tribos não têm idéia de que os homens e
mulheres são diferentes em temperamento. Conferem-lhes
papéis econômicos e religiosos diversos, habilidades dife
rentes, vulnerabilidades diferentes a malefícios mágicos e
influências sobrenaturais.
Os Arapesh acreditam que a
pintura
em
cores é adequada apenas aos homens, e os
Mundugumor consideram a pesca tarefa essencialmente
feminina.
Mas
inexiste totalmente qualquer idéia de que
os traços temperamentais da ordem de dominação, coragem,
agressividade. objetividade, mateabilidade estão indissoluvel
mente associados a um sexo (enquanto oposto ao outro) .
Isto pode parecer estranho a uma civilização que, em sua
sociologia, sua medicina,
sua
giria,
sua
poesia e sua obsce-
nidadc admite para as diferenças
~ o c i l m e n t e
definidas
entre os sexos uma base inata no temperamento. e vê em
qualquer desvio do papel socialmente determinado uma
anormalidade de origem congênita. ou amadurecimento
precoce. Jsto me causou surpresa, porque eu estava por
demais habituada a empregar,
em
meu raciocínio, certos
conceitos, como "tipo misto", a imputar a alguns homens
temperamentos "femininos". ou a algumas mulheres menta
lidade "masculina". Impus-me como problema o estudo do
condicionamento das personalidades sociais dos dois sexos,
. na esperança de que tal investigação lançasse alguma luz
sobre as diferenças sexuais Eu compartilhava a crença
geral da nossa sociedade 'de que havia um temperamento
ligado ao sexo natural, que no máximo poderia ser destor-
6
'do ou afastado da expressão normal. Nem de \eve
a
itava que
5
temperamentos que r e p u t m o ~ n ~ t u r a s
Uipt
pudessem ao invés ser meras vanaçoes do
a um sexo • · b
temperamento humano a que os membros de um ou
am
os
ieXOS
pudessem com maior ou menor sucesso no caso
: individuas dife;entes, ser aproximados através da edu·
çaçio.
7
-
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6/12
uarta
parte
IMPLIC ÇÃO DESSES RESULT DOS
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7/12
17. A PADRONIZAÇÃO
DO TEMPERAMENTO SEXUAL
Consideramos até agora em pormenor
s
personali
dades aprovadas de cada sexo entre três grupos primitivos.
·
vimos
que
os
Arap
sh
homens e mulheres
exibiam
uma personalidade que fora de nossas preocupações histo
ricamente limitadas chamaríamos maternal
em
seus
s-
pectos parentais e feminina
em
seus aspectos sexuais.
Encontramos homens assim como mulheres. treinados a
ser cooperativos não-agressivos suscetíveis à necessidades
e exigências alheias. Não achamos idéia de que o sexo
fosse uma poderosa força motriz quer para os homens
quer para as mulheres. Em acentuado contraste com tais
atitudes verificamos em meio aos Mundugumor que
homens e mulheres se desenvolviam como indivíduos impla-
67
-
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8/12
cáveis, agressivos e positivamente sexuados, com um
m ~ i m o de aspectos carinhosos e maternais em sua
peno-
nahdade. Homens e mulheres aproximavam-se bastante
um tipo de personalidade que, em nossa cultura. s6
mamos encontrar num homem indisciplinado e extrema
mente violento. Nem s Arapesh nem os Mundugumor
tiram proveito
de um
contraste entre os sexos· o ideal
Arapesh
é .o
homem dócil e suscetível, casado
~ o m uma
mulher dócil e
su
scetível; o ideal
Mundugumor
é o homem
v ~ o l e n t o e agressivo, casado com
uma
mulher também
VIOlenta e agressiva. Na terceira tribo,
os
TcbambuJi,
deparamos verdadeira inversão
das
atitudes sexuais de
nossa própria cultura, sendo a mulher o parceiro dirigente
dominador e impessoal, e o homem a pessoa menos r e s p o n ~
sável e emocionalmente dependente. Estas t r ~ s situações
sugerem, portanto, uma conclusão muito definida. Se
aquelas atitudes temperamentais que tradicionalmente
reputamos. f e m . i ~ n a s - tais
como
passividade, suscetibili·
d a ~ e e d t s p o s r ç ~ o
de
acalentar crianças - podem tão
facilmente
~ e r
eng1das como padrão masculino
numa
tribo
e
na
outra ser prescritas para a maioria das mulheres
a s s i ~
como para a maioria dos homens,
não
nos resta ;.,ais a
menor _base para con9iderar tais aspectos
de
comportamento
como ligados ao sexo. E esta conclusão torna-se ainda mais
forte q u a ~ d o observamos a verdadeira inversão, entre os
TcbambuJ1, da posição de dominância dos dois sexos a
despeito da existência de instituições patrilineares f o r m ~ i s .
O ma erial sugere a possibiJidade de afirmar que
muttos, senao todos, traços de personalidade que chamamos
masculinos'
ou
femininos apresentam-se ligeiramente
vmculados ao sexo quanto às vestimentas, às maneiras e à
forma do penteado que
uma
sociedade, em determinados
períodos, atribui a um ou a
outro
sexo. Quando ponderamos
o comportamento
do
típico homem ou mulher Arapesh
em contraste com o
do
típico
homem ou
mulher
Mundu:
gumor, .evidência é esmagadoramente a favor da força
de cond1c1onamento social. De nenhum outro
modo po·
demos dar.
conta
da uniformidade quase completa com
q u ~ c n n ç ~ s Arapesh se tramformam em pessoas
sattsfettas, pass
1vas,
seguras, enquanto que as crianças
~ u n d u g u m o r se convertem caracteristicamente
em
pessoas
vrolentas, agressivas e inseguras. Só ao impacto
do
todo
da cultura. ín.tegrada sobr.e a criança em crescimento po
demos
atnbuu
a formaçao
do
s tipos contrastantes. Não
há o ~ t r a explicação raça, dieta
ou
seleção que possamos
aduztr para esclarece-la. Somos forçados a concluir
que
a natureza humana é quase incnvelmente maleável, res·
ponàendo acurada e diferentemente a condições culturais
contrastantes. As diferenças entre indivíduos que são mem-
68
bros
de
diferentes culturas. a exemplo das diferenças entre
indivíduos dentro
da
mesma cultura, devem ser atribuídas
quase inteiramente às diferenças
de
condicionamento, em
particular durante a primeira infância, .e a forma deste
condicionamento é culturalmente determtnada. s padro
nizadas diferenças de personalidade entre
os
sexos são
desta ordem, criações culturais às quais cada geração,
masculina e feminina, é treinada a conformar-se. Persiste
entretanto o problema
da
origem dessas diferenças social·
mente padronizadas.
Conquanto a importãn_cia básica do c o n ~ i c i o n a m e n ~ o
social ainda seja imperfeitamente reconhec1da - nao
apenas
no
pensamento leigo, ~ até pelo c i e n ~ i s t a
_espe
cificamente preocupado
com
t a ~ s assuntos - 1r
alef
c
considerar a possível influência de avariações
no
eqUipa
mento hereditário é empresa arriscada. As páginas se
guintes
hão
de oferecer
um
significado muito d i f e r e n ~
para quem tenha integrado em seu pensar o r e c ~ n ~ e c l
mento
do
admirável mecanismo conjunto
do
condiCiona
mento cultural - quem realmente haja acolhido o fato
de que seria possível desenvolver a mesma criança como
pleno participe em qualquer dessas três culturas - e outro
para quem ainda acredite que as minúcias
do
c o ~ p o ~ -
mento cultural são transportadas no plasma germtnatlvo
individual. Se se disser, portanto, que, embora tenhamos
captado a significação total
da
maleabilidade do o r ~ n í s m o
humano e a importância preponderante do condiCIOna
mento cuJtural, ainda restam outros problemas a solver,
cumpre lembrar que esses problemas se seguem a tal com
preensão
da
força
do
condicionamento;
não
podem pre
c e d ~ J a . · As forças que levam as crianças nascidas entre
os
Arapesh a se desenvolverem em personalidades Arapesh
típicas são inteiramente sociais, e qualquer discussão das
variações ocorrentes deve ser visualizada contra este subs
trato social.
Com esta advertência em mente, podemos formu1ar
mais uma pergunta. Admitindo-se a maleabilidade da
natureza humana, por que mo tivo surgem as diferenças
entre as personalidades padronizadas
que
as diferentes
culturas decretam
para
todos
os
seus membros,
ou
que uma
cultura decreta para os membros
de
um sexo em contraste
com
os do
sexo oposto? Se tais diferenças são cultural
mente criadas, porquanto_ este m a l e ~ i a l
p o d e ~ i a
s u g ~ r i r
muito fortemente
que
o sao, se a cnança
r e c e m n a s c ~ d a
é moldável com igual facilidade
num
Arapesh não-agress1vo
ou num
agressivo Mundugumor, por que
então
ocorrem
em
gerill esses contrastes impressionantes? Se as chaves
das diferentes personalidades
d ~ t e r m i n d ~ para
os h o ~ e ~ s
e mulheres, ·entre os Tchambuh
nã
o restdem
na
const1tu1-
69
-
8/17/2019 AULA 16 - Margaret Mead - Sexo e Temperamento
9/12
ção física dos dois sexos - uma posição que nos incumbe
rejeitar
se
ja no caso dos Tchambuli seja no
de
nossa
pr
ópria
soc
iedade -
on de
havemos de acha r as chaves em que os
Tchambuli, os Arapesh e os Mundugumor se r a m
As culturas são feitas
pel
o homem, são construídas de
materiais humanos; não estruturas
di
versa
s
porém compa·
rá
veis
dentro das quais os seres humanos podem atingir
plena estatura humana. Sobre o quê construíram eles as
suas i v e r ~ i
Reconhecemos que uma cultura homogênea empe·
nhada, desde as suas instituições mais graves aos costumes
mais fr ágeis, em um rumo cooperativo, não-agressivo , pode
inclinar ca
da
criança a essa ênfase, algumas a um
pe
rfeito
cordo com el a, a maioria a uma fácil aceitaçã
o.
enquanto
ó alguns poucos desajustados deixam de receber o carimbo
ultural. Considerar que certos traços co
mo
agressividade
u passividade estão l
ig
ados ao sexo não é possível
à
luz
os fato
s.
Terão semelhantes traços - como agressivida
de
u passividade. orgulho ou humildade, ohjetividade ou
preocupação com rel ações pessoais resposta fácil às neces
idades do jovem e do fraco ou hostilidade em face destes,
endência a ín
ióa
r relações sexuais ou, apenas, a responder
aos ditames de
um
a situação ou iniciativas de out ra pessoa
terão estes traços al guma base no temperamen to em
eral? Serão eles p o t e n l i d a d de todos os tem
erame nt
os
humanos, que podem ser desenvolvidos por
iferentes espécies de condicionamento social e que não
p
arecerão na falta do nece
ss
ário condicion
am
ento?
Qu
ando propomos essa pergunta, deslocamo s nossa
Se indagarmos
por
que um homem
ou
uma mulher
Ara
pesh denotam o tipo de
pe
rson alidade que consideramos
na primeira parte deste livro. a resposta será: Por causa
j cultura Arapesh, por ca
us
a da forma intricada, elabo
·ada e infalível pela qual uma cultura é capaz
de
moldar
:ada recém-nascido
à
imagem cultural. E se fizermos a
11
es
ma pergunta acerca de um home m ou mulher Mundu
~ u m o
ou a re speito
de
um homem Tchambuli comparado
a uma mulher Tchambuli a réplica erá do mesmo gênero.
::
l
es
ostentam as personalidades peculiares às culturas em
j Ue
nasceram e foram ed ucados. Nossa atenção se con
:en trou nas di fe renças entre homens e mulheres Arapesh
:orno um grupo, e homens e mulheres Mundugumor como
am grupo. f. como se houvéssemos representado a pcrso
•alidade Arapesh po um amarelo-cl aro a Mundugumor
•or um vermelh
o-
escuro enqua nto a personalidade fem ini na
rchambuli fosse laranja-escuro e a do homem Tchambuli
·erde-pálido. Mas se inquirirmos de onde proveio a orienta
:ão original em cad a cultura, de modo que uma se mostre
agor
a amarela, outra vermelha, a tercei
ra
laranja e verde
270
segundo o sexo, cumpre então perscrutá-las mais de perto.
E debruçando-nos mais próximos do quadro, é como se,
por trás do brilhante amarelo consistente dos Arapesh e
do vermelho-escuro outrossim consistente dos
Mu
ndugu
mor atrás do laranja e verde dos Tchambuli, achássemos
t • •
em ca
da
caso os delic
ad
os e apenas d1scermve1S contornos
de
todo o espectro, diferentemente revestido
em
cada
c a s ~
pelo tom uniforme que o Esse espectro é a amph·
tude de diferenças indivi
dua
is que se encontram atrás dos
acentos culturais mais conspícuos, e é ai que devemos
procurar a explicação da inspiração cultural,
da
fonte
onde se
ab
eberou c
ada
cultura .
Parece haver igual amplitude de variação tempera
mental bás
ic
a entre os Arapesh e os Mundugumor, embora
o homem violento seja um desajustado
na
primeira socie
dade e um líder na segund.a. Se a natureza humana fosse
matéria-pfima totalmente carente de
~ ~
específicos e caracterizada
por
diferenças constltU
CI
Onats
irrelevantes entre os indivíduos, então aqueles que apre
sentam traços
de
personali
da
de tão
an
titéticos à
pre
ss
ão
social não deveriam reaparecer em sociedades com ênfases
tão dive rsas.
Se
as variações entre ind ivíduos fossem atri·
buíveis a acidentes no processo genético, os mesmos aci
dentes não se repetiriam
com
freqüência análoga em
culturas tão ac
en
tuadamente diferent
es
com métodos de
educ
ação
fortemente c
on
trastantes.
Mas, pelo fato dessa mesma distribuição rela,tiva de
di
ferenças i
nd
ividuais aparecer em cultura apos cu
l
tura, malgra
do
a divergência e ~ t r as culturas, .Pa
rece apropriado ofe recer uma hapótese para exphcar
sobre que bases as personalidades de homens e
foram diversamente padronizadas com tanta frequenc1a
na história
da
raça humana. E
sta
hipótese é uma extensão
daq
uela aventada
por
Ruth Benedict em seu attems o
Culture Suponhamos que existam e n ç ~ t e ~ p e a m _ e n -
tais definidas entre se res humanos que, se nao sao mtetra
mente hereditárias, pelo menos são estabelecidas numa
base hereditária logo
apó
s o nascimento. (Mais do que
isso, não podemos no momento aprofundar o ass unto. )
Estas diferenças, finalmente inco
rpo
radas à estrut
ura
de
caráter dos adultos, constituem, então, as chaves a partir
das quais a cultura atua, selecionando como desejável um
temperamento,
ou
uma combinação de tipos c o n g r ~ e n t e s
e relacionados, e incorporando esta escolha a cada f
1o
da
tessitur a · social - ao cuidar das crianças
pe
quenas, aos
jogos que as crianças praticam, às
mú
sicas que as pessoas
cantam, à
es
tru
tu
ra
da
organização política, às práticas
religiosas,
à
arte e
à
filosofia.
271
-
8/17/2019 AULA 16 - Margaret Mead - Sexo e Temperamento
10/12
ção física dos dois sexos uma p o ~ i ç ã o que nos incumbe
rejeitar seja no caso dos Tchambuli seja no de nossa própria
sociedade - onde havemos de achar as chaves em que os
Tchambuli, os Arapesh e os Mundugumor se
b a ~ e a r a m ?
As culturas são feita.s pelo homem,
são
construídas de
materiais humanos; não estruturas diversas, porém compa
ráveis. dentro das quais os seres humanos podem atingir
plena estatura humana. Sobre o quê construíram eles as
suas divenidades?
Reconhecemos que uma cultura homogênea empe
nhada, desde as suas instituições mais graves aos costumes
mais frágeis, em um rumo cooperativo, não-agressivo, pode
inclinar cada criança a essa ênfase, algumas a um perfeito
acordo com ela, a maioria a uma fácil aceitação, enquanto
só
alguns poucos desajustados deixam de receber o carimbo
cultural. Considerar que certos r a ç o ~ como agressividade
ou passividade estão ligados ao
se
xo não
é
.possível à luz
dos fatos.
Terão
semelhantes traços - como agressividade
ou passividade, orgulho ou humildade, objetividade ou
preocupação com relações pes::;oais, resposta fácil neces
sidades do jovem e do fraco ou hostilidade em face destes,
tendência a iniciar relações sexuais ou, apenas, a r e ~ p o n d e r
aos ditames de uma situação ou iniciativas de outra pessoa
- terão estes traços alguma base no temperamento em
geral? Serão eles potencialidades de todos os tem
p e r a m e n t o humanos, que podem ser desenvolvidos por
diferentes espécies de condicionamento social e que não
aparecerão
na
falta
do
necessário condicionamento?
Quando propomos essa pergunta, deslocamos nossa
êJtfase. Se indagarmos por que um homem ou uma mulher
Arapcsh denotam o tipo de personalidade que consideramos
na primeira parte deste livro, a resposta será: Por causa
da cultura Arapesh, por causa da forma intricada, elabo
rada e infalível pela qual uma cultura é capaz de moldar
cada recém-nascido à imagem cultural. E se fizermos a
mesma pergunta acc.:rca de um homem ou mulher Mundu
gumor, ou a respeito
de
um homem Tchambuli comparado
a uma mulher Tchambuli, a réplica será do
m e ~ m o
gênero.
Eles
ostentam
as
personalidades peculiares
às
culturas em
que nasceram e foram educados. Nossa atenção se con
centrou nas diferenças entre homens e mulheres Arapesh
como um grupo, e homens e mulheres Muodugumor como
um grupo. t como se houvéssemos representado a perso
nalidade Arapesh por um amarelo-claro, a Mundugumor
por um vermelho-esc uro, enquanto a personalidade feminina
Tchambuli
fosse
laranja-escuro e a do homem Tchambulí,
verde-pálido. Mas se inquirirmos de onde proveio a orienta
ção original em cada cultura, de modo que uma se mostre
agora amarela, outra vermelha, a terceira laranja e verde
27
segundo o sexo, cumpre então perscrutá-las mais de perto.
E debruçando-nos mais pr6ximos do quadro, é como se,
por trás do brilhante amarelo consistente dos Arapesh e
do vermelho-escuro outrossim consistente dos Mundugu
mor atrás do laranja e verde dos Tchambuli, achássemos
em
caso os delicados e apenas discerníveis contornos
de
todo o espectro, diferentemente revestido
em
,cada
c ~
pelo
tom
uniforme q u ~ ?_bre. Esse espectro e a amph·
tude de diferenças md1V1duaas que
se
encontram atrás dos
acentos culturais mais conspícuos, e é aí que devemos
procurar a explicação
da
inspiração cultural, da fonte
onde
se
abeberou cada cultura.
Parece haver igual amplitude de variação tempera
mental básica entre os Arapesh e os Mundugumor, embora
o homem violento seja um desajustado na primeira socie
dade e um líder na segunda. Se a natureza humana fosse
matéria-pr ima totalmente
h o m o g ê ~ e a
carente de
i m ~ u l s ~
espeCíficos e caracterizada por diferenças conshtUCIOnals
irrelevantes entre os indivíduos, então aqueles que apre
sentam traços de personalidade tão a.ntitéticos à J?ressão
social não deveriam reaparecer
em
soc1edades com e n f a ~ s
tão diversas. Se as variações entre indivíduos fossem atn
buíveis a acidentes no processo genético, os mesmos aci
dentes não
se
repetiriam
com
freqüência análoga em
culturas tão acentuadamente diferentes, com métodos de
educação fortemente contrastantes.
Mas, pelo fato dessa mesma distribuição relativa de
diferenças individuais aparecer
em
cultura após cul
tura, malgrado a divergência en.tre as culturas, .Pa
rece apropriado oferecer uma hipÓtese para explicar
sobre que bases as personalidades de homens e
m ~ ~ e ~ s
foram diversamente padronizadas
.com
t ~ t a frequen': a
na história da raça humana.
sta
hlp6tese e uma extensao
daquela aventada
por Ruth Benedict
em
seu
Patttrns o
Culture Suponhamos que existam d i f e r e n ç ~ t e ~ p e ~ a m
tais definidas entre seres humanos que, se nao sao mtetra
mente hereditárias, pelo menos são estabelecidas numa
base hereditária logo após o nascimento. (Mais do que
isso, não podemos no momento a p r o f u n d ~ r o assunto.)
Estas diferenças, finalmente incorporadas a estrutura
caráter dos adultos, constituem, então, as chaves a part1r
das quais a cultura atua, selecionando como desejável um
temperamento,
ou uma
combinação
de
tipos c o n g r ~ e n t e s
e relacio.nados, e incorporando esta e_scolha a
cada f o
da
tessitura social - ao
cuidar
das cnanças pequenas, aos
jogos que as crianças praticam,
às
músicas que as pessoas
cantam, à estrutura da organização política, às práticas
religiosas,
à
arte e
à
fÍlosofia.
271
-
8/17/2019 AULA 16 - Margaret Mead - Sexo e Temperamento
11/12
Algumas soçiedades primitivas tiveram tempo e robus
tez para reparar todas as suas instituições, de modo
a
ajustá.·
-las um tipo extremo, e desenvolver técnicas
educ -
cionais, as quais hão de assegurar que
a
maioria de cada
geração apresentará uma personalidade congruente com
esta ênfase extrema. Outras sociedades trilhavam um ca·
minho menos definido, selecionando seus modelos
não
dos
indivíduos mais extremos, mais altamenle diferenciados.
porém dos tipos menos acentuados. Em tais sociedades, a
personalidade aprovada
é
menos pronunciada e a cultura
contém amiúde os tipos de inconsistências que muitos seres
humanos também exibem; uma instituição pode a j u s t a r ~
aos usos do orgulho,
outra
a uma humildade casual que
não é congruente nem com o orgulho, nem com o orgulho
invertido. Tais sociedades, que adotaram
como
modelos os
tipos mais comuns e menos agudamente definidos, muitas
vezes revelam também uma estrutura social padronilada
de modo menos definido. A cultura de tais sociedades é
comparável a uma casa cuja decoração não foi composta
por um gosto preciso e definido, por uma ênfase exclusiva
na dignidade ou conforto, na pretensão ou beleza, mas
onde foi incluído um pouco de cada efeito.
Alternativamente, uma cultura pade obter suas chaves,
não de ·um temperamento, porém de vários. Mas, em
vez de misturar numa mixórdia inconsistente as escolhas
e ~ e s de diferentes temperamentos,
ou
combiná-las num
todo polido mas não particularmente diferenciado, pode
isolar cada tipo, convertendo-o na base
da
personalidade
social aprovada para um grupo de idade, de sexo, de casta
ou de ocupação. Dessa forma, a sociedade torna-se não
um tom uniforme com algumas manchas discrepantes de
uma cor intrusa, porém um
mo
saico,
com
grupos diferentes
apresentando diferentes traços de personalidade. Especia·
lizações como estas podem fundamentar-se em qualquer
faceta dos dotes humanos - diferentes habilidades intelec
tuais, diferentes capacidades artísticas. traços emocionais
diversos. Assim, os samoanos determinam que todos os
jovens devem apresentar como traço de personalidade a
ausência de agressividade e punem com opróbrio a criança
agressiva que apresenta traços comiderados apropriados
somente em homens nobres de meia-idade. Nas sociedades
baseadas em idéias elaboradas de hierarquia, os membros
da aristocracia serão autorizados, compelidos mesmo, a
demonstrar orgulho, sen
si
bilidade a insultos, que seriam
condenados como impróprios em membros das classes
plebéias. Assim também, em grupos profissionais, ou em
seitas religiosas, alguns traços tcmperamentais são selecio
nados e institucionalizados, e ensinados a cada novo mem·
bro que ingressa
na
profiss
ão ou
seita.
a
mesma forma,
272
o médico aprende o modo de tratar que é o comporta·
mento natural de alguns temperamentos e o comportamento
-padrão do clinico geral
na
profissão médica; o Quacre
aprende, pelo menos. o comportamento exter
io
r e os rudi·
mentos da meditação, a capacidade que não é, necessaria·
mente, característica inata de muitos dos membros da
Society
of
Friendsl.
O mesmo acontece com as personalidades sociais dos
dois sexos. Os traços que ocorrem em alguns membros
de cada sexo são especialmente consignados a um sexo e
denegados a outro. A história da definição
~ o c i ~
das
diferenças de sexo está cheia de tais arranjos arbttrános no
campo intelectual e artístico. · mas, em virtude da suposta
congruência entre sexo fisiológico e dotação e m o c . i o ~ a l .
temos
si
do menos capazes de reconhecer que uma strntlar
seleção arbitrária é feita também entre os ~ r a ç o s em_ocio
nais. Admitimos que. por convir a uma mae o deseJO de
cuidar de sua criança, se trata de um traço com que as
mulheres foram mais prodigamente dotadas por um cui
dadoso processo teleológico de evolução. Admitimos que,
pelo fato de os homens caçarem, uma atividade que requer
arrojo, bravura e iniciativa, foram dotados com estas
proveitosas atitudes corno parte de seu temperamento de
sexo.
As sociedades fizeram estas suposições quer aberta
quer imphcitamente. Se
uma
sociedade insiste em que
a
guerra é a ocupação mais importante para o sexo mascuh·
no
estará por conseguinte insistindo em que todos os
m ~ n i n o s demonstrem bravura e belicosidade. Mesmo que
a acentuação da bravura diferencial de homens e mulheres
não venha a articular-se, a diferença em ocupação. torna
implícito este ponto. Quando, entretanto, soctedade
vai adiante e define os homens como coraJOSos e as mu·
lheres como medrosas, quando aqueles são proibidos
mostrar medo e a estas se perdoa a demonst ação ~ a • s
flagrante de medo, introduz-se um elemento ma1s
~ x p h c 1 t o .
Coragem, ódio a qualquer fraqueza. ao recuo d1ante da
dor
ou
do
perigo - esta atitude, que e um componente
tão forte de alguns temperamentos humanos foi escolhida
como chave do comportamento masculino. A franca de
monstração do medo ou do sofrimento, que é congenial a
um temperamento diferente, foi convertida em chave do
comportamento feminino.
Originalmente duas variações do temperamento hu-
mano, um ódio ao medo ou desejo de exibi-lo, viram-se
socialmente traduzidas em aspectos inalienáveis das perso-
I )
Socicdalk
de
Amiaos,
orlkm
dos Quacrcs.
273
-
8/17/2019 AULA 16 - Margaret Mead - Sexo e Temperamento
12/12
nalidades dos dois sexos. E nessa definida personalidade
do sexo toda criança será educada, se for menino, para
suprimir o medo, se for menina, para demonstrá-lo.
Se
não houver uma seleção social com respeito a este traço,
o temperamento altivo, que é avesso a qualquer frouxidão
de sentimentos, manifestar-se-á, independentemente do
sexo, pela dureza do queixo. Sem uma taxativa proibição
de tal comportamento, o homem ou a mulher francos e
expressivos hão de chorar ou comentar o medo e o sofri·
mento.
Tai
s atitudes, fortemente marcadas
em
cc los tem
peramentos, podem por seleção social ser padronizadas ou
proibidas
para
todos, ignoradas pela sociedade, ou conver
tidas
no
comportamento aprovado e exclusivo de um
único sexo.
Nem os Arapesh, nem os Mundugumor estabeleceram
qualquer atiwde específica
para
o sexo. Todas as energias
da culrura foram dirigidas para a criação de um único
tipo humano, independente de classe, idade
ou
sexo. Não
há divisões entre classes etárias em
rel
ação às quais se
considerem adequados motivos e atitud
es
morais diferentes.
Não há cla
ss
e de videntes ou profetas que permaneçam
à
parte, bebendo inspiração em fontes psicológicas inacessíveis
à
maioria das pessoas. Os Mundugum
or
fizeram,
é
verdade,
uma seleção arbitrária. quando reconheceram habilidade
artística apenas em indivíduos nascidos com o cordão um
bilical em volta do pescoço, c negaram firmemente o feliz
exercício
da
h
ab
ilidade artística aos nascidos de maneira
menos inco
mum
. O menino Arapesh com infecção de sarna
foi socia lmente selecionado para tornar-se um indivíduo
descontente e anti-social, e a sociedade fo rça crianças
alegres e cooperativas, amaldiçoadas com essa doença, a
se aproximarem por fim do comportamento próprio de
um pária. Com estas duas exceções, nenhum papel emo
cíonal
é
imposto ao indivíduo em razão de nascimento ou
de acaso. Assim como não há entre eles idéia de grau que
declare alguns de posição social elevada e outros baixa,
tampouco há idéia de diferença sexífera que proclame a
neces
si
dade de um sexo sentir diversamente do outro. Uma
possível construçã
o2
social imaginativa, a atribuição de
diferentes personalidades a diferentes membros da comuni
dade class ificados em grupos de casta, sexo e idade, não
ex
iste.
Entretanto, quando nos voltamos para os Tchambuli,
encontramos uma situação que, conquanto bizarra em um
aspecto, parece, não obstante, mais compreensível em
ouno. Os Tchambuli, ao menos, levaram
em
consideração
1)
No
sentido de construcr mental.
74
as diferenças de sexo : usaram o fato óbvio do sexo como
um ponto de organização pa ra a formação da personalidade
rocial, mesmo que nos pareça terem invertido o quadro
normal. Embora ha ja motivo para acreditar que nem
toda mulher Tchambuli nasce com um temperamento
~ o m i n a d o r organizador e administrativo, ativamente
se-
xuada e disposta a tomar a iniciativa nas relações sexuai
s
possessiva, determinada, prática e impessoal em suas pers·
pectivas, ainda assim a maioria das meninas Tchambuli
cresce
com
estes traço
s.
E, embora existam provas defini
tivas a demonstrar que os homens Tchambuli
não
são, por
dotes inatos, os atores delicados e responsáveis de uma
peça encenada
em
benefí
cio
das mulheres, ainda assim a
maioria dos meninos Tchambuli manifesta no mais das
vezes essa personalidade vaidosa de ator. Visto que a
formulação Tchambuli de atitudes de sexo contradiz nossas
premissas comuns, podemos ver claramente que a sua cu - .
tura atribuiu arbitrariamente certos traços humanos às
mulheres e imputou outro
s
da mesma forma arbitrá ria,
aos homens.
Se aceitarmos. então, essa evidência tirada dessas
sociedades simples que, através
de
séculos de isolamento
da corrente principal da história humana, conseguiram de
senvolver culturas mais extremas e surpreendentes do que
é possível sob condições históricas de grande intercomu
nicação entre povos e a resultante heterogeneidade, quais
são as implicações desses resultados? Que conclusões
podemos extrair
de
um estudo da· forma pela qual uma
cultura seleciona alguns traços da extensa gama de dotes
humanos e especializa esses traços ou para um sexo, ou
para toda a comunidade? Que importância tem esses
re
sultados para o pensamento soc ial? Antes de cons
ide-
rarmos esta questão, será
ne
cessário discutir mais porme·
norizadamente a posição do desajustado. o indivíduo cuja
disposição inata
é
tão estranha
à
personalidade social
ex igida por sua cultura para sua idade, sexo, ou casta, que
jamais conseguirá usar perfeitamente a vestimenta de per
sonalidade que sua sociedade lhe confeccionou.
75