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Theoria - Revista Eletrnica de FilosofiaFaculdade Catlica de Pouso Alegre
Volume 04 - Nmero 10 - Ano 2012 | ISSN 1984-9052 127 | P g i n a
A PRXIS EDUCATIVA POPULAR
Suzana Costa Coutinho1
RESUMOA educao popular, organizada no Brasil a partir da dcada de 1950, est fortemente ligada ao eorganizao dos movimentos sociais que buscaram e buscam a transformao da realidade. Entende-se que uma
prxis educativa no se refere somente s aes pedaggicas, mas tambm s suas intencionalidades polticas eformas de organizao. A histria da educao popular libertadora, de base freireana, caracteriza-se pela
concepo poltico-pedaggica do dilogo problematizador, que prope estimular a reflexo e a ao de homense mulheres sobre a prpria realidade e a intervir nesta. tambm uma prxis histrica, que se transforma dianteda realidade, mas procura manter seus princpios fundantes: o dilogo, a transformao da realidade e aarticulao da diversidade com objetivos comuns, ou seja, suas dimenses pedaggica, poltica e organizativa.
Palavras-chave: Educao popular movimentos sociais Paulo Freire.
ABSTRACTThe popular education, held in Brazil after the 1950s, is strongly linked to the action and organization of socialmovements that tried and try to change the reality. I'ts understood that an educational praxis refers not only to
pedagogical actions, but also to their intentions and political forms of organization. The history of populareducation liberating, basing on Freire, characterized by political and pedagogical conception problem-solvingdialogue, which proposes to stimulate reflexion and action of men and women about their own reality and take
an action on this. It is also a historical praxis, that changes in the reality, but try to keep the basic principles:Dialogue, the transformation of reality and the articulation of diversity with common goals, in other words, their
pedagogical, policies and organizational dimensions.
Key-words:Popular education social movements Paulo Freire.
Consideraes iniciais
O objeto desta reflexo a prxis educativa popular no seu contexto histrico,buscando compreender as mudanas que ocorreram com a chamada educao popular de base
freireana. A trajetria histrica foi dada pela pesquisa bibliogrfica, em autores reconhecidos
pelo seu envolvimento com a prxis da educao popular e tambm de observadores dessa
prxis. Difcil estabelecer mudanas a partir de algum feito ou evento. O interesse aqui foi o
de construir um pequeno mapa onde seja possvel localizar perodos, pessoas e atividades que
1Mestre em Educao pelo Centro Universitrio Salesiano de So Paulo (UNISAL). Professora da FaculdadeCatlica de Pouso Alegre.
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Volume 04 - Nmero 10 - Ano 2012 | ISSN 1984-9052 129 | P g i n a
humanizadora, libertadora, crtica que no existe sem conflitos, pois seu papel tambm
desmitificar a opresso que existe mesmo dentro do oprimido, nas relaes nas quais ele se
identifica como menos. Papel de tal prxis educativa a realizao do ser mais, da
humanizao dos homens e mulheres envolvidos nessa prxis.
Parte-se tambm do fundamento de educao tambm como prtica sociocultural,
formas vivas e comunitrias de ensinar-e-aprender (BRANDO, 2007, p. 23).
A educao pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das maneiras que as pessoascriam para tornar comum como saber, como ideia, como crena, aquilo que comunitriocomo bem, como trabalho ou como vida. Ela pode existir imposta por um sistemacentralizado de poder, que usa o saber o e controle sobre o saber como armas que reforama desigualdade entre os homens, na diviso dos bens, do trabalho, dos direitos e dos
smbolos (BRANDO, 2007, p. 10).
Portanto, como prtica sociocultural, a educao envolve teoria e prtica: Afirmar
como ideia o que nega como prtica o que move o mecanismo da educao autoritria na
sociedade desigual (BRANDO, 2007, p. 97). No entanto, possvel reinventar a educao,
como prtica que pode servir ao trabalho de construir um outro tipo de mundo
(BRANDO, 2007, p. 99).
Assim, ao falar em Educao Popular, procura-se salientar um tipo de prtica
educativa
[...] como o conjunto de prticas socioculturais que, de forma explcita ou implcita,consciente e intencional, ou incorporada de maneira acrtica, num primeiro momento, seinter-relacionam nas diferentes instncias do espao/tempo comunitrio, assumindo,gradativamente, uma interveno pedaggica emancipatria na prtica sociocultural eeconmica vivenciada. Parte-se, portanto, do conflito para chegar a uma atuao socialsignificativa e contextualizada (SILVA, 2005, p. 10).
Chega-se, portanto, ao conceito de prxis educativa popular, ou seja, a ao de
ensinar-e-aprender coletivamente com a finalidade de transformao libertadora de uma
condio desumana. Ao e reflexo so componentes do que se chama prxis e, para Paulo
Freire, tornam-se uma palavra nica, pois que evidenciam uma reciprocidade e
complementaridade.
O que nos parece indiscutvel que, se pretendemos a libertao dos homens no podemoscomear por alien-los ou mant-los alienados. A libertao autntica, que a humanizaoem processo, no uma coisa que se deposita nos homens. No uma palavra a mais oca,
mitificante. prxis, que implica a ao e a reflexo dos homens sobre o mundo paratransform-lo (FREIRE, 2009, p. 77).
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Volume 04 - Nmero 10 - Ano 2012 | ISSN 1984-9052 130 | P g i n a
O pensamento de Freire sobre prxis educativa libertadora, ou problematizadora, ou
ainda o que se chama de popular neste trabalho, evidencia a necessidade dos dois momentos
da prxis, porque o sacrifcio da ao em nome da reflexo verbalismo; o sacrifcio da
reflexo em nome da ao ativismo, basismo. Os seres humanos se fazem autenticamente na
ao-reflexo (apud SCHNORR, 2005, p. 94).
O sentido da prxis educativa popular est na intrnseca relao entre teoria e prtica
da educao, que se realiza por meio do dilogo entre os sujeitos envolvidos. por meio do
dilogo que as vises de mundo se manifestam e podem ser questionadas, desmitificadas,
podendo, assim, abrir espao para um novo conhecimento que leve a uma nova ao. No se
trata de um dilogo compreendido como mera troca de palavras, mas de uma relao que se
funda na capacidade de ouvir, de questionar, de provocar a uma nova prtica, no imposta ourepassada, mas construda por essa relao dialgica.
A prxis poltico-pedaggica de Freire tem como pressuposto o dilogo. Por isso, ele
mesmo se refere a ela como concepo dialgica, ou ainda educao dialgico-dialtica.No
entanto, talvez seja esta uma das categorias mais incompreendidas, tanto por crticos como
por seguidores de Freire. Ser importante para este trabalho a compreenso do dilogo
freireano.
Em sua obra Extenso ou comunicao?, publicada em 1977, Freire (2010) apontacomo fundamental para uma prtica educativa libertadora, dentro de uma perspectiva
humanista2, o conceito de comunicao, contraposto ao de extenso, este no sentido de
transferir, entregar, depositar. Para Freire, a comunicao que possibilita aos sujeitos a
coparticipao no ato de pensar, o que se d por meio da reciprocidade, da intencionalidade e
da no passividade. A comunicao , pois, dilogo, assim como o dilogo comunicativo
(FREIRE, 2010, p. 67).
Neste sentido, dilogo pressupe ouvir e falar. Saber escutar um dos saberesnecessrios aos educadores, conforme a obra Pedagogia da Autonomia. Trata-se de uma ao
crtica para poder intervir no dilogo, no falar com, e no apenas discursar para. No entanto,
no deve o educador desconsiderar seu papel nessa relao dialgica, de interveno tambm
crtica que ajude a superar vises fatalistas, deterministas, opressoras. No se trata de um
ouvir e de um falar sem o compromisso com a libertao e com a humanizao das pessoas.
Pelo contrrio, procurar ouvir e compreender quem diz a palavra, considerando tambm a
2Para Freire, humanismo refere-se humanizao dos seres humanos, um humanismo cientfico que rejeita todae qualquer forma de manipulao, pois que busca a libertao, esperanosamente crtico (Cf. FREIRE, 2010, p.74).
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linguagem, as imagens e os smbolos presentes, leva a, de forma criativa, se posicionar e
mesmo discordar e se opor, mas nunca de forma autoritria, porque ouviu atentamente quem
tinha a palavra. Um ouvir que se baseia tambm no acolhimento do outro, na tolerncia e na
disponibilidade mudana, no respeito diferena, porque no se coloca sobre o outro, entre
tantas qualidades necessrias a quem quer dialogar (FREIRE, 2008, p. 119-20).
Em Pedagogia do oprimido, Freire ressalta o carter dialgico da prtica educativa
libertadora, adjetivando-a de problematizadora. Prxis que nega o depsito, a narrativa ou a
transferncia de conhecimento, para anunciar a dialogicidade como essncia da educao
(FREIRE, 2009, p. 78). Chama sua prxis de educao problematizadora porque, por meio do
dilogo, busca estimular a reflexo e a ao de homens e mulheres sobre a prpria realidade
(FREIRE, 2009, p. 83).Dilogo que palavra verdadeira, capaz de transformar porque tambm capaz de
pronunciar o mundo. Dilogo que amor: o que impossibilita que se torne uma relao de
dominao. Torna-se um ato de coragem e de compromisso com os homens e mulheres
oprimidos. Compromisso que exige encontro dos sujeitos e encontro que exige compromisso
para a realizao da tarefa comum de libertarem-se e de transformarem sua realidade. Dilogo
que renuncia a autossuficincia e exige a abertura ao outro, sua contribuio. O que exige
tambm a confiana dos sujeitos que dialogam, criando uma relao horizontal, ocompanheirismo; relao que, por sua vez, exige que as intencionalidades sejam ditas e que
haja coerncia entre o dizer e o fazer. Outra exigncia a da esperana, pois sem ela fica
vazio o encontro, tornando-o burocrtico e fastidioso, pois se no se considera possvel a
mudana, porque se mobilizariam as pessoas, em que empenhariam suas foras e seus
projetos? E ainda, exigncia do dilogo, para Freire, tambm o pensar crtico, reconhecendo
a solidariedade entre mundo-homense percebendo a realidade como processo, sendo possvel
e vivel a transformao permanente da realidade, para a permanente humanizao doshomens (FREIRE, 2009, p. 89-95).
2. Educao Popular: histria e prxis
Ao buscar elementos da histria da Educao Popular no Brasil, a partir da dcada de
1960 at a constituio da RECID, em 2003, o que se objetiva, neste trabalho, produzir uma
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reflexo sobre essa prxis, nos diferentes momentos e contextos, com seus agentes diversos e
os desafios que lhes foram (e ainda so) colocados.
A histria da Educao Popular no Brasil e na Amrica Latina, a partir do final da
dcada de 1950, s poder ser contada em complementaridade com a histria dos movimentos
populares. Esses movimentos uniam ao poltica com educao e cultura, no somente como
luta de libertao dos opressores externos, simbolizados por aqueles que estavam no poder e
buscavam permanecer nele com o uso de diversas formas de violncia. Tambm buscavam
libertar-se do opressor interno, formatado por longo perodo de colonizao com a elaborao
de um outro projeto de civilizao j em ato nas audaciosas experincias poltico-
pedaggicas populares (SEMERARO, 2009, p. 99).
A filosofia, a pedagogia, a teologia, a economia, a arte e a literatura latino-americana quenasciam dessa prxis libertadora apresentavam a marca de uma poltica criativa eapaixonada. Mostravam que os subalternos poderiam elaborar uma viso prpria de mundoe colocar em marcha uma nova maneira de fazer poltica. A rigor, possvel dizer que osmovimentos de libertao latino-americana so a verso tropical do que Gramsci haviadelineado como filosofia da prxis, quer dizer, de uma filosofia que se faz poltica e de uma
poltica que inspira a filosofia (SEMERARO, 2009, p. 100).
Segundo Nascimento, durante sua participao na 3 Ciranda de Educao Popular e
10 Encontro Nacional da RECID, sobre a construo da educao popular no Brasil, sosignificativos trs momentos. Antes, porm, h o que chamado por ele de gnese da
educao popular, que vai do perodo de 1922 a 1924, com a Semana de Arte Moderna. Para
ele, esse o evento que comea a fomentar um olhar brasileiro sobre a nossa realidade
(REDE DE EDUCAO CIDAD, 2010, p. 46). Outros eventos so: a fundao do Partido
Comunista Brasileiro e a Escola Nova.
O primeiro momento estaria entre os anos de 1954 a 1964, e foi marcado por uma
grande agitao poltica e cultural, em que se lanam as bases da educao popular (REDE
DE EDUCAO CIDAD, 2010, p. 46). O segundo corresponde ao perodo de 1964 a 1989,
marcado pelas grandes greves de 1978 no ABC paulista e a greve dos canavieiros em
Pernambuco. A educao popular teve um papel importantssimo nos movimentos populares,
so 25 anos onde a educao popular foi um elemento estruturante para a construo de um
projeto democrtico popular (REDE DE EDUCAO CIDAD, 2010, p. 46). O terceiro
momento colocado entre os anos de 1989 a 2010, apontando como marco a eleio de Lula,
o que animou vrios movimentos e pessoas para o resgate da Educao Popular e do trabalho
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de base, embora, possamos encontrar vrias orientaes e prticas que no corresponderiam a
uma concepo mais ampla e profunda de Educao Popular.
2.1 As experincias fundantes da Educao Popular
A dcada de 1950, no Brasil, marcada pela acelerao do desenvolvimento
econmico e da modernizao, construda pela poltica desenvolvimentista. Elabora-se a
Teoria da Dependncia que busca explicar o lugar e o papel dos pases do chamado terceiro
mundo, principalmente da Amrica Latina, nos processos de desenvolvimento e
subdesenvolvimento econmico e social. Esse perodo tambm foi prdigo no transplante deexperincias geradas em outro contexto: extenso rural, desenvolvimento de comunidades,
educao de base, educao de adultos (FVERO, 1983, p. 8). Essas expresses e aes
anunciavam um determinado projeto poltico e de sociedade, ligado ao desenvolvimentismo e
a uma ideia capitalista de democracia. Necessitava-se alfabetizar homens e mulheres para a
disputa poltica regional e nacional e tambm para o trabalho nas indstrias (STRECK, 2009,
p. 64).
No entanto, na dcada de 1960, essas expresses tomaram novo sentido, contraditrioao primeiro uso. De forma crtica e criativa, buscou-se a construo de um projeto poltico em
vista da superao da dominao do capital sobre o trabalho, debate presente nos diversos
setores da sociedade brasileira, dos camponeses s universidades(STRECK, 2009, p. 8-9).
Consideram-se, como pontos fundantes desse momento, no Brasil, segundo Brando
(1987, p. 12): a produo do Mtodo Paulo Freire, as experincias de educao do Movimento
de Educao de Base, os trabalhos desenvolvidos pelos movimentos de cultura popular e
pelos centros populares de cultura e a elaborao, pelo Ministrio da Educao e Cultura, doPrograma Nacional de Alfabetizao.
Trata-se do que Brando (2002, p. 134) chama de amplo, difuso e intenso movimento
conduzido por educadores pedagogos e no pedagogos de formao. Propostas ainda frgeis,
num sentido de experimentao. Trabalho pedaggico quase nunca formalmente escolar,
realizado no campo e na cidade, envolvendo grmios estudantis, agncias da Igreja Catlica,
sindicatos e o que seriam considerados os movimentos populares (cf. BRANDO, 2002, p.
145).
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Este perodo o que marca as caractersticas fundamentais da Educao Popular, suas
fontes e seus desafios. Entre as fontes, pode-se citar o pensamento de Paulo Freire, a Teologia
da Libertao, as Teorias do Desenvolvimento e da Dependncia, o referencial marxista e as
experincias revolucionrias de outras partes do mundo, em especial da Amrica Latina
(PALUDO, 2009, p. 55).
no incio da dcada de 1960 que Paulo Freire faz a experincia de seu mtodo de
alfabetizao de adultos, no bojo do Movimento de Cultura Popular. Fiori, na apresentao da
Pedagogia do Oprimido, salienta que esse mtodo fundamentalmente, um mtodo de
cultura popular: conscientiza e politiza (FREIRE, 2009, p. 22).
A teoria pedaggica de Freire nasce das experincias de alfabetizao de adultos,
processo educativo visto como processo poltico. Na introduo Pedagogia do Oprimido,Freire destaca que:
As afirmaes que fazemos neste ensaio no so, de um lado, fruto de devaneiosintelectuais nem, tampouco, de outro, resultam apenas de leituras, por mais importantes queelas nos tenham sido. Esto sempre ancoradas, como sugerimos no incio destas pginas,em situaes concretas. Expressam reaes de proletrios, camponeses ou urbanos, e dehomens de classe mdia, que vimos observando, direta ou indiretamente, em nosso trabalhoeducativo. Nossa inteno continuar com estas observaes para retificar ou ratificar, emestudos posteriores, pontos afirmados neste ensaio (FREIRE, 2009, p. 25).
A Pedagogia do oprimidono s narra as experincias vividas pelo educador, como se
prope a analisar os processos de opresso e os caminhos possveis para a libertao. Segundo
Schnorr, a construo de uma Pedagogia do oprimido no apenas um livro, um ato
radical de compromisso com o povo (SCHNORR, 2005, p. 72).
Para Arroyo, quando Paulo Freire decide construir seu projeto pedaggico a partir de
uma nova concepo de povo (nova, em contraposio ao que estava colocado em seu tempo),
chega a outra concepo e prtica de educao. Ao reinterpretar radicalmente o povo, tambm
o faz em relao concepo de conhecimento e de educao. Por tudo isso, Paulo Freire
considerado l fora (do Brasil), o educador mais importante da segunda metade do sculo XX.
Visita matrizes pedaggicas esquecidas e as repe no pensamento educativo mais radical
(ARROYO, 2005, p. 272).
Com o perodo da ditadura militar, os movimentos populares que deram origem
Educao Popular se desarticulam no incio para, depois, se reapresentarem com outras
propostas, novos sujeitos e novas formas de agir. No entanto, esse primeiro perodo lana as
bases e forma as lideranas para continuar o processo de se repensar a sociedade e buscar sua
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transformao a partir e com os oprimidos. Para Semeraro (2009), dois caminhos tornam isso
possvel: a formao da nova subjetividade e a arte da poltica que os oprimidos aprendem a
vivenciar nas suas experincias poltico-pedaggicas. Essas experincias so consideradas
por ele como uma prxis que leva ao conhecimento pleno das contradies, a querer
conhecer as verdades, mesmo as incmodas, a repensar a cultura e a recriar a cincia, a
filosofia, a poltica e a economia (SEMERARO, 2009, p. 159).
2.2 A educao popular como prxis poltica
No perodo que se seguiu ao golpe de 1964 at 1989, a educao popular fortemente
associada aos movimentos sociais e suas lutas pelos direitos polticos, civis, sociais e
econmicos. Segundo Arroyo (2003, p. 31), esses movimentos sociais atuaram comopedagogos no aprendizado dos direitos sociais.Brando (2002, p. 150) afirma que entre os
anos de 1970 e 1980, ao longo dos governos militares e da abertura poltica, houve toda
uma intensa associao entre a educao popular e os movimentos populares.
Durante um perodo de bem-estar e liberalidade na Europa e nos Estados Unidos, a
Amrica Latina era, nas palavras de Semeraro (2009, p. 97), entregue s ditaduras militares e
a uma das mais cruis formas de subordinao. No entanto, outra sociedade proposta e
fermentada pelas resistncias populares e um intensivo trabalho de capilaridade poltica(SEMERARO, 2009, p. 97). Diante das utopias populares, se levantam as ditaduras militares,
para repelir o contgio da revoluo deflagrada por Cuba, com forte represso que
desmantelou vrias organizaes sociais e populares (SEMERARO, 2009, p. 98).
Nessa fase, o movimento operrio, o novo sindicalismo, com formas diversas de
articulao, buscou se aproximar dos movimentos que lutavam por direitos, ainda que de
forma dispersa, como explica Arroyo.
Os sindicatos tiveram um papel pedaggico relevante e reconhecido. Agiram como escolasde formao de lideranas e de formao poltica das diversas categorias de trabalhadores.Os movimentos sociais no deixaram de ter papel pedaggico, formaram lideranastambm e contriburam para educar as camadas populares nem sempre tocadas pelamobilizao operria. Em frentes diversas, cumpriram papis educativos prximos(ARROYO, 2005, p. 31).
desse perodo tambm o advento de vrias modalidades de pesquisa participante,
vinculadas s ideias e prticas da educao popular, conforme Brando (2002, p. 151). Foram
criadas redes de tericos e praticantes, realizados congressos e encontros, inclusive
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internacionais, publicados livros e artigos e produzidos trabalhos acadmicos de mestrado e
doutorado sobre a pesquisa participante.
Sobre as mudanas na concepo e prtica da educao popular realizada pelos
partidos polticos progressistas, nessa fase, Brando (2002, p. 152) explica que a concepo
de educador popular passou a ser de assessor do movimento social,
Destacam-se, tambm, na dcada de 1970, o trabalho realizado pelas comunidades
eclesiais de base (CEBs), formadas pelos grupos de jovens, de noivos ou casais e clubes de
mes, entre outros, e os ncleos de trabalhadores vinculados s pastorais, como a operria e a
da terra. Ainda na dcada de 1970, bem como no incio da seguinte, os grupos de oposio
sindical, sindicatos e associaes educacionais e culturais no podiam realizar atividades
polticas e eram vigiados. O trabalho educativo passou a ser visto tambm como resistncia3econtestao da ordem institucional, mas, no entanto, sem o discurso poltico explcito
(MANFREDI, 2009, p. 140).
A educao popular internacionaliza-se. Organizaes que se dedicavam educao
de jovens e de adultos ou ao cultural-comunitria, como explica Brando (2002, p. 150),
assumem uma identidade de instituies e movimentos de ou atravs da educao popular,
afastando-se, progressivamente, da ideia original da cultura popular vivenciada nos anos de
1960 e 1970, fortemente marcada pela teoria marxista, com a anlise da realidade com oprisma do econmico, de carter mais reivindicatrio. Foram surgindo vrias formas e
modalidades de presena e ao populares. Barbosa classifica esse momento de mudana
como o de crise nos paradigmasda educao popular, explicando que houve uma relativa
perda de fora do seu discurso inicial, surgindo novos paradigmas em sua histria. A
concepo de educao popular, dos anos de 1980 e de 1990, no a apresenta mais como
fora maior para a revoluo; ela deixa de ser de classe para se tornar das classes sociais
influenciadas pelas concepes gramscianas (BARBOSA, 2007).No se tratou apenas de mudanas na forma de organizao, como tambm na maneira
de atuar desses movimentos e, por consequncia, nas aes poltico-educativas desenvolvidas
por eles.
3Ouvi relatos de pessoas que, no referido perodo, participaram de projetos de alfabetizao de adultos. Uma daspessoas ouvidas, Helosa Gouva, uma religiosa da Congregao das Missionrias de Jesus Crucificado,trabalhando no estado do Rio de Janeiro poca, contou que as religiosas encapavam os livros de Paulo Freire,escondendo-os por trs de capas de livros de orao.
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2.3 Da reivindicao ao projeto poltico
Para Semeraro (2009, p. 107), a prxis libertadora e as crescentes presses de
movimentos populares juntamente com outras foras sociopolticas concorreram para minar e
derrubar os regimes militares no Brasil e na Amrica. Ele aponta para uma mudana nas
concepes poltico-pedaggicas desses movimentos, afirmando que no incio dos anos de
1980, encerrava-se um ciclo histrico e com ele se esgotavam tambm muitas concepes e
prticas poltico-pedaggicas originadas em seu seio (SEMERARO, 2009, p. 107). Citando
Freire, Semeraro destaca a passagem dos processos de conscientizao e de libertao para
uma prtica da transformao da realidade e que as aes de resistncia, os crculos de
cultura, as comunidades de base, as prticas educacionais e as associaes populares debairro surgidas durante a ditadura haviam cumprido o seu papel de fermentao e de
reivindicaes (SEMERARO, 2009, p. 107). Desta forma,
Estava na hora de sair do casulo das associaes-comunitrias, das posies defensivas eperifricas. A crtica e a contraposio ao Estado autoritrio e ao sistema capitalista noeram mais suficientes. Era preciso desenvolver a capacidade de constituir novasorganizaes polticas na sociedade civil, conquistar espaos para preparar a formao deum Estado democrtico-popular. Por isso, nos anos 80 repetia-se que no era suficientelibertar-se da opresso e contentar-se com a liberdade negativa. Era necessriodesenvolver a liberdade positiva, libertar-se para reconstruir a sociedade, democratizardireitos e assumir a direo poltica (SEMERARO, 2009, p. 107-108).
Os conceitos gramscianos so recebidos na Amrica e no Brasil, mudando no s a
linguagem de pessoas dos setores acadmico, poltico e de movimentos sociais, mas tambm
as formas de organizao e ao, no final dos anos de 1970 e incio dos anos de 1980.
Sociedade civil, Estado ampliado, escola unitria, intelectual orgnico e bloco histrico, entre
outros conceitos, comeam a popularizar-se, segundo Semeraro, tanto no mundo acadmico,
como no poltico e nos movimentos populares. Paulo Freire um dos que percebe esse
fenmeno e se sintoniza com ele (SEMERARO, 2009, p. 110). Assim,
Nesse perodo, de fato, a mstica e a radicalidade utpica provenientes da paixolibertadora se entrelaam com o realismo poltico e com a racionalidade estratgica demodernas organizaes sociais e partidrias [...]. Mais do que a de movimento, precisavavalorizar a guerra de posio, quer dizer, desenvolver a formao para uma polticaespecializada, para criar organizaes equipadas para preparar-se a enfrentamentossofisticados com os grupos dominantes afirmados h sculos no poder. Fazia-se necessrio
passar do mbito da comunidade para o do partido, sair da viso perifrica para
alcanar a viso de totalidade, superar a vida de sobrevivncia para pensar em termos deproduo de massa (SEMERARO, 2009, p. 110-111).
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Nas palavras de Streck, o que interessava no era mais o confronto direto com o
Estado, mas a ocupao de espaos na sociedade civil que garantissem a construo de um
projeto de cunho popular (STRECK, 2009, p. 68). O autor recorda, tambm, que
anteriormente Paulo Freire j havia insistido na ideia de que a ao pedaggica sempre ao
poltica. Nesse perodo, o inverso tambm proposto: a ao poltica tambm ao
pedaggica. Streck salienta a ao na poltica como formadora de partido e de lideranas
populares e sindicais:
tambm neste perodo (1980) que se cria o Partido dos Trabalhadores, do qual PauloFreire um dos membros fundadores, e que passa a representar as expectativas cultivadasao longo de duas dcadas de silenciamento dos movimentos, muitas vezes naclandestinidade.Formam-se neste perodo importantes lideranas, tanto no mbito dos sindicatos como nombito das Comunidades Eclesiais de Base (STRECK, 2009, p. 68).
No entanto, nem todas as experincias de organizao e ao polticas resultaram no
esperado projeto de democracia popular, almejado pelos movimentos sociais populares das
dcadas de 1970 e 1980. Segundo Semeraro, as preocupaes eleitorais, a corrida para os
cargos executivos, a governabilidade e a burocratizao dos partidos acabaram por
marginalizar muitos movimentos sociais e esvaziar suas dinmicas revolucionrias
(SEMERARO, 2009, p. 114).
A dcada de 90 chega repleta de mudanas na economia e no mundo do trabalho,
afetados, por um lado, pela hegemonia do projeto neoliberal e, por outro, pelas novas
tecnologias de comunicao. Com a abertura poltica, nos meados da dcada de 1980, h
novas configuraes no campo poltico e partidrio. A sociedade dita civil tambm se
reinventa, surgindo o que se denomina de novos movimentos sociais. A reflexo sobre que
desafios todo esse cenrio traz educao popular, e se ela ainda responde a essas novas
configuraes, a proposta do prximo tpico.
2.4 Os movimentos sociais e o neoliberalismo
Na dcada de 1990 e no perodo posterior, o Brasil e a Amrica Latina presenciam as
mudanas impostas pela tentativa de revalidar o capitalismo, por meio do neoliberalismo.
Para Semeraro (2009, p. 68), com a dissoluo da Unio Sovitica e a crise generalizada domarxismo, pensava-se que o liberalismo teria um reinado sem obstculos. No entanto, ainda
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segundo o autor, a disseminao da violncia e a destruio do planeta so provas da
contradio do capitalismo. Essa contradio vai adiante:
Diante dos olhos de todos, ao contrrio, constata-se que a democracia capitalista umadescarada contradio em termos, porque neutraliza a poltica participativa, o espao
pblico, o debate democrtico, a socializao do poder, enquanto, de outro lado centraliza,seleciona, segrega e se impe com um poderoso aparelho blico e policial (SEMERARO,2009, p. 69).
Gohn (2005, p. 45) considera que, no final da dcada de 1980, as mudanas na
conjuntura internacional, com as alteraes no regime poltico do Leste europeu e a
hegemonia das polticas econmicas neoliberais, levaram construo de um novo
significado para o termo cultura. Esse novo significado, conforme Gohn, construdo pelosintelectuais engajados ideologicamente na luta contra as injustias sociais e em busca de uma
sociedade menos desigual, tem substitudo a cultura de resistnciapela cultura propositiva.
Trata-se de engendrar aes que no fiquem apenas em crticas e denncias, mas quecoloquem propostas, estabeleam metas, objetivem um agir ativo e no s a resistncia,
passiva. A nova postura tem lanado os movimentos sociais, em especial os populares, emnovas experincias associativas. Entretanto, o desempenho dos movimentos, nas arenasinstitucionalizadas, tem gerado controvrsias (GOHN, 2005, p. 45).
Se de um lado, os movimentos populares apontaram para uma modernidade na
poltica, segundo Gohn, redefinindo a noo de cidadania, em seu aspecto pblico-privado, de
outro, esse processo foi heterogneo, contraditrio, cheio de fluxos e refluxos e bastante
desigual (GOHN, 2005, p. 59).
Na percepo de Ledezma e Bazn (2009, p.137), o neoliberalismo, marcado por um
novo projeto de homogeneizao cultural e de unipolarizao, tem definido uma nova
conjuntura na qual os movimentos sociais e os processos de libertao e autonomia social,
cultural e econmica foram deslocados da centralidade sociopoltica. Segundo os autores,
nessa conjuntura, o espao e a prtica dos movimentos revitalizaram-se ou evaporaram-se.
Para eles, h uma dificuldade dos movimentos, neste novo cenrio, de construir um cenrio
alternativo e de estruturar discursos e estratgias que articulem educao com sociedade,
cultura, economia e poltica em sua perspectiva de empoderamento real da sociedade civil
(LEDEZMA E BAZN, 2009, p.138).
Na viso de Wanderley (2010, p. 68-69), vrios movimentos, com razes nos perodos
anteriores aqui abordados, marcaram presena na cena poltica, segundo ele, ora construindoos mecanismos de fortalecimento dos prprios movimentos e lutando por reformas polticas
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que eliminassem os ressaibos ditatoriais e avanassem numa efetiva democratizao, ora
buscando articulaes em redes e fruns. No campo da educao, surgem novos conceitos e
novas formas de se organizar e agir, como salienta Wanderley (2010):
Numa diversificao das prticas exercidas no passado, progressivamente foramirrompendo atividades educativas voltadas para setores especficos jovens, moradores das
periferias, prisioneiros, agentes de pastoral, monitores, estudantes, idosos, alm dostradicionais trabalhadores urbanos e rurais. E os temas abarcaram questes diversas, taiscomo: gnero, etnia, meio ambiente e ecologia, paz, direitos humanos, desenvolvimentosustentvel, etc. Em um contexto amplo, buscando formas concretas de vincular educar eagir (WANDERLEY, 2010, p. 69).
Brando reflete sobre os novos movimentos sociais, relacionando-os com os
movimentos tradicionais, criados ou fortalecidos nos perodos anteriores. Para ele, as frentesproletrias, os partidos destinados a um nico sujeito protagnico ou a uma vanguarda
revolucionriatenderam a dar lugar a:
[...] uma nova convergncia de sujeitos igualados em suas diferenas e convergentes nadiversidade de suas causas sociais: povos indgenas, negros, mulheres, homossexuais,trabalhadores sem-terra, moradores urbanos sem-teto, artistas, ambientalistas, militantes da
paz universal e assim por diante (BRANDO, 2002, p. 232).
Neste novo modo de ser e se fazer movimento social, ainda segundo Brando (2002, p.263), os movimentos populares, sendo organizaes dinmicas e militantes da sociedade civil,
perdem dois atributos radicais do passado. O primeiro no serem mais, com exclusividade,
movimentos de classes trabalhadoras e, o segundo, no so mais movimentos de ao
revolucionria direta via enfrentamentos radicais com o sistema de poder. Em relao s
frentes de luta, Brando sinaliza que:
Ainda eram e, em boa parte, permanecem sendo, as seguintes: questes agrrias referentes adireitos de posse e de uso da terra; questes relativas justia no campo e aplicaoplena dos direitos humanos; questes de afirmao cidad de identidades de mulheres ehomens do mundo rural; questes de fronteira geogrfica, tnica e social, tais como a daincorporao das lutas da causa indgena ou dos movimentos negros nas agendas dosmovimentos populares, sobretudo os de tradio crist ecumnica ou catlica (BRANDO,2002, p. 264-265).
Outra caracterstica do campo social dos movimentos no Brasil (mas tambm na
Amrica Latina e em todo o mundo), conforme Brando (2002, p. 271), a crescente criao
de frentes de aliados, ao lado de uma contnua criao e extenso de redes de
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intercomunicao e de teias de mtuo compromisso entre unidades e unies de movimentos
sociais.
Para Paludo (2009, p. 46-47), os novos contextos e realidades que foram impostos na
Amrica Latina, a partir das dcadas de 1980 e 1990, geraram uma profunda crise nos
referenciais do Campo Popular e essas novas questes esto sendo ressignificadas/
refundamentadas para alm da Educao Popular. Para ela, essas questes dizem respeito a
um processo vivido pelo conjunto das pessoas e estruturas de mediao que ainda se mantm
firmes na perspectiva de construo de um projeto emancipatrio. Assim,
O Movimento de Educao Popular ganhou significado no interior do campo que oconstituiu e que, dialeticamente, ajudou a construir, ambos possuem as mesmas razes e
por isso que a ressignificao/refundamentao da Educao Popular e a sua maior oumenor incidncia concreta est, tambm, diretamente relacionada com a refundamentao eressignificao do Campo Popular (PALUDO, 2009, p. 47).
Paludo (2009, p. 49) denomina de Campo Popular a articulao das diversas
organizaes do povo poltico, com seus aliados. Esses ltimos seriam algumas ONGs,
alguns setores das Igrejas, partidos, personalidades, intelectuais comprometidos. Ela ainda
salienta que, apesar das contradies e matizes, esse campo plural e tem como referencial a
transformao das sociedades. Alis, sobre as ONGs, preciso distinguir entre asorganizaes que, segundo Gohn, colaboram para a criao de espaos e formatos de
participao e de relaes sociais (GOHN, 1997, p. 304) das que se tornaram pequenas
empresas do terceiro setor, em busca de recursos pblicos e no-pblicos para sua
sobrevivncia, sem o compromisso de uma atuao crtica junto s comunidades onde se
instalam, reforando o ideal capitalista.
2.4.1 Novos espaos e formas de educao popular
A diversidade sempre foi uma caracterstica do movimento de educao popular no
Brasil. No perodo que se iniciou em 1990 e nos tempos atuais, no diferente. As ONGs se
consolidam, com diferentes mtodos e finalidades de trabalho, mas muitas ainda com o ideal
da Educao Popular e da transformao da realidade. Sua sustentabilidade financeira vinha,
basicamente, das agncias internacionais de cooperao.
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No entanto, a partir dos anos 2000, essa realidade se transforma, com as agncias
colocando seus recursos em outras regies do planeta, como a frica e a ndia. Muitas dessas
organizaes ou fecham s portas ou se adaptam s novas formas de captao e mobilizao
de recursos, como os convnios em parceria com os setores governamentais, fundaes e
instituies nacionais e internacionais. Essa mudana no foi somente de fonte, mas tambm
de ao: para captar recursos, as ONGs tiveram que adaptar seu trabalho s demandas das
financiadoras, o que nem sempre se equivale s demandas das comunidades e grupos
atendidos.
Mesmo assim, possvel distinguir alguns movimentos e aes de educao popular,
dentro da diversidade e das dificuldades dos trabalhos realizados nessa fase.
Oliveira (2006, p. 11) informa que na dcada de 1990, as propostas de educaopopular no se limitaram s experincias de educao poltica das massas, ou mesmo,
alfabetizao de jovens e adultos e ensino supletivo para fraes das camadas populares,
realizados predominantemente nos espaos no-escolares da sociedade civil. Segundo a
autora, houve experincias de escolarizao regular e extraescolares de preparao para a
escolarizao de nvel superior e salienta os desafios da globalizao, do neoliberalismo e da
participao poltica:
Ao se depararem com o processo de reestruturao produtiva (e sua conseqente mudanano contedo e na organizao do trabalho, bem como no conjunto das relaes sociaisglobais), assim como com o alargamento do processo de socializao da participao
poltica dos tempos de abertura democrtica e, ainda, com a hegemonia do iderioneoliberal nos processos sociais, em geral, e especificamente no campo da educao, asconcepes de educao popular enfrentam novos desafios (OLIVEIRA, 2006, p. 11).
A autora ressalta, nesse perodo, o Movimento Sem Terra e a Central nica dos
Trabalhadores, bem como, no mbito do Estado, as experincias de educao popular
desenvolvidas nos municpios e estados com os governos ditos democrticos e populares. Ddestaque tambm para o Movimento de Pr-Vestibulares Populares que surgem na metade da
dcada de 1980, com forte crescimento entre os anos de 1994 e 1999 (cerca de 57%), e que
contam com o envolvimento dos sujeitos coletivos como a Igreja Catlica, os movimentos
negro, estudantil, sindical e comunitrio (OLIVEIRA, 2006, p. 14).
na dcada de 1990 que a educao de adultos recebe novo nome: Educao de
Jovens e Adultos (EJA). Entre a reflexo dos educadores que j militavam nessa rea,
reunidos em fruns, e as aes do governo federal nessa fase, como o Programa Alfabetizao
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A Educao Popular manteve seus pilares fundadores (tico, poltico, epistemolgico,metodolgico e pedaggico), porm seu carter dialtico, sua inerente flexibilidade e seucompromisso tico e poltico no abandonam as atuais demandas da sociedade. Reconhece,certamente, e assume novos desafios e previses. Aceita a superao das anlises esgotadas.Trabalha na construo de componentes paradigmticos renovados. Inclui tudo, desde
cenrios velhos e novos, a sujeitos e espaos. Sua viso dialtica no permite construir onovo a menos que seja a partir da sistematizao e reflexo crtica de sua prtica histrica(HURTADO, 2009, p.148).
Desta forma, nota-se que os autores reconhecem as mudanas pelas quais a Educao
Popular passou. Destacam, no entanto, que mesmo abrindo-se ao novo (e aos desafios dos
novos tempos), a sua intencionalidade poltica o seu compromisso com as demandas dos
setores populares da sociedade. Compromissos que vo levar, embora nem sempre
conseguindo cumprir sua misso, s propostas e aes no campo poltico-governamental.
Em 2003, com a eleio de Lula para presidente da Repblica, o tema da Educao
Popular como poltica pblica volta a ser colocado na pauta dos movimentos populares que
atuam nessa rea. Seja pelo financiamento pblico de atividades de formao pedaggica dos
movimentos, seja pela organizao das atividades de participao popular (como as
conferncias de polticas pblicas), o debate sobre Educao Popular e Estado retorna.
A ampla participao dos movimentos populares na eleio de Lula teria se refletido
em aes dentro dos Ministrios. Alguns desses ministrios buscaram desenvolver polticas
pblicas e, com o tempo, ensaiaram polticas intersetoriais. Na construo de aes de
sustentabilidade e estruturantes, basearam-se nos princpios da educao popular: dilogo e
democratizao, por exemplo. A prpria Rede de Educao Cidad, surgida da mobilizao
social da Presidncia, uma experincia deste contexto. H, contudo, muitas prticas
conservadoras coordenadas pelo governo (REDE DE EDUCAO CIDAD, 2009, p.9).
Trs tentativas de aes foram lanadas ainda em 2003, buscando o conceito de
educao popular como poltica pblica. Uma delas, que no se efetivou, foi a do Programa
Integrado de Formao para a Cidadania Ativa, que envolveu a Associao Brasileira de
Organizaes No Governamentais (Abong) e outros movimentos sociais. A segunda, que
resultou na articulao da Rede de Educao Cidad, foi a de mobilizao social ligada ao
Programa Fome Zero, e a terceira, a proposta de mltiplos canais de interlocuo, como as
conferncias, entre outros, tendo como objetivo qualificar a participao dos cidados e
politizar o social (REDE DE EDUCAO CIDAD, 2009, p. 9-10).
Salienta-se que, baseado na experincia e na reflexo de Paulo Freire, no h
dicotomia entre os espaos Estadoe Sociedade civil. O educador afirmava no ser possvel,na sua tica, conceber o Estado e a sociedade civil como polaridades absolutas. Para ele so
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sujeitos envolvidos, numa relao que se funda na capacidade de ouvir, de questionar, de
provocar a uma nova prxis.
Ao olharmos para a histria da Educao Popular no Brasil e na Amrica Latina,
percebemos que essa prxis s poder ser contada em complementaridade com a histria dos
movimentos populares que buscaram unir ao poltica com educao e cultura. Salienta-se
tambm que a diversidade sempre foi uma caracterstica do movimento de educao popular
no Brasil, gerando diversas e ricas experincias, principalmente dos movimentos que
buscaram e buscam realizar, refletir e reinventar a educao popular. Esta que nunca foi uma
prtica ausente de sentidos (no plural mesmo, para explicitar as diversas intencionalidades
presentes em sua histria).
Os educadores e educadoras populares no podem perder de vista a busca da vivnciados ideais fundantes da Educao Popular, como o seu carter dialgico e dialtico, tendo
presente que a sua razo de existir o compromisso com as demandas dos grupos com os
quais atua. preciso construir o novo a partir da sistematizao e reflexo crtica de sua
prtica histrica (HURTADO, 2009, p. 148). Processos de sistematizao de experincias no
so mera propaganda das aes desenvolvidas, mas uma auto-avaliao crtico-histrica,
capaz de pr na mesa os conflitos existentes, as dificuldades enfrentadas e as contradies
vivenciadas no processo poltico-pedaggico para a busca de sua superao. Avaliar o quanto,realmente, a sua ao prxis dialgico-dialtica, ou apenas reproduz discursosprogressistas,
monlogos panfletrios ou ainda uma conformao ao dado.
Como lembra Freire e Freire (2001, p. 65), seres humanos so incompletos. a
conscincia dessa incompletude que os lana a um processo permanente de pesquisa e essa
busca que faz surgir a esperana. Os sujeitos da ao educativa popular, ao tomarem
conscincia de que esto se fazendo nessas e com essas experincias, algo em construo, no
podem deixar de lado a reflexo profunda sobre o jeito de ser e de agir coletivamente. Pelocontrrio, a conscincia de incompletude que dever impulsionar a proposta de uma prxis
libertadora, esperanosa e tica, porque busca ser coerente com a histria e com os projetos de
libertao dos oprimidos e oprimidas deste mundo.
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