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Direito Constitucional II – Prof Juliano Rinck – UNINOVE 1
Texto - Dogmática dos direitos fundamentais. Conceitos básicos1
Prof. Dr. Dimitri Dimoulis
1. Introdução
O Título II da Constituição Federal de 1988 (CF) trata "Dos direitos e garantias
fundamentais". Objeto deste trabalho é analisar os aspectos gerais da dogmática dos direitos e
garantias proclamados neste título2. Esclarecemos, já de entrada, que o conteúdo deste título, que
compreende os artigos 5º a 17 da CF, não esgota a matéria; direitos e garantias fundamentais são
encontrados também em outras partes da Constituição.
Além disto, a simples leitura do texto constitucional não permite aos operadores jurídicos e
aos cidadãos entender, aplicar e reivindicar os direitos fundamentais. Para um tal efeito, é
necessário realizar um aprofundado estudo dos trabalhos dedicados a este tema. Estes são, em
primeiro lugar, trabalhos dos estudiosos do direito ("doutrina") que examinam a matéria, apontando
problemas, resolvendo casos difíceis e informando os leitores sobre as soluções dadas ao nível da
prática jurídica. A segunda fonte de estudo encontra-se na jurisprudência que, devendo avaliar a
legalidade e constitucionalidade de diversas medidas, examina questões relativas aos limites dos
direitos fundamentais.
2. Breve história dos direitos fundamentais
A maioria dos autores sustenta que os direitos fundamentais possuem uma longa história. Há
quem vislumbra suas primeiras manifestações no direito da Babilônia criado 2.000 a. C., quem os
reconheça no direito da Grécia Antiga e da Roma republicana e quem diz que se trata de uma idéia
enraizada na teologia cristã, exprimida no direito da Europa medieval (Luño, 1999, pp. 108-114).
1 Agradece-se aos Professores Ana Lucia Sabadell e Eduardo Fanganiello de Carvalho Fernandes pela
leitura atenta e crítica do texto. 2 O estudo dos direitos fundamentais pode ser dividido em três partes:
- dogmática geral (ou parte geral), que estuda os problemas de definição, as funções e os métodos de
limitação e harmonização dos direitos fundamentais;
- dogmática especial (ou parte especial) que estuda os vários direitos garantidos nas Constituições em vigor;
- teoria dos direitos fundamentais, que analisa as justificações filosóficas e políticas e as críticas aos direitos
fundamentais.
2 Estas opiniões não nos parecem justas. Porém, para provar nossa afirmação, deveríamos
percorrer um longo caminho teórico envolvendo os conceitos da história do direito que critica a
visão "continuista" do direito (Hespanha, 1998, pp. 34-40; Sabadell, 2001; Dimoulis, 1996, pp. 28-
33). Destacamos somente que - em nossa opinião -, para poder-se falar em direitos fundamentais,
devem ser reunidas três condições, ou seja, é necessária a presença de três elementos:
a. Estado. Trata-se do funcionamento de um aparelho de poder centralizado que possa
efetivamente controlar determinado território e impor suas decisões através da burocracia, dos
tribunais, da polícia, das forças armadas e também dos aparelhos de educação e propaganda política.
Sem a existência de um tal Estado, a proclamação de direitos fundamentais deixaria de ter
importância prática, já que estes não poderiam ser garantidos e cumpridos.
b. Indivíduo. Pode parecer um paradoxo dizer que a existência dos indivíduos é um requisito
dos direitos fundamentais. Não existem desde o início da humanidade indivíduos? A resposta é não.
Nas sociedades do passado as pessoas eram consideradas como membros de grandes ou pequenos
coletivos (família, clã, aldeia, latifúndio, reino).
c. Texto escrito que regula as relações entre ambos. Este papel é desempenhado pela
Constituição que declara e garante determinados direitos fundamentais permitindo ao indivíduo
conhecer sua esfera de atuação, livre de interferências estatais e, ao mesmo tempo, vincular o Estado
a determinadas regras que impedem as invasões da esfera privada. Este texto deve possuir validade
em todo o território, possuir força vinculante (tanto em relação aos particulares como em relação ao
Estado) e, por último, ter supremacia com relação aos demais textos legais.
Por razões políticas e sociais complexas (que não podem ser examinadas aqui em poucas
páginas), estas três condições apresentaram-se reunidas apenas no final do século XVIII. Neste
período encontramos, nos dois lados do Oceano Atlântico, textos de Declarações de Direitos que,
pela primeira vez na história, enunciam e garantem direitos fundamentais.
Logo após a Declaração da independência das 13 ex-colônias inglesas na América do Norte
proclamou-se no Estado da Virgínia, aos 12 de junho de 1776, uma "Declaração de Direitos" (Bill of
Rights)3. Em seu texto são enunciados direitos tais como autonomia, proteção da vida do indivíduo,
liberdade de religião e de imprensa, igualdade, propriedade e livre atividade econômica e proteção
contra a repressão penal.
Declarações semelhantes foram produzidas pelos demais Estados norte-americanos. A
Constituição Federal de Filadélfia não compreendia, em sua versão inicial de 1787, uma declaração
de direitos. Esta lacuna foi preenchida em 15 de dezembro de 1791 com a ratificação das dez
primeiras emendas à Constituição Federal, que, em sua maioria, proclamaram direitos tais como a
3 Tradução do texto para o português em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/dec1776.htm.
3 liberdade de religião, a livre manifestação do pensamento, a segurança, a proteção contra acusações
penais infundadas e penas arbitrárias, e a propriedade individual.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, redigida na França em 26 de agosto de
1789 e adotada definitivamente em 2 de outubro de 1789, é um texto, em muitos aspectos, parecido
com as declarações norte-americanas4. Encontramos o reconhecimento da liberdade, da igualdade,
da propriedade, da segurança e da resistência à opressão, da liberdade de religião e do pensamento,
garantias contra a repressão penal etc.
Um passo muito importante no caminho do pleno reconhecimento dos direitos fundamentais
deu-se nos Estados Unidos quando, em 1803, a Corte Suprema (Supreme Court) decidiu que o texto
da Constituição é superior a qualquer outro dispositivo legal (caso Marbury vs. Madison). Neste
sentido, o legislador ordinário não podia restringir, suspender ou abolir direitos fundamentais, sendo
estes parte do texto supremo, ou seja, da Constituição (Zoller, 1999, pp. 105-126). Assim, os juízes
tornaram-se garantidores dos direitos fundamentais, tendo a incumbência de declarar a
inconstitucionalidade de toda lei que atentasse contra tais direitos.
Assim sendo, uma evolução muito rápida permitiu que, em um quarto de século, fossem
redigidas Declarações de direitos fundamentais, tanto no "velho" como no "novo" mundo, e
reconhecidas como fundamento da ordem constitucional, devendo ser respeitadas pelo legislador
ordinário, pela administração pública e por tribunais. Esta é a idéia da supremacia ou da prevalência
dos direitos fundamentais que encontramos hoje no direito constitucional de, praticamente, todos os
países do mundo.
No caso brasileiro, a Constituição do Império, promulgada em 25 de março de 1824,
proclamava em seu art. 179, com 35 incisos, uma longa série de direitos fundamentais. Trata-se de
direitos semelhantes aos encontrados nos textos norte-americanos e francês.
A Constituição Republicana de 1891 refere-se, em seu art. 72, que possui 31 parágrafos, aos
direitos fundamentais especificados na Constituição de 1824, fazendo importantes acréscimos,
como, por exemplo, o reconhecimento dos direitos de reunião e de associação; as amplas garantias
penais e o instituto do habeas corpus, anteriormente garantido pela legislação ordinária. Observe-se,
também, que estes direitos passam a ser garantidos "a brasileiros e estrangeiros residentes no país"
(art. 72 caput), enquanto que a Constituição de 1824 os reconhecia somente aos "cidadãos
brasileiros".
Uma importante etapa na história dos direitos fundamentais é marcada pela "Declaração dos
Direitos do Povo Trabalhador e Explorado", redigida no âmbito da Revolução russa em 1917, e
4 Tradução do texto para o português em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/dec1789.htm.
4 promulgada no dia 3 de janeiro de 1918
5. Esta Declaração introduz três novidades. Em primeiro
lugar, declara abolida a propriedade privada e a possibilidade de exploração do trabalho assalariado,
sendo a propriedade privada um elemento central de todas as anteriores Constituições e Declarações
de Direitos. Em segundo lugar, introduz-se um tratamento diferenciado dos titulares de direitos
conforme a classe social. Em terceiro lugar, estabelece-se um novo dever fundamental: o trabalho
obrigatório para todos.
As inovações desta Declaração foram completadas pela primeira Constituição soviética de
10 de julho de 1918 que introduziu uma série de direitos sociais e, principalmente, a obrigação do
Estado de suprir a necessidades básicas dos trabalhadores.
Voltando para a história constitucional brasileira encontramos uma lista de direitos
fundamentais, semelhante àquela especificada na Constituição de 1891, nas Constituições de 1934,
1937, 1946 e 1967/1969. Uma importante inovação constata-se a partir da Constituição de 1934,
que incorporou alguns direitos sociais, referindo-se, particularmente, ao "direito à subsistência" e
também criou os institutos do mandado de segurança e da ação popular.
A Constituição Federal de 1988 não se caracteriza pela sistematicidade com relação à
garantia dos direitos fundamentais. Referências a tais direitos encontram-se esparsas em diversas
partes do texto constitucional. Porém, o "lugar" principal é o Título II, que trata "Dos direitos e
garantias fundamentais", regulamentando os direitos individuais, coletivos, sociais e políticos e suas
garantias.
3. Direitos fundamentais. Parte geral
3.1. Terminologia
Seguindo a denominação do Titulo II da CF abordaremos aqui os "direitos fundamentais".
Este termo não é o único que se utiliza no direito constitucional e nas Constituições para indicar tais
direitos. Encontramos também outras expressões, tais como "liberdades individuais"; "liberdades
públicas"; "liberdades fundamentais"; "direitos humanos"; "direitos constitucionais"; "direitos
públicos subjetivos"; "direitos da pessoa humana"; "direitos naturais"; "direitos subjetivos" (Luño,
1999, pp. 29-44; Silva, 1998, pp. 179-183).
Alguns destes termos encontram-se também na Constituição Federal brasileira. Além do
referido Título II "Direitos e garantias fundamentais", são empregados os termos "direitos e deveres
5 Tradução do texto para o português em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/his1918.htm.
5 individuais e coletivos" (cap. I do título II), "direitos e garantias individuais" (art. 60, § 4, IV),
"direitos e liberdades constitucionais" (art. 5, LXXI), "direitos humanos" (art. 4, II), "direitos sociais
e individuais" (Preâmbulo), "direitos e liberdades fundamentais" (art. 5, XLI), "direito público
subjetivo" (art. 208 § 1), "direitos fundamentais da pessoa humana" (art. 17 caput), "direitos da
pessoa humana" (art. 34, inc. VII b) ou simplesmente "direitos" (art. 136 § 1, I).
Consideramos não houver uma única terminologia justa. Escolhemos aqui o termo "direitos
fundamentais" por três razões:
- corresponde ao vocabulário da Constituição Federal, mesmo se esta escolha não foi seguida
com rigor em seu texto;
- seu significado é bastante genérico, podendo abranger os direitos individuais e coletivos, os
direitos sociais e políticos, os direitos de liberdade e os de igualdade;
- indica que nem todos os direitos reconhecidos no ordenamento jurídico são tratados no
âmbito do direito constitucional. Aqui interessam apenas os direitos que gozam de proteção
constitucional, isto é, da supremacia das normas constitucionais. Estes direitos possuem o caráter de
direitos "fundamentais" por dois motivos: em primeiro lugar, porque fazem parte dos fundamentos
da organização política e social que o legislador infraconstitucional não pode alterar. Em segundo
lugar, porque são direitos imprescindíveis, o que não impede o legislador ordinário acrescentar
outros.
3.2. Definição dos direitos fundamentais
Direitos fundamentais são os direitos subjetivos dos indivíduos que vinculam (e limitam) o
exercício do poder do Estado através de disposições de nível constitucional.
Esta definição permite uma primeira orientação na matéria, porque indica qual é a função
dos direitos fundamentais. Não deixa, porém, de ser uma definição discutível.
Em primeiro lugar, há grandes controvérsias entre os especialistas para saber se os direitos
fundamentais são exclusivamente direitos dos indivíduos ou se existem também direitos coletivos,
cujos titulares são grupos de pessoas. Uma outra discussão refere-se aos direitos das gerações
futuras, dos animais e da natureza.
Também existe controvérsia sobre o problema se os direitos fundamentais vinculam somente
o poder do Estado ou também os particulares. A questão será tratada quando analisaremos o efeito
horizontal dos direitos fundamentais.
Finalmente, a definição dos direitos fundamentais através de normas constitucionais é
bastante discutida. Há autores que sustentam que os princípios da moral e da razoabilidade
6 determinam em larga medida o exercício dos direitos fundamentais (Alexy, 1993). Por outro lado,
não podemos negar a importância do direito infraconstitucional na concretização e na limitação dos
direitos fundamentais.
3.3. Particularidades da matéria
A matéria dos direitos fundamentais apresenta três particularidades (Pieroth e Schlink, 1999,
pp. 1-2).
Em primeiro lugar, as formulações da Constituição são abstratas e genéricas. Como
interpretar a norma que diz somente "é garantido o direito à vida", sem explicar o que é vida, seu
início e fim, e o que significa respeitar a vida (não matar? ou, também, garantir condições de bem
estar?). Isto indica a grande importância da doutrina e da jurisprudência na elaboração de critérios
concretos e na proposta de soluções que a Constituição não quis oferecer de forma imediata.
Em segundo lugar, constata-se freqüentemente que os direitos fundamentais não podem ser
aplicados sem uma intervenção do legislador infraconstitucional que os especifique (por exemplo,
indicando o que é propriedade) e resolva os conflitos entre estes (por exemplo, limitando a liberdade
de expressão em face do direito à privacidade). A norma infraconstitucional é, porém, inferior à
constitucional. Assim sendo, devemos controlar sua constitucionalidade, mesmo se a Constituição é
muito abstrata para que possa servir de fundamento para tal controle.
Exemplo (imaginário): a Constituição garante o direito de herança. Uma lei estabelece que o
cônjuge não pode herdar mais de 20% do valor total do espólio, sendo que o resto é herdado por
parentes de sangue da pessoa falecida. Esta lei oferece uma orientação concreta, garantido em
determinados limites o direito de herança. Será que esta lei é constitucional? A resposta em casos
como este é difícil, pois a Constituição diz somente que é garantido o direito de herança, sem fazer
ulteriores especificações.
Em terceiro lugar, a aplicação dos direitos fundamentais envolve grandes interesses
econômicos e políticos. Por isto, gera controvérsias que são dificilmente controláveis pelo direito.
Basta pensar na problemática da propaganda do tabaco e de bebidas alcoólicas. Neste sentido, o
operador jurídico enfrentará particulares dificuldades para encontrar a solução justa, sendo que cada
parte, como quase sempre acontece no mundo jurídico, quer proteger seus interesses, apresentando-
os como protegidos pela Constituição.
7 3.4. Categorias de direitos fundamentais
A finalidade principal dos direitos fundamentais é conferir um direito aos indivíduos e
limitar a livre atuação das autoridades do Estado. Dependendo da matéria, o Estado pode ser
obrigado a fazer algo (exemplo: garantir o acesso de todas as crianças às escolas) ou abster-se de
atuar (exemplo: o policial não pode entrar na casa de uma pessoa em determinadas situações).
Assim sendo, aquilo que, do ponto de vista do indivíduo, constitui um direito fundamental
funciona, do ponto de vista do Estado, como norma de competência negativa, que restringe suas
possibilidades de atuação. O Estado não pode, por exemplo, decidir livremente sobre a oportunidade
de entrar nas casas de "suspeitos" realizando controles preventivos; nem pode decidir se serão
criadas escolas em base a critérios de custo. Não deve entrar nas casas quando a CF o proíbe (art. 5º,
inc. XI) e deve criar escolas até que todas as crianças tenham acesso, pelo menos, ao ensino
obrigatório (art. 205 e seguintes).
Para compreender a função dos direitos fundamentais devemos imaginar a relação entre o
Estado e cada indivíduo como a relação entre duas esferas que freqüentemente entram em contato
("interação"). Os direitos fundamentais garantem a autonomia de cada esfera e, ao mesmo tempo,
regulamentam situações nas quais um determinado tipo de contato é obrigatório.
Se denominamos a esfera do Estado com a letra E a esfera de cada indivíduo com a letra I,
podemos distinguir três categorias de direitos fundamentais conforme o tipo de relacionamento
entre E e I. Esta tipologia permite estabelecer uma distinção entre direitos individuais, sociais e
políticos e foi desenvolvida pelo constitucionalista alemão Georg Jellinek, no final do século XIX,
sendo aceita e largamente utilizada por quase todos os constitucionalistas modernos, apesar de
algumas críticas sobretudo ao seu caráter formalista (Alexy, 1996, pp. 229-248; Pieroth e Schlink,
1999, pp. 16-19; Sarlet, 1998, pp. 153-204; Branco, 2000, pp. 139-152).
3.4.1. Direitos de status negativus ou individuais ou de defesa
Trata-se de direitos que permitem aos indivíduos defender-se contra uma possível atuação do
Estado. Aqui E (esfera do Estado) não pode "entrar" em I (esfera do indivíduo), sendo que a pessoa
pode repelir qualquer interferência do Estado. Estes direitos protegem a liberdade do indivíduo
contra uma possível atuação do Estado e, logicamente, limitam as possibilidades de atuação do
Estado. Exemplo: o Estado não pode censurar os jornais. Os jornalistas, editores e outros titulares
deste direito podem defender-se contra uma decisão de censura (direito de defesa!); a essência do
8 direito está na proibição da interferência do Estado (direito "negativo", podendo o indivíduo opor
um "não" a uma possível violação de sua liberdade).
Encontramos aqui os direitos garantidos já nas primeiras Declarações do século XVIII. Os
direitos individuais correspondem à concepção liberal que procura impor limitações à atividade do
Estado, para que a liberdade pessoal e a propriedade dos indivíduos possa ser protegida. Deste
modo, objetiva-se afastar quaisquer possibilidades de intervenções arbitrárias na esfera "sagrada" da
liberdade das pessoas.
3.4.2. Direitos de status positivus ou sociais ou a prestações.
Esta categoria engloba os direitos que permitem ao indivíduo exigir uma determinada
atuação do Estado que contribui para a melhoria das condições de vida. O Estado deve atuar no
sentido indicado pela Constituição (deve entrar no esfera do indivíduo!) e o indivíduo tem o direito
(positivo!) de receber algo, que pode ser material ou imaterial (o E deve entrar no I).
Exemplo: A proteção à infância. Todas as crianças possuem o direito de receber proteção e
ter acesso a instituições que propiciem seu desenvolvimento, segurança, saúde, etc. Nos referimos
aqui aos direitos sociais, sendo que esta categoria objetiva a melhoria da vida de categorias inteiras
da população, consistindo em medidas de política social impostas pela Constituição.
Estes direitos são relativamente novos, tendo surgido no direito constitucional no início do
século XX (na Rússia pós-revolucionária e também em Constituições influenciadas pelas
reivindicações do movimento socialista e operário).
3.4.3. Direitos de status activus ou políticos ou de participação
Esta categoria oferece aos indivíduos a possibilidade de influenciar e fiscalizar a política do
Estado. Trata-se de direitos ativos porque possibilitam uma "intromissão" do indivíduo na esfera da
política decidida pelas autoridades do Estado (o I pode entrar no E). Os direitos mais característicos
são o direito a escolher os representantes políticos (sufrágio) e de participar diretamente na
formação da vontade política (referendo, participação em partidos políticos).
A possibilidade de participação dos indivíduos nos processos de decisão do Estado e a
possibilidade de pedir "prestação de contas" já era prevista nas Declarações e Constituições do
século XVIII, sendo os direitos políticos a base de um regime democrático (governo do povo pelo
povo). Os direitos políticos conheceram historicamente uma contínua extensão de seus titulares
(diminuição da idade mínima para o seu exercício; direito ao voto para as classes populares, para as
9 mulheres e, recentemente, em alguns países, para os estrangeiros) e, também, multiplicaram-se,
devido à introdução de instituições de democracia direta (leis de iniciativa popular, referendo).
Resumindo. Cada categoria de direitos fundamentais adota uma diferente forma de
relacionamento entre as esferas I e E. Nos direitos individuais é proibida a entrada do E no I, nos
sociais isto se constitui em obrigação do Estado e, nos políticos, é previsto o direito do indivíduo de
influenciar a esfera E.
3.4.4. Direitos coletivos
Trata-se de direitos cujo titular não é individual, mas coletivo. Dentro dos direitos coletivos
devemos distinguir duas categorias. A primeira compreende direitos que podemos denominar de
coletivos tradicionais e que são, na verdade, já conhecidos desde os começos do constitucionalismo.
Encontramos aqui direitos individuais ou sociais que somente podem ser exercidos por um grupo de
pessoas, tal como acontece com o direito de reunião, de associação e de greve (direitos individuais
de expressão coletiva - cfr. Silva, 1998, p. 198). É impossível uma única pessoa criar um clube,
onde se encontrará somente com ele mesmo. Apesar da necessidade de um grupo de pessoas, estes
direitos continuam, porém, a ter titulares individuais (um aluno não pode fundar sozinho uma
associação de acadêmicos de direito; porém exerce este direito a título individual, tal como todos os
demais membros da associação). Até aqui não há problemas. Trata-se de direitos individuais ou
sociais, cujo exercício é possível desde que um grupo de pessoas (no mínimo dois) decidam exercê-
lo; o caráter do direito é coletivo, mas seu exercício é individual.
Um pouco diferente é a situação dos novos direitos coletivos (direitos de natureza coletiva
ou "direitos difusos"), que começaram a ser garantidos no século XX, sobretudo após a segunda
guerra mundial. Os exemplos mais conhecidos são os direitos dos consumidores e o direito ao meio
ambiente. Existem também os chamados "direitos de solidariedade", que exprimem valores comuns
e deveres de mútuo respeito, tais como o direito ao desenvolvimento econômico e à paz, cujo
caráter é necessariamente coletivo e encontram-se, sobretudo, garantidos em tratados e declarações
de direito internacional (ver também art. 4° CF).
Mas, mesmo nestes novos direitos coletivos os titulares continuam sendo pessoas humanas.
Porém, seu exercício nem sempre é individual. O consumidor é defendido muitas vezes por
associações ou autoridades do Estado enquanto categoria e o mesmo acontece com o meio
ambiente, cuja qualidade e preservação constitui direito de todos, mas pode ser tutelada somente de
forma coletiva (por exemplo, a limpeza de um rio) e seu exercício não depende da vontade do
10 indivíduo. Ninguém de nós possui uma "fatia" da natureza para poder usufruir dela ou até destruí-la.
Todos, ao mesmo tempo, possuímos o direito e a obrigação de cuidar de sua preservação para que
todos (inclusive as gerações futuras) possam gozar da "sadia qualidade de vida" (art. 225).
Aqui, o exercício do direito é coletivo, não podendo uma pessoa exercê-lo a título
individual, seja porque isto é contrário à natureza do direito (direito ao meio ambiente), seja porque
é praticamente impossível (imaginem um consumidor processando individualmente uma
multinacional que lhe vendeu uma lâmina de barbear que não funciona). Por isto a legislação e a
doutrina referem-se em direitos "transindividuais" de natureza "indivisível" (Fiorillo, 2000, pp. 3-9;
Barroso, 2000, pp. 101-102, 216-220).
Isto é ainda mais claro no caso do direito à paz ou ao desenvolvimento econômico que
envolvem decisões de política mundial, não sendo possível, por exemplo, que uma única pessoa
consiga impor a paz, nem podendo um único indivíduo usufruir sozinho deste direito.
3.4.5. Garantias de organização
O constitucionalista alemão Carl Schmitt distingiu, ao lado dos direitos e das garantias
fundamentais, uma categoria particular de disposições constitucionais. Seu objetivo é assegurar a
criação e manutenção de instituições que possibilitam o exercício dos direitos fundamentais
(Schmitt, 1993, pp. 170-173; Pieroth e Schlink, 1999, p. 19). Pouco serviria, na verdade, ter
garantido o direito de propriedade se não existisse uma rede de instituições que permitem seu
exercício, compreendendo cartórios, tribunais, oficiais de justiça e até a polícia.
Encontramos duas espécies de garantias de organização:
- Em primeiro lugar, as garantias de instituições privadas, tais como a família e o
casamento, a propriedade, a possibilidade de organizar associações. Isto significa que, além do
direito individual de atuar nestes campos, o indivíduo possui frente ao Estado o direito de exigir
uma regulamentação jurídica, que lhe possibilite o exercício do respectivo direito.
- Em segundo lugar, as garantias de instituições públicas, isto é, de órgãos estatais cujo
funcionamento (administração pública, tribunais, estrutura eleitoral) é imprescindível para que os
titulares de direitos possam exercê-los na prática. Se o Estado não tivesse, por exemplo, a obrigação
de manter uma estrutura judiciária densa, seria risível dizer que o morador do Amazonas possui o
direito ao habeas corpus eis que poderia impetrá-lo ante um tribunal em Brasília.
Salienta-se que não se trata de um exemplo de pura retórica. Estudos indicam que, em
regiões e bairros pobres, a presença das autoridades do Estado e da infra-estrutura deixa muito a
11 desejar; neste sentido o Estado brasileiro até hoje não cumpre a sua obrigação de oferecer estruturas
públicas capazes de atender as necessidades da população, necessidades estas que deveriam ser
satisfeitas não como obra de "caridade", mas enquanto obrigação do Estado, que corresponde a
efetivação de direitos fundamentais, sobretudo os sociais, tais como o direito à saúde, à educação e à
moradia.
3.4.6. Deveres fundamentais
A idéia do "dever fundamental" possui uma longa história no pensamento constitucional.
Trata-se de uma reivindicação de cunho conservador que sustenta que o papel da Constituição não é
unicamente conferir direitos, mas, também, formular os deveres das pessoas enquanto membros da
sociedade e do Estado. Este discurso, retomado muitas vezes, não carece de fundamento lógico. Se
José possui o direito de ficar sozinho em casa, isto significa necessariamente, que todos os demais
possuem o dever de respeitar a sua privacidade. Negar este dever significaria, na substância, abolir o
referido direito ("a casa é asilo inviolável de José, podendo Joaquim penetrar nela").
O Capítulo I do Título II da CF refere-se aos "deveres individuais e coletivos". Procurando
no art. 5º (o único artigo deste capítulo), encontraremos diversos direitos, mas nenhum dever de
seus titulares. Esta constatação não é plenamente correta.
Devemos, em primeiro lugar, completar as disposições no sentido já indicado. Direito de
uma pessoa significa dever de todos os demais e, sobretudo, das autoridades do Estado, conforme
esclareceremos ao tratar dos efeitos vinculantes dos direitos fundamentais). Assim sendo, existem
tantos deveres implícitos, quantos direitos explicitamente declarados.
Em segundo lugar, a efetivação dos direitos fundamentais, e sobretudo os sociais, constitui
um dever do Estado. Deve ser realizada através de medidas apropriadas (e não através da simples
omissão de intervenção, tal como nos direitos individuais). O mesmo acontece com as garantias de
instituições públicas e privadas que podem ser realizadas somente através do cumprimento do
respectivo dever do Estado.
Em terceiro lugar, fazendo uma leitura mais cuidadosa do art. 5º, encontraremos uma série
de deveres do Estado frente aos indivíduos. Assim, por exemplo, quando o inc. LXXV estabelece
que "o Estado indenizará o condenado por erro judiciário", isto constitui um dever das autoridades
estatais que corresponde ao direito, daquele que foi injustamente condenado, de receber uma
indenização pelos danos indevidamente sofridos.
Em quarto lugar, encontramos os assim chamados "deveres de criminalização" do Estado.
Aqui a CF estabelece deveres do poder legislativo (ex.: punir como crime a prática de tortura - art.
12 5°, inc. XLIII), sendo que estes deveres não correspondem somente a uma garantia de todos (evitar
atos de tortura graças à ameaça de pena e, em todo caso, saber que os autores serão punidos), mas,
também, possui repercussões sobre os direitos dos torturadores (esclarecemos uma vez por todas
que os torturadores possuem todos os direitos fundamentais que o ordenamento jurídico lhes
reconhece; o mesmo acontece com os "marginais" e com qualquer outro considerado pela mídia
como inimigo da sociedade; desrespeitar estes direitos significa desrespeitar a Constituição, fato que
adquire uma gravidade particular quando provêm de autoridades do Estado; o policial que tortura
um suspeito de ter violado o Código Penal, viola a Constituição, cometendo aquilo que ela mesma
qualifica de crime hediondo; o guardião da lei viola a Constituição dando um mau exemplo aos
"bandidos" que pretende combater).
Em quinto lugar, devemos saber que outras disposições da Constituição estabelecem deveres
dos cidadãos e da sociedade. Basta lembrar do serviço militar (art. 143) ou da educação enquanto
dever do Estado e da família (art. 205).
Finalmente, alguns direitos garantidos no art. 5º apresentam como contrapartida um dever do
titular em exercer este direito de forma solidária e levando em consideração os interesses da
sociedade. Isto acontece com o direito de propriedade que deve ser exercido conforme "sua função
social" (art. 5º, inc. XXIII).
3.4.7. Garantias fundamentais
Trata-se de disposições constitucionais que não enunciam direitos, mas objetivam prevenir
e/ou corrigir uma violação de direitos: "são meios destinados a fazer valer esses direitos" (Silva,
1998, p. 413). Temos garantias preventivas (evitar a violação do direito) e garantias repressivas
(reparar a violação ou punir seu autor). Estas últimas são também denominadas de remédios
constitucionais. Exemplos de garantias são o controle de constitucionalidade, o habeas corpus, o
mandado de segurança e o princípio da legalidade. Mesmo os princípios gerais de organização do
Estado, como a separação dos poderes, podem ser considerados como garantias de direitos.
3.5. Titulares dos DF
Se nós perguntamos a um leigo quem seja o titular dos direitos fundamentais, a resposta
espontânea seria: "todos". Esta resposta é também sugerida pelo termo "direitos humanos", ou
"direitos da pessoa humana" utilizados com muita freqüência como sinônimo do termo "direitos
13 fundamentais", inclusive na CF ("direitos humanos", art. 4°, inc. II; "direitos fundamentais da
pessoa humana", art. 17 caput). Além disto encontraremos na Constituição, por exemplo, no artigo
5º, muitas vezes os termos "todos", "ninguém" e "qualquer pessoa" que reforçam a idéia da
titularidade universal dos direitos fundamentais.
Esta impressão é altamente enganosa. A CF reconhece os direitos fundamentais somente a
determinadas categorias de pessoas. Além disso, deparamo-nos com uma situação bastante
complexa, sendo que cada categoria de direitos possui titulares diferentes.
A questão dos titulares é de grande importância para a aplicação dos direitos fundamentais.
Podemos entender facilmente que não é suficiente que um direito fundamental seja lesado para que
uma pessoa possa reclamar, utilizando os recursos e garantias que lhe oferece o ordenamento
jurídico. Se a polícia entrou na casa de Dona Maria fora das condições previstas no art. 5, inc. XI,
isto não seria suficiente para que ela possa denunciar a violação, alegando que a medida contraria a
Constituição. Antes de tudo, devemos saber se Dona Maria é titular deste direito, sendo isto
requisito para que a violação seja constatada.
3.5.1. Titularidade dos direitos individuais do art. 5º
3.5.1.1. Igualdade perante a lei
No caput do art. 5º encontramos um direito garantido a "todos": "todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza". Isto significa que qualquer pessoa submetida à aplicação
de lei por qualquer autoridade brasileira possui o direito de ver esta lei aplicada sem nenhuma
discriminação fundamentada, por exemplo, em critérios como o sexo, a cor da pele, a nacionalidade,
a idade ou condição social.
3.5.1.2. Demais direitos enunciados no caput do art. 5º
Goza do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade uma categoria de pessoas
bem mais restrita: "os brasileiros e estrangeiros residentes no País". Como brasileiros devemos
entender todas as pessoas que possuem a nacionalidade brasileira, independentemente do modo de
sua aquisição (nascimento ou naturalização). Estrangeiros residentes no País: o termo designa as
pessoas que, sem possuir a nacionalidade brasileira, moram no País tendo criado vínculos não
necessariamente permanentes, mas de uma certa duração. Estes vínculos podem consistir no fato de
trabalhar no Brasil; de morar no País com os demais membros de sua família, vivendo de sua renda;
14 de possuir um visto de residente permanente ou temporário, este último de duração que supere
aquela de uma estadia turística. Assim residente pode ser o estrangeiro que casou com pessoa de
nacionalidade brasileira, trabalhando no País e tendo filhos brasileiros, mas, também, um
aposentado norte-americano que decidiu passar dois anos em uma praia do Nordeste. Em outras
palavras, além do simples fato de encontrar-se em determinado momento no território brasileiro,
deve ser evidente a decisão de escolher o País como centro de suas atividades profissionais e
sociais, pelo menos provisoriamente. Assim são residentes todos aqueles que ante à questão "onde
você mora?" responderiam "moro no Brasil", mesmo especificando que esta opção é temporária.
Surge aqui a pergunta se os estrangeiros residentes gozam da referida proteção somente
enquanto sua permanência no País é legal. A questão mereceria ampla análise. Podemos aqui dizer
somente que a partir do momento que a CF não faz referência a estrangeiros legalmente
estabelecidos, isto significa que o constituinte não quis fazer depender a proteção da legalidade da
situação de permanência, mas do simples fato empírico de vincular-se com o País de forma mais
duradoura.
3.5.1.3. Direitos enunciados nos incisos do art. 5º.
Nos direitos do art. 5º encontramos termos que indicam seus titulares: "todos", "ninguém",
"homens e mulheres", "qualquer pessoa", "o preso", "qualquer cidadão", "o condenado", "os
reconhecidamente pobres". Encontramos também muitos incisos sem nenhuma indicação do titular
do direito enunciado (exemplo: inc. IV e XXII).
Importa aqui entender a estrutura do art. 5º, que resulta da relação lógica entre o caput e seus
incisos. Tomamos como exemplo a relação entre o caput e o inciso XVI:
Caput: "garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"
Inciso XVI: "todos podem reunir-se pacificamente".
Podemos dizer que titulares do direito de reunião são todos, no sentido de qualquer ser
humano, pelo menos de todos aqueles que encontram-se no território brasileiro? A resposta deve ser
negativa. O inciso que trata do direito de reunião concretiza um direito geral garantido no caput
(direito à liberdade em geral). O caput do art. 5º, garante cinco direitos gerais que os 77 incisos
especificam ("garantindo-se [...] nos termos seguintes").
Assim sendo, entendemos que titulares dos direitos enunciados nos incisos do art. 5º são
somente os brasileiros e estrangeiros residentes, seja quando o inciso não faz referência ao titular
seja quando utiliza termos genéricos como "todos" e "ninguém".
15 Quando o inciso é mais restritivo que o caput, como o inciso LXXIII que reconhece a
"qualquer cidadão" o direito de propor ação popular, devemos entender que os titulares são ainda
mais restritos (no exemplo somente aqueles que possuem a cidadania brasileira, conforme o art. 14
CF).
Quando os incisos estabelecem como titulares categorias específicas ("presos",
"condenados", "pobres"), devemos entender que são excluídos da titularidade aqueles que mesmo
possuindo esta qualidade não possuem a nacionalidade brasileira, ou a qualidade de estrangeiro
residente.
De tal modo, a CF faz, no art. 5º, uma escolha muito restritiva que não satisfaz o nosso
"sentimento de justiça", nem corresponde à escolha da maioria das Constituições modernas, que
garantem os direitos individuais, realmente, a todos aqueles que são submetidos à jurisdição do
País. Porquê não deveria gozar do direito à vida um turista russo que quis conhecer o Carnaval do
Rio; nem gozar da liberdade de religião um pastor norte-americano que fez uma breve viagem para
participar de cultos religiosos em Belo Horizonte; nem gozar do sigilo das comunicações um
jornalista espanhol que encontra-se em São Paulo para fazer uma reportagem sobre casos de tortura
policial; nem gozar do direito de propriedade um empresário argentino que resolveu comprar uma
casa de verão em Ilha Bela?
Não há explicação satisfatória, a não ser o fato do constituinte ter-se apegado à tradição da
Constituição de 1891, que reconhecia os direitos individuais somente a brasileiros e estrangeiros
residentes ("tradição obtusa e inadequada" - Silva, 1998, p. 193).
A situação é ainda mais grave do ponto de vista da política constitucional, se pensamos que
nos últimos 12 anos, foram realizadas mais de 35 emendas à Constituição e nenhuma dedicou um
momento de atenção a este problema, ordenando a simples supressão da longa, deselegante e
restritiva frase "brasileiros e estrangeiros residentes no País".
3.5.1.4. Direitos dos estrangeiros não residentes
Frente a esta situação politicamente incômoda, a doutrina constitucional tentou, pelo menos,
estabelecer quatro vias de saída.
Argumento do "óbvio". Alguns autores propõem simplesmente ignorar a escolha do
constituinte e interpretar os direitos do art. 5º como se fossem direitos de todos aqueles que são
submetidos ao ordenamento jurídico brasileiro, sustentando que o contrário seria anacrônico e
errado (Bastos, 2000, p. 178). Não concordamos com esta opção. Se os aplicadores do direito
pudessem desrespeitar a vontade do constituinte com um simples "já se foi o tempo em que..."
16 (ibidem), ninguém garantiria que alguém não viesse amanhã sustentar que, diante dos graves
problemas de segurança nas grandes cidades, é necessário restringir a proteção da vida privada e da
liberdade pessoal, para satisfazer necessidades do momento, porque, por exemplo, como disse,
recentemente, um derrotado candidato a alto cargo político, "os direitos humanos são somente para
humanos direitos"!
Argumento dos direitos naturais. Tampouco pode satisfazer a referência a direitos
"naturais", imprescritíveis ou inerentes no ser humano. Muitos textos constitucionais e autores
concebem os direitos fundamentais como um atributo natural do ser humano (cfr. recentemente
Luño, 1999, pp. 48-51). Segundo esta visão, não estaria ao alcance do poder constituinte restringir
estes direitos e nem negá-los a determinadas categorias de pessoas. Esta teoria não pode ser aceita
no Estado constitucional, onde o poder constituinte é ilimitado e os direitos garantidos na exata
medida em que isto corresponde à sua vontade. Os direitos naturais constituem, no máximo, uma
reivindicação política que um futuro poder constituinte pode satisfazer. Nunca podem ser
considerados como juridicamente válidos e aplicáveis pelos tribunais mesmo quando não estão
garantidos pelo texto constitucional.
Existem duas vidas de saída juridicamente fundadas que permitem garantir os direitos do art.
5º a todos (e não somente aos titulares especificados no caput), sem desrespeitar abertamente a
vontade do constituinte.
Argumento da dignidade humana. A primeira possibilidade é fazer referência à dignidade da
pessoa humana, que constitui, segundo o inc. III do art. 1º, um dos "fundamentos" do Estado
brasileiro. Combinando esta disposição com o art. 5º poderíamos proceder a uma interpretação
extensiva deste último e reconhecer a titularidade dos direitos a todas as pessoas (cfr. Silva, 1998, p.
196; Branco, 2000, p. 166). Esta solução não é muito satisfatória. Em primeiro lugar, a dignidade
humana pode ser preservada sem reconhecer a uma pessoa todos os direitos do art. 5º. Podemos
muito bem conceber que um ser humano preserve sua dignidade mesmo se o exercício do habeas
data não fosse gratuito, tal como estipula o inciso LXXVII. Com efeito, os partidários deste
argumento não especificam quais são os direitos fundamentais decorrentes da dignidade humana.
Em segundo lugar, é difícil sustentar que o constituinte "esqueceu" no art. 5º a dignidade
humana que tinha exaltado, poucas linhas atrás, no art. 1°. Sua escolha de restringir os direitos do
art. 5º a brasileiros e estrangeiros residentes é evidentemente consciente. O constituinte quis
introduzir exceções do princípio fundamental e é sabido que, entre duas disposições do mesmo
escalão na hierarquia das fontes, prevalece a específica e não a genérica. Como "corrigir" a norma
especial referindo-se à geral?
17 Argumento dos direitos "decorrentes". O § 2º do art. 5º prevê que os direitos e garantias
expressos na Constituição não excluem outros que decorrem: (a) do regime e dos princípios
adotados pela mesma (b) dos tratados internacionais que possuem validade no Brasil.
Esta disposição6 oferece um importante argumento para a ampliação dos titulares dos
direitos fundamentais. O argumento é: quando a CF garante um direito a brasileiros, isto não
significa que quis excluir os demais. Estes gozam do mesmo, desde que isto resulte da própria
Constituição (regime e princípios) ou de tratados internacionais. Isto reforça o argumento da
dignidade humana. Sendo esta um princípio fundamental, todos devem gozar dos direitos
necessários à sua preservação. Sabemos, porém, que isto é muito abstrato e não indica quais direitos
são relacionados com a dignidade humana.
Mais concludente é a segunda parte do argumento. O Brasil assinou tratados internacionais
no âmbito da ONU, da OEA e de outras organizações que garantem a todos uma grande parte de
direitos, tais como o direito à vida, a proibição de tortura, a liberdade de expressão etc. Assim
sendo, os estrangeiros não residentes no País gozam no Brasil, pelo menos, da proteção que lhes
oferecem os tratados internacionais sobre direitos humanos.
Isto resolve, de forma bastante satisfatória, a questão, corrigindo a decisão restritiva do
constituinte brasileiro. Surge porém uma última pergunta. O legislador ordinário pode restringir os
direitos reconhecidos por tratados internacionais? Segundo a opinião que prevalece na
jurisprudência e na doutrina, uma lei brasileira pode restringir ou mesmo um tratado internacional
anterior)7. Assim sendo, o legislador pode, em qualquer momento, restringir os direitos dos
6 A norma é inspirada pela Emenda IX à Constituição Federal dos EUA: "A enumeração de certos direitos
na Constituição não poderá ser interpretada como negando ou coibindo outros direitos inerentes ao povo".
Esta disposição foi recebida no Brasil pelo art. 78 da Constituição de 1891. 7 Nos últimos anos reabriu-se no Brasil um velho debate na área do direito público: a pergunta central é se,
em caso de conflito de normas ("antinomias jurídicas"), prevalece o direito nacional ou internacional. Trata-
se de uma clássica questão de hierarquia de normas: as normas do direito internacional, que, supostamente,
exprimem interesses comuns da humanidade podem ser consideradas superiores às normas provenientes da
vontade de um único Estado? Aqui temos três alternativas:
- as normas de direito internacional prevalecem sobre o direito infraconstitucional (mesmo sendo mais
gerais ou anteriores a uma norma infraconstitucional de direito interno); são, porém, inferiores às normas
internas constitucionais;
- as normas de direito internacional situam-se no mesmo nível hierárquico das normas constitucionais (em
caso de conflito prevalece a norma especial ou a mais nova);
- as normas de direito internacional são superiores às normas de direito interno, mesmo constitucional,
possuindo absoluta prevalência.
Na bibliografia encontram-se partidários de todas as referidas posições. Na nossa opinião, não existe uma
única resposta certa, como parece acreditar a maioria da doutrina. Tudo depende do "sujeito que fala", isto
é, da instância legislativa, cuja vontade descreve o intérprete. Assim sendo, quem descreve o direito em
vigor do ponto de vista das organizações internacionais será naturalmente tentado a reconhecer sua absoluta
prevalência; quem descreve o direito constitucional interno será tentado a responder o contrário.
Hans Kelsen, um autor que muitas vezes é criticado como formalista que ignora a realidade social e política,
deu uma resposta extremamente realista e convincente à pergunta qual é o ordenamento jurídico que
18 estrangeiros, não residentes, sem dever respeitar os limites que lhe impõe a Constituição em relação
aos direitos dos estrangeiros residentes e dos brasileiros. O legislador infraconstitucional poderia,
por exemplo, introduzir exceções à proibição da tortura por tratado internacional (Convenção contra
a tortura, incorporada no direito brasileiro pelo decreto n. 40 de 15-2-1991), estabelecendo que é
permitida a tortura de estrangeiros não residentes em caso de perigo de vida de outra pessoa
(torturar um seqüestrador para que este indique o lugar em que está guardada a vítima do seqüestro).
Uma tal exceção seria inconstitucional no caso de brasileiros e estrangeiros residentes em vista da
proibição absoluta da tortura pelo inc. III do art. 5º. Com relação aos estrangeiros não residentes
seria permitida, dada a possibilidade do legislador ordinário de modificar os tratados internacionais.
Constatamos aqui que a proteção oferecida pelo § 2º do art. 5º referindo-se aos tratados
internacionais em matéria de direitos humanos, resolve em parte o problema, porém, não o elimina.
Os direitos dos brasileiros e estrangeiros residentes são direitos "de primeira categoria" (direitos
fundamentais constitucionais, que o legislador infraconstitucional não pode restringir contra a
vontade do constituinte); os estrangeiros não residentes possuem direitos de "segunda categoria"
(direitos fundamentais de nível infraconstitucional, que o legislador ordinário pode restringir ou
abolir) (cfr. Ferreira Filho, 1995, pp. 98-99)8.
prevalece em caso de conflito. Prevalece aquilo que em determinado momento possui mais força social e
política e consegue impor sua vontade de forma duradoura ("eficácia duradoura", Kelsen, 2000, p. 53).
Assim sendo, quem não quer confundir seus desejos com a realidade, deve aceitar que até hoje o "sujeito
legislador" que possui a maior força é o constituinte nacional, por evidentes razões de potência social e
política.
Neste sentido, a prevalência do direito constitucional brasileiro sobre qualquer norma de direito
internacional é uma posição realista, dada a prevalência do ordenamento jurídico interno e a obrigação de
todos os tribunais e demais autoridades brasileiras atuarem conforme a Constituição Federal. Por tal motivo,
parece-nos absolutamente certo o entendimento que os tratados internacionais possuem nível hierárquico de
lei ordinária brasileira, podendo uma nova lei abolir ou restringir suas previsões (referências
jurisprudenciais e doutrinárias em Barroso, 1999, pp. 15-33; Rodrigues, 1999, pp. 165-178; Branco, 2000,
pp. 160-164).
A posição de que tratados internacionais em matéria de direitos humanos teriam força jurídica igual àquela
da Constituição nacional (Piovesan, 1996, pp. 82-85, 94; Piovesan, 1998, pp. 34-38; Silva, 2000, pp. 59-64)
ou até supraconstitucional (Mello, 1999, p. 25) não pode encontrar fundamento no direito positivo brasileiro
e seus partidários parecem conscientes disto, utilizando argumentos extrajurídicos, tais como a
"globalização" (Piovesan, 1998, p. 36) ou a necessidade de uma política progressista (Mello, 1999). Em
outras palavras, a referida posição encontra fundamento no discurso interno das organizações internacionais
- que se proclamam representantes da humanidade-, e no desejo político de construção de um mundo melhor,
mais justo e solidário. O intérprete do direito deveria, porém, negar-se a considerar os esboços do futuro
como normas jurídicas vinculantes. 8 Não é correta a afirmação de que os direitos enumerados no art. 5º possuem caráter "meramente
exemplificativo" (cfr. recentemente: Mota e Spitzcovsky, 2000, p. 317). A enumeração de direitos e titulares
no art. 5º não é exemplificativa como dizemos "comprei cinco CD's, entre outros o de Paulinho da Viola",
entendendo que também compramos discos de outros artistas. Os direitos enunciados no art. 5º e seus
titulares gozam de garantia constitucional que não existe no caso de direitos e titulares não referidos no
texto da Constituição.
19 O intérprete do direito constitucional deve ser realista. Parece impossível que um legislador
brasileiro democrático resolva permitir a tortura de turistas ou proibir a publicação de artigos de
jornalistas estrangeiros. Devemos, porém, registrar a diferença entre direitos de estrangeiros
residentes e não residentes, sem esquecer que a função da Constituição é limitar o legislador
ordinário, considerando ser melhor colocar limites do que confiar em sua sabedoria e bondade. A
Constituição foi omissa com relação aos estrangeiros não residentes e esta omissão pode-se,
somente em parte, ser corrigida pelo argumento do § 2º do art. 5º. O referido parágrafo garante que
esta categoria de pessoas não seja privada de qualquer direito; seus direitos podem, porém, sofrer
limitações maiores daquelas previstas para os titulares constitucionais.
3.5.2. Titularidade dos direitos sociais
A questão da titularidade dos direitos sociais pode ser resolvida com relativa facilidade.
O art. 6º não utiliza termos que possam indicar o titular, com a exceção da "assistência aos
desamparados", cujo titular é óbvio (mesmo se é difícil estabelecer juridicamente quem é
desamparado). Não muito diferente é a situação dos direitos de proteção à maternidade e à infância,
sendo titulares respectivamente as mães e as crianças (aqui o problema de interpretação é saber
quando começa e termina a situação de maternidade e de infância; a solução deve ser dada pelo
legislador ordinário, sob o controle judiciário, respeitado o significado das palavras na linguagem
comum e jurídica; assim, não pode ser criança uma pessoa de 20 anos e nem fazer-se prevalecer da
proteção à maternidade a mãe de um filho adulto).
Os demais direitos do art. 6º não são acompanhados de indicações de titularidade. Devemos
então entender que titular é "todo o mundo", isto é "todos" aqueles que necessitam de educação,
moradia, lazer etc. Uma interpretação restritiva (por exemplo, somente os brasileiros) seria
inaceitável, já que aqui não existe indicação restritiva, tal como no art. 5º.
Aqui encontramos um grande paradoxo constitucional. Pela natureza dos direitos sociais, e
sobretudo pelo fato que implicam em importantes investimentos por parte do Estado, deveríamos
entender que os direitos sociais deveriam ser reservados aos residentes no Brasil. Seria estranho
aceitar que um turista possa pedir para a Prefeitura do Rio de Janeiro ser gratuitamente alojado nos
hotéis de Copacabana porque precisa urgentemente de lazer ou que a Prefeitura de Salvador lhe
propiciasse aulas de capoeira para complementar sua educação.
Destarte, o art. 5º revela-se indevidamente restritivo, privando os não residentes no Brasil
dos direitos individuais e coletivos e o art. 6º mostra-se desnecessariamente amplo, reconhecendo-
lhes direitos que, por sua natureza, referem-se a pessoas ligadas com o Brasil. Tais considerações
20 não podem afetar as decisões do constituinte; devemos porém entender que, na maioria dos casos, a
reivindicação de direitos sociais por parte de estrangeiros não residente seria juridicamente
problemática.
Os direitos sociais enunciados nos artigos 7º a 10 são, tal como indica o art. 7º em seu caput,
direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, isto é, de qualquer pessoa trabalha no Brasil em
condições de trabalho dependente (assalariado, legal ou ilegal, temporário ou estável). Em alguns
casos, o constituinte amplia ou restringe os titulares dos direitos sociais. Por exemplo, quando trata
especificamente no art. 7° de direitos dos trabalhadores que possuem dependentes, dos
desempregados, dos aposentados, dos trabalhadores-pais, dos trabalhadores de grandes empresas ou
mesmo em direitos dos empregadores (art. 10).
O mesmo vale no caso dos direitos sociais que situam-se fora deste título, sobretudo no
Título VII que trata "Da ordem social", especificando os titulares e o conteúdo dos direitos à saúde
("todos" - art. 196), assistência social ("quem dela necessitar" - art. 203), educação ("todos" - art.
205), proteção das crianças e dos idosos, etc.
3.5.3. Titularidade dos direitos políticos
Com relação aos direitos políticos a CF não inovou. Estes continuam sendo direitos das
pessoas que possuem a nacionalidade brasileira e satisfazem uma longa série de requisitos,
especificada nos art. 14 e 15. Dependendo do tipo de direito exercido varia a titularidade, sendo, por
exemplo, condição de elegibilidade para o cargo de Presidente da República a idade de 35 anos e
bastando para o cargo de Vereador os 18 anos. A exata titularidade resulta da leitura dos artigos em
questão.
Duas exceções a favor de estrangeiros devem ser referidas. Em primeiro lugar, o direito de
pessoas de nacionalidade portuguesa que residem permanentemente no Brasil de exercer todos os
direitos dos brasileiros, mesmo sem adquirir a nacionalidade brasileira (art. 12, § 1).
Em segundo lugar, a possibilidade de estrangeiros atuar em partidos políticos, sendo que o
art. 17 requer somente o "caráter nacional" dos partidos e o respeito à soberania nacional (art. 17
caput e inc. I); a participação de estrangeiros em partidos políticos não desrespeita estas condições,
desde que as finalidades do partido não entrem em conflito com interesses "nacionais" e a maioria
de seus membros seja de nacionalidade brasileira. Assim sendo - e frente ao silêncio do art. 17 com
21 relação a seus titulares -, devemos entender que "todos" podem atuar em partidos políticos
brasileiros9.
3.5.4. Titularidade dos direitos coletivos
Quase todos os direitos coletivos são garantidos no art. 5° ou nas disposições sobre os
direitos sociais. Assim sendo, a questão da titularidade já foi respondida. Diferente é a situação com
relação ao direito ao meio ambiente. Este direito é reconhecido pelo art. 225 a "todos" sem
especificação e sem reenvio ao art. 5°. Trata-se, assim, de direito de todos aqueles que encontram-se
em território brasileiro ou estão em contato com o ordenamento jurídico do País. Uma interpretação
mais restritiva que invoca o art. 5° e fundamenta-se em uma visão nacionalista do termo "povo"
(Fiorillo, 2000, p. 11) carece de fundamento jurídico.
3.5.5. Titularidade das garantias fundamentais
Nas garantias preventivas, tais como a separação dos poderes, os atos de um Poder são
fiscalizados pelo demais Poderes, na forma que a Constituição estabelece.
A regra lógica é que as garantias de tipo repressivo podem ser acionadas pelo titular do
respectivo direito. Pode, por exemplo, impetrar um recurso de habeas corpus quem sofrer violação
de seus direito de ir e vir? Antes de responder a esta questão devemos analisar a respectiva
disposição. Assim, por exemplo, a CF estabelece que o mandado de segurança coletivo pode ser
impetrado somente por partidos políticos e associações sindicais que satisfazem determinados
requisitos de representatividade (art. 5°, inc. LXX) e que a ação popular pode ser proposta por
"qualquer cidadão" (art. 5°, inc. LXXIII), isto é, por quem possui os direitos políticos.
Finalmente, a legislação infraconstitucional pode estender a titularidade das garantias
fundamentais, tal como acontece com o Código de Processo Penal, cujo art. 654 prevê que o habeas
corpus pode ser "impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo
Ministério Público".
3.5.6. As pessoas jurídicas como titulares dos direitos fundamentais
9 A Lei orgânica dos partidos políticos (Lei N.° 9.096 de 19-9-1995), que concretiza o art. 17 CF, dispõe, em
seu art. 16, que somente eleitores em pleno gozo de seus direitos políticos podem filiar-se a partidos
políticos. Esta previsão, que exclui da atuação partidária oficial todos os estrangeiros, é, na nossa opinião,
22 As pessoas jurídicas são, conforme regra geral, equiparadas às físicas, desde que o exercício
de um direito seja compatível com a particular natureza da pessoa jurídica. Não podemos pensar que
uma pessoa jurídica possa exigir proteção de sua vida, votar ou pedir salário mínimo e
oportunidades de lazer. Porém, a maioria dos direitos fundamentais pode ser exercida por pessoas
jurídicas. Basta pensar no direito à propriedade ou no direito ao sigilo de correspondência.
Em alguns (poucos) casos a CF faz uma referência expressa a direitos de pessoas jurídicas.
Por exemplo, permite às associações representarem seus filiados perante os tribunais (art. 5°, inc.
XXI) ou aos sindicatos defender os interesses da categoria (art. 8°, inc. III).
No restante, a CF não se refere a pessoas jurídicas enquanto titulares de direitos, tal como
acontece em outros países10
. A formulação do art. 5° "brasileiros e estrangeiros residentes no País" é
muito "pessoal" e não poderíamos considerar que uma pessoa jurídica possa ser enquadrada na
categoria do "brasileiro" ou do "estrangeiro residente".
Uma parte da doutrina considera (Bastos, 2000, p. 178; Silva, 1998, p. 195) que devemos,
através de uma interpretação analógica, reconhecer também às pessoas jurídicas os direitos
fundamentais, desde que sejam compatíveis com sua natureza e finalidades. Segundo esta opinião, a
Constituição diria aqui "menos do que pretendia" e a interpretação literal seria "absurda" (Bastos,
2000, p. 178) ou pelo menos "superada" (Branco, 2000, p. 165). A exigência de reconhecimento de
proteção constitucional às pessoas jurídicas é particularmente forte em determinados casos. Não
deveria, por exemplo, a Constituição proteger pelo menos a propriedade das empresas nacionais e
estrangeiras ou a inviolabilidade de sua sede?
Diante da formulação da CF devemos, porém, repetir aquilo que foi observado com relação
aos direitos de estrangeiros não residentes. Os direitos das pessoas jurídicas não gozam de proteção
constitucional, podendo o legislador ordinário introduzir limitações especificamente em relação as
pessoas jurídicas. Por tal razão, seria necessário realizar uma reforma constitucional, estendendo a
proteção constitucional às pessoas jurídicas.
3.6. Início e fim dos direitos
extremamente restritiva e de duvidosa constitucionalidade. Decorre de uma criticável concepção dos
partidos políticos enquanto mecanismos eleitorais submetidos ao estrito controle da Justiça eleitoral. 10
"As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza"
(art. 12, § 2 da Constituição de Portugal).
23 Possuir um direito fundamental não significa possuí-lo para toda a vida. E às vezes pode
acontecer o contrário, isto é, possuir um direito antes do nascimento ou depois da morte.
Devemos examinar, em primeiro lugar, a possibilidade de exercer direitos antes do
nascimento. Este problema refere-se à capacidade jurídica do feto e, sobretudo, ao seu direito à vida,
problema tratado na parte especial. A maioria dos autores sustenta que devem ser reconhecidos
direitos ao feto a partir da concepção.
Em segundo lugar, a pessoa física continua sendo titular de direitos fundamentais após a
morte. Isto vale sobretudo com relação à honra, ao respeito da liberdade de crença e consciência, de
sua última vontade, devidamente expressa.
Em terceiro lugar, encontramos direitos cuja titularidade depende da idade da pessoa. Temos
assim direitos específicos das crianças e dos adolescentes com limite fixo (inimputabilidade penal
dos adolescentes até dezoito anos - art. 228) ou fluído (art. 227) e direitos dos idosos também com
limite fixo (65 anos - art. 230 § 2) ou fluído (art. 230 caput).
Em alguns direitos é expressamente estabelecido um limite de idade mínima. Isto acontece
com os direitos políticos ativos (16 anos - art. 14, § 1) e com a liberdade de trabalho dos menores
(14, 16 ou 18 anos, dependendo da natureza do trabalho - art. 7°, inc. XXXIII).
Um último problema cria-se em relação à capacidade jurídica de exercício de direitos,
quando a CF não estabelece um limite de idade. Devemos distinguir, tal como no direito civil entre
capacidade de direito e capacidade de fato, isto é, entre a titularidade jurídica e a aptidão para o
exercício de um direito na prática? (referências em Branco, 2000, pp. 168-169). A partir de quando
pode, por exemplo, uma criança manifestar livremente seu pensamento sob a proteção
constitucional ou decidir proibir a entrada da polícia em sua "casa"?
A CF não oferece uma resposta. Sendo que os menores não são excluídos da titularidade dos
direitos individuais e sociais (tal como acontece com os políticos) devemos reconhecer a mais
ampla possível titularidade. Como regra vale: na medida em que a maturação biológica e social
permite, as crianças devem ser "ouvidas" e seus direitos de autodeterminação respeitados, mesmo se
os pais consideram determinada decisão como errada ou "imatura". Devemos respeitar a
personalidade dos outros, mesmo quando discordamos deles.
3.7. Efeitos vinculantes dos direitos fundamentais
24 Uma norma de particular importância encontra-se no art. 5° § 1°: todos os direitos e
garantias fundamentais, isto é, todas as disposições que definem direitos e garantias individuais,
sociais e políticos são diretamente e imediatamente vinculantes.
Esta norma significa, em primeiro lugar, que os direitos fundamentais vinculam todas as
autoridades do Estado, incluindo o poder legislativo. Este último não pode restringir um direito
fundamental de forma não permitida pela Constituição sob o pretexto que possui o poder (e a
legitimação) de criar leis.
Em segundo lugar, a referida norma significa que os titulares dos direitos não precisam
esperar uma autorização ou "concretização" para poder exercer seus direitos. Se o legislador omitir
regulamentar e/ou limitar um direito, este poderá ser exercido imediatamente em toda a extensão
que a CF define, sendo o poder judiciário competente para apreciar casos de sua violação.
Em outras palavras, a norma em questão esclarece que os direitos fundamentais não são
simples declarações políticas, mas preceitos que vinculam o poder do Estado de forma direta.
O efeito imediato dos direitos e garantias fundamentais não se manifesta plenamente no caso
dos direitos sociais, que consistem em pretensões dos indivíduos frente ao Estado e não podem ser
exercidos de forma imediata, tal como estabelece a referida norma. Exemplo: O seguro-desemprego
constitui um direito do trabalhador conforme o inciso II do art. 7°. Sem a existência de uma lei e de
uma estrutura administrativa voltada à sua realização este direito não pode ser exercido e, neste
sentido, revela-se impossível sua "aplicação imediata".
Com efeito, o § 1 do art. 5° refere-se a normas "definidoras" de direitos. As normas que
definem de forma insuficiente um direito não são imediatamente aplicáveis. Trata-se de normas
"com baixo teor de densidade normativa" (Branco, 2000, p. 136). Conseqüência da escolha do
constituinte de não querer concretizar suficientemente estas normas, tal como fez nas normas "de
elevada densidade normativa" (ibidem), é a impossibilidade de aplicação imediata.
Mesmo porém no caso dos direitos sociais, seria errado concluir que trata-se de simples
"desejos" ou normas programáticas. Sua aplicação imediata consiste na obrigação do legislador de
cumprir imediatamente seus deveres de regulamentação e também no dever dos tribunais de obrigá-
lo a respeitar esta norma e, eventualmente, suprir sua deficiência através do controle de
constitucionalidade e das demais garantias fundamentais (Barroso, 2000, pp. 146-176, 242-265 e
passim; cfr. - com algumas hesitações - Sarlet, 1998, pp. 254-321).
Podemos agora responder à questão "quem deve respeitar os direitos e garantias
fundamentais", isto é a questão dos sujeitos passivos destes direitos e garantias. A história dos
direitos fundamentais indica que sua principal finalidade foi a de limitar o poder do Estado a favor
dos indivíduos a este submetidos. Esta finalidade continua sendo, até hoje, primordial. Destinatário
25 principal do dever de respeitar os direitos dos indivíduos é o poder do Estado no sentido mais amplo
do termo, isto é, toda e qualquer autoridade ou órgão que exerce competências estatais, mesmo
mediante concessão de serviço público ou permissão especial. Pouco interessa efetivamente ao
cidadão se a pessoa que fiscaliza sua atividade, e pode aplicar sanções, é funcionário público ou
empregado de empresa privada que exerce uma competência estatal.
Neste sentido, já indicamos que os direitos fundamentais correspondem sempre a deveres do
Estado, seja a deveres de abstenção de intervir no espaço dos indivíduos, seja a deveres de prestação
e de manutenção de uma determinada estrutura ou organização.
Significa isto que os particulares podem, com a maior tranqüilidade, violar a
correspondência e invadir o domicílio dos outros, impedir o exercício de direitos políticos e até
privá-los da liberdade de locomoção, mediante seqüestro e cárcere privado? A resposta é
evidentemente negativa e todos sabem que tais comportamentos constituem delitos, isto é, condutas
não somente proibidas, mas também passíveis de graves penas.
Os direitos fundamentais não vinculam diretamente os particulares porque o respeito dos
direitos de cada um por parte dos outros é garantida pela legislação infraconstitucional, seja penal,
em caso de ofensas graves seja civil, comercial ou trabalhista etc. em caso de conflitos de menor
gravidade.
Assim sendo, os direitos fundamentais vinculam o poder do Estado, proibindo-lhe restringir
estes direitos por meio da legislação ordinária ou se auto-eximir da obrigação de respeito. Em outras
palavras, os direitos fundamentais garantem, através da supremacia da Constituição, que nenhuma
autoridade do Estado, nem mesmo o poder legislativo, desrespeitará os direitos dos indivíduos. Isto
constitui o efeito vertical dos direitos fundamentais que se manifesta nas relações entre o "inferior"
(indivíduo) e o "superior" (Estado), que possui o poder de legislar e um enorme potencial de
violência organizada.
Os doutrinadores e a jurisprudência na Alemanha sustentaram, após a segunda guerra
mundial, que os direitos fundamentais produzem também um efeito horizontal11
, isto é, vinculam
11
Os termos alemães Drittwirkung (literalmente: efeito de vinculação perante terceiros) ou
Horizontalwirkung são traduzidos para o português através do termo "eficácia horizontal" (cfr. por exemplo
Canotilho, 1999, p. 1204; cfr. Sarlet, 1998, passim). Preferimos a tradução "efeito horizontal" porque evita
uma confusão freqüentemente feita no direito constitucional: não se trata aqui do grau e do modo de
aplicação da norma na realidade social, que analisa a sociologia jurídica com o conceito da eficácia
(Wirksamkeit - sobre a eficácia do direito cfr. Sabadell, 2000, pp. 57-65); trata-se do efeito de vinculação
(Wirkung) que os direitos fundamentais devem produzir enquanto normas de dever ser (mesmo quando a
norma carece de eficácia, não sendo respeitada na prática).
26 diretamente os particulares em determinadas situações e podem ser invocados perante os tribunais
para resolver conflitos entre estes12
.
O reconhecimento do efeito horizontal é necessário quando encontramos entre os
particulares em conflito uma evidente desproporção de poder social. Uma grande empresa é
juridicamente igual a qualquer um de seus empregados. Enquanto sujeitos de direito iguais a
empresa conclui um contrato de trabalho com seu empregado e pode decidir unilateralmente sua
rescisão. Na realidade, a diferença em termos de poder social, o desequilíbrio estrutural de forças
entre as partes "juridicamente iguais" é tão grande que seria adequado tratar a parte forte como o
poder do Estado, aplicando diretamente as disposições sobre os direitos fundamentais.
A teoria do efeito horizontal ou da vinculação de terceiros foi inicialmente sustentada na
forma do efeito horizontal direto, isto é, como aplicação imediata de normas constitucionais em
conflitos entre particulares.
Em seguida considerou-se mais adequado aceitar o efeito horizontal indireto: os direitos
fundamentais exprimem-se na legislação ordinária que deve ser configurada de forma a proteger os
particulares que encontram-se em situação de fraqueza social diante de adversários poderosos.
Segundo esta visão, os direitos fundamentais desenvolvem um "efeito de irradiação" sobre a
legislação infraconstitucional. Mesmo quando o legislador não levou em consideração uma situação
de poder que possa prejudicar a parte mais fraca, as normas infraconstitucionais devem ser
interpretadas à luz ("irradiação"!) dos direitos fundamentais, permitindo a proteção dos mais fracos
e o respeito da ordem constitucional que não tolera violações dos direitos fundamentais, mesmo
quando estas provêm de particulares.
A CF não trata da questão da vinculação de terceiros. Em muitos casos, destinatário
exclusivo dos deveres que correspondem aos direitos fundamentais é o Estado, por exemplo quando
a CF obriga as autoridades estatais a tomarem determinadas medidas (assistência jurídica gratuita,
proteção legal contra abusos de poder, etc.).
Como já observado, os particulares devem respeitar os direitos fundamentais obedecendo às
leis infraconstitucionais que concretizam os direitos fundamentais (por exemplo o direito à vida
corresponde à punição do homicídio). Devemos também aceitar que os direitos fundamentais
desenvolvem um efeito de irradiação na interpretação da legislação infraconstitucional. Exemplo:
Em vista da ampla proteção da criança e do adolescente na CF, as leis que regulamentam a situação
dos menores na família, na escola, no trabalho etc. devem ser interpretadas no sentido de proteção
do menor.
12
Referências em Alexy, 1996, pp. 475-493; Classen, 1997; Pieroth e Schlink, 1999, pp. 43-47; Canotilho,
1999, pp. 1204-1213; Branco, 2000, pp. 169-180.
27 Assim sendo, é raro encontrar casos onde a legislação infraconstitucional apresente uma
lacuna de proteção do titular de um direito fundamental e faz-se necessário recorrer diretamente aos
direitos fundamentais para propiciar-lhe a proteção adequada.
Anotamos que a jurisprudência constitucional na Alemanha e em outros países enfrentou
casos de conflito entre particulares, onde mostrou-se necessário aplicar diretamente os direitos
fundamentais. Em tais situações, poderíamos também cogitar no ordenamento jurídico brasileiro a
aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais em conflitos entre particulares.
3.8. Conflitos e limitações dos direitos fundamentais
3.8.1. A vida de um marceneiro do interior e as tarefas do operador jurídico
O Senhor José é um feliz morador de uma pequena cidade no interior de São Paulo. Nos
últimos 30 anos acorda todos os dias da semana às 5 da manhã, sai de casa, caminha
aproximadamente por 10 minutos até chegar na sua marcenaria; volta para a casa para almoçar,
retornando, após, ao trabalho, onde permanece até a tarde, para depois sair com os amigos tomar
uma cerveja ou voltar a casa para assistir a televisão e dormir. Apesar de José exercer
ininterruptamente por 30 anos a liberdade de ir e vir, caminhando nas ruas de sua cidade, pelo
menos 40 minutos por dia de trabalho (sem contar os passeios de feriados e domingos), ele nunca
foi vítima de uma assalto, nunca uma autoridade do Estado cogitou em limitar ou proibir sua
liberdade de locomoção e, como é honesto, e tem boa sorte, nunca foi preso. Resumindo, Senhor
José nunca interessou-se em saber se a Constituição garante sua liberdade de ir e vir, nem em
conhecer os problemas de sua limitação e proteção aos quais dedicam tanto tempo e esforço alunos
e professores de direito.
Esta breve e banal história procura mostrar que enquanto o exercício dos direitos
fundamentais ocorrer sem problemas e sem conflitos, ninguém expressa interesse pela matéria e
nem caminha na rua pensando: "sou feliz de poder locomover-me livremente no território nacional
em tempo de paz e em virtude do inciso XV do artigo 5° da CF". Aquilo que interessa a pessoa é
locomover-se; quando ninguém proíbe sua locomoção, o respectivo direito constitucional não
adquire relevância prática.
Os direitos fundamentais adquirem relevância somente em caso de conflito, de contestação.
Se um dia um policial prender, sem motivo, o marceneiro José, então este protestará, procurará um
28 advogado, começará a entrar nos arcanos jurídicos dos "habeas corpus" e passará a ser oficialmente
chamado de "paciente".
Disto resulta que o estudo dos direitos fundamentais carece de utilidade prática e de
profundidade teórica enquanto nos limitamos a estudar seu conteúdo garantido na Constituição ("a
liberdade de crença consiste em..."; "todos podem possuir seus bens e direitos"). O estudo adquire
relevância a partir do momento que colocamos a pergunta "sob quais condições, em quais situações
e quem pode restringir a liberdade de crença ou privar alguém de seus bens". Em outras palavras,
estudar os direitos fundamentais significa principalmente estudar seus conflitos e limitações.
Para poder resolver na prática problemas de exercício de direitos fundamentais, o operador
do direito deve então conhecer a problemática dos limites de sua proteção e dos métodos de solução
de conflitos entre direitos fundamentais. Em caso contrário, sua utilidade será semelhante àquela de
um médico que se satisfaz em observar o funcionamento normal do organismo humano, evitando
ocupar-se de doenças e métodos de cura.
Repetindo: Direito fundamental = conflito entre direitos fundamentais.
3.8.2. Conceitos básicos13
Área de regulamentação. Cada direito fundamental objetiva regulamentar uma situação ou
relação real, um conjunto de fatos que acontecem por razões que podem ser biológicas ou sociais. O
direito à vida trata da proteção da vida humana, a liberdade de associação trata da faculdade das
pessoas de criar associações, de filiar-se ou afastar-se, de dirigi-las e dissolvê-las e assim adiante.
Esta é a área de regulamentação do direito fundamental. O art. 5, inc. XII trata, por exemplo,
das comunicações telefônicas, estabelecendo que estas devem ser realizadas sem interferências
alheias à vontade dos correspondentes. Temos aqui uma situação social (duas pessoas desejam
comunicar-se em privacidade e não tendo a possibilidade de encontrar-se recorrem ao telefone que
permite uma conversa de boca a ouvido). Esta situação é regulamentada pelo referido inciso que
toma uma decisão: a comunicação telefônica deve permanecer secreta, sendo proibida a
interferência de terceiros.
Área de proteção. Isto não significa que toda e qualquer comunicação telefônica é protegida
de toda e qualquer interferência. Dentro do grande círculo da área de regulamentação, a CF decide
proteger determinadas comunicações de determinadas interferências. Para tal efeito a CF indica os
13
Os conceitos apresentados nesta seção são principalmente oriundos da dogmática alemã dos direitos
fundamentais, já amplamente recebida em outros países. Cfr., por exemplo, Pieroth e Schlink, 1999, pp. 50-
78; Canotilho, 1999, pp. 1191-1203. No âmbito da doutrina brasileira cfr. principalmente Sarlet, 1998;
Mendes, 2000.
29 casos nos quais uma comunicação telefônica, que faz parte da área de regulamentação, não goza de
proteção constitucional.
Assim encontramos o conceito da área de proteção. A área de proteção é sempre menor que
a área de regulamentação. Para dar um exemplo aritmético, das 1.000 comunicações telefônicas, a
Constituição protege o sigilo das 990. As outras dez ficam fora da área de proteção, apesar de
entrarem na área de regulamentação do referido direito. Cada vez que a Constituição diz "salvo se",
"a não ser que", "sendo vedado", entendemos que quer restringir a área de proteção, excluindo os
casos que descrevem estas frases. Resumindo: a área de proteção resulta da retirada da área de
regulamentação dos casos e situações que a Constituição não quis proteger.
Um outro exemplo: o inc. XVI do art. 5° protege as reuniões pacíficas e sem armas. Isto
significa que entre todas as possíveis reuniões que entram na área de regulamentação, a Constituição
decide privar de proteção as violentas ou realizadas com participação de pessoas armadas. Estas
reuniões não se escrevem na área de proteção.
Esta distinção possui uma importância capital para o operador jurídico. Quando um cliente
indignado procura o advogado, dizendo que a polícia proibiu a passeata de seu sindicato, nós
devemos examinar o artigo da Constituição e explicar que nem tudo aquilo que entra na área de
regulamentação é protegido. Direito à reunião não significa direito a fazer qualquer reunião em
qualquer momento, lugar ou situação. A Constituição protege somente as reuniões que
correspondem à área de proteção do direito que ela mesma estabelece.
Exercício do direito. O termo sugere a idéia de algo ativo. Exercer o direito à greve significa
se mobilizar, votar, protestar e finalmente não se apresentar ao trabalho até que determinadas
reivindicações fossem atendidas (ou o movimento derrotado). Basta porém perguntar: é obrigatório
fazer greve? A resposta é negativa e demonstra que o direito pode também ser exercido de forma
negativa, significa possuir a possibilidade de escolha.
"Exercício do direito" significa a plena liberdade de fazer ou deixar de fazer algo. O mesmo
acontece com a livre manifestação do pensamento (posso falar, escrever e também ficar calado) e
com a maioria dos direitos fundamentais. A conseqüência prática é que temos violação de um
direito não somente quando alguém nos impede fazer aquilo que a Constituição permite, mas
também quando nos obriga a fazer aquilo que a Constituição deixa à nossa discrição. Em alguns
direitos, como no direito à vida, existe controvérsia se o direito compreende também um aspecto
negativo, que neste caso seria o direito ao suicídio. Em outros direitos, como a inviolabilidade do
domicílio, o "deixar de fazer" (permitir à polícia entrar em sua casa) deixa de ser exercício do
direito. Seria sem sentido dizer que todo indivíduo tem o direito de permitir que a polícia entre em
sua casa!
30 Finalmente, alguns direitos fundamentais, e sobretudo o direito ao voto, constituem deveres
do titular. Em tais casos, o direito possui somente o lado positivo. O aspecto negativo falta, porque a
Constituição configura este direito como obrigação de uma parte dos titulares.
Intervenção na área do direito. Os problemas jurídicos começam a partir do momento que
constata-se uma "invasão" na área do direito fundamental. Esta "invasão" será feita, quase sempre,
por uma autoridade do Estado. Podemos assim definir a intervenção na área do direito como ação
ou omissão do Estado que impossibilita em parte ou totalmente um comportamento correspondente
a um direito fundamental. A intervenção pode ser feita direta ou indiretamente, com ou sem
constrangimento, através de um ato jurídico ou não (ex.: o simples fato de o policial proibir a um
motorista entrar em determinada rua constitui intervenção no direito de locomoção, porque
impossibilita seu exercício conforme a vontade do titular).
O titular do direito poderá protestar e procurará, em muitos casos, orientação jurídica,
pedindo proteção. Por tal razão é crucial distinguir entre intervenções permitidas e não permitidas.
Uma intervenção será permitida quando o comportamento não se situa na área de proteção do
respectivo direito (exemplo: reunião de pessoas armadas) ou quando uma lei restringe o direito
fundamental (exemplo: para exercer a profissão de advogado, o bacharel em Direito, e titular do
direito do livre exercício de qualquer profissão, deve ser submetido a exames, especificados em lei).
A intervenção será também permitida quando dois direitos fundamentais ou um direito e um
princípio de interesse geral, entram em conflito. Exemplos: proibir uma reunião para possibilitar o
exercício da liberdade de locomoção; proibir a utilização de celulares em um presídio por razões de
segurança pública. Nestes casos, o comportamento proibido situa-se na área de proteção, porém sua
proibição ou limitação é constitucionalmente justificada pela existência de um conflito de normas.
Nos demais casos temos intervenções proibidas. Isto constitui violação da Constituição e o
paciente pode acionar os mecanismos de garantia de cada direito. Em caso de intervenção permitida
não há esta possibilidade.
3.8.3 Limitações dos direitos fundamentais
O direito constitucional prevê vários modos de limitação dos direitos fundamentais. Nestes
casos, a área de proteção do direito é restringida de forma permitida. Podemos distinguir as
seguintes figuras (cfr. Pieroth e Schlink, 1999, pp. 60-72; Alexy, 1996, pp. 249-307).
3.8.3.1. Concretização através de lei
31 Alguns direitos fundamentais são enunciados de forma extremamente genérica, por exemplo,
a garantia da propriedade ou da herança, onde a CF sequer oferece uma definição de seu conteúdo e
função. Em tais casos, a lei infraconstitucional deve concretizar o direito fundamental, isto é, indicar
seu conteúdo e função, tal como faz o Código Civil em relação ao direito de propriedade. Aqui o
constituinte oferece ao legislador ordinário um amplo poder de definição e exercício do direito não
será possível sem uma lei infraconstitucional. Isto cria um problema. Qualquer concretização
significa limitação; neste sentido, deve sempre ser examinado se a lei concretizadora não limita o
direito sob o pretexto de concretizá-lo (Pieroth e Schlink, 1999, pp. 53-54; Mendes, 2000, pp. 217-
223).
3.8.3.2 Reserva de lei
Muitas disposições da Constituição introduzem uma "reserva de lei" (ou "reserva legal"):
permitem ao legislador infraconstitucional introduzir limitações, restringindo a área de proteção de
um direito (Mendes, 2000, pp. 223-241).
A reserva de lei pode ser plena (também denominada de simples ou absoluta) quando a CF
indica que o exercício do direito será feito "na forma da lei" ou nos "termos da lei" (ex.: art. 5°, inc.
VI e XV). Temos uma reserva legal limitada (também denominada de qualificada ou relativa)
quando a CF indica qual é o tipo ou a finalidade da limitação do direito que a lei pode estabelecer
(ex.: art. 5°, inc. XII, XXIV). Finalmente, a limitação pode ser indireta ou tácita, quando a CF não
utiliza a fórmula "nos termos da lei" ou outra semelhante, mas é necessário que uma lei intervenha
para fixar condições de exercício do direito (ex.: art. 5°, inc. X, LXXV).
Na CF encontramos muitos direitos "sem reserva" que o constituinte garante sem prever,
explicita ou implicitamente, a possibilidade de uma limitação através de lei infraconstitucional. Um
exemplo constitui o art. 5°, inc. XI. Uma parte da doutrina entende que nestes casos o legislador
infraconstitucional pode intervir na área de proteção dos direitos, introduzindo limitações.
O entendimento que nos parece mais correto é que, quando o constituinte não quis autorizar
uma limitação do direito através de lei infraconstitucional, isto significa que ele não viu, em
princípio, nenhum problema no pleno exercício do direito. Eventuais limitações através de normas
infraconstitucionais seriam contrárias à vontade do constituinte e por tal razão inconstitucionais. No
caso dos direitos sem reserva, a limitação pode acontecer somente no caso concreto, quando
constata-se um conflito entre dois direitos ou entre um direito e um princípio (ou bem)
constitucional (cfr. analiticamente Pieroth e Schlink, 1999, pp. 73-76; Bamberger, 2000).
32 Esclarecemos finalmente que segundo a posição prevalecente na doutrina e na
jurisprudência, o termo "lei" significa "lei formal", isto é, lei votada pelo Congresso Nacional ou
medida equiparada a esta, tal como a medida provisória já convertida em lei (Silva, 1998, p. 422).
Assim sendo, a reserva de lei constitui, na verdade, uma "reserva parlamentar". Isto significa que
aqui não é suficiente a lei no sentido material, isto é, qualquer medida do poder legislativo ou
executivo que regulamenta de modo geral uma situação. Existe porém uma grande controvérsia
sobre a questão se o poder legislativo pode delegar ao poder executivo o estabelecimento de normas
limitadoras dos direitos fundamentais (Pieroth e Schlink, 1999, pp. 61-63).
3.8.3.3. Limitações constitucionais gerais em casos excepcionais
Como é sabido, a CF estabelece um duplo sistema de legalidade: a legalidade normal e
aquela excepcional, em caso de graves conflitos ou ameaças pela estabilidade da ordem política e
social. No âmbito da legalidade excepcional, a CF altera as competências das autoridades do Estado,
reforçando principalmente aquelas do poder executivo federal. Ao mesmo tempo prevê uma série de
restrições dos direitos fundamentais dos indivíduos. Tais restrições seriam claramente
inconstitucionais em tempo e regime de normalidade: são permitidas no âmbito do regime
excepcional porque previstas pela Constituição.
A CF prevê três situações excepcionais de gravidade crescente. Igualmente crescentes são as
limitações de direitos fundamentais em cada uma destas.
a. Estado de defesa (art. 136, § 1 e 3). Decreto do Presidente da República especifica os
direitos a serem restringidos e o tipo de restrição. As restrições podem se referir aos seguintes
direitos: reunião; locomoção; sigilo de correspondência e de comunicação telegráfica e telefônica;
propriedade de bens públicos; atividade econômica relativa a serviços públicos.
b. Estado de sítio conforme art. 137, inc. I. Podem ser restringidos ou suspensos através de
decreto do Presidente da República os seguintes direitos (art. 139): locomoção; reunião; sigilo de
correspondência e de comunicações; informação e liberdade de imprensa escrita e radio-televisiva;
inviolabilidade do domicílio; propriedade.
c. Estado de sítio conforme art. 137, inc. II. Pode sofrer restrição ou suspensão qualquer
direito fundamental. Isto não é expressamente estabelecido na CF. Resulta da formulação do art.
139 caput: "na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I só poderão ser
tomadas contra as pessoas as seguintes medidas". Isto significa (aplicando o argumento a contrario)
que, no caso do art. 137 inc. II, todos os direitos podem, em princípio, sofrer restrições.
Duas observações:
33 - Em todos os referidos casos, a Constituição especifica o tipo de limitação dos direitos
(restrição ou suspensão) e as condições sob as quais ela pode acontecer (exemplos: a prisão
preventiva não pode superar os dez dias sem autorização do poder judiciário).
- A possibilidade de restringir ou suspender um direito não pode acontecer sem justificação.
A constitucionalidade da medida pode ser avaliada pelo poder judiciário que examinará sua
justificação diante da situação real e jurídica do momento. Exemplo: em caso de conflito de
fronteiras que causa guerra, não tem justificação a limitação da liberdade de religião ou do direito à
imagem; mesmo a limitação de direitos como a reunião devem ser justificadas, indicando, por
exemplo, os perigos que seriam causados à segurança pública.
3.8.3.4. Limites dos limites
Como já salientamos, a possibilidade de limitar um direito fundamental através de
intervenções na área do direito não é ilimitada. Seria, por exemplo, inconstitucional proibir o
casamento a menores de 50 anos, sob o pretexto que a Constituição encarrega o legislador ordinário
da concretização dos requisitos e impedimentos do casamento. Igualmente inconstitucional seria
uma lei sobre a entrada de estrangeiros (art. 5°, inc. XV, direito exercido "nos termos da lei") no
país que impusesse o pagamento de uma taxa de um milhão de reais, como condição para o ingresso
dos mesmos no território nacional.
Com efeito, a doutrina constitucional sublinha que a limitação dos direitos tem limitações. É
proibido proibir o exercício do direito além do necessário! Esta é a teoria dos "limites dos limites"
(Pieroth e Schlink, 1999, p. 65; Canotilho, 1999, pp. 423-432; Mendes, 2000, pp. 241-251).
O principal instrumento para avaliar se determinada intervenção na área do direito é
aceitável é o princípio da proporcionalidade (ou da razoabilidade), sobre o qual existe uma enorme
bibliografia14
. Em palavras simples, examinar a proporcionalidade significa examinar a analogia
entre meios e finalidades, isto é, a necessidade e justificação de uma intervenção. Mais
concretamente devemos examinar sucessivamente quatro elementos:
- A finalidade da intervenção é lícita? Exemplo: o governo que restringe a liberdade de
palavra de seus adversários persegue um objetivo constitucionalmente inaceitável.
14
Referências em Pieroth e Schlink, 1999, pp. 63-72; Barros, 2000; Mendes, 2000, pp. 246-275. A
Constituição de Portugal introduz expressis verbis o princípio da proporcionalidade: "A lei só pode
restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as
restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos" (art. 18, § 2).
34 - Os meios empregados são lícitos? Exemplo: a polícia que seqüestra os filhos de um
suspeito para pressioná-lo, persegue a finalidade legítima de descobrir os autores de um delito
empregando porém meios ilícitos.
- Os meios empregados são adequados? Exemplo: exigir dos bacharéis em direito submeter-
se a exames desportivos ou de conhecimentos em matemática para que possam atuar como
advogados.
- Os meios empregados são necessários? Isto significa que a gravidade da intervenção não
deve superar o absolutamente necessário para evitar conflitos ou ilegalidades. Esta regra ("não matar
pássaros com canhões") constitui o critério da proporcionalidade mais utilizado e mais
freqüentemente desrespeitado. Por exemplo: para evitar os furtos estipular e aplicar pena de 40 anos
de prisão; dissolver uma reunião de 10 pessoas utilizando batalhões de cavalaria.
3.8.4. Conflitos entre direitos fundamentais
Ninguém pede a desapropriação das terras de um latifundiário porque é invejoso de sua
riqueza. E ninguém cogita proibir a uma revista fotografar atrizes com uma determinada fantasia
porque não tem nada melhor para fazer. Os conflitos e as restrições nascem, como já constatamos,
porque o exercício de um direito fundamental entra em conflito com outro ou com um princípio
constitucional. A desapropriação objetiva garantir direitos dos sem-terra e melhorar a produtividade
da agricultura brasileira; a proibição de fantasiar-se como enfermeira seminua é ditada pelas
necessidades de proteger a dignidade e honra de uma classe profissional.
Último exemplo: um autor de romance pode caraterizar com as palavras mais duras e
injuriosas um personagem imaginário, porque neste caso ninguém é lesado e não há motivo para
restringir sua liberdade artística. A situação muda quando as mesmas palavras referem-se a uma
pessoa real. No segundo caso, a liberdade do autor entra em conflito com o direito à honra, à
privacidade etc. de um outro titular de direitos. Tarefa da doutrina jurídica e dos tribunais é traçar os
limites que permitem o exercício de ambos direitos.
Já estudamos o caso das limitações através de leis ou da própria Constituição. Aqui interessa
uma outra figura: o conflito (ou colisão) entre dois direitos ou um direito e um princípio
constitucional em um caso concreto. Exemplo: a polícia proíbe o acesso ao centro de Brasília
porque acontece uma manifestação de desempregados. Aqui não temos uma proibição geral de
entrada na cidade e nem uma lei que restrinja este acesso. Em vista da situação do momento, o
exercício da liberdade de reunião impossibilita o pleno exercício da liberdade de ir e vir. O mesmo
acontece quando, por motivos de "segurança institucional", a Polícia Militar da Bahia proíbe a
35 índios e sem-terra brasileiros lembrar ao Presidente da República que o "descobrimento" e suas
seqüelas não são dignas de festa para todos. Traçar um limite é necessário nestes casos. Não
significa, porém, que as autoridades tem sempre razão, ou seja, que o limite é sempre conforme à
Constituição. Retirar com uso de violência um grupo de índios para evitar que o Presidente da
República escute vozes críticas é, por exemplo, uma decisão que desrespeita, pelo menos, o
"espírito" da Constituição.
Traçar os limites em caso de conflito é tarefa árdua e controvertida. A doutrina pode
preparar o terreno, estudando os casos típicos de colisão e propondo soluções (Pieroth e Schlink,
1999, pp. 72-76; Canotilho, 1999, pp. 1191-1195; Mendes, 2000, pp. 282-311; um excelente estudo
de caso encontramos em Silva, 2000). A decisão final incumbe ao poder judiciário que deverá, para
que sua decisão seja correta, justificar, isto é, fundamentar o modo de limitação dos direitos em
conflito. Lembramos que a CF estabelece em seu art. 93, inc. IX que todas decisões dos tribunais
devem ser fundamentadas, apesar desta disposição permanecer muito freqüentemente letra morta.
As principais ferramentas para decidir sobre casos de conflito são duas. Em primeiro lugar, a
interpretação sistemática da Constituição, isto é, sua interpretação enquanto conjunto que permite
levar em consideração todas as disposições relacionadas com o caso concreto e entender quais são
os parâmetros que o constituinte mesmo estabeleceu.
A segunda ferramenta é o princípio da proporcionalidade, que permite ponderar os bens e
direitos colidentes. Em caso de conflito entre direitos devemos sempre examinar os interesses em
questão e aceitar limitações na estrita medida do necessário.
3.8.5. Violação de direito fundamental
Para decidir se determinada intervenção na área de um direito fundamental é permitida ou
constitui violação deste direito e, por tal razão, contraria a Constituição devemos proceder a um
exame das detalhado normas que garantem o direito em questão, da situação real, dos interesses em
jogo e das condições de atuação das autoridades do Estado.
Para facilitar este exame, a doutrina alemã elaborou alguns roteiros que apresentamos em
seguida, modificados e adaptados pelo direito constitucional brasileiro15
.
Esclarecemos que o exame deve ser feito na ordem indicada. Respondendo "não" à primeira
questão é supérfluo o exame das demais; igualmente supérfluo é, nos dois primeiros roteiros, o
exame da terceira questão quando respondemos "não" à segunda.
36
15
Seguimos, com as devidas adaptações, os modelos desenvolvidos por Pieroth e Schlinck, 1999, pp. 3, 78,
120-121. Na doutrina brasileira encontra-se uma apresentação parcial e limitada destes modelos em Mendes,
2000, pp. 315-317.
37 A. Exame de constitucionalidade de uma lei que limita os direitos individuais, coletivos e
políticos
1. O comportamento contemplado pela lei situa-se na área de proteção de um direito fundamental?
2. A lei em questão intervém na área de proteção de um direito fundamental?
3. A intervenção é justificada constitucionalmente (intervenção permitida)?
a. Há validade formal da lei (competência, respeito das regras processuais, entrou em vigor,
continua válida)?
b. A lei é conforme ao tipo de reserva de lei do direito fundamental?
c. A lei é geral?
d. A lei é clara e concreta?
e. A lei respeita o núcleo do direito?16
f. A lei respeita o princípio de proporcionalidade?
g. A lei está em conformidade com todas as disposições constitucionais? (ex. relações entre direito
federal e estadual)
Observação: Haverá violação de um direito fundamental se nós respondemos "sim" às duas
primeiras questões e "não" a pelo menos um dos itens da terceira.
B. Exame de constitucionalidade de uma medida administrativa ou judiciária que limita os
direitos individuais, coletivos e políticos
1. O comportamento contemplado pela medida situa-se na área de proteção de um direito
fundamental?
2. A medida em questão intervém na área de proteção de um direito fundamental?
3. A intervenção é justificada constitucionalmente (intervenção permitida) ou trata-se de uma
violação de direitos fundamentais (intervenção proibida)?
16
Sobre a problemática do "núcleo" (ou "conteúdo essencial") dos direitos fundamentais cfr. Pieroth e
Schlink, 1999, pp. 69-71; Mendes, 2000, pp. 241-246; Canotilho, 1999, pp. 430-432.
38 a. A medida possui fundamento legal? A medida aplica a lei (fundamento legal) em conformidade
com a Constituição?
b. A medida é clara e concreta?
c. A medida respeita o princípio de proporcionalidade?
d. A medida respeita todas as disposições da Constituição?
Observação: Haverá violação de um direito fundamental se nós respondemos "sim" às duas
primeiras questões e "não" a pelo menos um dos itens da terceira.
C. Exame do respeito do princípio da igualdade
1. Constata-se tratamento discriminatório (tratar os iguais de forma desigual)?
a. As pessoas ou grupos são comparáveis?
b. As pessoas ou grupos são tratados de forma discriminatória?
2. A desigualdade é juridicamente justificada?
a. Há validade formal da lei?
b. A lei é conforme aos critérios que permitem uma diferenciação?
c. A lei é clara e concreta?
d. Há respeito do princípio de proporcionalidade?
e. A finalidade é legítima (ou trata-se de um pretexto)?
Observação: Haverá violação do princípio da igualdade se nós respondemos "sim" à primeira
questão e "não" a pelo menos um dos itens da segunda.
D. Exame de constitucionalidade de omissões relativas a direitos sociais
1. O Estado se omitiu a tomar uma determinada medida?
2. A Constituição reconhece ao indivíduo ou grupo em questão o direito de exigir do Estado a
tomada desta medida?
Observação: Haverá violação de um direito social quando respondemos "sim" a ambas questões.
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