construindo o saber metodologia científica fundamentos e técnicas

207
CONSTRUINDO O SABER METODOLOGIA CIENTÍFICA FUNDAMENTOS E TÉCNICAS MARIA CECÍLIA M. DE CARVALHO (ORG.) PAPIRUS EDITORA Capa: Francis Rodrigues Ffevisão: Cristiane Flufeisen Scanavirii Beatriz Marchesini Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Construindo o saber - Metodologia científica : Fundamentos e Técnicas Maria Cecilia Maringoni de Carvalho 11ª. Edição Papirus - Campinas - 2000 Vários autores. Bibliografia. ISBN 85-308-0071-O 1. Ciência - Metodologia 2. Trabalhos científicos - Metodologia 1. Carvalho, Maria Cecilia Maringoni de. 89-1209 CDD-501.8 (ndices para catálogo sistemático: 1. Metodologia científica 501.8 2. Trabalhos científicos: Metodologia 501.8 11 Edição 2001 DIREITOS RESERVADOS PARA A LiNGUA PORTUGUESA: (c) M.R. Cornacchia Livraria e Editora Ltda. - Papirus Editora Telefones: (19)3272-4500 e 3272-4534 - Fax: (19) 3272-7578 Caixa Postal 736- CEP 13001-970 - Campinas - SP - Brasil. E-mali: [email protected] - www.papirus.com.br Proibida a reproduçáo total ou parcial. Editora afiliada à ABDR. SUMÁRIO PREFÁCIO À QUARTA EDIÇÃO . 7 PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO 9 Primeira Parte 1. A PROBLEMÁTICA DO CONHECIMENTO 13 Heitor Matalio Jr. 1. Opinião x ciência 16 2. A origem do conhecimento no senso comum 19 3. Em direção à ciência 23 II. MITO, METAFÍSICA, CIÊNCIA E VERDADE 29 Heitor Matailo Jr. Da verdade 35 III. A EXPLICAÇÃO CIENTÍFICA 39 Heitor Matailo Jr. 1. Causalidade 39 2. Teorias e leis 44

Upload: marcelo-lopes

Post on 24-Nov-2015

64 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

CONSTRUINDO O SABER METODOLOGIA CIENTFICA FUNDAMENTOS E TCNICAS

MARIA CECLIA M. DE CARVALHO (ORG.)

PAPIRUS EDITORA Capa: Francis Rodrigues Ffeviso: Cristiane Flufeisen Scanavirii Beatriz Marchesini Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Construindo o saber - Metodologia cientfica : Fundamentos e Tcnicas Maria Cecilia Maringoni de Carvalho 11. Edio Papirus - Campinas - 2000 Vrios autores. Bibliografia. ISBN 85-308-0071-O 1. Cincia - Metodologia 2. Trabalhos cientficos - Metodologia 1. Carvalho, Maria Cecilia Maringoni de. 89-1209 CDD-501.8 (ndices para catlogo sistemtico: 1. Metodologia cientfica 501.8 2. Trabalhos cientficos: Metodologia 501.8 11 Edio 2001 DIREITOS RESERVADOS PARA A LiNGUA PORTUGUESA: (c) M.R. Cornacchia Livraria e Editora Ltda. - Papirus Editora Telefones: (19)3272-4500 e 3272-4534 - Fax: (19) 3272-7578 Caixa Postal 736- CEP 13001-970 - Campinas - SP - Brasil. E-mali: [email protected] - www.papirus.com.br Proibida a reproduo total ou parcial. Editora afiliada ABDR. SUMRIO PREFCIO QUARTA EDIO . 7 PREFCIO PRIMEIRA EDIO 9 Primeira Parte 1. A PROBLEMTICA DO CONHECIMENTO 13 Heitor Matalio Jr. 1. Opinio x cincia 16 2. A origem do conhecimento no senso comum 19 3. Em direo cincia 23 II. MITO, METAFSICA, CINCIA E VERDADE 29 Heitor Matailo Jr. Da verdade 35 III. A EXPLICAO CIENTFICA 39 Heitor Matailo Jr. 1. Causalidade 39 2. Teorias e leis 44

3. A explicao nas cincias sociais 49 4. Uma nova abordagem da explicao nas cincias sociais55 IV. A CONSTRUO DO SABER CIENTFICO: ALGUMAS POSIES 63 Maria CecIlia Maringoni de Carvalho 1. Consideraes introdutrias 63 2. O Empirismo Lgico: a experincia como fundamento de conceitos cient(ficos 66 3. O Racionalismo Crtico de Karl R. Popper 68 4. Thomas S. Kuhn ou O desafio da histria 75 5. A guisa de concluso: em torno do debate Popper-Kuhn 82 V. CINCIA E PERSPECTIVAS ANTROPOLGICAS HOJE 87 Joo Francisco Regis de Morais 1. Os trs grandes momentos do mundo moderno 88 2. A morte da alma e as perspectivas antropolgicas contemporneas 91 Segunda Parte 1. O ESTUDO COMO FORMA DE PESQUISA 97 Joo Baptista de Almeida Jnior 1. A pesquisa bibliogrfica 99 2. A documentao 111 3. A referenciao bibliogrfica 114 II. O ESTUDO DE TEXTOS TERICOS 119 Vera Irma Furlan 1. Oqueunl texto9 119 2. O texto terico 120 3. A relao autor-texto-leitor 120 4. A leitura de textos tericos 121 5. Algumas sugestes para a redao de trabalhos a partir do estudo de textos tericos 123 III. TCMCAS DE DINMICA DE GRUPO 129 Paulo de 7irso Gomes e Paulo Moacir Godoy Pozzebon 1. Dade 131 2. Phillips 66 131 3. Painel 131 4. Fruin 132 5. Simpsio 132 6. Sem inrios 133 7. Estudo de caso 134 8. Dramatizao 134 Concluso 135 IV. SEMINRIO 137 Elisabete Matallo Marchesini de Pdua Oque9 137 1. Seminrios de textos 137 2. Seminrios de temas 141 3.Avaliao do seminrio 143 V. O TRABALHO MONOGRFICO COMO INICIAO PESQUISA CIENTFICA 147 Elisabete Matailo Marchesini de Pdua Introduo 147

PREFCIO PRIMEIRA EDIO

Este livro se destina a todos os universitrios que se iniciam no estudo da Metodologia da Cincia. Porque Metodologia da Cincia? No estaria tal investigao associada quela crena ingnua de que, com o auxlio de um repertrio de regras claramente definidas e universalmente aceitas, seria possvel ampliar nosso saber acerca da natureza fsica e/ou humana, e do qual dependeria, em ltima anlise, o bem-estar material da humanidade? O otimismo presente em tal pretenso certamente no encontra mais espao nas metodologias da atualidade. O vnculo estreito a unir cincia e arte blica, bem como o grande nmero de problemas ecolgicos que emergiram na esteira do progresso cientfico, tm animado, por vezes, at mesmo posturas anticientficas. Tudo parece indicar que a cincia uma atividade humana, muito mais dependente da histria e da sociedade do que se podia outrora imaginar. De qualquer forma, em que pesem seus triunfos e desacertos, qui exatamente por causa deles, a cincia um fato que possui inegvel relevncia na vida do homem contemporneo. Sendo assim, a filosofia no poderia deixar de considerar a reflexo sobre o conhecimento cientfico, acerca dos princpios que presidem a sua produo, como um de seus objetos de estudo. Entendemos que o objetivo primordial de uma metodologia no seja o de colocar disposio do cientista um elenco e regras, s quais ele deveria se ater para produzir o seu saber. No existem caminhos pr-traados que nos conduzam inexoravelmente verdade, ou que garantam necessariamente a descoberta do novo. Consideramos que a Metodologia pode, entretanto, contribuir no sentido de oferecer pontos de vista que tomem possvel uma discusso crtica sobre a cincia, e de sugerir parmetros que propiciem uma avaliao dos resultados da produo cientfica. Somos, alm disso, de opinio que uma metodologia se alia, naturalmente, a uma reflexo filosfica mais ampla acerca do homem - construtor do saber cientfico - do qual todo conhecimento depende e para o qual todo saber deve ser gerado. A elaborao da presente obra foi inspirada pelo desejo de aproximar o iniciante de alguns dos problemas que julgamos mais fundamentais na rea da metodologia, e de oferecer-lhe, tambm, um instrumento que possa viabilizar sua insero no universo da produo cientfica. Por isso, o livro compreende dois mdulos: um deles de cunho predominantemente terico, filosfico; o outro, de natureza mais prtica, na medida em que visa a orientar o estudante universitrio na realizao de trabalhos acadmicos ou cientficos. Seus vrios captulos foram confiados a docentes especializados nas reas de Filosofia ou da Metodologia Cientfica e que dispem de grande experincia didtica no ensino universitrio. Pelo fato de a obra ter resultado de um projeto elaborado por um grupo de professores do Instituto de Filosofia da Puccamp, pareceu-nos natural que a redao de grande parte dela fosse confiada a docentes desse Instituto. Destaque especial merece a colaborao do professor Heitor Matailo Jnior,da Universidade Federal do Piau. O livro apresenta, certamente, lacunas, as quais nos pareceram inevitveis tendo em vista, sobretudo, a abrangncia e complexidade da maioria de seus temas e os limites impostos por uma obra que no pretende oferecer mais do que uma iniciao aos fundamentos e tcnicas da Metodologia Cientfica. Por isso, gostaramos de poder contar com as observaes crticas dos professores que porventura vierem a adot-la em seus cursos, para que - no caso de uma eventual reedio - procuremos, enquanto possvel, aprimor-la. Queremos agradecer aqui a colaborao de todos os autores que participam da presente edio, em especial professora Vera Irma Furlan, que animou a realizao deste projeto. Nossos agradecimentos se dirigem Editora Papirus pela cordial acolhida dispensada publicao de nosso livro.

A ORGANIZADORA Campinas, 1987 lo Primeira Parte Captulo 1 A PROBLEMTICA DO CONHECIMENTO Heitor Matailo Jr.* A preocupao com o conhecimento no nova. Praticamente todos os pvos da antiguidade desenvolveram formas diversas de saber. Entre os egpcios a trigonometria, entre os romanos a hidrulica, entre os gregos a geometria, a mecnica, a lgica, a astronomia e a acstica, entre os indianos e muulmanos a matemtica e a astronomia, e entre todos se consolidou um conhecimento ligado fabricao de artefatos de guen-a. As imposies derivadas das necessidades prticas da existncia foram sempre a fora pmpulsora da busca destas formas de saber. Somente um povo da antigidade teve a preocupao mais sistemtica e filosfica com ascondies de formao do conhecimento: foram os gregos. Paralelamente ao conhecimento empfrico legado pelos povos do Oriente, Mesopotmia e Egito, os gregos desenvolveram um tipo de reflexo - a intuio que se destacou pela possibilidade de gerar teorias unitrias sobre a natureza e desvincular o saber racional do saber mtico. Isto no quer dizer que os gregos tivessem abandonado sua mitologia e cosmologia em favor de urna saber racional, mas to-somente que eles comearam a ter conscincia das diferenas entre estas duas fonnas de logos. A episrem caracterstica do pensamento grego era do tipo theoretik, isto , um tipo de saber adquirido peos "olhos do espfrito" 1 e que ia alm * Fez estudos de Lgica e Filosofia da Cincia (Ps-graduao) na Unicamp. professor na Universidade Federal do Piau. 1. B. FARRINGTON, A cincia grega; M. WARTOFSKY, Introduccin a la filosofia de la ciencia; M. VARGAS, Metodologia da pesquisa tecnolgica. dos meros fenmenos empricos. Esta diferena entre conhecimento prtico - que estava ligado ao trabalho, execuo de atividades de produo de bens e coisas necessrias vida - e conhecimento terico - ligado ao prazer de saber - chegou a cristalizar-se como formas de conhecimento de diferentes naturezas. Esta diferena que surgiu entre os gregos foi resultado - segundo Farrington 2 - de uma separao de atividades de classe, da separao entre "cabea e mo". Conforme o autor, s o aparecimento de uma classe ociosa poderia ensejar o desenvolvimento de um conhecimento desvinculado das necessidades. Como esta classetinha mais prestgio e status, sua atividade foi considerada superior, pura e livre, em oposio ao trabalho prtico, considerado inferior, desinteressante e preso ao interesse de outrem, j que era executado por escravos para os senhores. Plato foi o primeiro filsofo a desenvolver uma teoria sobre o mundo utilizando-se da intuio como forma de pensamento superior. A sua Teoria das Formas um exemplo disso, e revela a tentativa de flmdamentar um conhecimento certo e verdadeiro para alm do cambiante e fugaz mundo dos fenmenos. Para Plato, o mundo sensvel est em constante mudana e, neste caso, se torna impossvel conhec-lo por razes bvias: no se pode conhecer uma coisa que deixa de ser ela mesma na sucesso do tempo. O recurso metodolgico e filosfico para solucionar esta dificuldade pressupor que exista na coisa algo que permanece ou que esteja presente na sucesso do tempo: a sua essncia. Para Plato, a essncia da coisa est em sua Forma ou Idia. Assim, para toda coisa do mundo sensvel existe urna certa Idia ou Forma que lhe corresponde como sua essncia ou natureza. As idias so perfeitas, imutveis e no habitam o mundo espaotemporal, sendo apreendidas apenas pelo pensamento puro. As coisas sensveis so como cpias irnperfeitas das Idias ou Formas, j que por princpio uma coisa perfeita, se mudar, para pior. A mudana aparece como o elemento que corrompe e degenera, pois afasta cada vez mais a coisa de sua natureza. Foi na escola platnica, a Academia, que se desenvolveu a Dialtica e, mais tarde, o conhecimento aristotlico. Adialtica, ou o mtodo socrtico, foi de extrema importncia na histria do pensamento, pois significou o rompimento racional com o senso comum ou a tentativa de realiz-lo. A dialtica realizada num dilogo onde uma das partes leva a outra a reconhecer as contradies e incoerncias de suas crenas. Neste processo, as premissas do pensamento comum so questionadas e criticadas at que os temas apaream despidos dos preconceitos e valoraes comuns. A dialtica socrtica um mtodo de aproximaes sucessivas4 onde no h propostas de soluo para as questes, mas to-somente a crtica contra as concepes propostas. Este mtodo, diria Popper, elimina as teorias que no suportam a prova . 2. B. FARRINGTON, Head and Hand in Ancien: Greece.

3. PLATO, Fdon; IDEM, A repiiblica; K. POPPER, A sociedade aberta e seus inimigos. 4. K. POPPER, Conjecturas e refiaaes; M. WARTOFSKY, op. cit. 5. Ibidem. Juntamente com Plato, Aristteles foi o grande personagem que erigiu a cincia grega e ocidental, formulando um conhecimento que prevaleceu quase intocado at o sculo XVI. Enquanto Plato ensinava que s podemos conhecer as Formas ou Idias e no propriamente as coisas (destas s podemos ter opinies confiveis), Aristteles se distanciava desta doutrina promovendo uma convergncia entre as fonnas e os fenmenos (a virtude est no meio). Ele criticou a dialtica por sua negatividade, por sua incapacidade de criar conhecimentos positivos, e adotou a doutrina de que as formas s subsistem na matria e s por estas que obtemos aquelas. A existncia das Formas quepara Plato eram eternas, imutveis e independentes do mundo sensvel - , para Aristteles, uma "realidade materializada" que no pode ser entendida seno pelo estudo das coisas concretas. Isto quer dizer que o conhecimento comea no estudo das coisas, ruas no se resume a isto. Aristteles se utilizou da induo - processo que tem como perspectiva a formulao de leis gerais a partir da observao de fatos particulares - para formular princpios explanatrios gerais e, a partir destes, voltar a fazer dedues de novas ocorrncias. Deve-se associar, portanto, a induo e a deduo, a investigao de particulares e a formulao de princpios explanatrios que, por meio da deduo, explicaro novas ocorrncias. Da observao de que os corpos caem, sejam eles lanados distncia ou soltos no ar, formulou Aristteles a sua teoria do movimento e da estrutura da matria que, por deduo, explica o movimento dos astros e a aparente diferena de velocidades de diferentes corpos em queda livre. O conhecimento consistia, ento, em saber quais as caractersticas ou propriedades das coisas enquanto membros de uma classe. Saber o que Scrates , saber quais so suas propriedades individualizarites, bem como as propriedades da classe a que pertence, a de homem. As caractersticas que fazem com que urna coisa seja particular no so nem comuns e nem essenciais para a sua classificao, pois so meros acidentes. Ter quatro patas, um rabo e um focinho so caractersticas essenciais da classe dos ces. Mas ter cor preta ou branca ou manom um acidente e no constitui objetode conhecimento, mas da percepo aplicada aos particulares.6 Assim, partiu Aristteles para a formulao dos princpios da classificao e, depois, de sua lgica formal. Neste campo sua contribuio foi verdadeiramente notvel. Outra grande contribuio do pensamento grego foi no campo da geometria, desde Pitgoras - com suas magnficas descobertas como o teorema das reas do tringulo retngulo e da irracionalidade da raiz de 2 (12) - at a obra de Euclides, paradigma de cientificidade e rigor at nossos dias. As grandes contribuies de Eudides foram o desenvolvimento 6. ARISTTELES, Tpicos, J. Losee, 1niroduo histrica dfiksofla da cincia; M. WARTOFSKY, op. Cit. 7. A descrio desta demonstrao encontra-se em W. SALMON, Lgica. 14 1 -, do mtodo axiomtico e a difuso da crena de que era possvel flmdamntar absolutamente o conhecimento. Esta crena se desfez somente no sculo XX com o

programa epistemolgico do Crculo de Viena, e especialmente de Rudolf Carnap, que mostrou a impossibilidade de fundamentar absolutamente o conhecimento. Temos, enfim, a contribuio dos gregos para o pensamento social. Plato com a sua A repblica e Aristteles com a Poltica foram os primeiros a sistematizar reflexes sobre a vida social. 1. Opini x cincia Em uma passagem do dilogo Mnon, de Plato, 8 Scrates faz a seguinte distino entre opinio e cincia: E assim, pois, quando as opinies certas so amarradas, transformam-se em conhecimento, em cincia, permanecem estveis. Por este motivo que dizemos ter a cincia mais valor do que a opinio certa: acincia se distingue da opinio certa por seu encadeamento racional. Podemos dizer que aqui comea verdadeiramente a Teoria do Conhecimento e da Cincia Para Scrates, assim como para muitos de ns, existe uma sensvel diferena entre expresses da forma "Eu acho que" e " Eu sei que". A primeira das sentenas diramos que est no nvel da dxa, da opinio, e seu valor tal que no difere, quando pronunciada por uma certa pessoa, do valor de expresses do mesmo tipo pronunciadas por qualquer outra pessoa. Ou seja: opinies so emitidas a todo momento e por todas as pessoas (sim, porque todos ns temos sempre uma opinio sobre qualquer coisa) sem que haja uma argumentao slida para comprov-las. Acontece muitas vezes de acertarmos com uma opinio, mas, em geral, no saberamos justific-la a no ser por outras opinies. Mas de onde vem, ento, nossa capacidade de emitir opinies? Vem dessa enorme quantidade de informao que possumos, a que chamamos de senso comum. O senso comum um conjunto de informaes no-sistematizadas que aprendemos por processos formais, informais e, s vezes, inconscientes, e que inclui um conjunto de valoraes. Essa informaes so, no mais das vezes, fragmentriase podem incluir fatos histricos verdadeiros, doutrinas religiosas, lendas ou parte delas, princpios ideolgicos s vezes conflitantes, informaes cientficas popularizadas pelos meios de comunicao de massa, bem como a experincia pessoal acumulada. Quando emitimos opinies, lanamos mo desse estoque de coisas da maneira que nos parece mais 8. PLATO, Mnon, p. 106apropriada para justificar e tomar os argumentos aceitveis. Valoraes e crenas so, portanto, o substrato do senso comum e de nossas aes e comportamentos cotidianos. H, no entanto, uma marcante diferena lgica entre as crenas e os valores, ainda que praticamente no seja nada fcil diferenci-los. As crenas se manifestam atravs de proposies, que podem ser submetidas a um teste de veracidade, ou seja, possvel dizer se so verdadeiras ou falsas, enquanto que com as valoraes isso no ocorre. Destas ns podemos dizer que so boas ou ms, desejveis ou indesejveis, justas ou injustas, mas no que so verdadeiras ou falsas. Quando uma mulher afirma, por exemplo, que a causa de sua indisposio foi o "mauolhado de fulana", ns podemos at com facilidade colocar prova sua afirmao, no s mediante um exame clnico como tambm testando a prpria crena de que mauolhado produz alteraes fisiolgicas. Pelo primeiro caminho, poder-se-ia constatar que houve apenas urna alterao na presso arterial por m oxigenao sangunea. Mas a crena em mau-olhado j no seria to simples de ser testada. Teramos de comear definindo o que mau-olhado para podennos fomiular a relao que ele mantm com a

fisiologia etc. De qualquer modo, seria possvel resgatar os fundamentos da explicao para ser posta prova. Com as valoraes, por outro lado, isto j no possvel. Se algum afirmar ser liberal, socialista, racista ou cristo, no temos como testar sua doutrina. No tem sentido afirmar que o liberalismo verdadeiro ou que o racismo falso. Temsentido dizer apenas que so boas ou ms doutrinas, e que por isso ns nos julgamos no direito de aceit-las ou recus-las. Isto quer dizer que as valoraes no admitem critrios de deciso quanto sua veracidade, enquanto as crenas e o conhecimento admitem. Por isso, muito perigoso partilhar doutrinas dogmaticamente, como se fossem verdades, pois podem levar a imposies e ao totalitarismo. Este o caso dos modernos regimes totalitrios, cujo discurso de justificao sempre o de desprezar a diferena, desqualificando como falsas as formas de pensamento (minoritrias ou no) diferentes da oficial. comum entretanto, se tentar justficar valores apelando para crenas j bastante difundidas no senso comum - sejam elas verdadeiras ou no - ou mesmo formular pseudoteorias para dar sustentao aos valores, O caso mais comum de imposio de um valor o do racismo. Qualquer tipo de racismo se assenta na autovalorizao da raa como superior e na crena de que h diferenas biolgicas entre raas. Vrias teorias foram construdas a fim de demonstrar que diferenas biolgicas e genticas geravam diferenas intelectuais e morais, na tentativa de justificar a dominao sobre povos e pases. 10 o prprio colonialismo exercido pela Inglaterra, Frana e Holanda sobre os povos africanos e latino-americanos postulava a grande obra de 9. G. MYRDAL, Objetivido.d en la invesrigacidn social. 10. A teoria mais conhecida a do Conde J. Artur Gobineau (1816-1882). 16 17 civilizao por eles exercida sobre os "primitivos". Essas teorias, obviamente, no tm nenhuma validade,mas continuam subsistindo no senso comum. Apesar das inconsistncias inerentes ao conhecimento de senso comum - para onde convergem crenas, opinies e valores o mais das vezes conflitantes e assistemticos -, ele se constitui na base a partir da qual se constri a cincia. aceitvel entre a maioria dos epistemlogos 11 que a cincia um refinamento do senso comum, a sua sofistificao, embora existam afirmaes e teorias que so absolutamente contra o senso comum, como a do movimento da terra em redor do sol. Hoje esta teoria pode nos parecer trivial, mas sua aceitao e incoiporao ao pensamento comum demorou mais de 200 anos. Poderamos esquematizar, ento, a relao entre o senso comum e a cincia da seguinte forma: Desenvolvimento cientfico Novas teorias Teorias cientficas cientficas Senso comum, valoraes, Modificaes crenas religiosas Senso comum e polticas modificado O senso comum a base sobre a qual se constroem as teorias cientficas. Estas teorias se distanciam tanto quanto possvel das valoraes e opinies, gerando um conhecimento mais ou menos racional, entendendo racional como argumentativo e coerente. Este conhecimento, por sua vez, interage com o senso comum e modifica-o, sendo absorvido parcial e totalmente, dependendo do seu grau de esoterismo. Assim, o senso comum vai

progressivamente se modificando ao longo das geraes, incorporando novas informaes e eliminando aquelas que se tomam imprestveis para as explicaes. Assim como nos sculos XIV e XV as bruxas faziam parte das entidades existentes no mundo - onde era comumse estigmatizar as mulheres que manifestavam prazer sexual (denunciadas pelos prprios maridos) acusando-as de possesso e, eventualmente, castigando-as at a morte -, nos sculos XVII e XVIII a loucura era tratada com banhos frios ou injeo de sangue fresco para "esfriar' 'os espritos e reequilibrar a circulao. 12 Estas coisas que poderiam nos parecer ridculas, revelam, no entanto, a prpria concepo de corpo que vigorava. Acreditava-se que o corpo era o depositrio do esp frito, fosse ele bom ou mau, isto , havia as entidades 11. Ver K. POPPER, Conhecimento objetivo; W. O. QUINE, Epistemologia naturalizada, in Os pensadores; G. MYRDAL, op. cit.; R. ALVES, Filosofia da ciencia. 12. M. FOUCAULT, Doena menw.l e psicologia. materiais e as espirituais que habitavam os corpos. No havia se processado ainda a grande transformao cartesiana de conceber os homens como sendo divididos entre corpo e alma numa s entidade. Esta mudana filosfica s penetrou nas cincias mdicas no fim do sculo XIX, consubstanciando-se no desenvolvimento da psicologia e, mais tarde, na psicanlise. H, no entanto, certas informaes e teorias que no se incorporaram ao senso comum por seu grau de complexidade ou por ser contra a experincia cotidiana e, neste ponto, o senso comum muito poderoso. So de difidil aceitao as idias que so muito diferentes de nossa experincia imediata. llvez a mais comum destas idias diga respeito prpria origem do conhecimento. 2. A origem do conhecimento no senso comum O pensamento popular concebe o conhecimento como derivandoexclusivamente da observao por um processo indutivo. Ou seja: usando os rgos dos nossos sentidos como a viso, audio, tato etc., formulamos proposies sobre a realidade que seriam indubitavelmente verdadeiras e qualquer observador poderia checar tais afirmaes usando igualmente seus sentidos. 13 Proposies tais como: uma barra de ferro, quando parcialmente submersa em gua, aparece como torta, o metal quando aquecido se dilata, os msculos quando no utilizados se atrofiam, na medkla em que se referem a fatos efetivamente observados, so exemplos de proposies observacionais, 14 fazendo parte daquela classe de proposies chamadas singulares. O objetivo da explicao cientfica , no entanto, a busca de afirmaes e teorias universais, cujo campo de aplicao seja o maior possvel. O grande problema do indutivismo passa a ser, ento, o da "passagem" das afinuaes singulares pan as universais. Como podem ser justificadas as afimiaes e teorias gerais cuja base um nmero limitado de observaes? A resposta do indivismo 15 que: 1. O nmero de observaes 1evantadas para a generalizao deve ser muito grande; 2. As observaes devem ser feitas sob uma grande variedade de condies; 13. Uma excelente crtica do indutivismo encontra-se em A. F. CHALMERS,What is this thing called Science? 14. A. F. CHALMERS, op. ci:. 15. Ver A. F. CHALMERS, op. cit., caps. 1 e 2; K. POPPER, op. cit.; W. SALMON, op. cit. lo 3. No se admite que alguma das observa5es entre em conflito com

a lei geral. Estas trs condies seriam necessrias para formar a base desustentao da induo. A quantidade de observaes e a variedade de condies em que so feitas permitiriam a generalizao. A afirmao "Todo metal quando aquecido se dilata" seria, por exemplo, resultado da experimentao feita com muitos tipos de metal e em muitas condies diferentes. Mas no h garantia alguma de que no futuro no venha a ocorrer uma certa circunstncia em que a afirmao seria falsa. Lembre-se da histria dos cisnes brancos! Do ponto de vista lgico, portanto, a induo no se justifica porque no h como "passar" do limitado ao ilimitado. Uma outra objeo ao raciocnio indutivo diz respeito vaguidade da idia de "grande niimero" de observaes. Quantas observaes devemos fazer para tornar o argumento aceitvel? Existem circunstncias em que uma nica observao torna urna afirmao aceitvel e s vezes nenhuma observao necessria. Os exemplos da bomba atmica e de nutrons so representativos. No primeiro caso, apenas a experincia de Hiroshimna foi suficiente para demonstrar o efeito devastador da bomba atmica. No segundo caso, nenhuma demonstrao foi feita, mas todos ns facilmente nos convencemos de seu poder. Ento, o que que pennite sabermos quantas observaes so suficientes para que faamos a generalizao? Devemos dizer que resposta a esta questo no advm de nenhum processo indutivo. O ponto em que dizemos "isto suficiente" no advm da experincia, mas de um conhecimento terico da situao e de seu mecanismo operativo, 16 e este conhecimento terico anterior experincia. Alm das objees sobre a infernciaindutiva, existem tambm objees quanto a uma das mais correntes crenas sobre os fundamentos do conhecimento. E do senso comum a afirmao de que a observao direta de fatos e fenmenos oferece a base segura a partir da qual se pode derivar qualquer conhecimento e decidir sobre afirmaes duvidosas. Isto se deve s idias de que o mundo exterior tem certas propriedades que lhe so inerentes e de que diferentes observadores olhando o mesmo fenmeno vem a mesma coisa. 17 Existem muitos exemplos que podem contradizer esta idia. As figuras a, b e c (p. 21) podem ilustrar isso. Estas figuras podem ser "vistas" de diferentes maneiras: o cubo (fig.a) pode ser visto como tendo sua perspectiva para a direita ou esquerda, a pirmide (fig.b) como tendo sua base vista por cima ou por baixo e a escada (fig.c), como se fosse para subir ou descer. Em qualquer dos casos, apesar de olharmos a mesma figura, no "vemos" a mesma coisa. A impresso que se fixa na retina pode ser a de urna nica figura, mas a impresso que se forma na mente no o . 16. A. F. CHALMERS, op. cii. 17. N. R. HANSON, Padrones de descubrimienro. Estes exemplos podem ser generalizados a ponto de podermos afirmar que a observao direta dos fatos no algo to seguro quanto primeira vista se supe. Em muitos casos, at mesmo componentes culturais, vivncias pessoais e expectativas intervm na observao, dando-lhe grande subjetividade. A maioria das pessoas j deve ter passado pela experincia de estar observando o mesmo objeto e, de repente, quando outro objeto diferente, mas semelhante, introduzido naseqincia ns no o percebemos como diferente. Tal o caso de cartas de baralho (cartas de naipe de ouro, por exemplo) que so mostradas a um observador, mas dentro da sequncia se introduzem cartas de copas. O observador no as nota porque sua expectativa de "ver' 'cartas de ouro condiciona sua sensibilidade visual. Nos casos acima, ns pudemos olhar as figuras e imediatamente "v-las' 'sob esta ou aquela perspectiva. Mas h casos em que no basta olhar a figura para "v-la". preciso

que operemos uma inferncia para que a figura faa sentido, como por exemplo em d e e (p. 22). Por si ss as figuras no dizem nada, a menos que j tenhamos uma expectativa ou prvia experincia para podermos inferir um resultado visual. Na figura d, podemos afirmar que h um urso detrs do tronco ou nele apegado, e na figura e podemos dizer existir muito mais do que manchas, mas a figura de um homem barbado semelhana de Cristo. Em ambos os casos a formao de uma imagem visual com sentido depende de um conhecimento anterior, que pode ser fruto de experincias sensoriais ou de mero aprendizado. fig. a fig. c fig. b 91 e ' -, '1 fig. d Decorrem disso problemas filosficos extremamente complexos e interessantes. At agora estivemos falando de fatos e de observao num sentido bastante corriqueiro e, mesmo assim, dificuldades apareceram. Imaginem agora que um leigo entre num laboratrio de fsica e observe alguns instrumentos em funcionamento, como, por exemplo, um circuito eltrico e um certo aparelho a ele interligado com um mostrador e uma agulha flutuante. Se pedirmosa ele para "observar" o que est ocorrendo ali e dizer exatamente o que "v", certamente ele faria unia descrio dos objetos existentes e do movimento da agulha no mostrador do aparelho. Nada mais ele far porque, para ele, no h nenhum fato a no ser os objetos visuais. No entanto, se pedirmos a um fsico que observe a mesma coisa, ele no far uma simples descrio dos objetos, mas falar de corrente eltrica, voltagens, resistncias etc. Ou seja: grande parte das coisas a que ele se reportar no so objetos materiais. A mesma coisa aconteceria com um estudante de medicina que olhasse pela primeira vez uma radiografia do trax de algum e tivesse que dizer o que est "vendo". Uma resposta adequada no poderia ser dada porque ele no saberia a que coisas (conceitos e teorias) aquele conjunto de manchas se reporta. Podemos dizer, ento, que toda e qualquer observao pressupe urna teoria, mesmo que esta seja de senso comum. Para sermos rigorosos, devemos dizer que no existem fatos independentemente de um certo conjunto de proposies qt permitem o seu entendimnto. Todo fato pressupe uma teoria, seja ela cientfica ou no. Os fatos s existem enquanto tal para as teorias.'8 Isto no quer dizer que sempre e necessariamente diferentes teorias pressupem diferentes fatos. Existe um certo conjunto de fatos que podem ser considerados bsicos e que so aceitos consensualmente pela comunidade cientfica num determinado perodo histrico. As interpretaes e as "cadeias 18. W. O. QU1NE, Dois dogmas do empirismo, m Os pensadores. .ognio" nas quais os fatos soencaixados que podem ser diferentes. Certas aftmiaes empfricas de primeira ordem como: 1. os metais quando aquecidos se dilatam, 2. os metais so bons condutores de eletricidade, 3. num recipiente fechado a presso diretamente proporcional temperatura, so exemplos de proposies bsicas, aceitas universalrnente. por isso que s vezes dizemos com toda naturalidade que "esta hiptese ou teoria contraria os fatos". As

regularidades que observamos cotidianamente, e que j incorporamos como absolutamente naturais, geram a segurana necessria para apelarmos para os fatos quando desejamos descartar uma hiptese. Mas deve-se dizer que os fatos que hoje so bsicos certamente no o foram no passado. Isto significa que, em algum momento da histria, eles foram gerados e sustentados por uma teoria. 3. Em direo d cincia Dissemos at agora aquilo que a cincia no . Distinguimos a cincia do senso comum e procedemos a um exame sobre as crenas a propsito do conhecimento. Reconhecemos que os fatos e as observaes pressupem, sempre, teorias, sejam elas cientficas ou no. Dessa forma, os significados dos conceitos dependem das teorias em que ocorrem. Numa teoria de senso comum, os conceitos podem ser vagos e contaminados por valores e doutrinas, mas numa teoria cientfica isto no admissvel. Os conceitos devem ter um significado preciso e devem remeter a outros conceitos correlatos e tambm precisamente definidos, de tal forma que as teorias formem estruturas mais ou menos "fechadas" de conceitos significativos e que se referem a conjuntosespecficos de fatos e fenmenos. Isto , as teorias no se aplicam a quaisquer coisas, mas a campos especficos. Assim, o conceito de Gene na teoria gentica moderna, por exemplo, se aplica a um conjunto especfico de fenmenos, que so os da reproduo, mas no serve para explicar - como na teoria racista de senso comum - a pretensa transmisso de caractersticas culturais e morais. Ao citarmos urna passagem de Mnon de Plato, ficou claro que para Scrates a cincia um conhecimento "amarrado" e possui um encadeamento racional. Podemos comear afirmando, ento, que a cincia se apresenta como conjuntos de proposies (teorias) coerentes, isto , onde no h nenhum tipo de contradio interna. So proposies amarradas no encadeamento racional. Em segundo lugar, as teorias so, tanto quanto possvel, despidas de subjetividade e valoraes. Digo "tanto quanto possvel" porque este um problema histrico, determinado por certas circunstncias extra-cientficas. fig. e 22 23 Vejam, por exemplo, as circimstncias de formulao e aceitao da teoria heliocntrica de Copmico, onde a doutrina da Igreja Catlica teve um importante papel na sua rejeio inicial. Este problema muito mais crucial nas cincias humanas, onde questes ideolgicas e doutrinrias se misturam a questes cientficas. A disputa ainda hoje existente entre funcionalismo e marxismo um testemunho disso. A maioria das crticas que os partidrios das teorias se fazem baseia-se numa inadequada conexo entre a teoria e as posies politicas de seus formuladores, onde pressupe-se que o resultado dotrabalho de um conservador , ele mesmo, conservador e o resultado do trabalho de um revolucionrio , por sua vez, revolucionrio. Assim, grande parte da crtica s teorias realizada pela crtica de seus formuladores. Este, alis, um dos mais antigos tipos de erros que se pode cometer e que foi identificado por Aristteles como a falcia ad hoininein. Podemos adicionar, ainda, outra caracterstica s teorias cientficas e das mais importantes. a caracterstica de solucionadoras de problemas. Como acentuou Popper, a cincia comea com problemas. So problemas decorrentes de necessidades prticas tanto quanto de quebras de regularidades na natureza. Ns temos, segundo o autor, uma tendncia inata para a ordem e regularidade e quando esta expectativa no satisfeita somos induzidos a procurar explicaes para ela. Quando os antigos notaram que nem todos os astros percorriam uma trajetria uniforme e que havia os chamados "astros

vagabundos", iniciou-se um longo e minucioso trabalho de construo de explicaes que cuirninou com a teoria da relatividade de Einsteiii Quando os gregos construram embarcaes para navegar o Mediterrneo e formularam os primeiros conhecimentos de nutica, logo perceberam que o caminho mais curto entre dois pontos no era uma linha reta traada no mapa. Este fato foi facilmente absorvido mais tarde por todos os navegadores europeus e induziu o aparecimento de discrepncias na geometria at que geometrias no-euclidianas foram desenvolvidas. Estes e outros exemplos podem ilustrar o carter "problemtico" da cincia. Alm desurgirem problemas, as teorias devem, e efetivamente o fazem, engendrar programas de pesquisa 19 cujo destino tem sido alm de consolidar a teoria e faz-la ocupar todos os espaos de explicao, contribuir para sua p:pria superao e, desta forma, promover o crescimento e progresso do conhecimento. Um bom exemplo disso foi a teoria newtoniana. Ela foi formulada para explicar o movimento e a interao de corpos em termos de espao e tempo. Para a mecnica, dadas a velocidade e a posio de um corpo sempre possvel se saber qual ser sua posio e velocidade em qualquer outro ponto ou instante. O carter preditivo da teoria era to poderoso que, certa vez, Laplace afirmou que com a mecnica se poderia conhecer toda a histria do universo, tanto a passada quanto a futura. 19. 1. O. LAKATOS, Ofal.seamento e a metodologia dos programas de pesquisa, in LAKATOS e MUSGRAVE, A crtica e o desenvolvimento do conhecimento, T. KUHN, A estrutura das revolues cient(ficas. Foi exatamente usando este potencial explicativo e preditivo da mecnica que Leverrier, utilizando simplesmente papel e lpis, descobriu Netuno. Todos conheciam as irregularidades da rbita de Urano e Leverrier partiu do pressuposto de que os desvios de Urano tinham como causa a presena de urna grande concentrao de massa - um outro planeta - cuja atrao gravitacional estaria provocando tais mudanas. Comeou, ento, a calcular as dimenses do planeta, sua posio e massa, e por volta de 1842 forneceu as coordenadas do novo planeta. 20 Do observatrio de Berlim, o astrnomo Gaile descobriu o novoplaneta no exato lugar indicado por Leverrier. O sucesso de tal descoberta foi completamente impressionante, indicando a grandeza e o poder da mecnica. Mas a histria curiosa. Pouco depois, Leverrier notou discrepncias na rbita de Mercrio e comeou a trabalhar na mesma direo anterior, tendo at batizado o novo planeta - Vulcano - que estaria "atrapalhando" Mercrio. A resposta, no entanto, no foi agradvel. No se descobriu nenhum planeta novo e a prpria mecnica newtoniana foi colocada em xeque para, a partir do incio deste sculo, desabar frente relatividade. Ou seja, a mecnica foi (e ainda ) uma teoria extremamente frtil, que engendrou um amplo programa de pesquisa para a soluo de muitos quebra-cabeas, at o momento em que os fatos no explicados pela teoria, as anomalias, eram to numerosos que novas teorias tiveram que ser formuladas para explicar adequadamente a realidade. Com isto se garantiu tambm o progresso e o crescimento do conhecimento. Finalmente, devemos discutir o aspecto observacional das teorias. Dissemos anteriormente que as teorias no derivam da observao e questionamos a prpria idia de observar, concluindo que a observao precedida por algum tipo de teoria. No fundo, esta afirmao questiona um dos pilares da cincia moderna, que o papel da expectativa na construo das teorias. Popper tem acentuado que as teorias cientficas so conjecturas e no derivam da experincia. As grandes construes, como as de Newton, Darwin, Freud, Marx, Einstein e Bohr, so nitidamente de carter conjectural e assim o foramconcebidas. Isto deriva do fato de que as teorias - quaisquer que sejam so compostas por certos tipos de proposies que no se referem diretamente a

observveis: so os conceitos tericos. Os conceitos de fora, atrao, inconsciente, valor, hdrons, lptons, causalidade, energia etc. so exemplos disso. Eles no se referem diretamente a entidades, mas a outros conjuntos de proposies (que, no caso dos lptons e hdrons, se conflmdem com as equaes matemticas que os descrevem) que acabam por formar as teorias s quais estes conceitos esto vinculados. Os conceitos tericos - que na maioria das vezes tm grande poder explicativo constituem o ceme das teorias e as prprias conjecturas. A histria da cincia est cheia de exemplos que mostram o papel destas 20. CARTIER, O enigma do cosmo. conjecturas na forniao das teorias. Dois fascinantes episdios ocorridos entre os anos de 1637 - com a publicao dos Dilogos concernentes s duas novas cincias, de Galileu - e 1647 - com a experincia de Prrier para comprovar a idia da existncia da presso atmosfrica e de que esta varia com a altitude - mostram um pouco do processo de construo das conjecturas. Galileu considerado o pai da cincia moderna e do mtodo experimental. No entanto, muitas das experincias a que se refere no foram realmente executadas, a no ser em pensamento. So as famosas "experincias de pensamento" 21 que foram, mais tarde, popularizadas por Einstein. Alguns afinnam at que Galileu nutria um certo desprezo para com a experincia. Nos Dilogos concernentes s duas novas cincias elechega a afimiar que "o conhecimento de um nico fato adquirido atravs da descoberta das suas causas prepara o espfrito para compreender e certificar-se de outros fatos sem a necessidade de recorrer experincia". 22 Neste sentido, famosa sua formulao da teoria da queda livre dos corpos. Para a teoria aristotlica, a velocidade dos corpos em queda livre depende de seus pesos, sendo que os corpos mais pesados caem mais depressa que os mais leves. Galileu contestou esta teoria, formulando um exemplo para mostrar que ela contraditria. Tomou ele dois corpos de diferentes tamanhos e, portanto, com velocidades naturais diferentes. Se os dois corpos fossem unidos, o maior tenderia a arrastar o menor e este retardar aquele. O resultado que a unio dos dois deveria diminuir a velocidade do sistema. Mas, por outro lado, se unssemos os dois corpos teramos a fomiao de um terceiro corpo cujo peso seria a soma dos outros dois e, portanto, maior do que cada um deles. Logo, sua velocidade, por hiptese, seria maior. Isto contraditrio em relao s formulaes iniciais e, para resolver o problema, Galileu sups que a velocidade dos corpos no tem relao com seus pesos, mas com os tempos de queda. Da para a frente ele pesquisou qual a relao entre a queda dos corpos deslizando em planos inclinados e os espaos percorridos para, em seguida, formular o conceito de inrcia atravs de nova experincia de pensamento. Estas conjecturas que abriram caminho para o desenvolvimento da moderna cincia fsica. Com a experincia de Prrier aconteceu algo semelhante.Explicava-se o comportamento das bombas aspirantes - cujo liquido sobe pelo cano em funo da elevao do mbolo - atribuindo-se natureza a propriedade de ter honor ao vcuo. Era o chamado horror vacui. Torriceili e Pascal supuseram que este fenmeno poderia ser melhor explicado admitindo-se que o ar tem peso. Neste caso, se subssemos uma montanha, a presso deveria ser menor, j que h menos ar em seu topo do que na sua base. Foi o que fez Perrier em 1647. Ele simulou as mesmas condies de um experimento para a base 21. J. M. F. 13ASSALO, As "expetincias de pensamento"em fsica, in Cincia e Cultzira, 22. GALILEU, Discuiso sobre as duas novas cincias, citado em LOSEE, op. cii., p. 68.

e o cume da montanha, constatando que no cume a presso diminua. A conjectura sobre a presso atmosfrica foi depois confirmada por outras experinc ias, como a de transportar um balo parcialmente inflado para o cume da montanha, onde ele se toma mais inchado. Este processo de formao de conjecturas tambm chamado de contexto da descoberta. As descobertas cientficas so realizadas dos mais diferentes modos, onde intuies, acidentes, "chutes" etc, podem interferir decisivamente. De fato, no h uma lgica de descoberta, isto , no h um mtodo de se fazer descobertas, Deve haver, no entanto, um mtodo para se testar as conjecturas, as teorias e as hipteses, e este o chamado contexto da jusfificao. Podemos concluir dizendo que as teorias cientficas so conjecturas que se apresentam como estruturas, que fornecem explicaes tanto para as regularidades como paraas irregularidades da natureza. Estas estruturas engendram programas de pesquisa, onde novos fatos so incorporados ao campo de explicao, e este tende a ser sempre ampliado, at que esbarra em ocorrncias que no podem ser explicadas pela teoria, O acmulo destas ocorrncias pode provocar crises na teoria e, ento, surgem novas conjecturas que tentam dar conta das discrepncias. esta a imagem k limiana 23da cincia. At agora discutimos a problemtica do conhecimento assumindo o conceito de verdade sem qualquer discusso. Isto, no entanto, no significa que tal conceito seja consensual ou que no tenha implicaes na prpria concepo de teoria e cincia. A idia de verdade sempre mereceu grande ateno por parte dos filsofos e cientistas exatamente por sua ntima relao com o comportamento cientfico e, no fundo, com as prprias teorias. Discutiremos a seguir algumas interpretaes sobre a verdade e sua relao com o desenvolvimento cientfico, Bibliografia ALVES, R Filosofia da cincia. SP: Brasiliense, 1983. ARISTTELES. Tpicos. SP: Abril, 1978. BASSALO, 3. M. As "experincias de pensamento" em fsica. Iii: Cincia e Cultura, 36 (3), 1984. CARTIER, R. O enigma do cosmo. RJ: Primor, 1978. CHALMERS, A. F. What L this thing called Science? Queensland: ljniversity ofQueensland, 1978. 23. T. KUHN, op. cii. 27 Existem muitas formas de conhecimento que partilharam e ainda partilham, juntamente com o conhecimento cientfico do papel de realizar a explicao da realidade. So as formas artsticas, religiosas e mitolgicas de conceber o mundo. Durante muitossculos, essas vrias formas de conhecimento se mesclaram e, em maior ou menor grau, se impuseram como formas dominantes na organizao do pensamento. Foi somente a partir do Renascimento que uma nova "viso de mundo' 'comeou a rivalizar com as velhas concepes mitolgicas, religiosas e metafsicas, oferecendo pouco a pouco - novas referncias para a organizao do pensamento. Dissemos anteriormente que os gregos fizeram uma distino entre o saber mtico e o racional, embora no tivessem - na prtica - conseguido operar esta diferena e criar um conhecimento cientfico independente. Esta tarefa foi executada, a partir do Renascimento, pelos chamados fundadores da cincia moderna: Copmico, Descartes, Galileu e Newton. Embora no tivessem conseguido se libertar inteiramente da metafsica, cada um deles deu um passo decisivo no pmcesso de formao da cincia

moderna, questionando velhos dogmas e fornecendo urna nova direo e sentido s investigaes. Todo este processo de forniao da cincia moderna, que podemos caracterizar como sendo de desantropomorfizao da natureza, coincidiu historicamente com o desenvolvimento do capitalismo e com a expanso ultramarina. Progressivamente, as transformaes sociais econmicas e politicas FARRINGTON, B. A cincia grega. SP: Ibrasa, 1961. ______ Head and hand in Ancient Greece, Londres: Wats and Co., 1949. FOUCAULT, M. Doena mental e psicologia. RJ: Tempo Brasileiro, 1975. HANSON, N. R. Padrones de descubrimiento. Madri: Alian.za Ed., 1977. KUHN, T. A. A estrutura das revolues cient(ficas. SP: Perspectiva,1975. LAKATOS E MUSGRAVE. A crtica e o desenvolvimento do conhecimento. SP: Edusp, 1979. LOSEE, J. Introduo histrica filosofia da cincia. SP: Edusp, 1978. MYRDAL, G. Objetividad en la investigacin social. Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 1970. PLATO. Fe'don., SP: Abril, 1978. ______ A repblica. SP: Hemus, 1970. ______ Mnon. Ri: Tecnoprint, sld. POPPER, K. A sociedade aberta e seus inimigos. SP: Edusp, 1974. Conjecturas e refutaes. Brasilia: UnB, 1982. ______ Conhecimento objetivo. SP: Edusp, 1978. QUINE, W. Epistemologia naturalizada. 1n Ospensadores. SP: Abril, 1978. ______ Dois dogmas do empirismo. In: Os pensadores. SP: Abril, 1978. SALMON, W. Lgica. Ri: Zahar, 1978. VARGAS, M. Metodologia da pesquisa tecnolgica. Ri: Globo, 1975. WARTOFSKY, M. Introducin a lafilosofi'a de la ciencia. Madri: Alianza Ed.. 1968. Captulo II MITO, METAFfSICA, CINCIA E VERDADE Heitor Matailo Jr. 28 29 repercutiram na "cultura geral" da poca e foram produzindo novos padres de referncia. Enquanto na Idade Mdia a religio e as escrituras eram os paradigmas de pensamento, na Idade Moderna ser a cincia que ocupar o lugar de honra na cultura. As mudanas foram to notveis e as realizaes da cincia e tecnologia to incrveis que passou, inclusive, a existir a concepo de que as sociedades modernas, capitalistas, so estritamente racionais e cientficas. Um pouco desta concepo deriva da difuso da "lei dos trs estados", de Comte. Segundo ela, o desenvolvimento dos povos passa pelo desenvolvimento do esprito humano, que percorre trs fases distintas: ateolgica, a metafsica e a positiva. A fase positiva, que tem a cincia como suporte, procura explicar fatos e fenmenos com base na investigao emprica e na busca de relaes constantes entre eles. O abandono da teologia e da metafsica - que baseiam suas explicaes nas causas primeiras - o marco, sendo Comte, da moderna civilizao e indica o seu progresso. Mas vejamos mais de perto as diferenas entre mito e cincia. Na introduo da enciclopdia Larousse World Mythology, 1 Pierre Grimal coloca a questo entre o mito e cincia da seguinte forma: objetivo do mito, assim como da cincia, explicar o mundo, fazer seus fenmenos inteligveis. Como a cincia, seu propsito suprir o homem com os meios de influenciar o universo, de permitir sua apreenso material e espiritual. Dado um

universo cheio de incertezas e mistrios, os mitos intervm para introduzir um elemento humano. Ou seja: os mitos, tanto quanto a cincia, pretendem responder nossa necessidade de dar ordem e coerncia ao mundo. Mas, ento, mito e cincia so semelhantes? De fato nao o so, apesar dessa pretenso geral de suprir uma mesma necessidade. Uma das principais caractersticas da viso mtica do mundo o seu humanismo, onde desejos e vontades so atribuidos natureza. Na teoria aristotlica, por exemplo, os objetos fsicos tm um desejo, uma vontade de permanecer no lugar que, por natureza, lhes foi destinado. Para Aristteles, os objetos so formados a partir dos quatro elementos principais que ocupam seu lugar natural no mundo sublunar. A terra o elemento mais pesado e, porisso, est abaixo dos outros. A gua mais pesada que o ar, mas mais leve que a terra e, por isso, fica acima desta. O ar fica acima da gua e o fogo acima do ar. Qualquer objeto do mundo sensvel composto por um destes quatro elementos, ou por uma combinao deles, e, portanto, tem seu lugar natural a depender da propozo que cada elemento ocupa na sua composio. Assim, qualquer objeto quando retirado de seu lugar natural, o repouso, deve voltar para ele para satisfazer uma vontade da natureza. A 1. Larousse World Mythology, p. 9. terra, por exemplo, est imvel no centro do universo poirpie "j caiu" em virtude de seu peso. A teoria do movimento de Aristteles se baseia - no que diz respeito ao mundo sublunar na sua concepo da composio da matria, onde corpos com diferentes pesos tm diferentes velocidades em queda livre e - no que diz respeito ao mundo sublunar (dos astros) - na idia de que o cu a morada dos deuses e, por isso, os astros tm um movimento perfeito, circular e uniforme. A viso mtica fornece uma espcie de "quadro do mundo" para que possamos refletir sobre ele, empreender aes que sejam coerentes, embora possam parecer contraditrias ou incompreensveis. Uma guerra entre povos tradicionalmente pacficos poder ser empreendida se fizer sentido numa concepo geral de mundo. As cruzadas e as guerras religiosas, por exemplo, foram feitas pelos cristos, que tinham como um de seus mandamentos o "no matars". Num certo sentido, a cosmologia e o senso comum - de que falamos no captulo anterior - so equivalentes. Podemos dizer queuma cosmologia comporta um ou mais sistemas religiosos e mitolgicos, bem como vrias espcies de conhecimentos empricos que vigoram como verdadeiros numa certa poca. Nas sociedades mticas, a idia de verdade instaurada pela prpria cosmologia. Entre os gregos, por exemplo, a verdade era dada pela voz do enunciador e, quando posta em dvida, gerava um processo que saa da rbita humana para ser resolvido pela vontade dos deuses. Foucault2 mostra este aspecto tomando um episdio narrado por Homero na Ilada. a disputa entre Antloco e Menelau quando dos jogos comemorativos da morte de Ptrolo. Os dois contendores disputavam uma corrida de carros e no circuito foi colocado urna espcie de fiscal, uma testemunha, que se encarregaria da regularidade da corrida. Antloco venceu a disputa, mas Menelau o contestou, afirmando que ele cometera muna irregularidade. Ao invs de se chamar a testemunha para dirimir a dvida, Menelau desafiou Antiloco a fazer um juramento a Zeus de que no havia cometido nenhuma infrao. Antloco se recusou a jurar inocncia, mostrando assim a sua culpabilidade. Se ele houvesse jurado "em falso", a responsabilidade pela instaurao da verdade caberia a Zeus, que o teria fulminado com um raio. Este tipo de prova recusa a teste,nunha, a evidncia, e transpe sua eficcia para um plano superior, onde um deus onipotente sempre se manifesta para manter a verdade. Na Idade Mdia, esta forma de soluo de disputas tambm foi muito comum.

Se pensanrios na universalidade oeste procedimento na Grcia e, depois, na Idade Mdia, podemosexplicar - pelo menos em parte - a ausncia do desenvolvimento do mtodo experimental. A cincia aristotlica foi observacional mas no-experimental, e a autoridade de seu postulante no foi questionada at o Renascimento. Zeus no poderia deixar Aristteles cair 2. M. FOUCAULT, A verdade e as formas jun'dicas. em erro, assim como, para o Deus cristo, as escrituras e So Toms de Aquino no poderiam errar. Apesar dessa caracterstica geral da poca, os gregos estabeleceram claramente as regras de conhecimento. Este deveria ser formulado em tennos de encadeamento racional e de verdade. Os gregos submeteram as explicaes tericas ao mito de criao do universo e a uma tentativa de formar uma imagem global da composio da matria. Assim, a cosmologia, ou vso mtica do mundo, foi dissolvida na cincia grega, em sua filosofia e em sua metafsica. Plato - que nos deixou uma adniiravel reflexo filosfica - estava filiado tradio hermtica que tinha em Pitgoras e seu culto aos nmeros um insuirador. preciso que se diga que a mitologia no se confunde com a metafsica. A metafsica como modernamente entendida - urna forma de saber que tambm no se submete verificao. Suas afirmaes no podem ser empiricamente comprovadas (ou falsificadas) porque tratam da suposta natureza das coisas, da natureza do ser. No entanto, pode-se notar que todas as teorias so construdas tendo como base enunciados metafsicos, filosficos. Isto decorre, de um lado, de que qualquer teoria est inserida numa certa episteme que institui valores e critrios que acabam porcomandar procedimentos cientficos (vimos h pouco a recusa evidncia dos gregos). De outro lado, as teorias criam uma espcie de cinto de proteo3 para seus enunciados factuais. Tomemos dois exemplos das cincias humanas: as teorias de Hobbes e Rousseau sobre a sociedade e as formas de governo. Os dois autores so considerados contratualistas, isto , suas teorias partem da idia de que a sociedade vive sempre dois momentos. O primeiro deles prvio a qualquer tipo de acordo de convivncia social e, por isso, chamado de Estado de Natureza. Nesse momento os homens vivem segundo a ordem dos instintos e no h propriamente sociedade. O segundo momento posterior a uma espcie de acordo para formalizar as regras da convivncia social e, por isso, chamado de Estado de Sociedade. A passagem do Estado de Natureza para o Estado de Sociedade feita mediante um Contrato Social e, neste contrato, os homens alienam suas vontades ao Soberano, que as administrar como Vontade Geral. S que, para Rousseau, a vontade geral se expressar em termos de Democracia e, para Hobbes, em termos de Absolutismo de Estado. Por que esta diferena? As razes disto esto nos pressupostos metafsicos sobre a natureza dos homens. Para Rousseau, os homens nasceram livres, iguais, e so por natureza bons, o que permitir que sua associao seja - desde que obedecidas as regras instituidas pelo contrato - igualitria e libertria. Para Hobbes, ao contrrio, os homens so mesquinhos, individualistas e objetivam unicamente a prpria felicidade, sendo que esta conseguida quando se exercepoder. Com uma tal natureza, os homens se consumiriam em guerras e disputas, inviabiizando qualquer tipo de associao. Da a necessidade de um contrato 3. Ver LAKATOS e MUSGRAVE, A crtica e o desenvolvimento do conhecimento. onde todos alienariam suas vontades com o fim de preservar a espcie. Pode-se entender tambm porque, para Hobbes, o governo deve ser exercido pelo menor nmero de pessoas possvel. que o aumento de seu nmero voltaria a gerar o processo de disputas pelo poder e isto se expandiria para toda a sociedade, colocando em risco a sua sobrevivncia.

Nas cincias naturais, o papel da metaffica tambm pode adquirir grande importncia. So conhecidas as razes que influenciaram o surgimento da cincia moderna e, em especial, na aceitao da teoria copernicana.4 Copmico postulava que o sol estava no centro do universo e que a terra e os outros astros circulavam ao seu redor por vrios motivos, mas entre eles os de que: 1. O Sol deve estar no centro porque irradia luz e mais excelente do que os outros astros que no a tem, 2. O Sol a morada de Deus porque est no centro de tudo; 3. Se o movimento dos astros perfeito, por ser circular e uniforme, ento com muito mais razo a terra deve girar. Deus no faria o seu prprio astro menos perfeito do que os outros. Quando Kepler passou a trabalhar sobre a hiptese copernicana, seu entusiasmo radicava-se na beleza do sistema e na possibilidade de encontrar harmonias matemticas, resqucio da influncia pitagrica que ainda se mantinha na Idade Mdia. As questes metafsicas, no entanto, nocessaram de exercer influncia entre cientistas famosos. Exemplo disso foi a polmica travada por Einstein-Bohr sobre a mecnica quntica, onde um dos argumentos utilizados por Einstein para a no-aceitao do princpio da incerteza e das solues probabilisticas era de que no micromundo todo evento univocamente determinado, pois o "Senhor no joga dados". Assim, as afinnaes empricas ou normativas das teorias se baseiam nesta suposta caracterstica intrnseca do ser humano ou da natureza, e protegem as teorias de certos questionamentos. Toda vez que se colocar em xeque um conceito ou uma proposio por exemplo, a de que os governos devem ou no ser democrticos ou de que o principio de incerteza no aceitvel - a resposta-chave vai ser procurada fora das teorias, vai ser procurada na metafsica subjacente a elas. Os conhecimentos mtico, metafsico e suas variantes em termos de teorias prcientficas prescindem como vimos, da idia de vercao, uru dos pilares do conhecimento cientfico. impossvel verificar uma hiptese como a de que o cu a morada dos deuses ou de que os objetos tm seu lugar natural ou ainda de que a alma imortal. Uma das coisas que diferencia 4. E. A. BURT, As bases metafiicas da cincia moderna. 5. H. BROWN, Einstein. 33 o conhecimento cientfico das outras formas de discurso (mtica, religiosa e potica) o fato de que suas afirmaes podem ser verificadas, podem ser testados. Este , alis, o critrio de demarca o entre cincia e no-cincia. 6 Uma hiptese ou teoria que, por princpio, no pode ser testada, no deve serincluda no rol da cincia. Isto porque se ela no pode ser testada tambm nada podemos saber sobre seu valor de verdade. Ela passa a ser simples objeto de valorao, ruas no de cincia. Vimos no captulo anterior as diferenas entre as proposies sobre as quais podemos dizer se so verdadeiras ou falsas e aquelas sobre as quais no podemos. 1-l outro tipo de proposio que, pela sua prpria forma, no pode ser verificada. aquela que verdadeira independentemente dos acontecimentos da realidade. A proposio "poder ou no chover hoje" um exemplo disso. Qualquer que seja o comportamento climtico ela ser verdadeira. Este tipo de proposio - cuja forma lgica (pv p), onde p uma proposio qualquer - chamada de tautologia. Existem hipteses ou teorias que podem ser verificadas em princpio, mas no possvel verific-las na poca de sua formulao. Um dos postulados da teoria da relatividade era de que a luz poderia ser deflectida em presena de grandes concentraes de massa. Este resultado terico, alcanado em 1915, s pde ser

verificado em 1919, quando de um eclipse do sol, j que as dimenses das massas envolvidas no experimento de comprovao dessa teoria no poderiam ser reproduzidas em laboratrio. O fato que este experimento era crucial para a teoria, ou seja, poderia derrub-la caso os resultados no fossem satisfatrios. A idia de experimento crucial surge quando existem teorias concorrentes sobre um mesmo fenmeno e preciso decidir por uma delas. O experimento de Lavoisier para testar a existncia do flogLstico foi crucialpara o seu abandono. A pesagem inicial e final dos metais submetidos combusto mostrou que depois de queimados os produtos pesavam mais do que antes, tornando falsa a antiga hiptese de que na combusto o flogisto se desprendia da matria. interessante notar, no entanto, que h um certo expediente utilizado como forma de preservar da falsificao a teoria ou hiptese que est sendo testada. a utilizao das chamadas hipteses ad hoc. So as hipteses auxiliares introduzidas para salvar a teoria de uma evidncia contrria. Quando Lavoisier8 mostrou que o peso do resduo da combusto era maior do que o peso do material antes do processo, os adeptos do flogisto passaram a defender a hiptese de que este tinha "peso negativo", e, portanto, compensaria positivamente depois da queima. Depois da experincia de Prrier, os plenistas diziam que o horror vacui da natureza manifestava-se no barmetro de Torriceili atravs de um fio invisvel preso ao topo do tubo e que sustentava 6. K. POPPER, A lgica da pesquisa cient(fca; idem, Autobiografia intelectual; R. ALVES, Filosofia da cincia. 7. H. BROWN, op. cit. 8. Estes episdios foram narrados por C. HEMPEL, Filosofia da cincia natural. o mercrio. Este fio era o "funculus". Ele era invisvel e, por isso, no poderia ser jamais verificado. Existem muitos casos e teorias que se sustentam pela incluso de novas hipteses ad hoc, chegando at a imunizao completa. Neste momento a teoria no mais poder ser testada, deixando de pertencer ao domnio da cincia. Da verdade Em toda nossa discusso est implcito queexiste alguma coisa que pertence realidade e alguma coisa que se constitui como um discurso sobre esta realidade. A idia de Verdade aparece, ento, como a correspondncia existente entre este discurso e a realidade. Aristteles foi o primeiro pensador a formular esta relao quando definiu a verdade como "dizer do que , que ,edo que no , que no ".9 H, no entanto, um outn- sentido para verdade. quando de sua aplicao a urna realidade. Diz-se de uma realidade que verdadeira em oposio aparente, ilusria etc. Esta tradio de pensar a verdade foi inaugurada por Plato com sua Teoria das Formas (cap. 1) e a pressuposio de que existe urna essncia verdadeira e pennanente em oposio s aparncias, que so fugazes e enganadoras. Atingir a verdade seria, ento, atingir a essncia da realidade. No est em questo aqui o modo como isto ser feito, que necessariamente pela utilizao da linguagem como um mero cdigo de interposio entre a realidade e o sujeito conhecedor, mas sim o fato de que haver um processo de clarificao do real, eliminando-se tudo aquilo que esconde a essncia dos fenmenos, que permanente e verdadeira. Esta concepo tambm chamada de ontolgica, por identificar a verdade com o ser (no sentido de existir) da realidade. Para Plato, assim como para os modernos essencialistas Hegel e Marx, somente a essncia adquire o estatuto de permanente e, portanto, cognoscvel. As aparncias so mistificadoras e escondem a verdadeira natureza das coisas. Esta concepo da verdade temmuitas conseqncias epistemolgicas. A primeiradelas que a verdade - quando encontrada - ser definitiva,

pois a essncia permanente. Assim, verdade e essncia coincidem, emprestando teoria uma caracterstica ontolgica que por si s j oferece uma tendncia imunizao. Se uma teoria verdadeira poue atingiu a essncia da realidade, ento no pode ser refutada. Em segundo lugar, se uma dada teoria considerada verdadeira ento no h nenhum motivo para que se realizem pesquisas, pois a essncia j o conhecimento integral e ltimo da realidade. Esta concepo inibidora da busca de novos conhecimentos e, portanto, do desenvolvimento cientfico. H ainda outra caracterstica do essencialismo, que uma certa viso conspiratria do mundo, coisa que foi bem acentuada 9. J. F. MORA, Diciondrio de filosofia. 35 por Popper. 10 Se a verdade existe, por que no se instaura, no aparece? necessrio, dizem os essencialistas, que se faa sempre um enorme esforo para desvendar a realidade de sua aparncia e falsidade, mas o engano e o en-o retornam sob outra fonua. como se houvesse uma constante luta entre o erro e a verdade e esta ltima perdesse por causa dos interesses egostas de alguns homens ou classes. A concepo marxista a tpica representante desta viso, onde o interesse de classe burgus conspira contra a instaurao da verdade (seja ela no campo terico ou prtico) e do progresso da humanidade. Mas voltemos nossa discusso da verdade como correspondncia entre fatos e teorias. Discutimos no captulo anterior esta relao e mostramos a vulnerabilidade da idia de "fato", mesmodaqueles considerados bsicos. Se a verdade a correspondncia com os fatos, ento, uma vez encontrada uma teoria que lhes corresponda, teremos o seu estabelecimento. Mas quantas verdades no foram abandonadas Quantos fatos e teorias que pareciam definitivamente consolidados no foram corrigidos ou abandonados! A histria da cincia tem mostrado que no existe uma "coisa' '(teoria, proposio ou fato) que possa seriamente ser designada como verdadeira. Existem teorias, proposies e fatos que hoje so verdadeiros, ou o so relativamente a uma certa perspectiva, a um certo contexto. Isto significa que, por princpio, todas as teorias, proposies ou fatos que hoje consideramos verdadeiros podem deixar de s-lo amanh. Ns jamais teremos a completa e absoluta certeza de termos atingido a verdade. 11 Por mais que uma teoria tenha evidncias comprobatrias no h nenhuma garantia de que um fato novo no venha a falsific-la. H uma assimetria - como acentuou Popper 12 - entre a confiimao e a falsificao. Este princpio mostra que uma teoria no fica mais forte e nem melhor com a incluso de novos resultados que a confirmem. Mas, ao contrrio, um inico fato que lhe seja contrrio suficiente para false-la. Poderamos caracterizar a tese da verdade como correspondncia como a Tese dos Dois Mundos: o mundo dos fatos e o mundo das idias sobre os fatos, das proposies e teorias. 13 Segundo esta concepo, o mundo das proposies e teorias "fala"sobre o mundo dos fatos e tenta represent-lo o mais fielmente possvel. A histria da cincia revelaria este esforo derepresentao, bem como a sucessiva aproximao em direo verdade, na medida em que se aproximaria da "representao fiel dos fatos". Nesta medida, seria sempre possvel - para esta concepo - atingir a verdade, pois bastaria a formulao de uma teoria que representasse fielmente os fatos. J discutimos a idia de fatos e mostramos que eles dependem das teorias. No h esse pretenso mundo dos fatos como algo constante e imutvel. 10. K. POPPER, Conjecturas e reflita es. 11. K. POPPER, A lgica da pesquisa cien:(fica. 12. ibidem.

13. 1-la duas revistas que tratam exclusivamente sobre a Verdade, que so Manuscrito e Revista Filosfica Brasileira. Podemos dizer que os dois mundos no so independentes como o realismo ingnuo supe. Mas, ento, o que podemos aceitar como sendo a verdade da Verdade? Desde meados do sculo XIX vem ocorrendo um distanciamento e um crescente abandono da noo de verdade no campo das cincias naturais. O rpido progresso cientfico e a refutao das grandes teorias clssicas, paradigrnas de verdade e coerncia, geraram uma certa instabilidade na cincia. Como postular a veracidade de uma teoria se, a qualquer momento, ela pode ser refutada e substituda por outra? Isto levou caracterizao das teorias (principalmente na fsica) como meros instrumentos de entendimentos dos fatos e no propriamente como verdades sobre eles. De qualquer maneira, a concepo da verdade como correspondncia entre os fatos e as proposies e teorias aceitvel desde que sejam feitas algumas ressalvas: 1. No existem dois mundos contrapostos como odos fatos e o das teorias. Eles so interdependentes; 2. No podemos chegar a verdades definitivas; 3. Os fatos bsicos so aceitos convencionalmente e podem ser modificados com o avano da cincia; 4. Uma teoria ser verdadeira no por estar adequada realidade, ruas por explicar certas ocorrncias melhor do que outras teorias concorrentes, ou por no ter sido falseada. Com estas ressalvas nos aproximamos da concepo popperiana da verdade, isto , a de que no temos nenhuma garantia de a termos atingido. Esta concluso pode parecer um pouco pessimista ou at mesmo decepcionante. Mas, no entanto, sua aceitao nos parece urna condio fundamental de aceitao do progresso cientfico. Como poderamos aceitar o fato de que a cincia se modifica, progride, se no aceitarmos que as verdades so transitc5rias? Bibliografia ALVES, R. Filosofia da cincia. SP: Brasiliense, 1983. BROWN, H. Einstein. SP: Brasiliense, 1984. BURr, E.A. As bases metafsicas da cincia moderna. Brasflia: UnB, 1983. FOUCAULT, M. A verdade e as formas jurdicas. SP. HEMPEL, C. Filosofia da cincia natural, RI: Zahar, 1981. 37 Larousse World Mythology. Hamlyn, Londres, 1965. Manuscrito. Vol. VI, Unicamp, 1983. MORA, J. F. Dicionrio de filosofia. Maciri: Alianza Ed., 1986. Revista Filosofica Brasileira. Vol. III, n. 1, UFRJ, 1986. Captulo III A EXPLICAO CIENTFICA Heitor Matalio Jr. O tema da explicao cientfica surge dentro de urna expectativa que j foi abordada nos captulos anteriores, que a da busca da universalidade e da formulao das leis sobre as regularidades. Nestesentido, uma primeira aproximao para uma discusso mais detalhada surge com uma noo que muito comum tanto entre cientistas como no pensamento comum. a noo de causalidade que passaremos a discutir. 1. Causalidade Comearemos nossa discusso apelando novamente para Plato, que atravs de Mnon 1 nos diz:

Pois estas (as opinies certas) enquanto permanecem, valem um tesouro e s produzem o que bom, mas no consentem em permanecer muito tempo na alma do homem e no demoram muito a escapar, a fugir, o que faz com que no tenham muito valor at o instante em que o homem as amana, as encadeia, as liga por um raciocnio de causalidade. Nesta citao aparece uma idia que no tnhamos trabalhado ainda. a causalidade. 1. PLATO, Mnon. 39 A noo de causa atingiu um lugar importante tanto no senso comum como na cincia. Todos ns usamos cotidianamente expresses onde um princpio de causalidade o motu da explicao. Digo "um princpio" porque no h unifonuidade em seu uso, como, por exemplo, quando dizemos: 1) Maria se casou com Paulo por causa de seu dinheiro. 2) Os milagres tm causa desconhecida. 3) O universo existe somente atravs de Deus. 4) O aumento da presso de um gs em volume constante ocasiona um aumento de sua temperatura. 5) A toda ao corresponde uma reao de igual intensidade e de sentido contrrio. 6) A radioatividade causa mutaes genticas. 7) A crise econmica, a agitao social e a corrupo geraram o golpe de 64. 8) A ingesto de 5g de cianureto causa inevitavelmente a morte nos animais com peso inferior a 350 Kg. Todos osexemplos apresentam alguma espcie de reta o entre eventos diferentes. O exemplo 1 relaciona, em um caso particular, o dinheiro de Paulo com um casamento. A relao de carter acidental, pois se refere a um nico caso e no pode ser estendida, como fator explicativo, a outros casamentos. O exemplo 2 um estranho caso de uma relao onde s se conhece um dos componentes. Neste caso, h uma suposio apriorstica de que existe um evento anterior tal que o responsvel e o gerador do milagre. O exemplo 3 o de uma causa primeira e necessria que gera todos os outros eventos do mundo. Neste caso, qualquer evento pode ser reduzido a uma srie cujo primeiro fator Deus. No exemplo 4, o aumento da presso no causa um aumento de temperatura, pois presso e temperatura so expresses de uma nica e mesma coisa, que a energia cintica das molculas. Assim, quando aumenta a energia cintica das molculas de um gs a volume constante, isto vai ser refletido no aumento da presso e da temperatura. Aqui no h um "antes" e um "depois". So eventos concomitantes e, pela prpria forma do enunciado, universais. Da mesma forma o exemplo 5. A aplicao de urna fora no causa um outro evento que seria a reao contrria. S podemos dizer que uma fora de tal magnitude e em tal direo foi aplicada porque h uma fora em sentido contrrio e de mesma intensidade a obstru-la. Neste caso tambm no h um "antes"e um "depois". Nos casos 4 e 5, as afirmaes so invariantes e de carter necessrio, aparecendo como leis. Os exemplos 6, 7 e 8 so diferentes dos anteriores. No 6,afirma-se que existe uma relao entre fenmenos, mas no se pode afirmar nem "como" e nem "quanto" o evento radioatividade causa o evento mutao. Neste caso, a relao aparece como necessria, mas indeterminada. No exemplo 7 expressa um evento que multideterminado, isto , existem vrias causas, mas no se sabe a importncia especfica de cada uma delas na determinao do fato. Neste caso no se pode estabelecer uma relao de invarincia entre as condies do fato e o

prprio fato, j que se trata de um evento particular. Mesmo que fonnulssemos uma proposio geral na qual aparecessem somente as condies gerais iniciais e o fato "golpe de estado", como em "A crise econmica, a agitao social e a corrupo geram golpes de estado", isto seria facilmente falsificado, pois existem exemplos onde as condies esto dadas e no h golpes de estado. Em ambos os casos aparece a idia de sucesso, onde um evento anterior causa um outro evento posterior. Aqui se nota o "antes" e o "depois" do processo. O exemplo 8 - que do mesmo tipo do anterior - tem, no entanto, uma diferena que expressa pelo fato de ser um fenmeno quantitativamente preciso em sua determinao, de tal maneira que sabemos o "como" e o "quanto" de certa substncia causam a morte em certos animais. Analisando os exemplos anteriores e agrupando-os segundo as caractersticas comuns, podemos destacar trs tipos de uso para o conceito causa: a) Relao Acidental entre Eventos Diferentes (ex. 1 e 7). Este tipo de utilizao de causalidade prprio das explicaes de senso comum. No h apreocupao de formular uma lei invariante que possa ser til na explicao de outros eventos similares. Por isto, este tipo de utilizao est fora da cincia. Mesmo o exemplo 7 s aparentemente cientfico. A simples enumerao do que se supe serem as causas do golpe de 64 no transfonna a proposio em verdadeira. Ademais, a proposio - mesmo que transformada numa proposio universal, como na descrio do exemplo 7 - seria factualmente falsificada. Ela pode, no entanto, ser utilizada (como de fato o ) nas descries dos perodos histricos, mas como fator explicativo de muito pouco valor. b) Relao Invariante e Necessria entre Eventos Diferentes (ex. 6). Esta a fonna mais tradicional de entendimento de causalidade e, em sua genealogia, encontra-se o pensamento grego como o mais importante precursor. A idia que aparece como principal a ocorrncia de eventos sucessivos no tempo e de que tal sucesso tem carter necessrio, isto , dado um certo evento A, ocorre sempre um outro B. Esta inteipretao de causalidade tem um inportante papel na explicao cientfica porque permite, de um lado, a previso de uma ocorrncia e, de outro, a inferncia de que um evento ocorreu no passado com base na anlise do presente. O exemplo 6 representa urna lista de outras situaes similares como em: movimentos tectnicos geram terremotos; 41 o excesso de iodo provoca distrbios na tireide; a produo cientfica reduz a dependncia tecnolgica; a escassez de alimentos provoca aumentos inflacionrios, onde a regra o estabelecimento de uma relaono-determinada, onde dado o evento A (nos casos acima a primeira parte de cada pruposio) possvel se saber que ocorrer o evento B (a segunda parte da proposio), mas no de fonna precisa. Sabemos que ir ocorrer, mas no sabemos quando. Esta forma geral de cau'a [idade - como um princpio que estipula urna relao qualitativa entre eventos, sem que seja possvel a sua detenninao precisa - foi amplamente utilizada por todos os pensadores antes do nascimento da cincia moderna. Mas o desenvolvimento da cincia nos sculos XVI e XVII no se confonnou com a vaguidade do princpio e engendrou uma nova exigncia: foi a Determinao dos fenmenos. c) Relao Invariante, Necessria e Determinada entre Eventos Diferentes (ex. 4, 5 e 8).

Aqui comea verdadeiramente a explicao cientfica. o momento em que uma relao pode ser no apenas estipulada, ruas tambm determinada, isto , podemos dizer o "como", o "quando" e o "quanto" da relao. Historicamente, foi a teoria newtoniana a primeira fomiu1a estruturada em tennos de um detemiinismo causal estrito e com o instrumental adequado para realizar as tarefas de uma teoria cientfica tal como concebemos hoje. Esta teoria ofereceu uma imagem do mundo como sendo totalmente previsvel e passvel de conhecimento desde que as condies iniciais de posio e velocidade dos corpos fossem conhecidas. A estruturao da mecnica se fez tendo por base as conhecidas trs leis de Newton, que durante muito tempo todos pensaram ser insuperveis. E isto devido ao fato de que elas apareceram como verdadeiras leis da natureza. No seimaginava que elas pudessem, um dia, ser falsificadas ou mesmo abandonadas em favor de uma teoria melhor. Alis, at hoje, se aprende nas escolas a mecnica clssica e no a relativstica. Vimos no captulo anterior que a idia de verdade muitas vezes foi tomada como absoluta por uma incorreta identificao entre teoria e realidade. Quando se pensa que uma determinada realidade est totalmente expressa numa teoria e que podemos indistintamente falar de urna e de outra como sendo equivalentes, ento estamos prontos a nos chocar e at mesmo a recusar urna nova descoberta que no se encaixe na teoria. Esta confuso deriva de urna identificao errnea que, s vezes, se faz entre a linguagem e a realidade. No caso do princpio de causalidade, esta confuso j foi tanto cometida quanto extensamnente criticada. Nos trs tipos de interpretao da causalidade que abordamos, podemos notar que foi estendido a um "princpio do entendimento" uma caracterstica que em filosofia se denomina de estatuto ontolgico, ou seja, que uma caracterstica das coisas. Assim, tanto os fenmenos que se quer explicar quanto o princpio que os explica acabam por ter o mesmo status: o de existirem na natureza. 2 Esta posio que foi amplamente difundida e defendida pelos escolsticos, foi primeiramente criticada por David Hume em seu livro Investigao sobre o entendimento humano, publicado em 1749. Empirista radical, Hume criticou severarnente a idia da causalidade como uma concepo apriorstica e injustificada da relao entre fenmenos. Para ele, o que chamamos de causas e efeitosnada mais so do que acontecimentos que se sucedem no tempo e que ns nos habituamos a ver juntos. O efeito sempre difere radicalmente da causa e no ;i nenhum indcio de um fenmeno no outro. Portanto, se deparamos com um fenmeno nunca antes visto, nunca saberemos o que lhe suceder ou o que o antecedeu, porque s a experincia que pode nos fornecer a idia de sucesso e, portanto, de causalidade. Diz Hume: Toda crena numa questo de fato ou de existncia real deriva de algum objeto presente memria ou aos sentimentos, e de unia conjuno habitual entre esse objeto e algum outro. Ou, em outras palavras: aps descobrir, pela observao de muitos exemplos, que duas espcies e objetos, como a chama e o calor, a neve e o frio, aparecem sempre ligadas, se a chama ou a neve se apresenta novamente aos sentidos, a mente levada pelo hbito a esperar o calor ou o frio e a acreditar que tal qualidade realmente existe e se manifestar a quem lhe chegar mais perto. (ji 153) Assim, para Hume, o princpio de causalidade no da natureza, mas de urna expectativa psicolgica que ns criamos e alimentamos. O ceticismo de Hume quanto s explicaes causais foi seguido por Bertrand Russeil, que aprofundou sua crtica. ' Ele comeou por questionar as prprias idias de evento e de sucesso, mostrando que ambas s resistem quando so definidas sem preciso. Em primeiro lugar, porque o que chamamos de "evento" depende do estgio de nossos conhecimentos e no da prpria natureza. Quando dizemos, por exemplo, que todos os

corpos caem, estamos fazendo urna afirmao ques servir cincia moderna se for seguida de dados sobre a velocidade da queda, do tempo e da variao desta velocidade em relao altitude e latir de. Isto porque - diferentemente do estgio pr-cientfico, onde a explicao era apenas qualitativa e/ou metafsica - a quedas dos corpos um fenmeno explicvel quantitativamente. Alm disso, seu estudo s poder ser realizado eficazmente se levannos em conta as variveis intervenientes, como, por exemplo, a altitude. Isto porque, a depender da altitude, nem mesmo poder haver queda. A segunda crtica de Russeil foi em relao sucesso. Segundo ele, a causalidade se pauta na idia de que entre a causa e o efeito existe um certo 2. Ver E. NAGEL, La estructura de la ciencia e WARTOFSKY, Introduccin a la filosofki de la ciencia. 3. D. HUME, Investigao sobre o entendimento humano, in Os pensadores. 4. B. RUSSELL, Misticismo e lgica. 42 43 intervalo de tempo t que finito. Mas se existe um intervalo de tempo entre duas ocorrncias, ento, o que acontece (ou existe) neste intervalo? Se acontecer (ou existir) alguma coisa, ento esta "coisa" que ser anterior ao efeito e no a causa pressuposta. Se levarmos o argumento s ultimas conseqncias, poderemos ainda dizer que entre a causa e o efeito existem infinitas ocorrncias, j que entre um evento e outro haver um lapso de tempo que, mesmo finito, pode ser infinitamente dividido. Logo, nunca poderemos saber qual a causa dos eventos. Por outro lado, no podemos admitir que nada existe entre a causa e o efeito, pois neste caso estaramos supondo que nointervalo t (por menor que seja) houve um vazio e, dessa forma, seria o nada que antecederia o efeito. Assim, estaramos implicitamente admitindo que do nada pode ser gerado algo. Estas objees feitas por Russeil so de natureza lgica e expressam enonnes dificuldades no tratamento da questo. Mas, ento, como trabalhar com a idia de causalidade? A melhor maneira de faz-lo abandonar a polmica de se tal princpio ocorre ou no na natureza, mesmo porque ns no podemos afimiar que a natur'za tem o propsito de realizar este ou aquele princpio. Devemos tornar a causalidade como uma suposio, como um guia para a explicao e a formulao dos "encadeamentos racionais" de que nos fala Plato. Este guia pode exercer a funo de um princpio heurstico, de um princpio gerador de pesquisas e, em ltima amiuise, gerador de conhecimentos. Quando se postula que um determinado fenmeno tem iima causa, toma-se necessrio que estabeleamos a relao que ele tem com outro evento diferente, e que enunciemos isto na forma de leis, mesmo sabendo que tal formulao poder ser refutada e, na verdade, ela dever ser refutada para que haja desenvolvimento cientfico. A importncia do princpio de causalidade est em assimilar que o conhecimento cientfico deve se expressar na forma de leis, deve ser "amarrado" pelo raciocnio de causalidade como condio de possibilidade de si mesmo. 2. Teorias e leis Vimos no captulo 1 que as teorias se apresentam como estruturas, como cadeias de cognio que visam a explicao de fenmenos de maneira a encaix-los em explicaes universais.Este requisito bsico da universalidade se impe em funo de uma outra caracterstica, que a predio. Explicao e predio so ambas traos essenciais das teorias. Poderamos at dizer que a predio um tipo de conseqncia da explicao, j que no se concebe uma explicao cientfica que seja aplicvel a um nico caso. A explicao cientfica deve se aplicar a vrios casos, pois se organiza em

funo das regularidades que encontra ou postula, se organiza na forma de Estruturas Tericas. Neste sentido, a noo de causalidade, que acabamos de examinar, exerce uru importante papel. Ressalvado o seu carter no-ontolgico, a causalidade expressa os traos de universalidade e preditividade das teorias na medida em que postula relaes universais, necessrias e determinadas entre eventos. Foi Carl Hempel5 quem formulou de maneira precisa o modelo da explicao cientfica. Num artigo publicado em 1948, 6 ele exps a pauta bsica da explicao cientfica, o modelo NOMOLGICO-DEDUTIVO de explicao. Para ele, toda explicao cientfica segue fonnalmente o mesmo padro, que pode ser caracterizado como um conjunto de proposies de diferentes graus de generalidade, mas seguindo urna espcie de hierarquia, de ordem. Os exemplos a seguir podero ilustrar isso: Todos conhecem o fenmeno da formao de umidade e gotculas de gua ao redor de um recipiente que se enche de gua gelada. A depender do recipiente, este fenmeno se dar com maior ou menor intensidade. A explicao disto envolve, alm de algum tipo de conhecimento ou pressuposio emprica, a aceitaode leis gerais para que a explicao seja satisfatria. Devemos inicialmente aceitar o fato evidente de que: a) A gua do recipiente est numa temperatura menor do que o ar circundante. Alm disso temos que aceitar que: b) O ar contm gotculas de gua na forma de vapor. c) O resfriamento do recipiente provocou um resfriamento ao seu redor e, por esse motivo, liquefez o vapor d'gua. d) Sempre que vapor d'gua encontra uma superfcie suficientemente fria ele se liquefaz. Todas estas clusulas (com exceo da a) so estipuladas depois de realizarmos algum tipo de reflexo sobre o fenmeno. Normalmente, para o senso comum, esta reflexo no ocorre. Se perguntada para algum sobre o "porqu" da formao de umidade, uma pessoa comum responderia que " porque a gua est gelada". Isto : o pensamento comum utilizaria o fenmeno para explicar o fenmeno. Devemos agora "arrumar" estas proposies para que fiquem numa certa ordem dedutiva, a fim de que nosso problema inicial - a formao de umidade num recipiente com gua gelada - aparea como concluso de um raciocnio do tipo dedutivo. Teremos, ento, um encadeamento do tipo: 1) Sempre que vapor d'gua encontra uma superfcie suficientemente fria ele se liquefaz. 5. C. HEMPEL, Lt explicacin cient (fica; idem, Filosofia da cincia natural. 6. Idem, The logic o! expIa nation in philosophy of science, p. 135-175 (Vol. 15), repmduzido em Lii explicacin cientfica (op. cit.) 2) O ar contm gotculas de gua na forma de vapor. 1) Todo meio material provoca refrao da luz. 3) A gua do recipiente est numa temperaturamenor do que o ar circundante. 4) A gua provoca um resfriamento da superfcie do recipiente. 5) (Logo) H foirnao de vapor d'gua na superfcie de um recipiente quando este for enchido com gua gelada. Aqui, as proposies 1, 2, 3 e 4 aparecem como antecedentes da concluso (proposio 5), que era o nosso problema inicial. A proposio 1, pela sua prpria forma, tem um carter de generalidade e de lei, embora a palavra "suficientemente" exija uma definio, mas precisa das outras condies iniciais. Isto porque a liquefao depender da diferena de temperatura entre o ambiente e o recipiente e da umidade do ar. Num

ambiente muito seco (umidade baixa), a diferena de temperatura dever ser maior para provocar o fenmeno. De qualquer maneira, a proposio 1 pode ser aceita como estando na forma de lei. Alm disso, existem outras suposies (Leis Gerais) embutidas nesta explicao e que ns no esboamos por j serem de aceitao geral, por estarem assimiladas s concepes correntes. o caso da aceitao de que a gua resfria o recipiente. Est embutido nisto que as substncias se aquecem e que este calor pode ser transmitido. Que diferentes substncias se comportam de diferentes maneiras frente ao calor etc. Estas suposies, que derivam da teoria do calor so levadas em conta na explicao, embora no precisem aparecer expressas no encadeamento dedutivo. Se isto fosse necessrio, certamente a explicao de um simples fenmeno de formao de umidade teria que ser feita gastando-se quilos de papel. Se colocamios uma barra parcialmente submersa em gua(exemplo citado no captulo 1), teremos a impresso de que est torta ou quebrada. A explicao deste fenmeno pode ser formulada estipulando-se que: 1) O ndice de refrao do ar menor do que o da gua. 2) A gua mais densa do que o ar. 3) Num meio mais denso, a luz se propaga a menor velocidade. 4) A refrao da luz da parte da barra que est fora da gua, em relao parte que est dentro da gua, ocorre com um ngulo que depender do ngulo de imerso da barra e do tempo adicional que a luz levar para percorrer o volume de gua. 5) Percebemos, portanto, a barra como estando torta ou partida. Da mesma forma que no exemplo anterior, podemos arrumar o nosso problema de tal maneira que ele aparea como concluso de um raciocnio dedutivo baseado nas leis da tica geomtrica: 2) O ndice de refrao da luz no ar menor do que na gua. 3) Num meio mais denso, a luz se propaga a menor velocidade. 4) A refrao da luz na parte da barra que est fora d'gua, em relao que est submersa, ocorre com ngulo que depender do ngulo de imerso da barra e do tempo adicional que a luz levar para percorrer o volume de gua. 5) Em vista disso, percebemos a barra como estando torta ou partida. O nosso exemplo tem agora a fonna de um argumento onde as proposies 1, 2 e 3 so Leis Gerais da tica e a proposio 4 uma condio inicial do problema, onde o ngulo de imerso dever ser mencionado para sabermos o quanto de "toro" haver na barra. A proposio 5 aparecer como concluso do argumento. Em ambos os exemplos, o esquema de apresentao dos argumentos foi omesmo: Leis Gerais, condies iniciais e concluso. Na formulao de Hempel, esse o esquema Nomolgico - Dedutivo da explicao cientfica: Explanans Explanandum E L1, L2 , L Leis Gerais C1 C2 , C Condies Iniciais Concluso Hempel d o nome de Explananduin (aquilo que deve ser explicado) proposio que especifica o problema ou fenmeno, e de Explanans (aquilo que explica) ao conjunto de Leis Gerais e das condies iniciais. A relao entre Explanandum e Explanans dever ser, ento, a de adequao a fim de que possa haver, de fato, deduo. Neste esquema fica evidenciada a relao entre explicao e predio. Quando as condies iniciais estiverem dadas - e de posse das Leis Gerais - poderemos prever E antes que ele tenha ocorrido. Dados L1 , L2 , L,, e C1 , C2 , poderemos deduzir E. O caminho inverso

tambm deve ser verdadeiro. Dado E, podemos inferir a existncia de certas condies gerais iniciais C1, C2 , e a vigncia das Leis L1 , L2 , L, no passado. Assim, as condies lgicas de adequao entre Explanandum e Explanans, necessrias para a explicao, devem ter os seguintes requisitos : 1. O Explanandum deve ser uma conseqncia lgica do Explanans, deve ser dedutvel dele. 2. O Explanandum no pode ter mais informao que o Explanans. 3. O Explanans deve ter conteiido emprico, isto , deve haver pelo menos uma