cemiterio de santa isabel mucuge_cbha2008
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CEMITRIODESANTAISABELDEMUCUG:umaarquiteturapeculiarque
visapreservaramemriadosentesqueridos(BA).
MariaEliziaBorges
FAVUFG/CBHA
RESUMO: Uma anlise iconogrfica dos jazigos instalados no Cemitrio de
Santa Isabel (1855) situado na cidade de Mucug, cravada na Chapada
Diamantina, tombado pelo IPHAN em 1980. Uma das partes do cemitrio
contmtmulos instaladossobrepedras,construdosdetijolos, revestidosde
rebocoecaiadosdebrancoseguindoumpadromuitosingular,denominados
pelapopulaodebizantino.
PALAVRASCHAVES: Cemitrio brasileiro, arquitetura peculiar, sculo XIX,
Bahia.
ABSTRACT: An iconographic analyses of tombs of the Cemetery of Santa
Isabel (1855), of the city of Mucug, Bahia, in the depths of the Chapada
Diamantina,registeredasNationalHeritageby IPHAN InstitutodoPatrimnio
HistricoeArtsticoNacional,in1980.Thecemeteryhastombsbuiltuponthe
rocks,withbricksandstucco,paintedinwhite, followingasingular patternof
construction,namedbythelocalsByzantinestyle.
Keywords:Braziliancemeteries,exoticarquitecture,Bahia,XIXCentury.
A presente comunicao objetiva identificar aspectos das imagens
visuais capturadas durante a pesquisa de campo, realizada no Cemitrio de
SantaIsabel,situadoanoroestedacidadedeMucug,encravadanaChapada
Diamantina,tombadopeloIPHANInstitutodoPatrimnioHistricoeArtstico
Nacional, em1980(IPAC,1980,v.IV,pp.265266).
Historicamente, a cidadedeMucugdestacouse por ser o bero do
ciclododiamantenaregionoinciodosculoXIX.AsLavrasDiamantferas,
segundo consta histria da regio, foram descobertas pelo garimpeiro
CazuzadoPrado,em1844,quandopassavapeloRioMucug.Acidadeest
ainstalada numa baixada, contornada por grandes serras, grutas, abismos e
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rios, distando 458 km de Salvador. Esta vasta extenso territorial pertencia
anteriormenteaoSargentoMorFranciscodaRochaMedrado,poderososenhor
deterrasedeescravosdesdeostemposprovinciais.Seusdescendentesainda
tmgrandepoderpolticoeeconmiconaregio.
Em1822,osexploradoresSpixeMartiusjcitavamaSerradoSincor,
situadanosvalesdosriosParaguaueContas.Aregiohojedenominadade
polgono das secas, e abrange osmunicpios de Andara, Barra daEstiva,
Palmeiras,PiateRiodasContas.Tratasedeumatopografiaacidentada,que
atravessaaCordilheiradaChapadaDiamantinaeaSerra.
OmunicpiodeMucugfoifundadooficialmenteem17demaio1847.
Comotempo,chegouaabrigarcercadevinteecincomilpessoasoriginrias
deMinasGerais de estrangeiros de origem rabe, judaica e francesa e de
centenasdeescravosvindosdafrica.Aprosperidadevividanapoca fazia
com que o Coronelismo local desfrutasse da arte e da moda europia,
importando artigosdeluxocomopianos,vesturios,porcelanas,enfim,objetos
queostentavamariquezaprovenientedodiamante.
Este crescimento urbano descontrolado causou tambm diversos
problemassociais, inclusiveocorrnciadaepidemiadeCleraMorbus,efoi
nestemomentodegrandemortalidade,quesurgiuanecessidadedainstalao
doCemitriodeSantaIsabelem1855,pelamunicipalidade.
Onomeatual da cidade, oficializado em1917, temcomoorigemuma
fruta adocicadaquecresceasmargensdos riosdaChapadaDiamantinao
mucugezeiro (apocynacae) nome indgena. Foi chamada anteriormente de
Santa Isabel do Paraguau, depois de So Joo do Paraguau. A cidade
passouaserComarcaatravsdoDecretoLeino.512,de19dejunhode1943.
Na dcada de 1870, a explorao do diamante entrou em crise, e a
populao local voltou a dedicarse a criao de gado, ao cultivo do caf e
cereais,avendadeescravos,umaformadecompensaraescassezdapedra
preciosa(FUNCH,1997,p.114).
Anteriormente,ossepultamentosocorriamnointeriordasigrejasdeSo
Joo Batista e de Santa Isabel, ou nas proximidades, conforme o costume
nacional.Oenterramentono interiordas igrejascontrariavaaCartaRgiade
1801, promulgada pelo Imperador D. Pedro I, em 1828, que proibia os
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sepultamentos nosolo das igrejascatlicas e recomendava a construo de
cemitriosextramuros.
NaprimeirametadedosculoXX,aregiopassouporumadecadncia
econmica,somadacomaentradadoMovimentoRevolucionrioda Coluna
Prestesem1926,expulsaaseguirquecausouoxodopopulacional.
AeconomialocalrecuperousecomaexploraodoscamposdeSempre
Viva,plantaquetemcercade400variaesnoscamposrupestresdaregio
comoagronegcioecomoturismoecolgico.AssimoCemitrioSantaIsabel
tornouse ento um referencial turstico da cidade, dada a sua estrutura
arquitetnicaesuapaisagemprivilegiada.Em2007,odadodorecenseamento
populacionalfez umaestimativade14.131habitantesnomunicpio.
Mucug ainda conserva aspectos da cidade colonial, com suas ruas
alongadas, casas de parede meia, janelas de madeira e telhados de duas
guas.Alguns hbitos religiosos perduramcomoo ritual da Lamentaodas
Almas, que ocorre durante a quaresma homens e mulheres desfilam pelas
ruas da cidade envoltos em lenis brancos, seguem o percurso at o
CemitrioSantaIsabel,el,entoamcantosfnebresnoatodeencomendaras
almasdolugar.
A construo do Cemitrio de Santa Isabel foi definida pela Cmara
MunicipaldaentoSantaIsabeldoParaguauem1.deoutubrode1855,em
funodaterrvelepidemiadeCleraMorbusqueassolavaoEstadodaBahia,
conformecitamosacima.Omunicpiocriouumacomissoparadefiniro local
ideal para se construir o cemitrio pblico, que foi composta pelo mdico
Francisco de Paula Soares, pelo delegado e pelo vigrio da cidade. Nesta
escolha, ficaclaro a importncia e a premnciadeseconstruirum cemitrio
secularizado.Olugarescolhido teriaqueser foradacidade, longede fontes
dqua,emterrenosaltosearejados,ondeosventosnosoprassemsobrea
cidade,seguindoassim,asnormashigienistasimplantadasnosculoXIX.
Olocal indicado,segundoconstanaAta, foipertodabiguinha, isto,
nosopdeumadaselevaesdaSerradoSincor.Podesevisualizarotodo
docemitriopelaestradaquepassaemparaleloaomurosimplesquelimitaa
primeirapartedocemitrio,abrigadanumterrenodealuviodoVale(MATTOS,
2008).
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Naprimeiraparteestoinstalados,demodoaleatrio,osjazigossimples
caiados de branco em formatos variados, e as covas rasas identificadas
apenas pelascruzes demadeira. Todas estas sepulturas esto entremeadas
porumtipovegetaodenominadadeDracena,conhecidacomoPaudgua.
Noexistenenhumelementoquefaciliteaidentificaodostmulos.
Nasegundapartedocemitrio,osjazigosestosobreoterrenorochoso
da encosta da Serra do Sincor, alinhados horizontalmente, numerados
sequencialmente, voltados para frente do cemitrio, acompanhando a
topografia da encosta da Serra (FIGURA 01). Estes patamares esto
entremeados por valas repletas de vegetao nativa da regio (flores do
cerrado como os mandacarus, as semprevivas, os olhos de sogra, as
samambaias).
Dentro desta visualidade espacial atpica impacto do branco entre o
verde e o cinza evidenciamse as distines sociais daqueles que ali
repousam em ambas as partes do cemitrio. Num primeiro olhar, vse
somenteosjazigosinstaladossobreaspedras.Elessoconstrudosdetijolos
revestidos de reboco e caiados de branco, ornamentados com elementos
arquitetnicos clssicos e medievais, designados pela populao local de
bizantino. A origem dessa denominao desconhecida, e assim que o
cemitrioconstanoprocessodetombamentodoIPHAN.
Esta parte do cemitrio agrupa formas reconhecidas pela historiografia
da arte, todavia de ummodomuito peculiar, que ns faz remeter a valores
estabelecidos pela arquitetura vernacular, que carrega no seu bojo certo ar
genuno.Possivelmenteeleestemconformidadecomareligiosidadepopular,
e com ornatos facilmente reconhecidos pelos imigrantes que ali vieram em
meados do sculo XIX. Cabe aqui, mediante a variao dos adornos
levantados e de como esto inseridos nos jazigos, constatar a sua feio
mediterrnea,everificararefernciasacranoCemitrioSantaIsabel.
Hnotopodealgunsjazigos,umaversodeabbadaqueseemprega
com freqncia dentro da arquitetura religiosa. As abbadas de bero
convergem para um pilar arrematado por um pequeno pinculo, que tem a
funo de telhado da base do monumento, local da instalao dos caixes
(Figura02).Asabbadasembarretedeclrigo tambmestoassentadasna
base,bemcomoosdiversosmodelosdepirmides,quesoemmaiornmero.
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Seriamestestmulos/pirmidesdemaonsmucugeenses?Sabesedovnculo
desta instituio inicitica, filantrpica e educativa com a representao da
culturaegpcia,edoempregodestessmbolosemseustmulos.Haviaento
umaquantidaderepresentativademaonsnacidade?
Muitos jazigos da ala esquerda do cemitrio utilizam a espessura do
rebocoparagravarembaixorelevo:nasbasescomformasgeomtricasnas
colunas e pilastras com flores estilizadas nas verses de arcos ogivais e
romanos com gregas geomtricas e florais. O panorama geral do cemitrio
causa certo estranhamento ao espectador por agrupar certos elementos
decorativoscomo oscoruchus,colocadosnapartesuperiordasconstrues
sobaformadepequenaspirmides,edepinculos,queremetemaoformato
dopinheirorvoredavida.
Asbasesdos tmulosseriamas representaesdeumaoutravariante
de urna funerria? As colunas ou pilares que sustentam os arcos teriam a
funo de arrematar a urna ou de instalar um tipo de teto originrio do
mediterrneo? Desde a instalao do cemitrio os construtores optarampor
estetipodepadroestilstico?
Aaladireitadocemitrioconcentraumasriede jazigosdeportemais
simples.Sopequenoscubospassveisdeguardarapenasumaurnafunerria.
Algunspossuemumafrontariaanlogaadeumaigrejadefrontotriangular,s
vezes identificada pela cruz latina. Os construtores estariam aqui
miniaturizandoasfachadasdasigrejasdeSoJooBatistaedeSantaIsabel?
OCemitrioSanta Isabeldesprovidodeescultura funerria,eexistem
poucos relevos esculpidosnosmoldesda figuraoclssica.H, todavia um
modelodejazigocobertopormodilheselementosdamsulaemformadeS
alongado equese reproduzat nos dias atuaisnoCemitrio de Igatu, ao
lado da Capela de So Sebastio, distrito de Andara (FIGURA 03). Uma
tentativadolugarejodetornarsetambmrefernciaatravsdeseucemitrio.
Caberia fazer uma pesquisa em outras cidades da regio para saber se a
tipologiarecorrente.
Em que medida o conhecimento artstico e cultural dos dirigentes de
Mucug contribuiu para a consolidao dos jazigos de relevante interesse
arquitetnico? Mesmo sem aprofundar esta questo, podese afirmar que a
iniciativadapopulaolocalemencaminharoprocessodetombamentofoium
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avano para cultura do Estado da Bahia, pois, existem poucos cemitrios
tombadosnopas.Aqui,seprezapelaoriginalidadedoconjuntoarquitetnico
cemiterial.
Dadarelativahomogeneizaovisualdosjazigosinstaladosnaencosta
da Serra do Sincor, teramos como traar uma linha cronologia dos
monumentos? Pela numerao dos jazigos, percebese que o cemitrio foi
ocupadoemfunodospatamaresdaencostadaSerradoSincor,debaixo
para cima, e algumas vezes construdos de forma geminada. Poderamos
tambm considerar os epitfios, mas eles so escassos, e os mais antigos
datamde1909e1915.Caberiaquestionarasfeiesdaaladireitaeesquerda,
e afirmarqueosconstrutores atuaisseguemomodelo j estabelecidopelos
tmulosjexistentes,porsetratardeumespaoreconhecidocomopatrimnio
nacional.
Enfim,tratasedeumcemitriosecularizadoemplenofuncionamento.A
especulaotursticadaregiopoderconsideraroscemitriosdeIgatuede
Mucugcomolugaresdememriadiferenciados,pois,noseguemopadro
estticoetopogrficoimplantadonosdemaiscemitriosdopas.
REFERNCIABIBLIOGRFICA
FUNCH, Roy. Um Guia para o visitante da Chapada Diamantina. Salvador:
SecretariadaCulturaeTurismo:EGBA,1997.
MATTOS,CibeledeALMEIDA,RafaelaCarolineNoronhaDOURADO,Marlia.
Cemitrio deMucug em busca de uma identidade.Goinia: III Encontro da
ABEC,UFG,2008.
MUCUG. Disponvel em http:// www.wikipedia.org./wiki/mucug%C3 %AA.
Acessoem:30agosto.2008.
MUCUG.Disponvelemhttp://www.ferias.tur.br/informaes/853/mucugeba.
Html.Acessoem:30agosto.2008.
SPIX,JohannB.MARTIUS,CarlF.ViagempeloBrasil.Vol.2.BeloHorizonte:
ItatiaiaSoPaulo:EDUSP,1981.
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MARIAELIZIABORGES:
professoraAssociada deHistria daArte na Faculdade deArtesVisuais daUniversidade Federal de Gois. Pesquisadora do CNPq. Ministra aulas noMestradoemCulturaVisualFAV/UFGenoDoutoradoemHistriaFFCH/UFG.TemartigospublicadosnopasenoexteriorsobreartefunerrianoBrasil.Livrospublicados:ApinturanaCapitaldoCaf :suahistriaeevoluonoperododaPrimeiraRepblica.Franca:UNESP/Franca,1999ArtefunerrianoBrasil (18901930) ofcio de marmoristas italianos em Ribeiro Preto = Funerary Art in Brazil (18901930): italian marble carver craft in RibeiroPreto. BeloHorizonte: Editora C/ Arte, 2002. Integra o Comit Brasileiro deHistria da Arte, a Associao Brasileira de Crticos de Arte, a AssociaoNacional de Pesquisadores em Artes Plsticas, a Association for GravestoneStudies a Associao Brasileira de Estudos Cemiteriais.Site:artefunerariabrasil.com.br.Email:[email protected].