casos clínicos

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Casos Clínicos Discussões intermináveis sobre a real natureza do chamado Transtorno do Déficit de Atenção (TDAH) são travadas até hoje, sem que os debatedores sequer se aproximem de qualquer consenso, sendo que muitos já se acham tão comprometidos com as suas posições ideológicas – e mercadológicas – que a realidade clínica acaba relegada a um segundo plano. Cada setor direciona o seu discurso e seleciona a sua clínica de acordo com as suas convicções e interesses. Na realidade nunca ocorre entre eles nenhum debate, nenhuma troca, mas uma simples exposição de ideias paralelas, supostamente sobre um mesmo assunto. A psicopatologia da atenção tem sido pouco valorizada, assim como o fato de que a maior parte dos transtornos psiquiátricos cursa com alterações da atenção. A própria natureza do processo atencional raramente é discutida no nível clínico, e muita gente fala de déficit de atenção sem sequer ter uma idéia clara do que seja, realmente, a atenção. Critérios puramente comportamentais são utilizados para o diagnóstico, sem levar em conta as funções neuropsicológicas essenciais que estão na pauta. Em nossa clínica vimos casos de suposto déficit - diagnosticados pelo comportamento - nos quais havia deficiência de tudo, menos de atenção. Seria obviamente ridículo, por exemplo, que os indivíduos com suspeita de surdez tivessem que ser avaliados pelo seu comportamento, e não pela deficiência específica que supostamente teriam. Imaginemos que as suas atitudes fossem computadas numa tabelinha, e a audiometria fosse sumariamente deixada de lado. Mas isso é o que acontece rotineiramente no caso do TDAH. Para fomentar essa discussão, transcrevemos a seguir um estudo clínico, com o objetivo de mostrar, através da descrição de dois casos da nossa prática diária, a essencialidade da adequada avaliação neuropsicológica para o diagnóstico do TDAH.

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Page 1: Casos clínicos

Casos Clínicos

Discussões intermináveis sobre a real natureza do chamado Transtorno do Déficit de Atenção (TDAH) são travadas até hoje, sem que os debatedores sequer se aproximem de qualquer consenso, sendo que muitos já se acham tão comprometidos com as suas posições ideológicas – e mercadológicas – que a realidade clínica acaba relegada a um segundo plano. Cada setor direciona o seu discurso e seleciona a sua clínica de acordo com as suas convicções e interesses. Na realidade nunca ocorre entre eles nenhum debate, nenhuma troca, mas uma simples exposição de ideias paralelas, supostamente sobre um mesmo assunto.

A psicopatologia da atenção tem sido pouco valorizada, assim como o fato de que a maior parte dos transtornos psiquiátricos cursa com alterações da atenção. A própria natureza do processo atencional raramente é discutida no nível clínico, e muita gente fala de déficit de atenção sem sequer ter uma idéia clara do que seja, realmente, a atenção. Critérios puramente comportamentais são utilizados para o diagnóstico, sem levar em conta as funções neuropsicológicas essenciais que estão na pauta. Em nossa clínica vimos casos de suposto déficit - diagnosticados pelo comportamento - nos quais havia deficiência de tudo, menos de atenção.

Seria obviamente ridículo, por exemplo, que os indivíduos com suspeita de surdez tivessem que ser avaliados pelo seu comportamento, e não pela deficiência específica que supostamente teriam. Imaginemos que as suas atitudes fossem computadas numa tabelinha, e a audiometria fosse sumariamente deixada de lado. Mas isso é o que acontece rotineiramente no caso do TDAH.

Para fomentar essa discussão, transcrevemos a seguir um estudo clínico, com o objetivo de mostrar, através da descrição de dois casos da nossa prática diária, a essencialidade da adequada avaliação neuropsicológica para o diagnóstico do TDAH.

Considera-se nele que o diagnóstico deve ser essencialmente clínico, o que significa que não poderia ser feito isoladamente por nenhuma escala ou teste. Leva-se em conta que o processo da atenção envolve uma interação complexa de funções e o déficit consiste num quadro sindrômico, e não em uma doença específica. Além disso, em termos nosológicos a deficiência atencional pode se manifestar como um quadro primário ou como um sintoma secundário a vários distúrbios e circunstâncias. Por conta dessa diferença essencial entre os sintomas comportamentais e as manifestações essencialmente cognitivas são constatadas freqüentes contradições entre as avaliações realizadas a partir do uso de escalas específicas como a de Benczik ou os critérios do DSM IV e aquelas baseadas exclusivamente em critérios neuropsicológicos, como os do WISC-III.

 

 

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A AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA E O DIAGNÓSTICO DO TDAH

Cristina Lúcia Maia Coelho1[1]

Claudio Lyra Bastos2[2]

 

Introdução

Das dificuldades associadas à origem do fracasso escolar o TDAH vem sendo atualmente a mais amplamente divulgada na mídia. Para Luria, o processo da atenção envolve a seleção da informação necessária, o asseguramento dos programas seletivos de ação e a manutenção de um controle permanente sobre elas. Se não houvesse essa seletividade a quantidade de informação seria tão desorganizada que grande parte das atividades se tornaria impossível. Sem a inibição de todas as associações que afloram descontroladamente, seria impossível o pensamento organizado, voltado para a solução dos problemas colocados diante do homem. A atenção é uma função que deve ser observada e avaliada sempre interrelacionada a outras funções psíquicas. Segundo Bastos (2011), a afetividade e a vontade são duas outras funções psíquicas que operacionalizam a atenção. Já a sensopercepção e a cognição são operacionalizadas pela atenção, que seleciona os elementos perceptivos e constitui os registros mnêmicos. Podemos admitir dois aspectos básicos da atenção, a saber: a vigilância – que se refere ao estado de alerta para estímulos internos e externos e a tenacidade – que implica a concentração ou o foco da consciência.

As alterações da atenção podem se de dois tipos: a hipoprosexia que envolve um défict global da atenção – hipovigilância e hipotenacidade – pode ocorrer nas situações de profunda desmotivação (estados depressivos) e outros e nas disprosexias – a hipervigilância acompanhada de hipotenacidade que ocorre em estados de alta excitação e a hipertenacidade, acompanhada de hipovigilância em alguns quadros obsessivos.

Consideramos que o diagnóstico deve ser essencialmente clínico, o que significa que não pode ser feito isoladamente por nenhuma escala ou teste. Somente uma avaliação adequada, juntamente com os exames complementares e demais dados colhidos com o paciente pode constatar a existência ou não do transtorno. Mesmo sendo inegável que muitas crianças apresentem esse quadro – quando apropriadamente diagnosticado – devemos levar em conta que, numa visão psicopatológica mais ampla, o processo da atenção envolve uma interação complexa de funções, e que o déficit consiste num quadro sindrômico, e não em uma doença específica. Assim, o déficit de atenção pode se manifestar como um sintoma secundário a vários distúrbios e circunstâncias, e não apenas como um transtorno primário. A dinâmica familiar, por exemplo, muitas vezes com excessos de preocupações e eventuais conflitos, produz um impacto negativo no desenvolvimento destas crianças levando-as a sentimentos de inadequação e insegurança. Assim, consideramos que é imprescindível no estabelecimento de uma estratégia terapêutica, determinar se há comorbidade com outros déficits cognitivos ou

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transtornos específicos do aprendizado. O objetivo deste trabalho consiste em mostrar, através de dois casos clínicos, a contribuição da avaliação neuropsicológica para o diagnóstico do TDAH.

Em casos clínicos específicos de crianças em idade escolar pudemos constatar contradições entre as avaliações realizadas a partir do uso de escalas específicas como a de Benczik e outras baseadas em critérios neuropsicológicos no WISC-III que se correlacionam especialmente com TDAH (Seidman e cols., 1997; Pine e cols.,1999; Guardiola,1994) assim como nos critérios do DSM IV. Em um dos casos analisados um déficit específico nas dimensões viso-motoras foi diagnosticado juntamente com a confirmação do TDAH. Em outro caso, conflitos emocionais, familiares e ausência de limites, e conseqüentemente a dificuldade em se submeter à autoridade explicavam a desatenção e a hiperatividade. Existem ainda crianças em que a função atencional encontra-se primariamente desequilibrada, e são essas as que respondem melhor a terapias específicas; no entanto, são minoria.

 

O diagnóstico do TDAH

 

Problemas de desatenção, de impulsividade e de hiperatividade, podem ser observados em diferentes quadros neuropsiquiátricos. O objetivo da avaliação neuropsicológica, não é rotular, mas sim, qualificar a extensão do impacto na vida do paciente para melhor poder ajudá-lo, através de uma intervenção clínica significativa. Nesse sentido, diz Bastos (2011):

 

Na avaliação puramente neuropsicológica, as múltiplas vinculações das funções dificultam a conceituação dos aspectos primários e secundários, tornando árdua a classificação nosológica. O mesmo já não ocorre na prática clínica, onde o profissional experiente geralmente consegue distinguir com razoável clareza o superficial do profundo e o circunstancial do essencial. A razão disso é que nessa instância clínica a avaliação se dá por um instrumento sensível à intencionalidade, um componente fenomenológico da personalidade inacessível por métodos discretos ou estritamente objetivos (p. 151)

 

Os instrumentos que comumente utilizados no diagnóstico do TDAH são: a entrevista, as escalas Weschler (WISC-III ou WAIS III), as técnicas grafo-projetivas, o Bender, Escala Benzick, os critérios do DSM IV e em alguns casos a lista de REY. Especialmente no caso de crianças em fase escolar, a entrevista clínica semi-dirigida com o paciente e/ou familiares nos fornece uma noção a respeito das relações que estas crianças estabelecem nos ambientes em que convive. A entrevista visa o levantamento de dados relevantes da história de vida pessoal e familiar e, sobretudo, os significados que a mãe ou o parente atribui a estes dados, dando a clarificação da (s) queixa (s), a observação inicial do paciente e o levantamento de critérios significativos pelo DSM- IV. Neste momento, é importante esclarecer quais são os comportamentos apontados como “inadequados”, quem os percebe desta forma, e que impacto os mesmos

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determinam na vida do paciente. As observações clínicas durante a testagem são também essenciais para a análise qualitativa.

A organização do raciocínio clínico para se chegar a um diagnóstico é fundamental, salientando-se que a clínica é sempre soberana, portanto, um sujeito pode ser diagnosticado como TDAH, independentemente de alterações no exame neurológico, nos exames de neuro-imagem e/ou nos testes neuropsicológicos.

Como bem colocam os autores Fletcher e Levin a avaliação neuropsicológica geralmente se volta para a aplicação e a interpretação de um conjunto de testes que vão medir não só uma ampla extensão das capacidades cognitivas específicas como a das capacidades comportamentais necessárias para o funcionamento psicossocial do individuo na família, na escola, no trabalho e na comunidade. Deve ter em foco uma avaliação multimodal, usando vários recursos para se chegar a um conhecimento amplo do indivíduo.

Em termos neuropsicológicos, o TDAH parece estar relacionado especificamente a uma atribuição disfuncional que lhe vale a denominação de síndrome disexecutiva ou minissíndrome frontal. As características diagnósticas do TDAH nas escalas Weschler são os escores baixos encontrados nos índices de RD (Resistência à Distraibilidade), sendo os subtestes mais comprometidos, os de Código e Dígitos. No subteste de Labirinto do WISC-III, é freqüente que crianças com TDAH tenham resultados inferiores e que apresentem comportamento impulsivo quando não conseguem manter o comando de não retirar o lápis do papel e também quando partem para ação, sem nenhum planejamento, o que amplia o número de erros. O paciente de TDAH apresenta resultados insuficientes no subteste do WISC/WAIS-III Repetição de Dígitos (Ordem Direta e Indireta – Escala Weschler), que avalia a atenção auditiva, a capacidade de estocagem (“span”), a memória auditiva e a memória operacional, sendo esta última mais presente na Ordem Indireta. Essas tarefas – Ordem Direta (OD) e Ordem Indireta (OI) – exigem muita atenção, porém para a OD nem sempre se encontram resultados inferiores em pacientes com TDAH. Acrescente-se também que estudos realizados demonstraram que se o perfil rebaixado em Aritmética, em Código, em Informação e em Dígitos (ACID) está presente, deve ser considerada a hipótese diagnóstica de um distúrbio de atenção. Em geral, sujeitos com TDAH apresentam ainda uma discrepância entre QI Verbal e QI Executivo, com aumento de prejuízo para área de execução.

Observam-se, clinicamente, dificuldades na praxia, na harmonia e na organização de movimentos mais finos e digitais em sujeitos com TDAH. Fatores como impulsividade motora, perseveração de movimentos, falha na inibição de respostas e problemas de gerenciamento de atenção, podem justificar tais inabilidades, por isso, são freqüentes a disgrafia e a falta de coordenação como sintomas presentes no TDAH. Percebe-se nítida dificuldade na dinâmica da articulação futuro/presente/passado, que se mostra baseada nos déficits da percepção e da seqüenciação do tempo. O portador de TDAH pode até saber verbalizar o que deve ser feito, porém ele não parte para a ação de forma planejada, pois não mantém suas representações internas e, por isso, busca um prazer/solução imediato.

 

TDAH e a Linguagem

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A atenção funciona como “porta de entrada” para os estímulos, que são necessários na aquisição desde a linguagem oral, no inicio do desenvolvimento, até nas mais diversas e complexas habilidades comunicativas, que fazem com que a interação do individuo com seu ambiente seja adequada; é a chamada competência comunicativa, que é a esfera mais comprometida no TDAH. O uso da linguagem pode ser considerado como um dos componentes auxiliares na auto-regulação do comportamento que, paulatinamente, vai evoluindo de estímulos sensoriais até o pleno desenvolvimento maturacional da linguagem em sua expressividade e em sua compreensibilidade, como ferramentas para gerenciar, organizar e planejar o comportamento, conseguindo manter a atenção e controlando a impulsividade. E, como se sabe, os portadores de TDAH se beneficiam do uso de estratégias verbais para desenvolver um auto-controle. Se a atenção interfere na memória, esta, quando em comprometimento, também afetará todo o processo de aprendizagem, inclusive o da linguagem. Na matemática, nos cálculos das operações aritméticas, as alterações de atenção e das funções executivas do TDAH podem induzir a erros como: inverter números de uma seqüência (136 ao invés de 163) apresentar disgrafia no desenho do algarismo; esquecer de contar os reagrupamentos feitos na adição e na multiplicação, ou então, esquecer de descontar os empréstimos na subtração; ter dificuldade na sistematização na técnica e nas regras da divisão; não perceber dados essenciais em enunciados matemáticos; ter dificuldade em selecionar o que deve ser feito, inicialmente, em soluções que envolvem vários cálculos; ter comprometimento na execução de expressões numéricas e polinômios pela desorganização espacial, pela omissão de sinais, pela inversão da ordem, pela dificuldade no planejamento mental; ter dificuldade em cálculo mental e na lentidão para evocação da tabuada. Quanto a estes dois últimos fatores descritos, deve-se alertar aos educadores de que exigir cálculo mental rápido e eficaz, em crianças com DA, é um gasto de energia e um desgaste na relação professor-aluno desnecessário.

Outros transtornos e TDAH

 

Para Pacheco “... desatenção é um sintoma primário para o TDAH, mas secundário a vários outros como: Distúrbios Específicos de Aprendizagem, Transtornos de Humor, Quadros Epilépticos, Transtornos Ansiosos, Alterações Neuroendócrinas, Reações de Estresse Emocional, Atrasos no Desenvolvimento, Deficiências Mentais, Síndrome de Tourette, Espectrum Autista, Traumatismos Crânio Encefálicos...”. Há que se ter o cuidado com o diagnóstico diferencial, pois tem sido muito freqüente recebermos, para avaliação, crianças e jovens com hipótese diagnóstica para TDAH, quando, em realidade, o transtorno principal é outro, embora possamos identificar déficits atentivos. Os comprometimentos e impactos na vida do paciente são, da mesma forma, prejudiciais, o que reforça a idéia de serem avaliados, para que as intervenções necessárias sejam tomadas com o intuito de minimizar as alterações psicopatológicas. É preciso lembrar que comorbidades podem ocorrer, mas deve-se sempre ter o cuidado necessário para não ampliar demais o leque de patologias associadas.

Quanto ao perfil emocional, sabe-se que o TDAH, freqüentemente, ocorre em associação com outros transtornos psiquiátricos, existindo uma alta porcentagem (75%) de escolares com outras desordens psiquiátricas. Realmente, uma taxa muito alta, que

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sugere uma certa reflexão e que, clinicamente, inquieta e, ao mesmo tempo, estimula para que se questione se tantas comorbidades podem estar associadas ao TDAH, ou não seria este, em alguns casos, um primeiro diagnóstico, que no desenvolvimento sintomático vai se caracterizando e se configurando como uma outra desordem e não uma comorbidade. Ou então, uma resposta relativa frente às situações de conflito, de impacto e de vivências de fracasso e de baixa auto-estima que podem ser secundárias frente ao desajuste causado pelo TDAH.

Em função da complexidade da função atentiva, torna-se muito significativo que possamos avaliar o transtorno, através de um estudo neuropsicológico com critérios objetivos, mas dentro de uma visão contextualizada que possa considerar sua dimensão fenomenológica. Consideramos significativas as palavras de Bastos: “Não há como se avaliar em profundidade o fenômeno psíquico da atenção sem levar em consideração a questão fenomenológica da intencionalidade e a questão clínica da sua relação com a personalidade” (2011, p.146).

 

Caso clínico 1 - A história de Pedro

 

Pedro tem 8 anos e está na 2ª série do ensino fundamental, e a hipótese diagnóstica é o TDAH. Os procedimentos utilizados na avaliação foram, a saber: entrevistas, WISC-III, Grafismo, Escalas de TDAH (Benczik, 2000), Critérios DSM-IV e o teste Bender-visuomotor. O comportamento de Pedro durante as provas foi bastante elucidativo para o diagnóstico. Pedro mostrou-se um tanto ansioso antes de iniciarmos a entrevista e a testagem. Veio acompanhado da mãe, da avó materna, avô materno, e da irmã menor. Sua atitude, no entanto, era de receptividade, disposição, demonstrando muita ansiedade quando entrevistei a mãe e a avó sem a sua presença, chegando a dizer: “Vocês estão falando mal de mim? Quero ficar, quero ouvir.” Quando a sós com a psicóloga sua ansiedade diminuiu e se manteve interessado e disposto. Sentia-se satisfeito, mas ao mesmo tempo muito preocupado e inseguro quanto ao desempenho e muitas vezes perguntava: “Está certo?” mostrando necessidade de aprovação e autocrítica. Demonstrou carinho, alegria e agitação dentro de níveis razoáveis para sua idade, embora observássemos certa impulsividade. A mãe compareceu à entrevista com aparência preocupada e cansada, considerando-se “estressada”; relatou que embora formada em engenharia, optou por dedicar-se à educação do filho e aos afazeres domésticos. De acordo com o seu relato, ao nascer, Pedro teria permanecido no CTI do hospital com “hipoglicemia” por conta de “falta de complemento vitamínico pediátrico” (?). Até os três meses, Pedro não dormia bem à noite, chorando demasiadamente. Na vida escolar, embora tivesse uma adaptação complicada alfabetizou-se com facilidade. Apresenta dificuldades em matemática por não se concentrar para fazer os deveres. Leva muito tempo para realizar o dever de casa, mostrando-se agitado. Expressa-se bem perante a turma, embora não tenha amigos. O seu temperamento não chega a ser agressivo, mas se mostra um tanto explosivo, não levando “desaforo para casa”. Consegue assistir a um filme até o final. Conflitos entre a avó e os pais em relação a Pedro se evidenciam. Segundo a avó, o problema de Pedro se deve à atitude muito

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rígida do pai, que tem origem humilde, pouca escolaridade e modestos rendimentos. Assim, embora diga considerá-lo como um “filho”, destaca a sua insuficiência como provedor e critica a sua atitude rígida e controladora, que estaria levando o menino ao stress. Acrescentou que os pais não brincam com ele, preocupando-se excessivamente com sua educação. Relatou cenas de humilhação causadas por repreensões do pai. Pedro não é muito sociável, não tem amigos e é extremamente organizado com seus pertences e brinquedos. René teria afirmado a respeito do pai: Ele ganha 400 reais: Eu posso com isso?

 

Resultados psicométricos - indicadores diagnósticos

WISC-III

ESCORE

ÍNDICE PONDERADO QI PERCENTIL CLASSIFICAÇÃO

QI VERBAL 85 144 99,8 Muito superiorQI DE EXECUÇÃO 71 129 97 Muito SuperiorQI TOTAL 156 140 99,6 Muito superior

Discrepância não significativa entre os aspectos verbais e não verbais. QIV-QIE = 15

 

Resultados em Fatores no WISC-III3[3],4[4]

 

FATORES ESCORE-PADRÃO 5[5] PERCENTIL CLASSIFICAÇÃO

COMPREENSÃO VERBAL 130 98 Muito superiorORGANIZAÇÃO PERCEPTUAL 117 87 Médio superiorRESISTENCIA À DISTRAÇÃO 113 81 Médio SuperiorVELOCIDADE DE PROCESSAMENTO

99 47 Médio

 

 

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Avaliação

Seu desempenho superior nas escalas verbais do WISC-III como vocabulário, semelhança, compreensão, informação e aritmética - sugere um bom funcionamento adaptativo, revelando um alto grau de generalização conceitual, raciocínio lógico, juízo social, conhecimento prático das normas sociais, manejo de cálculo, armazenamento e evocação. Este resultado se relaciona tanto com o conhecimento que Pedro absorve espontaneamente no ambiente social e familiar como aquele formalmente adquirido, como, por exemplo, na escola. A distraibilidade baixa e alta capacidade de concentração ficaram evidenciadas nos seus resultados altos em aritmética e dígito número.

O seu desempenho nas escalas de execução do WISC-III foi classificado entre médio, médio superior e superior revelando memória visual, concentração para detalhes, função atentiva preservada, reconhecimento e organização visuo-espacial-motora (vale destacar que o teste de cubos está isento de influências sócio-culturais), concentração necessária ao significado de uma situação interpessoal, coordenação motora e controle da impulsividade. Especialmente no teste de código-símbolo que se relaciona com atenção seletiva e concentrada e distraibilidade, Pedro obteve um resultado médio, um pouco abaixo do seu padrão de desempenho. No sub-teste procurar símbolos que se relaciona especialmente com hiperatividade (no caso de resultados baixos) e capacidade de trabalhar sob pressão, seu resultado foi acima da média.

 

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Estudo diagnóstico para TDA/H

O déficit de atenção não se evidencia pelos critérios neuropsicológicos face aos seus resultados satisfatórios obtidos nos subtestes códigos (percentil 40), completar figuras (percentil 99), dígitos (percentil 84) e aritmética (percentil 75) no WISC-III que se correlacionam especialmente com TDAH (Seidman e cols., 1997; Pine e cols.,1999; Guardiola,1994), assim com o seu resultado classificado como médio superior no fator distraibilidade que avalia atenção e concentração. Como reforçadores do diagnóstico temos a avaliação baseada nos critérios do DSM IV, na qual Pedro não atende aos critérios para o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), em nenhuma de suas tipologias. Na escala Benczik, a avaliação da professora indicou ausência de problemas de aprendizagem e de comportamento anti-social, mas revelou resultados acima da expectativa para a sua faixa etária e sexo – embora não se refira ao transtorno – nas áreas de Déficit de Atenção (percentil 80) e Hiperatividade (percentil 75).

O desempenho no Bender, avaliado na Escala de Maturação Visomotora de Koppitz, Pedro situou-se na média, indicando nível de maturação da função gestáltica viso-motora normal. Como se trata de um teste que envolve percepção e coordenação neuromuscular, pressupõe-se que dependa de certas áreas intactas de integração cortical. O seu desempenho foi ainda confrontado com um quadro de desvios Koppitz (Lezak, 1995) que indicaram ausência de transtorno no desenvolvimento neuropsicológico.

Personalidade

Pedro apresenta condições de funcionamento psíquico adequadas, apresentado personalidade integrada, sem sinais patológicos. Demonstrou capacidade de estabelecer trocas afetivas com relativo controle dos impulsos. Seu nível de expansão vital revelado pelo tônus energético nas suas atitudes e na sua produção gráfica revelou-se dentro de padrões aceitáveis para sua idade. No grafismo, apresentou sinais de confiança no seu meio, forte identificação com a figura paterna, assim como bons vínculos afetivos com relação aos membros da sua família (mãe e irmã), incluindo os avós. Assim, para Pedro a figura dominante e mais valorizada na família é o pai. Revelou fantasias de onipotência típicas de criança de sua faixa etária provavelmente na tentativa de compensar eventuais sentimentos de menos-valia. Não foram observados sinais de depressão ou angústia significativos. Suas necessidades parecem predominantemente ser de busca de atenção, de proteção e de afiliação, sem tendência à evasão. Por fim, podemos admitir que Pedro tem boas possibilidades de relacionamento interpessoal e maturidade, garantindo sua adaptação em instituições que possa participar, assim como seu desenvolvimento a nível cognitivo, psicoafetivo e social.

 

Síntese

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Pedro é uma criança cuja capacidade intelectual situa-se bem acima da média quando comparada à do seu grupo padrão, tanto na dimensão verbal quanto manipulativa. Esse fato contribuiu para que tenha desenvolvido necessidades especiais, assim como um nível elevado de interesse e curiosidade, com um padrão de percepção crítica da realidade – seja física ou social – um tanto diferenciado da média para sua faixa etária. Vale ressaltar que na avaliação não encontramos indícios que pudessem constatar a presença de TDA/H, nem qualquer outro tipo de distúrbio, seja cognitivo ou psicoafetivo. Até porque o bom desempenho escolar apresentado, coerente com os seus resultados nos testes, torna essa hipótese pouco provável. Com relação ao seu desenvolvimento intelectual e educacional entendemos que a abordagem pedagógica institucional atual não se acha em condições de atender adequadamente às necessidades de suas altas habilidades cognitivas, considerando o seu grau de maturidade emocional e a sua dinâmica de personalidade. Nesse sentido, é possível que o comportamento avaliado na escola (Déficit de Atenção) esteja refletindo uma certa frustração por parte de Pedro com relação ao que lhe é disponibilizado, tanto do ponto de vista social e cultural como intelectual. Embora nenhum transtorno específico tenha sido caracterizado na avaliação, os dados projetivos e relacionais nos permitem entender que as vicissitudes da dinâmica familiar, cujo núcleo se mostra em uma posição de claro desequilíbrio – com uma figura materna em situação insatisfatória e uma imagem paterna em papel francamente esvaziado e alijado do centro de decisões – possam se constituir num importante elemento causal. É provável que essa precariedade no equilíbrio afetivo familiar – com excessos de preocupações e eventuais conflitos – possa estar tendo um impacto emocional no desenvolvimento de Pedro, levando-o a sentimentos de inadequação e insegurança (ainda que não significativos), com conseqüências comportamentais importantes, conforme apontado pela avaliação da professora. Assim, sugerimos orientação familiar, possivelmente seguida de uma psicoterapia no sentido de se elaborar melhor os impasses e pendências emocionais nas relações familiares.

 

Caso clínico 2 - A história de João

 

João tem 8 anos e cursa a alfabetização. O motivo de encaminhamento é a hipótese de TDA/H. Os procedimentos usados na avaliação foram: Entrevista,WISC-III, Bender - Teste Gestáltico Visuomotor e o grafismo. João mostrou-se bastante ansioso, mas sua atitude era de receptividade, disposição, demonstrando alegria e muita impulsividade. Pegou na mão da psicóloga e perguntava para onde iriam e porque não começavam logo. Mostrou-se inseguro ao se separar dos pais para realização dos testes. Embora com bastante agitação, com a solicitação firme do psicólogo, manteve-se sentado para realizar os testes. Quando sentia alguma dificuldade, mostrava-se irritado. Mostrou-se impaciente (dizendo: “– Estou com pressa”), porém muito afetivo, carinhoso e ciumento. Sua expressão verbal é compreensível. Segundo a mãe, João sofreu uma convulsão (sic) aos oito meses. Demorou a falar e não conseguiu se alfabetizar ainda. João não se interessa pelas atividades escolares e não brinca com brinquedos, fica muito irritado com barulho e grita por isso; não tem amigos de sua idade. Segundo relatou a mãe, com o uso de Ritalina®, João não se mostrou mais atento e muito sonolento. Relatou ainda que atualmente faz uso de Orap® e parece menos agitado. Seu sono é

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sempre muito intranqüilo. João refere-se aos seus familiares com carinho e sabe o nome de vários deles. Quanto à experiência na escola, fala de um amigo apenas em especial. Informou que vê desenhos na televisão em casa. Ao perguntarmos a João em que série ele estaria, o mesmo respondeu: -“Estou na 2ª e na 3ª ”. Quando a mãe interveio e disse: “Nada disso. Ele está ainda na alfa, está muito atrasado e este ano ele precisa ser mais atento e se esforçar mais”.

 

Resultados psicométricos - indicadores diagnósticos

WISC-III

ESCORE

ÍNDICE PONDERADO QI PERCENTIL CLASSIFICAÇÃO

QI VERBAL 40 87 20 Médio-inferiorQI DE EXECUÇÃO 33 76 5 LimítrofeQI TOTAL 73 80 10 Médio-inferior

-          Discrepância não significativa entre os aspectos verbais e não verbais. QIV-QIE = 7

 

Resultados em fatores no WISC6[6],7[7]

 

FATORES ESCORE-PADRÃO8[8] CLASSIFICAÇÃO

COMPREENSÃO VERBAL 97 MÉDIAORGANIZAÇÃO PERCEPTUAL 78 LIMÍTROFECONHECIMENTO ADQUIRIDO 92,4 MÉDIARETENÇÃO 78 LIMÍTROFEDISTRAIBILIDADE 63,6 LIMÍTROFE

 

 

6

7

8

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Avaliação

João apresenta capacidade cognitiva global abaixo da faixa de normalidade, quando comparado com crianças de sua faixa etária, no WISC (QI total - percentil 10). A diferença de 7 pontos, embora não significativa, entre QIV (Quociente de Inteligência Verbal) e QVE (Quociente de Inteligência de Execução) exige alguma consideração. João apresenta um funcionamento conceitual em nível médio-inferior quando os problemas são verbalmente apresentados. O QI na escala verbal foi de 87, o que revela sua capacidade média inferior para compreensão, conceitos, informação e vocabulário. Já na escala de execução, no entanto, que envolve a inteligência manipulativa, seu QI foi 76, colocando-o no percentil 5 e revelando a sua limitação na capacidade construcional, ou seja, em integrar estímulos perceptuais com respostas motoras pertinentes.

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Quanto aos fatores, destacaram-se a compreensão verbal com escore ponderado de 97 (médio), o conhecimento adquirido com escore ponderado de 92,4 (médio). No fator organização perceptual, seu rendimento caiu significativamente para o escore ponderado de 78 (percentil de 6), numa posição limítrofe, o Fator retenção com escore ponderado, igualmente limítrofe, de 78 e o Fator Distraibilidade com escore ponderado de 63,6 (percentil 3) limítrofe. Especificamente nas sub-escalas verbais seu desempenho foi considerado médio a médio-inferior no que se refere a vocabulário, informação, raciocínio lógico, juízo social e conhecimento prático. No sub-reste de aritmética (manejo de cálculos), o seu resultado cai para abaixo da média (percentil 16). No sub-teste de Dígitos (números) o percentil 4 mostra-se seguramente um indicador de capacidade bastante limitada de retenção de memória imediata, situando-se abaixo da média de crianças de sua faixa etária. Nesta dimensão estão em cena fatores como concentração, controle de stress e de ansiedade. Nas sub-escalas de execução, o seu desempenho variou de médio, limítrofe a deficiente. O seu QI de 76 (percentil 5 - limítrofe) na escala de execução, refere-se à inteligência manipulativa. Podemos considerar que João possui grau inframédio de habilidade de contato não-verbal, portanto concreta, com o ambiente, envolvendo aspectos cognitivos visuo-espaciais e manipulativos. Estes testes envolviam concentração para detalhes, capacidade de organização visuo-espacial, compreensão do significado de uma situação interpessoal, concentração e velocidade na construção do objeto assim como o julgamento das suas implicações, determinando as prioridades e antecipando as conseqüências. Seu desempenho nestas dimensões pode refletir certas características de personalidade, como impulsividade, insegurança e hiperatividade. Acreditamos que a ansiedade vivida tenha certamente comprometeu seu desempenho. Seria ainda possível considerar que as suas tendências impulsivas e a insegurança vivida durante a tarefa pudessem ter reforçado estes resultados baixos. Sua coordenação motora no teste de labirinto evidenciou seu baixo controle da impulsividade. Por fim, no teste de código revelou sua limitada atenção seletiva e concentrada, além de baixa resistência à distraibilidade. Assim, conjugar memória, rapidez e precisão motora pareceu uma tarefa um tanto complexa para João.

O diagnóstico do TDAH

O déficit de atenção se evidencia pelos critérios neuropsicológicos face aos seus resultados comprometedores nos subtestes códigos, completar figuras e dígitos no WISC-III que se correlacionam especialmente com TDA/H (Seidman e cols., 1997; Pine e cols.,1999; Guardiola,1994), assim como seu resultado classificado como limítrofe no fator distraibilidade que avalia atenção e concentração. Como reforçadores do diagnóstico temos a avaliação baseada nos critérios do DSM IV, na qual João atende aos critérios para o Transtorno de Défict de Atenção/Hiperatividade (TDAH), tipo combinado ou com sintomas de impulsividade. A princípio, podemos ainda descartar a hipótese de retardo mental em função dos seus resultados nos subtestes da escala verbal do WISC-III referentes à semelhança, vocabulário e informação. Sattler (1988) demonstrou que o QI total pode ser estimado a partir dos resultados nos sub-testes vocabulário e cubos. João obteve no teste de cubos percentil 50, e vocabulário 60, o que o situa numa classificação média para crianças de sua faixa etária. Podemos admitir que João possui um déficit significativo e específico na função construcional, ou seja, na função visuo-perceptomotora. A função construcional combina atividade perceptiva com respostas motoras e sempre tem um componente espacial. Seu desempenho no Bender, a partir do sistema de medida por categorias de Hain (Lezak, 1995) o classifica

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numa área crítica que sugere lesão cerebral. Na Escala de Maturação de Koppitz, João situou-se a 3 desvios-padrão acima da média (a avaliação é invertida), indicando baixo nível de maturação da função gestáltica viso-motora. Como se trata de um teste que envolve percepção e coordenação neuromuscular, pressupõe-se que dependa de certas áreas intactas de integração cortical. Seu desempenho foi ainda confrontado com um quadro de desvios Koppitz se caracterizando como altamente sugestivos da presença de transtorno no desenvolvimento neuropsicológico(em oito desvios, ele apresentou 6).

 

Personalidade

João apresenta condições de relacionamento interpessoal razoáveis, embora com controle emocional insuficiente, poucos recursos de controle sobre os afetos e tendência à impulsividade com expansividade compensatória, em função de sentimentos de inadequação. Sua expressão afetiva é adequada com sinais de sensibilidade, porém apresentando extrema insegurança. O medo de ser abandonado e/ou rejeitado é evidente, mantendo-o extremamente ansioso. Suas dificuldades na escola provavelmente desenvolveram em João sentimentos de insegurança, assim como sentimentos de menos-valia e auto-estima precários. Pudemos observar que os agentes da família e da escola tendiam a reforçar esses sentimentos, ao interpretarem as suas dificuldades cognitivas e a sua insuficiente dedicação às tarefas como preguiça ou como sinal de fraco senso de responsabilidade. Nesse sentido, os seus sentimentos de inadequação podem estar ligados ao seu histórico de dificuldades em se sentir reconhecido e valorizado, tanto no seio familiar, no meio escolar, quanto no âmbito social mais amplo. Suas possibilidades de contato mostraram-se restritas, algo prejudicadas, talvez em função de conflito relacionado à inferioridade. Sua produção gráfica revelou fantasias de onipotência provavelmente na tentativa de compensar seus sentimentos de menos-valia, assim como indicaram sua impulsividade. Suas necessidades parecem predominantemente ser de busca de atenção, de proteção e de afiliação, com tendência à evasão. João não apresentou sinais psicopatológicos, sem indícios de pensamentos bizarros ou ilógicos. Pode-se admitir que os seus índices de integração da personalidade encontram-se em níveis aceitáveis.

 

Síntese

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Em suma, trata-se de criança ansiosa, com intensa angústia de rejeição e desvalorização, dotada de inteligência discretamente abaixo da média – porém dentro da faixa de normalidade – com disfunção construcional (déficits específicos nas dimensões percepto-motoras), na qual se manifesta um quadro sindrômico de TDA/H. Fica evidenciado que seus sentimentos de inadequação estão ligados ao seu histórico de dificuldades cognitivas, assim como suas necessidades manifestas em se sentir reconhecido e valorizado. O impacto que os déficits de natureza cognitiva que influenciam a formação da personalidade de João vêm tendo sobre o ambiente familiar parece estar no cerne do problema, produzindo uma carga de ansiedade que só dificulta o seu desenvolvimento. Sugerimos uma orientação familiar, para que a problemática que se manifesta em João possa ser mais bem elaborada por todos os membros da família, até mesmo abrindo maiores perspectivas para a psicoterapia individual. Esta será fundamental para proporcionar um melhor processo de amadurecimento da sua personalidade, considerando os seus níveis de insegurança e a ansiedade. Com relação ao seu desenvolvimento intelectual e educacional sugerimos no momento uma abordagem psicopedagógica individualizada ou em um grupo reduzido de alunos, considerando as suas limitações cognitivas e o seu grau de maturidade emocional.

 

Considerações Finais

 

Nos casos clínicos específicos apresentados pudemos constatar contradições entre as avaliações realizadas a partir do uso de escalas específicas como a de Benczik e outras baseadas em critérios neuropsicológicos no WISC-III que se correlacionam especialmente com TDAH assim como nos critérios do DSM IV. No primeiro caso analisado, conflitos emocionais, familiares e consequentemente a dificuldade em se submeter à autoridade explicavam a desatenção e a hiperatividade. Neste caso, a criança tendia a refletir o ambiente emocional conturbado criado pela família e em especial pela mãe. A ansiedade da mãe, a frustração do pai, a atitude prepotente da avó explicam sua aparente hiperatividade. Aqui, especificamente podemos ainda acrescentar como agravante para o pseudo déficit de atenção, a estrutura de estímulos externos recebidos pela criança no contexto institucional escolar, que em suas atividades propostas pouco atraentes não tinham um significado especial e, portanto não chegavam a despertar interesse de Pedro. Vale aqui lembrar que esta mesma criança, esteve durante a realização dos testes extremamente motivada e atenta.

No segundo caso, o déficit de atenção se manifestou associado a outro tipo específico de déficit importante. O TDAH evidenciou-se pelos critérios neuropsicológicos face aos seus resultados comprometedores nos subtestes códigos, completar figuras e dígitos no WISC que se correlacionam especialmente com TDAH, assim como seu resultado classificado como limítrofe no fator distraibilidade. Como reforçadores do diagnóstico temos a avaliação baseada nos critérios do DSM IV, TDAH tipo combinado com sintomas de impulsividade. Neste caso, descartamos a hipótese de retardo mental em função dos seus resultados nos subtestes da escala verbal que envolviam capacidade de abstração e memória do WISC como semelhança, vocabulário e informação e cubos que se relacionam com o QI Total. No entanto, foi observado um déficit significativo e

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específico na função construcional, ou seja, na função perceptomotora e baixo nível de maturação da função gestáltica visuomotora.

Em suma, consideramos que os fatores que determinam o sentido e o volume da atenção situam-se entre as peculiaridades dos estímulos externos – ou seja, a estrutura psicológica da atividade – que atuam sobre o homem e as dimensões singulares da história individual de cada sujeito, como suas necessidades, sua dinâmica subjetiva que vão determinar suas motivações. Assim, o interesse forte do homem, torna alguns sinais dominantes e inibe simultaneamente sinais secundários que não pertencem ao seu campo de interesse. Nesse sentido, concluímos que a atenção depende essencialmente da afetividade e da vontade.

Por fim, não podemos descartar como hipótese diagnóstica – ainda que não tão freqüente – dos quadros em que a função atencional das crianças encontra-se primariamente desequilibrada, e são exatamente essas as que respondem melhor à terapias específicas. No entanto, são minoria, face à grande demanda dos quadros ansiosos, depressivos e deficitários. Como a mídia vem tendendo a divulgar a versão de que o TDA/H seria uma doença cerebral específica cujo tratamento se daria quase que exclusivamente através de drogas, tende a criar nas famílias e nos agentes da escola uma forte expectativa de resolver a questão do baixo desempenho escolar de forma imediatista e simplória.