breve noticia sobre o descobrimento da america

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BREVE SOBRE O DESCOBRIMENTO DA AMER CA I'IIH A. C. T E I X E I R A O E A R A G Ã O SOCIO EFFECTI\'0 DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA J ISl:O.\ Typographia da Academia Real das Scicncias

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Page 1: Breve noticia sobre o descobrimento da America

BREVE NOTICI1~

SOBRE O

DESCOBRIMENTO DA AMER CA I'IIH

A. C. T E I X E I R A O E A R A G Ã O

SOCIO EFFECTI\'0 DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA

J ISl:O.\ Typographia da Academia Real das Scicncias

Page 2: Breve noticia sobre o descobrimento da America

BREVE NOTICIA ~OBRE O JIE~[OHRIMENTO DA AMf.RICA'

I

A A~IETIICA ANTECOLOMRI.AK1

m~TRE os egypcios, gregos e romanos, heLrcns c arahes já havia a tra­tlicão tlc que, além tia Europa e da Africa, no extremo do Oceano Atlantico existia um graude continente.

Platão fallou da Allanlica, immensa ilha para lá das colnmnas tle llercu­les e do Oceano, e cujos limites eram desconhecidos.

I Os tres rapitulos que constituem este opusculo foram escriptos ha sete annos para !'erem cnrorporatlos nos c~tutlos preliminares do IV volume da Descripçiio geral e historica tias moedas t'UIIIwdas em 1wme elos 1·eis, regentes e got·enwtlores de Portugal. Quando os ofTerecemos na commissão portugueza, de que fazemos parte, foi na tenção de os rever cuid:Hiosamente, e augmental-os para lhe rlar feição de memoria. A g•·avc enfermidade que no~ rete\'e na cama mais tle um mez, a longa conyaJescen~a •le que carecemos, e u pouco tempo que resta para a celeLração tlo centenario de Christovam ColomLo em .llatlrid, nos lt•vou ao se~uinte dilemma-ou não os puLiicar, faltando ao compromisso,- ou emial-os para a imprensa sem alteração·?

Optámos pelo segundo expediente, e talvez não fosse o melhor. O assum(JtO é vastíssimo para se accommotlar em dimen~ões tão acanhadas. O modesto

escripto não tem pretenções: é apenas um esLoço, que se tleve considerar no certamen unicamente pelo desejo de nos associarmos ás homenagens que a Hcs(Janha vae pre~tar ao grantle na ve0ador.

O confissão sincera dá direito ás imlulgencias do leitor.

I "'

Page 3: Breve noticia sobre o descobrimento da America

RRE\"E :"'OTICIA

Plntarco tambem dá alguns in•licios da existrncia •lo nsto continente, e prlas inscripçõrs punicas que se teem encunlratlo, parece que os carthagi•w­ZPS alli apartaram.

As nllin•as investiga(Õrs ft>itas nos terr .. nos •la America levam a anedi­tar que a antiguidade do seu cnntineulc é maim· que a do europeu. !\"as exca­vaçücs tem-se encontrado grande quantidade de ossos humanos, e de outros animaes uo estado fussil e perfeitamente conservatlos. Quawlo os euroiJeus lá desembarcaram nos fins do scCLIIo xv as suas aldeias eram populosas e tinham uma certa ciYilisação que tem caminhado rúuna dccadencia progressiva. A ar­cheologia decifrawlo os seus hieroglyficos e estutlando os grandiosos monu­mentos, principalmente as minas dos seus templos, cada vez se compenetra mais d'esta verdade.

A historia da America antes da viagem de Colombo está-se escrevendo; e as repetitJas investigações scientificas vão successivamente tlando esperanças tle satisfatorios resultados.

o fim treste opusculo n3o permitte largas consitlerações sobre tão inte­ress:mtes assumptos e obriga-nos a illllicaçües muitu resumidas.

Antonio Hibeiro tios Santos •liz que no breve tle Gregorio IV, 1los ultimos annos tio seculo IX- •lirigitlu a Santo Anscario, :1rceLispo de llamlmrgo, se no­mei:J :1 tironlaiHinn- -Groenlandia (Terra Yerde), e que us antigos scantlinavos fizeram em l"a uma expedi•:Jo ú lslandia, e •!"esta illw facihnente passaram á r;ruenlandia e á .\merica SeJJlentrional, onde estaLeleceram colonias na Flu­ri•la e Canadá.

O mesmo emdito escriptor accrescenta •tne com este descobrimento devia ter Jogar o de alguma das .\ntilias ou Antilhas, pertencentes ao Novu Conti­nente, e cita Clllllo documento o mappa ou planisferio tle André llianchn, da_ ta•lo .te I í31i, visto por Yilloison. membro tia .-\rademia real das iuscrip~,:ües e Lellas lcttras, •Jlll' assi111 u descreve: «Ü manusnipto italiano, 11.0 7ü, .ta Li­l•lintheca de S. )!arcos de Yeneza, contem uma carta marítima, tleseuhatla com muita exactidão, composta tle dez fulhas. N'esta carta aehava-sc uma das Antilhas, tlemarcada pela mesma mão, e vê-se esrripto com 11 mesn1o caral'ler tle J .. ttra-J.~o/a Jutillia-, o que é tanto mais no!avel quanlo wmos que o dest:11!Jrimento tias Antilhas se attrilme a Christo,·;Hu CololllLo em I Hlt. Es­panl:ulo •J"esta singulari•lade, fiz copiar nmilo exaetamenlc <i miuha vista esta preciosa carta, e a enYiei em 171"1 a )Ir. o contle tle Vergennesn. A carta foi puhlic:ula em 178::! na Gazeta de Gntlw, a pag. 3~. 1

1 PuLlicado cm IHti no tom. v, parl. 1 das llln11orias da Acadmúa !leal das Srien­rias de Lisboa, tendo por titulo: Du C011herimento que era possit·el ter da exisle11ria da Ame­rica pela tradi~·,lo dos antigos, efl·. No capitulo 2 o trata especialmente-Da z·erosimilltallfa

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SORRE 11 DESf.ORTIDIE~TO DA A:IIETIICA

Alexandre ele Ilumhnhlt uhserYou um:1 e:1rta de marr:Jr. existente n:J Li­hlinthet·a tlo g-rão-tln•tne tle Weimar. ft·ila em I '1::!'1 pnr .\unmtiuiaun, nome IJIII' muilo ,-u~lon a ler, representmtln S'i lc:.mas marilimas :111 rw.·i•lPulc tlns .\çnres, á parlt• scpteul rinnal tla ilh:t .lutilia. e para o seu nnrll' 111ais tinas ilhas. ~ O 111esmo S:Jhio anal~·s•\11 tamlwtn na hihliotheca de Parma o mappa­lllllltJi tio g-eun\ ez Bechar-io, llai:Jtlo de jnlho de J '13~. nnde eslãn mart•atlas :Jil poente llns .. \t_·ures as Ires llh:JS iwlicad:JS por Ancontiui;mo, cham:Jmlt•-se á maior e m:Jis meridion:Jl .\ntilia. e descre\"e outr:Js m:Jis pequen:Js, e pnr baixo tem- biSitl/e de uono R••prrte- dllt:Js ullim:Jmente descoLertas).

Paulo tl:Jl Pozzo Tnscanelli tle\'ia ter conhec.itlo est:Js cartas, e, talvez, tle alguma tl'ellas se scnisse par:J as inf, 11·mações que fomeceu ao conego Fer­nmulo !\lartins, em r:Jrta tle ::!5 tle juuh•l tle I 'li i, c na outra que ipsis t·abi.ç, dirigiu pouco tlepuis em resp•lSta a Christo\·am Colombo . .\hi \·em o erro gen­graphico rias costas tla .\~ia cunfinarem com as costas occitlentaes da Africa, erw de que o genovez nunca se emancipou.

No globo de :\lartim de Dnhemia, datatlo tle f.í!J2, está marcada a ilha Antilha.

Humbohlt lambem attrilmiu a descoberta das primeiras terras da Ame­rica aos sc.anttina\'os, que a occuparam no seculo x e parte tln XI. Esta opi­nião já ha\'ia sid11 escripta por Tnrfason na sua obra pnblic:Hla em I /O i.~ :\las estes sabios não li\'eram á sua disposição os llocumentns compro\':JiiYos para authentic:Jrem a sua opinião. Estara resen·atln á Sncietlatle dos anti']uarios tln norte rei\'intlicar a glm·ia tliJS seus antepassatlns, esdarecen•lo a historia pel:1s minuciosas imestigações n.-•s manuscriptos archivatlns nas biLiiothecas tln norte, e pelas importantes cscavacões nos terrenns que haviam occupatln.

Esta sociedade publicou em 1837 a obra intitulaua Anliquitates America­nae sire scriptores sptentrionales 1·erum ante-columbianarum in America, sllldiv t•t opera C. C. Rafn, 3 secretari•• tia me~ma sociedade.

A puulica•:ãn tl'esta obra •leu IIJgar a varias conmmnicações muito inte­ressantes, que foram tr:mscriptas em \'arins numeros tias Memorias da So­cie•lade.

O minucioso traballul tle Rafn, fni tratluzitlo em Yarias línguas, e fúrma um volume in-'1.0 com ~::!G p:1ginas. 8 fac-similcs. representanllo lawlas ou fragmentos tle antigos manuscriptos das LiLliothecas tio norte, quatro mappas

de alguma 1wregaçâo para as partes da America antes de Colon e .llagalhiies. ~Eseripto que documentou com a opinião de varios auetorcs antigo~).

t Cosmos, tom. n, pag. 1i3-2H. 2 Antiguidades Islm!dicas. 3 Carlos Christiano Rafn, falleeeu em !865.

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BREYE NOTif.IA

gengraphieos, c seis gramras com muitas investigações :~rrheolngic:~s c geo­graphicas interealatlas com cxcellentes u!Jserv:u;ões criticas.

U livre·• dr-monstra •1ue n descobrimento da America septenlrinnal no se­rnlo x pelos sr.awlinavos ft•i um dos stu:ressos mais Holaveis da historia do HIIIWio. O auctor para vnlgaris:w os seus Pslwlos publicou um resumo tio seu trabalho, •1ue intitulou-Jiemoria soúre u descuúrimmlo da Auwrica no seru1o X, e tlivitliu-a nos seguintes capitulos: 1

Vi:~gem de lliame Heriulfsnn em tl8li. Descohrimento de Leif Éricson e primeirn estabelecimento na Vinlantlia. Expe•lição tle Thorwald Éricson a regiücs mais meritlinnaes. Desgraç:ula empreza tle Thorstein Êricson. Estabelecimento de Thorfinn na Vinlantlia. Viagens tle Freytlisa, Helge e Finnboge. Estabelecimento •le Thorfinn na

Islamlia. Observa~;ões criticas sobre as noticias anteriores. Geographia e hytlro-

graphia. Clima e solo. Protlucção. Ilistoria uatmal. Astronomia. Descobrimento das regil"1es mais mcritlionaes. Resitlencia de Are 1\Iarsnn na gramle Islantlin. Viagens tle BiiJrn Asbran•lson •le Gwlleif f:111llangsnn. Vingem do bispo Erico a Vinlan•lia. Descobrimentos nas regiões arcticas da America. Terra Nova descoberta segunda vez pelos Islan•lezes. Vingem a 1\Jarklantl em 1347.

E termina: "Depois •le assim estwlntlns os documentos authenticos, tn­tk•s reconhecerão corno um facto historico, •1ne •lurante os seculos x e x1 os antigos scan•linavos descobriram e visitaram uma gr;mdc parle das costas orientaes .ta Aruerica do nnrte, e convencem que as relações entre os •lois paizes subsistir:nu dmante os seculos seguintes. O facto essencial é certo e ineontcstavel. !\las n"estes documentos, como em hulos os manuscriptos anti­gos, encontr:Hn-se passagens obscuras que pwlem ser esclarecidas (Joi· novos exames e novas interpretações. Para conseguir este resultado e importante

1 Traduzida em franccz 1•ur 1\t. X. M:tl'lnicr e put.licatla nas AJ,•morias da Sociedade •los anli'Juarios d11 11urtr, U:!3{j-1H~19, pag. 27

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S )DRE O OESCOlJRHIENTt) D.\ .UIEIIICA 7

que os tlocumentllS originaes sej:nn puhlicatlos na sua antiga lingu:~ par<~ c;ui;J um os pllller wnsultnr e apreciar por si a maneira como tcem sido interprc­tallltS.»

Quanto aos wstigins tlcscnbertos nos C:'tatlns tle )fassadmsetts e Hhotle­Islarul, :~Urihuitlos á estada e est:.Jbclecimentn dos scantlinavos n 'estas partes, IJUe er:~ o fim das primeiras expetJi{'ÕPS americanas. limitamn-nus :~gora ás referencias contitlas n:~s Antitptitates .lmericanae. Esta questão cuntinuar:i a ser nltjecto tlc investigaçõs escrupulosas por parte da commissão tia Societl.Jtlc real dos antiquarias dn norte para a 1/istoria antecolombiana da Anll'rim. O

re:;ultado d'cstas indagnções e esclarecimrntos sobre passagens obscurns dos antigos manuscriptos será publicado nns .llcmorias da mesma sociedade. 1

Desde t8i0 que nas excavações (H":~ticadas nos estados de l\lassachusetts e Hhode-Island se encontram restigios de habitações, attrilmidos á resitlencia e estabelecimento dos ScandinaYos n·csses paizes. Os estudos c pesfJnizas da commissão da Sociedade real dos anlittnarios do norte continuam e muito ha a esperar do seu saber e dedicação.

O museu de Antiguida les Amerimnas fundado. llOI' concessão do rei da

' Nas referidas .Memorias, pu!Jlicaram-se nos a1mos de J83li a 1X~ ~os seguintes ar­tigos sobre este assumpto:

- On the ancient Scanoliuaviaus Division of the times of th~ Day, "i til ,.:prcial refc­rence lo Rafn"s Antiquitates .4mericallae, pag. 32-33. IJ~· Tinu lJ;~guuscn. Translatcd )Jy John .M'Caul, E~tJ., lf. A. Oxfotrtl, pag. J(j;) do anuo.

-Account of an Ancient Struclure in Nc" port, R bode Island lhe \"inl:uul of lhe Sean­dinavians, communicalcd hy Thomas H. \Yt'lth., .\1. D., iu Lrttcrs to Professor Charlc:< C. Hafn, pag. 3ül irl.

-Supplrment lo the A.ntiquitates Amcricanae, hy Charles C. Ilafn.-Tran~laled loy John ~I'Caul, E"'l·· l\1. A. Oxford, pag. :l()g iol.

-Ruins of an ancient Scallllinavian church ai kakortok in Grernlaml, pag. tun de itlí0-18~~-

-Account of discovery of Anti•1uities matle at Fali River J\lassadmsetts, communi­catetl by Thomas H. We!Jh. l\1. D., in Lrrtcrs to Charles C. Ilafn, Secretary, "ith Remarks by thc latter, pag. 10~ id.

- Brief Nolices of a Hunic Inscription found iu North A me rica, conununicatctlloy Henry H. Colcrat in Letters tu Charle~ C. Rafn, Secrclary with Rcmarh anucxrd loy thc latter, pag, fi!} ihid.

- A"tronomit·al evidences for the si te of the l'hief SPllelrnent of tho' :uu·icut Scamliua­vian" in .\rnrrica. By Charlc~ f.. Rafn, pag. 1~8 ibitl.

J\,., llf,·n/IJrif!s rlP Charl"" C. Hafn foram tr;u)uziola~ cm tliwrs:l>' lin;.:uas; cm pnrlllf!Ut"Z pdo lor:1zileirn .\buuel Ferreira La;u~, 'JlH' as puhlicou ua Jlerista trime11saf tft• l11~tit•tlo !Jistorit'U /Jra;;ifeiro, ett· .. tniii•J u, pag-. ~to a ~:a;.

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8 llnEVE NOTICIA

Dinamarra, cm parte do p:~laciu de Christiansbourg, possue já grande quanti­dade de objectos dos tempos antecolombianos, c.omo fragmentos de pedras com inscripr:ões islandezas, em ruuico antigo, e em caracteres latinos, con­tewlo algumas a cruz, na maioria encontradas nos cemitet·ios rltte se teem des­coberto na .\merica septcntrional, e junto varios pedaços de feretros de ma­deira, vasos de metal e de pedra, tecidos rle lã grosseira, e até um vestido r1nasi completo. t

No romer:o do seculo xv a geographia estava na infancia. I Is factos trans­mittirlos pelos antigos historiadot·es, junto :is fahulas inventadas e ás conjectu­ras extravagantes e poetieas rios navega•lores, como ainrla se observa nas car­tas d'esses tempos, tão cheias de illnstrar:.ões, bem o pt·ovam.

Em Portugal o infante D. Hem·ique, conhecedor de que os mais haueis pilotos sr'l navegavam pelo rumo das costas, em rotas conhecidas, coarljuvado por homens instruidos organisou a sua escola rle Sagres e tratou Jogo de des­envolver o estudo da cosmographia e da astronomia. _\hi reuniu o que havia dt' melhor pela Europa de cartas geographicas, mappas, planispherios e livros de viagens, e consultou os mais notaveis mathematicos da sua eporha para as famosas emprezas nauticas e fazer perder os prejnizos e o panico de que quem passasse além do Cabo Bojador não mais tornaria.

D'esta escola sahiram intrepidos navegadores, que afrontaram os maiores perigos, sulcando o vasto Atlantico meridional e o mar indiw.

Os nossos historiadores antigos, e entre elles Antonio Gaivão 2 escriptor muito consciencioso e intelligente, mencionam que o infante D. Pedro, duque de CoimiJra, trouxera de Veneza, quanrlo recolheu ao reino em H38 ria sua perigrinaç.ão, o livro de viagens de Marco Pulo e bem assim uma carta marí­tima notavel, que offereceu a seu irmão n. Henrique .. \lém rl'este auctor, _\n­tonio Hibeiro do Santos, na sua enulitissima Memoria. sobre dois antigos mappa.s geoyraphicos do infante D. Pedro, e du carturio de .tilcobm:a 3, descreve o do mos-

' Annaes de archeologia do 110rte, 18'l2-18f.t:3, pag. 330. 2 Filho tio chronista Duarte Gaivão e neto de Rui Gaivão, secretario de ll. AfTunso Y.

Antonio Gaivão nasceu na lndia nos primeiros annos do seculo xv1, foi capitão das 1\luluras e govel'l!:ulnr tlo Temate, onde pmticou actos do maior heroismo e amor patrio, chama1lo por autonomasia o Apostolo das lllolucas, deixou esrripto um tratarlo-Dos dil•erso.~edt•s­nrirados caminhos por ondt• nos tempos tmssados a pimenta e esperim·ia t•eyo da lndin ás 110ssas partes, e assim de todos os descob1·imentos anfi!JOS e moder11os que silo feitos t'm ne·m de 1!')50. O aLLalle BarLuza l\larhado chama-lhe insigne capitão e zeloso apostolo das Mil­Juras. Este benemeritn teve po1· fim a rerompensa f(Ue outros muitos alrançaram du seu paiz-fallerru pohrissimo no hospital de Lisboa a 11 de man;o de t5;Ji!

3 Publicada nas .~J,·,mwirls de litteratura porlu!flll':a, tom. \'III, parte 2.• paf!. 2iJ.

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SOBRE O DESCOBRIMENTO DA AMERICA

teiro feito no mesmo seculo, e em ambos não só vinha desen!JaLIO o celebre Cabo Tormentoso, com o nome de Cano de Sataua:;, como estavam assigna­Jadas algumas terras do 1Yvro Jlundv.

O papa :\lartinho Y, para coadjmar os emprehendinwntos do infante LI. Henrique, rúrma bulia fez doat:ão peqwtua a Portugal das terras, mares, ilhas e minas que descobrisse além do CaLo Bojador até ils Imlias, com indulgencias plenarias aos que morressem u·essas emprezas; e os seus successores no pon­tificado, por outras hullas, ainda lhe angmentaram as concessões, com exce­pção das ilhas Canarias, que Sixto I Y doou aos_ reis catholicos. Calixto lll lam­bem concedeu ao mesmo infante, como grão-nwstre da ordem de Christo, o prm·imento de todos os heneficios ecdesiasticos nas terras IJUe fossem desco­bertas. 1

O descobrimento ctas ilhas dos .\(ores tele Jogar na quarta decada do se­ruJo xv, e este facto foi, por certo, um passo gigantesco no raminho para o outro continente. ns primeiros habitanl~s d"estas ilhas por vezes liram alli fragmentos de arvores, mesmo grossos madeiros, sendo alguns com certo tra­Lalho, cadawres, que vinham boiando 1le oeste, de illlli,·iduos com fei1:ões tlif­ferentes das dos Europeus, tudo trazido pelo vento d"aquellas paragens, o que lhes annunciara harer para esse lado terras habitadas. 2

O inf;mte D. Henrique falleceu em Sagres a -13 de novembro tle H-GO, hawndo nascido na cida,Je do Porto a -~ de março de 13!H-. Adoptou como empreza uns pequenos ramos de carvalho com fructos e a legenda- Talent de bien faire . . \ sua morte não diminuiu o entlmsiasmo para novos descobri­mentos, e commetleram-se feitos tão arrojados e coroados de tão bons resul­tados, que ronstiluem hoje a nossa brilhante epopéa marítima.

D. AfTonso V em 3 de 1lezemhro de I iliO fez doação ao infante D. Femando, duque de Yizeu, seu sohrinho, 3 das ilhas-da :\ladeira, Porto Santo, Dezerta, S. Luiz, S. Diniz, S. Jorge, S. Thomaz. Santa Iria, Graciosa, S. Miguel, Santa 1\laria, S. Jacob, Filippe, de las :\laia:-:, S. Chri:-:lovam e Lana, e de Jesus Christo, com todas as remia:-:, tlireitos e jurisdicçl•es-«fJUe a nós ora em ellas pertence e de tlireilo tleremos de harer, assim como as de nos havia o infante D. Henrique meu tio que Deus haja ... » \ O infante D. Fernando fez conces­são do senhorio das ilhas do FaJal e Pico a Jooz Dutra ou Jub de Huerter,

1 Freire, Vicln elo infnnte D. 1/t'nrique,-Arrh. Nac. da Torre do TnmLo, gav. i, maço t:l, n." i.

2 \"id. J,J,•morins cln Araclt'11Úa Rml das Sl'iellcins, tom. v, ria t.• ~eriP, p. 101. 3 Nafceu a i 7 dt• novemhro de I i:J3 c fall••et•u em Setuhal a 18 tle setemhru de I~ i" O,

foi o pae de El-rei D. i\lauoel. •Arch. Nac. da Torre do Tombo, Lit,. dos Jlysticos, 11. 5~ v.

2

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10 BREVE NOTICIA

que as povoou. A carta regia de 31 rle maio de won 1 diz: ter já a conces­são tias capitanias das tlitas ilha5 o mesmo .Job de lluerter, sen•lo n'esta data coullnuado o cargo com a juristlicç.ão, ren•las c privilegios, que havia reque­rido, e gosavam os capitães da ilha da :\ladeira. Além tfeste tlocumento existe no Archivo da Torre do Tombo uma sentenç.a 2 pass;ula no juizo da corôa em ti de setembro de 1:)71, olllle se diz que .Jub de lluerter, a instancias do in­fante D. Fernando, tluqnc tle Vizcu, mestre tia ordem de Christo, viera po­,·oar as duas ilhas Fayal c Pico, pertencentes á mesma ordem, ficando as ca­pitanias para elle e seus descendentes.

A mania rle tentar descobrimentos para usofrni•· as capitanias com as suas rendas e privilegios de juro e hertlatle, levou varins aventureiros a requere­rem concessões tlc suppostas ilhas ou terras firmes, antes mesmo de emprc­lwntlercm as viagens, e alcanç.aram do monarcha despacho pruvavel. Assim:

A Rny GmwaJyes da Camara, pela carta regia pass:ula em Almytlc (Al­meirim~) a ~ l de junho de I í 73, se fez doação de juro e herdade de qnai•Jtter ilha, que elle por si ou naYio seu achasse, com todas as suas rentlas, dit·eitos c jurisdicçõcs. 3

A Fernão Telles, mordomo mór da princeza D . .Joanna, n'outra carta pas­sada em Extremoz a ~2 de janeiro de I í i '1, foram concedidas as ilhas t]Ue des­cobrisse, por si ou por seu mantlatlo, no mar Occcano com suas rendas, di­reitos, etc. 4

Os pedidos de senhorio tle ilhas ou continentes que lograssem descobrir cm arriscadissimas viagens, feitas á custa da fazenda real, deram logar a bas­tantes desastres e perdas, e levaram D. Afionso V a consultar, por iuterme­dio do seu capellão, o conegu Fernando :\lartins, o celebre metlico-cosmogra­!'ho florentino Paulo de Pozzo Toscanelli, sohre as probabilitl:Hles de hom re­sultado em tão arriscadas tentatiyas marítimas. A resposta escripta em latim, com a data de 2~1 •le junho de I ii 't, allirma a possibilidade tle ir ao Oriente pelo Occidente, atteuta a csphericidade tlo globo. 5

D . .João 11, pela carta regia passada em Santarem a 30 de junho de 14.8't,

tArch. da Torre do Tombo, Liz•. 6tl de D. João Ill, O. t09. ~I Li ti. Um·eta Hi, maç. tli, n. • 5. 3 Arrh. Nae. da Torre do Tombo, Lil•. das lllws, 11. t v. qiJi•L Li!•. 7." de D. AfJonso V, O. 93; Liv. 70de D. João JIJ, 11. 30, e Liv. tias

I l/tas, n. 5 v. :. Existe uma copia da propria lcttra de Colomho em um volume da Bibliotlteca Co­

lumbina de Srrilha. E~ta carta foi ultimamente reproduzida em fae~imile por Henry Har­ir:;se na sua obra-D . . li'ernando Colon ltistoriador de su padre. Sevilha t87L

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SOBRE O DESCOBRIIIIENTO DA A:IIERICA H

fez doação, a Fernando Domingues do Arco, do senhorio, com todas as mais regalias, de quai•Jner ilha que desco1Jrisse. 1

A Fernando tle rimo ou L>ulmos, capitão na Ilha Terreira, foi confirmado pdo mesmo mouarcha, em carta regia datada de Lisboa :1 2'1 de julho de 1 í81i, o coutrat'lo sobre a Ilha das Sete cidades (AutiliaJ, feito com João Alluuso do Estn•ito, morador no Jogar do Funchal da Ilha tia :\ladeira.2

A este mesmo João AITunso tio Estreito foram concedidas as rendas e di­reitos das ilhas ou terra firme que tlescobrisse. 3

llüuve outro João .\lfonso, piloto iutelligente e ousado, tJUe por despeito de faltas de reeompensa aos seus muitos senit;os, foi para França, oude andou em navio de corso, e por ter a sua resitlencia em Saiutongeois, Jogar nas im­mediações de Cognac, assim o ap}Jelitlaram de Saiutonge01s. Por esta circum­stancia alguns escriptores francezes o deram como seu conterraneo. Heixon uma Hytlrogra}'hia manuscripta tia qual se publicou um extndo em I :1ti!J, sendo o auctor já f;dlecido, com o titu!o- royayc·s art'ntureux du copitame }I'Oll Alphonse Saintongeois. Este piloto, andou na annada do celeiJre corsario João Ango, que tantos prejuízos causou a Portugal rouiJawlo os navios que vi­nham carregados de mercadorias tia India e do llrazil."

Xão foi sú este portuguez que. engodado pelo vil interesse ou fendo pelos ôesgostos, abandonou a patria para ir servir estranhos. l\'a Hespanha e na Fran~a eram arolhidos e bem estipendiados os homens praticos nos mares da Guiné e das Indias orientaes. Assim se tornaram bem nolaveis, entre outros. os pilotos Este,·ão Dias, o Brigas, Uosado de Villa do Conde, João Fernandes e Femando de ~Iagalhães.

João Dias, piloto portuguez, em l'üi:J foi prezo em Hespanha e entregue a Portugal por ter sido eumplice com os francezes no rouiJo de 20:1100 tlo­Lras, feito a uma caravella portugneza que Yinha 1la :\Iina. 5

A João Fernandes, moratlor na Ilha Teneira foi concetlida em H!Jt1 a ca­pitania de qualquer ilha povoada ou por pomar que desco1Jrisse.6 Parece ter

1 Arch. Nac. da Torre do TomLo, lir. 22 de D. João li, fl. 34, e Lit·. das lllws, 11. I!J v.

21!Jid. Lit·. 4 de D. João ll, fl. 101 v. e Lit·. das /lhr1s, fl. 113 v. 3 llid. Lic. 1!) de D. Juão li, fl. 87, e Lit•. das ]fitas. fl. 23 \'. ~No ard1ivo da Torre do Tumlou (L'orp. ch?"0/1. parle t.• maço ;j7, doe. !Ji) acl.a-se

um dorumenlo em que Franri~co I de Frauça por uma earla patente de 2i de agMlo tle Hi36, mandou re~tituir a Purtugal as tnmadia~ IJUe os piratas tia sua na~ão ha\·iam fl'ito em navios portu;ruezes.

> Areh. rt'al dr Simancas, Jliavarretr, rloc. n.• :32 du tom. m, pag. 515. 6 1Lid. Lit•. Hi de D. Jllmwel, 11. 3Y v.

Page 11: Breve noticia sobre o descobrimento da America

BREVE NOTICIA

sido este o piloto IJUe, não conseguindo em Portugal os meios para a expedi­ção, se associara a tiuis purtuguezes dos Açores, Francisco Femantles e João Gonçalves, escuticiros, e a tres negociantes tie Bristol, Hichar1l Wartle, Tho­maz Assehelmret e John Thomaz, a quem Henrique VH tie Inglaterra passou, a J 9 tle março de 1~0 J, uma carta 1 palentc para ties,·uLrircm terras e gover­nal-as em seu uume.

Emquanlo a Fernando_tle :\lagalhães pela importancia da sua em}Jreza ma­rítima e consequencias lJUe se seguiram merece mew .. ~ão especial, emLora a epocLa tio facto vá além d"aquella lJUe uos vrupomos esLoçar.

Pelo aviso tie Alvaro da Costa, emLaixatior em Castella, souLe-se logo em Lisboa tias IJrovustas de Fernão de l\lagalilães e do astrologo e mathematico Ruy Fallciro 2 a Carlos V, c consitieruu-se caso grave. l\o conselho de estado reunido em Cintra o bispo de Lamego insistiu em que se chamassem ao reino os dois purtuguezes desleaes, e se lhes fizessem mercês 'lu e os contentassem; mas el-rei D. Manuel, u tiwtne tie Bragança D. Jayme, e o conde de Tarouca, sem medirem o alcance tie tal tentativa, furam tie opinião inteiramente contraria.

Alvaro tia Custa, uãu pudentiu vrulungar os estorvos á viagem perante o concelho de Castella, J)rucuruu attrahir Magalhães com granties promessas, tendo com ellc longas praticas cm Saragoça, e provavelmente o levou a escre­ver a carta a d-ret lJ. 1\lanuel, que Damião tie Goes diz ter visto, 3 prupuntio voltar ao serviço de Portugal.

D. l\lauuel teimou ua recusa, resultando para o reino gastos consitiera­veis, desaven~.as entre as duas monarchias, e para Magalhães a gloria tios descoLrimeutos do Estreito, das 11has Philipinas e tios Latirões, depois cha­madas :\Jariaunas.

Ás cartas que lhe escreveu Francisco Sen·ão, feitor em Banda, homem muito cunhecetior ti·aquellas ilhas, assim como das tie Teruale, l\laluco e l\la­laca }JUI' ontie navegou muitos annos, se allriLue o emprcllemlimentu de 1\la­galhães, como verificou Antonio tle Brito em Maluco na correspondencia en­contrada por morte tio dilo Scrr;to.

liaspat· Correia foi contemporaneo de Femão de 1\lagalilães, com quem seniu na lntiia durante o governo tic AfTonso ti'AIIJuc}uerque, e por isso u te­mos como mais authcuticu e imparcial entre os escriptures que narraram os acontecimentos, e d"clle tresladamos o seguinte:

1 E~te tlocumento foi transcripto na integra, com a competente tmtlucção em portu­guez, na excellcnte -Jilemoriu Jlistorim dos Corte-Reaes, velo SI'. Ernl'slo do Canto, pag. 74: e seguintes.

2 Falleceu~doitlo no hospital de Sevilha. 3 Chronica d'el-rei D .. Manuel, part. 4:.• cap. xxxvu.

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St)BRE O DESCOIJRUIENTO DA AMERICA t3

« Ft·r·nawlo «le ~lag·alhães era tia eriação de EI-Hey e veo à Judia com o Viso rei dom Francisco, l' foy nu feito tle rumes, e sempre nas armadas, e em Calewt. muylo ft•ritlo, e penleo n'estas uaos sua pobreza. e lli'OIIt~ se foy a Portugal, e andou cm rctJnerimentos de seus senil:os, e pedia a EI-Hey rPm rt>aes 1 d'aeret·entamento em sua m'•radia, o IJUP lhe EI-Hey 1111111 'luis fazPr, fio que se a granou. e fny pt'ra Ca . .;(,•lla viner em Seu ilha. onde se e asou: e porque tinha muyto sai.Jrr u'arte de uar11•gaçãn, t' e:-pirilo, que se lançou a ysso, se concertou rom os n·gt•nti'S da rasa da t:outratação dt· Seuilha, com que lhe deu o Emprratlor lmma armada 11t' cineo uauios com 'l"e nauegou, descobrindo nouo ramiuho pera :\laluro, o qrw fuy no anuo de quinheutos e llezanoue, como adiante em seu Ioga r contarey; com t(tre deu dt•pois mu~·to trabalho a Portugal» .2

No govemo tle lliogo Lopes de Se,Jueira, o capitulo xtv 3 tem por titulo: «Que recouta da armada que partio de Castella o a uno de I:; I !), de 11ue foy capitão rw·n· Femãu lle Magalhães, homem portugncz, tJIIl' agrauado d'EI-Hey de Portugal se foy viner com o emperador Carlos; e conta todo o tJIIe passou na viagem, e os que chegarão a :\laluco, e o lim tJIIe tod·arm;ula ouve».

Diremos apenas em resumo: que a proposta de :\JagalhJes aos reget.lores era que, se lhe dessem navios e gemr., iria ás ilhas tle :\lalaca e Maluco, que pela demarc;u;ão do lratallO de Tonlesillas estavam 110 ljllillhãu tle llespanlla' ourigando-se a fazer a navegação tJara lá sem tocar em nenhum mar nem terra de el-rei de Portugal.

Carlos V deu a concessão nas condições propostas. 4 Conduitlos os pre-

1 Damião de Goes na Chronica d·"el-rei D. 1llmwel diz: duzentos reaes por mez, que é meio au:ado de ouro.

2 Lt'fldas da lndia, tom. 11. par!. J:• pag. 28. 3 JLid. tom. u, part. 2 • vag. G~r-i.

4 Carta Regia dirigida pelo rei de lkspanhu u Fernando de .1/agallu"ies e a Ruy Fuleiro para seguiJ·em ua armada l'iagem para as Mulucas.

EI Rey- Fernando de l\lagallaiís e Ruy Falero, caval1ero1:> de la onlt•m 1IP Samtiago nuestros capitaiís generalcs dellar·ma,Ja 'JUe mawlamos hacer para yr a dc~l'oJ,rir, y a los otros capitaiis particulares de la dicha armada, e pilotos, c rnaestres, e contramaestrcs, c marineros de las náos de la dit."ha arruada: pnr quanto yo tengu por cierto sc!!urul la mu­rha informaeion que he avido de personas que por espericncias lu an visto, •JUC en la~ isbs d'l :\laluco ay la espel"iaria, IJUe principalmente ys a lJuscar com esa olicha arrua,Ja, c my vuluntad es ')Ue derecharneutc sigais el viage a la dirhas islas por la forma e manera l.jlle lo he dicho e maruJado a vús el didJO Fernawlo de Magallaiis: por entle )O vos mando a todos e a cada unu de vos, 4ue en la navegacion dei dicho viage sigais el varecer e deter­minacion dei dicho Fernando de l\lagallaiís para que antes e primero que a olra parte ai-

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BREVE NOTICIA

parativos da armada, escolheram-se capitães de confiança, que haviam de com­mawlar as naus, e foram elles- João de Cartagcna a Santo Antonio, Luiz de 1\Iewloç.a la rictoria, .João Serrano Santiayo l' Pero de l)uesada la Concepfiuu t­A fruta com gente paga por seis mezes, levando por capitãu-múr Fernawlo de 1\Iagalhães na nau Trinidwl, sahiu do Porto de São Lucas de Banameda a 21 de sl'lewllru de liil9 e foi tomar agua :is ililas Canarias .. \IIi receiJeu :\lagalhães ca1·ta do sogro, prevenindo-o cout1 a alguns tios capili1es, que por occasião do embarque haviam dito lJUe se elle os anojasse o matariam. l\lagalhãcs rcspon­dl'u-lhe noiJJ"emeute, como homem que nada receia pelos seus adus, e •tue pussuia o ,·alor neccssario para fazer manter a dbciplina na armada que lhe havi:1m confiado.

Chegawlu ao CaiJo de Santa !\la ria, •tne João de LbLoa descobriu em Hi lí, foram tomar agua e lenha no riu de S . .João, e ahi se revoltaram os dois ca­pitães .João de Cartageua e Luiz tle 1\Iemloça. O plano era matarem o capi­tão-mór, tomarem o dinheiro e fazl·nda, •tue sonegariam, e voltaullo para llcs­panha accusarem 1\Iagalhães de os levar vemlidos e euganatlos.

O capitão-mór, que eslava de preven~ão, tomou logo medidas repressivas, mamlawlo o meirinho :\mhrosio Femaudes, acompanhado de seis homens es­colhidos, os tJUaes com artimauhas lograr:un entrar no navio de Luiz de 1\Ien­do-:a, a •Jucm snl•ilamente deram a voz de preso, e pela sua resistencia o de­guiou u ditu Amhresio. 1\lagalhães veiu pre:-te em soccOITO tlus seus, a bonlo mandou enforcar nas vergas sei::; homens que se ha\·iam tornado mais salien-

guna vais a las dil'has islas de Moluro sin que en ello aya ninguna falta por que asy rum­pie o Jmestro ~ervil·io e de:-pues de fecho e~to se podra buscar lu de mas que convenga, conforme a lo que llevais mandado, e los unos ny los outros non fagades ny fagan erule ai por alguna m:mera so pena de perdimento de biens, e las perwnas e la nuestra ruerrell. Fecha eu Barcelona a diez e nueve dias dei mez de abril ano de mill e quinientos e diez c nueve anos.

Yo elrey

Pur mandado dei Rl'J- Franl"isco de los Covos. Pera lJUe los de km.arda sigan d parecer y determinarion rle Magallaris pera que an­

tes y primero que a otra parte \":1}3 a la esperiaria. ~Durun:euto urigirwl que existe no He:al Arrhivo da Torre do Tombo, Corpo cilm-

110fogiru, pari. L •, maço 24, 1lor. 11." ü4.-J:í fui impresso nus Amwes mm·itimos e colo-11icu•s, 4.• seric, parle uào ulllrial, pag. 2'i.)

1 Na,·arTete, uo tomo rv das J'iagn1s, lliz a pags. t9, ~t l" titi -que as tripulações se compunham de 2tm hunwns, l>endo 29 portuguezes, e os restantes hcspanhoes, flamen­gos, alll·mães, bretões, napolitanos, normandos, franeezes c de uutras nações. Os pilutos das cinco embarcações eram portuguezes.

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SODRE O DESCODRUIEI\'TO DA A~IERICA f5

tes. e deu o commando do navio a seu ctwhatlo Duarte RarlJoza, portugtH'Z. A nau de Carlagena. solta do ferro, foi ahalroar com a tio capilão-m··,r, 1l"onde resultou ser preso o chefe da revolla . .João de CarlagC'na, mawlado esquarh-jar rom pn'gãn 1le traidor, e os seus cumplires encarcerados n::ts homlus. _\ uau foi enlregue a .\1\·aro de ~lesquita que havia sido conlrario ao alevanlam,.nto.

SnpplantHh a conspiração e corwertados os navios, seguiu av:urle, dei­xando 1lesterrados nas margens do rio alguns dos revollosos e navegou :10

longo da costa ate ao rio, a que poz o nome de \'ictoria, d"omle lhe de:;erlou a nau de .\1\·aro de 1\lesqnita.

:\Jagalhães com os Ires navios rc!stanles caminhou pelo rio mais de cem IC'guas ale sahir ao mar largo, onde, com o levante ú popa, andou mais de rinco mczes, indo ti:' I" a umas ilhas, sC'ndo uma d"l'llas povoada de srlvagens com quem ligou trato 1le amizade, ajudando-os a desbaratar um rei vizinho 'Jill' os guerreava e fazendo troca de ohjt'Cios insignificantes por oiro. Passados :tlgnns dias, o rei vencirlo fez parlicularmenle propostas ao rei vencedor, e cnm­Linaram 'JUe este ullimo cumidassc os chefes christãos a um gr;mdc lJalliJUete onde seriam todos morros. Fernando de :\Jagallrães com trinta dos principacs tripulantes cahiu na cilada e ahi foram todos traçoeiramente lrw·idados. Os 'Jlle ficar:un nas naus. sabedores do morlicinio, e sem poderem soccorrer nem vin­g:tr as victimas deitaram fogo a um dos navios, que fazia muila agua, e nawga­ram para o largo. r m tal Carvalhinlro, pi luto da capitania foi arvnrado por com­marulanle das duas naus, resto ôas cinco de tJUe se compunha a expe,Ji,:ão, e fiwam parar a Boruen d"oudc passaram a 'Jolu·;o e a Tcrnate .. \hi .João de la Hnsa substituiu no mando o CarYallrinl11,, e depois de muitas rontraried;ules conseguiu chegar com uma 1las naus a llespanha, em 1521, cum treze ho:neus de tripulação•.

Os contractos dos reis de Caslella com Fernando de :\Jagalhães e o ba­charel Uuy Faleiro, são datados de man;o tle HiiH. e existe cl"elles copia au­tlu'nliea d"a,Juella epocha no archim da Torre do Tombo. 2

................................................................ Depois do descoLrimcnto da America por Christoram ColomLo e a inst:m­

cias suas pediu a Hespanha ao papa outra ôemarcaç;u1 de lunites 'Jlle lhe ga­rantisse as novas possessões, e .\lexandre VI, pela bulia de 4- de maio de HU:J, determinou para direito cJ,• descoberta- uma liulra imaginaria que partia das

---------• Na companhia de ~lagalhàes foi como piluto João Rodrigues de Carvalho, 'lue pro­

vavelmente é aiJUi designado por Carvalhinho. Gaspar Correia diz ser portugnez João !le la Hnsa.

2 Gareta 18, maç .. ~-0 doe. n." 3U, e maç. 10, doe. 11. 0 4-. Foram impressos nus Annaes maritimos e col011illes, ~.· serie, parle não official, pag. 23 a 35.

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16 HREVE NOTICIA

ilhas dos Àf:'ores e Cabo Yenle, dividin1lo o globo de norte a sul em partes eguacs, ficando pertencendo :1 de leste a Portugal e de oeste ã llespanha ... ((Umnes in:mlas et terras firmes inventas et inveniendas, tletectas et tletegen­das versus ocdtlentt•m et merediem, fabricando et constituendo unam linPam a poJo :m:tico atl polum antarcticnm, qnae linea distet a qualibet insnlarum qnae vulgariter nuncupantnr de los .\zores et Cabo Yerde centmn leucis ver­sus occitlentem et meridiem'' ...

O papa era o jniz supremo Jus estados christãos e raras vezes deixaya de se acatar a Sll<i auc.toridatle, comtudo D . .João II protestou contra a partilha, não se conformando com a direcf:'ão da nova linha divisaria, e esta opposição deu origem ao celebre trat;ulo de Tordezilltas, assignado em 7 de junho de de I í!H., owle ficou assente entre as duas corôas que a linha divisnria passa­ria a trezentas legoas ao poente do archipei;1go de Cabo Verde, e por isso fi­cou pertencendo a Portugal a parte romprehendida na futura descoberta do Brazil.

As outras nações europeias não ptotcstaram contra a partilha de Alexan­dre Yl, ~omo fez n. João II: reservaram o direito de acção contra o favor I)Ue o chefe da egreja havia feito ;is duas corúas.

O rei de Inglaterra, como dissemos, IÚima carta patente concedeu a ne­gociantes seus sniJditos, associados a portugnezes, aurtorização para desco­brirem ti'ITas e gorerual·as em seu 11nmc.

A França, nüo sú estabeleceu feitorias em alguns pontos tias costas dn Brazil, d'owle lin·am expulsas dt~pois de sangninoleutas Juetas, mas permilliu o corso, como meio mai~ facil c llll'ralivo, sahiwlo tio~ portos da Normallllia. da Gascnnha e tia llretanha grande nnmt•ro 1le ua\·ios arrnatlos qne causa· ram graves prejuizus à llespanha c a Portugal. {Wias prezas que fizeram nas cmiJan~ações c carregamentos de mercadorias, t{Ue vinham «la India e tia America.

Já el-n'i D. :\lanuel em I i de tlezemhro tle ·150tl passin·a regimeuto a João Sen·ão para ir, n·uma caravdla bem arlilhada, procurar pelos portos da Europa o corsario francez Mnudragou, qne rouiJ;'u·a l'lll :\loçambique a nau de Job Queimatlo, que não havia potlitlo acompanhar a armatla de Tristão tia Cunha. t Não tentlo sido encontrado, a 18 de janeiro tlo anno seguinte parliu o heroico Duarte Pacheco Pereira em busca do ntesmo corsario. 11

No reinado de D . .Joâo III tontuu a pirataria proporções assustadoras. Este

1 Arch. Nac. da Torre do Tomho, Cm]JO rlmm., pari. t.•, maç. 7, doe. 6~. l'uLii­cada nos Annaes maritimus e mlulliaes, 3. • série, pag. 53li.

2 Quintella, Annaes da marinha portu!l·, tom. 1."

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SOBRE O DESCOBRIMENTO DA AMERICA 17

mon:~rcha com a m:~ior prttdencia. sollicilou com instanci:~ do rei de França que retirasse a carta de marca, que havia cnnce1lido em 2i de julho de Hi:JO, a João Ango, rico armador dieppez, contra os navios portnguczes, até 220:000 ducados, a titulo de indemnisação e represai ia por se lhe haver aprisionatlo um 1

navio nas aguas da barra de Lishoa, que conduzia mercadorias americanas, que se pnwon serem roubadas. A tripulação foi condemnada á morte pelos tri­bunaes cnmo piratas.

Apezar de muitas amabilidades trocadas entre os dois soberanos, o de Portugal, vendo que o seu bom irmão Francisco I não cedia, teve de descer a offertas particulares e secretas, promettendo dez mil cruzados a Filippe Chabnt, almirante de França (!) e GO:OOO fr:mcos ao poderoso corsario.

D. João II preparou a descoberta da lmlia que se levou a effeitn no rei­nado 1lo seu successor, e promoveu os estudos da naulica, que em Portugal, n·aquella epocha, atlingiram o maior dcsenvoh·imento. Este progresso marilimo e as emprezas aventureiras, allrahiram ao reino grande numero de extran­geiros, uns no intuito de aprenderem com os pilotos pnrtuguezes nas arris­cadas ''iagens, partilhan11n da sua gloria e proventos, outros illustr:~dos que offereciam a sua sciencia, e entre estes foi notavell\lartim Beheim ou Behaim, que os escriptores portuguezes cham:~m de Bohemia.

llartim de Bohemia nasceu entre os annos t 4.30 e 1436 na cidade de !Suremherg. Apezar de seguir a vi1la conunercial, dedicou-se por vocação es­peciai ao estudo tia mathematica, da cosmographia, da astronomia e d:~ nau­tica, tendo por mestres as maiores celeLri1lades do seu tempo. Depois de fazer varias viagens entre 1\lalines, Anver$ e Yienna, veiu para Portugal, devendo a su:~ chegada ser anterior a agosto de 1481, quando D. João II, seguindo o plano traçado pur seu tio na escola de Sagres, tratava de aperfeiçoar a arte de navegar, e l\lartim de Bohemia como discipulo de Camille Jean ~luller de l\lonte Regio não potlia tleixar tle ter o melhor acolhimento. 2

l\lartim Behaim com os dois hebreus, mestre Joseph e mestre Rodrigues, ambos physicos notawis, trabalharam na invenção das taLoas da declinação do sol, d'onde resultou poder f:tzer-se a nawgação directa pelo oceano em vez de seguir as costas, o que facilitou muito as viagens e as descobertas.

Em J 4.84 embarcou como cosmographo, para fazer experiencias no appli-

I Yid. a copia da ('OJTl':<powlenria original, tran:'milti•la a n. Antonio dt• Atl•ayde, em· haiurlor rm França. puhlira•la pPio nns,.;o amigo Fl'm:mtlu Palha, na Carta de marca de ]{)f/O AllffO, Lishoa, ~~~~. !1.", de JO!} pag.

2 João de Barros, Demda 1.•, liv. 4. 0, l'ap. i. 0

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IR BREVE NOTICIA

car o a:-;trolabiu á navegacão, levallflo •luas caravellas, capit.aueatlas pnr Diogo Cf111, que seguiram ao longo do continente africauo :-tté ao rio Congo, onde foi rollrw;ulo um p;ulrão com as arm:-~:-; portnguPzas, c em ahril nu lllaio de H8H estava de volta cm Lisboa. Os noms processos e instrumentos lllaritimos de­ram optimos resultatlos nas experiencias.

N'estc a uno de l 't.Sli casou cnm D. Joan na tle :\Iacedn, filha de Job Hner­tl'r, primeiro !'apilr•o donatario das ilhas tlo Fayal c Piro, e ,reste matrimonio houn~ um filho.

Em I Hl2 foi visitar a sua terra natal. onde concluiu o celebre globn ler­resino.. servindo-lhe tle grande auxiliu ns trabalhos tle Ptolomeu, Plinin, Slra­hru•, 1\larro Pulo e as derrota:-; de alguns pilotos portugnezes ua Africa até ao Cabo da Boa Esperaw~a. No globo já se acham m:m>.adas as tinas ilhas-An· tília ou das Sete Cidades e a de S. Romão. ~a ri•hule de Nuremberg- aimla se consenavam, além tl'este globo terrestre, diversos tlocumentos e cartas originaes do sahio cosmugrapho.

Yultou a Lisboa em !4fl~j e seguiu Iugo com su:1 mulher para o Fayal, ontle foi fixnr a sua rcsidencia. Parece ll'r sido portador da !'arta do dr . .Je­ronymo l\lonetario a Ll . .João 11, 1 datntla de I 't tle julho de I 193. N"eslto. im­portante tlncnnll'nto n•rmumenda-se 1\lartim de Behaim c intlica-se até a com­petencia d'elle para emprehentler o tlescobrimento do oriente pelo occideute, insistindo 1\lnnetario na pretendida prm:imitlade lias custas orit'ntaes da China <is occidentaes da Eumpa, como eslava mar!'.ado no globo de Behaim. Esta theoria, conhecida 1lesde 14-I -'t pela carta lle Toscanelli e ref!·eil;uJa nas pro­postas de Colombo, foi renovada com empeuho para n. Jorw ll a emprehcn­der não só pelo snl1io 1\lüuzer, mas lambem pelo imperatbr ~!aximiano.

ColomLo e Martim de BohCIIIia eram aposlolos da mesma itléa, mas o pri­meiro, mais insistente, conse1,!uiu o auxilio dos reis de llespauha e deman­dando as cnstas da .\sia •lesrobriu a .\merica.

Em lí94 fui Behaim cham:-tdo a Lisboa por n . .João II e encarreg-atlu de uma melintlrosa missrio ;10 Ílllper;ulnr •la Allemanha, qual era a de lhe pedir •Jne pela sna grande influencia pm~urasse llestruir as dil1h;nldades, •tue I1<1Yia em Purlngal para a legitimaçi"to de ~eu !ilho natural, o príncipe U. Jorge, sentlo a opposição prindpal a da rainha IJ. Leonor. ~-esta jornada som·eu gra111les transiumos, sendo duas wzes aprision;u]o pelos pir;tlas. e lJUando conseguiu ehegar ao seu deslino a feição polilka na côrte do rei justo havia mud;ulo, e por isso receLeu onlem Je sustar as diligencias de que ia encarregado e de J·cgTessar ao reino.

I Puhlicada no Archim dos Arm·cs, vol. 1, pag. 4 H.

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~fiBHE O DEgCOBRIME!\'TO DA AlJEIUCA lU

.\ 2;; de outubro de I ~ti;) falleceu D. João 11, e :\lartim tle Bohemia Ynl­tou para o Fayal, onde residiu ate t:ioli, anuo em •tne tornou com a sua fa­mília para LisLoa. onde falleceu n·uma quiuta feira ':W de julho de t:ill/. 1

sewlo sepultatlo na el!reja tio conYento tk S. llnmin~us. 1-:xisliram d'ellt) •luis rl'lralos, sendo um em corpo inteiro, qne linha por l•aixo insl'ripto: .1/llrtinu.~ Bollemu.~ 1\"orimbery. E1JlU'S, Sereuissimormn .Tolwunis /1 et Emmauuelis Lusita­niac Regum Tlwlastus et ..llat!lematiws insiynis. Olliit Jü06 Lisa/Jonae. ~

Os porluguezes cada wz mais afoitos com a passa~em do CaiJo Tormen­toso, ajwlados com os pro:.!ressos nauliros e applica•:ão tia astronomia á na,·e­gação, não conheciam oiJstaculos para tentarem o descoLrimento de nm·as ter­ras atrawz dos immensos mares.

D. Juão II, dando con10 tliYisa ao seu successor a c.~phera, parece que lhe prognosticou ljUe no seu reinado colheria os melhores fmctos dos grandes es­tudos e trabalhos do immorlal infante D. flenriqne, e tios •JUe o se~:untlaram nas suas gigantescas aspiracües.

1 Alguns dizem ter sido em 150li e as~im está na inscrip~ão do retrato, mas damos a preferencia á in,cripção mandada p•jr por seu filho em t:H!l, n'uma lapida :-:epulchral á tlireita do altar múr no c•j•·o da e!-!rt'ja de Santa Catha1 iua em NnremloPrg.

2 Na sua Liographia, por Sebastião Francisco dP. )lo•Julo Trigoso, no tom. vm, pari. u, das 11lt·nw1·ias de littemtura portugue:a, puhlic:ulas pela .\eaolemia Real tias Sciencias de Li::bua, de p. 3{i5 a 40 I.

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TI

CHRISTOV Al\I COLOMBO E A AMERICA

HIIISTOYA" Colombo nasl'l·n em Genova no annu de H37 filho pri­mogeuilo de Dnrninicn Cnlnutbo, cartlatlnr tle lãs. e tle sua mulher Susana Fnntanarrossa. Em Pavia fez us seus eslmlos cnncerneutes

ã navegat:ãu em que patenteou u Sf'U grande talento, e sendo ainda muito joven anduu em ,·iagens pelo ~letliterraneo como tripulante em navios mer­cantes e de guerra, escolhendo de preferencia expedições aventureiras.

Em lí70 altrahido pelos grandiosos emprehentlimentos marítimos dos portuguezes veiu estabelecer-se em Lisboa, onde nus seculus xv e xn não havia exclusivo de nacionalidade para nuvos descobrimentos: empregavam-se intlistinctamente os homens praticos e tle reconhecido merito, que offereeiam garantia de melhor resultado.

Alguns sabios extrangeiros nãn só foram consultados para essas emprezas, mas até tnmaram parte activa n· ellas, e entre outms citaremos João tle ~lal­lurca, 1\lartim de Bohemia, Juão da !\"uva, .\merico Yespncio e o proprio f.hris­to,·am Colombo que fez varias viagens pelas costas de Portugal e Hespanha, alungantlu-se até ã Guiné e ã costa tia ~lina.

Pouco depois da sua chegada a Portugal esposou D. Filippa ~loniz Peres­trello, filha de Bartlwlomeu Pereslrello, t dunatario da ilha de Portu Santo, e de sua mulher D. Isabel ~loniz, recebendo apenas por dute, segundo dizem alguns historiadores, os mappas, itinerarius e papeis de seu sogru, que l1avia feito

• Fallecido em t45~.

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C) C) ...... BHEVE 1\"oTICIA

varte da casa tio infante ll. Hem·ittue e awH•panhara Gonçalo Zarco nu tles­coLrimento tias ilhas da !\ladeira e Porto S;mto, rec .. Lendo em relllllllt'riH:lio de seus servic,:os, em IlOH'IIILro tle 1 HG, a dnnataria ti' esta ultilua ilha.

O genovez em seguida ao seu casamento foi para Porto Santo d 'o IIli e passou para o Funchal e ahi vin•u de coordenar cartas maritimas. O sr. dr. Hotlrigues de Azevedo, n'um i11teressante artigo publicatlo no jomal (raquella cidade, tles­creve conscienciosamente as tradit;l"1es ttne l1a ácerca da estada de Colombo na i\latleira, e da casa em •JUC al•i habitou, acompanhando a descripc,:ão mua bella photographia de Camacho. 1 .\ casa indicada pertenceu á família Esmeraldo, que deu o seu nome á rua. Pela photographia reconhece-se Lem que a casa, lambem conhecida com o nome de Urauel do Poro, se compunha pnr ultimo tle tres corpos distinctos, não sú pelas divisorias mas pelo estylo architecto­nico, sendo os accresccntamentos posteriores feitos da esquerda para a direita. Esta ultima parte tinha uma janella em estylu manuelino, distincta pelo seu melhor traLalho ai Ll::-lic.o, h•parlitia por uma culumna, tendo gravado no ca­pitel, na face esquerda, cm uma moldura IHS (Jesus), na tio centro 14ü4. e na da clireita IIIAillA. O edificio com os ditos tres corpos. em dois mJtlares, tinha as portas em arco, as janellas tle typos clivcrsos, e nlio é facil acreditar que nm homem tJUe obtiuha os meios de suhsistenc.ia de coordenar cartas nauticas, haLitasse uma c:~sa de tão vastas dime11SI1eS. Suppomns pelo melhor uiterio que elle sú ot·cup:~ria o mrpo da esquenta, o primiliYo, ou o segundo, que apesar de posterior e pronYel estar já cnnstruitlo em 1480, anuo em que d'alli partiu o ge11ovez. Emquanto ú parte em tJne está a janella bipartida evi­dentemente etlitkatla tJliatorze amws depois, como vimos velo decalque 2 tirado do capitel, não podia ser habitado por ColomLo, que u·essa epocha já havia feito a descoberta da America, e até partira para a sua segunda viagem ao Novo Continente.

Em uma partilha dividiu-se a casa entre duas das principaes familias tia ilha (Canalha! e Omellas) que tlepnis a ventleram. A camara municipal para alargamento e afnmwseamenlo tia rua mandou demolir o pretlio, conservan­tlo-se apenas a janella em potler do sr. conselheiro Agostinho (J'Omellas . .-\ de­molit:ão da casa foi um d'esses vandalismos IJUC não tem classificaç.ão: inde­pendente da tradição !Jistorica, era um cmioso especimeu arc!Jitectonico tle

1 O artigo appareceu depois na lllustraçüu hrspa11lwla de H) t.le outuLro oie 1878, traduzido á lettra ma~ assiguado por D. Yentura Callegon. Ahi se reproduz o erro do pri­meii'O artigo do sr. dr. Azevedo, dizendo o annn de 1457. Motivou o engano o ter siolo feita a leitura, quando a janella estava ainda no seu Jogar, por pessoa pouco competente.

2 Este rlecahJUe foi já tirado depuis da demolição.

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SODHE O lJESCOllHI.ME:'\TO D.\ AMEHICA

urna casa nobre do seculo xr, e que o município por dignidade propria devia ter totlo o intPresse em conservar.

D. João II assignalou o come~o do seu reina1lo por dois grandiosos actos: o domínio supremo da realeza, e os preparativos para o tlescohrimento elo caminho marítimo para a Judia. Sú estes elois factos rle gran1le alcance poli­tico n ·a,lnella epocha attenuam a rwleza •lo seu caracter.

_\ arte •le navegar continuava a fazer gran•ll'S progressos em Portugal, onele a febre dos descobrimentos se tinha tornado geral. Desde o rei até o seu mais ínfimo vassallo, todos concorriam para as emprezas ma•·itimas, e trata­ra-se especialmente por esse tt>mpo de procurar o caminho para a terra das especiarias e elas ped1·as preciosas dobrawio o celciJJ"e Cabo Tormentoso. Esta noticia fez voltar Colombo para Lisboa em 1480. ondt> se relacionou com os navegadores mais nota,·eis. nacionaes e ext•·angeiros, conheceu os novos sys­temas de navega~ão, e estreitou intima amizatle com ~I:~rtim de Bohrmia, que já falara nas ilhas .\ntilia e S. Romão.

_\ paixão de Colombn pelas riílgens aventureiras tocava a monomania, e conhecedor tias boas disposiçl•es do monarcha, solicitou uma awliencia, owle propoz os seus famosos planos de i•· ao oriente pelo occidentf', conforme lhe haria in•licatlo Toscanelli. pedindo auxilio ele gente e barcos p:~ra os executar. O rei não o elescomçoou; mas os honwns compeh'ntes do seu conselho, além de pouco crednlos nas apregnatlas maravilhas c ri•Juezas promettidas pelo gc­novez, pondrraram os inconvenientes de tirar para nO\-as terras mais gente do reino, jit bast:mte despomado por causa tlas possessões e guerras d".\frica. 1

O conselho que rotou contra as pmpostas tlc C.nlombo. al.:·m •las razões al'ima allegatlas, pelo seu pouco fundamento e serem cxcessivament·~ exigentes, pois pedia como recompensa, dado o feliz exilo, o almirantado, o titulo de \"i­.:e-rei e outras muitas coisas, compunha-se tlP homens que haviam ajuda1IO as empresas marítimas do infante D. Henrique, e eram o bispo D. Diogo Ortiz c os mestres Rodrigo e .Joseph, physicos do rei, reputatl0s dos melhores cosmo­graphos e gcographos da sua epocha. O bispo D. Diogo era gramlc parlitlario 1le se tentar a descoberta do caminho mílritimo para a lndia P"lo Cabo da Boa Espcran•:a, e o in•lieatlo prlo geno,-ez tinha muitos oppositorcs. _\ jornada tle _\fTonso Paiva c de Pero da Covilhan, em 14R6, tlen razão ao bi~po.

Durante a sua permanencia na capital continuou com seu irmão Bartho-

1 Sebastião Franeisco 1\lendo Trigoso apresenta ainda outras razões, que motivaram tambcm a rejei~ão das propo~tas. Yit!. a sua Jle11wria sobre ~Martim de Bol!l'l~tia, publiearla nas Jlenwrias de Litteratum Portuyueza da Academia Real da:o: Seiencia:s de Lisboa, L vm, p. n, pag. 397.

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BREVE NOTICIA

lomeu, que lhe foi um poderoso am.iliar. na industria de pintar cartas mari­timas, que tinham muita extracção. Este modo de vida não se comhinava com o genio arrojado de Colombo, e com bastante prespicacia não perdia occasião de se instruir. c.olhendo informações elos navegadores e geographos.

Perdidas de todo as esperanças ele serem acceitas as suas propostas em Portugal, resolveu dirigir-se à Hespanha, para onde partiu clandestinamente em 148~. ignorando-se o motivo que deu Jogar á fuga: posto que alguns a teem aUribuido a ligações politicas na conspiração do dnr]ue de Vizeu, apu­nhalado por D. João II em Setubal a 23 de agosto fiO mesmo anuo.

Não foi só em Portugal que se duvidou dos maravilhosos planos de Co­lombo: o mesmo lhe aconteceu com as propostas feitas a r.enova, a Veneza, á França, á Inglaterra, e na Hespanha os dtH]ues de 1\Iedina Sitlonia, D. Hen­rique de Gusman, de l\Iedina Caeli, D. Luiz de la Cenla, e os reis catholicos só annos depois se resolveram a prestarem-lhe os :uuilios necessarios para emprehender a sua descoberta.

Em Hespanha luctou sempre com a maior pertinacia na propaganda a favor da sua causa patenteando nsta erwlição, o que lhe veleu alguns pro­selitos e protectores, sendo o prineipal fr. João Peres, guardião do convento ria Rabida, f]Ue gosava de grande importancia nos conselhos de Fernando e Isabel. Não faltou lambem quem lhe chamasse aventnreim, visionario e alé louco!!

Alguns escriptores carregaram tlemasiatlo as t~ôres negras do mau resul­tado das pretenções de Colomho perante os reis rle Castella.

N'um livro de contas de Francisco Gonzales de SeYilha, thesonreiro elos reis catholicos, entre outras despezas dos annos de I '185 a I '188 estão escri­pturadas as seguintes verbas:

«En dicho dia (5 de !\layo de H8i) di á Christ•"tbal Colomo, extrangero, tres mil maravedis, fJHe está aflui faciendo algnas cosas complideras al seni­cio de sus .\ltezas, por cerlula de Alonso de Qnintanilla, com maudamiento dei Obispo de Palencia.

«En 2i de diclto mez (Agosto de UHi\ di a Christúbal Colomo cuatro mil maravedis para ir ai Heal' por mantlado de sns .\ltezas, por Cl'dnla tltll O bispo; y de distinta letra continua asi.

«Son siete mil marawdis com tres mil que se le mandaron dar para ajuda tle su costa por outra partida de 3 de Julio.

• Est11ha el Real sobre 1\lala:,(a, ruyo sitio tlurú dt'sde i •le Ma) o ha~ta iR tle Agosto de ll187, en que se entrew·, la rimlatl; pero lus RI:'}~ prrm:mP•·irrun al;.:unos dias ''"~('IICS en una tiemla que hicierou colorar cerra de la puerta de t;rau;u]a. Llernanlez, c;~p. ~5 Navarrete, tom. 1, n.o 2, pag. 8 da 2.• edição.

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SODRE O DESCOBRIMENTO DA A~IERICA 25

<cEn dkho flia (fã de Octuhre rle I 'tR7) rli á Christ<'•bal Colomo cuatro mil maraveflis que sus Altezas le mandarem tlar para aymla a su costa por cednla dei Opispo.

En IIi de .Tunio rle I ~88 tii a Cristt'lbal Colomo Ires mil maravedis por cedttla rle sus _\ltezasn. 1

_\ somma total tl"estas wrbas são 17:000 maravedis. N"este ultimo anuo de I ~88 é que foi t>srripla a carta r1e Christovam Co­

lomho a D . .João II oll"erecendo-se novamr>nte para ,Jescohrir o caminho do Oriente. !\"avarrete transereve apenas a resposta llo monarcha aceitamlo a pro­posta no seguinte theor:

A Christovam Colom, noso especial amigo en Sevilha.

Christúhal Colnn. !\os Dom .Toham per grasa de neos Hey!de Portugall e dos Algarbes; tlaqnem e dallem mar em Africa senhor de Guinee vos en­viamos muito saudar. Vimos a carta que nos escrebestes e a boa vontade e afeizaon que por ella mostraaes teenles a nosso serviso. Yos agradecemos muito. Em<JUanto a 'Jue vossa illllustria c boo engenho nos será necessario, nos a desl'jamos e pracernos-ha muito de •Jne visedes. porque em o que vos toca se rlara tal forma de que vos debaes ser contente. E porque por ventura tee­rees algum rezeo de nossas justizas por razaon llalgumas cousas a •1ne sejaaes obligado. l'íos por esta nossa carta vos segmamos polia vinda, esta1la e tor­nada qne não sejaaes preso, retendo, acusado, citado nem demandado por nenlmma cousa ora seja civil ora criminal de cnalqner cualidade. E por ella mesma mandamos a tnrlas nossas jnstizas qne o cumpram assi. E portanto vos rogamos e e11commen•lamos que vossa vinda seja loguo e para isso non tt'­nhaaes pejo algum e teremos muito em servir:o. Scripta em Avis a vinte dr. l\larzo de mil cuatrocientos ochenta e ocho. ~

EIRey.

Temos algumas duvidas sobre a anthenticidade d"esta carta, em que D. João n acceita as offertas tio genovez com ahsolvi~ão plena tle todas as faltas civis ou criminaes em que tivesse incorrido! O monarcha justo não costumava prestar-se a taes indulgencias. e principalmeHle sendo a•Juelle consitlerarlo um aventureiro que lhe havia fugido dos seus estados. Portugal possuia eutão

I Bernardez, rap. Sã. Navarrete, tunL 1, n. 0 2, pag. 8 da 2.• edi~ão. 2 Navarrete, doe. tlipl. n. 0 3, •1ne diz existir o original no arrhiYo do dUIJUC de Ycr­

af!ua:,;.

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26 DREVE NOTICIA

grandes cosmographos, que seria longo mencionar, nacionaes e extrangeiros, promptos a emprehenderem as gramles viagens para o descobrimento da Imlia e Terra tio Preste João. Era este um projeetn decidido só diverso do de Colombo na diren,:ão a seguir. Alem ll'eslas razões temos a redacção da carta de D. João, em linguagem um pouco hespanholada e destoante ao 'llie então se escrevia.

Fazendo mHsmo justiça ao caracter de Colombo, então suLsidiado por Fernando e Isabel, mal se comprehemle a olferta de ir senir outra naç.ãol

Sú minuciosa analyse na carta original (?l poderia resoln~r estas dnvirlas. lmpaeiente pela demora 11ue tinham os reis catholicos em organisarem a

frota, com que devia tentar a grande descoberta, tomou a resolução de ir a Frcuu:a insistir com o christianissimo Carlos YH para favorecer a missão que Deus lhe lwcia rrl'clado na terra, como elle tlizia.

Quando já ia em caminho foi chamado pela rainha D. Isal:f'l, f{Ue, apesar da opinião contraria ele seu marido, tomou a empreza sob sua protecção, e os aprestos para a viagem come1;aram immediatamcnte.

Em 17 de abril tle I ~92 foi assignatlo um contracto, oLrigando-se os reis de Hespanha, no caso de ser bem succedida a empreza. a conferirem a Chris­tovam Colombo e a seus successores o cargo de almirante, com as honras e prerogativas de grande almirante tle Castella, o titulo de Dom, e o vice-rei­nai!O das terras 4ue descobrisse, com direito á tlecima parte de todas as pemlas, pedras preciosas, oiro, prata, acha1los, comprados, trocados, e com outras muitas vantagens e privilegios.

Os monarchas hespauhoes, pelo mau estado do thesouro em consequcncia da guerra de Granada, tiveram de contrahir varios emprestimos para aprestar a expcdiç.ão. 1

.\ 3 de agosto de I ~9'::! logrou Colombo mamlar desfral1lar as vellas ela sua frota, composta tias caravellas, a Nin(t tlc .\lonso Pinzon, a Pinta, em que ia seu soltrinho Yicente Pinzon, e a Srwta :llaria, de maiores 1limcnsões, 1le 100 Lonellatlas c un~ trinta melros de comprido, do almirante. Sahiu de Paios, pequeno porto da _\wlaluzia, com a tripula~ão de 120 homens.

Na viagem ludou com inunensos obstaculos c contrariedades, semlo das maiores a desconfiança e má vontade das guarnições dos navios.

Nú 1liario ti' e~ ta viagem 2 vem: « ••. 3 de outubro. Aparecieron panlelas, y erha mncha, alguna muy vieja, y olra muy fre~ca, y traia como fruta; y no vieron aves algunas, creia el almirante que le 'luedaban atrás las islas que traia pintadas en su carta».

1 Gumara, Historia de las Judias. Navarrclc, c,fl. de t•iag. !J dcsc., tom. 1, lioc. 2_0

2 lmpre~so por Navarrelc, tom_ 1.

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:'OniiE O flESCOTmBIEi'iTO 11.\ A~IEniCA

l'11r e;-;te perioclo e segmulo clizt•m varios cst:riplores, o genovez li•i-st• gniawln por uma carta tle marear. Seria a de Tose 1nelli, egual á que emiou ao conego !\lartins e f•ntlt' se ltolava a .\ulilia?

Eslt~ homem vd·datleiramenle t•xlraortlinario pela coragem com tJUe J•er­sislia. c pela fé cega t'om t!'le :tereclitava as inspira(_'ues celestes, conseguiu ven­cer todos os o!Jstantlos e tlest'obrir as ilhas de Cuba, Lucayas c S. Salv;ulor. 1

.i'\a volta para a Europa. em fewreiro tle I íU:J, aporlou á ilha de Santa :.\laria, owle o capitão João de Caslanheda, por suspeitas, prelen•leu aprisio­nai-o. 2 .\ li de man:o entrou u Tejo: e U. João II. tJUe se arhava em Yalle do Paraizo, lo~!O fJUC o soube mandou-o rii:Jmar, para se informar se o •lescohri­mento tias ilhas de Cypango e Antilia, de tJUe ,·inha tão ufano, estavam dentro tios mares e terras tio seu senhorio da tiuiné. O genovez alanle:mtlo das ritJuezas e possessões que atltJnirira para a llespanha, censurou el-rei D. João de não tlar credito ás suas promessas. (.\•Jui contradiz-se em parte a carta que Co­lombo recebeu em i í88 do monarcha J•Ortuguez). Pela sua tlescortczia houve itléa de u matarem, ao que el-rei se oppoz formalmente. 3

Colomho allirman ter tlescoLerlo a ilha tle Ophir, que dizia pruxima das .\ntilias e a que poz o nome de Hispaniola. l'etlro .\lartim de Angéva na Oct'anica 4 diz: a • •• Offyaü Isulii sesse reperisse re{ert sed cusmotjrap!torum Ira­

riu di."irita considera/o afilie isule sílt ille et adiacctes alies Mie llispaniolã ap­llellauit)) •

.i'\a côrte de Fernando e lsaiJel foi recebido com as maiores solemnitlatles em ahril tle I HJ3, prestawlo-se-lhe grandes honras e fazendo-se-lhe larg-as mercês, entre as tJlWes a tle adtlicionar ao sen hrazão nm leão e um castello.

1 Yaruhagen puJ.Iicou e111 Valencia a primeira carta que Columho escreveu a D. Ga­Lriel Sanrlws, lhesoureiro de Ara~ão, dando Cünla rio ramoso de~colorimento. Diz o titulo: Prinunt epistola dd almirante D. Christohal Colon drwdo cuenta de su. gran descobrimento a D. Gahl"ifl Sanchez, tesm·ero de A.ragon. Acompaiia t•l te.rto original castellmw el rle la tradurcion latina de Leanrlro dt• Cosso, segun la primera r•dicion dt• lloma de H!"l:3, y pre­cedt• la noticia de ww copia del oriyinaluwnuscnjJto, e dr• lu.~ antiguas adiciones del teJ·to en latin, l!edw por el editor D. Genaro ll. rle rolafm (anagramma de At!olro t!e Yamkt­gcn). Depois rez-se nova edição em Yianna, pelo mesmo editor, servindo ole texto o unicu exemplar conhecido da primitiva, em castelhano, que se conserva na bihliotl!eca Amhro­siona de !\ladrit!, sem indicação de anuo.- Carta de Cl!ristobal Colon, enfiada de Lisboa a Barcelona en !rfarzo de H93. Nueva etlicion critica etc. Viena, f~69, 8.0 tle xxxv•-51 pag.

2 Navarrete, vol. 1, pag. 300. 3 ResemiP, C!Jron. tle D. Joiio u, cap. Iiii. 4 Decada L •, Impressão tlc t:i ll.

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28 BREVE NOTICIA

Em '28 tle maio tle H83 fui-lhe confirmado o cargo tle almirante, vice­rei e governador das ilhas c terras, que havia tlescoLerto e clescoLrisse. Na mesma data teve a nomeaç.ão •le capitão general tia armada que ia em segnntla viagem á hulia, com auctorizaç.ão tle prover os otnc.ios, e de nomear quem o suLstituisse na sua ausencia. 1

Pouco tempo lhe foi concedido tle tlescanço. A 2:J tle setembro do mesmo anno tomou a sahir tle Cadiz para continuar as tlescohertas, c os reis tle lles­pauha, com animo e crenc;a no novo almirante. pozeram á sua disposição 17 navios bem providos e guarneci elos por I :;"jOO homen~. N'esla seguwla viag-em fuutlou diversos estaLelecimeutos nas Autilhas e em S. llnmingos. A ~H- de abril tle I MI-i entregou o governo da nova colouia a seu irmão Uiogu e, com tres cara\'ellas, partiu para conlinum· as tlescoiNrtas. Conseguiu chegar ao CaLo tle S . .Autouio; mas o mau estado tios navios obrigou-o a voltar para a Hispauiola, onde encontrou revoltatlos a maior parte tlos europeus, conunet­tentlo as maiores atrocitlatles, e lJU;uulo tleram noticia da chegada tia frota do almirante, apoderaram-se tle algumas caravellas e fugiram para Hespauha.

Colombo madjuvatlo por seu irmão Bartholomeu e duzentos homens sup­plantou 100:000 i111lius; mas fizeram grautle numero tle victimas, e as cmel­datles que se praticaram são tlescriptas por Las Casas com horríveis côres.

Constando-lhe que os seus inimigos o acrusavam e intrigavam com os reis tle Castella, para se justificar, entregou o governo das ilhas a seu innf10 Bartholomeu, üe sua inteira confiança, com o titulo tle Adelantado de las Jn­dicts, 2 e emLarcou para a Em·olJa.

Colombo teve na côrte recepção um pouco fria: as suas promessas tle oiro não se haviam realisa•lo, e a gloria do genovez pouco importava então á Hespanha. Atravez lle munerosos enredos e inimiz;ules e aintla com o apoio da rainha lsaLel, conseguiu uma terc.eira expedição, •1ne sahiu do porto de S. Lucas a 30 tle maio de I !~98.

Nesta viagem destacou tres navios para llispaniola, e navegando a oeste até as bocas do Orenoco, 1lescobriu o littoral do Pará e a parte do continente amm·icano, ainda hoje, em homenagem ao seu nome, chamatlo Colombia. Por se terem aggravatlo os seus pa•lecimentos viu-se obrigado a voltar para a sua ilha, onde encontrou a maior anarchia, e soube que muitas guerrilhas assola­vam as povoações commettentlo roubos e assassinatos. O almirante, não tendo a furç.a precisa para os castigar, viu-se obrigado a pactuar com elles e quei­xou-se aos reis catholicos.

1 Navarrete, doe. n.o• 4l a 4\. 2 Mercê que lhe havia sitlo feita pela carta regia de 22 de junho de !497.-Navar­

rete, doe. n. o 222.

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SOBRE O DESCOBRIMENTO DA AMERICA 29

Os seus inimigos na côrte, que aproveitavam todos os ensejos de o mal­quistarem com Fernando e babel, interreplaram-lhe a COJTeSflOndencia, cles­figuraram os factos com calumnias, e ll·,·aram os __ monarrhas _a mandar syn­dicar do estado da colunia. Francisco llolJatlilla, ljlle era émulo de Colombo, foi o indigitado e nomeado, em ';:!I de man:o de 14!)!), para esta commissão, com plenos putleres de pumr os criminosos, e até de depôr o almirante e seus irmãos, caso os achasse culvadus, assumindo o governo das Indias. t Na ilha llispaniula omio de preferencia os inimigos do vice-rei e assim se tornou facil satisfazer aos seus interesses. O almirante e seus irmãos foram tlemittidus de totlus os cargos, se•1uestradus os seus IJens, sendo encarcerados canegados de c;uleias, 2 e assim os mawluu emlJarcar para a metrupole.

O povo hespauhul fez honroso acolhimento ao illustrc caplivo, e stigma­tisou o vil pmcedimento de llobadillll. Os reis castelhanos associaram-se ás manifestações dos seus vassallus, mas entretiveram o grande navegador com maguificas promessas sem lhe restituirem os seus cargos e honras.

As descobertas da Imlia por Yasco da Gama e do Brasil por Pedro Al­vares Cabral despertaram a amlJição dos reis catholicos, e alentaram o es­piritu de Colombo, a quem fui cunfiatla nova expedição, e a li de maio de Vi02 flartiu de Catliz com quatro cara,·ellas para a sua ultima viagem. onde parece haverem-se colligado toJos os estorvos para experimentar a coragem do bravo genovez. Depois de immensas atril.mlações logrou voltar á Hespa­nha, velho, allJUebrado pelas fatligas do corpo e do espirito, e pobre 1 O he­roico descobridor da America só recebeu como premio dos seus relevantissi­mos serviços a miseria, os accessos de gotta, e uma ophtalmia chronica, pa­decimentos que se lhe aggravaram pela ingratidão com que o trataram em Hespauba depois da morte de Isabel a Catholica, sua protectora.

Em 1;)0~ aimla escrevia a D. Fernando V: «Nuestro senor milagrosa­mente me enviú acá, vorque fui aportar a Portugal adonde el Hei de alli en­tendia en el descobrir mas que otro alguno». 3 Já a cahir na sepultura dizia 1ú1ma carta a Diogo de la Uoca: aSna :\lagestade não julga a proposito cumprir as promessas que elle e a rainha me fizeram, delJaixo da sua palavra e seu sello: fiz tudo lJUe devia e deixo tudo a Deus, •tne fui me sempre prorJicio».'

I Navarrete, doe. n.•• 127 e f2S. 2 As cadeias conservou-as Colombo sempre no seu quarto, recornmendando que

quando morto as collocassem no seu esquife. 3 Navarrete. 4 Fernando Colombo, que foi o biographo de seu pae, achou no seu appellido uma

especie de emblema mysterioso, comparando-o á pomba de Noé c ••• pois levou o ramo de

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30 BREVE NOTICIA

f.hristovam Colombo era homem muito intelligt·ule, prespicaz, ele admi­ravel arrojo e orgulhoso. Excessivamente crente na divina providencia, run­servon essa fé viva até fallccer com (i8 ou li!) annos de cdadc, cm Valla­dolid, no clia de Ascem;;io, 20 de maio ele HiOl\. Os seus restos mortaes fo­ram depositaclos na egrcja do couvcnlo dos Frandscanos, oncle se conservaram até 1513, e trasladados, segundo diz o le:-lameulo de seu filho D. Diogo, para a capella de Sant"Anua, depois Saulo Chrislo, do mosteiro de Santa l\Iaria dos Cartuchos de las Cuevas, extrammos da cidafle de Sevilha, onde lhe foi le­vantado um mouumento funcbre com esta inscripc,:.ão:

A Castilla ?I a Leon .Nuet·o mundo dio Cola11

Por uma dausula do seu testamento, feito ua vespera da sua morte, fo­ram em Hi:Jti os seus ossos para a ilha de S. Domingos, e collocados na ca­pella-mór da egreja cathedr:~l, jazigo que lhe foi concedido por uma ordem regia, em ~ de junho lle Hi3í, para elle e seus lJenleiros. O bispo e cabido oppozeram gr:~ncle resistencia ao cumprimento d'esta onlem, mas seu neto D. Luiz Colomuo, dmtue de Veraguas sempre o conseguiu entre os annos H:it,O­Hi5!>. Na c~mpa não lhe pozeram inscripção alguma, mas conservou-se de memoria estar na capell:~-mór do lado do ev:~ngelho.

Pelo tratado de nasilea lle 2::! de julho de I íUil cedeu a llespanha á re­publica franceza os seus direitos ú ilha de S. Domingos, e o tenente general da armada, D. Gauriel Aristizabal, commandaute da esquadra do rei catho­lico, resolveu, sem ordem do seu governo e unicamente inovido por senti­mentos patrinlicos, levar para Cuua as preciosas relíquias do descobridor da America. Fez reunir os principaes habitantes da ilha na egreja cathedral, a ~O de dezembro do dito anuo, e os restos mortaes de Colombo, na maior parte reduzidos a pú, foram exlmmados, lavrando-se o auto. Devidamente acondi­cionados embarcaram no uavio S. Lourenço, que os transportou para Cuba, onde foram recebidos a t:; de janeiro e comluzidus processionalmente com todas as solemnidades para a Cathedral, sendo depositados em urna de prata uo preslJiterio, n'um nieho aberto na parede da parte do evangelho, coberto por uma lapida, encimada com o seu Lusto em marmore, e a seguinte ins­cripção:

oliveira e o oleo do baptismo além do oceano, e com a paz e o Evangelho a luz que des· truiu as trevas do barbarismo•. Seriam estas as suas intenções, mas os factos é que nem sempre afinaram por tão pacifica escala.

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SOBRE O DESCOBRJIIIENTO DA AIIIERICA

D·O·M CLARISS • HEROS LIGUSTIN • CHRISTOPHORUS COLO~lBUS

A SE REI NAUTIC • SCIENT • INSIGN • NOV • ORB • DETECT •

ATQUE CASTELL • ET LEGION • REGIB • SUBJECT • V ALLISOL • OCCUB •

XIII KAL • JUN • A 1\l • DYI CARTUSIANOR • HISPAL • CADA V • CUSTOD • TRADIT •

TRANSFER • NAM IPSE PRJESCRIPS lN HISPANIOLiE 1\IETROP • ECC •

HINC, PACE SANCIT • GALLAI.iE REIPUB • CESS •

31

lN HANC V· MAR • CONCEPT • li\Ul • CA TH • OSS TRANS • MAXIM • OM • ORD • FREQUENT • SE PUL • MAN D •

Xl\T KAL • FEB • A • l\lD • C • C • X • C • V • I • HAVAN • CIVIT •

TANT • VIR • 1\IERITOR • lN SE NO~I L\BIE'I • PRETIOS • EXUV • lN OPTA T • DIEM TUITUR •

HOCCE NONUJ\1 EREX • PRESUL • ILL • D • D • PHILLIPO IPH TRESPAL\CIOS

CIVIC • AC 1\IILITAR • REI • GEN • PRiEF • EX,lO • D • D • LUDúVICO DE LAS CASAS

Os dominicanos depois suppozeram encontrar na sua cathedral os verda­deiros restos mortaes de Christovam Colombo. Em W de outubro de 1877 solem­nisaram o seu achado com grandes festas, e mostraram o cofre de chumbo, com varias inscripções, que a hoa critiea, baseada em documentos officiaes, logo lhe negou a authenticidatle. A Real .\rademia de Historia, consultada pelo governo hespanhol em 23 de outubro do mesmo anno, no seu erwlito informe de I!. de outubm de 1878 tambem assim o fez sentir.

Em março de IS!H abriu o governo hespanhol um credito especial para a construcção de um sarcophago na cathedral de Havana, onde serão deposi­tados os restos do grande rlescobridor da America. Rcalisado este projecto é o quarto tumulo que lhe tem sido construido.

A prioridade da descoberta da America tem-lhe sido contestada por di­versos historiadores, dizendo uns haver Colombo visitado a Islandia em 1477, onde ouvio a narrativa dos antigos descobrimentos feitos pelos st"andinavos, e f}Ue das informa~ões ahi obtidas lhe nascera a idéa de tentar t;ir} temeraria empreza.

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32 BREVE NOTICIA

Os proprios auctores hespanhoes •lo seculo XYI escreveram: que uma cara­,·ella, accossada por grande tempestade foi parar a terra desconheci•la e, depois rle immensas fadigas, o piloto e tres ou quatro tripulantes lograram arrihar ao Funchal, onde em poucos dias, pelas graves doenças de que vinham acommetti­dos, falleceram em casa de Christovam Colombo, que os havia hospedado, fi­cando em seu poder os papeis e diarin de tão longa e tormentosa viagem. t

Varios escriptores portuguezes narram este episodio, tambem como tra­dicional.

A nacionalidade do piloto e dos marinheiros ficou em mysterio, só f.o­lombo o podia dizer, mas r1uerendo elle aproveitar-se do leg-ado tinha inte­resse em o calar para no emprehendimento do feito alcançar toda a gloria.

Se o facto se deu devia ser entre os annos de ·14-i2 a I 'l80, epocha em que f.olombo residiu na :\ladeira. A historia por mais que profunde não con­segue muitas vezes descobrir a origem das tradil:ões nem distinguil-as das lendas por falta de documentos: só estes depois de analysados com bom cri­terio dão a plena confiança.

Diz o visconrle de San tarem: 2 « "\ntonio Gallo, historiador genovez, 3 em um tratado a r1ue deu o titulo: De uarigatirme Colombi per inacce.~sum antea oceanmn commentariol11s, composto provawlmente nos ultimos armos do 1lito seculo (13fi8-H!1!1, 4 assewra que a existencia rio mundo a que chamam India (isto é o novo continente) não tinha sitio revelada a f.hristovam f.olombo pelas suas proprias medita~ões, mas que lhe tinha sido communicada por seu irmão Bartholomeu f.olnmho-o qual concebera o projecto da possibilibilidade de se effectuar uma navega(:ão na •1irecção d'oeste, em razão dr marcar os descobri­mentos portuguezes efTectua•los além rle S. Jorg-e •la :\lina sobre os l\lappas­munrli. r1ue desenhava em Lisboa para ganhar a sua vida».

<(Humboldt 5 julga. fundando-se nos donrmentus que nos restam relativos ao descobrimento do Novo Continente, qne f?ll'a •lurante a residencia rle Chris­tovam Colombo em Portugal desde o armo rle I iiO a I í8í que este grande homem aperfei~oara os seus estudos, consultando os homens sabios do paiz».

Las Casas, contemporaneo e amigo de f.hristovam f.olombo, teve em 1~02 em seu poder as cartas do descobridor da America com as indica~ões das terras occ.identaes coibidas por pilotos portugnezes.

I Las Casas, Historia de las l11dias, liv. L 0, cap. :13 e H. Lopes Gomara, Hist.

gen. de las b1dias. Acosta. Hist. nat. y moral de las lndias, Hl90, etc. z 11/crnoria sobre a prim·idade dos descohrimentos portuguezes, etc., pag. :12ti. 3 Yid. M~tratori, Rerum italicarum scriptores, tom. xxm, pag. 302. ' Este auctor lambem escreveu: de Rebus Gnnensium. 5 Examen Cl"itiqll.e de rhistoire du noureatt continent' tom. I, pag. 92 e 96.

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SOBRE O DESCOBRIMENTO DA A~IERICA 33 Tem-se attribuido o descobrimento da Terra Nova a João Yaz Corte-Real,

o que daria aos portuguezes a prioridade da descobet·ta da America. Este as­Sllmpto ,·eiu ã tela da discussão n ·este sectdo por v a rios escriptores, sendo dos principaes Sebastião Francisco ~lendn Trigoso, 1 Joaquim José Gon~ah·es ~lattos Correia, li o sr. Luciano Cordeiro ... 3 e outros, baseando-l'e essencialmente na Historia Insula na do P. Antonio Cordeiro. Este auctor não cita documento algum que comprove o facto: copiou sem criterio as Saudades da Terra do dr. Gaspar Frucluoso, servindo-se lambem de um mannscripto anonymo, de­rido a tradi~ões vagas, ' e accrescentou por wzes algumas inven~ões da sua lavra, no intuito patriotico de abrilhantar mais os seni~os marítimos dos a~.o­rianos.

A publica~ão em 1883 do consciencioso investigador, o sr. Ernesto do Canto, sobre os Corte-Reaes estabeleceu a wrdade dos factos com documentos incontesta,·eis e boa critica . .\hi são transcriptas duas cartas importantes, uma do embaixador de Yeneza em Lisboa, Pietro Pasqualigo, 5 dirigida a seus ir­mãos em 19 de outubro de 1501, onde faz a narrativa da chegada de uma das caravellas da expedição de Gaspar Corte-Real, sahitla de Lisboa no come~o do mesmo anno, para u descobrimento das terras septentrionaes, que encontraram a 2:000 milhas de distancia, entre noroeste e poente. percorrendo depois. parte da extensa costa, que lhes pareceu terra firme, e continua~ão da que havia sido descoLerta ao norte no anuo anterior; e em seguida descreve os habitantes com seus usos e costumes, e os indígenas vindos na mesma caravella . .\outra carta, existente no ArciJÍ\'O de ~lodena, é de AILerto Cantino, para o duque de Fer­rara, Hercules d"Este, onde escrevera o que om-ira a um dos capitães da ex­pedi~ão, quando contava a el-rei D. ~lanuel os perigos que correram na via­gem por causa dos grandes gelos que encontraram. Cantino em·iou lambem ao mesmo duque em 1502 um mappa-mundi, que segundo a opinião de ~1. H ar-

1 .Uemorias de litteratura da Acad~mia RPal das Scienrias de Lisboa .. vol. vm, pag. 305.

2 Ac~rca da prioridade das descobertas feitas pelos portuguezes JIUS cnstas orientaes da America do norte. \"id. A1waes maritimos e colmlia~s, tom. 1, pa~. 26!} e -\23.

3 De la dérourert de r Amérique. Li~boa, !876, 8_o de t-i6 patr. Este opu.-culo do nosso amigo Luciano Cordeiro contém numerosas noticias que logrou colher, â custa de irupruLo trabalho.

~ Havia ,·arias copia:>, tendo por titulo: Rrerc noticia do descobri111ento das ilha.s Ter­ceiras, que por outro 110me se rlwmm·m11 Flamlrias. É posterior ao anno de 1672, poi~ se refere jâ á erupção no Fayal, que te,·e Jogar n"e:>te anno.

5 Este embaixador vem citado por Damião de Goet'na Cl!ron. dt D .. Manun, p. t.•, cap. XLTI.

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BREVE NOTICIA

risse, t é dos monumentos geographicos mais notavcis e importantes para a historia tias primeiras navegações transatlanticas que se eonheee.

No portulano tle Yescnnte tle 1\laggiulu, tlatatlo tle ·liJII, vewlitlo cm t870 em 'Tatlritl, no leilão da hiiJliolheca do tlnque tle Altamira, vem mencionada a tt'rra de los Ingres, e tlez graus ao sul a terra de Lavrador de 1·ey de por­tugal/, c outros dez graus ao sul a tlenominatla trrra de corte Teale de 1·ey de portugal, seguitla da intlicação terra de pescaria.

O mesmo 1\1. llarrisse tliz ter encontratlo IÚllll mappa cm pergaminho, anonymo, datatlo de -tiJ:H., existente na hihliotheca ducal de Wulfenhuttel, com a rubrka -!H e 9:; AUG. a seguinte legewla na terTa do Lavrador na Ame­rica septentrional: Twra do Labrador. La IJIWI {ue deswúrieta por los ingleses de la vi/la de bristol, e por que el '}lfe diu ellam· . .,o della era labradm· de las illas ife los Arores /e quedo este umnúre. 2

A tloaç.ão do senhorio tia Terra Nova de juro e herdade a Gaspar Corte­Real, assim como tle mais algumas ilhas ou terra firme que tlescohrisse, com as clausulas mcncionatlas na mercê, tem a tlata de 12 tle maio de H100. 3 Gaspar Corte-Real foi 3.0 filho tle João Yaz Cortc-Heal, 4 e nasceu pelos annos tle H!'jO. Voltando ao norte tla America no mmo tle 1501 ahi se perdeu cum o navio e gente que levava.

Na carta tle confirmação a seu irmão primngenito Vasco Anncs Corte­Real, tlalatla de Lishoa em 3 tle agosto tle 1iJ38, se tliz: « ••• e hauentlo rcs­peylo e lembrança como o tlitf) Gaspar Corte Reall seu innaõ ffni o primeiro tlescuiJritlor das ditas teras e a sua propria custa e despesa com nmito tra­balho e risquo tle sua pesoa, e cnmo finalhncnte com muitos eri;Hlos e homes t]ne com siguo lcuaua nysn acabou, e asy mcsmn como tlCJ10is ::\liguei Corte Real seu irmaõ, tJUC foy noso }Jortciro mor, intlo em Lnsqua tlo dito seu ir-

1 Jean et Sabastien Cabot, pag. HiO. 2 E~tc documento indica a m·i!,!em do nome dado á tt'JTa. Provavelment•~ o lavrador

era Joãu Ft•rnalllles, que teve a concessão das terras que descobrisse e se al!-soe.iou depois com os inglezes, como tlissemos anteriorlllente a pag. :1.2.

3 Arch. Nac. da Tor,re do Tombo, Li!'. ~U de D. João lll, 11. 2ll3 v. Doe. impresso na 111cm. dos Corte-Rt•aes.

4 João Vaz Corte-Real, a tfUem algun~ auctortJs teem pretendido dar a prioridade tio dt•scul•rimcnto da Ameriea, foi porteiro-mór do infante D. Fernawlo, e teve a donalaria tle parte tia ilha Tt•reeira em 1 ia, e da ilha de S. Jor~e em i í83. Foi rasado cum D. l\laria Aharea, natural de Tuy, e faiiPceu em Angra a 2 de julho t!e IMiti, sendo sepultado na ca­pella-múr do convento de S. Francisco, eujo jazigo e capella havia construido á sua custa. Foi arrojado navegador.

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SODRE O DESCODRHIENTO DA A~IERICA 35

mat). com uauios e gerutc que á sua propria custa c despesa armou, no que gastou muito dl• sua fa~enda por ltusquar e achar e remir o dito seu Innaõ, e :tsy por uns seruir 1111 desrolll·imL·Hit• tias ditas t .. ras em que traiJallton quauto pOSJYI'I. foy no fJHI' nutro sy apus o tlito st·u inuaü falen·o e :~ralton, f' com elle muitos niados de seu pac I' sPus e do ditu Vasco AnPs com sua propria fasentla criatlos e !tomes seus sc111prc ajudou os ditos seus irmaõs c ainda ojc cm clia ele sua fazt'ntla paga e satisfaz as dividas e cargos e ohrigaçl•es LJIIC por esta cansa os ditos seus irmãos suas vydas acaiJaram ... » t

................................................................ Colombo falleren no erro tle que a custa de Veraguas fazia parte dn

grancle imperio do Catltay tia província de 1\Jango, na China sl·ptentrional, e que a ilha tle Cuba era rontineute. Escrewmlo á rainha babel tlizia elle: «el nmiHio es poco, tligo que el mundo uo es t:m grande como clice l'l n1lgo». 2

Tutlas as rircumstancias da vida do grautle ColomiJo, 'lllC deixamos nar­radas, c lhe são mais ou menos fayoraveis, estão escriptas nos ltistnriatlores, mas ncnlmma diminue o nlor do descobrimento nem a gloria do feito. Chris­lovam Coln1111Jo descnyoJveu os seus estudos uauticos em Portugal com a lição tlos }Jl'incipaes navegadores, e nnimatlo pl'ia sua intima crenc;a religiosa luctou corajosamente contra milhares de obstarulos e intrigas, que conseguiu vt-ncer, dando á Hespault:~ um imperio ele riqueza e abriwlo ao nnmtlo ciYilisado o ca­minho tlc outro eontinente deseonltecitlo. A sua assignatura era assim:

,5 .. .A ,.s . .My FETlf!Vsft/

Não tendo Colombo deixado explicação tl'cstas iniciaes tornou-se a sua assignalura um venladeiro cnygma, cuja interpretação é muito difficil por a

1 Arch. da Torre do Tombo, Lil•. G9 ele D. Joiio Ill, 11. 243 v. 2 Navarrete, pag. 12.

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36 BREVE NOTICIA SOBRE O DESCOBRIMENTO DA A~IERICA

variante das versões a que se prestam, sem haver datlos para a preferencia; tollos concordam em significarem in\"oca~ão religiosa, e lle entre as immensas interpretações que se tem puhlica1ln, apresentamos os dois esper.imens se­guintes:

Suplex Sermts Altissimi Salvatoris

CJn·iti, JJfaria Yoseplms Christuphorn

Servus Sum Altissimi Salvatoris

Xristl' Maria Jesus xn· . .,te Fn·ens

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--11

Ill

PEDRO .. U V ARES CABRAL E O BRASIL

m1 Manuel continuou as emprezas marilimas dos seus antecessores, e esc:ulheu Yasco tia f.ama para a descoberta das ln•lias urientaes, grandioso encargo de que elle tão IJrilh:mtemente se •lesempenhou.

Cumpria, depois de consolidar o h·acto connnerdal com a•1uelles poros, castigar alguns que sem motiw haviam hostilisatlo traiçoeiramente a pequena e).pedição portugueza. ~·este intuito se apparelhuu no Tejo uma armada de treze embarcações, guarnecitlas com I::!UO homens, cujo connnamlo foi confiado a Pedro Alvares Cabral.

Gaspar Correia diz ser CaLral homem fitlalgo, de bom saber, intimo amigo de Yasco da Gama, e que este o incitara a offerecer-se a el-rei para ir como capitão-mór da expedição. 1

Deu-se grande apparato â cerimonia lia partida. O bispo D. Diogo Ortiz pregou um eloquente sermão, na egreja tios Jeronymos.-D. )lauuel, entre­gawlo a Cabral a Lalllleira branca com a cmz vermelha tia ordem tle Christo, collocou-lhe na cabeça um chapeu bento pelo papa; e o immenso poro, que concorrera âquelles actos, cobriu de acclamações o intrepilio guerreiro, quando embarcou no esquife que o levou para bonlo da nau capitania.

A arma• la sahiu o porto de Lisboa n 'uma segunda feira 9 de março de HiOU, levamlo o capitão-mór minuciosas instrucções por onde se devia guiar. 2

• Lendas da lndia, tom. 1, pag. H6. 2 Existe apenas um caderno no Arch. da Torre do Tombo, (maço ! de leis sem data,

n. 0 21) e foi impresso por Silveira Pinto nos Amwes maritimos e coloRiaes, tom. v, parte não ollicial.

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38 BREVE NOTICIA

A carta de Peru Yaz tlc Caminha a el-rei D. l\humel. descreve minuciosa­lltl'Hle a viagem att:· ;i descoiJerla do nra~il. I~ um dontlltl'Hto original conser­Yado ua Torre tio Tombo, 1 •Jlll' tem para nús a maior importancia, e por isso o seguimos com a max.ima exadidão.

A J!1 do ditomez de man;o, adtou-sc a frula uas alturas das Canarias; a 22 os pilotos a\·ist.aram a ilh:1 •le S. l'icolau, e na noite iutmediata desappareceu a nau de Vasco de .\tayde, sem Yeuto forte nem contrario. Cabral fez algumas •liligeudas para a encontrar, e não u conseguindo navegou pelo mar do l:ongo. Em 20 de abril ubsenou nas aguas varias plantas dllmtadas botellws e mbo tfasnu, e no dia seguinte \"iram mnas ayes (Fura-buchos). A horas de vesperas distinguiram em lena um Jwmte muito elevado e redondo, ao qual foi posto u nome de lllonte l'ascoal, com serras mais baixas au sul, e us valles cobei'Los de frondoso anoredu.

Deitado o prumo acharam W IJraças; a !ti fundearam c passaram a noite. Na quinta feira 22 de manhã appruximaram-se os na\"ios á terra, até à

distancia lle meia legua, e a\istaram-se na prai;; alguns iudigenas. Então oca­pitão-mór maudou l'iculau l:uelhu no seu batel, pelo rio que alli tlesagua, e quando o eutraram accwliram á praia uus triuta humens pardos, armados de arws e sellas, 411e em boa paz trocaram algumas coisas iusiguillcaHtes.

O Yento sueste, que supruu rijo n·essa noite, fez sentir que os JlaYios não estavam alli em seguraw;a, e )Jor cu11selhu dos IJilotos desfraldaram as vellas e navegaram junlu á custa em procura lle algum abrigo. A uista11cia •le dez Jeguas encontraram um recife protegewlu um bum porto, que foi logo sondado por Affonso Lopes, e n 'essa occasião tomaram uma almadia com dois gentios, que conduziram para bordo da catJitania. Andavam nús, com os IJeiços furados, que dilatavam mellemlo nos furos varios objectos: o cabello era corredio e curto, e alguns o enfeitavam com pennas de cures. Offereceram-lhe comida, de que não gostaram e mostraram grande admiração e cobiç.a pelo colar que tinha au pescoço o capitão-mór. Deram-lhe outro de contas, que os não con­tentou.

Nu sablJado tle mauhã entraram as naus no porto, ancorando a cinco e a seis bra~as, e pelo bem que ficaram se denominou o porto- Porto Segm·o. Com llarthulomeu Dias e Nicolau l:oelho foi a terra Pedro Yaz de Caminha levar os dois indígenas, com os seus arcos e scttas, bem presenteatlos com camisas, campainhas, carapuças vermelhas, rosa rios de contas brancas, cascaveis; e

1 Vid. doe. n. o 2, in fine. Além do documento original existe no mesmo archivo uma copia não correcta. Com o auxilio do nosso amigo e distincto paleographo sr. José Basto foi conferido o traslado que puiJiicamos com o original, e o fac-simile da primeira pagina com a assignatura de Caminha.

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SOUfiE O llESCOUfiiMENTO DA A~IEfiiC:A 3!}

para conhecer da lingua. u~os e coslnnws dos illlligenas fni illllit:a•lo o d••gre­dadn Alfonso Hiheiro, IJUC haria sido creado 1lt' Ll . .loJ.o Tello .

. \penas ehegaram á praia eorreraru ao seu I'JlContm llllS rhrí'eJJios lro­llrens, armados corn a1·ros e scllas. qtw logo <.lepozeram no ehão JIPins sig-nai'S qtw lhe fizeram os <.lois geutios que iam uns balei~ .. \ troco de algu11s ras1·a· reis ou 111anilhas prestaram-se a ir Lnsrar agua, e daram arros e sl'llas por smubn•irus, rarapw;os de Jiulro, etc. 1),; dois mann•hos logo que tlt'semharra­ram partiram de corrida para o interior da terra. Todos :HJUelles ::;eJ\·ag-~ns

usaram lambem os bei~os furados onde tinham iutroduzidos idl'nliros ornatos: o rorpo 1lt' al~uns eslara piulado, e o de outros ria-se coberto de pcnnas pe­gadas á pelle, o que lcmu C:mrinha a dizer-que pareciam seltearlos como S. Sebastião.

Terminado o carreto 1la agua, riPr;un trazer o degredado. por não quc­ren:'m os indígenas que l:"t ficasse. Bartholomeu Dias ainda o fez voltar com presentes, mas sem melhor re:>ulta•lo. 1

1\o domingo da Pasrlrol'la, '!li •I•' al11·il. in1J1l"ll\·baram um altar u'um gTandH illléo, de~hahit;ulu. proximn ú hahia. oJliciarulo Fr. lleJJririJW,:! e 1lepois a g•'lllC

1 Os seh·agen:' 11ue habitam tlifferentes províncias do llrasil podem ~mp;.r-se em Ires ou quatro especics, assrmclhaJlllo-se mais ou mcno:-: pelos seus cara!'lcres phy~icos e cu~turnes.

O tupy é a linl:\ua que mais geralmente falam, e, por is:-:o, a mais conlu•cida. Os pa­tlres jcsuilas .\nch!cta, :\luntoya c Fig:ueir:t tlcixaram trahalhos important•·~ sobre ella, c moJcrnarncute tem sido coutinu~tlos estese,.;tmlos pelo tlr. Baptista Caetano Almeida Nu­gueira e outros; 111as só no seminario do Pará é que se conserva uma aula de tupy.

Alt;m da raça tupy, amai~ curiosa é a dos Lotucurlos ou aymorés. Teem por eostume, principalmente os homens, furat· o hei~o inferior. o loLulo das orelhas, c alguns até o na­riz e as faces para lhe introduzirem diversos omatos, como rodelas de matleira, pedaçus de eonchas, ossos, e,.;pinbas de peixe, cyli1111ros Je resina, ou rle perlra de Jiversas quali­dades, alahastro, etc. Pouco a pom·o vão augnwntando o diametro das rodelas chegando algumas a sei;; centímetros, o •]Ue llu~s torna o rosttl desfonne e selvagem. As ~uas trilms, hoje pouco numet·osas, halJit:un a,; llnrestas Yir:,!en~ do Jaquitinhonha, dn :\lucury, de S. l\Jatheus e do Rio Du~e. O beiço conserva-se quasi horizontal e a distençàn dns lohulos das orelhas cheg-a ás vezes até ás Psp;uluas.

Os cabellns são rapados com a rasca da canna, que corta •·omu ua\·:dha de l1arLa: a tinta com que de ordinario se pintam é de ~cnipapo; e :ts pt>nnas •rue lhe sencm de or­namento são pe~adas com eera.

2 Apesar tia carta de Caminha, teem :d;.:uus e:;~riptures a:->severado ser a Jescoherta tio monte, a que foi posto o nome de Pascoal, na segunda oitava da Pa,:dtn:t, e o dta­mar-sc á lena rle Vera Cru::, a ~er dita a primeira mis~a em :3 de maiu, tlia em fJUl' se festeja este s~·mJ,olu do chrisliani~mo. ~Yid. Ra. trim. do lnst. do Brasil, !••nL xxn, p. u, pag. 231 ).

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40 BREVE NOTICIA

desponivel tias guarni~ões por alli espaireceram entretendo-se alguns a pescar. Cabral recolheu para bonlo, onde reuniu em conselho tntlos os capitães, deci­dimln-se o deixar alli dois de~retlarlos para se relacionarem com os do paiz, enviar para a metrnpolc o naYio tios mautimenlos com a noticia da desco­berta para el-rei maruJar tomar posse da terra, e a armada seguir viagem para o Oriente, como lhe fora tleterminado .. \mda n 'esse dia YOilaram á praia, indo todos armados, e pacificamente andaram folgando entre os gentios. O capitão-mór bem acompanhado passou o rio, e caminhou pela margem ao longo da praia, seguitlo dos bateis, até chegar a uma grande lagoa de agua doce. Pretenderam deixar por alli o degredado .\ffonso Hibeiro, mas os selvagens com bom trato o tomaram a entregar, sendo quasi noite quando recolheram ás naus.

Na segunda feira foram os marinheiros buscar agua, e internaram-se atú um local em que estaYam varias famílias indígenas. As mulhrres, bem apes­snatlas, usavam os cabellos negros cahidos pei:Js cosias, e os homens tinham rapadas as sobrancelhas e 1wstanas, e a cabeça até acima das orelhas. A pin­tura do corpo mais commum é a Yennelha, c a tinta é liratla do urucú cujas sementes da mesma côr são creadas n ·uns ourit:ns, semelhantes aos produzi­dos pelos castanheiros.

O capitão-múr ordenou que Affonso Ribeiro e outros tlois degredados fos­sem folgar com os gentios e ficassem lá de noite. Caminharam até à distaneia de legua e meia, eucontrallllo uma poynação de umas dez casas muito com­pritlas, sem repa1·timentn, com duas portas nos extremos, e cobertas de palha. Dc·ntro, suspensas nos prumos, estayam as redes em t)lle dormiam. e em cada casa se accommc"lanm trinta a quarenta pessoas . .\hi deram cascaYeis e ou­tros objectos insignificantes, recebendo papagaios vermelhos muito grandes (aráras), carapuç.as de pennas verdes, e um panno entran~ado com pennas de muitas côres, n'um tecido formoso; mas á noite obri~aram-nos a voltar para bordo das naus.

Na ter.;a-feira ''oltaram a terra os marinheiros para colher lenha e lavar roupa. Na praia juntaram-se uns duzentos gentios, fJUC muito prazenteiros ns ajudaram a cortar e a carregar lenha para os bateis. EIIIIJUanto estavam n'esle scni~o. dois carpinteiros faziam uma crnz do troneo de uma gr·ande arvore, tJUe na vespera haviam rorlatlo. e os selva~ens admiraram-se muito da ferra­menta de ft•rro de que usaYam, pois elles traiJalhavaur co111 petlras tio feitio de cunhas, mdtidas entre talas de matlcira muito bem atatlas.

CaLral tornou a mawlar tlois tlegrrdatlos com Diogo llias, para que fos­Sl'm para qualtjuer altleia tios gentios, e que de totla a maneira não voltassem os degredatlos.

A quarta feira foi empregada no arranjo do navio dos mantimentos, em

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SOURE O llESCOHRI~IE~TO D.\ A'HmiCA

f)Ue haria de partir Gaspar dr Lcnws para o reino. eom a wwa elo desrnhri­nll'nto. S:mdto de Toar foi a ten a, e qnauclo recolhia para honlo muitos gen­tios o r1uizeram acnmp:mhar; mas só rnnsentiu qnr fossem rio is mancebos, que u·essa noite comeram de tudo que lhe dPram. e lú dormiram com muita con­fiança.

!\"a quinta ft'ira :lO til• altril, de m:mhã. Sant'hn de Toar leYon os seus hospPtles ao eapilitO-múr. quando eslara ;tlllluf.'andn. r l'lles tornaram a comt•r, mas não belteram ,·iulw por não gostan•m. Alguns marinheiros foram nas lan­chas aproar :'1 praia, p:tra romplet:trem o fornecimento cle lenha e agua, e poUt:o depois Caltral com parte da guarnic:ão d:ts naus ahi tlt>SPIUbarcon. sendo muito hem recebidos prlos iJHligt•uas, e. c:uninlwndo ai rawz de frondoso an·orerlo theg:n·am a uma graudt• rilteira, em cuja margem estava. encostada a uma an·orP, a cruz tle matleira. Junto d'ella totlos se pozer::tm de joelhos e a bei­jaram, para mostrar o acatamento qnr lhe prestaram, e acenaram a uns doze gl•ntins, que se adwram proximos. para os imitarem, o f]Ue elles fizeram com eert:t rewt·enda. Esta snhmissão tlen esperança rll' os lerarem com facilidade a ahraçar o rhristianismo, prineipalmente se os degredados, que h:tviam de alli ficar, conseguissem entendei-os e fazerem-se entewler. Entre estes gen­tios não se eneontraY:t o mais pequeno indicio de trahalhns agrícolas, nem cla t•xi:-tencia de animaes domrstiros. Sustent:tvam-se da raiz de iuhame, que alli almwlar:t. e de varias sementes lJUe algmnas anores produziam, e só eom bto apresentaram-se robustos e nutridos.

Na sexta feira I de maio c1esemltat-cuu o capitão-mór com a hatuleira que llte entregàra el-rei D. 1\Ianuel e parte tias guarni~l'trs d:ts naus wstida de g:tla. c depois de escolhirlo o sitio, em que haYia tle ser cullocada a ernz, a foram buscar à margem da ribeira. couduzindo-a em procissão ao som de can­ticos religiosos .. -\Jguns gentios prestaram-se voluntariamente a ajudar ao seu tt·ansporte, e o symbolo cio Hl'demptot· fui leranl ado a dois tiros tle bésta do rio. Junto á cruz foi posto um altar, onde disse missa cantada Fr. Henrique, assistindo uns sessenta imligenas com o maior respeito ate terminar a com­munltão dos sacerdotes e de mais al~;nns da at mada. Aeabada a missa o padre tirou a casula. e subido a uma eatleira pregou tio eYangelho. Depois Nicol:tu Coelho apresentou uma porção tle 11f'1Juenos cmcifixos tle estanho, que Fr. Henrique ia penduramlo ao pescoço dos gentios, fazendo-lh'os beijar primeiro e leYantar as mãos postas. Findas todas estas cerimonias pela uma hora da tarde recolheram ás nans. :\"o dia 2 a armaria lerantuu ferro para continuar a sua derrota.

Pero Vaz de Camiult:t termina a cart:t. que tlata tlc Pm·to Seyurn da Ilha tle J'f'nt Cm: t'm I tle maio tlr l:ioo. ~alt:tllllo a ten:t ,. :tcnn:.;Pihando a sua pu­ruat:iio por euntpeus rom :-al'l'l'tlutes pt~ra conn:rterem aquelles pacíficos sei­

fi

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42 BREVE NOTICIA

vagens ao chrislianismo. Ahi ficaram tlois degredados, c dois gmmetcs •tue de­sertaram .

.João tlc Barros, Damião tle Goes, .lcronymo Osorio c mais alguns histo-riatiOJ·es. •Jne se lhe seguiram, •lizcm, sem cit:u·cm tlocumento compronth·n, •1ne a :mna•ia navegnn dczeseis dias com bonan~.a até passar as ilhas de CalJO Verde. on•le sofTI·eu violento tempnral qne fez dcstro~ar as naus, arribando a de Luiz Pires a Lisboa, e scnrlo as ontras sem rnmo certo imprlli•las pPia força tios ventns e das correntes •ln Atlantir.o; e rrne cm 2~ •le :1hril :Jvistar:nn tcrTa flesconheci•ia onde aproaram e celebraram miss:~ no primeiro •le main, levantando-se no mesmo local. romo iwiic:~tivo tle posse, nm p:~•lrão cnm as armas tle Portugal. O capitãn-mrll' poz religiosamente á terra o nome do Vem Cruz, que ontrns depois chamaram Santa. Cm:; .

. \t.trihuem ontros eseriptores n aeaso tia •leseolJerta tlo Brasil. alí•m das tempestarles, á separaç.ão da nau tle Lniz Pires. qne f~~z com que f.ahral. an­dando afg·nns •lias a prncnral-a, errasse o rumo inrlo parar ú costa fllle fira fronteira á ria Africa. Rocha Pitta conta que «corrirlo pda tormenta e pertliflos os mmos da navega~ão, foram nuis conduzitlos tia altíssima Provitlencia rruc ria furia dos profiados ventos, na altura tln poJo antarcticO>>. 1

Um terceiro grupo. basea•lo nos rlommentos cor.vos, que se potlem consi­tlerar officiaes pnr serem enviatlos ao r•'i por intlivi•lnos qne fazi:nn Jlartc tia gnarni•:ão tia armaria, qurr qnc o tlesvin fj)sse intencionnl. para erwontrar as novas tcnas das f}naes jú tinham alg-nns irHlil'ios.

Esta qnestão rliscntin-se no Instituto historieo e geographico do Brasil, 2

onde .Tnaqnim Norberto de Son~a e Silva lcn uma ern•lita mt'moria sustenl.antlo ter sitio a ilescnhertn intencinnnl. E~te esrriptor tratnn n a~sumpto muito pro­fi cionahnentP, hnsen111lo a sua opinião em. tlnenmenlns anthenticos.

Apparccen a eonte~tar·-lhe o pan~rer .Tnsé .lnaflnim !\lncha•ln rlc Oli''''ira. qne, eheio •le ridícula!'> preterw.ões, em phrases homhnstkas insulta os pnrtn­guezes e termina rlanrln como deseohritlnr •ln Rr·asil a Vicente Pinzon! Não eita rtocnmento, nem anetor nem argumento acreitaYcl. 3

1 Hi.çf. da Amel'im flOI"ftlfJIIP::;a, liv. 1, pag. (i. 11. 0 5. 2 Virl. as Mrmoria.~ pnhlil'a•las na Rr1•ista f1"imenMd rlo ln~l.ilnlo historiro c gcogr;t­

phico tln Brasil, tom. xv, 11. 0 6, pag. 1~:-i; e tom. xvm, 11. 0 •.:m. pag. 2i!) a 4-0!'i. 3 Como amo!'tra transcrevemos parte rle um perioolo, que ainrla assim não é tlns mais

injuriosos: •c Cahral, 'lu e nem a ousa• lia tinha •lo seu i Ilustre conterraneo, •[ne primeiro se bm;ara :Í•InellPs mares alll'iwln-os ao mnn•ln, desviou a nav~gação pam o alto ma1·, tl:twlo-lhe largas sangra•lnms, e engolfanrln a .1rma•la para oeste, e pm· mares que eram oiPsronheciolns. - . , e Psi e tlo·m~osiaolo prel':.t\"1~1'. orç:.twlo para uma prwlcncia meticulosa; e~tc desorientado c !Tugiu ao ori;!inario propositn só com o fito olc evitar perigos, fJUe já an-

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SOIJRE O llESCOlliii~IEl\TO ftA A~IEIHCA

Joaquim i\oriJertu tlt· Sonsa e Silva. na sua enulit:t .lltwwria su[,r·e o tles­f(llwiml'lllo d11 llrtm·l, 1 trata a •1uestãu com Lastaute critica, tirawlo argumentos solidos e muito lJem deduzidos, rnostrallllo •ltte a tlescoherta do Brasil pur Ca­Lral fui intencional.

A pequenez <l"este opuscuio não penuitte transcrewl-os. O dr .. \nlunio Gon~ah·es Dias, nas suas lkfle.rues ácerca da memoria de

Joa•1uim i\urLertu 2, pertemle cumLatel-a appuianllo-se ua audoridadc dos his­toriadores antigos, c tomando ao pé da lcltra alguns trechos dos documentos cuevos, como o tla carta tle Caminha ae ele (_nosso senhor) 'JIIC nos pera WJU!J trou.rt' rréo IJIIC mio foi M·m cau:;co>, e tla participa~ão feita pur D. l\lanuel aos reis catholicos tlu tlescuLrimentu das terras tle Sauta Cruz, quando diz: «Pa­rece que uosso seultor qui:; milayrosamt•Ji/e se a citasse esta terra».

O costume de iuvucar e attriLuir ao auxilio de Deus todos os aconteci­mentos tla ,-ida é uma formula religiosa muito antiga e •1ue ainda hoje se usa. As incertezas não devem admirar nas tli:igencias de procurar o descouheritlo, quando somos guiados por pe•1uenos iudicios.

D. :\lanuel tlando a Cabral instrucções secretas verhaes ou por escripto, cumu se suspeita, era o mais iuteressado em fazer acreditar ser o descobri­mento devido ao acaso, para niio meliudrar o mouardta tle Ilespanha, que se jull-!ava colll prefereuda n ·estas tlescoLertas }Jela linha diYisoria estalJelet.:it.la pelo papa Alexandre \1, e mudilkada depois a fawr tle Portugal no tratado de Tordesilla; receio ali tis inrundatlo, puis o Brasil ficava dentro dos ·Jimites que o tratado lhe assignalara.

l;unça!Yes Dias, com quanto não lograsse tlestmir os argumentos do seu contendor, nem por isso deixa, no seu trahalhu, t.le revelar muito estudo e co­uherimcntos historicos.

leriormente tinham sido all"rontados, e a que a insciencia afigurava de grandes proporções, deu o Brasil ;i corua de Portugal, atando-o com vinculos de ferro, sugeitando-o pelo ter­ror c desolação a um dos mais pequenos estados da Europa; envolvendo-o sú em suas vicissilUtles e det'adencia; tewlo-o em commum só em seus reveses; suhtrahindo-u por mai" de tres seculos áquella preemint'ncia a r1ue dava-lhe juz sua posição no gluLo ... • O esrripto não merece a honra da discu~são e a resposta o proprio auctor se incumhiu tle a dar n'uma carla, IJUC precede a verrina, quando diz: • ... me prevaleça tlo antigo indulto cum que o In~tituto se dignou agraciar-me, desde de que honrou-me em me admittir em seu l'eio, de acolher henign:lmente meus escriptos, pobres de mt•rito como ricos de pt•tulancia, e n · e;:ta conlian~a 'llie apresento o inrluso•. É a unica verdade que se encontra n ·a,luellas nove paginas e meia.

1 PuJ,Jicado na llerista trime11sal do Institulo hi"torico do Brasil, tom. xv, pag. ·12t1 a 209.

2 lhitlem, tom. xvm, pag. ~sn a :.J:.Ji.

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BREVE NOTICIA

Joaquim Norberto acutlin logo a sustL•ntar a sua opuuao puLiicantln na mesma Revista, a lle{utação âs lleflc.rües, owle tlestroe brilhantemente os argu­mentos em •Itte se Lascava o seu contrario, essencialmente pela falla tle do­cumentos. t

O padre !\I:muel .\yres do Casal, na sua monumental obra: Clwrograpltitl Hrasiliw, declara: que, tendo seguido com relação ao descobrimento tio Brasil os priucipaes historiadores que haviam tratado tio assumpto, lera tlepois a carta tle Pero Vaz de Caminha. testemunha tlo facto narrando-o mio sú com miwlesa mas até com t·eraâúttdc palprwrl pelo •1ue se rira obriyado a dar-lhe a pre{ercncia.

A ignorancia nu rumo, iwlo a bordo Bartholomen llias, Nicolau Coelho e alguns )Jilolos que tinham acompanhado Diogo Cão e Vasco tia Gama, não é acceilavel com relação a viagem para montar o Cahu da Boa Esper;uu;a.

Hoje a sciencia nanlica com rela•:ãu a tempestades, cotTenles maritimas e atmosphericas tio oceano .\llanlico sul, u·aqnella mmu:.ão, nega-se a acceitat· a possiiJilitladc dos navios tle Cabral, pela sua acção, serem arrastados para oeste; mas ainda dado este caso, al'lualmente tlilficil tle exvlicar, Caminha tão minudoso uo descrever a viagem até Porto Seguro, ou r1ualquer dos outros tres escriptores, •1ue iam na annatla, não deixariam de o mencionar. 2

1\las de preferencia aus historiadores •1ue não confirmam a sua opinião com documentos justificativos, temos os melhores estetos, em tJUantu não appa­recer outro de maior auctoritlatle, nas cartas tle mestre João e de Pedro Vaz

1 Publicado na Ret>ista trimt•usal do Instituto historico do Brasil, tom. xvm, pag. 335 a 405.

2 Em uma das primeiras sessões da Commissão Coloml1iana da Academia Real das Sciencias de Lisl1oa, enunciámos o assumpto dos tres capitulos •JUe constituem este opus­cuJo, patenteando n'essa occasião, lJUe as cartas de mestre João e Pcro Vaz de Caminha, a desrripçiio da t•ütgem de Cabral pm· um piloto, e o Esmera/do de situ orbis de Duarte Pacheco, us reputava documentos ofliciaes, por serem redigidos pm· indivi.luos, testemu­nhas de vista, lfUC faziam parte da armada.- Que esses duruuwntos nos levaram á convic­ção, por não haver nenhum mais authentico em contrario, de que o descobrimento do Brasil não fura casual e sim intenriunal. Oissemos mais •tne as duas cartas de mestre João e de Ca­minha podiam 8er puL,ficadas em far-simile e transcriptas em linguagem moderna, muito correcta pelo original, no que havtamos sido auxilia.lo pelo eximio paleographo o sr. José Basto. O distinrto oflicial da nossa marinha de guerra e engenheiro hytlrugrapho, o s1·. B:tltla(JUe tia Silva, pediu a palavr:t e explicou techniramente a impossibilidade das tem­pestades, concutes maritimas ou atmosphericas ol1rigarem os navios a seguir o mmo do Brasil. Considerando o sr. Balda4ue uma hoa au,·toritlade no assumpto rogámos a s. ex. • a fineza de nos fornecer em nula a doutrina, que tão emtlitamente havia expendido, para melhor conol1orar a nossa opinião, ao (JUe mui cavalheirosamcnte logo se prumptificou. Dias depois pediu-nos uma prnva da impressão, a esse tempo já feita mas ainda inrorreta,

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SOBRE O IJI~SCOBRIMI~NTO DA A~IERICA .\5

de Caminha, e na tlescript;ão de toda a viagem por um tios t•ilolos. 1 Todos faziam parte tla armada e foram tt·~tennmhas tle vi~ta.

h duas carias akaw~am apenas ate ~ de maio, 1lia em que sahiram 1le l'orlo Seguro, hoje cunhecitlu pl'la Enseada tia Corúa Yennelha; mas o piloto expõe todos os incidentes 1la viagem ale á sua entrada cm Lisboa, cm fins de julho de t:iol, voltantlo apenas seis naus, mtmero egual ao tias que se per­deram.

Nenhum 1l'estes documentos, que muito lJem se po1lem con~iderar olli­eiaes, falam em terem soiTrido burrast:a antes do llescolJrimento das terras de Yera Cmz.

Caminha, que é minudosis~imo em todos os pormenores, lambem natla diz a tal respeito, nem menciona reparos nos navios, que, a dar-se a tormenta, leriam necessidade de concertar algumas avarias.

O piloto tle~creve o grande tufão e tempe~talle que apanharam a de­mandar o Cabo tia Boa E~pcrança, onde se voltaram quatro naus, que se per­deram completamente com as guaruit;ües, sem as outras lhe poderam acudir pela bravesa do mar, conseguindo escapar muito tlestroçatlas.

l.ima das naus penlitlas era capitaneada pelo lJravo Bartholomeu Dias, que ach••u o sepulcro nas ondas, proximo ao padrão da sua gloria.

Cabral chegou a :\loçambique apenas com oito naus. Estabeleceu logo trato e amisade com o xeque, e pagou por dez vaccas e vinte cabras, rtue lhe mandaram para fornecimento da armada, cem cru::.ados em oiro, para mostrar grandeza. 2 De !\lelimle passou as i luas Anchedivas, e a 13 de novembro entrou o porto de Calecut, onde para castigo do traiçoeiro Sam o rim law:ou fogo a I a emlJarcações, que alli estavam ancoradas, e bomlJardeando a cidade destruiu lJaslantes etlificios com morte de muita gente. Satisfeitas as represalias nave-

das cartas ,Je mestre Jnão e de Caminha ~duc. n.o• 1 e 2), e logo satisfizemos os seus de­sejos. S. ex. • preferiu com·denar uma memoria commemorativa do Descobrimento do Bm­sil por Pedro Alrares Cabral para ~er tamLem presente no centenario tlu Descobrime11to dq Amerim em .llladrid, e apesar de repetir, por se basear principalmente nos dois doru­mentos que lhe fornecemos, parte do terceiro capitulo que i11tlieámos, com aspirat;ão a programma, estamos certos que a sua J/emm·ia por melhor desenvulvida dará superior re­lem ao nosso deficientissimo trabalho.

1 Ignora-se o nome. O original, que se considera perdido, foi vertido em latim, por ~ladrignano e incluído no l\'orus Orbis de Simão Grineo, d'este traduzido em italiano por Ramusio ~Juão Uaptista), e do italiano para o portuguez na publicação feita pela Academia Real das Sciencias de Lisboa, na Collecçiio de 11oticias para a lústoria e geograpltia das 1wçües ultramari11as, ect., tom. n, n. 0 3, pag. 111 a 137, dividida em 21 capítulos.

2 Gaspar Correa. Le11das da l11tlia, tom. 1, pag. tt>l.

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IJRE\'E NOTICIA

gou p:n·a Corhim. onde dtegou a 'I ,, .. llPzembrn, ... surtin•lo-se '''~ manti­mento::; para a anu;ula n'esse purto ;nni~o, sahin em t!iree•;ão ao n·ino, fnn­deallllo uo Tejo a ~:1 tle junho de I :;ui.

As noticias trazitlas por Gaspar de Lemos, portador das cartas de mestre João e ue Pedro Vaz ue Cami11ha, já haviam protluzido em Lisboa grande eu­tlmsiasmo; mas na sua entrada Ca!Jral rece!Jeu uma uvacãu l•rilhantissima. D .. Manuel concedeu-lhe varias llll'ITês, e a ~ti lle jullto de J:"itll csereveu aos reis ratholicos, parlit:ipantlo-lhes o noYu llesco!Jt·imenlo, dizewlo: a a que fúra posto o nome ue Santa Cru:,, terra IJUe lhe era muito necess:tria e wnvl·niente á naYegação da lndia, ponjue alli haYia Ca!Jral reparado seus naYios e feito aguatla". 1

ll;n·eria em P11rtugal algum indicio ua existeuda das terras di' Yera Cruz, •tue justilkasse a intenção de 11. i\lanncl mandar secretameute a Ca!Jral que, autes tle do!Jrar 11 Cabo da Hua Esperan~,:a, explorasse a costa a oeste, on se­ria o 111esmo Ca!Jral tJUC tJOr iuicialiYa propria o fizesse?

(Juaes os 111otivos pontue, sewlo a expetliç~1o preme•lil:tlla, ficou em se­gredo e ainda depois se tomou mysterio?

ncspontlewlo ao primeiro quisito cilaremos principalmeule um periotlo tlo Esml'raldo dl' situ orbis uo famo~o Duarle Pacheco Pereira, ':l companheiro de Pedro Alvares Ca!Jral uo tlesw!Jrimeulo tio llrasil, ronstituimlo uma :tncto­ritlade de ~ul.Jitlu valor. Quamlo traia no C:t(Jitulo 2.0 do liY. 1.0 do seu ma­nuscripto da quantidadl' e grandeza. da terra e da agua, q/lftl desta a maior purte, diz: a e alem tlo que di tu é, a experiencia, que é ma tire •las cousas, nos

1 Antunio Ualvão no Tratado dos descohr·ime11tos antigos e modernos {t•itos até á era de :l~i5U. etc., referintlo-se á armada tle D. Francisco tL\lmeida, quando partiu para a lntlia em 1505, diz: cce fez seu caminho na volta tio Hrazil como era costume». Gaspar Correia e outros esniptores não mencionam esta circumstauria.

2 A lJUI'Ill Camões denominou o Achiles Lusitano, escreveu por :1.5üri O Esmera/do de situs m·bis, f'eito e compus/o por Duarte Pacheco, mmlleiro da casa d'el-rei D. Joiio lJ tle Purtuyal, que lJt•us tem, dtriyido ao muito alto e podfro~o pri11ripe e serenissimo Sl'lllwr· o seu/,ur lley D. 11/anuel·nosso seuhor, o priml'iro d'cste uome qw• r·t'!JIWII em l'ol'tuyul. Lliz Barbosa Machado compor-se este IJJ<Illllscripto de tjUatro li nos; tendo o primeiro ~3 t•a­pitulos, o segundo H, o terceiro !I c o quarto HL Este precioso monumento das nossas glorias tem-se conservado incdito, até •1ue a commissão portugucza para o cenlenario tio tlescuiJJ·imento da Amcrica em Al;ulrid conseguiu fazei-o imprimi1· na Imprensa Nacional, :mnotado com a reconhecida nllli!Jelencia tio nosso amigo o sr. Raphacl Basto. Duarte Pa­checo era muito duuto em cosmographia e nas scie111·ias nauticas, foi segunda vez para a Jnolia em f!'jO!J com All'onso de AlhuquenJne, onde sustentou com a maior bravura uma serie de comhates •1ue immortalisaram o seu uonw, depois foi guvemador do castello de S. JGrge da 1\lina, tl'uutle, dizem, \'iera preso para Lisboa por intrigas dos ~eus inimigos.

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!'OBm: () llESCOUIIIMENTO llA A~IEIHCA 4-7

dest'nganava, e tle totla a tluYitla nos tira, e portanto hemaventuratlo Principt', temos sabitlo, e visto como 110 trrcrim nm1o do rosso rrinndo do anuo dt· !Yo.~.~n

Senhor dt• mil quntrnct•nto.s nm·euto. e oito, dnnde _"'\TOS 1·nssn alteza mrllulmt drs­c,!Jrir a parte ocriden!al. JHI.~SOI/dO alem do yranrlt• mar oceano, OIUIH r adl:itla l' n:tveg:ttla uma tãn grande terr:t firme, enm muitas f!T:twles ilhfls :ltljacentes :1 l'IJ:t, que SC estew)e a SPtenta graus tlC ):ltll'Zfl !l:ltitllt}C) d:t linha CtJilinnl"iaJ contra o pnlo arelico, r posto qne seja assaz fúr:t é gnwlenwnte povt1:Hla, e tio mesmo drculu rquinocial toma outra wz, e Yai além em vintt' c oito graus c llll'io tle l:ttlez:t contra o poJo antarctit'o, e t:~nto se flil:tf:l sn:1 gTanrlt'za c cnrrt• com muita long-nra. qnc dP uma p:trtt' nem ,],, outr:t não foi visto nem sahitln o IIm c rahu tl'l•lla, prlo fJnal sc:,mn•lo a orticm tpll' lcYa é Ct'rtn qne vai em dreuitn pot· totla a redondez:!, assim tPmos sabitin fJUe rias praias e costas tio mar ll'estes reinos de Portugal. e do prnmontorio tle FinisteiTa•'. e tle qual­lJlll'r outro log:ll' tia Europa, e tia .-\ frka, e ua As ia, atr;l\'essando alt"·m totlo ncPano direitamcnte a ncrirlente on a Ot'ste, segn111lo nrtlPm rlt• marinl1aria, por trinta e seis graus de lnngnra. q1w serão seiscentas e quarenta t:' oitn le­guas tlc caminho, cuntan,Jn a tleznito ll'f!llas por gTau. e ha log:ll'es algum tanto mais longe, c adwda e:'la terra não navegada pelos navios tle Ynssa :~1-

teza, e por vosso rn:tntlado e licem~a os tios \'Ossos vassallos e naluraes. E hiwlo pnr esta costa snhrrtlita, tlG mesmn cirt•ulo equinocial em tliante, pnr vinte c oito graus tle latleza contra o polo antareticn é aehatln n'ellc muito c fino hrazil, com outras muitas coisas rle t[HC os navios n'estrs reinos vrm gran­tl•'rnente carreg·atlos; e prinwirn muitos annos qne esta costa fossr sabitla 111'111 desroherta tiissn Vicente lstnrial, no seu JWimPiro lino, 1]111' se chama­,._~pd/m dns lii.~torin.~. no capitulo rrntn c sPt•'nla e sete- .\I em das tres partes tio nrhe, fi CJnarla parte é alem tln 111:"11' oet~:~no interior rm o nwio •lia, rrn enjos tPrmns os antipotlas tlizt'm IJilü habitam, ora como assim srja fJIW esta krra tl"alern i.· tão grawle. e tl'esta parte tl';'upwrn h'rnos Europ:~, .\friea c .\sin. manifesto ú que o mar ocr:mo r rnellitlo no mrio d'estas tinas terras•. 1

ffaqni poile lambem inft'rir-se ser isto escripto por Duarte P:tcheco antes ria viagem tle Petlrn Alv.1rt•s Cahral, c que a tent:~tiva tla deswhe1·t:~ rln Novo rontin•'nte j:'t pretlominar:t no :~nimn rl'el-rei D. :\lannel, e se não existe do­nunento mais anthcntico, é claro •pw os planos haviam de ser feitos c.om a maior rcserra para não desprrtar o Le:ío •le f.astella .

. \lém tl'isto temos a carta tle mestre João, physieo-mór, a el-rei D. 1\la­nuel, tlatatla de l tlt:' maio de 1500, owlc se lê: « •.• quanto sennr ai sytio tlesta

• Pultli1·:ulo no Commt•rcio tle l'orlu!Jal. em !l, lO e ll ,Je julhn •lc 18!11. peln ~r. Rapharl llat'to.

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48 BREVE NOTICIA

terra mande vosa alteza traer nm napamundy que t.yene pero vaaz bisagwlo, e por ay podra vm· vossa alteza el sytyo desta terra, en pero aquel napa· muutly non certyfka esta terra ser hahytada, e no es napammHiy antíguo e ally fali ara \"Osa alteza escrita tan hycn la myna: ayer casy entendymos por asenhos IJlie esta era ysla e tJUe eran quatro, e que de otra ysla vyenen atJUi almadyas a pelear e los levan eaptyvos».

A citarão tio mappamundi tle Peru Yaz Bisagudo para o rei \'er o sitio da terra de novo descoLerta, e as corrcqões que o cosmographo lhe faz, em re­lação acf que alli viu, constitue uma prova de que em Portugal havia, pelo menos, indícios da existencia tle terras a oeste do Caho da Boa Esperança.

Emqnanto ao outro quisito-dos moliYos que hou\"e para a expedição ser secreta-é mister procurar a causa nos fartos anteriores.

Quando I I. João II se persuadiu tle que as famosas em prezas marítimas do genovez eram eomprelwmlidas nus seus mares da Guine, tratou logo tle organisar uma poderosa armada que fosse <iquellas paragens uppor·se á in­vasão e sustent::r os seus din·itus de priorid;ule, rhega111lo a estar nonw:Jdo para a cmum:uHiar H. Franrisro d"Aimeida, que depois li•i u primeiro vice-rci da India.

Os reis calholicos tiYeram noliria •l'esles aprestos, e suppontlo logo o tim a que se tle:-linayam, esc:rl'veram a D. João II para :mstar a Pxpetli•:ão ate mandar verificar que o tlescoltrimento de ColomLo nada linha com os mares da Guiné.

O rei de Portugal annuiu ao ahitre. ~omearam-se embaixadores para tra­tarem o assnmpto, mas Fernarulo e Isahel e o proprio Colombo contirmar:uu na desconfiança de que os purtuguczcs prcteruliam seguir o mesmo rumo, flis· pulaJHio-lhe novos tlesrnbrimentos uo oceauo Atlantico. Os documentos publi­catlos por Navarrete, existentes nos archivns do dtHJUe de Yeraguas em Sevilha, e no de S:-tragosa bem patenteam os seus receios.

Assim, como prevenção, pediram, em 2 dl• maio de 149:1, ao duque de l\leflina-Sidonia, que tivesse as car:-~wllas, que havi:-t otl'erecido, promptas para qualquer cveulualidade. 1

Em 12 de junho do mesnw armo os monarchas hespanhoes asseveravam, 1Ú1ma carta a Chrislln-am Colombo, as l10as intrnçõcs de 11. João II, que não tinha enviado nem enviaria navios <is terras que elle descobrira no oceano Al.lantico. ~

N"outra carta de 2i de julho, Fernando e Isabel affiançavam ao seu al­mirante das Indias não haver motivo para tlesconfiar de •Jne o rei de Por·tugal

1 Collerç!lo de lo.~ t•iuffl'S c des•·olwimielllos, tine. u." :IIi. 2 lhidem, doe. n. • 50, original.

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St)UHE n 11!·::-;cnBIII\IE:XTtl 11.\ .\~IEIIICA i !l

faltasse ao que promettera; mas que aiwla assim e:-:lava IIII Io pn·wuitlo, c no t:a~o de sahir do Tl'jo alguma armada •IIII' seguisse ;II!'Ielle mmo, dos portos de ll•·spanha partiria outra com o •lohro tios 11avius para a oiJrigar a voltar. 1

Em LbLoa e ao lu11go da costa a cspiona~t·m por wnla dos reis de lles­panha era activissima e prolongou-se por muitn tl'mpo, rcnnvan•lo-se com maior energia tlepob do tleseohrimentu lia Iwlia por Yasro da Gama.

_\ carta el'el-rei 11. "anue! partirip;melo aos reis ealholicos a •lesrohcrta tias terras de Saula. Cm:.. e llatacla ele t!l de julho de I :iOI, e em setembro elo mesmo anno foi puhlkatla em Serilha uma onlenan•:a conrtemHando nas mais gran•s penas aos que sem permissão particular tentassem flcscobertas 110 mar oceano e nas terras llmu·s d:~s lwlias. 2

I~ lambem para notar que do regiwrnto llaela por el-rci D. :\l:~nuel a Pedro Alrares Cabral falll:' precisamente o principio e o fim, que talrez, pudessem esdart"cer tntlas as flmitlas a l':<le r(•spcilo. E!lisll' apenas o caderno 1I0 centro, l' muito hrm conscnaelo. que ronH:'~~a na sahiela ele .\ngcelh·a, c acaba tralallllo dos aprestos na volta do :\ldiwle e tem- l/em o mpilam sey. o 3

llo que deixamos elito po1le h em nmcluir-se: 1. 0 Não harer tempestaeles nem correntes que obrig-assem a armada •le

t::~hral a seguir o rumo ele oeste, pois a darem-se esses ca:-os de fur~a maior ni1o eleixariam tle ser dtados por algum dos !]Uatro escriptures que iam a bonlo e for:~m testemunhas 1le Yista.

~- u Que haYia inelido, ou mesmo mais de que iwlido •I" essa terra, como mui claramente o menl'iona Dnarte Parhet:O no Esmeralda de silu orbü•, e mes­tre João na :-;na carta a cl-rei J l. :\!amwl; acaesccwlo que nenhum dos 1lois outros escriplores Pero Yaz de Caminha e o piloto, na narrativa soLre o desco­brimento. diz ser por acaso.

3. o Que a razão da missão ter sido secreta justifica-se pelo receio tle des­pertar as susceptibilidades fle f.astella. e como melhor pretexto p:~ra se lerar a effeito a tentalira, apmYeitou-se a Yiagcm de Cahral á India.

Pedro _\!vares Cabral, 3.0 filho de Femão Cabral e de sua mulher IJ. Isa­IJcl de r.ouYeia, teYc em -i da :~bril tle I:i02 duas merces de ten,_.a ;mnual, uma de 3U.Oll0 reaes, e outra de 13.000 reaes. 4

I Collecção de los riages e desmlwimicllfOS, do~. ll. 0 ri'l. 2 lbidcm. tum_ 11. paf! _ ';?:ii. J _\n·h. Na!'_ 1la T•liT~ 1lu Tumt.u. m;u;. I ,);,,- lf'i.ç ,Çt'llt duftr, n.• 21. Foi puiJiie;uln

1111~ Jnuacs nwrifimos c mi111Úat's, Iom. , .• pag_ 20~ da parll' nàu ulli•·iaL I Arch. Nar. da Tone do Tumlto, Co1·po cltrotl. I'· :::!.•, maç. li, n." 3 c '•·

i

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50 liHE\'E NUTJt.:IA

Fui casado com D. Isabel de Castro 1 e falleceu antes de 8 •le julho tle t:i31, comhinando a inscrip~ão sepulcral com a tlala tla ~:,arla, •tne nomeia sua mulher ramareira-múr da infanta 11. 1\Iaria. onde o 1liz já fallel"ido. 2

Pedro Alrares Cabral foi sepulta•ln na capPIIa tle S. João Uaplisla, no cru­zeiro da egreja rla l;ra~a de Santarem, convento •1ue pertenceu ;i ordem •los en•milas de Santo Ag-ostinho. A sepullnra é rasa e coberta por uma grande campa, onde tem inscripto em caracteres golhkos:

AQVY IAZ PEDR'ALVAREZ CABRAL, E DONA IZA BEL DE CASTRO SVA MOLHER CVIA HÉ CAPELLA HE DE TODOS SEOS ERDEIROS A QVALL DEPOIS DA MORTE DE SEV l\lARIDO FOY CAMA R EIRA MOR DA INFANTA DONA i\IARYA FYLHA DELREY DÕ IOÃO NOSO SENÕR HO TERCEIRO DESTE NOME. 3

Nos ultimos atmos llo seculo xv, gosava grande fama como cosmographo

I Tiveram Fernão Alvares Cabral, eommentlador do Banho, da m·rlem de Christo, que partiu para a lrHiia a 2:l de março rle t5:tl na nau s_ Uentn, rapitancawlu uma ar­maria rle ')Uati"O navios, e o d'elle se perrlcu com toda a guarni~ão, na costa do Natal a ~:3 rle abril de Hi54. Foi casado com n. 1\hrgarida rle ca~tro, da fJUal teve uma filha, 11. Leonor rle Castro, que casou com D. ll•ronymo de Castr·n, senhor· do Paulrle fliJquilobo, et.r. Não tiveram desrenrlencia. /li#. fJCII., tom. xr, pag. H2:.! c Annaes dt• D. J11iio III por Fr. Luiz de ~ousa, pag. H9.

2 • Dom Joham etc. Faço saher a vos Dom Juhanrla Silva, conde de Portalegre, mor­domo mor da casa da rainha minha sobre todas muito amada e presada mulher, que ha­vendo eu respeito ans merecimentos de D. Isabel rle Castro, mulher que foi de Pedro AI­vares Cahral, e a:; calitl:ules tle sua pes:;na, e confiando tl'ella r1ne no officio de Camareira mor da iufanta O. 1\l:lria, minha muito amatb c presatla filh:~., servirá hem e fielmente como no tal rargo se rer1ner, hei por bem fazer-lhe mercê rio dito offit•io de sua camareira mr'tr, com o tJUal haver[t dar1Lli emrliante 2/.UOO reaes de onlcnario por anno, e sua ra~ão ordenada, como sempre houveram as camareiras múrcs rias infantas. Por esta man1lo a D. Hurlrigo do meu r·on~t.fho e ver! o r da minha fazcnrla, ljlle lhe mande assentar o dito orde­nar lo P o rjLW montar na tlita ração, nos livros d'ella no titulo dos ordenados, para em ca1la armo lhe ser pa~o á cu~ta du minha fazenda em lo~ar 11ue haja bom pagamento. Dada nesta ridadc rle Evora a 8 de julho, Ayrcs Tavares a fez em 153~·. Arch. Nac. ria Torre do Tomho, lit·. 7 clt• D. Jmlo JIT, 11. 200.

3 Em IHSI por iuiciativa rio sr·. capitão de artilher·ia Zeferino Brandão, houve 11 pa­triotico pensamento tle levantar n'ar(uella cirlade um monumento ao heroe tlcsrohridor tl•1

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sonm: o m:sr.nnmm-::wo 11.\ A\IEntCA

c mallll'maliro .\meriro Ye:;pndo, 1 •JIII' se ofti•rt·•·•'ra ;, llt•sp:mha para routi­nuar os dl•scubrinwuto~ 1111 !'\ovo :\lnndo. lla\"ia jit fl'ilo tln:l:-; via~t'll:', mostrawlo Sl'r innnincnte nawgatlor. e por seus srnit:ns ad•tuirira o valimeuto de Fcr­namlu e lsaiJel.

ll. :\lauuel ;mciosn por •lemarcar e explm·ar as terr:ls de Santa Cruz, ten­tou attr:~hil-o com instancias e pn11nes:-as de grawlcs lucros, conseguindo por fim que acceitasse a empresa .

. \merico Yespncio come~nu o serviço em Portugal, iwlo como cosmographo n"uma pelJuena frota de Ires n:~vios, que sahiram do Tejo •·m 10 •lc maio de t:iOI. N"as alturas Je Cal•O Yerde encontrou-se com a arm:~da •Je Pedro .\1-nres Ca!Jral, com tJnem connnunicuu. t é muito provawl •JHe este fornecesse :~Igumas instrucções ao florentino. Esta viagem foi l•astaule tormentns:J mas logr:~ram marcar alguns pontos da costa e arvoraram padrões com as armas tle Portugal. 2 !'\a sena Leoa queimaram uma das emiJarra•:ões p••r iurapaz de na\"egar, e vullaram ao reino, owle ~hegaram depois de dezoitn mezes e vinte e oito dias •le viagem.

Brasil, e como preliminar nomeou-se uma rommis~ão para proceder em ü de ago~to de 1H82 á abertura do jazigo, o •tue se fez, verifiramlo-se existirem ali i ossos Lem ronservados, pertencentes a tres esquelelos, envulvi•lns em graude P••n;:ão de cal. Feiro o exame e de­l'lara~ues de que estes restos morlaes perlenriam a Pe.tro Alvares Cal>ral e a duas pessoas de sua familia, sPm se puder bem rlelerminar quaes eram os du grande navegador, la­nou-~e o respectivo auto em duplil';,do, firando um exemplar no arehivo tia ramara mu­nicipal d'aquella ridade e ~endo oulro remellitlo para o tia Torre do Tomho. No reverso •la petlra sepulcral fizeram gravar:

6 DE AGOSTO DE f882. ESTÃO AQU OS OSSOS DE

P. A. CABRAL YIDE AUTO NA TORRE DO TO:\UlO

E CAMARA IIIUNICIPAL DE SANT.\REM.

I Ameriro Yespurio, filho de Anastario Yespurio e •le ktLell\lini, nasceu em Flo­rença a 9 de mar~o de H:ii. T••n•lo ronrluitlo os seus P~lw~os mathematiros, partiu para a Hespanha seduzido pelos novos desrol>rimentos, •tue promelliam grandes lucros rommer­riaes, profis~ão que elle havia escolhido, e chegando a Sevilha no tempo em que muito se falava na gloria adquirida por Chri~lovam Columhu, gralltlezas e mercês que havia rere­J,idu peles seus immorredoiros feilos, :<e olTe1·ereu logo·aos reis Carholicos para emprehen­der outras explorações no N"ovo Continente.

2 Os padrões que os portuguezes rolloraram nas suas pos~e~~ões ultramarinas, 11os pi·i­meiros annos do setulo xn, eram, de onlinario, de marmore hranco com qualro palmos de alto, dois de largo e um de espessura, tendo gravado o esrudo rum as •tuinas sohrepos­tas 11a Cruz tia ordt•m de Chrisro. O lnstiluto histuriro e geographiro do Brasil, possue um

7•

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nnEVE NOTICIA

Pouco tempo depois, para continuar :JS explor:J~.I•es n:~s Terras t1c S:mt:J Cmz, :1pparelharam-se sPis uans, rapilane:Jtlas por Fern:io de Noronha, le­vando como cosmogr:~pho :\nu·riro Yespw:io. A armada s:~hiu do Tt·jo a 10 de maio de ·1i'iO:J, c na derrota, qne muito roncis:mltmle tlesrreve o mesmo cns­mographo, na sua lt.a carta, vem ment·ionado o desastre da perda Je (ItJatro naus e suas guarni~õcs. snppomlo entrar n'este numero a tio capitão-mõr, que, sem o nomear, alcuuha de soberho e louco. nas quatro emb:u-ca(.ões dadas por Americo como naufragadas ilpenas duas se pen1eram. logran•1o Fernão de Noronha descobrir em agosto tlu dilo arlllo, a r;o legoas alt'•m da terra de Santa Cmz, a ilha tle S. Jnlio, eonhctitla depois eom o nome do tlescobritlor. 1

No archivo uacional tia Torre do Tombo existl' uma carta regia de D. )fa­nuel, datada de W de janeiro de 150~. prt,meltendo a Fernão de Noronha, no easo tlc se chegar a povoar aqnella ilha, dar-lhe a respectiva capitania em sua vhla e na de um filho varão litlimo mais velho, •tne lkasse por sua wnrte, c tJIJantlo se désse o caso de estar· povoatla lhe passaria a carta com os tlirielos e jurisdicções com tJlle havia de possuir a eapil:mia. 2

A 2ft de jant'iro tio mesmo anno foi-lhe feita a doação t1a ilha tle S. João, ficando obrigado Fernão dP Noronha a pagar tribnto de (111arto e tlizimu, sendo estas tluas cartas confirmadas por U. João III, em :3 tle IU<trt~.o tle Hj-2~. 3

Estes tlocumentos pro,·am qw· Fernão de Noronha, se era o eapitão-mt'lr na segunda viagem, que Americo fez pur ordem !lo rei 1le Portug-al, não foi victima t1o naufragio, e na sua chegatla a Lisboa antecedeu o florentino pelo meno~ seis mezes. Custa a acreditar tjlle lewln Yespucio eutr:ulo a barra tio Tejo em 18 tle junho tle frjO~, e escrevendo a Petlro Soltleriui em 4- de se-

d'e~tes marcos, tJUe estava culluc:ulo na entrada da Lana de Canant:a, do lado du cmlli­nente. N'este ponto foi, ::;egmulo as melhores cunjct·tura~, o ultimo da eusta tlu ::ui ellliJUe tncou a frota cxplm·adora em 150 I, eapitancada pnr Audré Gonçalves, levarulo como pi­lnto l'osmographo o celebre Americn Yespm•in.

I Varnhai:(Cn- Diurio da 1tai'I'!JaÇ'1o de /h·o Lr'}WS de Sou:a- LisiJUa IS:W, pag. 70 a 77 notas.

2 Lit•. 37 de D. Joiio lll, fi. Hi2. 3 Arrh. Nac. da Torre do TomLo, Lit>. 37 de D. Joiio 111> fi. Hi2 v. ll. Sebastião

tamhem confirmou em 20 de maio de Hi:'}H, a doação em Fernão dt• Norouha, filho 1le DioJ!o ele Noronha e neto de Fernão de Noronha, da ilha tle S. Joãu, IJUC dista ses::;cnla legoas ao mar do Cabo de S. RoiJUt~ da ten·a "''Brasil. (Arch. Nat•. da Torre do Tomho, Lit·. 9 tle D. s,../,astião, fi. ~72 v). D. Pedro II cm outra carta de 8 de janeir·o de Hi!l:l, ai111la confirmou a doação tl:t tlita 1lha por sut•t•essão a João Pt>reira PPst:ma, filho ,Je outro do mesmo nome, e neto de Femão Pen·ira Pestana ele Noronha, donatario IJUe fui tia ilha de S. João (An·h. Nac. da Torre du Tomho, Li1•. 3 de D. Pedro 11, fi. 1011). A ilha tem tres legoa~ tle comprido, é muito montauhosa, de formação vulranica e cum ahund:mria de

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i'OBm: O nESCOBnHJENTO DA AMEniCA 53

temhro do nw:-:mn annu, n:ío dissesse haver enconlr~ulo o capilão-m'u·. ttnawlo especilicou as dl'lig-cneias Pmpregadas na viagem para o adrar I Prl'ff'ritnos an­trs seguir l't•dro dt\ ~lariz I' oHir·o::; llisloriadurt>S, qtw dão a capilauia tl"esla se­gurula viagem a (;uw:alo Cttl'ltltl, 1 indu ua prinwira Fe•rnão de Noronha. As­sim, teriamns a tleseoberla tia ilha a ~'l de~ junho, pelo tJtie lhe st•ria posto o nome tle S. João, e bem juslifkadas as .talas .tas duas eart:-rs regias. Na pri­meira viagem de V espudn já passaram pelos CaLos de S. Roque e Santo Agos­tinho, e é possível que eutão se encontrasse a ilh:-r .te S. João, licando o com­mantlanle, como era costume, l'Oill as honras tio clescobrimeuto. 2

Americo \'espucio descoiJr·iu em I rle novembro de liill2 a enst•ada e porto ela Bahia, que em consitlera•:ão ao dia recebeu o uome de Uahia de Todos os Santos. 3 A!ti esper·u11 tlebaltle dois mezes pelas rtnalro n:ms tJUe t!"elle se ha­viam apartado, e por fim resolveu-se a seguir a costa ale Cabo Frio(?), urule fizeram carregat,:ão de pau br·asil, gastawlu lJilalro mezes em levantar uma for­taleza, qne deixaram guarn,•;.:.id:l por vinte e t]Uatro homens da tripnlac~.ão, Lmn armados e Lem tomecitlus de manl.imenlos,

Foi este o primeiro estabelecimento tJne os portug-uezes tiveram na .\merica.

agua potavel. Os primei1·os possuidores :lpt•nas gosaram as honras tio titulo, renovanclo semJII'e os successores as cartas tlc confirmação. Os hollanrlezcs quando a occuparam l'llm­peram algumas terras e depois de serem ohrigatlos a entregai--a ficou despovoada passando a ser propriedade tia coroa. No sel'tiio :XVIII foi tomada por uns colonos C\lrangeiros, e de Portugal partiu, a 7 de setembro de 1738, uma armada cmnmandada pelo capitão tle mar e guerra D. l\l:muel Henriques, para expulsar os intrusos, o que se fez sem resistew·ia. Uma cumpanhia de infanteria guarneceu a ilha, emqnautu tlc Pemamlmeo não foram pm­vidcucias, e a U de junho de 1739 a estru:ulm levantou ferro, navegawlo em direcção á Bahia, conduzindo uns vinte iwlividuos, na maior parte francezes, que alli encontrara no cultivo das terras. (Hist. Gen., tum. vm, pag. 2í3).

1 No Arch. Nac. da Torre tio Tomho, Lit'. 28 de :llmwel, 11. ü3, vem Gonçalo Coe­lho, litlalgo, com a merct~ tle um padrão de Hl:OOO reaes, concedido, em t•arta regia tia­latia tle Camide a ~5 de maio tle I í72, por D. Afi'omo Y pelos seus se1·viços. l\lercê de­pois confirm:ula por el-rei D. l\lanuel em 12 de fevereim de 1 í!18.- D. João 11 em carta datada de Beja em 20 de julho de 1 í80 despachou-o com outro parirão tlt~ 1 :rmo reaes hr:mcos, carta que tamhem foi confirmada por D. ~lanuel em Evora a 20 tlc setemhm de H!IU (lhid. 11. 78 v).

2 Yitle nas Notirias para a historia e 9C09rap/lia das naçiies ultramari11as, publica­tias pela Ac:ulemia Real tias Seicneia;:, tom. 11, 11. 0 ~ as •luas Cartas de Amel'iro Vespurio, tlt• pag. tU a 1iiS.

3 Brito Freire na sua llistol'ia Brasilica, diz que a tlescoLerta da Bahia de Todos os Santos fura feita por Christovam Jactrues.

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54 IlRE\'E 1'\0TICIA

.\s duas n:~ns l'Om Ye::purio voltaram p:~r:1 a Europa, cntr:~ndo o Tl'jo a H~ 1le junho tle 150i.

Ignoram-se os motivos que ten' o florentiw 1 para :~handonar a riu· te 1le V. M:~nnel e v o H:~ r para o seniço de llespan!J:~, onde já se arhava em I ;;m, sendo depois :~gradado com v:~rias mercês e o cargo de piloto-mór. Fallec•·n em Se,· ilha a ':!::! de fevereiro 1le Hi 12.

A fama ad•Juiri1la pelas suas quatro ,·iagens, foi essenei:~lmente ,Jm·itla ús cartas escriptas :~o seu antigo rowliscipulo, o gonfaloneiro Sorlt•rini, 1 sentiu as duas primeiras impressas em l.ltim em l ;;o:J, c as outras duas em italiano, que dizem mai:-. respeito ao Brasil. Dois annos tlepnis as rartas foram repro­duzidas em varias t"dições, c tr:uluzidas em diiTerentes linguas europeias. Em virtwlc do seu cargo e1n llt'spanha era Yespurio quem cnns:ruia as cartas de nav1~gar, que os pilotos levavam para o !\ovo Continente.

São varias :~s I ra,Jirües, ou as lcwlas, com tJHe alguns teem prrtemJi,Jo reivindicar para os seus a prioridatle da dl'scoLerta do Brasil.

Os jesuítas c alguns escriptores pretendem que S. Thomé peregrinou pc­las terras do Brasil, appoiamlo-se na tra1lição conservada entre os imlins dos seus estupendo milagres ... e, apesar do e::.teio ser fragil, Rocha Pilta acreditou n'esta lenda monastira. A propaganda. que mirava a certos fins, foi combatida JJOr escriptores conseieneiosos, e o proprio Urbano VIII Lambem lhe não foi favoravel.

Em H88, dizem, alguns armadores de Di(•ppe confiaram um navio a João Cousin. insinuado pelo profes~or lle pilotagem o padre llcscaliers, para tentar o descobrimento das decantadas lndias Orientaes. Cousin afastando-se das costas, para evil:~r os haixos e recifes, ao chegar ás alturas dos Açor:Js as correntes levarmn-11o a uma região tleseonhecitla na embocadura de um rio. Tnmou posse ... (?) não tendo padrão nl'm gente para a IIi tll'ixar, voltou para IJonlo, e seguiwlo o rumo de sueste, avistou o Cahu das Agulhas, e nave­g-amlo para o norte, sempre á vista da costa do Congo e lia Guiné, regressou á Fran1:a no anuo seguinte. Este descobrimento não está aulhenticatlo e vem

t Além das quatro cartas conhecidas de Americo, exi~tc uma ontm, consi,ler:Hia tam­hrm authcntica, cnm a narrativa da terceira viagem, dirigiola para Paris a Lonrrnzo oli Pit•r. Apparrceram outras no fim do seculo X \I, reconhecidas como ral~as no intuito tlr mi­~ei·avel espe,·ula.,;ãu. Franci:>cu Adolpho de Yarnhagen (visconde de Porto Seguro), pn­lolicou em 1 t-l65- Americo l'espuo·ci son rararlére, ses h'l'ils (mhne les moins a ut hcnt itjltes), sa rie, et ses 1WÚ[Jafions. A1·ec une rarte indiquant les routes.- Tem 12U t•aginas al.:•mola carta das derrotas. Esrrewu tanthem o mesmo am·tm·: Xoul't•lles Rultercltes sur les cln·­?liPrs royayes etr. tle Vespure. \'irnne, IH7ll.

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SOUHE O IJESt:UIIIIDIE:'\TO LIA A~IEHICA

apeuas Jlll'llt:ionado nas Jf,·nwrios chro11ologica,~ para sen•ir ti M.~torict tf,· [J;,;_npl' e ria llfl/'t'!Jllftio france:.a. 1

Dizem mais •JUL' o imnwdiato tle Cousin fllra o castelhano .\lonso l'inzon, tl'ntlo c:;te tlnrante a vi:Jgem comportamento tão desleal que o triLunal mar:­tinw tle Llit·ppc o contlemnou a nãn poder ser mais {'IIIJlregado no servi•~O da cidade. l'inzon partiu para llespanha on•le, annos tlepois, Colomuo o cucarre­f!'l_lll tio comrn.1wlo de um tios JJa\·ios da sua primeira expedir:ão, nomcand•J-o seu imrnctliato. mas a desmetlitla ;uuhit:ão tle atl•Juirir gloria o le,·ou a arlian­tar-se tlo capitão-mor, e snppoutlo-o penlido, apresentou-se como principal dl'St'oiJritlor tln novo continente. _\ chegada, t.lepois, de Colombo t.lcsmascarou o impostor e acarretou-lhe o tlc~~prezo geral. Falleceu cm Paios.

Os hespanhoes tamLem tiveram prctenções <i prioridat.le da descoLerta •las tenas de Santa Crm:, pois os seus compatriotas Yicentc Yancz Piuzon, so­Lriuho de _\lonso Pinzou, e Diogo de Lepe emprehent.lcram em I Hl9 uma ex­petlit;ão ús Intlias Occidentaes pelo rn111o tle Cousin, avistawlo em janeiro de t:ioo o Caho da Consolação, depois chamado de Santo .\gostinho e hoje ro­nhccido como Ponta de :\locuripe, e exploraram a emlu•catlura do Amasonas, ate onde se diz ter chegat.lo o navegador Diéppense. 2 O farto e que não dei­xaram vestígios tia sua passagem por aquelles Jogares.

Existe ou Ira tradição de terem alg-nns portuguezes tlesem!Janwlo no Brasil antes de Cal•ral, apresenlantln-sc mmn prova a copia authentica do testamento de Jo;:io Hamalho, es.:ripto nas notas tia villa de S. Paulo, (lPio taLdi:io, Lou­renço Yaz, em 3 de maio de l.'i~O. onde o testador por tlnas ,-ezes repetiu, tli;mte tle cinco test•·munltas, qne tinln alguns noventa armos tle assistencia u·esla terra, sem qne lhe fosse conlcstatlo. e, sewlo vertlade, havia :Jportatlo as terras tle Santa Cruz por I 'I ~10. Os ponuguezes occuparam a capitania de S. \'iceute, no dia do San lo tl'e;-;te uorw! a :!::! de janeiro de I :i3-:!. 3 Alguns

t Impre~sa em Paris em I i~5. 2 o~ reis ratholicos achanrlu-~e em Granada passaram uma rarla nomeand•l Yirentc

Yanez Pinznri rapitãu de urna cxp•·•lit;ào para ir tomar posse das terra:; in•lit·adas, as •1uaes li•·aria gm·ernanrlo com grawles re!-!alias e privilegias. A carta tem a rlata de 5 de :;etem­hro de 1501 (tran~rripta de copia anthenricath na Rrr. trim. do Inst. hist. !Jrasilciru, tom.

1.1. ... XXII, pag. 'll•_l.

3 1\'oticitt dos mmos em que se descobriu o llra::il, e das entradas das 1·eligiües e suas fmula~·iies, etc. Pelo Rt>v. Padre mc,..tre dr. Fr. Ga~par da .lbdrc Deus -•Iue diz hawr ro­pia•lo as uoticias tle um manmcripto •lo archi\"0 du mosteiro de S. Bento tb cidatle de S. Pau lu: ufl'erecido ao Instituiu hi~torico hrasileiro pelo sociu correspondente u dr . .llanu•·l Joa•1uim do .\maral Gur·gel (Rt•t'isfrt trimt'll-~al d .. lnst. hi:;t. e geogr. du llrasil,torn. n, pag. 'J::!il. Fr. Gaspar na~ceu em Santos em ti30 e J'itlleceu por 1000.

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URE\'E NOTICIA

csrriptures attrilmem a arriiJada a•Jnellas paragens tle João Hamalho c Anto­nio Hodrigues, de fJnem tamhem lH"to noticia, a alguma t•mLarcat:ão •Jlll' alli fosse dar á custa, das muitas •JUe se penleram sem se saber o fim que le­\'aram.

Yarnhagcn diz ter yisto em ·ISW, no archiro municipal da cidade de S. Paulo v a rios cademos, pertencentes aos a1mos de ·I;;:;:; a t;·j;is, onde estava o signal de João Hamalho, •Jue não sal1ia escrever, representando um risco em semi-rirculo, aberto á esquerda onde estú o nome de João e a seguir o appe­lido. Era, dizem os ditos liHos das vereações da extincta villa de S. Thomé, capitão, alcaide múr do campo e chegou a ser vereador.

Tem-se lamentado a dt•scousideração feita a Colombo, por se não haver dado o seu nome ao continente •1ue descobriu, preferindo-lhe o de Amcrica, cm honra de outro navegarlor Americo Yespucio.

O facto parece represPntar certa ingratidão. c sú se poderá explicar pela imlJOrtancia que deram, 110 começo do seculo XYI. ás n11ticias e cartas publi­cadas pelo dito Yespucio, e onde tleclara ter .~ido o Jlrimriro descobridor drt terra firme do 1\'om Contiueute, CIIIIJIWIIIO Colombo sú o {tira das Ilhas. Tanto as cartas cumo as relações das ,·iagens furam traduzidas em diversas línguas e reproduzidas por toda a Europa em varias edições.

Seria a propaganda da imprensa, exaltando o me rito e seni~os nauticos do florentino, 'lue deu cansa a chamar-se Jmerica a queiJa parte do mmulo?

1\lathias Hingmann, grande admiratlor de Yl'Spucio, professor de latim em Saint-Die, teve grande influencia na public;u:ão da Cosmographiw iutroductio el Globus .l!undi de ;\larlim Waltzamuller, 1 onde se diz: Et alia quarta J'ars per Americmn resputium (itt iu sequentibus audietur) iurenta est qumn 11011

t•idco cur quis im•e vedet ab AltlCrico inuellfore sagncis ingenii riro Amerigt'll quasi Americi ferram, siue Americam diceudmn: c um et Europa et As ia a llllt­

lerilms sua sorti ta sint nomina. Outras nações acceitaram esta denominat_'ão com a aurtoridatle de varios

saLios como João Schoner, P. Bcnewitz (Apianus) 2 Joaquim de Watt !Wadia­ws), Pedro :\largalho3 e outros.

t 1507 e Hi09, foi depois traduzida do latim em allemão. Yidc Rn•. trim. do in~L hist. Lras., tom. xxxv, parte 2.• pag. Iii a ~02 e tom. xu, parte L• pag. 19.

2 Publicou um mappa que se julga ter sido o primeiro que designa por Auwrica a •Juarta parte do muntlo.

J Petlro ~lar!!alho, portuguez, natural ile Elvas, foi lente da Universiiladc de Sala­nmwa, e dPpois da de Coimhra. E~1·reveu em t:i'i.O- Pllysirl' Compe111limn. Falleceu l'lll t:i56. Era dnu•·tm· em Throlo;:ia pela Uniwr~idade Paris. e em tlin·itn canonicn rda d•• Salamanca. Yoltou para Portugal a pedido de D. Juào III e exer!'eu vario:< cargos impor· tante~.

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SOBRE O DESCOUI'U~IENTO DA AMERICA 57

Alguns escriptores teem dado diversas etymologias ao nome de America sendo das mais eng-enhosas a tle Julio ~!arcou, tlue diz ser termo propriamente americano, sig-nificando ft'ITas altas ou ca•leias tle montanhas. Entre Juigalpa e Libertad. provincia tle Chontales, exis!em nmas cordilheiras auriferas, que se prolongam tle um lado até ao paiz dos indios t:arcas, e do outro ao dos ín­dios Hamas da America central. onde haLila uma trilm de indios vermelhos cltamados Ame-ricos. Assevera o saLio escriptor que essa mesma denominação se dá em geral ás cordilheiras e aos rochedos, e que Amerique ou Americ é nome intligena, cnja termina(ão em ;,JUC ou ic é commum nos nomes de Joga­res na lingua intlio-leuca ou Chontales, não só da America central como de uma parte do 1\lexico. Esta denominação tem-se conservado sem altera•:ão n"essa parte do continente, •le,·ido ao completo isolamento em que vivem aquelles indios.

Christovam Colombo ,·isitou a trihu dos americos em 1502, mas na carta que escreveu aos reis catholicos não dt'signou esta localidade nem c.utras em que abundavam as minas de ouro, provando que elle não disse tudo que sa­bia, e n"essa occasião ao narrar os acontecimentos da sua quarta viagem acha­,·a-se enfermo do corpo e bastante torturado do espirito.

E provavel que na volta a Europa elle e seus companheiros falassem d"essas montanhas do oiro, sonho querido dos que foram, e dos que ficaram, citando-se então o nome de Amerique ou Americ, e se vulgarisasse como o El­tlm·ado de modo a ficar assim conhecido o Novo Continente.

O me:-mo escriplor fez notar que o verdadeiro nome do Vespucio que es­teve ao serviço de Portugal era Amerriyo, e que o nome de Americo, Amcrims e Amerri!JO figurou nos multiplices l,;alendarios de santos, concluindo que o nome de America foi tirado mesmo do Novo Continente. 1

O fac-simile da sua assignatura é o seguinte:

Terminaremos dizendo algumas das origens que se tem attribuillo á pa-

I Yid. Rrr. trim. do ln:,:t. hi:<t. c geogr. bra~., tom. xutx, f'· 2.•, pag. HH a ~to.

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58 BREVE NOTICIA

lavra Brasil, que não foi inventada para desiguar a parle da Amcrica tlesco­bcrta pPlos JIOrtuguezes.

A origem do nome tem sido procuraua cm •tuantos voealmlos lem com elle scmelhau~a. Como mera curiosidade os citamos, assim: LJrasilfr'l', do franeez ardPncia do mar; Brachile, cinto com que os monges apertavam os hahitos; Braclliale os braceletes, por serem alguns encarnados; IJracllium tio latim, braco; Bra::;a dos portuguezes, e te.

Alguns sabios querem fazer derivar a palavra brasil do sanscripto, imi­ta~ão do atljectivo Bra1lschita, IJUC significa lusente e brilhante. por ser a cúr que se extrahe do pau brasil a IJUe gosa de taes propriedades. Sendo o termo asialico, da lingua lJUC alli mais se falava, e 1fondc primeiro vcin para a Eu­ropa o pau brasil, não deixa de ter esta origem uma certa probabilidade.

O conhecimento do pau brasil parece remontar ao seculo 1x pelos itine­rarios dos arabes El-Hacen e Abuzie, publicados por Renandot nas Jutiyas 1·efações l'Om as Indias, e Olllle se 1lesigna com o nome persa /Ja.kllam. que elle traduziu em latim llresilimn. O pau brasil é muito pa1·ecido nas qualidades com uma planta de Sumatra, (ronde se extrahe lambem tinta 1la mesma côr.

Tanto esta droga como o pau hrasil eram importados para a Europa pelos arabes, vindo dn oriente pelo mar vermelho, e por terra atravessando o Egy­pto. O pau brasil tinha grande consumo servindo principalmente para lingir de encarn;ulo as lãs, algodões e sctlas.

lliz Mura to ri que nas alfandegas de Ferrara, em 11 !)3, e nas 1lc .\lndena, em 13lli, apparecem noticias da tlroga para tingir os tecidos de encarnado, chamada na Italia Brezil, Brecilfis, /Jracire, /Jrasilly, Bra::.ili.~ c llra:ili.

Capmany com os documeutns que publicou, relativos ao commerdo ths catalães, prova que o pau brasil come~.ou a ser importado cm Hespanha nos <lllnOS l22t a 12fi3.

Pizigano foi o primeiro Europeu que, em I :..Jti7, desenhou um mappa, tJne se conserva em Parma, com uma ilha no meio do mar Atlantico denomi­nada IJracir. Alguns roteiros do seculo x1v mencionam tres ilhas com o nome de /Jracir ou llra::.ir, situadas ent1·e o Cabo de S. Viceule e a Irlanda, o que denuncia llaYer algumas suspeitas da existencia de terras ao oeste da Eu­ropa.

O tlr. Hicardo Gumhleton Baunt lembra 1 a antiga crew.:a irlaraleza, an­terior ;i tlescobt•rla tla .\merica, 1le IJUC mais ao poente havia uma terra, uutr'ora uuirla ou pelo menos muito proxima ao mmulo então conhecido, a IJHe 1lavam o nome 1lc lly-JJra:.ail, e tliz IJUe na Irlautla era lambem nome de familia.

1 Rev. trim. rio lust. hist. IJJ"az., tom. XLVII, pag. IH.I.

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SOlliiE O IIESCOllf\1\IE:'iTO TlA A~IEHIC.A

Sohn' esta rrent:a havia immensas lendas e lr:ulic~ües de ltelleza romantica, qw' o genin poelko irlandez ll'm conservado atran•z dP t:mtos seculos.

:\larsdeu pensou tJHe todo o pau l11·asil, em 'Jue muito se COIHIIIerciava na iclade métlia, era a caesalpiua sapan ria cosia :\lalaia, de cJue hoje se conhecem mais tluas varicclades edúuata c brasileta. Os arahes por esse tempo impor­lavam na Europa varias espedcs de madeiras de 'tu e se extrahia tinta encar­na !la, dando-lhe intlistinctamente o nome de IJakham. e entre ellas abundava o pterocarpus sautalimus.

A palavra JJra :.ii já era usada muitos annos antes de Colomuo fazer o tlescohrimento tia _\mcrica. Pedro :\Iartir na primeira clecada, cscripta nos ul­timos seis ar mos Jo set:IIIo xvr, ao uarrar a l'rimeira viagem do gcnovez, tliz: que a ilha Jlespaniola, IJoje Haiti, estava couerta tlc espessos bosques, sellflo quasi loJas as arvores de hrasil, tJne os italianos tlestle \[arco Paulo chama­nm lWÍÚJW. O mesmo auclor arresrenta: haver Barlholomeu Colombo man­dado cortar nas montaulws de Cib:ma grande uwnero rlc arvores de urasil, que foram conservadas em cal•anas até serem trausportadas para a Europa. l'i a quarta Jeca•la Jiz que: "receutenwute tinha dregado • las ln ti ias occiden­taes maueira tle coecus, l)lle servia para tingir lan. á •tnal os italianos chama­vam rerisiu e os heSJJauhoes brazil.

Femantlo ColomluJ conta, na viua de seu pae, •ttte sabenllo-se em lles­panha da tlescoberla tia terra tle Pariá, para alli partira .Aionso Ojetla com Awerrigo Yespurio, e que no regresso entraram em llispaniola, no porto cha­mauo Brasil pelos Europeus e Yaquimo pelos indíg-enas.

Pietro Coppo tle Isola, no seu Porlulano Je l :i~8. tliz que C:hristovam Co­lombo, antes tle descobrir as costas da America, estivera nas ilhas Yentura, Colombo e Brasil.

!\"os mappas de Orontius e de l\Iunster vem inuicada uma ilha com o nome tle JJrrwl ou /Jra:il, nos mares "\tlanticos, com a tlesi!!uaç.ão Insula Atltlantica quam romut Bra::.ilii et Jmerican.

Mestre João, Pero Yaz de Caruiuha e Amerrig0 Yespucio não tiveram no­ticia tl'estes mappas, pois se os conht'cessem não dPixariam tle os mencionar nas cartas ttue escreveram soln·e a descoberta de Cabral.

Os nossos hislori::ulores do seculo nr, tidos como mais authenticus, as­sim como Camiuha, dizem ter siuo Cabral tJUC puz á terra que descobriu o nome de Ilha de rera Cm;;, e que romo signal de posse levantara alli um paurão Je matleira, representando o syurbolo do crurifkatlo. Pouco depois uns proprios tlocumrntos olliriaes foi chamada Terra dt• Sflnta Cru:.; e mais tarde os chronistas escreviam promiscuaweutc Terra de Santa Cru::, ou Rra::.il. Esta ultima tlenonriuação é •JUC prevaleceu. O }Jrirneiro tlocumento ollicial em 'lue apparece assim inuicatla é o alvará datado Je Castro Yerde em 2U de tlezemhm

I::\•

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GH BREVE NOTICIA SOBRE O DESCOIIRDIE~TO DA A~IERICA

de Hi:10, ontle se diz •1ue: «ett t'lll'lfJ ora a mnrtim afimso de .~nusa do 1111'11

comei/to por mpitmn mor darmadtt 'JIIC enr!JO a terra do brasi/1, c as!/ de todas as terras 'JIIC t•ft: dito mn.rtim a{on.~o ua dita terra achar e descolwil"». 1

l\lnilas são as etymolngias •1ue se teem ti:~.Io á p:~lavra Bm.~il. •liscus:são que não devemos profundar; mas o •1ue parece fúr:J de lluvi•la é, r.omo já dissemos, ser este nome, conllecitlo muito antes da dcscoLJCrta da America, dado a uma droga, d'onde se exlrahia a tinta vermelha, e da grande aLun­dancia que d'ella se encontrou nas Terras de Sant1l Cm::, nascer a substi­tuição (reste nome pelo tle llrasil a essa parle da America. 2

t Arch. Nac. da Torre do Tombo, liv. IJ,l de D. João lll, O. 105. 2 Este assumpto foi Lem tratado n'um discurso du SI'. José Sih·estre Rchello na n'l'.

trim. do Inst. hi~t. e geogt·. lu·as., tom. 1, pag. 2!18 a :10:j c tom. n, pag. G22.

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BOCl'MENTO N.0 I

CARTA DE MESTRE JOÃO

1 de maio de 1500

Senor- O baclierel me~tre Jolian fisiro e çerurgyano de vosa alteza beso vosas reales manos. Sciíur por•JUe tle lodo lo aca pasatlo largamente escriuie­nm a vosa alleza asy arias conea rumo totlos los otros, solamente escreuire dos puntos Seiior ayer segunda feria tJlie fueron -:!.7 tlc abril desçendimos en terra yo e el pyloto do capitan moor e el pyloto Lle Sancho de tonar e toma­mos el allura llel sol ai metlio dia e fallamos !')(j grados e la sonbra era se­ptentrional por lo qual seguml las regias dei estrolabio jusgamos ser afastallus de la equinoçial por I i grados, e por cousyguiente tener el allura dei poJo an­tartico en 1 i grados, segund que es magnifiesto en el espera e esto es quanto alo uno, por lo tJttal sabra vosa alleza que todos los p) lotos van adiante de mi en tanto que pero escolar v a alliante 150 leguas e otros mas e otms meuns: pem quien dise la venlall non se puede çerlyficar fasta que en boa ora alle­gemos al cabo Lle boa esperança e ally sabremos •Juien va mas çierto ellos con la carta, o yo con la carta e con el estrolabio: quanto Selim· ai sytyo desta terra mande vosa alteza traer un napamundi qtw tyene pero v:1az IJisagmlo e por ay pudra \'er vosa alteza el sytyo desta terra, en pero a•Juel napa­mumli 110n çertylka esta ten·a ser hahytada, o no: es napamuntli antiguo e

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BREVE r-iOTICIA

ally fali ara vosa alteza escrita tan hyen la mina: ayer casy cntewlimos per aseiios que esta era ~·sla e que eran quatro e 11ue de olra ysla vyenen aqui almadias a pele ar cnn ellos e los lleua11 catiuos: quanto Seiiur al otro pu neto saLra vosa alteza que t:erca de las estrellas yo he traLajado algo de lo que he podido pero non mucho a causa de una pyerna que tengo mui mala que de una cosadura se me ha fecho una chaga mayor 'lue la palma de la mano, e tan Lyen a cabsa de este navio ser mucho peí}Ueno e mui cargadu que non ay lugar pera cosa ninguna solamente mando a vosa alteza como estan situadas las estrellas dei, pero en que grado esta cada una non lo hc podido saber, :m­tes me paresçe ser inposible en la mar tomarsr. altura de uinguna estre!la porque yo traLaje mucho en eso e por poco qNe el nauio enbalant:c se yerran quatro, o çinco grados. tle guisa que se non puede fazer synon en terra, e otro tanto casy digo de las taLlas de la Iwlia que se non pueden tomar con ellas sy non con mui mucito traLajo, que si vosa alteza supyese como desconçerta­uan todos en las pulgadas reyrya dello mas que dei estrolaLio porque desde Iisboa ate as canarias unos de otros desconç.ertauan en muchas pulgadas que unos desian mas que otros tres e quatro pulgadas, e otro tanto desde las cana­rias ate as yslas de cabo verde, e esto resguardando todos que el tomar fuese a una misma ora, de guisa que mas jusgauau quantas pulgadas eran por la quantytlad dei camino que les paresçia que ayyan andado que non el camino por las pulgadas: tornando Seiior al proposito estas guardas nunca se escon-

"' ~ -'"' • ... ~ •

"r.> • ~ • ~ •

• • •

• • • la bosya el polo anlartyco

den antes syenpre autlan en de-

redor sobre el orizonte, e aun

esto dudoso que non se qual de aquellas

dos mas baxas sea el polo antar­

tyco, e estas estrellas prinçipal-

mente las de la crus son grandes

casy como las dei carro, e la estre-

lia tlel polo antartyco, o sul es

pequena como la dei norte e muy

ri ara, e la estrella lJUC esta en ri La tle toda la rrus es murho pequen:1: nun tJnieru mas alargar por no11 ynportunar a vosa alteza, saluo que quedo rogarulu a noso Seiim· ihesu christo la la vytla e estado de vosa alteza acres~iente como ,·osa alteza desea_ Fecha en uera crus a primero de maio de :iOO. pera la mar

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SOBRE O OESCOBRIME~TO DA AMERICA (iJ

nw,jor t•s regyrse por el altura fiel snl •Jtie non por ningnna estrella e mejor cun e~lrolahio que non con quadrante nin eon otro ningufl estrumento. do rriatlo de wsa alteza e w~u leal ~enidor

Joharmes artium et metliriue L•adtalarius C). 1

I Ard1. nat'. tia T.,rre du Tombo, Curpo chruu. pari. 3.•, maç. ':!, tloc. 11. 0 2.

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CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA

1 de maio de 1500

Sl'nhor-- posto f)Ue o c apitam muor •le~ta yossa frota e asy os outros capi­ta~es screpuam a Yossa alteza a nona •lo achamento dl'~la Yossa terra noua f)lte se ora nccsla nauegaçom achou. lllllll ll'ixarey lambem de dar disso minha comia a ,·ossa alleza asy como eu millwr poder ainula que pera o bem contar e fal:tr o saiba pior •JUe to1los fazer, pero tome Yossa alteza minha inoramçia por boa vomlade, a qual hem çe1to uea •Jne por afremost•lltar nem afear aja a•JUY de poer mais ca aquilo que Y)' e me pareçeo. da marinhajem e simgra­duras do caminho nom darey aquy conta a ,·ossa alteza porque o nom saberey fazer e os pilotos deuem teer ese cnil!al!o e por lamto Senhor do que ey de falar começo e digno: que a parti•la tle belem como Yosa alteza sabe foy segu11tla feira 1x de março, e sabado x1m do dito mes amlre as vm e IX oras nos achamos antre as canareas mais perto da gram canarea e aly amtlamos todo aquele dia em calma a vista delas ol11·a de Ires ou quatro legoas, e domingo xxn do dito mes aas x oras pouco mais ou menos ouuemos vista das ilhas do cabo ,·erde, a saber, da ilha de s:nu nicolaao, segundo dilo de Pero escolar piloto e a noute seguimte aa segunda ft·ira lhe amanheçeo se penleo da frota \'aasco datayde com a ~na naan St'lll lty ::mer tempo forte ut·m conlrairo pera poder seer. Fez o capilam suas rleligew:ias prra o adtar a lmi'ias c a outras partes e nom parr•:co mais. E asy seguimos nosso caminlw per e~tc mar de lomgo ataa ten:a

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ü6 BREVE NOTICIA

feira doitauas de pascoa que foram xx1 dias dabril qne topamos algui.is sy­naaes tlc lera seemtlo da dita illta segundo os pilotos dt•ziam ohra tle y( lx ou Jxx lcgoa:-:, os qu:~aes heram nmit:~ camtitl:~rlc tlcrn:~s mmpridas a que os ma­rcantes ell;Hnam hot.Piho e as.r outras a que tamb••m ehamam rraho dasno. E aa qu:~rta feira scguimtc poJa manhaã topamos aw's a que chamam fura hwhos, e uecstn dia a or:~s tle hPspera omwmos vista de ter:~, a saltei', primeira­llll'lllt• tl huü granule monte mu~- alto e rt'f'llomtlo c tloutras serra:-: mais bai­xas ao sul dclt• e de terra ehaã com gramlc•s :Jrunn•tlos, ao tpwl mnlllt• alto o eapit.am pos nome o mo11le paseoal e aa tera a lera da Vera cruz. mantlon lanu:ar o p1·umo acharam :\XY Ltrat:as e ao sol posto obra tle n legoas tle terra surgimos ameoras cm XIX ln·:u;as anlf'orajem limpa. aly jomu·mos lotla aquela nouh', e aa •Juimta feira pnla manhaã fezcmos vella c seguimos direitos aa terra e os nanios pequenos tliante himrlo per XVII xn xv xm1 xm x11 x e IX hra­~as ataa mea legoa tle terra nmtle todos Iaru:amns ameoras em tlireitn da boca d lmfí rrio c chegariamns a esta anworajcm a as x oras pouco mais ou menos e daly onucmos vista tl homeí's qne amdauam pela praya nbra tle Yll

ou vm seguwlo os nauios pe•ltwnos tliseram por rhegarem primeiro. aly lan­çamos os Ltatees e esquifes fora e vieram logo todolos eapitaães das naaos a esta naao do capitam moor e aly falaram, e o capitam mandou no batel em terra nicolaao eoelho pera vecr aquellc rrio e tamto rJue ele eomccou pera la dhir acodiram pela praya homcês quantlo dons quawlo Ires tle maneira que quawlo o hatel chegou aa boca do rrio heram aly xvm ou xx homt~í's partlns todos nuns sem nenhufta cousa que lhes cobrise suas vergonhas. traziam arcos nas maãos e suas seetas. viinham todos rrijos pera o batel e nicolaao coelho lhes fez sinal que posesem os arcos, e des os pnseram. aly nom pode deles auer fala nem entendimento que aproneitasse pnlo mar queln·ar na costa, soonwnte tleulhes hunm llarete vermelho e huiia earapw~á de linho que lcuana na caher.a e lmii somlJreiro preto. E huft rlt'les lhe tleu hufí somltreiro tlc penas danes compridas com huf1a copezi11ha pequena de pPnas vermelhas c panlas coma de papagayo e outro llw rleu hnft r ramal grawJc tle comti · nh;1s ltraneas mewlas tJIW querem par .. r:er tlaljallt'ira as qnaacs peras ereo que o capitam mantla a vossa alteza. e com isto se volueo aas naaos por seer tarde e nnm poder tleles auer mais fala por aazo do mar. a nonte segnimtP wntou tamto sueste c.om chnnaç.eiros qne fez eaç.ar as naaos e especialnwBte a capi!ana. E aa sesta poJa manhaã aas vm oras pouco mais ou menos per conselho dos pilotos ma1ulon o eapitam levamtar amcoras e fazer vela e fomos de lomgn tla costa com os !Jatees e esquifes amarados per popa comtra o norte pera vecr se aehauamos algulía abrigatla e IJUo ponsn omde jonuesemos pera tomar agoa e lenha, nom por nos ja mi11guar mas por nos acertarmos atJU)'. c qnamdo fczemos vela seriam ja na praya asentados

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junHo t'Oili o rrio oLrra tfp lx on lxx honwiõs que :-õt' jumtaram aly poucos c pou­cos. Fomos de lomgo e mandou o capitam aos nauios pe•lucnos que fosem mais chegados aa !erra e •1ue se achasem pouso seguro pera as naaos que amay­nasem. E :-:eerulo nos pela costa obra de x legoas domde nos leuamtamos :wha­ram os ditos nanios peiJncuos huu arreçife com hulí porto dentro muito hoo l' muito seguro rum lmua nmy larga entrada e nwteramse tlentro e ama~·na­ram. e as naaos arribaram so!Jrl'les, e huli pouco amle sol posto :m1a~·narom obra ti lmu:l legoa do arreçife e ancoraramse em x.1 Jn·aças. E seentlo Alfonso Iopez nosso piloto cm huu tla')uelcs nanios pe•JUenos pe1· mantlatlo do capitam por seer homem viuo c tleeslro pera isso mcteose Ioguo no es•Jnife a somdar o porto demtro c tomou em hulia a!maadia dons datJneles homees da terra man­c:ebos e tle boos co1·pos, e lmli dl'les lr:tzia hui'í areo e n ou m seetas e na praya anulauam muitos com seus arcos e scetas e nom lhe aproueitaram. lrou­ueos logo ja de noute ao capitam omde foram neceiJitlos com muito prazer e festa. a feic:am deles he seerem pardos maneira dauermelhados de boõs rrostros e boos narizes bem feitos. amdam Jmus sem nenhnua cubertura, nem estimam nenlmlia coussa t"uiJrir nem mostrar suas vergonhas. e estam :u:errJna tlisso cmn tanlla inocemçia como Icem em mostrar o rrustro. traziam ambos os heit~os

tle baixo furatlns e metidos per eles senhos osos doso brarncos tle compridam d lmlia maão traYessa e de grosura d lmí'í fuso clalgorlam e agntlo na ponta coma furador. metemnos pela parte tle dentro tio beiço e o que lhe fica antre o Lciço e os tlemtes he feito coma ITOrJIIe denxadrez, e em tal maneira o tra­zem aly emcaxaclo fJUC lhes nom da paixam nem lhes toma a fala nem comer Bem beber. os cahelos seus sam coretlios e a11tlauam trostjuiatlos de trosqu~·a alta mais •JUe tlc sobre pemtem de boa gramtlnra e rrapados ataa per cima tias orelhas. e huu deles trazia per Laixo ela solapa de fonte a fonte pera tletras lmua maneira tle cabeleira de penas dane amarela que seria 1le compridam cllmi'í couto, muy ba~ta e muy çarada que lhe coiJI'ia o toutnço e as orelhas, a qual amtlaua pegada nos calwlos pena e pena com Jmlia comfeiçam branda coma çera e norn 1111 era, de maneira •1ne amtlaua a cabeleira mny rredomda e mu~· hasta ,. mny igual IJilP ~~~~m fazia mingoa mai:-; lanajcm pera a levantar. o rapitam qnandu eles vieram eslaua asentatlo em lmlia cadeira e lmlia alcatifa aos pees pur estratlo e IH'Ill Yesticlo com lmli colar ti ouro muy grawle ao pescoço, e sandw de toar e simam de miran•la e nicolaao coelho e aires corea e nos outros tJUe a•Jnr ua naao cnm ele himos asentatlos no t"haão per esa alcatifa. areuuleram tochas e emtraram e nom fezeram nenhuua mençam tle cortesia w·m ele falar ao rapil:uu nem a nimgm·m. pero lmü deles pos olho no colar tio capitam e come~ou cl:u:enar t'om a maão pera a terra e despois pera o c"O­

lar como tJne nos dezia •Jne havia em lera ouro e lambem vio lmu castical tle 9~

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tiS BREVE NOTICIA

prata c asy meesmo acenaua pera a tera e entam pera o castical como r1ue avia taru Lem prata. mostraranllu~s huil papagayo pardo que aquy o capilam traz, tnmaramnü logo na maão e acenaram pera a lt•tTa como que os avia hy. mostraranlhes lmu carneiro Utllll fezeram dele mençam. mostraraulhes huua galinha casy aviam metlo tleia e nom lhe queriam poer :1 maão e despois a to­maram ~:oma esp:uutados. tieranlhes aly de comer pam e pescado cozi1ln, wu­feitos fartees nwl e ligas pasados, nom quiseram comer •!aquilo casy uada e alguua ~:oussa se a pruuauam lamçauamna logo fora. trouueranlhes vinho per huua taça, poseranlhe asy a boca tam malaues e uüm gostaram dele nada nem o quiseram mais. trouueraulhes agua per lmlia allJara•la tomaram Jela senhas bocados e nom IJeberam, soomeute lauaram as Locas e larllf:aram tora. \"io huu Jeles lmuas contas de rrosairo IJrancas açenou que lhas desem e folgou muito com elas e lançouas ao pescoço e Jespois tirouas e embmlhouas no Lraço e acenaua pera a terra e entaru pera as coutas e pera o colar Ju capi­tam como que Jariam ouro por aquilo. Isto tomauamonos asy poJo tlesejarmos, mas se ele queria Jizer •1ue leuaria as contas e mais o colar, isto nom que­riamonos emtemler porque lho num a\·iamos de Jar e despois tornou as contas a quem IIJas Jeu e eut;un estiraranse asy Je costas na alcatifa a Jormir sem teer uenhuua maneira tle coLrirem suas wrgonhas as quaaes uom eram fa­nadas e as caiJeleiras delas bem rrapaJas e feitas. o capitam lhes mandou poer aas cabeças senhos coxiis e o Ja cabeleira precuraua asaz polia nom queiJrar e lançaranlhes huu manto em cima e eles consentiram e jouueram e Jonuiram.

Ao saLbaJo pola manhaã mandou o capitam fazer vella e fomos deman­dar a emtrada a qual era ruuy !argua e alta de n vu braças e entraram todalas naaos dentro e amcoraramse em ,. vt braças, a lJUal amcm·agem dentro he tam granue e tam fremossa e tam segura que poJem jazer dentro neela mais lle ll.c nauios e naaos. e tamto que as naaos liJram pou:sa•las e amcoradas vieram os capitaães todos a esta naao do capitam moor, e tlaquy mandou o capitam a nicolaao coelho e Lertolameu dias que fosem em terra e leuasem aqueles dons homeês e os Ieixasem hir com seu arco e seetas, aos •1uaaes mandou dar se­nhas ~:amisas nonas e senhas carapuç.as vennelhas e Jous rrosairos de contas brancas doso que eles leuauam nos braços e senhos cascauees e senhas can­painhas, e mandou com eles pera ficar la huli mançebo degradado criado de Jom joham teelo a que chamam atlonso Hi!Jeiro pera amuar la com eles e saber de seu viuer e maneira e a mym mandou que fose com nicolaao coelho. Fo­mos a:sy de frecha direitos aa praya, aly acotliram logo obra de n.c homeês todos nuus e wm an;o~ e :seetas nas maftos. a•JUeles que nos leuauamos ace­nararulhes que :se afa:stasem e posesem os arcos e eles os puseram e nom se afastauam muito. alJasta •Jue poseram seus arcos e emtam sairam os LjUe nos leuauamos e o mançeLo degradado com eles, os quaaes asy como sairmo nom

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SOBRE O DE5COBRniENTO DA A)IERICA tiY

pararam mais nem esperaua buli pm· outro scnom a quem mais coreria e !•a­saram lmu rrio que J.-ler h) core dagoa tluçe tle muita agoa que lhes daua pela Lraga e outros muitos com eles e foram asy em-endo aalem do rrio aulre lmuas muutas de palmas uutlc estauam outros e aly pararom e naquillu foy o degra­•latlo com huu homem que logo ao ~air uo Latel hu agasalhou e leuouo ataa la e Iugo lao tornaram a nos e com ele vieram os outros que uos leuamos os quaaes \"iiuham ja uuus e sem carapuças. E eutam se começaram de chegar muitos e emtrauam pela Leira do mar pera os Latees alaa que mais nom po­diam e traziam caLaaços tlagoa e tom;m;uu algulis bariis que nos leuauamos e emchiauus dagoa e trazianos aos Latees. uom que eles tle tutlo chegasem a LunJo tlo Latel, IU3S junto com ele lauçauamno tla maão c nus lumauamolus e pediam que lhes desem alguüa cuussa. leuaua nicolaao coelho cascauees e manilhas e hulis tlaua huli cascauel e a outros hulia manilha, de maneira que com a•tuela emcarua casy nos queriam dar a maão. Dauamnos daqueles ar­cos e seetas por sonLreirus e carilpuças uc linho e por qualquer coussa que lhes homem queria dar. daly se partiram os outros dons mançebos que nom os vimos mais. amtlauam aly muitos deles ou casy a maior parie, que totlos traziam aque­les bicos doso uos beiços e algulis que amdauam sem eles traziam os beiços furados e nos Luracos traziam huus espelhos de paao que pareçiam espelhos de Loracha e algulis tleles traziam tres daquelles bicos, a saber, buli ua metade e os dons nos cabos. e amtlauam hy outros quartejados tle cores, a saber, deles ameetade da sua propia cor e ameetatle de timtura negra maneira dazulada e outros quartejatlos tlescaques. aly amtlauam antrdes tres ou quatro moças Lem moças e bem jentiis com cabelos muito pretos conpridos pelas espadoas e suas vergonhas tam altas e tam çaradinhas e tam limpas tlas cabeleiras qne de as uos muito bem olharmos nom tinhamos nenbuua ,-ergonha. aly por emtam noru ouue mais fala nem emtentlimento com eles por a berberia deles seer ta­uwnha que se 110m emtentlia uem ouuia ningem. açenamoslhe que se fosem e asy o fezeram e pasaranse aalem do rrio e sairam tres ou quatro homeês nusos tios Latees e emcheram nom sey quantos barriis tlagoa qne 110s leuaua­mos e tornamouos aas naaos. e em nus asy viindo acenaramnos que turnase­ruo~. tornamos e eles mamlarum o uegratlado e nom quiseram que ficasse la com eles, o qual leuaua bulia Laçia pequena e unas ou tres carapuças verme­lhas pera tlar la ao Senhor se o hy onuese. nom curaram de lhe tomar nada e asy o mandaram com tudo e entam Lertulameu dias o fez outra vez tornar que lhes dese aquilo, e ele tornou e den aquilo em vista de nos aaquelle que o tla primeira agasalhou e entam veosse e trouuemolo. este que o agasalhou era ja tle dias e arudaua todo por Iouçaynha cheo d~ penas pegadas pelo corpo que pareçia aseetatlo coma sam sabastiam. outrus traziam carapuças tle pe11as

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amarelas e outros de vermelhas e oult·us de venles. e lnnla tlaqudas moças era tod<1 tinlla de fmmlu a cima d:Htnela timtura a qual certo era Iam hem feita c tam ITetlomda e sua vergonha que ela nom tiinha tam grariosa que a muitas molllf'res tle nossa terra veen«<olhe taaes fei•:õis fezera vergonha por num teerem a sua eomo ela. nenhuu tleles nom era fanado mas totlos asy eoma nos e com isto nos tornamos e eles furamsse. aa tartle s<~yo o capit;uu moor em seu ll:•tel com tmlos nos outros e com os outros capilaães tias naaos cm seus batees a folgar pela IJaya a caram da praya mas nimguem s:.tyo em lera poJo capitam num querer sem embargo tlc nimguem neel:.t estar soumenle sayo ele com totlos em lmli ilheeo grantle que na Laya esta que tle haixamar fica muy v:.tzio pero he tle tOllas parles cercado tlagoa •tue num potle nimgucm hir a ele sem bareo ou a natlo. :.tly lolgou ele e totlos nos outros Lem l111lia ura e meya e pescaram hy amdamlo marinheiros com huli cllimrhnrro e malar;Jm pest·ado meudo nom muito e entam voluemonos aas naaos ja hem noule. ao Domingo tle pascoela pula manl1aã tlelreminc.n o capitmn tlhir onuir misa e preegaç.am n:HJuele ilheeo, e mandou a todolos capitaães que se corejesem nos hatees e fosem Cúlll ele e asy foi feito. mantlou IlafJUCle ilheeo arnwr huií csperauel e tleutro neele aletwntar altar muy IJem c.oregitlo e aly c.om lotlos nus outros fez tliser misa a •Jt!al tlise o padre frey amri•[Ue em voz entoada e uliciatla cuHt .ltJHe!.J nwesma voz pelos outros padres e sacenloll's •tue aly to­dos lwram, a qual misa segundo meu pareçer foy ouuitla per totlos com muito prazer e tleua~om. aly era com o capitam a IJallfleira tle c.hristos c.om que sayo de hclem a qnal esteue senpre alta aa parte do anamjelho. acabada a misa tlesuestiosse o padre e posese em huüa r.atleira alta e nos totlos lamcatlos per esa area e pregou hufw solene e proueitossa preegaçom da estorea do auan­jelho, e em fim dela trautou tle nossa ,·ii111la e do ad1amento desta lena con­formamlose com o sinal tia cruz so cuja ohetliencia viimos a qual ueo muito a proposito e fez muita tlcuaçom. em quanto esteue1uos a amisa e aa pregaçom seriam na praya outr:J tanta jente pouco mais ou menos cnmo os domtem com seus arcos e seetas os quaaes am­tlauam folgawln e olha111louos e asentar;nnse. e despois dacabada :1 Jnisa aseen­tatlos uos aa pregaçom aleuantarause muitos tleles e tanjer:.tm corno on vozina e começaram a saltar e dançar lmií pedaço, e algufls deles se metiam cm almaa­tlias duas ou tres que hy tiiuham as qnaaes nom sam fPilas como as •1ne eu ja '"Y. soomente sam Ires traues atadas jmntas e aly se metiam 1111 ou v ou cses •JUe •tw·riam num se afastando casy nada tia terra senom quanto podiam tomar pee. acahatla a preg:Jmm moueu o capitam c todos pera os batees com nosa hamleira alla e (•Hharcamos e lilmos asy lodos contra terra per<l pasar­mos ao longo per ollfleles estauam himlo Lertolamcu dias em seu esquife

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SOBRE O IlESCOBRUIENTO DA A~IERICA 71

per mandatlo tio capitam tliamte com lmfi paao d lmua almaadia que lhe:-: o m:~r leuara pera lho clar c nos todos ohra dn tiro 1lc pedra Iras ele. como t'l­lcs viram o esquife de hcrtolamrn dias rhegaram:'e Jogo torlos a agoa metf'n­tlosc neela at:Ja onde mais podiam. at'enaranllws fJIII' posesem os arcos e mui­tos rleles os hiam lo::w poer em terra e outros os norn punham. :undaua h~· lmil que fal:ma muito aos outros fJII<' se afastasem mas nom ja que marnym pareeesn IJII'-' lhe tiiuham aralamentn nem me1lo. este que os asy amrlana afastando tra­zia Sl'll areo e seetas e arndana tinllo 1le timtura vemwlha pelos peitos n PS­

pa,Joas e pelos quadriis coxas e pemas ataa baixo, e os vazios com a hariga e estamego era da sua propia cor e a timlura era asy vermelha 'Jne a agoa lha nmn comya nem tlesfazia. ante quando saya da agoa era mais vermelho. sa~·o lmí.l homem do e::;']uife 1le hertolameu dias e amdaua antreles sem eles emten­derem natla neelle quanta pera lhe fazerem mal, senom quanto lhe 1lanam cabaa­ços 1lagoa e acenavam aos do esquife que Sllisem em terra. eom isto se volueo Jwrtnlamen di:-ts ao eapilam e viemonos aas naaos a comer tanje111lo lronltetas e gaitas sem lhes tlar mais apresam e eles tornaramse a asentar na praya e llsy por entam fkaram. neeste ilheo om,Je fomos ounir misa e pregaçllm espraya muito a agoa e descobre muita llrea e muito cascalhaao. foram alguüs em nos l1y estando hnsrar marisco c nnm no aeharom. e acharam algui'is camllroües grosos e curtos, llntrc os qnaaes vinha Jmlí muito grande camaram, e muito gmsso fJllC em nenhnlí teupo o vi tamanho. tamhem aeharom casc:ls de ber­goiies e tlameijeas mas nmn toparam com nenhuiía peça inteira. e tamto que comemos vieram iogo totlolos capitaães a esta naao per ma111lado do capilam moor com os qnaaes se ele apartou c eu nll cnnpanhia e preguntou asy a lodos se nos pare(ia seer hem mandar a nona 1lo achamento desta trrra a vosa alteza pelo nauio dos mantiimentos pera a milhor m:mtlar l!escoltt·ir e saher 11e1a mais do qne agora nos porfiamos saher por hirmos de· nosa viajem e antre muitas falas que no raso se fezeram foy per todos ou a mayor parte dito que seria muito hcm, e nisto comrrudiram. e tamto que a comcrnsam foy tomada, preguntou mais se seria boo tomar afjuy per fon:a lmu par f)estes homei's pera os mamlar ll vossa allez::~, e Jrixar afjui por eles outros tlous tlcstes degra,Ja,los. a esto amrdararn que nom erll necesarco tomar per força homees, porque jeeral costume era dos fJllC llS)' lenaumn per força pera algnu:l parte 1lizerem 'fne ha hy todo o 'flie lhe preguntam. e fJUe milhor e muito milhnr enfnrmaçom lia terra dariam dons homel's destes degratla,Jos que aqny Jeixasem, fiO que eles dariam se os J,•uasf'm por seet· jente que uimguem em­tf'llllf' nem eles tam cedo apremleriam a fal:lr pera o saberem lambem diz,•r fJHf' muito mil flor ho estoutros nom digam f(namlo c a vossa alteza manllar. e fjlte por tamto nom curasem llfJUY '"~ per fon:a tomar ningnem llf'lll fazer es­candolo pcra os de totlo mais amansar c apllceficar, senom soomente leixar

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aquy os dons degratlatlos t{Uamlo uaquy parlisemos. e asy por milltor parcçer a todos ficou detreminado. acabado isto dise o capitam que fosemos nos batees em terra e veersia bem o rrio qnejanrlo era, e tam bem pera folgarmos. Fomos torlos nos batees em tera armauos e a bandeira comnosco. eles amdauam aly na praya aa boca do rrio mnde nos hiamos e ante rJue chegasemos, do emsino que dantes lii­nham poset·am todos os arcos e acenavam que saisemos e tanto que os ba­tees poset·am as proas em terra pasaramse logo todos aalem do ITio o rJual nom he mais ancho que huiim jogo de manqnal e tanto que tlesenbarcamos alguus dos nosos pasarom logo o nio e foram antrelles, e alguus aguarda­uam e outros se afastauam. pero era a cousa de maneira rJUe todos amda­uam mesturados. eles rlanam deses areos com suas seetas por sonbreiros e carapuças de linho e por quallquer cousa fJUe lhes danam. pasaram aalem tamtos rlos nosos e amdau:un asy meslnrados com eles, qne eles se esquiua­uam e afastauanse e hianse deles pera cima omle outros estau:~m e entam o capitam fezese tomar ao colo de dons homees e pason o ITio e fez tornar to­rios. a jente que aly era nom seria mais ca arJnela rJne soya, e tanto que o ca­pitam fez tornar todos vieram alguiis rleles a ele nom poJo conhecerem por senhor ca me pareçe que nmn entendem nem t.om:mam disso conhecimento. mas por rtne a jente nossa pasava ja pera aqtwm tiO rrio. aly falauam e tra­ziam muitos arcos e continhas daquelas j:J ditas e rresgatauam por qualquer cousa, rm la! maneira que trouueram daly pera as naaos muitos arcos e see­tas c comias e entam tornouse o capit:1m aaquem do ITio e Jogo acotliram mui­tos aa heira dele. aly wriees g:Jl:Jntes pimtatlns rle preto e wrmrlho e quar­tejatlos asy pelos corpos como pel:Js pernas, que certo pareciam asy bem. lam­bem amlauam antreles 1m ou v molheres rnn~.as asy nuas qne nom pareciam mal antre as quaaes amdana hni'ía com huíia coxa rio giolho ataa o quadril e a nadega toda tinta daquela tintura preta e o ai todo tla sua propia cor. outra trazia anholos ginlhos com as rumas asy timtas e Iam bem os colos dos pees, e suas vergonhas Iam nuas e com tamta in~em~ia rlescuhel'las que nom avia hy nehui'ía vergonha. tam hem awlana hy outra molher m~a com hnu menino ou menina no colo atarlo com huii pano nmn sey de que aos peitos rJne lhe nom pareç.ia senmn as perninhas, mas as pemas rta may e o ai nom trazia nenhulí pano. e despois moneo o capitam pera cima ao longo do rrio que anda senpre a caram da praya e aly esperou hnii velho que trazia na maão hiia paa dal­maadia. falou estando o capit:~m com ele perantr nos totlos sem o nnmca nin­guem emtentler nrm ele a nos rJuant:~ cousas fJHe !homem preg-nntana douro IJUe nos desejamunos saber se o avia na terra. trazia este velho o beiço Iam furarto que lhe caberia pelo furarlo hui'í gram rlcdn polcp-ar e trazia metido no furarJo huiia pedra verde rroim rJne çarava per fora atJuele huraco e o capitam

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SODfiE O IIESCOHRUIENTO DA AliEf\ICA 73

lha fez tirar e ele nom sey tJne •liaaho falaua e hia com ela pera a Loca •lo capitam pera lha meter. esteuemos suiJriso huii pouco rreinando e entam rnfa­tlouse o capitam e leixouo, e huli dos nosos deulhe poJa pedra hnii sonJJr .. irn uelho nom por ela valer alglia cnu:-;sa, mas por mostra, e despois a onue o capitam, creo pera com as outras cousas a mandar a vosa alte:-;a. am•lamos per hy veendo a rriiJeira a qual he de muita agoa e muito boa, ao longo dela ha muitas palmas nom muito altas em que ha muito boos palmitos, colhemos e comemos deles muitos. entam tornouse o capitam pera baixo pera a boca •1o ITio onde desenbarcamos e aalcm do rrio amdauam muitos deles rlamçawlo e folgando huiis ante outros sem se tomarem pelas maãos e fazianmo bem. pa­souse emtam aalem •lo rrio diego dias ahnoxarife que foy de sacauem que he homem gra~ioso e de prazer e levou comsigo huü ga)·teiro noso com sua gaita e meteose com eles a dançar tomandoos pelas maãos e eles folgauam e rriam e amdauam com ele muy bem ao soom da gaita. despois de dançarem fezlhe aly amdando no chaão muitas voltas ligeiras e salto rreal de que se eles espan­tauam e rriam e folgauam muito, e com quanto os com aquilo muito segurou e afaagou, tomauam logo hufia esquiueza coma monteses e foranse pera cima. E entam o capitam pasou o rrio com todos nos outros e fomos pela praya rle longo himdo os batees asy a caram de terra e fomos ataa huüa lagoa gralll1e dagoa do~e que esta junlto com a praya por f}Ue toda af}uela rrioeira •lo mar he apaulada per cima e saay a agoa per muitos lugares e depois de pa­sarmos o rrio foram huus m ou nu deles amdar antre os marinheiros que se rrecolhiam aos batees e leuaram daly huü tubaram que bertolameu •lias matou e leuaualho e Ianç.ouo na praya. abasta que ata aquy como quer que se eles em alguüa parte amansasem logo d huüa maão pera a outra se esqui­nanam coma pardaaes de ceuadoiro e homem nom lhes ousa 1le falar rrijo por se mais nom esf}uiuarem e todo s~ pasa como eles querem polos tem amansar. ao velho com que o capitam falou deu huüa carapu.;:a wrmelha e com toda a fala que com ele pasou e com a carapuça que lhe deu, tanto que se espetlio f}ne começou tle pasar o rrio, foise logo rrecatando, e nom f}Uis mais tornar do rrio pera aquem. os outros dons que o capitam teue nas naaos a f}ne deu o que ja dito he nunca aqui mais pareçeram, de que tiro seer jente bes­tial e de pouco saber e por ysso sam asy esquiuos. eles porem comtudo andam muito bem curados e muito limpos e naquillo me parece aimda mais que sam coma aves ou alimareas monteses que lhes faz ho aar milhor pena e milhor caiJelo que aas mansas, porque os corpos seus sam tam limpos e tam gorrlos e tam fremosos flUe nom pode mais seer e isto me faz presumir que nom teem ca:-as nem moradas cm que se colham e o aar a que se criam os faz taaes, nem nos aimla ata agora nom vimos nenhuüas casas nem maneira •1Pia:-;. man­dou o capitam aa,Juelle degradado ationso Ribeiro que se fosse outra wz cum

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elt'S, o qual se foy e andou la huü boom pedaço c aa tarde tornouse •JUC o fezc­ram eles viinr e nnm o quiseram la consentir e tlt>ramlhe arcos e seetas e 11'1111

lhe tomaram nenlmiia cousa f]o ~eu, ante dise ele qne lhe tomara huü 1leles huüas continhas amarel:~s que ele leuaua e fogia com elas c ele se qul'ixou e os outros foram logo apos C'le e lhas tomaram o tornaranlhas a thlr e emtam malllla•·amno viinr. di se ele que nom vira la :~ntre eies senom huüas choupani­nhas de rrama verde e de ft'eitos muito grandes coma tlamtre 1lom·o c minho e asy nos tornamos a as na aos ja casy noute a 1lonnir. aa segunda feira depois de comC'r saiimos todos em terra a tnnnr a~oa. aly vieram emtam muitos, mas nom tamtos coma as outras uczes e traziam ja muito poucos arcos e csteuC'r:un asy hufí pnuw afasta•los fie nos, e despois poucos e poucos mesturaranse comnosco, e alu·acanamnos e folgatwm e :~lgufís deles se esquinanam logo. aly danam algufís arcos por folhas de p:~pel e por algiia cara­pucinha velha e por qualquer cousa, e em tal maneira se pasou a consa que bem :X'X. ou :x:u pesnas da nosas se foram com elles 0n1le ontms muitos d•~les es­tauam com moças e moiheres e trouueram de la muitos arcos e haretcs de penas ti aucs deles verdes e deiPs amarelos de que creo qne o capilam ha•le man­dar amostra a vossa alteza. e segnn•lo lll'ziam eses que la foram folgauam com eles. ncestc dia os nimos de mais perto e mais aa nosa vonta1le por a111Jarmos todos casy mestm·a•los, c aly deles andauam daquelas timturas IJUartejatlns ou­tros 1le meNades outms de tanta fei1:am coma em panos darmar e todos com os heiços fur:Hlos e muitos com os osos nt'eles e deles sem osos. traziam alguüs tleles hufís ouriços verdes 1laruores que na cor queriam parcçC'r de castinhei­ros senom quanto heram mais e mais pequrnos, e aqueles lu~ram cheos 1lhui1s graãos Ycrmelhos pe•Jnenos que esmagan•lons antre os dedos fazia limtura Imuto vermelha da que eles amtl:mam timtos e quanto se mais molh::mam lauto mais vermelhos ficauam. totlos amlam rrapa•los ataa cima das orelhas, e asy as sohrancelhas e pestanas. trazC'm to1los as testas fie fonte a fonte timtas 1la timtura preta qne pareçc huüa fita preta ancha de tlous dedos. E o capitam mau­fiou aaquele 11egrari:J•Io affonso Hiheiro e a outros tlous flegratla•los que fosem amdar la anlrl'ies e asy a diego dias por seer homem Jc,Jo com fJUe eles foi­ganam. e aos tleg-rarla•lns man.Jou que ficasen1 la (•Sta noute. Foramse la tollos e andaram antreles e segundo eles drziam furam hem hufía lcgoa e mC'ia a lmüa pouoraçnrn tle cas2s cm que averia IX ou :x. casas as quaaes tleziam quo eram Iam compridas cada hüa come esta naao capitana, e heram de marleka e das ilhargas de tauoas e cubertas tle palha de rrasoatla altura e twlas cm hufía soo c.asa sem ncnhufí rrepartimento tiinham rte dentro muitos esteos e tll's­tco a csteo hnfía ITt'•le atada pelos cabos em catla esteo altas em que dormiam e debaixo pera se aquentarem faziam seus fugos e tiinha ca•la casa tinas por­tas pequenas huüa em hufí caho e outra nu outro, e deziam •Jne em cada casa

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::'lllliiF. li IIESCOBfiHIE:'\TU J•A A~IEIIICA

:-c rolhiam xx \. ou xxn pesoas e •llll' asy os arhauam c •Ilie lhes danam de t:umer da•1nl'la \"ian:la •111e eles tiinham, a saiJ,·r, muil•l iuhamc e outras Sl'JIICII· lt•s q11e na ti'JTa ha qw· t'les wmelll. c rumo foy lanl•· fezt'ralllJHlS logo loclus tomar e lllllll •Jniseram que la tirasse ncnlmü r ainda segundo eles deziam qucriamsc 'iinr rum eles. Hesgalaram la por cascauecs e pur outras cunsinhas «le pouco ualur tlue lenauam papagayus wnnelhos muito grandes e fremosos, e dons wnles pequeninos c carapuças de penas verdes e huü pano de peuas de muitas cores maneira de teçitlo asaz fremoso segundo vosa alteza totlas eslns cousas v era porc1ue o capitam volas h ade mandar segullllo ele dise, e com isto vieram, c nos turnamonos aas naaos. aa terça feira depois de comer fumos em terra dar guarda de lenha e lanar rruupa. estauam na praya quando t:hegamos obra de tx ou txx sem arcos c sem nada. tamto que chegamos vieramse logo pera uos sem se esctuiuarem, e depois arotliram muitos c1ue seriam Lem u.'· todos sem arcos, e mesturaramse todos tanto ..:um uosco que nos aJudauaJ~J deles a acarctar lenha e meter nos Latces e luHav:.~m com os 11osos e tornauam muito prazer. E cm quanto nos ra­ziamos a lenha faziam dous carpeuteiros huüa grande rruz «lhuü paao que se omtem pera y::so cortou. muitos deles viiuham aly estar com os carpenteiros e creo que o faziam mais pur Yeerem a farameuta de ferro com que a faziam, que por veerem a cmz l'urque eles nom teem cousa que de fero seja e cortam sua maueira e paaos com pedras feitas coma cuuhas metidas em huü paao an­tre duas talas muy Lem atadas e per tal maneira que andam fortes segumlo os humeês que umtem a suas casas deziam (sic) pontue lhas viram la. era ja a ronucrsaçam deles cum uosco tanta que casy nos toruauam ao que a\·iamos tle fazer. E o caJJitam mandou a dons degradados e a diego uias que fosem la a alllea e a outras se ouuesem delas nonas e que em toda maneira nom se vie­sem a dormir aas naos, aiuua tjUe os eles mamlasem e asy se foram. em quanto anuauamos neesa mata a cortar a lenha, atrauesauam alguüs papagayos per esas amores deles verdes e outros paruos grandes e pettnenos de maneira que me pareçe que awra neesta terra muitos pero eu nom wria mais •1ue ataa IX

ou x. outras an•s cutam nom \"imos somente algnüas ponbas seixas e parece­ranune mayores em Loa C:!mlitlacle ca as tle purtugal. alguüs ueziam que vi­ram ITOias mas eu uom as vi mas segunuo os aruuredos sam muy muitos e grandes e dirnfimclas manl'iras nom dorido c1ue per ese sartaão ajam muitas aues. E açen1ua da nuute nos Yolueuws pera as naaos com nossa leuha. eu neu Seuhor que nom dcy aimda aquy conta a vosa alteza lia feiçam de seus arcos e seetas. us arcos sam pretliS e contJridus c as seetas coupriuas e os icrus delas de canas aparadas segundo ,·osa alteza lera per alguüs que creo que o capitam a ela ha uemuiar. aa quarta feira num fomos em terra por que o capitam anuou todo o dia

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no na,·io dos mantimentos a rlespejalo e fazer lenar aas naaos isso que carla huüa porlia leuar. eles acodiram aa )Jraya muitos segundo das naaos Yi­mos «Jne seriam oura de m.c segundo sancho 1le toar r1ue la foy tlise. rliego dias e allimso Hiueiro o degradado a que o capitam mntem mandou que em toda maneira la dormisem volueranse ja de noute por eles num 'Jnerl'rem que Ia dormisem e truuueram papagayos verdes e outras anes pretas c;1sy coma pegas senum «Juan to tiiuham o bico bramco e os rrauos curtos. e quando se san­cho de toar rrecolheo aa naao 'lueri;Juse ,·iinr com ele alguüs mas ele nom 'luis senom dons mauceuos despostos e !Jomeês de prol. manduuos esa noute muy bem pemsar e curar e comeram toda vianda 'lue lhes deram e mandoulht•s fazer cama d1~ leuçooes segmulo ele disse e dormiram e folgaram aqul'la nuute e asy nom foy mais este dia «(Ue pera scre(mer seja. aa quimta feira rleradeiro dauril comemos Iugo casy poJa manhaã e fomos em terra por mais lenha e agoa e em r1uerendo o capitam sair tlesta naao chegou sancho de toar com seus duns ospedes e por ele nom teer aimla comido pose­ranlhe toalhas e veolhe vianda e comeo. os ospedes asentaramnos em senhas cadeiras e de todo o que lhes deram comeram muy bem, especialmente lacam cozido frio e arroz, uom lhes deram vinho por sancho de toar dizer que o num Leuiam Lem. aeabado u comer metemonos todos no Latel e eles com noseo. deu lmü gromete a huü deles lmüa armatlura grande de porco montes bem rreuolta e tanlto tJUe a tomou meleoa logo nn Leiço e porque se lhe nom '(Ue­ria teer deramlhe huüa pequena de cera vermellt;J e ele curejeulhe detras seu aderemço pera se teenr e meteoa no beiço asy rreuulta pera cima e viinlta tam comtente com ela como se tevera huüa gra111le joya. e tamto r1ue saymos em terra foise logo com ela ')Ue nom pareç.eo hy mais. andariam na praya tJnawlo saymos vm ou x deles e dhi a pouco começaram de viinr, e pareçeme •1ue viin­riam este dia aa praya mi" ou m!"L. traziam alguüs deles arcos e seetas e tudo­los deram por carapuças e por qualll}Uer cousa que lhes danam. comiam com nos­co do que lhes tlauamos e bebiam alguüs deles vinho e outros o nom pudiam beber mas pareceme que se lho avezarem que o beberam de Lua vomtatle. an­tlauam todos tam tlesposlos e tam bem feitos e galamtes com suas timturas que pareciam Lem. acar·etauam «<esa lenha quamta purliam com muy IJOas vom­tatles e leuauanma aos batees e amdauam ja mais mansos e seguros antre nos do que nos amdauamos antreles. fuy o capitam com alguüs de nos Imü petla,:o per este aruorrdo ataa lmüa rrilJPira grande e rle muita agoa que a noso pa· reçer era esta meesma que vem teenr aa praya rm que nos tomamos agoa. ali jouuemos huü (ll'fiaço behendo e folgamdu ao longo dela antf"ese aruoretlo 1111e he tamtu e tamanho e tam Laslo e de tanllas prnmajeês que lhe nom potle ho­mem dar comto. ha antrde muitas palmas de t(Ue colhemos muitos e boos palmitos. tJUallflo saymos tio batel dise o capitam que seria Loo hirmos direi-

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SOJlRE O nESCOBRIMENTO DA AMERICA 77

tos aa cruz •111e est:ma emcost:ula a lmiía amore juuto cum o JTio pera se pocr de manhaã •111e he se~ta feira e •1ue nos posesemos totlos em giulhos e a hei­jasemos pera eles veercm hu aeatameuto •Juc lhe tiiuharnos, e asy o rezemos. E estes x ou x11 •JUe hy estauam acenaramlhes que fezesem asy e foram logo tndus beijala. pareçemc jernte de tal inut:encia que se us homem cmtewlese c eles a nos, •1uc seriam logu ehri~taãus pur•1ue eles nom tcem nem emtcndem em nenhulla creemc.a segundo pare•:e. E purtamto se os degradados que aqui am de ficar aprenderem bem a sua fala c os emtewlerem, nom douido segmulo a santa tençam de vosa alteza fazeremse ehristaãos e ereerem na nosa samta fe, aa qual praza a nosso Senhor que os traga, porque çerto esta jente he boa e de boa siinprezitlatle, e enpremarsea ligeiramente neeles •Jualtlller crunho que lhes quiserem dar, e logu lhes nosso Senhor dL•u boos corpos e boos rros­lros coma a lJoos homeês, e ele que nus pera a•lUY trouue ereo que nom fuy sem causa e portanto Vosa alteza pois tamto tieseja acret:entar na santa fe catol•ca, deue emtender em sua saluaçam e prazera a deos •1ue com puuco trabalho ser a asy. eles nom lanram nem eriam nem ha aquy Loy nem Yaca nem cabra nem ovelha nem galinha nem outra nenhuüa alimarea que eustumatla seja ao viuer dos homeês nem comem senom dcse inhame que aquy ha muito e desa semente e fruitos que a tet·a e as amores de sy lançam, e com istu andam taaes e tam rrijos e tam nedeos que o nom somo nos tanto com quanto trigo c legmnes eumemos. em quanto aly este dia amdaram senpre ao soom dhuü tanbory nosso dant:aram e Lailharam com os nosos, em maneira que sam muito mais nosos amigos que nos seus. se lhes homem acenava se queriam viinr aas naaos fazianse logo prestes pera isso em tal maneira que se os ho­mem todos quisera comuidar, todos uicram. porem nom trouuemos esta noute aas naaos senom 1111 ou v, a saber, o capitam moor duus e simãu de miranda huu que trazia ja por paje, e aires gomes outro asy paje. os que o eapitam trouuc era huií deles huü dos seus ospetlcs que aa primeira tJuando aquy che­gamos lhe trouueram, o qual veo oje atJUY vestido na sua camisa c com ele huü seu irmaão os quaaes furam esta noute muy bem agasalhados asy de vianda como tle cama lle colehoões e lençooes polos mais amansar. E oje •1ue IJC sesta feira primeiro dia de mayo poJa mauhaã saymos em terra eom nossa bandeira e fomos desenbarcar aeima do nio contra o sul onde nos pareçeo tJUe seria milhm· chantar a cruz pera seer milhor vista, e aly asiinou o capitam oude t'ezesem a eoua pera a chantar. E em•1nanto a ficaram fazendo, ele com todos nos outros fomos poJa + abaixo tio rrio onde ela estaua. trou­uemola d:1Iy cum eses rrelegiosos e sal'ertlotes diaute cantando maneira de pre­cisam. heram ja hy algufís deles obra de LXX ou LXXX e quando nos asy viram uiinr, alguiís deles se foram meter debaixo dela ajudamos. pasamolu rrio ao longo

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tia praya C fnmoJa poer onde ayia tle seer fJUe Sera un rrio oura tle dons ti­ros lle ueesta. <li~- andando nystu viinriam bem CL ou mais. c.hentad,1 a c.ruz com as armas e deuisa de vosa alteza IJIIL' lhe tn·imeiro pregarorn armaram allar ao pee dela. aly dise misa o padre frei amritJIIC a •Jnal foy ramtaua e ofeçiada per eses ja ditos. aly estl'ueram com nosco a ela oura de L ou LX de­les asentados touos em giolhos asy coma nos e quando veo ao avanjelho que nos erguemos todos em pec com as maãos leuantatlas, cws se leuantaram com nosco e alç.arom as maãos, cslawJo asy ataa seer ar:auado, c entam tornaranse a asentar coma nos. E quando kuautarom a ueus que nos posemos em giolhos, eles se poseram todos asy cotao nos estauamos com as maã.•s leuantadas, e em tal maneira asesega.tos •Jue certelico a vosa alteza IJUe nos fez muita deua­çom. esteueram asy com nosco ata acaiJaua a conuwham e depois da comu­nham, comungaram eses rrl'legiosos e sacenlotes e o capitam com alguüs de nos outros. alguus deles por o sol seer grande em nos e.stando comungando aleuantaramse e outrOS esteueram e ficarO!ll. lmü deles homem ue L OU LV

anos ficou aly com aqueles •Jue ficaram. litJtwle em nos asy cstamtlo ajumtaua a•Jneles que aly ficaram e ainda chamaua outros. este andantlo asy antreles fa­lantlolhes aceuuu com o tledo pera o altar, c depois mostrou o detlo pera o ceeo coma que lhes 11izia alguüa cousa de ucm e nos asy o tomamos. acabada a misa tirou o patlre a vestimenta tle cima e Jicou na alua e asy se sobio junto com ho altar em hulía catleira e aly nos preegou do auanjelho e tlos apostolos cujo tlia oje he trauta•1do emllm da preegaçom tleste voso proseguimento tam santo e vertuoso que nos causou mais tleuaçam. eses •tne aa preega•;am senpre esteueram estauam asy coma nos olltando pera ele. e aquele que digo, chamaua alguüs tJUe viesem pera aly. alguüs Yiiuham e outros hiamse e acauada a pree­gaçom trazia nicolaao coelho muitas cruzes de estanho com cruçufiços tJne lhe ficarom aintla da outra viintla e ouueram por bem •Jue lançasem a catla huü sua ao pescoço. pola qual cuusa se asentou o paure frey anriqne ao pee •la cruz e aly a huü e huü lançaua sua ata•la em hnü 11o ao pescoço fazendolha pri­meim ueijar e aleuautar as maãos. viiuham a isso muitos e lançarammas to­Jos que seriam obra tle X\XX on 1 •• e isto acabatlo era ja bem lmlía ora depois de meo tlia, viemos aas naos a comer onde o capitam trouue comsigo aquele mcesmo •1ne fez aos outros :liJUela mostramra pera o altar e pera o ceeo e huü seu irmaão com elle ao tlual fez muita homrra e deulhe huüa camisa mourisca c ao outro lmua camisa tlt'stoutras. e segundo o •1ue a mym e a todos pareçeo, esta jemle nom lhes l'aleçe outra cousa pera seer toda christaã ca entemle­remnos, pontue asy tomauam aquiio que nos viam fazer coma nos meesmos, per onde pan~çeo a totlos que nenhuüa idolatria nem ajoraçom teem. E uem creo que se ,·osa alteza aquy mandar quem mais autreles de vagar ande, que

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SODflE O DESCOI.IIIHIENTO DA AMEnJCA

fo•los seram torna•los ao desejo de vosa alteza. e pera isso se algnPm ,·ier nom IPixc logo fle \'iinr clPrigo pt•ra os hautizar ponJne ja Pmtam treram mais conhrcimento de nossa fe pelos •lons llt'gTa•la•los qne aquy antrel .. s firam os quaaes ambos oje tamhem comungaram. :mire totlns estes que qje \'ieram nom wo mais que huüa molher moça a qnal esteue senpre aa missa, aa qual fleram huü pano cem que se cohrise e pos••ramlho darreflor •le sy, prrn ao asPnlar nom fazia memorea de o muito estPn•lPr JWra se cohrir. asy SPnhor que a ino­Çt'mcia desta jemte he tal que a •l adam nom seria mais quanta em wrgonha. ora veja vosa altrza quem em tal inocemt:ea viue, ensinanulolhes o que pPra sua saluarom perteeçe, se se conuerteram ou nom. acabado isto fomos asy perante eles heijar a crnz e espetlimonos e \'iemos comer. creo Senhor que com estes dons tlegratlados que aquy ficam. ficam mais dons grometes que esta llOltte se sairam desta naao no esquife em terra fngidos, os quaaes nom Yieram mais e crcemos que ficaram a•]uy porque de manbaã pra­zendo a deos fazemos daquy nosa partitla. esta terra Senhor me paret:e que da pomta que mais contra o sul ,·imos ata a outra ponta qne contra o nnrte ,·em de •Jue ·nos deste pol"to mmemos vista, sera tamanha que anrra m'ela bem xx ou xxv legoas per costa. traz ao lomgo do mar em algüas partes grandes bareiras •1elas vermelhas e tlelas hram­cas e a terra per çima fotla chaã e muito chea de grandt'S arunredos. de pomta a pomta hc totla praya parma muito chaã e muito frernosa. pelo sar­taão nos pareceo do mar muito t!ranfle porque a estender olhos nom podíamos veer senom tera e arnorPdos que nos pareçia mu~· long·a tera. neela ata agora nom podemos saber que aja ouro nem prata. nem nenhuüa cousa de me­tal nem de fero, neri1 lho \'imos. Pero a terra em sy he de mmto boos aares as~· frios e teuperados coma os dantn~ doiro e minho por que neste tenpo dagora asy os achauamos coma os de la. agoas sam muitas imfirmlas. Em tal maneira lw graciosa que qnerentloa apronritar darsea neela tudo per hem das agoas que tem. pero o milhor frnito •Jne neela se pode fazer me pareçe que ~era saluar esta jemte, e esta •Iene seer a principal semente que vosa alteza em ela deue Iamçar. E que lry nom onuese mais ca tener aquy esta pousada per a esta nanegat:om de calecut, abastara, quanto mais dcsposiçam per a se ne•'la conprir e fazer o que vossa alteza tanlto deseja, a saber. acrecentamento da nosa santa fe. E ne•'sta maneira Senhor •lou aquy a vosa alteza •lo que neesta vosa terra vy (..~i c) c se a alguü pouro alonguey. ela me perdoe, e a o desejo r1ue tiinha l!e vos twlo dizer mo fez asy poer pelo meudo. E pms que Senhor he l_"ertu que asy nerstt• caregno que leuo como em outra qnalquer coussa •Jne de vosso serui•~o for uosa alteza ha de scer de mym muito hem sentida, a t'la peçu que por me fazer simgular men:ee mande Yiinr da ilha tle sam thomee jorge do

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80 DREVE NOTICIA SOI3HE O DESCOUIUMENTO DA Al\IERICA

soiro meu jcnrm, o •Jne dela rcce!Jercy em muita merç.ee. beijo as maãos de vosa alteza. deste porto seguro da \'osa ilha da vera cruz oje sesta feira pri­meiro dia de mayo de t:iOII.-Pero uaa: de caminha 1•

1 Copiada com a maxima exa(·tidào do original IJUe existe no Anil. [\'ar. da 1'uiTC do Tomho, gav. S, maç. 2 n. 0 8. Fui publirada, mas incorrPrta, no IV tomo da Cullerção ele 1wticias pam a Historia e Geoympltia das I\'arües Ultramarinas que l'il·em 11os domiuios jiOI"lli!JUezes.

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