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    ESPAO PBLICO: Desenho, organizao e poder

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    CAPITULO 3 A CIDADE DE BARCELONA: PROCURA DO ESPAO PBLICO

    Neste captulo faremos uma anlise sobre a problemtica do espao pblico na cidade

    de Barcelona, atravs de uma resenha histrica, procurando entender como se produziu o

    espao pblico face ao denominado Modelo Barcelona e as estratgias de interveno.

    Pretendemos igualmente analisar o estado actual do espao pblico na cidade, dirigindo a

    anlise a dois espaos pblicos localizados em bairros especficos de Barcelona, que foram

    intervencionados segundo os pressupostos do Modelo. Analisaremos os indicadores e

    componentes que deram origem ao projecto, avaliando os elementos construtores que

    originaram a sua forma.

    3.1. O espao pblico na dimenso geral do objecto de estudo

    Barcelona uma cidade que conta com mais de 2000 anos de histria. Uma cidadeprovinciana e marginal, pois nunca foi capital de uma monarquia ou estado importante. Esse

    carcter marca profundamente a sua concepo ao nvel dos espaos pblicos.

    Como cidade onde no se vislumbrava nenhuma corte, no havia necessidade de ter

    espaos pblicos, a nica coisa que havia na Barcelona Medieval era a famosa Rambla, que

    fazia ligao ao mar (Figura 3.1). No existia prtica do espao pblico. A cidade existia entre

    muralhas e de malha extremamente densa.

    Figura 3.1 Mapa de Barcelona Medieval (sculoXVI). Visvel as muralhas que delimitavam a cidade e aRambla que fazia a ligao ao mar.

    Fonte: Ajuntament de Barcelona (1985). Inicis de la Urbanstica Municipal de Barcelona. Mostra delstons municipals de plans i projectes durbanisme 1750-1930. Corporaci Metropolitana de Barcelona.

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    Entretanto, existe algo curioso, onde se entende que apesar de no haver uma

    manifestao pblica dos espaos, as pessoas tinham necessidade de um contacto com o

    exterior, mesmo que o convvio fosse apenas familiar. Entre o sc. XVI e o sc.XVII, foi

    efectuado um levantamento dos espaos vazios da cidade, concluindo-se que a maioria eram

    ptios interiores das habitaes unifamiliares, ou seja espaos pblicos domsticos. Esta

    caracterstica de espaos abertos interiores tem similaridade com a cidade rabe/medieval.Na primeira metade do sc. XIX, no auge da revoluo industrial, as cidades

    continuavam a ter um urbanismo medieval, ou seja, rodeado por muralhas e comprimidas pela

    instalao de indstrias recentes e com elas, uma expanso demogrfica acelerada. A cidade

    de Barcelona no alheia a esta situao. O facto das prprias muralhas e todos os terrenos

    exteriores muralha serem militares, impediram que as novas indstrias se instalassem em

    torno s muralhas. Era totalmente proibido construir nesse espao, tendo exclusivamente um

    uso agrcola. Desta forma, a instalao das indstrias, e com ela a expanso demogrfica

    foram-se situar em municpios independentes, hoje bairros da cidade, tal como Sants, Sarri,

    Sant Andreu e Sant Marti. A necessidade das pessoas comunicarem era muito grande, e assim

    foram nascendo uma srie de vias novas que ligavam a cidade entre muralhas com as zonas

    industriais. Entre estas vias, destaca-se o actual Passeio de Gracia, que nesta poca no s

    constitua uma via de comunicao, como tambm um verdadeiro lugar de encontro, de

    passeio, criando-se nas suas laterais jardins e zonas de recreio.

    Figura 3.2 Mapa de Barcelona. Anteprojecto da ligao da zona do Ensache de Barcelona e dospovoados agregados entre si e com o resto do limite municipal de Sarri e Horta.

    Fonte: Ajuntament de Barcelona (1985). Inicis de la Urbanstica Municipal de Barcelona. Mostra delstons municipals de plans i projectes durbanisme 1750-1930. Corporaci Metropolitana de Barcelona.

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    Figura 3.3 Mapa de Barcelona. Proposta de novas vias de acesso entre a Barcelona Medieval e osnovos bairros.

    Fonte: Ajuntament de Barcelona (1985). Inicis de la Urbanstica Municipal de Barcelona. Mostra delstons municipals de plans i projectes durbanisme 1750-1930. Corporaci Metropolitana de Barcelona.

    A revoluo industrial veio trazer novos usos, funes e estruturas diferenciadas

    cidade. A concepo urbanstica toma novos contornos e o espao pblico ganha um novo

    conceito. A arquitectura das habitaes totalmente alterada, inicia-se um processo de

    verticalizao e de densificao, mas muito concentrada. Hoje a cidade quase desprovida de

    elementos arquitectnicos medievais, pois quase todos foram aniquilados.

    Desta forma, a qualidade de vida urbana comea a deteriorar-se e a questionar-se aviabilidade do processo fruto da industrializao. O clero manifesta-se dizendo que o progresso

    estava a dissipar a qualidade de vida. Surge ento aquilo a que chamam a correntehigienista1

    juntamente com o planeamento, como forma de conciliar o progresso com a qualidade de vida.

    No processo de higienizao surgem os primeiros espao pblicos os cemitrios, como

    combate clera.

    Posteriormente, surge uma lei em Espanha que desapropria os bens eclesisticos, ou

    seja, passa a haver uma cedncia destes espaos para a burguesia liberal espanhola.

    Curiosamente esta lei foi aplicada pelo povo, que estava farto da igreja. Nesta mudana de

    atitude do povo relativamente ao clero, surgem as grandes manifestaes que se esgotam em

    trs perodos em que queimam quase todas as igrejas. Provavelmente este deve ser dos

    momentos da histria de Barcelona mais significativo em termos de destruio arquitectnica e

    humana. O primeiro momento foi em 1835 e o ltimo em 1909.

    1 Sobre o assunto ver COSTA, M. (2002). A Cidade e o Pensamento Mdico: Uma leitura do espao urbano. Mercator,Revista de Geografia UFC-Universidade Federal do Cear, Ano 1, n2.

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    Em 1850, Ildefonso Cerd2 faz o primeiro plano topogrfico de Barcelona. Sente-se

    ento algumas diferenas na estrutura da cidade, mas continua a no haver uma manifestao

    de espaos pblicos. Com o processo de destruio das igrejas, Barcelona consegue uma

    proeza, que foi transformar estes lugares em espaos pblicos.

    Em 1859, surge igualmente pelas mos de Ildefonso Cerd um plano de planeamento

    urbano extraordinrio, com uma viso estratgica com avanos inigualveis para a poca. OPlano de Extenso (Ensanche) de Barcelona considerado a principal obra de Ildefonso

    Cerd. A deciso oficial de derrubar as muralhas, em 1854, abre caminho para a transformao

    da cidade de Barcelona. Em 1855, uma comisso da qual Cerd faz parte, inicia os estudos de

    um plano de extenso para a cidade. A comisso apresentar um ante-projeto, em Dezembro

    do mesmo ano.

    Figura 3.4 Barcelona. Plano de Extenso de Ildefonso Cerd (1859). Visvel a malha ortogonal e os doisgrandes eixos diagonais.

    Fonte: CERD, Ildefonso (1991). Memoria del Anteproyecto de Barcelona, octubre 1855. In TCC. Cerd& Barcelona (TCC.C&B). Madrid.ed.INAP y Ayuntamiento de Barcelona, vol.1.

    O principal objectivo do plano foi o de aumentar a rea total da cidade, permitindo sua

    expanso alm dos limites da antiga muralha, e fornecer uma alternativa mais ordenada de

    ruas e quarteires, em comparao dispersa malha urbana do centro histrico de

    Barcelona. A conteno da cidade nestes limites havia aumentado grandemente a sua

    densidade e criado problemas de comunicao com o exterior. A sua proposta de espao

    pblico era algo inigualvel, propunha ruas entre os 20 a 60m de largura. Ildefonso Cerda tinha

    como finalidade melhorar as condies de vida de toda a sociedade (por a sua ideologia

    higienista), assim como a fluidez dos transportes e mobilidade dos cidados. s qualidades

    2 Ildefons Cerd, nasceu na Catalua, mas no perodo entre 1835 e 1841, deslocou-se a Madrid, onde se formou emengenharia de caminhos, regressando mais tarde a Barcelona, onde se estabeleceu em 1849. Participou activamentena vida pblica, chegando inclusive a ser deputado em Corts por Barcelona e presidente da Diputao de Barcelona.Em 1867 publicou a Teoria Geral da Urbanizao, onde tentava solucionar os problemas da concentrao demogrficadas cidades e o seu desenvolvimento industrial (SAENZ RIDRUEJO, F., 1972)

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    visveis do projecto somam-se aspectos invisveis primeira vista mas de grande importncia,

    como a drenagem das guas pluviais, com uma concepo integral que abarcava tanto a

    construo inicial como a sua manuteno. A base do plano um sistema de vias e quarteires

    que se poderia estender indefinidamente, medida que a cidade fosse crescendo. Cerd cria

    uma hierarquia viria onde pequenas ruas "desaguam" em ruas maiores, que por sua vez

    "desaguam" em grandes avenidas. Para explicar este conceito hierrquico, Cerd utiliza aanalogia de pequenos rios desaguando em rios cada vez maiores e mais largos. Cerd chama

    de interviasaos espaos entre o sistema virio. Os quarteires, so os espaos contidos entre

    as vias. Assim, Cerd refora a noo de que quarteires e vias formam uma estrutura nica e

    inter-dependente.

    O Plano conhecido hoje principalmente pela sua representao grfica com sua

    malha reticular caracterstica. Esta, no entanto, mal compreendida e vista como uma grelha

    simples, que se estende a partir dos limites da cidade antiga. O plano apresenta um sistema

    completo que distribui parques, indstria, comrcio e residncias de forma equilibrada. As

    avenidas principais formam estruturas que coordenam a expanso dos quarteires. Os

    quarteires, hoje preenchidos em todos os seus lados, foram idealizados como quadras

    abertas, que permitiam o maior fluxo de pessoas e de ar pela cidade, assim como poderiam ser

    preenchidos por reas verdes.

    Figura 3.5 Geometria do Ensanche. Esquema da malha urbana. Eixos e ruas.

    Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki.

    Figura3.6 Esquema da luz solar dos quarteires. Figura 3.7 Dimenses dos quarteires padro.

    Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki

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    Figura 3.8 Desenho e agrupamento dos quarteires. Figura 3.9 Evoluo da altura dos edifcios

    Fonte: http://es.wikipedia.org/wik Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki.

    Cerd considerou que os planos radiais como o de Haussmann em Paris ou os

    concntricos de Ringstrasse em Viena fomentavam a congesto das cidades. O seu objectivo

    era a mxima homogeneidade do tecido urbano e uma boa conexo com o exterior da cidade,

    tanto ao nvel rodovirio como martimo e ferrovirio. Contudo, o seu projecto foi descriminado

    pelos responsveis municipais e por boa parte da burguesia barcelonesa. Acabou sendo

    imposto em 1858 pela administrao central de Madrid (SAENZ RIDRUEJO, 1972).

    Levou muitos anos a ser reconhecido o talento do projecto em relao a outros

    aprovados pela Cmara de Barcelona. Hoje em dia o ensanche de Barcelona est melhor

    adaptado ao trfego rodovirio e circulao pedonal que muitos dos bairros construdos

    depois da chegada do automvel.

    To importante quanto os desenhos , tambm, o sistema terico desenvolvido por

    Cerd e apresentado na memria da proposta.

    Os fundamentos tericos do plano de Cerd (CERDA, 1991) so os seguintes:

    A cidade funciona em torno do duplo conceito: movimentoe repouso;

    A rua deve fornecer redes de infra-estruturas, permitir o transporte e possibilitar a

    melhor arejamento e iluminao das casas; O conceito de inter-viasrepresenta a importncia do quarteiro e do sistema virio na

    estrutura da cidade;

    O sistema de transportes um elemento fundamental para o funcionamento da cidade;

    O plano deve possibilitar a extenso ilimitada da cidade;

    Deve haver a unio entre a cidade antiga e a nova zona de extenso.

    Curiosamente, o seu plano no foi considerado, sendo inclusive queimado. S mais tarde nos

    anos 90 se consegue recuperar.

    a) O perodo ps-franquismo

    A terceira grande mudana nos espaos pblicos na cidade corresponde ao perodo de

    democracia 1974. Neste perodo, deu-se incio a uma nova etapa de desenvolvimento da

    cidade; foi o princpio de uma nova conduo estratgica. Em 1976, foi aprovado o Plano

    General Metropolitano, considerado o ponto de partida de todo o processo. Em 1979, foi criado

    o concelho democrtico da cidade e, em 1980, a chave de mudana prendeu-se com a

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    substituio de Joan Anton Solans por Oriol Bohigas, como director do planeamento, e a

    incorporao de Josep A. Acebillo na sua equipa. A nomeao em 1986 para os jogos

    olmpicos foi outra importante chave de mudana.

    Com base em todas as demandas anteriores e estudos efectuados durante o perodo

    de ditadura, Oriol Bohigas fortaleceu-se de uma base emprica de conhecimento que o fez

    desenvolver uma estratgia de planeamento e interveno na cidade hoje conhecida como oModelo Barcelona. O objectivo de Bohigas era monumentalizar a periferia, regenerar o

    centro.

    Monumentalizar a periferia significava para Bohigas dotar de qualidade arquitectnica ossubrbios operrios da cidade, mediante pequenas intervenes e a edificao demonumentos, distribudos estrategicamente, por ser seguro que essas nova presenaaumentava a qualidade do espao pblico, e com isso, potencialmente, a qualidade de vidados seus utentes (BALIBREA, 2003: 35).

    Segundo Esteban i Noguera (1999:113):

    in the city Project which is found behind the practical projects we can identify two differentbut complimentary streams. Those whose subject is public space, which range from thesmall squares and streets to the general systems of the city and the region, where what we

    can public works are developed, and those which are concerned with the development andbuilding of plots of land and which provide the volume of the urban make-up, where the workof private operators is of prime importance.

    3.1.1. Os pressupostos de espao pblico em Barcelona

    As mudanas sociais, politicas e econmicas a que a cidade de Barcelona foi exposta

    durante a ltima dcada, geraram um fraccionamento muito forte ao nvel do espao pblico.

    No existia uma relao entre o carcter do espao pblico e o papel urbano que este tem que

    representar. Isto gerou uma certa viso parcial nas obras realizadas em Barcelona alguns anos

    atrs, parte de que no havia um instrumento de planeamento urbano eficaz e que tivesse

    uma viso integradora da cidade. Qualificaram-se projectos atendendo presena ou no de

    determinados elementos configuradores o verde e no se analisou a coerncia entre a

    soluo tipolgica e o papel urbanstico (AJUNTAMENT DE BARCELONA, 1992).

    A cidade que se encontra antes do Servio de Projectos Urbanos, criado em 1981,

    uma cidade desarticulada, onde a maioria dos espaos que escaparam aos processos

    especulativos dos anos precedentes no eram mais que buits urbanos. O nico plano que

    existia e que de alguma forma salvaguardou alguns espaos pblicos foi o Plano Geral

    Metropolitano. Este reunia alguns aspectos importantes e conseguiu manter alguns limites na

    absoro de espao pblico. Segundo Bohigas (1986:11-12) este plano:

    [] permitiu importantes reservas de solo e equipamentos, props um equilbrio de usos edensidades que inclusive provocou algumas mudanas de signo no crescimento daespeculao; estabeleceu um sistema de ordenaes e critrios no uso e na forma, com ainteno de substituir a primazia do zonning e dos standars quantitativos por um processode localizao e formalizao que supera timidamente as possibilidades do plano e iniciauma inteno de projecto, que responde s exigncias de uma coordenao territorial demaior escala, atendendo relao centro-periferia, no mbito metropolitano.

    Actualmente, o espao pblico como estratgia urbana ter sido a carta de

    apresentao de Barcelona no debate sobre o urbanismo actual, mas justo dizer que antes

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    muitas outras cidades europeias tinham adoptado esta estratgia. Para Borja (2003:79), a

    estratgia do espao pblico parte de trs consideraes:

    a) A cidade espao pblico, o elemento ordenador, a cidade comea e expressa-se

    mediante o espao pblico;

    b) O espao pblico tem um valor funcional (relacional), cultural (simblico) e cvico-

    poltico (representao e expresso da colectividade);c) O espao pblico tem capacidade transformadora sobre os seus entornos, o fsico e o

    social, que pode qualificar ou desqualificar.

    A considerao do espao pblico segundo os contributos de Borja, estiveram na base

    de reconstruo de uma Barcelona contempornea, que atravs do planeamento urbano

    conseguiu fixar uma tipologia de cidade de elevada competitividade internacional.

    A transformao pela qual passou Barcelona, de uma cidade de importncia regional, cujaeconomia era baseada na indstria, para uma metpolis3 efervescente com um enormepoder de atraco, no foi casual, mas fruto das polticas pblicas e culturais adoptadas nosltimos 25 anos. O chamado Modelo Barcelona considerado um marco nas

    transformaes urbanas do sculo XX e uma referncia em boa parte do mundo ocidental,especialmente na Amrica Latina (MARTI, 2006)4.

    Barcelona hoje uma urbe ps-moderna, seguindo o modelo dos reordenamentos do

    capitalismo global nos ltimos trinta anos, que mudaram a sua situao geopoltica e a sua

    projeco internacional

    O fim da produo industrial como motor econmico, poltico, social e cultural da urbe,

    devido sua deslocao macia para zonas da sia e para as periferias menos desenvolvidas,

    mas mais vantajosas para o capital, d lugar ao reordenamento urbano que conhecemos com o

    nome de cidade ps-industrial (BALIBREA, 2003). A entrada na comunidade europeia da

    Espanha, tambm constitui um ponto de viragem na cidade de Barcelona, assim como as

    correntes migratrias intensas.

    No contexto da poltica urbana e do planeamento municipal durante a segunda metade

    do sc. XX, Barcelona assume dois momentos distintos que vo influenciar em muito a

    (re)estruturao e (re)produo do espao urbano. Na sua pesquisa de doutoramento, Sergi

    Martinez i Rigol (2000) refere que o primeiro medeia aproximadamente de 1960 at 1975 e que

    o segundo vai desde 1975, at o ano de 2000. Trs razes principais argumentaram e

    justificaram esta diviso temporal, em primeiro lugar, as mudanas no regime poltico do

    Estado espanhol, segundo a criao de uma nova legislao em matria de urbanismo, e

    finalmente a criao de novas figuras de planeamento.

    3 Metaplis o nome de um grupo fundado em 1998, em Barcelona, do qual fazem parte Vicente Guallart, Willy Mller,Manuel Gausa. Segundo Mller, um dos fundadores do Grupo Metpolis, ele fruto de um momento da cidade deBarcelona, entre o xito dos Jogos Olmpicos e a indefinio de um novo evento internacional, como o Frum Mundialda Cultura. (...) Ns temos buscado, de forma aberta e sempre como work in progress, explicar essas profundastransformaes que fazem com que a sociedade avance na mudana do seu sistema e que ns, que trabalhamosconstruindo o mundo fsico, devemos compreender. o caso, como define muito bem Guallart, de uma mudana nosistema operacional (Entrevista a Eduardo Pasquinelli em: http://www.vitruvius.com.br/entrevista/muller/muller_2.asp).4 Palestra proferida no dia 14 de Maro de 2006 por Jordi Marti Sub-diretcor-gerente do Centro de CulturaContempornea de Barcelona, professor de gesto cultural nas universidades de Barcelona e Pompeu Fabra ecoordenador do plano estratgico da capital catal de 1996 a 1999.

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    Mas 1975 vai ser um ano de viragem crucial em matria de planeamento urbano. Como

    refere o mesmo autor (MARTINEZ i RIGOL, 2000:124):

    [] a partir de 1975 es va iniciar un perode de canvi: en les bases teriques de l'urbanismela concepci historicista de la ciutat es va encentar a la dcada dels vuitanta; el canvi dergim poltic es va concretar amb l'aprovaci de la constituici el 1978 i les primereseleccions municipals democrtiques del 1979, a ms de l'aparici, ja des de principis de ladcada de 1970, de formes de participaci social directa en el planejament, i de denncia i

    revindicaci; i les noves legislaci i figures de planejament es va concretar amb la nova lleidel sl aprovada el 1975 i els plans generals i parcials que s'aprovaren als municipisespanyols a partir d'aleshores.

    Podemos considerar que esta no somente uma mudana ao nvel de Barcelona, ou

    de Espanha. Em Portugal, no mesmo perodo assiste-se a uma mudana nas bases de

    planeamento urbanstico, consequncia da revoluo de 25 de Abril de 1974. Houve sempre

    acontecimentos que mudaram as polticas de planeamento, mesmo em contextos polticos e

    temporais diferenciados. Giuseppe Campos Venutti (1989), arquitecto italiano, analisa estas

    mudanas partindo de um estudo sobre o urbanismo italiano, definindo assim trs geraes,

    que deram origem a trs tipos de planos para enfrentar problemas urbanos diferentes. Juan

    Antnio Acebillo (1998) sintetiza a nvel europeu a partir das ideias de Campos Venutti, trs

    momentos:

    La Primera Generaci, iniciada immediatament despus de 1945, tracta de reconstruir elsteixits urbans malparats o destruts per causa de la guerra. La Segona Generaci, entre els50 i els 70, a cavall del desenvolupament, tracta d'expandir la ciutat tot urbanitzant elcamp proper (periferia) i coincideiz amb el periode de creixement urb. La TerceraGeneraci, a partir dels 80, tracta de transformar la ciutat que en resulta, tanta l centrecom a la periferia, i intenta cosir, apedaar i millorar els espais urbans amb operacions msqualitatives que de creixement (ACEBILLO, 1998:97).

    O ano de 1975 corresponde em Barcelona ao fim do franquismo (1939-1975)5 e isso

    explica a grande viragem, no somente ao nvel poltico e urbanstico mas tambm cultural.

    Como refere Balibrea (2003), com o final da ditadura, em 1975, e mais especificamente desdea chegada ao poder municipal do Partido Socialista da Catalunya, em 1977, as polticas

    culturais converteram-se no motor central de regenerao da cidade. Estas surgem como o

    motor de integrao da comunidade local, transformando-a em parceiro e presena visvel das

    polticas urbanas. Necessariamente que isto se traduz ao nvel urbano, na poltica de espao

    pblico, pois surgem as grandes obras arquitectnicas, como museus, que absorvem o espao

    pblico e concentram o olhar no seu poder impositivo, sem que a populao se d conta que

    lhe esto roubando o seu espao.

    Jordi Marti (2006) identifica trs perodos distintos a partir do fim da ditadura franquista

    (1975). So eles, os anos 80, os anos 90 e a transio para o sculo XXI, momentos que eledenomina Felices Ochenta, La transformacin de los 90 e Que vienne els. XXI!!. Entre

    1975 e meados dos anos 80, Barcelona viveu uma fase de euforia: a identidade catal foi

    resgatada em toda sua plenitude, as tradies e as festas foram recuperadas ou reinventadas

    num movimento atvico. A ocupao das ruas e demais espaos pblicos como espao de

    celebrao e encontro marca todo este perodo. Com a autonomia relativa garantida, o passo

    5 CAPEL, Horacio (2005a). El modelo Barcelona: un examen crtico. Ediciones del Serbal, Barcelona.

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    seguinte foi a estruturao poltica e o fortalecimento das instituies locais. Este sem duvida

    o grande perodo de viragem na poltica de espao pblico.

    Esta nova fase de planeamento da cidade democrtica de 1980, tal como refere Juli

    Esteban i Noguera (1999), tomou forma numa srie de ideias e projectos parciais, com a

    participao de vrios actores e com diferentes referncias contextuais e objectivos especficos

    durante todo o perodo. Estes projectos, com insero principal na interveno de espaopblicos, foram a base de construir a cidade. A requalificao urbana, que tinha como principal

    indutor a melhoria dos espaos pblicos, foi um princpio extensivo a toda a cidade,

    especialmente cidade perifrica. Uma srie de actuaes concretas, que pretendiam ser o

    foco regenerador do seu entorno, com a certeza que este processo teria resultados mais

    imediatos e radicais que o planeamento sistemtico a grande escala. Um certo urbanismo de

    oportunidade era obrigatrio, sobretudo pelos momentos de crise econmica anteriormente

    vividos com o desaparecimento de indstrias e servios. Contudo, isto vai permitir a

    recuperao de espaos pblicos importantes, como o Escorxador, a Espanha Industrial,

    Renfe-Meridiana, a Pgaso, o Clot, etc. (CCERES & FERRER, 1993).

    A poltica de interveno inicial foi a qualificao de espaos pblicos existentes e a

    construo de novos. Tal como refere Martorrell, em entrevista realizada, no existe um modelo

    constitudo mas sim um projecto ou um conjunto de ideias que se foram desenvolvendo, e que

    necessariamente se manifestaram nas intervenes do espao pblico, sobretudo em praas,

    ruas, parques, jardins e avenidas.

    Figura 3.10 Avenida de Gaudi (Barcelona). Primeira proposta de interveno, que pretende vincularzonas especficas da cidade e formar uma estrutura contnua ao nvel da traa urbana. Asintervenes realizadas pretendiam dar uma certa leitura unitria da cidade e dotar de

    continuidade urbana s zonas mais destruturadas. A reurbanizao da Avenida de Gaudicomo primeira interveno, j continha o carcter programtico desta vontadeestruturadora.

    Fonte: CCERES, Rafael de; FERRER, Montserrat (1993). Barcelona espai pblic. Barcelona:Ajuntament de Barcelona.

    Este modelo de planeamento continuou a dominar at aos anos de 1990, sendo que a

    partir de 1992, a escala de interveno mudou, para as grandes intervenes. Segundo

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    Cceres & Ferrer (1993:15): Des de 1982 fins a 1992 s'hauran recuperat ms de dues-centes

    hectrees de parcs, de les quals cent deu corresponen a l'operaci olmpica.

    Figura 3.11 Axonometrca da Vila Olmpica.

    Fonte: BOHIGAS, Oriol. (1986). Reconstruccin de Barcelona. Monografas de la Direccin General deArquitectura y Edificacin (MOPU). Madrid.

    Desde o incio dos anos oitenta at 1992, ano em que se realizaram os jogos

    olmpicos, trs factores condicionaram a relao com o espao pblico. A liderana pblica

    aparecia projectada de forma clara no espao pblico, assim como os projectos para a cidade.

    O objectivo destes, eram to claros como as competncias necessrias. Os programas eram

    comparticipados e aceites socialmente e padeciam de uma boa interaco com o capital

    privado que aceitava a liderana pblica. Contudo, aps os Jogos Olmpicos, estas condies

    mudaram, pois a escala de interveno na lgica da cidade capitalista tinha que aumentar para

    conseguir dar resposta ao processo ps Jogos Olmpicos.

    Figura 3.12 Plano dos espaos pblicos de Barcelona at final de 1992.

    Fonte: CCERES, Rafael de; FERRER, Montserrat (1993). Barcelona espai pblic. Barcelona:Ajuntament de Barcelona.

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    Segundo Borja & Muxi (2003b), a estratgia poltica para os espaos pblicos

    assentava numa srie de aces, entre as quais se destacam:

    - Abertura das ruas para promover a regenerao degradada dos centros antigos (Plano do

    Raval);

    - Apropriao de espaos vazios ou trabalhos de infra-estruturas virias para criar avenidas dequalidade na periferia (Via Jlia, Rambla de Prim, Ronda del Mig);

    - Reabilitao dos ptios interiores dos blocos da cidade como espaos pblicos (Distrito de

    Enxample);

    - Criao de espaos pblicos como as operaes comerciais privadas (Centro Comercial

    Maremagnum);

    - Criao de parques urbanos e passeios, converso e reabilitao dos portos e zonas frreas

    que no funcionam (sea front, Estaco do Nord, Joan Miro/Escorxador Park).

    Havia uma inteno de continuidade demonstrada nas intenes de interveno. A

    ideia de contnuo urbano esteve presente em muitas propostas urbansticas de escala

    intermdia, como nos planos especiais de reforma interior. Contudo, essa continuidade hoje

    difcil de visualizar.

    Neste perodo, a concepo de interveno ao nvel de espao pblico ganha novos

    contornos. O elemento vegetal, que anteriormente estava circunscrito aos parques, toma uma

    nova dimenso, e comea a aparecer em outros locais. Entre os factores que explicam esta

    evoluo, est fundamentalmente a consolidao da rede de lugares cvicos.

    A escassez de espao pblico organizado havia motivado um primeiro momento que os

    novos lugares conseguissem assumir uma intensidade muito superior quela para a qual teriam

    capacidade. Os poucos metros quadrados urbanizados haviam de suportar todo o tipo de

    feiras, mostras, festas e manifestaes que impossibilitavam determinados tratamentos. Aexistncia de um maior nmero de espaos capazes de assumir aquelas actividades permitia

    que alguns dos novos espaos podiam adquirir um outro carcter.

    Segundo Cceres & Ferrer (1993), era importante definir um plano de espaos pblicos

    de Barcelona, sobretudo num momento em que a construo dos cintures modificaria a

    funcionalidade viria de muitas vias urbanas. Segundo o autor, desenvolver o Plano de

    espaos pblicos, comportaria aprofundar a definio do sistema de espaos pblicos bsicos

    da cidade, estabelecendo prioridades de acordo com o seu papel estruturador e a sua eficcia

    social. Cceres & Ferrer (1993) aponta algumas linhas de trabalho para a definio de um

    plano de espaos pblicos para Barcelona:1. Anlise da situao actual dos espaos pblicos. O seu papel local, urbano ou

    metropolitano;

    2. Propostas para completar os sistemas de espaos pblicos iniciais: frente martima e o seu

    papel urbano e metropolitano; os espaos de Sant Mart a Poble Nou e o seu papel de ligao

    com Sant Adri de Bess; a Diagonal;

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    3. Propostas para os espaos-limite entre bairros ou distritos: a Sagrera (Sant Andreu/Sant

    Mart); a Ciutadella (Ciutat Vella/Sant Mart);

    4.Propostas para os espaos limite intermunicipais: Barcelona-Sant Adri; Barcelona (Ciutat

    Meridiana/Vallbona) Montcada i Reixac; Barcelona eix del Bess (Montacada, Santa

    Coloma de Gramenet, Sant Adri);

    5. Acessibilidade urbana aos parques na montanha (Montjuic, Trs Turons, Collserola);6. Continuao da poltica de reurbanizao de polgonos;

    7. Redefinio de novas seces de ruas e avenidas com a capacidade de estruturar o sistema

    de espaos pblicos o de aumentar o seu papel de passeio pblico e relao urbana;

    8. Definio terica do conceito de corredores verdes como o elemento estruturante da politica

    de espaos pblicos. Plano de propostas;

    9. Definio de alguns critrios de desenho dos espaos pblicos escala da cidade e de

    determinadas reas.

    Hoje em dia, a situao dos espaos pblicos, aparece submetida a um nvel de

    competncia desmesurado: entre pessoas, hbitos, usos, etc. Crescem em intensidade e

    heterogeneidade, as negociaes so permanentes, implcitas e explcitas e com dificuldades

    de governao, o que mostram traos comuns com outras realidades urbanas.

    Isso est patente na produo do espao pblico na cidade, que apesar de ter

    aumentando significativamente como podemos ver na figura 3.13, apresenta algumas

    deficincias na sua linguagem projectual e incertezas na sua afirmao.

    Figura 3.13 Plano dos espaos pblicos de Barcelona depois de 1992.

    Fonte: CCERES, Rafael de; FERRER, Montserrat (1993). Barcelona espai pblic. Barcelona:Ajuntament de Barcelona.