avaliação anamnesica de sintomas de disfunçâo

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Avaliação anamnesica de sintomas de disfunçâo temporomandibular em crianças asmáticas Anamnestic evaluation of temporomandibular dysfunction symptoms in asthmatic children Thais Cristina Chaves 1 Dirceu Costa 2 Débora Beviláqua Grossi 5 Fabiana Bertolli 1 Fisioterapeuta; Mestranda na FMRP - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto /USP 2 Fisioterapeuta; Prof, do Departamento de Fisioterapia da UFSCar - Universidade Federal de São Carlos 3 Fisioterapeuta; Profa do Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor da FMRP/USP 4 Bolsista de Iniciação Científica - FAPESP ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Débora Beviláqua Grossi Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP Campus Universitário 14049-900 Ribeirão Preto SP Tel./fax (16) 602 4413, 633 0336 e-mail: [email protected] DESCRITORES: Transtornos da articulação temporomandibular, Avaliação, Asma/ fisiopatologia, Crianças KEYWORDS: Temporomandibular joint disorders, Evaluation, Asthma/physiopathology, Children Este trabalho traz resultados de Projeto de Iniciação Científica financiado pela FAPESP (Processos 03/12382-3 e 03/ 07771-0) RESUMO: Na criança asmática as alterações sinunasais relacionadas à respiração bucal (RB) e o distúrbio da mecânica respiratória, levando à hiperatividade da musculatura cervical acessória da respiração, podem contribuir para o desenvolvimento de alterações dos sistemas cervical e estomatognático, predispondo-as ao desenvolvimento de disfunçâo temporomandibular (DTM). O objetivo deste estudo foi caracterizar a presença de sintomas de DTM em crianças asmáticas mediante avaliação anamnesica. Uma amostra de 30 crianças asmáticas (7,97±2,58 anos) foi avaliada quanto à severidade da DTM pela aplicação do índice anamnésico de Fonseca (1994) e quanto ao grau de RB, de acordo com versão modificada do critério de Emerson e Cordeiro (1993). Os resultados mostram que mais de 93% dos pacientes apresentaram sintomas de DTM e que a maioria dos pacientes caracterizam- se como apresentando disfunções leves. As meninas apresentaram maior freqüência de dor na articulação temporomandibular, bem como de dificuldade na abertura da boca, em relação aos meninos. A RB apresentou- se em mais de 90% dos pacientes e o grau de RB variou proporcionalmente em relação à severidade da DTM. Os dados sugerem que a hiperatividade da musculatura cervical acessória da respiração e a respiração bucal podem estar relacionadas ao desenvolvimento de DTM na criança asmática e, portanto, a avaliação dos sintomas de DTM deve fazer parte dos programas de fisioterapia destinados a esses pacientes. ABSTRACT: Mechanical respiratory dysfunction in asthmatic children, contributing to overuse the secondary respiratory muscles related to cervical spine and allergic sinunasal alterations, leading to development of mouth breathing (MB), might induce craniocervical disorders and predispose asthmatic patients to Temporomandibular Disorders (TMD). The purpose of this study was to assess the presence and features of TMD symptoms in asthmatic children by using the Fonseca anamnestic index (1994). The sample consisted of 30 asthmatic children (7.97± 2.58 years old) who were submitted to TMD evaluation by the use of Fonseca index, and were classified as mouth-breathing children in accordance to Emerson and Cordeiro (1993). Statistical analysis was performed using Chi-square test and Z-test (Mann Whitney U-test, p£0,05). Results show that more than 93% of the patients presented TMD symptoms and a great number of patients were classified as showing mild TMD. Temporomandibular joint pain as well as difficulty during mouth opening were significantly more frequently in asthmatic girls than in boys. Mouth breathing was observed in 90% of the patients and MB degree was proportional to TMD severity. Such results suggest that asthma features, like mechanical respiratory dysfunction and mouth breathing, could be related to the development of TMD symptoms in asthmatic children. Hence a TMD evaluation must be part of the physical therapy program designed for asthmatic children.

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Avaliação anamnesica de sintomas de disfunçâo temporomandibular em crianças asmáticas

Anamnestic evaluation of temporomandibular dysfunction symptoms in asthmatic children

Thais Cristina Chaves1 Dirceu Costa2 Débora Beviláqua Grossi5 Fabiana Bertolli

1 Fisioterapeuta; Mestranda na F M R P - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto / U S P

2 Fisioterapeuta; Prof, do Departamento de Fisioterapia da UFSCar -Universidade Federal de São Carlos

3 Fisioterapeuta; Profa do Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor da F M R P / U S P

4 Bolsista de Iniciação Científica - FAPESP

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA:

Débora Beviláqua Grossi Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP Campus Universitário 14049-900 Ribeirão Preto SP Tel./fax (16) 602 4413, 633 0336 e-mail: [email protected]

DESCRITORES:

Transtornos da articulação temporomandibular, Avaliação, Asma/ fisiopatologia, Crianças

KEYWORDS:

Temporomandibular joint disorders, Evaluation, Asthma/physiopathology, Children

Este trabalho traz resultados de Projeto de Iniciação Científica financiado pela FAPESP (Processos 03/12382-3 e 03/ 07771-0)

RESUMO: N a cr iança asmática as alterações sinunasais relacionadas à respiração bucal (RB) e o distúrbio da mecânica respiratória, levando à hiperatividade da musculatura cervical acessória da respiração, podem contribuir para o desenvolv imento de alterações dos sistemas cerv ica l e estomatognático, p red ispondo-as ao desenvo lv imen to de d is funçâo temporomandibu lar (DTM). O objetivo deste estudo foi caracterizar a presença de sintomas de D T M e m cr ianças asmáticas mediante aval iação anamnesica. U m a amostra de 30 cr ianças asmáticas (7,97±2,58 anos) foi aval iada quanto à severidade da D T M pela ap l icação do índice anamnésico de Fonseca (1994) e quanto ao grau de R B , de acordo c o m versão modif icada do critério de Emerson e Cordeiro (1993). O s resultados mostram que mais de 9 3 % dos pacientes apresentaram sintomas de D T M e que a maioria dos pacientes caracterizam-se c o m o apresentando disfunções leves. As meninas apresentaram maior f reqüênc ia d e dor na a r t i cu lação temporomand ibu la r , b e m c o m o de dif iculdade na abertura da boca, e m relação aos meninos. A R B apresentou-se e m mais de 9 0 % dos pacientes e o grau de R B variou proporcionalmente e m relação à severidade da D T M . O s dados sugerem que a hiperatividade da musculatura cervical acessória da respiração e a respiração bucal podem estar re lac ionadas ao desenvo lv imento de D T M na cr iança asmática e, portanto, a aval iação dos sintomas de D T M deve fazer parte dos programas de fisioterapia destinados a esses pacientes.

ABSTRACT: M e c h a n i c a l resp i ra tory dys func t i on in as thma t i c c h i l d r e n , contributing to overuse the secondary respiratory muscles related to cerv ical spine and al lergic sinunasal alterations, leading to deve lopment of mouth breathing ( M B ) , might induce c ran iocerv ica l disorders and predispose asthmatic patients to Temporomandibular Disorders (TMD) . The purpose of this study w a s to assess the presence and features of T M D symptoms in asthmat ic ch i ldren by using the Fonseca anamnest ic index (1994). The sample consisted of 30 asthmatic chi ldren (7.97± 2.58 years old) w h o w e r e submitted to T M D evaluat ion by the use of Fonseca index, and we re classi f ied as mouth-breath ing ch i ldren in a c c o r d a n c e to Emerson and Cordei ro (1993). Statistical analysis w a s performed using Chi-square test and Z-test ( M a n n W h i t n e y U-test, p£0,05). Results show that more than 9 3 % of the patients presented T M D symptoms and a great number of patients w e r e classified as showing mi ld T M D . Temporomandibular joint pain as we l l as difficulty during mouth opening w e r e significantly more frequently in asthmatic girls than in boys. Mou th breathing w a s observed in 9 0 % of the patients and M B degree w a s proportional to T M D severity. S u c h results suggest that asthma features, l ike m e c h a n i c a l respiratory dysfunction and mouth breathing, cou ld be related to the development of T M D symptoms in asthmatic chi ldren. H e n c e a T M D evaluat ion must be part of the physical therapy program designed for asthmatic chi ldren.

Introdução A influência de padrões respirató­

rios inadequados no posicionamento

mandibular e cervical tem sido am­

plamente abordada na literatura! /2/3.

Nos pacientes com asma, doença res­

piratória crônica que se caracteriza

por crises de broncoconstrição resul­

tando em ampla d iminuição do diâ­

metro de seção transversa dos brôn-

qu ios 4 , o distúrbio da mecânica res­

piratória pode levar ao uso inade­

quado dos músculos acessórios da

respiração, resultando no desenvol­

vimento de alterações importantes

da coluna cerv ica l^ que, por sua vez,

podem contribuir para o desenca-

deamento de alterações do sistema

estomatognáticol.

Nas crianças asmáticas ainda se

deve considerar a relação entre a

asma e as doenças alérgicas do na­

riz e seios paranasals, diretamente

re lac ionadas ao desenvo lv imento

da respiração bucal . Assim, as alte­

rações den to fac ia i s , m u s c u l o e s -

queléticas e craniocervicais relativas

à respiração b u c a H / 2 , 6 , 7 podem

também estar vinculadas ao desen­

volvimento de disfunção temporo­

mandibular ( D T M ) .

A D T M caracterizase como um

termo genérico, referido a um gran­

de número de condições clínicas que

envolvem as estruturas relativas ao

sistema estomatognático, sendo uti­

lizado para definir disfunção da arti­

culação temporo-mandibular (ATM)

e dos músculos mastigatóriosS. A

etiologia da D T M é tida como mul-

tifatorial, podendo estar vinculada a

macro e microtraumas, problemas

posturais, má oclusão, alteração fun­

cional dos músculos mastigatórios e

estresse psicológico^.

O s índices anamnésicos têm sido

amplamente util izados na literatu­

r a ^ 0,11,12, 13,14 desempenhan­

do papel importante na caracteriza­

ção e classificação de pacientes com

D T M . Na tentativa de definir um cri­

tério diagnóstico de pesquisa para

c lass i f i ca r pac ien tes c o m D T M ,

Dworkin e Le Resche! ! desenvolve­

ram um d e t a l h a d o ques t i oná r io

anamnésico diagnóstico; entretanto,

por se tratar de um instrumento ex­

tenso e complexo, pode não ser apl i­

cável em crianças, além de ter sido

val idado em outra cultura, necessi­

tando, portanto, de uma val idação

em língua portuguesa para possível

ap l i cação em estudos brasi leiros.

Fonseca! 2 preocupou-se com o de­

senvolvimento de um índice anam­

nésico para aval iação da D T M adap­

tado à população brasileira, que fos­

se de fácil compreensão e apl icação,

podendo ser apl icado na faixa etária

pediátrica com maior chance de su­

cesso. Forte correlação foi observa­

da entre o índice anamnésico de Fon­

s e c a ^ , 1 3 e o í nd i ce c l í n i co de

He lk imo15 / freqüentemente citado

na literatura.

Tendo em vista as possíveis rela­

ções entre D T M e asma e a escassez

de trabalhos sobre esse tema, o ob­

jetivo deste estudo foi caracterizar a

presença dos sintomas de D T M por

meio da apl icação do índice anam­

nésico de Fonseca^ 3 e m cr ianças

asmáticas.

Metodologia A amostra foi constituída de 30

cr ianças asmáticas com média de

idade de 7,97 ± 2,58 anos, com varia­

ção de idade de 4 a 12 anos, sendo

15 do sexo masculino (7,67 ± 2,53

anos) e 15 do sexo feminino (8,27 ±

3,45 anos). Todos os pacientes tinham

sido encaminhados à clínica de Fisio­

terapia Respiratória da Universidade

Federal de São Carlos (UFSCar) com

diagnóstico cl ínico de asma.

Foram excluídos pacientes c o m

doenças musculoesqueléticas sistê­

micas que pudessem levar ao envol­

vimento das ATMs, história de fratu­

ras mandibulares ou cirurgia ortogná-

tica, além das que estivessem reali­

zando tratamento ortodôntico.

Este estudo foi aprovado pelo Co­

mitê de Ética da U F S C a r e os respon­

sáveis pelos pacientes assinaram ter­

mo de consentimento formal e es­

clarecido, após o completo esclare­

cimento da natureza e objetivos do

estudo.

O questionário anamnésico pro­

posto por Fonseca^ 2,13 foi aplica­

do nas crianças asmáticas para ava­

liar a presença e a severidade dos

sintomas de D T M . U m único exami-

nador não-cego previamente treina­

do apl icou os questionários sob a

forma de entrevista; as perguntas fo­

ram direcionadas para que a criança

respondesse; no entanto, quando a

criança não entendesse a pergunta,

o responsável deveria interceder para

melhorar a compreensão da crian­

ça, evitando-se assim a influência do

examinador.

O instrumento permitiu a classifi­

cação dos pacientes nos graus de

severidade de sintomas de D T M leve,

moderada, severa e sem D T M ; cons­

titui-se de 10 questões com três pos­

sibilidades de resposta: sim (10 pon­

tos), às vezes (5 pontos) e não (0 pon­

tos). Especif icamente, a questão 8

pergunta aos pacientes e seus res­

ponsáveis quanto à presença de há­

bito parafuncional (ranger de dentes

noturno associado a desgaste dentá­

rio, apertamento diurno, roer unhas

etc.) e, portanto, contou com a par­

t icipação dos responsáveis, que de­

veriam nesse momento responder a

pergunta. O Quadro 1 apresenta o

questionário, o índice anamnésico

obtido por meio deste, bem como os

intervalos de pontuação específicos

para classificação dos pacientes em

graus de severidade de sintomas de

D T M .

O s vo lun tá r ios t a m b é m foram

submetidos a uma aval iação c l ín i ­

ca e classificados quanto à presen­

ça e grau de respiração bucal , de

acordo com versão modif icada dos

critérios de Emerson e Corde i ro 1 6 ,

relato positivo dos pais ou respon­

sável e perda de selamento labial

durante entrevista. O s pac ien tes

eram atribuídos a cada grupo à me­

dida que seu quadro c l ín ico c o m ­

preendesse a maior parte dos e le­

mentos de cada categoria. Assim,

cons iderando que cada categoria

compreendia até c inco elementos,

se o paciente apresentasse três as­

pectos da categoria leve e apenas

dois da moderada, seria classifica­

do c o m o resp i rador b u c a l l e v e .

Sempre o mesmo examinador rea­

lizava as aval iações para classificar

os pacientes nos diferentes grupos

de severidade (Quadro 2). Dev ido

ao caráter qualitativo dos dados des­

te estudo, testes não-paramétricos

foram apl icados. Para comparação

das porcentagens entre os grupos

d iv id idos quanto à sever idade e

quanto ao sexo foi util izado o teste

de Quiquadrado (p<0.05) conside­

rando como valor esperado a mé­

dia das porcentagens do valor ob­

servado entre as variáveis compa­

radas nos grupos considerados. O

teste-Z (Mann Whi tney, p<0.05) foi

uti l izado para comparar os valores

obtidos na pontuação dos itens do

questionário e as diferenças entre os

grupos d iv id idos quanto ao sexo.

O pacote estatístico utilizado foi o

Statistica versão 5.5.

Resultados

C o m o mostra o Gráf ico 1 , ape­

nas 6,7% dos pacientes não apre­

sentaram sintomas de D T M e 93,4%

dos pacientes foram classif icados

com algum grau de D T M , com fre­

qüência estatisticamente significa­

tiva de sintomas de D T M leve em

relação às demais categorias. Q u a n ­

to às diferenças entre os sexos na

classificação quanto à severidade da

disfunção, foi observada freqüência

significativa de sintomas de D T M

leve em ambos os grupos. Nenhu­

ma das meninas asmáticas foi clas­

sificada como não-portadora de sin­

tomas de D T M nem portadora de

sintomas severos, enquanto no gru­

po mascul ino 13,4% não apresen­

taram sintomas de D T M (Gráf ico 1).

Ainda na comparação entre os se­

xos, foram observadas diferenças sig­

nificativas na porcentagem de pacien­

tes que responderam positivamente

a determinados itens do questioná­

rio: com relação à dor na A T M , 40%

das meninas e apenas 6,7% dos me­

ninos relataram a queixa (pontuação

média intragrupo de 4,00 ± 5,07,

p=0,03) e 2 0 % das meninas e ne­

nhum dos meninos mencionaram ter

dificuldade na abertura da boca (pon­

tuação média intragrupo de 2,00 ±

0,00, p < 0,001).

Na análise das diferenças quanto

aos itens do questionário entre os

grupos de D T M moderada e leve,

como mostra a Tabela 1 , foi verif i­

cada freqüência significativa no gru­

po de pacientes com D T M modera­

da, em relação aos pacientes com

D T M leve, dos seguintes sintomas:

dif iculdade na abertura da boca e

lateralidade mandibular, dor duran­

te mastigação, dor de cabeça, dor

na nuca ou torcicolo, dor e ruídos

na A T M , enquanto que parafunção,

relato de tensão, dor na A T M e sen­

sação de que os dentes não se arti­

cu lavam bem não apresentaram di­

ferenças estatisticamente significa­

tivas quando comparados os grupos

de D T M leve e moderada (Tabela 1).

Na comparação entre as pontua­

ções do índice anamnésico entre os

grupos com sintomas de D T M mo­

derada e leve, foi observado que o

grupo com sintomas de D T M mode­

rada apresentou pontuações signifi­

cativamente maiores nos itens difi­

culdade para abrir a boca e latera­

lizar a mandíbula, dor na mastiga­

ção, dor de cabeça freqüente, torci­

colo, dor na nuca e ruídos na A T M

(Tabela 2).

Como ilustrado no Gráf ico 2, com

base na análise da inter-relação dos

itens do questionário, foi observado

que mais de 70% dos pacientes com

dificuldade nos movimentos mandi­

b u l a r s (n=8), dor na mast igação

(n=7) e dor e ruídos na A T M (n=12)

também relataram parafunção e ten­

são. O s pacientes que relataram di­

ficuldade na lateralidade (n=7), dor

na mastigação e dor na A T M (n=7)

também relataram, em mais de 70%

dos casos, dores de cabeça freqüen­

tes; e mais de 8 5 % dos pacientes que

mencionaram dor na mastigação re­

lataram ter a sensação de que seus

dentes não se articulavam bem (Grá-

fico 2). A lém disso, todos os pacien­

tes que referiram ter dor na A T M

(n=7) apresentaram também dor na

região cervical (Gráf ico 2); e 7 5 %

(n=6) dos pacientes com D T M mo­

derada (n=8), comparados a 10,50%

(n=2) com D T M leve (n=19), relata­

ram sentir dor na região cervical (Ta­

bela 2).

A caracterização das crianças as-

máticas quanto à presença de respi­

ração bucal mostra que 90% (27) dos

pacientes foram classificados como

respiradores bucais, sendo que 7 5 %

dos pacientes com sintomas de D T M

moderada (n=8) foram classificados

como portadores de respiração bucal

grave e apenas 26,3% dos asmáticos

portadores de sintomas de D T M leve

(n=19) foram caracterizados como

respiradores bucais graves, mostran­

do que o grau de respiração bucal

acompanhou a severidade dos sinto­

mas de D T M . O hábito de ranger os

dentes ou a abrasão dentária

foi observado e m 4 2 , 1 %

(n=9) dos pacientes com sin­

tomas de D T M leve e 50%

(n=4) daqueles com sintomas

de D T M moderada. O único

paciente c o m sintomas de

D T M severa também apre­

sentou sinais de bruxismo;

dessa maneira, em quase

metade (n=14) da amostra

total de pacientes foram ob­

servados sinais de bruxismo.

Discussão

O objetivo deste estudo

foi caracterizar a presença de

sintomas de D T M em crian­

ças asmáticas mediante a

apl icação do índice anam­

nésico proposto por Fonse­

c a ^ . Além de constituir uma

ferramenta simples, esse ín­

dice mostrou aplicabilidade

na faixa etária pediátr ica,

considerando-se ainda o fato

de se tratar de um instrumen­

to brasileiro e, assim, adap­

tado a nossa p o p u l a ç ã o ,

como demonstrado por Pe-

droni eí a\}^, que ressalta­

ram sua simplicidade de apli­

cação e capacidade de dis­

tinguir os graus de severida­

de das amostras estudadas.

Quanto à caracterização da amos­

tra, a freqüência de sintomas de D T M

em mais de 90% dos pacientes estu­

dados evidencia que os dados deste

trabalho se encontram acima da mé­

dia dos valores da porcentagem de

sintomas relatados em outros estu­

dos que avaliaram D T M em crianças

não-asmáticas, como por exemplo

Thilander et a/.9, que relataram pre­

sença de sinais e sintomas de D T M

usando o índice de Helkimo15 em

2 5 % da população de crianças colom­

bianas normais aval iadas. Usando

também o índ ice Anamnés ico de

He lk imo 1 ^ , Sonnesen etal7 consta­

taram que, das 96 crianças normais

avaliadas, 3 5 % apresentaram classi­

ficação leve ou severa para D T M . Es­

ses dados sugerem que a freqüência

dos sintomas de D T M parece ser

maior em crianças asmáticas em re­

lação a crianças não-asmáticas. No

entanto, a comparação entre os resul­

tados do presente estudo e os dados

ac ima mencionados deve ser feita

com reserva, devido às diferenças nas

ferramentas anamnésicas utilizadas, já

que o índice anamnésico de Fonseca

caracter iza apenas a presença de

sintomas e não de sinais clínicos de

D T M . Assim, estudos futuros devem

comparar as diferenças na freqüência

de sintomas e sinais clínicos de D T M

em crianças asmáticas comparadas a

um grupo controle (de crianças não-

asmáticas) aplicando o índice anam­

nésico proposto por Fonseca, a fim de

se confirmarem os resultados deste es­

tudo e verificar os efeitos do quadro

clínico da asma no desenvolvimento

de sintomas de D T M . O objetivo do

presente estudo foi caracterizar os sin­

tomas de D T M em crianças asmáti-

cas - e não averiguar a freqüência

desses sintomas em relação a uma po­

pulação de não-asmáticas.

O relato de sintomas de D T M pa­

rece ser mais comum entre meni ­

nas do que entre men inos ,^ / 1 7. O s

resultados observados neste estudo,

quanto às diferenças na freqüência

de D T M entre os sexos, revelaram

que alguns sintomas de D T M são

comumente observados no sexo fe­

minino, confirmando os achados de

Thilander e t a / . ^ e Alamoudi et a / J 8 ,

que observaram maior prevalência

de sinais e sintomas de D T M em crian­

ças não-asmáticas do sexo femini­

no. N o entanto, na caracterização

quanto à severidade dos sintomas de

D T M nos grupos feminino e mascu­

lino, os sintomas de D T M leve fo­

ram significativamente mais preva-

lentes, evidenciando que, apesar da

diferença entre os sexos no relato de

alguns sintomas de D T M , não foram

observadas diferenças significativas

entre os sexos quanto à severidade

desses sintomas.

Observou-se também, no presen­

te estudo, que a porcentagem de pa­

cientes que referiram a percepção de

que seus dentes "não se articulam

bem" não se mostrou significativa­

mente diferente entre os grupos de

pacientes classificados com sintomas

de D T M leve e moderada. Esses re­

sultados podem sugerir que altera­

ções oclusais percebidas pelo pacien­

te tenham um peso menor na deter­

minação da severidade dos sintomas

de D T M relatados por crianças as-

máticas. Entretanto, mais de 8 5 % dos

pacientes que referiram ter dor du­

rante a mastigação também relataram

a sensação de que seus dentes "não

se articulam bem" . O papel das alte­

rações oclusais no desencadeamento

da D T M ainda é um tema controver­

so 1 9; m a s o objetivo do presente es­

tudo não foi avaliar a existência e

papel das a l terações oc lusa is no

desenvolvimento de sintomas de D T M

em crianças asmáticas e sim carac­

terizar a presença desses sintomas

nesses pacientes, ou seja, quantificar

a pe rcepção quanto a a l terações

oclusais, enfatizando que essa "per­

cepção de má oclusão" parece não

estar relacionada com o grau de se­

veridade dos sintomas de D T M em

crianças asmáticas e não-asmáticas.

Dessa maneira, estudos posteriores

devem ser conduzidos para avalia­

ção da presença de alterações oc lu­

sais em cr ianças asmát icas e sua

inter-relação com a presença de sin­

tomas de D T M .

O relato positivo de parafunção e

de se autodenominar "uma pessoa

tensa" foi observado em mais de 70%

dos pacientes com dif iculdade nos

movimentos mandibulares e dor na

mastigação, bem como dor e ruídos

na A T M , sugerindo um componente

emocional importante no desenvolvi­

mento de sintomas de D T M em crian­

ças asmáticas. Esses achados podem

estar relacionados com o alto nível

de estresse ao qual a criança asmáti-

ca está submetida, tanto no período

intra quanto inter-crise; considerando

a cronicidade da asma, a qualidade

de vida desses pacientes pode estar

severamente a fe tada 2 ^ . A presença

de bruxismo como parafunção em

4 6 % dos pacientes avaliados pode

estar relacionada ao estresse e aos sin­

tomas de D T M nas crianças asmáti­

cas; todavia, entre os grupos de seve­

ridade de sintomas de D T M , não foi

observada diferença na presença do

hábito. A f reqüência de sinais de

bruxismo no presente estudo mostrou-

se maior quando comparada aos re­

sultados de Thilander eí a/.9, que re­

lataram, por avaliação clínica, presen­

ça de parafunção em 2 3 % e 35%, das

crianças normais avaliadas.

Neste estudo a observação de que

todos os pacientes que referiram dor

na A T M também mencionaram pre­

sença de sintomatologia dolorosa

cerv ica l sugere possíveis relações

entre alterações dos sistemas estoma-

tognático e cervical em crianças as­

máticas. Na asma, o uso da muscu­

latura acessória cervical da respira­

ção (músculos esternocleido-mastói-

deos, escalenos e trapézio superior)

durante as "crises de falta de ar" e a

manutenção desse padrão inadequa­

do mesmo no período inter-crise,

pode levar a alterações na postura da

coluna cervical e cabeça^ . A lém dis­

so, a respiração bucal foi observada

em 90% dos pacientes estudados,

podendo estar relacionada ao desen­

volvimento dos sintomas de altera­

ções funcionais dos sistemas estoma-

tognát ico 2 ' ^ e cerv ica l^ nesses pa­

cientes, sem mencionar o fato de que

a respiração bucal mostrou relação

direta com a severidade dos sintomas

de D T M .

Alterações no posicionamento da

cabeça em pacientes c o m distúr­

bios respiratórios e doenças alérgi­

cas têm sido verificadas na literatu­

r a 2 1 /22,23 Wenze l eí a l . 2 ^ obser­

varam alteração no posicionamento

da cabeça em crianças asmáticas e

a lé rg icas após admin is t ração de

corticosteróide intranasal, verif ican­

do diminuição da resistência nasal e

aumento da flexão da cabeça quan­

do comparadas ao grupo tratado com

p lacebo. O aumento na at ividade

elétrica dos músculos acessórios da

respiração (trapézio superior e ester-

nocleidomastóideo) foi observado no

estudo de Ribeiro et al.^ em crian­

ças respiradoras bucais durante ins­

piração nasal, quando comparadas

a respiradoras nasais. Tendo em vis­

ta as possíveis influências da respi­

ração bucal e da hiperatividade da

musculatura cerv ica l acessória da

resp i ração no quadro c l í n i co da

asma, que por sua vez poderiam le­

var a sintomas de alterações no sis­

tema estomatognático, pode-se ex­

plicar as relações entre a gravidade

da respiração bucal , a presença de

sintomatologia dolorosa cervical e a

presença de sintomas de D T M nos

pacientes asmáticos. Entretanto, es­

tudos posteriores devem ser condu­

zidos a fim de se averiguar a associa­

ção entre esses fatores.

Conclusão Na caracterização das crianças as-

máticas quanto ao relato de sintomas

de D T M , pôde-se observar freqüên­

cia significativa de sintomas de D T M

leve, sugerindo que tais sintomas po­

dem estar relacionados ao uso ex­

cess ivo da muscu la tu ra c e r v i c a l

acessória da respiração e à presen­

ça de respiração bucal nesses pacien­

tes. N o entanto, em estudos posterio­

res, a ut i l ização de um índice de

disfunção c l ín ica , e não somente

anamnésico, para aval iação da D T M

pode trazer informações comp le -

mentares quanto à presença, carac­

terísticas e freqüência dos sintomas

e sinais clínicos de D T M em crian­

ças asmáticas. O s achados deste es­

tudo sugerem que os programas de

fisioterapia para a criança asmática

sejam d i rec ionados não somente

para avaliação das condições cardior-

respiratórias, mas também se preo­

cupem com a aval iação dos sinais e

sintomas de D T M em crianças asmá­

ticas. Estudos futuros devem ser con­

duzidos comparando-se estes resul­

tados em relação a um grupo con­

trole de crianças não-asmáticas, para

se averiguar a propensão dos asmá­

ticos ao desenvolvimento de sinto­

mas de D T M .

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