assassins creed: a cruzada secreta - tumblr · 2013. 8. 15. · cip-brasil. catalogaÇÃo na fonte...

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  • Obras do autor publicadas pela Editora Record

    Série Assassin’s CreedRenascençaIrmandade

    A cruzada secreta

  • Tradução deDomingos Demasi

  • CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    Bowden, OliverB782c

    A cruzada secreta / Oliver Bowden; tradução deDomingos Demasi. – Rio de Janeiro: Galera Record,2012.

    (Assassin’s creed; 3)

    Tradução de: The Secret CrusadeISBN 978-85-01-40131-1

    1. Assassinos - Ficção. 2. Ficção inglesa 3. Livroseletrônicos. I. Demas, Domingos. II.Título. III. Série.

    12-5966

    CDD: 823CDU: 821.111-3

    Título original em inglês:

  • Assassin’s Creed: The Secret Crusade

    Copyright © 2012 Ubisoft Entertainment. Todos os direitosreservados.

    Assassin’s Creed, Ubisoft e logo da Ubisoft são marcasregistradas de Ubisoft Entertainment nos Estados Unidos e/ou

    em outros países.

    Publicado mediante acordo com Penguin Books LTD.

    Todos os direitos reservados.Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de

    quaisquer meios. Os direitos morais do autor foramassegurados.

    Composição de miolo: Abreu’s System

    Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da LínguaPortuguesa.

    Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesasomente para o Brasil adquiridos pela

    EDITORA RECORD LTDA.Rua Argentina 171 – Rio de Janeiro, RJ – 20921-380 – Tel.:

    2585-2000que se reserva a propriedade literária desta tradução.

  • Produzido no Brasil

    ISBN 978-85-01-40131-1

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    Atendimento e venda direta ao leitor:[email protected] ou (21) 2585-2002.

  • Prólogo

    O majestoso navio rangia e gemia; asvelas estavam abauladas, enfunadas pelovento. Há dias longe da terra, ele repartiao oceano em direção à grande cidade dooeste, levando uma carga preciosa: umhomem — um homem que a tripulaçãoconhecia apenas como o Mestre.

    Estava entre eles agora, sozinho noconvés do castelo de proa, onde baixara ocapuz do manto para deixar que a água domar batesse no corpo, sentindo-a com orosto contra o vento. Ele fazia isso umavez por dia. Saía de sua cabine e subiapara caminhar pelo convés, escolhia um

  • local para contemplar o mar, entãovoltava para baixo. Às vezes ficava noconvés do castelo de proa, às vezes noconvés do tombadilho. Sempre encarava omar cristado de branco.

    Todos os dias a tripulação oobservava. Eles trabalhavam, chamandouns aos outros no convés e no cordame,cada qual com um serviço a fazerenquanto a todo momento furtavamolhares à figura solitária e pensativa. Eeles se perguntavam “Que tipo de homemera ele?”, “Que tipo de homem estava emmeio a eles?”.

    Agora o estudavam discretamente,enquanto o homem se afastava dabalaustrada do convés e colocava ocapuz. Ele permaneceu ali por ummomento com a cabeça baixa, os braços

  • soltos próximos ao corpo, enquanto atripulação o observava. Alguns talvez atémesmo tenham empalidecido quando elecaminhou ao longo do convés, passou poreles e voltou para sua cabine. E quando aporta se fechou às suas costas, cada umdos homens descobriu que estiveraprendendo a respiração.

    Lá dentro, o Assassino voltou à suaescrivaninha e sentou-se, enchendo umataça de vinho antes de pegar um livro epuxá-lo em sua direção. Então o abriu. Ecomeçou a ler.

  • P A R T E U M

  • I

    19 de junho de 1257

    Maffeo e eu permanecemos em Masyaf econtinuaremos aqui por enquanto. Pelomenos até uma ou duas — como possodizer? — incertezas serem resolvidas.Enquanto isso, estamos sob as ordens doMestre, Altaïr Ibn-La’Ahad. Frustrado porceder o domínio dos nossos destinosdesse modo, principalmente para o líderda Ordem, o qual em sua idade avançadamaneja a ambiguidade com a mesmaprecisão cruel com que outrora manejavaespadas e adagas, eu pelo menos tenho o

  • benefício de compartilhar de suashistórias. Maffeo, no entanto, não possuital vantagem e tem ficado cada vez maisinquieto. É compreensível. Está cansadode Masyaf. Não gosta de percorrer asencostas íngremes entre a fortaleza doAssassino e a aldeia abaixo, e o terrenomontanhoso é pouco atraente para ele.Maffeo diz que é um Polo, e após seismeses aqui, o desejo de viajar é como ochamado de uma mulher cheia de curvas:persuasivo e tentador demais para serignorado. Ele anseia por estufar as velas epartir para novas terras, deixando Masyafpara trás.

    Falando muito francamente, suaimpaciência é um tormento sem o qualposso viver. Altaïr está à beira de fazerum pronunciamento. Posso sentir isso.

  • Então, hoje declarei:— Maffeo, vou te contar uma história.Que modos os desse homem. Somos

    realmente parentes?, pergunto a você. Eucomeço a duvidar. Pois, em vez dereceber essa notícia com um entusiasmoque claramente se justificaria, poderiajurar que o ouvi bufar (ou talvez devaacreditar que ele podia simplesmenteestar sem ar por causa do sol quente),antes de me pedir em um tom bastanteexasperado:

    — Antes que me conte, Niccolò, vocêse importaria em me dizer do que se trata?

    No entanto, continuei:— Essa é uma boa pergunta, irmão —

    respondi, e pensei um pouco sobre oassunto enquanto seguíamos nossocaminho, subindo pela terrível encosta.

  • Acima de nós a cidadela pairavasombriamente no promontório, como setivesse sido talhada no próprio calcário.Eu tinha decidido que queria o cenárioperfeito para contar minha história, e nãohavia lugar mais apropriado do que afortaleza de Masyaf. Um casteloimponente com muitas torres e cercadopor rios reluzentes, que ocupava umaposição de destaque diante damovimentada aldeia abaixo, oassentamento em um ponto alto dentro doVale do Orontes. Um oásis de paz. Umparaíso.

    — Eu diria que é sobre conhecimento— decidi finalmente. — Assasseen, comosabe, representa “guardião” em árabe; osAssassinos são os guardiães dossegredos, e os segredos que guardam são

  • de conhecimento, portanto, sim... — Semdúvida pareci muito satisfeito comigomesmo — É sobre conhecimento.

    — Então receio ter um compromisso.— Ah?— Eu com certeza acolheria muito bem

    uma distração dos meus estudos, Niccolò.Mas não desejo um aumento deles.

    Sorri.— Certamente quer ouvir as histórias

    que me foram contadas pelo Mestre.— Isso depende. O seu discurso faz

    com que elas soem menos do queinteressantes. Sabe quando você diz quetenho tendência a gostar mais decrueldade nas histórias que você meconta?

    — Sim.Maffeo deu um meio sorriso.

  • — Bom, tem razão, tendo mesmo.— Então terá isso também. Afinal, são

    os relatos do grande Altaïr Ibn-La’Ahad.Essa é a história da vida dele, irmão.Acredite em mim, não vão faltaracontecimentos, e muitos deles, vocêficará feliz em perceber, têmderramamento de sangue.

    Agora tínhamos subido o antemuro paraa parte externa da fortaleza. Passamos porbaixo da arcada e atravessamos o postode guarda, subindo novamente ao irmosem direção ao castelo no interior. Adiantede nós estava a torre na qual ficava osaposentos de Altaïr. Por semanas eu ovisitei ali e passei incontáveis horas aoseu lado, extasiado, enquanto ele sesentava com as mãos entrelaçadas e oscotovelos sobre os braços da cadeira alta

  • contando suas histórias, com os velhosolhos mal podendo ser vistos sob o capuz.E cada vez mais me dava conta de queaquelas histórias estavam sendo contadaspara mim com um propósito. Que, poralgum motivo, ainda incompreensível paramim, eu fora escolhido para ouvi-las.

    Quando não contava as histórias, Altaïrrefletia entre livros e lembranças, àsvezes olhando fixamente por longas horaspara fora da janela da sua torre. Ele agoradevia estar lá, pensei, e enganchei opolegar sob a faixa do meu gorro, opuxando de volta e sombreando os olhospara enxergar a torre acima, não vendonada além da pedra descorada pelo sol.

    — Temos uma audiência com ele? —Maffeo interrompeu meus pensamentos.

    — Não, hoje não — respondi,

  • apontando então para uma torre à nossadireita. — Vamos lá para cima...

    Maffeo franziu a testa. A torre dedefesa era uma das mais altas da cidadela,e era alcançada por uma série devertiginosas escadas, muitas das quaisparecendo precisar de reparos. Mas euera insistente e enfiei a túnica no cinto,conduzindo em seguida Maffeo acimapara o primeiro nível, depois para oseguinte e finalmente ao topo. De láavistamos toda a zona rural. Quilômetrose quilômetros de terreno escarpado. Rioscomo veias. Agrupamentos de povoados.Olhamos para Masyaf: da fortaleza paraas edificações e os mercados da vastaaldeia lá embaixo, a paliçada de madeirada defesa externa e do estábulo.

    — O quão alto estamos? — perguntou

  • Maffeo, parecendo um pouco nauseado,sem dúvida consciente de estar sendoesmurrado pelo vento e de que agora ochão parecia muito, muito distante.

    — Uns oitenta metros — respondi. —Alto o bastante para deixar os Assassinosfora do alcance de arqueiros inimigos...mas o bastante também para permitir quefaçam chover flechas e muito mais sobreeles.

    Mostrei a ele as aberturas que noscercavam por todos os lados.

    — Daqui, dos balestreiros, elespoderiam jogar pedras ou óleo sobre oinimigo, usando estas... — Plataformas demadeira se projetavam para fora e nosmovíamos agora por uma delas segurandoem apoios verticais de ambos os lados enos inclinando para olhar para baixo.

  • Diretamente sob nós, a torre precipitava-se na borda do despenhadeiro. Ainda maisabaixo, estava o rio reluzente.

    Com o sangue sendo drenado do rosto,Maffeo recuou para a segurança do chãoda torre. Eu ri, fazendo o mesmo (e noíntimo contente por fazer isso, já que eumesmo me sentia um pouco tonto eenjoado, verdade seja dita).

    — E por que você nos trouxe até aqui?— perguntou Maffeo.

    — É onde minha história começa —falei. — De mais de um jeito. Pois foidaqui que o vigia viu a força invasorapela primeira vez.

    — Força invasora?— Sim. O exército de Salah Al’din,

    também conhecido como Saladino. Eleveio fazer o cerco a Masyaf, para derrotar

  • os Assassinos. Oitenta anos atrás, em umdia claro de agosto. Um dia muitoparecido com o de hoje...

  • 2

    Primeiro, o vigia percebeu as aves.Um exército em movimento atrai

    comedores de carniça. Principalmente dotipo que tem asas, que mergulha sobrequalquer resto deixado para trás: comida,dejetos e carcaças, tanto de cavalo quantohumana. Em seguida, ele viu a poeira. Eentão uma vasta mancha escura surgiu nohorizonte, projetando-se à frente aospoucos, tragando tudo que estava à vista.Um exército ocupa, rompe e destrói apaisagem; é uma besta-fera gigante efaminta que consome tudo em seu caminhoe, na maioria dos casos — como Salah

  • Al’din estava bem ciente —, a mera visãodela era o bastante para levar o inimigo ase render.

    Não dessa vez, porém. Não quandoseus inimigos eram os Assassinos.

    Para a campanha, o líder sarracenoconvocara uma modesta força de dez milsoldados de infantaria, cavalaria eseguidores. Com eles, planejava esmagaros Assassinos, que já haviam cometidodois atentados à sua vida e certamente nãofracassariam uma terceira vez.Pretendendo levar a batalha para a portadeles, o sarraceno conduziu seu exércitopara as montanhas de An-Nusayriyah e àsnove cidadelas dos Assassinos que havialá.

    Chegaram mensagens a Masyaf de queos homens de Salah Al’din tinham

  • saqueado a zona rural, mas que nenhumdos fortes havia sucumbido. E que SalahAl’din estava a caminho de Masyaf com apretensão de conquistá-la e reivindicar acabeça do líder Assassino, Al Mualim.

    Salah Al’din era considerado um líderbrando e imparcial, mas se enfurecia comos Assassinos tanto quanto se intimidava.Segundo os relatos, seu tio, ShihabAl’din, o aconselhou a oferecer umacordo de paz. Ter os Assassinos a seulado, e não contra, era o raciocínio deShihab. Mas o vingativo sultão não secomoveu, e foi assim que seu exércitofervilhou em direção a Masyaf em umradiante dia de agosto de 1176, e um vigiana torre de defesa da cidadela avistou asrevoadas de pássaros, as grandes nuvensde poeira e a mancha negra no horizonte, e

  • levou uma corneta aos lábios, soando oalarme.

    Depois de estocar suprimentos, apopulação da cidade se mudou para asegurança da cidadela, apinhando-se nospátios com os rostos marcados pelo medo,mas muitos deles montavam barracas paracontinuar a negociar. Enquanto isso, osAssassinos começaram a fortificar ocastelo, preparando-se para enfrentar oexército, observando a mancha seestender pela bela paisagem verde, agrande besta-fera alimentando-se doterreno, colonizando o horizonte.

    Eles ouviram as cornetas, os tamborese címbalos. E em pouco tempoconseguiram distinguir as figuras àmedida que se materializavam domormaço: milhares delas, eles viram. A

  • infantaria: lanceiros, arremessadores dedardos e arqueiros, armênios, núbios eárabes. A cavalaria: árabes, turcos emamelucos portando sabres, maças,lanças e espadas longas, alguns usandocotas de malha de ferro, outros, armadurasde couro. Viram as liteiras das mulheresda nobreza, os homens santos e osdesordenados seguidores na retaguarda:as famílias, as crianças e os escravos.Eles viram quando os guerreirosinvasores alcançaram a defesa externa e aincendiaram, e os estábulos também, comas cornetas ainda ressoando, os címbalosestrepitando. No interior da cidadela, asmulheres da aldeia começaram a chorar.Previam que suas casas seriam ospróximos alvos das tochas. Asedificações, porém, foram deixadas

  • intocadas e, em vez disso, o exércitoparou na aldeia, dando pouca atenção aocastelo — ou assim parecia.

    Não mandaram nenhum enviado,nenhuma mensagem; simplesmentemontaram acampamento. A maioria dastendas era negra, mas, no meio doacampamento, havia um punhado depavilhões maiores, os aposentos dogrande sultão Salah Al’din e de seusgenerais mais próximos. Ali, bandeirasbordadas esvoaçavam; as pontas dasestacas das tendas eram romãs douradas,e as coberturas dos pavilhões eram deseda colorida.

    Na cidadela, os Assassinos meditavamsobre a tática do inimigo. Salah Al’dinatacaria a fortaleza ou tentaria matá-los defome? Com o cair da noite, tiveram a

  • resposta. Abaixo deles, o exércitocomeçou a agir, reunindo os mecanismosde cerco. Fogueiras queimaram durante anoite toda. Os sons de serras e martelos seavolumavam nos ouvidos daqueles queguarneciam os bastiões da cidadela e atorre do Mestre, onde Al Mualimconvocou uma reunião com seus MestresAssassinos.

    — Salah Al’din nos foi entregue —declarou Faheem al-Sayf, um MestreAssassino. — Esta é uma oportunidadeque não pode ser desperdiçada.

    Al Mualim pensou. Olhou pela janelada torre, pensando no colorido pavilhãono qual Salah Al’din estava então sentadoplanejando sua queda — e a dosAssassinos. Pensou no grande exército dosultão e em como ele tinha devastado a

  • zona rural. Como o sultão seria mais doque capaz de reunir uma tropa ainda maiorse sua campanha fracassasse.

    Salah Al’din tinha um poderincomparável, meditou ele. Mas osAssassinos... eles tinham astúcia.

    — Com Salah Al’din morto, osexércitos sarracenos irão ruir — afirmouFaheem.

    Mas Al Mualim balançava a cabeça.— Creio que não. Shihab tomará seu

    lugar.— Ele é metade do líder que Salah

    Al’din é.— Então ele seria menos eficaz

    repelindo os cristãos — rebateu AlMualim, bruscamente. Ele às vezes secansava dos modos manhosos de Faheem.— Desejamos ficar à mercê deles?

  • Desejamos nos tornar a contragosto seusaliados contra o sultão? Somos osAssassinos, Faheem. Nosso propósito énosso. Não pertencemos a ninguém.

    O silêncio caiu sobre o aposento deodor adocicado.

    — Salah Al’din é tão cauteloso com agente quanto somos com ele — disseMualim, após uma reflexão. — Devemoscuidar para que ele se torne ainda maiscauteloso.

    Na manhã seguinte, os sarracenosempurraram um aríete e uma torre decerco encosta principal acima. E,enquanto os arqueiros montados dosturcos abriam caminho, levando umachuva de flechas à cidadela, os soldadosatacavam as muralhas externas com suasarmas de cerco, sob fogo constante dos

  • arqueiros Assassinos e com pedras e óleosendo despejados das torres de defesa.Aldeões se juntaram à batalha, atirando,dos bastiões, pedras nos inimigos eapagando os incêndios. Nos portõesprincipais, corajosos Assassinos faziamataques pelas portinholas, combatendo ainfantaria que tentava derrubá-los a fogo.O dia terminou com muitos mortos emambos os lados, mas com os sarracenosrecuando colina abaixo, acendendo suasfogueiras para a noite, consertando suasarmas de cerco e montando outras mais.

    Naquela noite, houve uma intensaagitação no acampamento e, pela manhã, oenorme pavilhão de cores brilhantes dogrande Salah Al’din foi derrubado e elepartiu, levando consigo uma pequenatropa de guarda-costas.

  • Logo depois, seu tio, Shihab Al’din,subiu a encosta para se dirigir ao Mestredos Assassinos.

  • 3

    — Sua Majestade Salah Al’din recebeusua mensagem e agradece a você muitogentilmente por ela — bradou o enviado.— Ele tem um assunto para cuidar emoutro lugar e partiu, deixando instruçõespara que Sua Excelência Shihab Al’dinconduza as conversas.

    O enviado estava parado ao lado docavalo de Shihab, com a mão em conchana boca para gritar para o Mestre e seusgenerais, que estavam reunidos na torre dedefesa.

    Uma pequena tropa havia escalado acolina, mais ou menos duzentos homens e

  • uma liteira carregada por núbios, nãomais do que a guarda de Shihab, quepermanecia montado no cavalo. Em seurosto havia uma expressão serena, comose não estivesse muito preocupado com oresultado das conversas. Ele vestia calçasbrancas largas, colete e faixa vermelhatorcida. Preso em seu enorme turbante deum branco ofuscante havia uma joiaresplandecente. Essa joia devia ter umnome ilustre, pensou Al Mualim, olhandopara baixo, do topo da torre, em direção aele. Deveria se chamar a Estrela de algoou a Rosa de alguma coisa. Os sarracenostinham o costume de nomear suasbugigangas.

    — Comece — gritou Al Mualim,sorrindo enquanto pensava, Negócios emoutro lugar, e sua mente voltava para

  • apenas poucas horas antes, quando umAssassino fora aos seus aposentos,tirando-o de um sono leve e chamando-o àsala do trono.

    — Umar, seja bem-vindo — dissera AlMualim, envolvendo o corpo com omanto, sentindo nos ossos a friagem damanhãzinha.

    — Mestre — respondera Umar, a vozbaixa e a cabeça curvada.

    — Veio me falar da sua missão? —perguntara-lhe Al Mualim.

    Ele acendeu uma lâmpada a óleo emuma corrente e então foi para sua cadeira,acomodando-se nela. Sombras moveram-se rapidamente pelo chão.

    Umar confirmou com a cabeça. Haviasangue em sua manga, notou Al Mualim.

    — A informação do nosso agente

  • estava correta?— Estava, Mestre. Fui até o

    acampamento deles e, exatamente comonos foi dito, o pavilhão espalhafatoso eraum disfarce. A tenda de Salah Al’dinficava perto, estava muito menos visível.

    Al Mualim sorriu.— Excelente, excelente. E como foi

    capaz de identificá-la?— Estava protegida, como o nosso

    espião disse que estaria, com giz e carvãoespalhados em volta para que os meuspassos fossem ouvidos.

    — E não foram?— Não, Mestre, eu consegui entrar na

    tenda do sultão e deixar a pena, como foiinstruído a mim.

    — E a carta?— Presa por uma adaga em seu catre.

  • — E depois?— Rastejei para fora da tenda...— E?Houve uma pausa.— O sultão acordou e soou o alarme.

    Mal consegui escapar vivo.Al Mualim apontou para a manga suja

    de sangue de Umar.— E isso?— Fui forçado a cortar uma garganta

    para fugir, Mestre.— Um guarda? — perguntou Al

    Mualim, esperançoso.Umar balançou tristemente a cabeça.— Ele usava um turbante e uma roupa

    de nobre.Diante disso, Al Mualim fechou os

    olhos cansados e pesarosos.— Não havia outra opção?

  • — Eu agi impulsivamente, Mestre.— Mas, fora isso, a missão foi bem-

    sucedida?— Sim, Mestre.— Então veremos o que vai acontecer

    — disse ele.O que aconteceu foi a saída de Salah

    Al’din e a visita de Shihab. E, do alto desua torre, Al Mualim se permitiraacreditar que os Assassinos tinham levadoa melhor. Que seu plano funcionara. Amensagem dele alertara o sultão para queabandonasse sua campanha contra osAssassinos, pois a próxima adaga nãoseria enfiada no seu catre, mas na suagenitália. Apenas pelo fato de terem sidocapazes de deixá-la ali, mostrava aomonarca o quanto ele era realmentevulnerável; como sua grande força nada

  • adiantava quando um único Assassinoconseguia descobrir suas armadilhas,superar seus guardas e facilmente entrardespercebido em sua tenda enquantodormia.

    E talvez Salah Al’din gostasse mais desua genitália do que de continuar seguindoem uma desgastante guerra, longa e cara,contra um inimigo cujos interesses apenasraramente entraram em conflito com osseus. Portanto partira.

    — Sua Majestade Salah Al’din aceitasua oferta de paz — disse o enviado.

    Na torre, Al Mualim compartilhou umolhar divertido com Umar, que seencontrava a seu lado. Mais distante,estava Faheem, com a boca inexpressiva.

    — Temos sua garantia de que nossaseita pode operar sem futuras hostilidades

  • e interferências nas nossas atividades? —indagou Al Mualim.

    — Desde que os interesses permitam,vocês têm essa garantia.

    — Então aceito a oferta de SuaMajestade — bradou Al Mualim,contente. — Podem retirar seus homens deMasyaf. Talvez vocês sejam bondosos obastante para consertar a nossa paliçadaantes de partirem.

    Nesse momento, Shihab olhouabruptamente para a torre acima e, apesarda grande distância, Al Mualim viu araiva flamejar nos olhos dele. Shihabcurvou-se sobre seu cavalo para falar como enviado, que ouviu, assentindo com acabeça, então pôs a mão em concha naboca de novo para mais uma vez se dirigiraos que estavam na torre.

  • — Durante a entrega da mensagem, umdos generais de confiança de Salah Al’dinfoi morto. Sua Majestade exige reparação.A cabeça do culpado.

    O sorriso deixou o rosto de Al Mualim.A seu lado, Umar ficou tenso.

    Fez-se silêncio. Apenas o bufar doscavalos. O canto dos passarinhos. Todosesperavam para ouvir a resposta de AlMualim.

    — Pode dizer ao sultão que rejeito essaexigência.

    Shihab deu de ombros. Curvou-se parafalar com o enviado, que por sua vez sedirigiu a Al Mualim.

    — Sua Excelência deseja informar que,a não ser que concorde com a exigência,uma tropa permanecerá aqui em Masyaf, eque nossa paciência é maior do que as

  • suas provisões. Queria um acordo de pazem troca de nada? Permitiria que seupovo e seus soldados morressem defome? Tudo por causa da cabeça de umúnico Assassino? Sua Excelência esperaencarecidamente que não.

    — Eu irei — cochichou Umar para AlMualim. — O erro foi meu. É justo que eupague por ele.

    Al Mualim o ignorou.— Não abrirei mão da vida de um dos

    meus homens — berrou para o enviado.— Então Sua Excelência lamenta sua

    decisão e pede que testemunhe umaquestão que agora necessita de umasolução. Descobrimos a existência de umespião em nosso acampamento, e ele deveser executado.

    Al Mualim prendeu a respiração

  • quando os sarracenos arrastaram da liteirao agente dos Assassinos. Atrás dele veioum cepo de execução que dois núbioscolocaram no chão diante do cavalo deShihab.

    O nome do espião era Ahmad. Tinhasido espancado. A cabeça — golpeada,ferida e suja de sangue — tombava sobreo peito enquanto ele era carregado para ocepo, arrastado sobre os joelhos ecolocado em cima dele com a gargantapara cima. O carrasco deu um passo àfrente: um turco carregando uma reluzentecimitarra que pousou no chão, apoiandoambas as mãos no cabo adornado comjoias. Os dois núbios seguraram os braçosde Ahmad; ele gemeu um pouco, e o somalcançou até os perplexos Assassinos noalto da torre de defesa.

  • — Deixe seu homem tomar o lugar delee esta vida será poupada, e o tratado depaz, honrado — bradou o mensageiro. —Se ele não morrer, o cerco será iniciado eseu povo morrerá de fome.

    Subitamente, Shihab ergueu a cabeçapara gritar.

    — Quer isso em sua consciência, UmarIbn-La’Ahad?

    Ao mesmo tempo, todos os Assassinosprenderam a respiração. Ahmad haviaconfessado. Sob tortura, é claro. Mashavia confessado.

    Os ombros de Al Mualim baixaram.Umar estava fora de si.— Deixe-me ir — insistiu com Al

    Mualim. — Por favor, Mestre.Abaixo deles, o carrasco deixou os pés

    afastados. Com as duas mãos, ergueu a

  • espada acima da cabeça. Ahmad puxousuas mãos fracamente das mãos que oimobilizavam. Sua garganta estavaesticada, oferecida à lâmina. Exceto pelalamúria dele, o promontório estavasilencioso.

    — Sua última chance, Assassino —gritou Shihab.

    A lâmina brilhou.— Mestre — implorou Umar —,

    deixe-me ir.Al Mualim concordou com a cabeça.— Pare! — gritou Umar, que avançou

    para uma plataforma da torre, berrandopara Shihab, abaixo. — Eu sou Umar Ibn-La’Ahad. É a minha vida que vocêsdevem tirar.

    Houve uma onda de agitação entre asfileiras de sarracenos. Shirab sorriu,

  • assentindo. Acenou para o carrasco, quese afastou, pousando mais uma vez suaespada no chão.

    — Muito bem — falou para Umar. —Venha, tome seu lugar no cepo.

    Umar virou-se para Al Mualim, queergueu a cabeça para fitá-lo com os olhosavermelhados.

    — Mestre — disse Umar —, peço-lheum último favor. Que cuide de Altaïr.Aceite-o como seu aprendiz.

    Al Mualim fez que sim com a cabeça.— Claro, Umar — disse ele. — Claro.Houve silêncio pela cidadela enquanto

    Umar descia as escadarias da torre,depois desceu a encosta pelo antemuro,passou sob a arcada e foi até o portãoprincipal. Uma sentinela se adiantou paraabrir a portinhola, e Umar se curvou para

  • passar por ela.Um grito surgiu atrás dele.— Pai.O som de pés correndo.Ele parou.— Pai.Ele ouviu a tensão na voz do filho e, ao

    passar pelo portão, apertou os olhos paraevitar as lágrimas. A sentinela fechou oportão às suas costas.

    Tiraram Ahmad do cepo, e Umar tentoudar um olhar tranquilizador para ele, maso espião não fez contato visual ao serarrastado para longe e jogado do lado defora da portinhola. Esta foi aberta e elefoi puxado para dentro. A portinholavoltou a se fechar. Braços agarraramUmar. Ele foi puxado para o cepo,estendido do mesmo modo como havia

  • sido feito com Ahmad. Umar ofereceu agarganta e observou enquanto o carrascoassomava acima dele. Mais além docarrasco, o céu.

    “Pai”, ele ouviu da cidadela, quando alâmina brilhante desceu cortando.

    Dois dias depois, protegido pelaescuridão, Ahmad deixou a fortaleza. Namanhã seguinte, quando seudesaparecimento foi descoberto, houvequem se perguntasse como ele foi capazde deixar o filho sozinho — a mãe tinhamorrido da febre dois anos antes —,enquanto outros disseram que a vergonhafoi demais para ele, que foi por isso quefora forçado a partir.

    A verdade era algo totalmentediferente.

  • 4

    20 de junho de 1257

    Esta manhã acordei com Maffeosacudindo meu ombro — nãoespecialmente com delicadeza, devoacrescentar. No entanto, sua insistênciafoi motivada pelo interesse na minhahistória. Eu deveria pelo menos agradecerpor isso.

    — E aí? — perguntou ele.— E aí o quê? — Se pareci sonolento...

    bem, é porque estava mesmo.— O que aconteceu com Ahmad?— Isso descobri muito depois, irmão.

  • — Então me conta.Enquanto me sentava na cama, pensei

    um pouco sobre a questão.— Acho melhor contar as histórias

    exatamente como foram contadas paramim — falei finalmente. — Altaïr, apesarde estar mais velho, é um excelentecontador de histórias. Acho que devorepetir a narrativa dele. E o que contei avocê ontem tornou-se a parte principal doprimeiro encontro que tivemos. Umepisódio que aconteceu quando ele tinhaapenas 11 anos.

    — Traumático para qualquer criança— refletiu Maffeo. — E a mãe dele?

    — Morreu no parto.— Altaïr ficou órfão aos 11 anos?— Exatamente.— O que aconteceu com ele?

  • — Bem, você sabe o que aconteceu.Ele se sentou na torre e...

    — Não, quero dizer, o que aconteceucom ele depois?

    — Isso também terá de esperar, irmão.Na vez seguinte em que me encontrei comAltaïr ele havia mudado o foco danarrativa para 15 anos à frente, para o diaem que se encontrou se arrastando porescuras catacumbas gotejantes sobJerusalém...

    O ano era 1191, mais de três anos desdeque Salah Al’din e seus sarracenoshaviam conquistado Jerusalém. Emreação, os cristãos haviam rangido osdentes, batido os pés e taxado seu povo afim de obter fundos para a TerceiraCruzada — e, mais uma vez, homens em

  • cota de malha de ferro haviam marchadosobre a Terra Santa e sitiado suascidades.

    O rei Ricardo da Inglaterra, a quemchamavam de Coração de Leão — tãocruel quanto corajoso — tinhareconquistado Acre recentemente, mas seumaior desejo era retomar Jerusalém, umlugar sagrado. E nenhum local deJerusalém era mais sagrado do que oMonte do Templo e as ruínas do Templode Salomão; para onde Altaïr, Malik eKadar se arrastavam.

    Eles se movimentavam depressa masfurtivamente, agarrados às laterais dostúneis, com suas botas macias malremexendo a areia. Altaïr ia à frente,Malik e Kadar poucos passos atrás.Todos estavam com os sentidos

  • sintonizados com os arredores, com apulsação acelerando à medida que seaproximavam do Monte. As catacumbasacusavam completamente os milhares deanos que tinham. Altaïr podia ver areia epó escoando dos instáveis suportes demadeira, enquanto debaixo dos pés o soloera mole, de uma areia molhada com aágua que gotejava constantemente de cima— de alguma espécie de curso de águapróximo. O ar era espesso com o cheirode enxofre que vinha das lanternasensopadas de betume que se enfileiravamnas paredes dos túneis.

    Altaïr foi o primeiro a ouvir osacerdote. Claro que foi. Ele era o líder, oMestre Assassino; suas habilidades erammaiores e seus sentidos, mais aguçados.Ele parou. Tocou a orelha, depois ergueu

  • a mão, e os três ficaram imóveis, comoespectros na passagem. Quando Altaïrolhou para trás, estavam esperando suapróxima ordem. Os olhos de Kadarbrilhavam de expectativa; os de Malikestavam atentos e impassíveis.

    Todos prenderam a respiração. Emvolta deles a água pingava, e Altaïr ouviuatentamente os murmúrios do sacerdote.

    A falsa piedade cristã de umTemplário.

    Então Altaïr colocou as mãos atrás dascostas e moveu o pulso para liberar sualâmina, sentindo a tração familiar nomecanismo do anel que usava no dedomínimo. Ele mantinha a lâmina em boacondição para que o ruído que fazia ao serliberada fosse quase inaudível, mas, porvia das dúvidas, seguiu o ritmo do

  • gotejar.Plim... plim... plinc.Colocou os braços para a frente, e a

    lâmina na mão esquerda brilhou com a luztremeluzente de tochas, sedenta porsangue.

    A seguir, Altaïr encostou o corpocontra a parede do túnel e avançousorrateiramente, virando em uma pequenacurva até poder enxergar o sacerdoteajoelhado no túnel. Ele usava os mantosde um Templário, o que só podiasignificar que havia outros mais adiante,provavelmente em meio às ruínas doTemplo. Em busca do tesouro deles, semdúvida.

    Seu coração se acelerou. Eraexatamente como havia imaginado. Que acidade, sob o controle de Salah Al’din,

  • não ia parar os homens da cruz vermelha.Eles também tinham assuntos a cuidar noMonte. Que assuntos? Altaïr pretendiadescobrir, mas, primeiro...

    Primeiro precisava cuidar dosacerdote.

    Bem agachado, ele se aproximou dohomem ajoelhado, que rezava, alheio àaproximação da morte. Mudando seu pesopara o pé da frente e curvandoligeiramente o joelho, Altaïr ergueu alâmina com a mão recuada, pronta paraatacar.

    — Espere! — sussurrou Malik atrásdele. — Deve haver outro meio... Este aínão precisa morrer.

    Altaïr o ignorou. Com um movimentosuave, agarrou o ombro do sacerdote coma mão direita e, com a esquerda, enfiou a

  • ponta da lâmina em sua nuca, fazendo umcorte entre o crânio e a primeira vértebrada coluna, que separou a espinha.

    O sacerdote não teve tempo de gritar: amorte foi quase instantânea. Quase. Ocorpo se sacudiu e se retesou, mas Altaïro agarrou com firmeza, sentindo a vidadele se esvair enquanto o segurava comum dedo em sua carótida. Lentamente, ocorpo relaxou, e Altaïr deixou que elecaísse silenciosamente no chão, ondepermaneceu, espalhando uma poça desangue na areia.

    Fora rápido, silencioso. Mas, quandorecolheu a lâmina, Altaïr viu o modocomo Malik o olhava e a acusação emseus olhos. Tudo o que pôde fazer foireprimir um riso de escárnio diante dafraqueza de Malik. O irmão de Malik,

  • Kadar, por outro lado, até o momentoolhava para baixo, para o corpo dosacerdote, com um misto de admiração eassombro.

    — Um excelente golpe — comentouele, esbaforido. — A sorte favorece sualâmina.

    — Sorte, não — gabou-se Altaïr —,habilidade. Observe um pouco mais epoderá aprender alguma coisa.

    Enquanto falava, observou Malikatentamente, vendo os olhos do Assassinobrilharem raivosamente; invejosos, semdúvida, do respeito que Kadar dedicava aAltaïr.

    E então Malik dirigiu-se ao irmão.— Realmente. Ele o ensinará a

    desconsiderar tudo o que o Mestre nosensinou.

  • Altaïr riu outra vez.— E como você teria feito?— Eu não teria atraído atenção para

    nós. Não teria tirado a vida de uminocente.

    O Assassino suspirou.— Não importa o modo como

    completamos a nossa tarefa, apenas queseja feita.

    — Mas esse não é o modo... —começou Malik.

    Altaïr dirigiu-lhe um olhar fixo.— Meu modo é melhor.Por um ou dois momentos os dois

    homens se encararam. Mesmo no túnelescuro, frio e gotejante, Altaïr pôde sentira insolência e o ressentimento nos olhosde Malik. Precisaria ter cuidado com isso,ele sabia. Parecia que o jovem Malik era

  • um inimigo em potencial.Se, porém, tinha a intenção de derrubar

    Altaïr, Malik evidentemente decidiu queagora não era o momento certo para agir.

    — Vou fazer um reconhecimento daárea adiante — disse ele. — Tente nãonos desonrar ainda mais.

    Qualquer castigo por essainsubordinação em particular teria deesperar, decidiu Altaïr quando Malikpartiu, subindo pelo túnel em direção aoTemplo.

    Kadar observou-o ir, então virou-separa Altaïr.

    — Qual é a nossa missão? —perguntou. — Meu irmão não me dissenada, apenas que eu devia ficar honradopor ter sido convocado.

    Altaïr olhou atentamente para o

  • entusiasmado rapaz.— O Mestre acredita que os

    Templários encontraram alguma coisa sobo Monte do Templo.

    — Um tesouro? — encantou-se Kadar.— Não sei. O que importa é que o

    Mestre considera essa coisa importante,ou não teria me pedido para recuperá-la.

    Kadar assentiu e, diante de um aceno demão de Altaïr, correu para se juntar aoirmão, deixando-o sozinho no túnel. Eleolhou para baixo, meditando, diante docorpo do sacerdote, agora com umaauréola de sangue sobre a areia em voltada cabeça. Talvez Malik tivesse razão.Havia outros meios de silenciar osacerdote — ele não precisava termorrido. Mas Altaïr o matara porque...

    Porque ele podia.

  • Porque ele era Altaïr Ibn-La’Ahad,filho de um Assassino. O mais habilidosode todos da Ordem. Um MestreAssassino.

    Ele partiu, chegando a uma série defossas. Uma névoa flutuava nasprofundezas dela, e ele saltou comfacilidade para a primeira viga mestra,pousando agilmente e agachando-se comoum gato. Respirava serenamente,desfrutando o próprio poder e preparofísico.

    Saltou para a seguinte e a seguinte, echegou onde Malik e Kadar estavamparados à espera. Mas, em vez de sejuntar a eles, passou direto. O som de seuspés soou como um sussurro no chão, malremexendo a areia. Adiante havia umaescada alta e ele a alcançou em uma

  • corrida, subindo rápida e silenciosamente,diminuindo a velocidade somente aoatingir o topo, onde parou, ouvindo efarejando o ar.

    Então, muito lentamente, ergueu acabeça para ver uma câmara elevada, eali, como esperava, havia um guarda comas costas para ele, usando o traje de umTemplário: túnica acolchoada, perneiras,cota de malha, espada na cintura. Altaïr,silencioso e imóvel, o estudou por ummomento, observando sua postura, ainclinação dos ombros. Bom. Ele estavacansado e distraído. Seria fácil silenciá-lo.

    Lentamente, Altaïr se abaixou até osolo, onde ficou agachado por ummomento, controlando a respiração eobservando o Templário com cuidado

  • antes de se adiantar por trás dele,endireitando-se e erguendo as mãos: aesquerda, como uma garra; a direita,pronta para alcançar e silenciar o guarda.

    Então atacou, destravando o mecanismono pulso para desengatar a lâmina, quesaltou no mesmo instante em que ele acravava na espinha do guarda e estendia amão direita para abafar o grito do homem.

    Por um segundo permaneceram em umabraço macabro, Altaïr sentindo sob amão o escoar do amortecido grito final desua vítima. Então o guarda ia desabando eAltaïr o deitou delicadamente no chão,inclinando-se para tocar com leveza suaspálpebras. Ele fora castigado severamentepor ter falhado como vigia, pensou Altaïrao se endireitar, livrando-se do corpo esaindo dali para juntar-se a Malik e

  • Kadar, que se arrastavam por baixo daarcada que estivera tão miseravelmentevigiada.

    Uma vez do outro lado, encontraram-seno andar superior de uma ampla câmara e,por um momento, Altaïr parou paraabsorver aquilo, sentindo-se intimidadode repente. Aquela era a ruína do lendárioTemplo de Salomão, supostamenteconstruído em 960 a.C. pelo rei Salomão.Se Altaïr estivesse correto, agora estavamcontemplando do alto o maior aposento doTemplo, seu Santuário. Textos antigosfalam do Santuário como tendo suasparedes revestidas de cedro, querubinsesculpidos, palmeiras e flores abertasrealçadas com ouro, mas o Templo agoraera uma sombra do seu passado. Haviamsumido os enfeites de madeira, os

  • querubins e os acabamentos em ouro —para onde foram, Altaïr podia apenasimaginar, embora tivesse algumas dúvidasde que os Templários haviam tido umaparticipação nisso. Porém, mesmodespido de seu dourado, ainda era umlocal de reverência e, a despeito de simesmo, Altaïr descobriu-se maravilhadoem vê-lo.

    Atrás dele, seus dois companheirosestavam ainda mais boquiabertos.

    — Ali... deve ser a Arca — disseMalik, apontando para o outro lado dacâmara.

    — A Arca da Aliança — arfou Kadar,ao vê-la também.

    Altaïr havia se recuperado e, olhandopara trás, viu os dois homens paradoscomo uma dupla de mercadores idiotas

  • deslumbrados com a visão de bugigangasreluzentes. Arca da Aliança?

    — Não sejam bobos — repreendeu-os.— Isso não existe. É só uma história.

    Olhando adiante, porém, ele teve menoscerteza. De fato a caixa tinha todas aspropriedades da lendária Arca. Eraexatamente como os profetas sempre atinham descrito: toda blindada em ouro,com uma tampa dourada enfeitada com umquerubim e argolas para se enfiar asestacas que seriam usadas para carregá-la. E havia algo em relação a ela,constatou Altaïr. A Arca possuía umaaura...

    Afastou os olhos, contra a vontade.Assuntos mais importantes precisavam daatenção dele, isto é, os homens que tinhamacabado de entrar no andar inferior, as

  • botas esmagando o que algum dia tinhasido um assoalho com folhas de abeto,mas que agora era de pedra. Templários.E o líder já vociferava ordens.

    — Quero isso passando pelo portãoantes do nascer do sol — disse a eles,sem dúvida referindo-se à Arca. —Quanto mais cedo a possuirmos, maiscedo poderemos voltar nossa atençãoàqueles chacais de Masyaf.

    Ele falou com sotaque francês e, aoficar na luz, viram sua capa característica— a capa de Grão-Mestre Templário.

    — Robert de Sablé — disse Altaïr. —Sua vida é minha.

    Malik aproximou-se furiosamente.— Não. Fomos mandados para

    recuperar o tesouro e lidar com Robertapenas se necessário.

  • Altaïr, cansado dos constantes desafiosde Malik, virou-se para ele.

    — Ele está entre nós e o tesouro —sussurrou raivosamente. — Eu diria que énecessário.

    — Discrição, Altaïr — insistiu Malik.— Quer dizer covardia. Aquele homem

    é o nosso maior inimigo... E aqui temosuma chance de nos livrar dele.

    Ainda assim, Malik argumentou.— Você já infringiu dois princípios do

    nosso Credo. Agora quer infringir oterceiro. Não comprometa a Irmandade.

    Finalmente, Altaïr explodiu.— Eu sou seu superior. Em título e

    habilidade. Você deveria saber que não ébom me questionar. — E, dito isso, virou-se, descendo rapidamente a primeiraescada até uma sacada mais embaixo,

  • depois para o chão, onde caminhouconfiantemente a passos largos emdireção ao grupo de cavaleiros.

    Eles o viram chegar e viraram-se paraenfrentá-lo, com as mãos nos cabos dasespadas e os queixos firmes. Altaïr sabiaque o observavam, olhavam o Assassinoque atravessava o chão na direção deles,com o rosto oculto pelo capuz, o manto ea faixa vermelha tremulando à sua volta, aespada na cintura e os cabos das espadascurtas à mostra sobre o ombro direito. Elereconhecia o medo que sentiam.

    E ele, por sua vez, os observava,avaliando mentalmente cada homem: qualdeles era um espadachim destro, quallutava com a esquerda; quem era o maisveloz e quem seria o mais forte, prestandoatenção especial no líder.

  • Robert de Sablé era o maior deles, omais forte. Sua cabeça era raspada, eestampados em seu rosto havia anos deexperiência, cada um deles tendocontribuído para a lenda que era, umcavaleiro tão famoso pela habilidade coma espada quanto pela crueldade edesumanidade. E isso Altaïr sabia acimade tudo: dos homens presentes ele era delonge o mais perigoso. Precisava serneutralizado primeiro.

    Ouviu Malik e Kadar descerem asescadas e olhou de relance para trás a fimde ver se o seguiam. Kadar estavaengolindo em seco, nervoso, e os olhos deMalik evidenciavam desaprovação. OsTemplários ficaram ainda mais tensos aoverem mais dois Assassinos; o númeroagora estava mais equilibrado. Quatro

  • deles cercaram De Sablé. Cada homemalerta. O ar denso de medo e expectativa.

    — Esperem, Templários — exclamouAltaïr quando estava perto o bastante doscinco cavaleiros. Dirigiu-se a De Sablé,que estava com um leve sorriso nos lábiose as mãos soltas. Não como seuscompanheiros, prontos para o combate,mas relaxado, como se a presença dos trêsAssassinos significasse muito pouco paraele. Altaïr faria com que ele pagasse pelasua arrogância. — Vocês não são osúnicos com negócios aqui — acrescentou.

    Os dois homens se avaliaram. Altaïrmovimentou a mão direita, como seestivesse prestes a segurar o cabo daespada que estava no cinto, querendomanter ali a atenção de De Sablé, quando,de fato, a morte cortaria suavemente vinda

  • da esquerda. Sim, decidiu. Distraia-omovimentando a mão direita, ataque coma esquerda. Ao atacar Robert de Sablécom a lâmina, seus homens fugiriam,deixando que os Assassinos recuperassemo tesouro. Todos iriam comentar a grandevitória de Altaïr sobre o Grão-MestreTemplário. Malik — aquele covarde —seria silenciado, seu irmão ficarianovamente estupefato, e, na volta deles aMasyaf, os membros da Ordemvenerariam Altaïr. Al Mualim ohomenagearia pessoalmente, e o caminhodele para a posição de Mestre estariaassegurado.

    Altaïr olhou nos olhos do oponente. Demodo imperceptível, flexionou a mãoesquerda, testando a tensão do mecanismoda lâmina. Ele estava pronto.

  • — E o que é que você quer? —perguntou De Sablé, com o mesmo sorrisodespreocupado.

    — Sangue — disse simplesmenteAltaïr, e atacou.

    Com uma velocidade inumana, saltoupara De Sablé, ao mesmo tempo batendode leve na lâmina, simulando ummovimento com a mão direita e atacando,tão veloz e tão mortal como uma naja,com a esquerda.

    O Grão-Mestre Templário, porém, eramais rápido e astuto do que ele haviaprevisto. Deteve o Assassino durante oataque, aparentemente com facilidade,tanto que Altaïr teve de parar onde estava,incapaz de se mexer, subjugado de repente— e de modo pavoroso — à impotência.

    E, naquele momento, Altaïr se deu

  • conta de que cometera um erro grave. Umerro fatal. Naquele momento, percebeuque não era De Sablé o arrogante: era elemesmo. De repente, não se sentiu maiscomo Altaïr, o Mestre Assassino. Sentiu-se como uma criança frágil e indefesa.Pior, uma criança vaidosa.

    Debateu-se e descobriu que malconseguia se mexer, De Sablé continha-ofacilmente. Altaïr sentiu uma fortepunhalada de vergonha, pensando emMalik e Kadar vendo-o ser subjugado. Amão de De Sablé apertou sua garganta eele se viu ofegando em busca de arenquanto o Templário empurrava seurosto. Uma veia em sua testa latejava.

    — Você não conhece as coisas nasquais se mete, Assassino. Vou poupar suavida apenas para que possa voltar ao seu

  • Mestre e transmitir esta mensagem: aTerra Santa está perdida para ele e paravocê. Agora ele deve fugir, enquanto tema chance. Se ficar, todos vocês morrerão.

    Altaïr sufocou e tossiu, enquanto oscantos de sua visão começavam adesaparecer. Lutava contra ainconsciência quando De Sablé o viroutão facilmente quanto se estivessemanuseando um recém-nascido e o jogouna direção da parede dos fundos dacâmara. Altaïr bateu com um estrondo porentre as antigas pedras e caiu no vestíbulodo outro lado, onde permaneceu aturdidopor um momento, ouvindo vigas caírem eas imensas colunas da câmara sedespedaçarem. Olhou para cima — e viuque a entrada para o Templo forabloqueada.

  • Então ouviu gritos que vinham do outrolado.

    — Homens. Às armas. Matem osAssassinos! — berrou De Sablé.

    Ele se levantou com dificuldade edisparou para os escombros, tentandoencontrar uma passagem. Com vergonha eimpotência queimando-o, ouviu os gritosde Malik e Kadar, gritos de morte, e,finalmente, com a cabeça baixa, virou-see começou a caminhada para fora doTemplo, a jornada até Masyaf, para levara notícia ao Mestre.

    A notícia de que havia fracassado. Queele, o grande Altaïr, tinha desonrado a simesmo e à Ordem.

    Quando finalmente emergiu do interiordo Monte do Templo, o sol brilhava, eJerusalém fervilhava com vida. Mas

  • Altaïr jamais havia se sentido tão sozinho.

  • 5

    Altaïr chegou a Masyaf após umaexaustiva cavalgada de cinco dias,durante os quais tivera tempo mais do quesuficiente para refletir sobre seu fracasso.Assim, foi com o coração pesado quechegou aos portões, teve permissão doguarda para entrar e seguiu caminho emdireção aos estábulos.

    Ao desmontar e, por fim, sentir osmúsculos relaxados, entregou o animal aocavalariço e depois parou no poço parabeber um pouco de água, primeiro dandopequenos goles, em seguida engolindo-ae, então, jogando-a sobre si mesmo,

  • esfregando com gratidão o rosto sujo paralimpá-lo. Mas ainda sentia a sujeira daviagem no corpo. O manto pendia pesadoe imundo e ele desejou tomar um banhonas águas reluzentes de Masyaf, em umrecanto oculto do penhasco. Tudo o queele queria nesse momento era solidão.

    Quando seguia pelos arredores daaldeia, seu olhar foi atraído para cima dascabanas dos estábulos e do movimentadomercado e para os sinuosos caminhos quelevavam aos bastiões da fortaleza dosAssassinos. Ali era onde a Ordemtreinava e vivia sob o comando de AlMualim, cujos aposentos ficavam nocentro das torres da cidadela bizantina.Ele costumava ser visto olhando pelajanela de sua torre, perdido empensamentos, e Altaïr o imaginou ali no

  • momento, fitando a aldeia abaixo. Amesma aldeia agitada com vida, brilhandocom a luz do sol e movimentada comnegócios. Para a qual, dez dias antes,Altaïr, partindo para Jerusalém comMalik e Kadar, havia planejado voltarcomo um herói triunfante.

    Ele nunca — nem em suas fantasiasmais sombrias — previra fracassar, e noentanto...

    Um Assassino lhe acenou quando eleatravessou o mercado salpicado de sol, eele se recompôs, jogando os ombros paratrás e erguendo a cabeça, tentandotransparecer o grande Assassino quedeixara Masyaf, em vez do tolo de mãosvazias que havia retornado.

    Era Rauf, e o coração de Altaïr seapertou ainda mais — se é que fosse

  • possível, o que ele sinceramenteduvidava. De todas as pessoas parasaudá-lo em sua volta tinha de ser Rauf,que venerava Altaïr como um deus.Parecia até que o jovem estiveraesperando por ele, perdendo tempo juntoa uma fonte construída em um muro. Defato, ele agora o recebia com olhosarregalados e ansiosos, totalmenteignorante do fracasso que Altaïr sentia àsua volta.

    — Altaïr... você voltou. — Ele estavaradiante, tão feliz ao vê-lo quanto umcãozinho ficaria.

    Altaïr assentiu lentamente. Observou,atrás de Rauf, um mercador idoso serefrescar na nascente da fonte e depoissaudar uma mulher mais jovem, quechegou carregando um vaso decorado com

  • gazelas. Ela o colocou sobre o muro baixoque cercava o poço e os dois começarama conversar; a mulher animada,gesticulando. Altaïr os invejou. A ambos.

    — É bom ver que você está bem —continuou Rauf. — Imagino que suamissão tenha sido um sucesso, não?

    Altaïr ignorou a pergunta, aindaobservando os dois na fonte. Tinhadificuldade em fazer contato visual comRauf.

    — O Mestre está em sua torre? —perguntou finalmente, desviando o olharpara longe.

    — Sim, está. — Rauf olhava-o de cantode olho, como se adivinhasse que haviaalgo errado com ele. — Enterrado emseus livros, como sempre. Sem dúvida,está esperando por você.

  • — Obrigado, irmão.E, com isso, deixou Rauf e os aldeões

    conversando no manancial e começou aseguir seu caminho, passando pelasbarracas cobertas e carroças de feno ebancos. Andou pelo calçamento, até osolo quente e poeirento se inclinarabruptamente para cima, a grama seca equebradiça pairando sob o sol. Todos oscaminhos levavam ao castelo.

    Ele nunca se sentira tão mal à suasombra, e descobriu-se cerrando ospunhos ao atravessar o platô. Foi saudadopelos guardas quando se aproximou dafortaleza. As mãos deles estavam fixadasno cabo da espada; os olhos, vigilantes.

    Então chegou à grande arcada quelevava ao antemuro, e mais uma vez seucoração ficou apertado ao avistar uma

  • figura que reconheceu Abbas.Abbas estava embaixo de uma tocha

    que afugentava o pouco de sombra quehavia no interior da arcada. Estavarecostado na áspera pedra negra, com acabeça descoberta, os braços cruzados e aespada na cintura. Altaïr parou e, porcerca de um momento, os dois homens seentreolharam enquanto aldeões passavampor eles, alheios à antiga inimizade queflorescia novamente entre os doisAssassinos. Em outros tempos, um sereferia ao outro como irmão. Mas essaépoca estava há muito no passado.

    Abbas deu um breve e irônico sorriso.— Ah. Enfim ele voltou. — Olhou

    intencionalmente por cima do ombro deAltaïr. — Onde estão os outros? Vocêcavalgou na frente, querendo ser o

  • primeiro a chegar? Sei que não gosta decompartilhar a glória.

    Altaïr não respondeu.— Silêncio é apenas outra forma de se

    concordar com algo — acrescentouAbbas, ainda tentando incitá-lo... efazendo isso com toda a habilidade de umadolescente.

    — Você não tem nada melhor parafazer? — suspirou Altaïr.

    — Trago uma mensagem do Mestre.Ele espera por você na biblioteca —disse Abbas. E abriu caminho para Altaïrpassar. — É melhor se apressar. Semdúvida, você deve estar ansioso paralamber as botas dele.

    — Mais uma palavra — retrucou Altaïr—, e enfiarei a minha lâmina na suagarganta.

  • — Haverá muito tempo para issodepois, irmão — rebateu Abbas.

    Altaïr empurrou-o com o ombro aopassar, então continuou pelo pátio e pelapraça de treinamento até a porta para atorre de Al Mualim. Soldados do corpode guarda curvaram a cabeça diante dele,oferecendo-lhe o respeito quelegitimamente merecia um MestreAssassino, e ele agradeceu sabendo queem breve — assim que a notícia seespalhasse — o respeito deles ficariaapenas na lembrança.

    Antes, porém, tinha de dar a terrívelnotícia a Al Mualim, e subiu os degrausda torre em direção aos aposentos doMestre. Ali o ambiente era quente, e o arestava denso com seu habitual aromadoce. A poeira dançava nos raios de luz

  • vindos da grande janela do lado maisdistante, onde se encontrava o Mestre,com as mãos entrelaçadas às costas. Seumestre. Seu mentor. Um homem que elevenerava acima de todos os outros.

    Com quem havia falhado.Em um canto, os pombos-correio do

    Mestre arrulhavam baixinho em sua gaiolae, em volta dele, havia livros emanuscritos, milhares de anos deliteratura e aprendizado dos Assassinos,tanto em prateleiras quanto amontoadosem pilhas vacilantes e empoeiradas. Osuntuoso manto de Al Mualim estendia-seà sua volta, os longos cabelos pousavamsobre os ombros, e ele estava, como dehábito, contemplativo.

    — Mestre — disse Altaïr, quebrando opesado silêncio. Ele baixou a cabeça.

  • Calado, Al Mualim virou-se e foi emdireção à sua escrivaninha; rolos depergaminho apinhavam o chão abaixodela. Ele encarou Altaïr com um olharfirme e penetrante. Sua boca, escondidapela barba grisalha, não denunciouqualquer emoção até, finalmente, falar,acenando para o pupilo.

    — Aproxime-se. Conte-me de suamissão. Confio que tenha recuperado otesouro templário...

    Altaïr sentiu uma gota de suor seguircaminho de sua testa rosto abaixo.

    — Houve um problema, Mestre. Robertde Sablé não estava sozinho.

    Al Mualim afastou a ideia com umgesto de mão.

    — Quando alguma vez o nosso trabalhosaiu como o esperado? É a habilidade de

  • nos adaptar que nos torna o que somos.— Desta vez, não foi suficiente.Al Mualim levou um momento para

    absorver as palavras de Altaïr. Saiu detrás da escrivaninha e, quando falounovamente, sua voz foi severa.

    — O que quer dizer?Altaïr se viu forçando a saída das

    palavras.— Eu falhei.— O tesouro?— Perdido para nós.A atmosfera no aposento mudou.

    Parecia tensa e crepitante como se fossequebradiça, e houve uma pausa antes deAl Mualim voltar a falar.

    — E Robert?— Escapou.A palavra caiu como uma pedra no

  • espaço escurecido.Então Al Mualim se aproximou de

    Altaïr. Seu único olho bom reluzia deraiva, a voz apenas contida, a fúriapreenchendo todo o ambiente.

    — Eu mandei você... meu melhorhomem... para realizar uma missão maisimportante do que qualquer outra que jásurgiu e você volta com nada além dealegações e desculpas?

    — Eu...— Não fale. — A voz dele foi uma

    chicotada. — Nem mais uma palavra.Não era isso que eu esperava.Precisaremos reunir outra força para...

    — Eu lhe juro que o encontrarei... Euvou e... — começou Altaïr, que já estavadesesperado para encontrar novamente DeSablé. Dessa vez o resultado seria muito

  • diferente.Agora Al Mualim olhava ao redor de si

    mesmo, como se acabasse de se lembrarque, quando partira de Masyaf, Altaïr ofizera com dois companheiros.

    — Onde estão Malik e Kadar? —interpelou-o.

    Uma segunda gota de suor partiu datêmpora de Altaïr quando respondeu.

    — Mortos.— Não — veio uma voz de trás deles

    —, mortos não.Al Mualim e Altaïr viraram-se para ver

    um fantasma.

  • 6

    Malik estava parado na entrada dosaposentos do Mestre — parado eoscilando; uma figura ferida, exausta eencharcada de sangue. Seu manto, antesbranco, estava raiado de sanguecoagulado, a maior parte em volta dobraço esquerdo, que parecia seriamenteferido, pendendo inutilmente ao lado eencrostado com sangue escuro e seco.

    Ao entrar, o ombro ferido declinou eele cambaleou ligeiramente. Mas, se ocorpo estava ferido, o espírito, por outrolado, certamente não estava: seus olhosqueimavam em um brilho de raiva e ódio

  • — ódio que dirigiu a Altaïr com um olhartão intenso que tudo que este pôde fazerfoi não fugir.

    — Eu pelo menos ainda estou vivo —grunhiu Malik, os olhos injetados etransbordando fúria enquanto encaravaAltaïr. Ele respirava com movimentoscurtos, debilitados. Os dentes à mostraestavam ensanguentados.

    — E seu irmão? — perguntou AlMualim.

    Malik sacudiu a cabeça.— Morto.Por um instante, seus olhos baixaram

    para o chão de pedra. Então, como umasúbita explosão de raiva, levantou acabeça, estreitou os olhos e ergueu umdedo trêmulo para apontar para Altaïr.

    — Por sua causa — sussurrou.

  • — Robert jogou-me para fora dacâmara. — A desculpa de Altaïr pareceudébil, até mesmo para seus própriosouvidos . . . Principalmente para seuspróprios ouvidos. — Eu não tinha comovoltar. Não houve nada que eu pudessefazer...

    — Porque não deu importância ao meualerta — bradou Malik, a voz rouca. —Tudo isso poderia ter sido evitado. E meuirmão... meu irmão ainda estaria vivo. Suaarrogância quase nos custou a vitóriahoje.

    — Quase? — indagou Al Mualim,cautelosamente.

    Acalmando-se, Malik concordou com acabeça, o espectro de um sorriso noslábios... um sorriso dirigido a Altaïr,pois, ao mesmo tempo, ele fez um gesto

  • para outro Assassino, que se aproximoucarregando uma caixa em uma bandejadourada.

    — Eu consegui o que seu favoritofalhou em encontrar — afirmou Malik.Sua voz era cansada e ele estava fraco,mas nada ia estragar seu momento detriunfo sobre Altaïr.

    Ele sentiu seu mundo desabar, quandoMalik pousou a bandeja sobre a mesa deAl Mualim. A caixa estava coberta porrunas antigas e havia algo nelas — umaaura. Dentro, certamente, estava o tesouro.Tinha de estar. O tesouro que Altaïr foraincapaz de recuperar.

    O olho bom de Al Mualim estavaarregalado e brilhando. Seus lábios,entreabertos, mostravam a língua queavançava pela boca. Ele estava extasiado

  • com a visão da caixa e com o pensamentodo que havia dentro. De repente, houveuma agitação lá fora. Gritos. Péscorrendo. O inconfundível barulho de açocolidindo.

    — Parece que retornei com mais doque o tesouro — refletiu Malik enquantoum mensageiro irrompia pelo aposento,esquecendo todo o protocolo eexclamava, esbaforido:

    — Mestre, estamos sob ataque. Robertde Sablé montou um cerco à aldeia deMasyaf.

    Al Mualim foi arrancado de seudevaneio, disposto a enfrentar De Sablé.

    — Então ele está à procura de umabatalha, não é mesmo? Muito bem. Nãolhe negarei isso. Vá. Informe os outros. Afortaleza precisa estar preparada.

  • Então ele se voltou para Altaïr, e seusolhos queimavam enquanto falava:

    — Quanto a você, Altaïr, nossadiscussão terá de esperar. Você deve irpara a aldeia. Destrua os invasores.Expulse-os do nosso lar.

    — Isso será feito — prometeu Altaïr,que não pôde evitar se sentir aliviado comaquela súbita reviravolta.

    De algum modo, o ataque à aldeia erapreferível a ter de aguentar mais daquelahumilhação. Ele se desgraçara emJerusalém. Agora tinha a chance derecompensar.

    Saltou da plataforma atrás dosaposentos do Mestre para o chão liso depedra e se afastou rapidamente da torre.Ao atravessar correndo o pátio detreinamento e passar pelo portão

  • principal, ficou imaginando que se fossemorto agora isso talvez proporcionasse asalvação que desejava. Seria uma boamorte? Uma morte nobre e digna?

    O suficiente para perdoá-lo?Sacou a espada. Os sons da batalha

    agora estavam mais próximos. Podia verAssassinos e Templários combatendo noplanalto ao pé do castelo enquanto, maisembaixo da colina, os aldeões sedispersavam diante da força do ataque;corpos já recobriam as encostas.

    Então ele foi atacado. Um cavaleirotemplário correu em sua direção,rosnando, e Altaïr girou, deixando osinstintos assumirem o controle, erguendo aespada para enfrentar o cristão, que seabateu sobre ele veloz e duramente, comsua espada larga batendo forte na lâmina

  • de Altaïr com um ruído de aço. OAssassino, porém, estava firme, com ospés bem afastados e o alinhamento docorpo perfeito, de tal modo que o ataquedo Templário mal fez com que semexesse. Ele varreu para o lado a espadado outro, usando o peso da enorme espadalarga contra o cavaleiro, cujo braço seagitou inutilmente durante o brevemomento que Altaïr usou para dar umpasso à frente e enfiar sua lâmina nabarriga do homem.

    O Templário tinha avançado contra eleconfiante de uma morte fácil. Fácil, comoa dos aldeões que ele já haviamassacrado. Mas se enganara. Com o açoainda nas entranhas, tossiu sangue, e seusolhos se arregalaram de dor e surpresaquando Altaïr empurrou a lâmina para

  • cima, dividindo ao meio seu tronco. Elecaiu, e os intestinos se derramaram sobrea terra.

    Agora Altaïr lutava com pura maldade,descarregando toda a sua frustração nosgolpes com a espada, como se pudessepagar pelos seus crimes com o sangue dosinimigos. O Templário seguinte trocougolpes, tentando resistir à medida queAltaïr o empurrava para trás. Sua posturainstantaneamente mudava de ataque paradefesa, e depois para a defesadesesperada, de modo que, mesmoenquanto aparava os golpes, elechoramingava na expectativa da própriamorte.

    Altaïr simulou um golpe, girou, e sualâmina lampejou através da garganta docristão, que se abriu, cobrindo de sangue

  • a parte da frente de seu uniforme,tingindo-o de uma cor tão vermelhaquanto a cruz em seu peito. Ele caiu dejoelhos e depois tombou para a frente, noinstante em que outro soldado correu paraAltaïr, com a luz do sol reluzindo em suaespada erguida. O Assassino se afastoupara o lado e enterrou a espada bem fundonas costas do homem, de modo que, porum segundo, seu corpo todo se retesouenquanto a lâmina cravava-se no peitoral,e a boca se abria em um grito silencioso àmedida que Altaïr o baixava para o chão eretirava a espada.

    Dois soldados atacaram juntos,imaginando talvez que o número superiorsubjugaria Altaïr. Imaginaram isso semlevar em conta sua ira. Ele lutou, não coma habitual indiferença e frieza, mas com

  • fogo no estômago. O fogo de um guerreiroque não se importa com a própriasegurança. O mais perigoso guerreiro detodos.

    À sua volta, viu mais corpos dealdeões, derrubados pela espada dosagressores Templários, e sua iraaumentou, tornando os golpes de suaespada ainda mais cruéis. Dois outrossoldados caíram diante de sua lâmina eele os deixou se debatendo na terra.Agora, porém, cada vez mais cavaleirossurgiam. Aldeões e Assassinos corriamigualmente encosta acima, e Altaïr viuAbbas ordenando-lhes que retornassem aocastelo.

    — Aumentem o ataque à fortaleza pagã— berrou um cavaleiro em resposta. Elecorria colina acima em direção a Altaïr, a

  • espada brandindo enquanto transpassavauma mulher em fuga. — Vamos levar aluta aos Assassinos...

    Altaïr empurrou a espada na gargantado cristão, cuja última palavra foi umgorgolejo.

    Mas atrás dos aldeões e Assassinos quefugiam vinham mais Templários, e Altaïrhesitou na encosta, imaginando se aqueleseria o momento de seu ato final —morrer defendendo seu povo e fugindo davergonha a que estava preso.

    Mas não. Não havia honra em umamorte desperdiçada, ele sabia, e juntou-seaos que retornavam à fortaleza, chegandoquando o portão era fechado. Então sevirou para ver a cena de carnificina láfora, a beleza de Masyaf maculada peloscorpos ensanguentados dos moradores,

  • dos soldados e dos Assassinos.Olhou para si mesmo. Seu manto estava

    salpicado de sangue templário, mas elecontinuava ileso.

    — Altaïr! — O grito interrompeu seuspensamentos. Era Rauf novamente. —Venha.

    Ele sentiu-se repentinamente cansado.— Aonde estamos indo?— Temos uma surpresa para os nossos

    convidados. Faça o que eu fizer. Logoficará claro... — Rauf apontava acimadeles para os bastiões da fortaleza.

    Altaïr embainhou a espada e o seguiupara o alto por uma série de escadas até ocume da torre, onde os líderes Assassinosestavam reunidos, Al Mualim entre eles.Atravessando o pavimento, olhou para oMestre, que o ignorou, a boca estava

  • inexpressiva. Então Rauf indicou uma dastrês plataformas de madeira que pendiamno ar, convidando-o a tomar seu lugarnela. Ele fez isso, inspirando fundo antesde caminhar cuidadosamente até aextremidade.

    Ele agora estava acima de Masyaf,capaz de olhar abaixo para o vale. Sentiuo ar correndo à sua volta; seu mantoesvoaçava e ele viu bandos de pássarosplanando e arremetendo em bolsões de arquente. Sentiu vertigem com a altura, e, noentanto, estava sem fôlego com oespetáculo: as colinas ondulantes docampo mescladas com o verdeexuberante; as águas tremeluzentes do rio;corpos agora como pequenas manchas nasencostas.

    E Templários.

  • O exército invasor havia se reunido noplanalto diante de uma torre de vigia,perto dos portões da fortaleza. À frenteestava Robert de Sablé, que agora seadiantava um pouco, olhando acima paraos bastiões onde se encontravam osAssassinos, e se dirigia a Al Mualim.

    — Herege! — vociferou. — Devolva oque roubou de mim.

    O tesouro. A mente de Altaïr vagueoumomentaneamente até a caixa sobre aescrivaninha de Al Mualim. Ela parecerabrilhar...

    — Você não tem direito a ela, Robert— retrucou o Mestre, e sua voz ecooupelo vale. — Vá embora daqui antes queeu seja forçado a reduzir ainda mais suasfileiras de homens.

    — Você está fazendo um jogo perigoso

  • — rebateu De Sablé.— Eu lhe garanto que não é um jogo.— Que assim seja — foi a resposta.Havia algo no tom de sua voz que

    Altaïr realmente não gostou. De Sablédirigiu-se a um de seus homens.

    — Tragam o refém.Do meio da tropa, arrastaram o

    Assassino. Estava amarrado eamordaçado e se contorcia para se livrardas amarras enquanto era puxadoviolentamente para a frente do grupo. Seusgritos abafados ergueram-se até ondeAltaïr estava na plataforma.

    Então, sem cerimônia, De Sablé fez umsinal com a cabeça para um soldadopróximo. Este puxou o cabelo doassassino para que sua garganta ficasseexposta e pudesse passar sua lâmina por

  • ela, abrindo-a e deixando que o corpocaísse sobre a grama.

    Os Assassinos, observando, prenderama respiração.

    De Sablé foi para perto do corpo edescansou um dos pés nas costas domoribundo, com os braços cruzados comoum gladiador triunfante. Houve ummurmúrio de aversão entre os Assassinosenquanto ele gritava acima para AlMualim.

    — Sua aldeia está em ruínas e suasprovisões não são intermináveis. Quantotempo se passará até sua fortaleza serdestruída por dentro? Como seus homensse manterão disciplinados quando ospoços secarem e a comida deles acabar?— Ele mal conseguia disfarçar o tomexultante na voz.

  • Mas, em resposta, Al Mualim manteve-se calmo.

    — Meus homens não temem a morte,Robert. Eles lhe dão boas-vindas... e àsrecompensas que ela traz.

    — Bom — bradou De Sablé. — Entãoeles as terão por toda a sua volta.

    Ele estava com a razão, é claro. OsTemplários podiam manter o cerco deMasyaf e impedir que os Assassinosrecebessem provisões. Quanto tempoconseguiriam resistir até ficarem fracosdemais para que De Sablé pudesse atacarem segurança? Duas semanas? Um mês?Altaïr podia apenas ter a esperança deque, independentemente do plano de AlMualim, este seria o suficiente para pôrum fim ao impasse.

    Como se tivesse lido seus pensamentos,

  • Rauf sussurrou para ele de umaplataforma à esquerda:

    — Siga-me. E sem hesitar.Um terceiro Assassino estava parado

    mais adiante. Estavam escondidos de DeSablé e seus homens. Olhando para baixo,Altaïr viu montes de feno estrategicamentecolocados, o suficiente para amorteceruma queda. Ele começava a entender oque Rauf pretendia. Iam pular, sem seremvistos pelos Templários. Mas por quê?

    O manto de Altaïr se agitava ao redorde seus joelhos. O som era tranquilizador,como ondas ou chuva. Olhou para baixo efirmou a respiração. Concentrou-se.Buscou equilíbrio em seu interior.

    Ouviu Al Mualim e De Sablé trocandopalavras, mas não estava mais escutando;pensava somente no salto, preparando-se

  • para ele. Fechou os olhos. Sentiu umagrande calma, uma paz interna.

    — Agora — disse Rauf, que saltou,seguido pelo outro Assassino. E então foia vez de Altaïr.

    Que saltou.O tempo parou enquanto ele caía, os

    braços estendidos. Com o corpo relaxadoe graciosamente curvado no ar, sabia quealcançara uma espécie de perfeição —era como se tivesse saído do própriocorpo. Então pousou perfeitamente, ummonte de feno interrompendo sua queda.A de Rauf também. Mas não a do terceiroAssassino, cuja perna rompeu-se com oimpacto. Imediatamente, o homem gritou eRauf se aproximou para silenciá-lo, semquerer que os Templários o ouvissem:para a fuga funcionar, os cavaleiros

  • precisavam acreditar que os três homenstinham pulado para a morte.

    Rauf virou-se para Altaïr.— Vou ficar para trás e cuidar dele.

    Você vai ter de ir sem nós. As cordas olevarão à armadilha. Solte-as de lá... Umachuva de morte cairá sobre nossosinimigos.

    Claro. Agora Altaïr entendeu. Por ummomento, se perguntou como osAssassinos tinham sido capazes de montaruma armadilha sem que ele soubesse.Quantas outras facetas da Irmandade aindapermaneciam um segredo para ele?Agilmente, seguiu ao longo das cordaspelo abismo, voltando através da gargantaaté a face do penhasco atrás da torre devigia. Escalou em um impulso natural.Rápido e ágil, sentindo os músculos do

  • braço zumbirem enquanto escalava cadavez mais e mais alto as paredes íngremesaté chegar ao topo da torre. Ali, sob astábuas do último andar, encontrou aarmadilha montada e pronta para sersolta: pesadas toras ensebadas, alinhadase empilhadas sobre uma plataformapendente.

    De modo silencioso, foi até a beira,olhando abaixo para ver as fileirasreunidas dos Templários; um grandenúmero de costas para ele. Ali tambémhavia cordas prendendo a armadilha nolugar. Ele sacou a espada e, pela primeiravez em dias, sorriu.

  • 7

    Mais tarde, os Assassinos estavamreunidos no pátio, ainda saboreando seutriunfo.

    As toras haviam tombado da torre devigia sobre os cavaleiros embaixo. Amaior parte deles foi esmagada pelaprimeira onda, enquanto outros foramapanhados na segunda carga estocadaatrás da primeira. Apenas momentosantes, eles estiveram certos da vitória.Então seus corpos foram surrados, osmembros fraturados, a força inteiradesordenada. Robert de Sablé já ordenavaa seus homens que voltassem ao mesmo

  • tempo que os arqueiros dos Assassinosaproveitavam a vantagem e faziam choverflechas sobre eles.

    Agora, porém, Al Mualim mandava queos Assassinos fizessem silêncio esinalizava para que Altaïr se juntasse aele no púlpito que havia na entrada de suatorre. Seus olhos eram severos e, quandoo Assassino tomou seu lugar, Al Mualimgesticulou com a cabeça para que doisguardas se posicionassem de cada lado deAltaïr.

    O silêncio substituiu as felicitações.Altaïr, de costas para os Assassinos,sentia todos os olhos sobre ele. Já deviamsaber o que acontecera em Jerusalém;Malik e Abbas teriam cuidado disso. Osesforços de Altaïr na batalha e o posterioracionamento da armadilha — nada disso

  • contaria agora. Tudo que ele podiaesperar era que Al Mualim mostrassepiedade.

    — Você fez bem em expulsar Robertdaqui — observou o Mestre, e foi combastante orgulho que ele disse isso. Obastante para Altaïr ter a esperança deque pudesse ser perdoado; de que seusatos posteriores a Jerusalém oredimissem. — A força dele estádestruída — continuou Al Mualim. — Vaidemorar muito até que ele volte a nosperturbar. Diga-me, você sabe por que foibem-sucedido?

    Altaïr não disse nada. Seu coraçãomartelava.

    — Você foi bem-sucedido porqueobedeceu — forçou Al Mualim. — Setivesse obedecido no Templo de Salomão,

  • Altaïr, tudo isso teria sido evitado.Seu braço descreveu um círculo,

    significando que abrangia o pátio e tudoque havia mais além, onde até agoracorpos de Assassinos, de Templários e dealdeões estavam sendo removidos.

    — Eu fiz o que me foi pedido —afirmou Altaïr, tentando escolhercuidadosamente as palavras, masfracassando.

    — Não! — vociferou o Mestre. Seusolhos pareciam chamas. — Você fez o quelhe agradou. Malik falou-me daarrogância que você demonstrou. Vocêdesconsiderou nossos métodos.

    Os dois guardas de ambos os lados deAltaïr deram um passo adiante eseguraram seus braços. Os músculos delese tensionaram. Ele se preparou contra

  • eles, mas não lutou.— O que está fazendo? — perguntou

    cautelosamente.A cor voltou às faces de Al Mualim.— Há regras. Não somos nada se não

    obedecemos ao Credo dos Assassinos. Hátrês princípios simples, que você pareceter esquecido. Vou lembrá-los a você. Oprimeiro e principal: detenha sua lâmina...

    Ia ser uma repreensão. Altaïr relaxou,incapaz de manter o tom de resignação davoz, ao completar a frase de Al Mualim.

    — Do corpo de um inocente. Eu sei.O estalo da palma de Al Mualim no

    rosto de Altaïr ecoou na pedra do pátio.Altaïr sentiu a face queimar.

    — E contenha sua língua, a não ser queeu lhe dê permissão para usá-la —vociferou Al Mualim. — Se está tão

  • familiarizado com este princípio, por quematou o velho no interior do Templo? Eleera inocente. Não precisava morrer.

    Altaïr ficou calado. O que ele poderiadizer? “Eu agi por impulso?” “Matar ovelho foi um ato de arrogância?”, talvez?

    — Sua insolência não conhece limites— urrou Al Mualim. — Torne seucoração humilde, criança, ou juro que oarrancarei com minhas próprias mãos.

    Ele fez uma pausa, os ombros subindo edescendo enquanto dominava a raiva.

    — O segundo princípio é o que nos dáforça — continuou. — Invisibilidade.Deixar que as pessoas o encubram paraque você se torne mais um na multidão.Você se lembra? Porque, pelo que eusoube, você decidiu se expor, atraindoatenção antes de atacar.

  • Altaïr continuou sem dizer nada. Sentiua vergonha se instalar no corpo.

    — O terceiro e último princípio —acrescentou Al Mualim —, a pior detodas as suas traições: jamais comprometaa Irmandade. O significado deve seróbvio. Seus atos jamais devem nos causardanos... direta ou indiretamente.Entretanto, seu ato egoísta em Jerusalémcolocou todos nós em perigo. Pior do queisso, você atraiu o inimigo à nossa casa.Cada homem que perdemos hoje foi porsua causa.

    Altaïr sentia-se incapaz de olhar para oMestre. Sua cabeça permanecera viradapara o lado, ainda sentindo o tapa. Mas,ao ouvir Al Mualim sacar a adaga, eleolhou.

    — Sinto muito. Eu realmente sinto —

  • disse Al Mualim. — Mas não possotolerar um traidor.

    Não. Isso não. A morte de um traidornão.

    Seus olhos arregalaram-se aoencararem a lâmina na mão do Mestre; amão que o guiara desde a infância.

    — Não sou um traidor. — Eleconseguiu dizer.

    — Seus atos indicam o contrário. E,portanto, não me deixa escolha. — AlMualim recuou a adaga. — Que a pazesteja com você, Altaïr — disse ele, e aenfiou na barriga de Altaïr.

  • 8

    E assim foi. Por uns preciosos momentos,enquanto esteve morto, Altaïr esteve empaz.

    Então... então estava voltando a si,recuperando gradualmente um senso de simesmo e de onde estava.

    Ele estava de pé. Como podia estar depé? Seria isso a morte, a vida após amorte? Estaria ele no paraíso? Se fosse ocaso, parecia muito com os aposentos deAl Mualim. Não apenas isso, mas AlMualim estava presente. Aliás, paradodiante dele, observando-o com um olharincompreensível.

  • — Estou vivo?As mãos de Altaïr foram para onde a

    faca fora enfiada em sua barriga.Esperava encontrar um buraco dentado esentir a umidade do sangue, mas não havianada. Nada de ferimento, nada de sangue.Embora ele os tivesse visto. Sentido.Tinha sentido a dor...

    Não tinha?— Mas vi você me esfaquear —

    conseguiu dizer —, senti a morte meabraçar.

    Al Mualim, por sua vez, eraimpassível.

    — Você viu o que eu quis que vocêvisse. Então dormiu o sono da morte. Oútero. Para que pudesse despertar erenascer.

    Altaïr afastou pensamentos nebulosos

  • de sua mente.— Com que finalidade?— Você se lembra, Altaïr, pelo que os

    Assassinos lutam?Ainda tentando se recompor,

    respondeu:— Paz, em todas as coisas.— Sim. Em todas as coisas. Não basta

    acabar com a violência que um homempratica contra o outro. Isso também serefere à paz interior. Não se pode ter umasem a outra.

    — É o que dizem.Al Mualim balançou a cabeça, e a cor

    das maçãs do rosto voltava à medida quelevantava a voz.

    — Então é. Mas você, meu filho, nãoencontrou a paz interior. Ela se manifestade modos terríveis. Você é arrogante e

  • excessivamente confiante. Carece deautocontrole e prudência.

    — E o que vai acontecer comigo?— Eu deveria matá-lo pela dor que nos

    causou. Malik acha que isso é apenasjusto... Sua vida em troca da do irmãodele.

    Al Mualim fez uma pausa para permitirque Altaïr entendesse o total significadodaquele momento.

    — Mas isso seria uma perda do meutempo e a de seus talentos.

    Altaïr permitiu-se relaxar mais umpouco. Seria poupado. Poderia se redimir.

    — Você foi destituído de suas posses— continuou Al Mualim. — E também deseu posto. Você é um aprendiz, umacriança, outra vez. Como no dia em queentrou para a Ordem. Estou lhe

  • oferecendo uma chance de redenção. Teráde merecer seu caminho de volta para aOrdem.

    Claro.— Suponho que você deva ter algo

    planejado.— Primeiro precisa provar para mim

    que se lembra de como é ser umAssassino. Um verdadeiro Assassino —disse Al Mualim.

    — Então me mandaria tirar uma vida?— indagou Altaïr, sabendo que suapenalidade seria muito mais rigorosa.

    — Não. Ainda não, pelo menos. Porenquanto, você vai se tornar novamenteum estudante.

    — Não há necessidade disso. Sou umMestre Assassino.

    — Você foi um Mestre Assassino.

  • Outros rastreavam alvos para você. Masnão mais. De hoje em diante, você mesmoterá de rastreá-los.

    — Se é esse seu desejo.— É.— Então me diga o que devo fazer.— Tenho aqui uma lista. Nove nomes

    fazem parte dela. Nove homens queprecisam morrer. São causadores depestes. Fabricantes de guerras. Seu podere influência corrompem a terra... easseguram a continuação das Cruzadas.Você os encontrará. E os matará. Ao fazerisso, estará plantando as sementes da paz,tanto para a região quanto para si mesmo.Desse modo, talvez possa ser redimido.

    Altaïr inspirou fundo e demoradamente.Isso ele poderia fazer. Isso ele queria —precisava — fazer.

  • — Nove vidas em troca da minha —falou cautelosamente.

    Al Mualim sorriu.— Uma oferta muito generosa, creio.

    Tem alguma pergunta?— Por onde devo começar?— Vá a Damasco. Procure o

    comerciante de mercado negro chamadoTamir. Que seja ele o primeiro a cair.

    Al Mualim foi até a gaiola de seuspombos-correio, pegou um deles e oconteve delicadamente com a palma emconcha.

    — Ao chegar, não deixe de visitar oBureau dos Assassinos. Vou despacharum pombo para informar o rafiq de suachegada. Fale com ele. Verá que temmuito a oferecer.

    Ele abriu a mão e o pássaro

  • desapareceu pela janela.— Se acha que isso é o melhor — disse

    Altaïr.— Acho. Além disso, não pode iniciar

    sua missão sem o consentimento dele.Altaïr reagiu.— Que absurdo é esse? Não preciso da

    permissão dele. É uma perda de tempo.— É o preço que paga pelos erros que

    cometeu — vociferou o Mestre. — Vocêagora responde não apenas a mim, mas atoda a Irmandade.

    — Que assim seja — cedeu Altaïr,após uma pausa longa o bastante paracomunicar seu desgosto.

    — Vá, então — ordenou Al Mualim. —Prove que ainda não está perdido paranós.

    Ele fez uma pausa, então apanhou uma

  • coisa debaixo da escrivaninha eempurrou-a na direção de Altaïr.

    — Pegue — disse.Com prazer, Altaïr alcançou sua

    lâmina, afivelando a braçadeira ao pulsoe enfiando no dedo mindinho a presilha desoltura. Testou o mecanismo, sentindo-senovamente um Assassino.

  • 9

    Altaïr seguiu seu caminho por entre aspalmeiras e passou pelos estábulos emercadores do lado de fora dos muros dacidade até chegar aos imensos eimponentes portões de Damasco. Eleconhecia bem a cidade. A maior e maissagrada da Síria, que tinha sido o lar dedois de seus alvos no ano anterior. Eleergueu o olhar para a muralha em volta eseus bastiões. Podia ouvir a vida alidentro. Era como se a pedra vibrasse porcausa dela.

    Primeiro, entrar. O sucesso da missãodependia de sua habilidade de se

  • movimentar anonimamente pelas ruas.Uma recusa dos guardas não seria omelhor começo. Desmontou e amarrou ocavalo, estudando os portões, onde osguardas sarracenos estavam de vigia. Eleteria de tentar outro meio, mas isso eramais fácil de dizer do que fazer, poisDamasco era notoriamente segura, e seusmuros — olhou para cima mais uma vez,sentindo-se minúsculo — eram altosdemais e muito íngremes para seremescalados pelo lado de fora.

    Então ele avistou um grupo deintelectuais e sorriu. Salah Al’dinincentivara os eruditos a visitaremDamasco para estudos — havia muitosmadraçais por toda a cidade — e, dessemodo, gozavam de privilégios especiais etinham permissão de andar à vontade por

  • ela. Ele se aproximou e se juntou a eles,adotando uma postura de devoção aogrupo e, na companhia deles, passoufacilmente pelos guardas, deixando odeserto para trás ao entrar na grandecidade.

    Lá, manteve a cabeça baixa, andandodepressa mas com cuidado pelas ruas, atéchegar a um minarete. Deu uma rápidaolhada em volta antes de saltar para umpeitoril, puxando o corpo para cima,encontrando mais apoios para as mãos napedra quente e escalando cada vez maisalto. Descobriu suas antigas habilidadesvoltarem, embora não estivesse semovimentando tão velozmente ou comtanta segurança quanto antes. Sentiu-asretornar. Não — despertar novamente. Ecom elas a velha sensação de alegria.

  • Chegou então na ponta do minarete e alise agachou. Como uma ave de rapinaacima da cidade, olhando em volta de si,vendo as mesquitas abobadadas e ospontudos minaretes que interrompiam ummar desigual de telhados. Avistoumercados, pátios e santuários, assim comoa torre que marcava a posição do Bureaudos Assassinos.

    Novamente, uma sensação de euforiapercorreu seu corpo. Esquecera o quantoas cidades pareciam bonitas vistas de umaaltura como aquela. Esquecera-se decomo se sentia, olhando para elas de seuspontos mais altos. Naqueles momentos,ele se sentia livre.

    Al Mualim tinha razão. Havia anos queos alvos de Altaïr vinham sendolocalizados para ele. Diziam-lhe aonde e

  • quando ir; seu serviço era matar, nadamais, nada menos. Não se dera contadisso, mas perdera a emoção do querealmente significava ser um Assassino,que não era banho de sangue e morte: eraum processo de descoberta interior.

    Esticou-se um pouco adiante, olhandoas ruas estreitas abaixo. As pessoasestavam sendo chamadas para rezar e asmultidões estavam diminuindo. Vasculhouos toldos e telhados, à procura de umaaterrissagem macia, então viu uma carroçade feno. Fixando os olhos nela einspirando fundo, pôs-se de pé, sentindo abrisa e ouvindo sinos. Em seguida deu umpasso à frente, caindo graciosamente eacertando seu alvo. Não tão macio quantohavia esperado, talvez, porém mais segurodo que se arriscar a pousar em um toldo

  • puído, capaz de se romper e derrubá-lo noamontoado da barraca abaixo. Ele prestouatenção, esperando até a rua ficar maissilenciosa, então pulou da carroça ecomeçou a seguir seu caminho para oBureau.

    Alcançou-o pelo telhado, caindo em umátrio sombreado no qual tinia uma fonte.As plantas amorteceram os sons do ladode fora. Era como se tivesse alcançadooutro mundo. Concentrou-se e entrou.

    O líder espreguiçava-se atrás de umbalcão. Ele se levantou quando oAssassino entrou.

    — Altaïr. Que bom vê-lo. E inteiro.— Você também, amigo. — Altaïr

    observou o homem, sem gostar muito doque viu. Principalmente porque ele tinhamodos insolentes, irônicos. Também não

  • havia dúvida de que fora informado dasrecentes... dificuldades de Altaïr; e, pelojeito do homem, planejava se aproveitarao máximo do poder temporário que asituação lhe proporcionava.

    Certamente, quando falou em seguida,foi com um sorriso malicioso que malpôde disfarçar.

    — Sinto muito pelos seus problemas.— Não foi nada.O líder adotou um ar de falsa

    preocupação.— Alguns de seus irmãos estiveram

    aqui mais cedo...Certo. Era por isso que ele estava tão

    bem informado, pensou Altaïr.— Se tivesse escutado as coisas que

    disseram — continuou o líder alegremente—, você com certeza os mataria no ato.

  • — Tudo bem — disse Altaïr.O líder sorriu.— É, você nunca foi de seguir o Credo,

    não é mesmo?— Isso é tudo? — Altaïr sentiu vontade

    de apagar com um tapa o sorriso do cãoinsolente. Isso, ou usar sua lâmina paraalargá-lo...

    — Desculpe — disse o líder,enrubescendo —, às vezes, me descuido.Que assunto o traz a Damasco? — Eleempertigou-se um pouco, lembrando-sefinalmente de seu lugar.

    — Um homem chamado Tamir —respondeu Altaïr. — Al Mualim discordado serviço que ele faz e pretendo acabarcom isso. Diga onde eu o encontro.