aspectos da fonologia e morfofonologia...

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UNIVERSIDADE F,EDERAL DO RIO DE JANEIRO MUSEU NACIONAL MLCM ê2/SB5 FT MEADE GenColl ASPE CTOS DA FONOL OGIA E MORFOFONOLOGIA TAPIRAPÉ Y.onne de FreltatJ í!.elte · Lingüística VIII 1977

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UNIVERSIDADE F,EDERAL DO RIO DE JANEIRO

MUSEU NACIONAL

MLCM ê2/SB5

FT MEADE GenColl

ASPE CTOS DA FONOL OGIA E

MORFOFONOLOGIA TAPIRAPÉ

Y.onne de FreltatJ í!.elte ·

Lingüística VIII

1977

f Q - 16 <;7tf)3 Publicação financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científ Tecnológico ( CNPq}, processo n.º 2222.0393/75 - 1977.

.-

ASPECTOS DA FONOLOGIA E MORFOFONOLOGIA TAPIRAPt

Yonne de Freitas Leite*

O. INTRODUÇÃO

A língua Tapirapé, segundo classificação de Rodrigues

(1964) incontestemente aceita, perte~ce i família Tupí-Guaraní .

Embora sendo um grupo visitado por viajantes no século XIX e

estudado por antropólogos em diferentes épocas a partir de 1935 ,

do ponto de vista ling6Ístico a documentação mais extensa pu­

blicada até agora é uma lista com 145 vocábulos e alguns cantos

com tradução interlinear (Kissenberth, 1916). Além disso deve

ser mencionada uma lista de palavras colhida por Propheta(l926)

em 1923 . Fora disso tem-se apenas palavras esparsas nos traba­

lhos dos antropólogos que estudaram o grupo, mas que nao foram

registradas com a finalidade precípua de documentação ling6Ís­

tica.

O presente trabalho1 constitui uma tentativa de des­

crever alguns fatos da fonologia e morfofonologia Tapirapé, de

modo a fornecer subsídios a uma caracterização mais precisa

dessa língua na família Tupí-Guaraní . Nessa perspectiva serao

analisados os fonemas vocálicos e consonantais, a nasalidade

das vogais e a alternância das consoantes finais das raízes no­

minais e verbais quando lhes são acrescentados os sufixos de no

minalização ( -ã), negação ( -i) , circunstânciq ( -ãwã) , "ge­

rúndio" (-ãl"'"V-wo) 2

. Serão tratadas também as mudanças dos mor­

femas patan "futuro imediato", poko "comprido" , p~ "passado i­

mediato" e kito "bem, bonito".

Biblioteca Digital Curt Nimuendajú http://www.etnolinguistica.org/biblio:leite-1977-aspectos

1. FONOLOGIA

1.1. - As vogais orais

O Tapirapé, juntamente com o A~uriní, singulariza-se

nor ter cinco fonemas vocálicos em lugar <lo tradicional siste­

ma de seis fonemas vocálicas da grande maioria de lÍnquas Tu­

oí-Guaraní 3.

são os seguintes os fonemas vocálicas orais do Taoi­

rapé com a respectiva exemplificação em pares contrastivos:

/ i / / e / -ape ãpi "fruta vermelha 11 "caminho dele"

/ i / I i / opi?ã "ovo" oi?ã "fígado"

! i ! / a / - 11 fazer 11 -ao a -ãpi 11 j ogar"

/ i / I o / -oik "chocar 11 -pok "furar"

/ a / / o / -pakã "torcer" -pokã "rir"

/ a / / e / - "caminho dele" ape -apa "raiz"

/ a / / i / ma " mão " mi "péll

/ e / / o /

marare "gado" miroro "ferida"

! e ! / 3: /

-ket "dormir" -kit "chover"

! i ! / o /

yi "machado" yo "espinho"

'1.1.1. Realizaç ão fonética das vogais orais

0 fonema / a / realiza-se como vocral central, baixa,

2.

1 ~o-arredondada, sonora. O fonema / i / realiza-se na maioria

tks vezes como vogal central, alta, não arredondada, sonora,

r1odendo realizar-se também como vogal central, T':lPdia, fechada

não-arredondada ( a,] . O fonema / e / realiza-se c omo

a nterior, média, aberta, não arredondada[(] e o fonema

va ria em sua realização de [u] a [o] . Aliãs a escolha

vogal

/ o /

da

norma deste fonema como / o / foi um tanto arbitrária, talvez

influenciada pela análise do Asuriní (Harrison, lg71). Em tra­

balho anterior (Leite, Y., 1977), em que estudamos a história

da evolução do sistema vocálico 'T' • -~ apirape, verificamos que o

pro to */ o / passou a / a / em Tapirapé e postulamos uma re9ra

em que o pro to *! u / passaria a / o /, mudança essa tamhém

compartilhada pelo Asuriní. Haveria, assim, uma lacnna no sis­

tema Tapirapé no lugar da vo~al posterior alta arredondada. U­

ma outra interpret~ção é possível: que o fonema posterior alto

do Tapirapé seja/ u /, com um esoaço de realização fonétic a

mais amplo.4 Torna-se pertinente aqui observar q ue em várias

outras línquas da família Tup í-Guaraní em que há o fonema/ o/,

este se realiza como uma vooal posterior, baixa, arredondada

[ ) ] , o que nao ocorre em Tapirapé. Aliás a realização do f o-

nem a / o / como [,)] seria de se esperar por paralelismo com o

fonema/ e/ que tem [t] como sua realização, se pensarmos se­

quindo uma teoria de "esnaços fonológicos" (cf. ~1oulton, 1961).

O fonema / i / realiz a - s e como uma vogal anterior, alta, fe­

chada, não-arredondada.

1. 1.2. Vooais nasais

$ série vocálica oral corresponde uma séri~ de cinco

fonemas vocálicas nasai s , cujos e xemplos de pares contrastivos

com a série oral se seguem:

! a / ! ã /

hawã "folha 11 hãwã "pena"

1 e / / ê /

ape "caminho dele" aoe "está torto"

3 •

/ i / / T

/ l.

ãpi "fruta vermelha" ãpI "mamãe"

..V

/ ! / / i /

ãti. "esposa" ãt~ "duro"

/ o / / o /

"espinho" - "capim" yo yo

Exemplos de contraste entre as vogais nasais

si sao os que se seguem:

/ i / I - I e

entre

kI?I "partícula usada ke?e "partícula usada quando quando mulher se mulher se dirige a ho-dirige a mulher" mem"

/ r / I - / a

... "envergonhar-se" "rachar" -yi -ya

/ .,.

/ / I / l.

ãpI "mamãe" top{ "raio"

/ I / I - / o

yI "nariz 11 - "capim" yo

/ - / / I I e

-we?e "temperar com pimenta" y.I? I "coração"

/ - / / / e a

ape "está torto" -ãtã "andar"

/ e / / õ /

ape "está torto" kÕ língua

-/ i / / a / "' yI?i- "coraçãoº kã?ã "mato 11

4 .

/ I / / õ /

tooi "raio" -yirõ 11 fazer as pazes"

/ ã / / õ /

-kã "quebrar po te 11 kÕ "língua"

1 . 2.3. Realização fonética das vogais nasais

As vogais nasais se realizam em geral como a versao

mais fechada e mais alta de sua contraparte oral. Assim avo­

gal / ã / se realiza como [~ J , / e / como [e 1 e/ ô / mrus como

L õ] . Em posição final de palavra, em posição tônica,

ceto no caso de/ ã /, o grau de nasalização das voqais -e

ex-

na

maioria das vezes bem pequeno, quase inaudível. Porém o.com­

portamento rnorfofonêrnico com os morfemas kãto, pam, poko e p~­

tan {vide 2.2 .) nos mostra que essas vogais ainda se compor­

tam como nasais.

Em posição átona final de palavra / ã / também tem

fraca nasalidade, realizando-se muitas vezes como uma voqal

central, baixa, não-arredondada, surda ou corno uma Mera aspi­

ração da consoante ~recedente; principalmente se esta for uma

oclusiva.

Antecedendo consoante nasal o contraste vogal oral

versus vogal nasal se neutraliza, podendo ocorrer tanto a vo­

gal oral como a vogal nasal. Essa situação se exemplifica bem

como o caso do morfema referencial de primeira e terceira pes­

soa do singular, ã- e a- resoectivamente (ex: ãpatok'ã "eu

lavo", apatoki "ele lava"). Com verbos cuja raiz se inicia

por consoante nasal a forma de primeira ou terceira pessoa po­

derá ser indistintamente a ou a: ãmãrãkã ou amãrãkã "eu/

ele cant-(o/a) . Parece-nos que precedendo consoante nasal

é m~is freqfiente a ocorrência de vogal fracamente nasalizada,

isto é, uma nasalização meramente fonética e imposta por moti­

vos de preparação articulatória. ~ verdade que não foi feito

5

um estudo estatístico dessas ocorr~ncias, nem um estudo COM

nasógrafo para se determinarem os diferentes graus de nasali­

zaçao.

Encontram-se também alguns casos <le alternância en­

tre I e a: amaniyo tV aminiyo "algodão", etimã rJ et:i:.mi

"parte inferior da pernaº, ãwã r...1 ãwI: "gente".

1.3. A interpretação das vogais nasais

A interpretação das vooais nasais no nível da fonéti­

ca sistemãtica como a seqü~ncia de vogal oral sequida de vooal

nasal não nos parece possível, por existir o contraste, em po­

sição tônica final de palavra entre vo~al oral, voqal nasal e

vogal sequida de consoante nasal. ExeMplos:

ãpé ·"caminho dele"

ape "está torto"

-apen "quebrou"

ãka

ãkã "estou aqui"

"quebrei o pote"

ããkam "estou brigando"

Além disso, morfofonêmicamente as vogais nasais têm

comportamento distinto das vogais seguidas de consoante nasal.

O f enômeno da nasalidade das vogais em Tapirané

difere dos casos clássicos de várias línguas da família Tupí­

Guarani. Em algumas línguas dessa família, como o Awetí nor

exemplo, ocorre o retrocesso da nasalização, isto é, as vogais

que antecedem uma sílaba tônica nasal se nasalizarn5 . Em casos

como esses basta marcar a vogal tôniça como nasal e a nasali­

zação das vogais que a entecedem é automática. Harrisone Tay­

lor (1971) apresentam uma análise para o Kaiw~ na qual estabe ­

lecem uma classe de palavras potencialmente nasalizadas; . uma

vogal t6nica nasal por ou nao nasalizar as vogais Precedentes.

Nos casos do Kaiwá' e Awetí, a nasalização é interpretada como

um fenômeno prosódico, no nível da palavra em Kaiwá e no nível

da sílaba em Awétí.

Em AwetI só em poucos casos ocorre uma vogal nasal

pré-tôniêa sem que a tônica seja nasal. Em Kaiwá as Palavras

6

que sao parcialmente nasais nos parecem ser aquelas em que a

síla ba tônica é potencialmente nasal (tupã ,y tüpa N tupã ) .

Parece-nos, pois, _ que só nesses casos serão encontrados vogais

pré-tônicas nasalizadas, sem que a tônica seja foneticaMPnte

nasal.

Já em Tapirapé ocorrem com fregftência voqais pré-tô­

nicas nasais sem que a sílaba tônica seja em qualquer instân­

cia nasal. Ex: -ãpá "fazer maãp:Ít "tres", tãkówã "febre" . A-

lém disso a nasalização nao

Ex: topI "trovão",

tawã "cara" , nopI "bater 11 ,

retrocede.

sendo tõpI

sendo tãwã

sendo nõpI

inaceitável

inaceitável

inaceitável

Há casos em que a sílaba tônica é nasal e a pré-tôni­

ca é contrastivament~ oral ou nasal.

Ex: ma?eãrã "iniciador" mã?eãwã "janela"

Cumpre salientar que a ocorrência de vo0al oré-tôni­

ca nasal sem que a tônica seja nasal é mais comum con a voqal

pré-tónica / ã /.

A explicação para o nao retrocesso <la nasalização e~

Tapirapé e seu status fonêmico nesses casos talvez esteja li­

gada à nasalização do proto */ a / para / ã / em Tapirapé ,

assim como à mudança do proto */o / nara / a / (cf. Leite ,

Y. , 1977). Ta~bém não há em Tapirapé as oclusivas prP.-nasali­

zadas mb, nd e ? ~, cuja ocorrên~ia en lÍnouas como o l<ayoá

e o Tupinarnbá estão intimamente relacionadas à nasalização das

vogais que as precedem. Essas oclusivaq pré-nasalizadas cor­

respondeM a m n e 9 respectivamente em Tapirapé . A in­

teração desses processos hist6ricos pode ter dado origem à não-previsibilidade das voqais nasais pré-tônicas, criancto u:rrt

contraste nessa posição e blo~uean0o a reqra oe retrocesso.

Fortalecendo essa hipótese, no Asuriní e eM Guajaj&ra, em que

não há vogais nasais fonêrnicas, tamhérn nao ocorrem oclusivas

pré~nasaliza?as. E parece haver indícios de que ocorreram e:rrt

Gu·:-J.jajara vogais nasais e o retrocesso da nasalização fi

7

Em vista desses fatos, a nasalidade das vogais em

Tapirapé nao pode ser interpretada como um fenômeno prosódico,

quer no nível da sílaba, quer no nível da palavra . Deve ser

analisada como um traço distintivo de cada vogal em si .

1. 4. As consoantes

1. 4.1. Fonemas consonantais, suas realizaç6es e restri ç 6es

de oçorrência

são as seguintes as consoantes fonêmicas do Tapira-.. pe: P' t k k w ? -~ h , , , .,m,n,,, r, ,w,y.

e y.

ternam

Dessas só ocorrem em final de palavra p, t, k, rn, n,~

Nesse ambiente muitas vezes as oclusivas e as nasais al

com 12' • • Ex. : ãket ,.._) ãke "eu durmo, ãpãk rv ana

"eu acordo, etc . Não ocorre a seqüência de vogal nasal -seguida de p ou t em final de palavra. Nesse amb iente e co-

mum a alternância entre p ,.v m, t ,._, n.

saio", awowot l"V awowon '1está inchado" .

palavra ocorre a seqüência V seguida

Ex: ãpa t {\) ãpan

Em posição final

de k (ãpãk "eu

"eu

de

a-

cardo") e nesses casos também é possível a alternância k 1""' ~ •

Cumpre notar que a morfofonêmica (vide 2.1.}, embora as conso­

antes alternem, mantém-se distinta para p,t, m, n (com exceção

de a seguido de m ou n). Outra restrição de ocorrência e de

t seguido de i.

O fonema / h / é de baixa freqüência . Ocorre em p:>­

sição inicial de algumas palavras quando seguido de vogal tô­

nica. Em outras posições intervocálicas alterna com ~- Ex: N IV - -aha ,v aa "ele vai", yah:i:. ,.,_,,. yai'. "lua 11

, hera "nome dele",

hiyã "dente dele"

O fonema / r / tem um "flao" nasalizado como alo f oner

que ocorre entre vogais nasais.

O fonema / y / tem os seguintes alofones : V c que

ocorre em síladas em posição pré-tônicas, y que ocorre em

sílabas pós-tônicas antecedido de vogal oral, n que ocorre em

sílaba pós-tônica intervocálica antecedido de vogal nasal e y

8

que ocorre em declive silâbico antecedido de vogal nasal. Ex:

' ãt'át "eu venho", máyã "cobra", hfnã "dente 11, ahíy "ele cor-

- V .! .. re", aceminuy "eu cozinho".

Há outras ocorrências de [y] em posição pré-tônica

como em [ yé ] "eu", [ à'y5ãk J "eu vejo", mas esses casos podem ,.J -

ser interpretados como / ie / e /aiyák / com uma regra de

assilabação de / i / quando em acl i ve ou declive silábico. Es­

ta interpretação, em que não se seguem as condições de biuni­

vocidade e invariança, tem a vantagem de diminuir a alomorfia,

assim reduzindo o número de formas básicas ou subjacentes.

O fonema / kw / foi interpretado como unidade por

nao ocorrer o padrão silábico CCV, existindo o contraste ekwé

"agora", ekué "depois", fonemizados como / ekwe '/ e / ekue /

respectivamente.

1.4.2. Exemplificaç ão de contraste entre consoantes

/ p / / m /

erepi?im "você se levanta" eremaim 11 você amarra"

ayip "ele desce" aãkim "ele afunda"

/ t / / n /

eretirik "voeª se mexe" ereniik "você junta"

aket "você dorme" a pen "quebrou"

/ k / / ') /

aka "ele está aqui" a t') a 11 este 11

ayaak "ele pisa" aye? e "ele fala"

/ m / / n I

amai.m "ele amarra" apawin "ela fiaº

yekimã "meu peito" !ni 11 não

9

/? / / y /

aã?i? "ele experimenta" ahiy· "ele corre"

yeki~ã "meu osso" hiyã "dente dele"

/ k / / ? /

yekiwã "meu piolho" ye?iwã "minha perna"

V?V vv

tã?irã "filho dele" tãiwã "formiga"

/ k / 1.1 / / h /

aka "ele está aqui" a! an "ele cai" ah a "ele vai"

/ n / / r /

herã "nome dele" takenã 'porta"

/ w / / p / / h /

tawã "testa" ipa "mão dele" aha "ele vai"

1.5. o acento tônico

O acento tónico em Tapirapé . recai sempre na Última

sílaba da raiz, isto é, todas as raízes são oxítonas. Os su­

fixos sao átonos, com exceção de -ãw "circunstancial" {que es­

tamos trat_ando até o momento como um sufixo) . Isto acarreta

palavras ox!tonas, parcxítonas e proparoxítonas .

10

I Ex: tãwã

I

tawã - .!. yawara

"aldeia"

"testa"

"cachorro 11

"" (tám + a) I

{tawã + ~)

(yãwán+ ã)

"' I ..,

(yãwãrã yawara "tucum 11 + J) - ... "para casa" (ãwít + i~e) awir1pe

kápe "para a roça"(ká + pe)

Dadas, pois, informações gramaticais o acento é pre­

visível em Tapirapé.

2. MORFOFON~MICA

2.1. Nesta seção serao apresentados, através do Quadro 1, os

casos de mudança da consoante final das raízes quando seaui--das dos sufixos nominalizador -a, negativo -i, circunstancial

ãw + ã e "gerúndio" --a. As raízes estão apresentadas

diante de pausa e no quadro abaixo o sinal J indica que nio h~

mudança na forma da raiz.

QUADRO I

~~Nom. Neg. Circunst. Ger. R -i - i -ãw+ã --a

..J

Vo Vw- Vw- Vp-v

Vp--am aw- aw- ap- ao-

V

Vm Vm- Vm- Vm- Vm-V

Vt Vr- Vr- V- Vt-.,,, - - ãt-an ~r- ar- a--.,,/

Vn Vn- Vn- Vn- Vn-'"' (Jy fJy- Ç! Vyt- Vn-v

ay ay- Ç! ãyt- ãt-v

Vy Vy- Ç! Vyt Vt-...,,

Vk Vk- Vk- Vk- Vk-""' VYJ Vt_;- V!)- V!) - v,-...,,, .

i Ç! Ç! i - i + wo ...,

V Ç! V- V V + wo

11

1:1

O quadro I mostra que as raízes terminadas em a se ­

guidas de m ou n tem o comportaMento das raízes terminadas em

p ou t respectivamente . Porém se a consoante final for k o

cornoortamento das raízes é o mesmo, não importando a qualida­

de oral ou nasal da vogal precedente. O caso das raízes ter­

minadas em y é mais ~omplexo e não temos até o momento uma

explicação plausível para seu funcionamento morfofonêmico. Em

vista da morfofonêmica e xposta para as raízes terminadas em am

podemos analisar o morfema circunstancial -ãw+ã como

( -ã sendo o morfema nominalizador).

-am+ã

2.2. Nesta seçao serao apresentadas as mudanças que oco r rem

com as consoantes iniciais dos morfemas patan "futuro imedia­

to", poko "comprido" , pam "passado imediato" e kãto "bem, b om

bonito" .

QUADRO II

I~ patanN :matanr...1 watan pokotv rnoko"' woko pamf'l<I' man kãto Nl:Jãto

Raízes

Vp + + + +

am + + + + Vt + + + +

an + + + +

Vy + + + +

Vk + + + +

Vm + + + + Vn + + + + vy + + + + V!J + + + + v + + + + -a + + + + V + + + ·+

. '

12

Observe-se no Quadro II que a seqdência da vogal a

seguida de m ou t acarreta uma mudança morfofonêmica análo­

ga à de vogal sequida de E ou t respectivamente para os ca­

sos de patan, poko e pam. A voqal a com esses morfemas com-

porta-se c omo vogal oral. Já no caso de kãto a seqtiência de

vogal a seguida de m ou n funciona como vogal seguida de - -vogal - vocral nasal. m ou n e a a como -

Os fenômenos tratados em 2.1. diferem dos tratados

em 2.2. Em 2 .1. trata-se de casos de juntura morfológica (+):

um sufixo é acrescentado ~ raiz e a mudança da consoante final

da raiz é obrigatória. Em 2. 2. parece-nos que se t.rata de um

tipo de sândi externo, talvez um caso especial de composição

ou de sintagma nominal. Tanto assim que a mudança da consoan­

te inicial. dos morfemas oatan, noko, paro e kãto é facultati­

va, podendo-se usar em todos os casos as formas p atan, poko,

~ e kãto. Como evidência de tipos de juntura diferente

temos os exemplos koyãrnoko

forma moko é obrigatória.

"classe etária .feminina", em que a

Já a forma koy~ ooko siqnifica

"mulher comprida" . Trata-se evidentemente .no primeiro caso de

urna palavra composta e no segundo de um sintaqma nominal . Tam­

bém as formas patan, poko, pam e kãto podem ocorrer com . pre­

fixos referenciais . Ex: apatan nele quer", i poko "é compri­

do " anam "acabou, ikãto "é bom". , _

Nos casos apresentaqos em 2.2. a consoante da raiz

preceàente cai, exceto y,· enquanto que nos casos apresentados

em 2.1. a consoante fina l da raiz se modifica.

Exemplos Quadro I

hap "tem folha"

hap+-ã ; hawã "folha dele "

ham "tem pena"

h am+-ã ). hãwã "pena dele"

top 11 tem pai"

top+-ã -:> towã "pai dele"

13

li' 1

14

etim "ter casa"

etim+-ã ) etimã "casa dele"

4:an "ter canoa

ian+-ã ) i:ãrã "canoa"

memi:t "ter filho"

mem.tt+-ã ) mernirã "filho"

ãpin ''ter cabeça"

ãnin+-ã ) ãpinã "cabeça"

tamuy "tem a.vô"

tamüy+-ã ) tamuyã "avô"

eWek "ter barriga"

ewek+-ã )1. 'V

eWeka "barriga"

ye?e!) "falar"

ye?e!J+-ã )a ye?e9ã "fala"

may "ter cobra''

may+-ã

maep "apagar

n+a+maep+i

i+maep+arn+ã

i+maep+ã

kwaham "saber"

n+a+kwaham+i · kw h -1+ a am+am+a i+kwaham+ã

ãk~m "afundar"

n+a+ãk4:m+i

i+ãk:irn+am+ã

we+ãk~rn+ã

it "assar"

n+a+it+i i+ii:t+am+ã i+it+ã

maya "cobra"

)

>

~

~

fogo"

namaewi

irnaepãwã

imaepã

k w h- . na a awi

"não apaga o foge"

"o apagar do fogo dele"

"apagando o fogo"

"ele nao sabe" ' w - -ik ahapawa 11 0 saber dele"

ikwahapã "sabendo"

naãk:i:rni "ele - afunda" nao

iãkimãi:,1ã "o afundar dele"

weãki,.ma "eu afundando"

nairi "não assa" iiãwã "o assar dele" iitã "assando-o"

?an "cair"

n+a+?an+i )o na?ãri "ele nao cai"

i+?an+am+ã ) i?ããwã "o cair dele"

we+?an+ã > weãtã "eu caindo"

pen "quebrar"

n+a+pen+i ) napeni "não quebrou"

i+pen+am+ã ipenãwã "o quebrar .dele"

i+pen+ã ~

ipena "quebrando-o"

poraay "dançar"

n+a+poraãy+i ) naporaay "ele nao dança"

i +_por aãy+am+ã

we+poraãy+ã

eiy coçar N

---) iporaãytãwã "o dançar dele"

--~) weporaãta "eu dançando"

"V

n+a+e?iy+i ----~.. nae?iy "ele nao coça t:>.·

i+ e?iy+ am+ã 'V' ----) ie?iytawa "o coçar dele"

i+ e?Iy+ã ie?inã "coçan do-o"

Exemplos Quadro II

w k aham "saber" kwakãwatan kwahãpam

ãyip "descer" ãy:i:watan ãyiparn

ãk!m "afundar" ãki:matan ãkimam

?an "cair" ?ãpatan ?ãpam

teomat "trabalhar" teomapatan teomapam

paw.in "fiar" pawimatan paw:i:mam

poraay "dançar" poraãymatan poraaymam

/ e?Iy "coçar" e?Iymatan e?!ymarn

yokã "bater " yokãpatan yokãparn

ãiwÕ "flechar" ãiwõmatan ãiwornarn

yema?e "aprender" yema?epatan yerna?epam

harn "pena" hãwoko ha~ãto

·~- -- .... --.

15

hap "folha" nawoko hakã.to

kim "peito" k:i:moko ki? ãto

ian "canoa" iãpoko i-a'.) ãto

ã~ . ..,! t "casa 11 ãwipoko ãwi:kãto

- "cabeça" ãoimoko ãpi!:) ãto anin .....

hiy "dente" h~ymoko hí- ~ ãto

iwãk ''céu" iwãpoko iwã 0 ãto

ehã "olho" ehãpoko ehã' ãto

kÕ 11 língua" komoko ko j ãto

kiyé 11 faca 11 kiyepoko kiyékãto

3. CONCLUSÕES

Pelo exposto nas seçoes anteriores podemos for-

mular algumas hipóteses sobre a evolução do Tapiraoé e tecer

algumas considerações sobre o estágio atual desta língua .

Lemle (1971) em seu trabalho sobre a classificação

interna das línguas da família Tupí-GuaranI menciona ser o Ta­

pirapé muito semelhante ao AsurinÍ. Na árvore genealÓqica que

apresenta, o Asuriní e o Guajajára fazem parte de um ramo por

terem ern comum as mudanças do proto */ a / e a desnasalação

das voqais. O Tapirapé nào é incluído na classificação em ár-. vore por nao compartilhar da desnasalação, tendo, porém, em co-

mum com es s as duas línguas a mudança da vogal */a/. Leite

(1977), partindo das consideraçõe s de L~mle, estuda a mudança

vocálica nessas línguas e demonstra ser a regra de desnasala­

ção bem tadia no Asurin!. Parece-nos que o exposto ~obre as

vo qais nasais do Tapirapé e a morfofonêmica pode lançar algu­

mas luzes sobre como se deu esse processo de desnasalaç~o das

vogais.

Vimos em 1.2.3. que em posição final de palavra, com

exceçao de / ã /, freqtientemente a nasalidade das vogais é pra­

ticamente inaudível. Enfatizou-se tarribém que o fenômeno do

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retrocesso da nasalização, comum em várias línguas que tem v -

gal nasal fonêmica, não ocorre em Ta~irapé. A nasalidade v -

cálica tem de ser interpretada como um traço de cada vo~ra l "'

não como um traço prosódico. Tamhém não ocorrem as oclusivaH

pré-nasalizadas, comum nas líncmas em que há retrocesso da na­

salização. Na parte de morfofonêmica observamos o comportame~

to como vogal oral das seqüências am e an e de / ã / como vo­

gal oral ao ser seguida dos morfemas oatan, ~e poko.

Houve em Tapirapé (Leite, 1977) uma reqra de nasali­

zaçao do proto */a /. Assim as formas atuais ame an, mos­

tram, por sua morfofonêmica, que devem ter se originado de

prato */ ap / e */ at / que passaram a *âp e *ãt e pos­

teriormente às formas atuais am, an. Vimos taMhém em 1.4.1.

que as raízes terminadas em/ p /, / t / e / k /podem alte-

r ar com /m/ , /n/ e / _s, /. raízes terminadas em /p/, /t/

Sabemos que inexistem em

e /k/ (Harrison, C . ,

Jl..surini

1971) .

Vimos também em 2. 2. que a mudança de patan, poko, par~ e kã­

to é facultativa.

Esses fatos parecem-nos mostrar que o Tapirapé ofe­

rece o exemplo de uma língua em 0ue a nasalidade vocálica ten­

de a desaparecer. E nesse desaparecimento pode:nos aventar al­

gumas etapas:

1) perda das oclusi vas pré-nasalizadas ·mb, na, ?k resoecti­

vament e e nesse ambiente há neutralização do contraste~'"'.

voqal oral versus vogal nasal, sendo mais freqüente a

ocorrência da vogal oral (vide 1.3.);

2) perda de processo de retrocesso da nasalização tornan­

do a nasalização das vogais um traço fonêmico seqmen­

tal e não prosódico;

3) desnasalaçio progressiva das vogais finais, iniciando~

se o processo pelas vogais [-b aixa] . Nesse caso a a­

lomorfia das formas patan, ~, poko e kãt o tenderia

a desaparecer, fixando-se as formas natan, poko, ~e

kãto;

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4) as consoantes finais atuais ~,t,k, por extensão, pas­

sariam a m,n?, deixando talvez resquícios <le seu es­

tágio anterior na morfofonêmica com sufixos.

O nosso procedimento nesse trabalho foi o <le adotar

uma ahordagem com a aual a an&lise sincr6nica orocurasse lan­

çar luzes sobre a hist6ria da lÍnqua. As hip6teses aventadas

para o desenvolvimento do Tapirapé não poderão ser testadas

num curto período de tempo. Mas h; línguas em que a nasali­

zação se perdeu. Com esse procedimento esneramos abrir um no­

vo caminho para o estabelecimento de uma problemática Tupí. As

hipóteses acima poderão, có~ e·studos realizados em línguas em

que ocorreu a desnasalização, ser reformuladas, ampliadas, con­

firmadas ou infirrnadas. Servirão, ao menos, como um ponto de

partida para o início de um debate produtivo e de trabalhos in­

tegrados.

NOTAS

* Professor-Adjunto da U.F.R.J. (Museu Nacional). Pesquisador­

bólsista do CNPq.

1. Os dados para o presente trabalho foram colhidos em cinco

viagens a aldeia Tapirapé, realizadas nos anos de 1967, 1968,

19fi9, 1975, 1976, totalizando um oeríodo de campo de 20 se-;

manas . As excursões foram financiadas pelo Conselho de En-

sino para Graduados da U.F.R.J. Queremos agradecer à Fun­

dação Nacional do Indio as permiss6es concedidas nara a

permanência na aldeia, à Fraternidade das Irmazinhas de Je­

sus e aos Taoirapé pela hospitalidade e ajuda e aos colegas

so Setor de Lingüística do Museu Nacional, em especial a

quth ~1aria Fonini Monserrat, pelas críticas e sugestões .

2. Usou-se a glossa "gerúndio" seguindo-se a tradição em estu­

dos 'I'upí. Este morfema é acrescentado a verbos que se te­

nham sujeitos iquais a urna oraç~o principal que e a primei­

ra numa senfiªncia.

3 . e f. Lei te , Y. , 19 7 7 .

lB

4. Agradecemos a Ruth Maria Fonini Monserrat nos ter mostrado

essa outra possibilidade de interpretação, porém manteremos

no texto a análise anterior.

5 . Comunicação feita por Ruth ~1aria Fonini Monserrat no Semi­

nário sobre Línguas Indígenas Brasileiras; realizado no Se­

tor de Lingtlística do Museu Nacional e intitulada "A Nasa­

lização em Awetí", durante o primeiro semestre de 1977.

6. Comunicação de Marília Lopes da Costa Fac6 Soares sobre "O

Processo de Desnasalização em Guajajara" feita no Seminário

sobre Línguas Tupi realizado no Setor de Lingfiística do Mu­

seu Nacional no primeiro semestre de 1977.

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