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Ana Amélia Corazza Genioli Doutorado em Comunicação e Semiótica São Paulo 2014 Mapas para desorientar e territorializar ambientes e corpos Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

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Ana Amélia Corazza Genioli

Doutorado em Comunicação e Semiótica

São Paulo

2014

Mapas para desorientare territorializar ambientes e corpos

Pontifícia Universidade Católica de São PauloPUC-SP

Ana Amélia Corazza Genioli

Mapas para desorientare territorializar ambientes e corpos

Pontifícia Universidade Católica de São PauloPUC-SP

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, comoexigência parcial para obtenção do título de Doutor

em Comunicação e Semiótica, Área de

Concentração Signo e Significação nas Mídias, sob

orientação da Profa Dra Christine Greiner

Banca Examinadora

2014

Mapas para desorientare territorializar ambientes e corpos

Ana Amélia C. Genioli

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Mapas para desorientarAGRADECIMENTOS

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Especiais a Christine Greiner, por me “desorientar” e me ensinar outras noçõesde vida.

Aos amigos Ruy Sardinha Lopes, Renata Padovan e Luiz Recaman, companheirosde conversas imprescindíveis.

Ao Durvile, por sua participação indispensável.

Aos meus irmãos, Luís e Andréa, pelo apoio incondicional.

A Maria Luísa Guedes, pela interlocução e pelo incentivo fundamentais.

A Vera Mariotti, pelos projetos e produção cuidadosa dos livros.

Aos colegas da pós-graduação, do Centro de Estudos Orientais da PUC e doNúcleo de Espacialidades Contemporâneas da USP – São Carlos, pelas trocasrelevantes durante todo o percurso.

Mapas para desorientarSUMÁRIO

Resumo ........................................................................................................................................... 11

Introdução ................................................................................................................................... 13

A experiência perceptiva na obra de Jorge Macchi ............................................. 29

O encontro na obra de Lee Ufan ..................................................................................... 71

O acabado do inacabado nas obras de Silvia Bächli ............................................ 107

Conclusão ................................................................................................................................... 157

Breves Biografias ..................................................................................................................... 171

Referências e créditos .......................................................................................................... 177

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Mapas para desorientarRESUMO

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Resumo

Mapas para desorientar

e territorializar ambientes e corpos

O objetivo principal da pesquisa é analisar ações comunicativas que exploramdiferentes relações entre corpo e ambiente através de experimentos performativos.O corpus da pesquisa foi composto por obras artísticas de Jorge Macchi, Lee Ufane Silvia Bächli. Atuando em diferentes continentes (América Latina, Ásia e Europa),estes criadores tem colocado em cheque os limites epistemológicos entre acomunicação e a arte, pois, ao invés de lidar com materiais e modelos estéticos,concentram-se em explorar relações comunicativas entre corpo e ambiente, partindofundamentalmente de processos de percepção. Para tanto, vem construindocartografias cognitivas que reinventam cidades e objetos, profanando o papel dosujeito como agente soberano dos processos de comunicação. A hipótese centralda tese é que, a partir de estratégias específicas que traduzem imagens, mapas eações em conceitos, as experiências analisadas apresentam caminhos de resistênciaa modelos de subordinação, desestabilizando categorias e classificações identitáriaspreviamente conhecidas, nas quais os sujeitos habitualmente se reconhecem. Afundamentação teórica é dada pela teoria corpomídia (Greiner e Katz), que acionauma de rede de autores de áreas diversas como teorias da comunicação, ciênciascognitivas e filosofia política, tendo em vista analisar de maneira complexa e nãodeterminista a constituição de subjetividades. O resultado apresentado não serestringe à análise das obras, mas busca colaborar com discussões mais amplas nocampo da comunicação, sobretudo em seus desdobramentos políticos, cada vezmais explícitos quando se reconhece todo corpo como corpomídia.

Palavras-chave: corpomídia, comunicação, política, artes visuais

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Abstract

Maps to desorient

and to territorialize environments and bodies

The main objective of the research is to analyze communicative actions that exploredifferent relationships between body and environment through performativeexperiments. The corpus of the research is composed of artistic works by JorgeMacchi, Lee Ufan and Silvia Bächli. Acting on different continents (Latin America,Asia and Europe), these creators have checked the epistemological boundariesbetween art and communication; instead of dealing with materials and aestheticmodels, they focus on exploring communicative relationships between body andenvironment, essentially starting from perception processes. To do so, they havebeen building cognitive cartography that reinvent cities and objects, desecratingthe role of the individual as sovereign agent of communication processes. Thecentral hypothesis of the thesis is that, from specific strategies that translateimages, maps and actions in concepts, the experiences analyzed showed theresistance paths to models of subordination, destabilizing previously known identitycategories and classifications, in which the subjects usually recognize themselves.The theoretical basis is given by the bodymedia theory (Greiner and Katz) , whichtriggers a network of authors from several areas such as theories of communication,cognitive science and political philosophy, in order to analyze in a complex andnon-deterministic way the constitution of subjectivities. The result presented isnot restricted to the analysis of works, but seeks to work with broader issues inthe field of communication, especially in its political developments, more and moreexplicit in recognizing the entire body as bodymedia.

Keywords: bodymedia, communication, politics, visual arts

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Introdução

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Introdução

Mapas para desorientar

e territorializar ambientes e corpos

O objetivo principal desta tese é testar novos níveis de descrição para analisarobras de arte, de modo a verificar de que forma tais experiências podem colaborarpara os estudos contemporâneos do corpo e para a formulação de novasepistemologias que conectam diferentes áreas de conhecimento, especialmente acomunicação, a arte e as ciências cognitivas.

O resultado pretendido não é chegar a conclusões reveladoras, nem tampoucojustificar ou explicar a criação artística, mas montar um mapa de referências sobreos trânsitos entre arte, comunicação e ciência que se constituem no continuumentre mente-corpo-ambiente e, assim, simulam analogicamente o processo decriação. As conexões trazidas se dão por uma rede de acionamentos formulada apartir dos processos de criação e do modo como tais redes me acionam comoartista e pesquisadora. Dessa forma, a tese lida com as diversas bibliografias nosentido proposto por Foucault e Deleuze em uma conversa publicada nos anos1970, em Microfísica do poder. Nesse diálogo, os autores propõem tanto asexperiências práticas quanto as teóricas, e também exercícios. Ou seja, elesconcluem que uma teoria nunca é aplicada na prática, pois, a cada vez que acionaquestões, é reconstruída, mantendo a sua existência processual, inacabada, abertae apta a reinvenções. Essa noção de exercícios ou mapas inacabados, sempre emconstrução, norteou a metodologia que foi criada para lidar com os trânsitosindisciplinares construídos no decorrer da tese, ou seja, deliberadamenteirreverentes em relação às fronteiras disciplinares que caracterizam a construçãode algumas epistemologias compartimentadas em seus nichos de conhecimento(analisar arte a partir da teoria da arte, as mídias com base em teorias dacomunicação, o corpo a partir da ciência).

Ao invés disso, em meio às análises das obras foram criados pequenos cadernosde imagens de trabalhos artísticos produzidos no percurso. São obras que seoriginaram a partir de insights criativos durante a pesquisa e que tratam deincorporações conceituais não apenas do discurso verbal, mas do discurso-imagem,do discurso-sensível.

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No decorrer do processo, foi ficando cada vez mais claro que esta tese tratatambém, o tempo todo, do processo de desaparecimento paulatino da figura e deseus dispositivos de identidade, privilegiando o surgimento da noção de “situação”em trabalhos de arte. Estes trabalhos são vistos como mapas de conhecimentoque cartografam a experiência de “ser no mundo” em determinado meio, abrindomão de todos os modelos dados a priori, inclusive a noção de representaçãofigurativa e tudo que se refira a identidades reconhecíveis. Ao invés disso, explicitam-se as singularidades, os acontecimentos, as ocorrências.

Há mais de uma década, não apenas os artistas, mas alguns cientistas começarama se interessar por estas pontes. Um bom exemplo é o de Semir Zeki, que chegoua afirmar que a arte nada mais é do que uma extensão da função do cérebro. Noentanto, o processo de criação de alguns artistas sinaliza uma relação aindamais dinâmica e distendida, que envolve cérebro, corpo e ambiente ou, maisespecificamente, processos de criação norteados por mapeamentos perceptivos.No caso específico dos artistas escolhidos para compor o corpus desta tese, aoinvés de lidarem com materiais, sensações, conceitos ou modelos estéticos, elesestabelecem antes de tudo uma relação comunicativa entre corpo e ambiente,constituída pela percepção, aqui entendida como ação cognitiva. Por isso, paraanalisar as suas obras e processos, a tese constrói uma fundamentação teóricavoltada para os estudos do corpo e da cognição, ao invés de lidar com as teoriascríticas da arte, e em termos metodológicos propõe encontros entre obras artísticase teorias científicas de forma a identificar, por similaridade, modos de produzirsubjetividades.

Os trabalhos artísticos selecionados não são tratados como estudos de caso – aobra analisada a partir da teoria –, mas como exemplificações – pelo reconhecimentode empatias. A ideia é criar uma ‘mestiçagem de conhecimento’, ou seja, ummosaico de referências e relações do que está sendo pensado por artistas e o queestá sendo elaborado por cientistas e de que maneira isso tudo me nutre comoartista. É importante ressaltar que as relações criadas entre arte e textos teóricosnão implicam que os artistas analisados sejam leitores das ciências cognitivas,nem tampouco que a leitura científica pretenda justificar ou explicar algum fenômenoartístico, conforme mencionei anteriormente. Por outro lado, também preferi evitara análise das práticas discursivas dos artistas, focando na rede de acionamentosgerada a partir de seus processos de criação.

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É importante observar que o corpo ao qual nos referimos nesta tese não é coisaou instrumento, mas corpomídia, criador de cadeias sígnicas (Katz; Greiner, 2001).Neste viés, a ação do corpo vai incorporando trocas contínuas com os ambientes:

O que está fora adentra e as noções de dentro e fora deixam de designarespaços não conectos para identificar situações geográficas propícias aointercâmbio de informação. As informações do meio se instalam no corpo; ocorpo, alterado por elas, continua a se relacionar com o meio, mas agora deoutra maneira, o que o leva a propor novas formas de troca. Meio e corpo seajustam permanentemente num fluxo inestancável de transformação emudanças. (Katz; Greiner, ibid, p. 71)

O corpo se transforma cada vez que percebe o mundo e como numa via de mãodupla, simultaneamente, o mundo também é transformado pelo corpo. Neste viés,lida-se com o binômio fora/dentro como complementaridade aberta e não comoexterioridade mútua.

A tese se organiza a partir de três encontros que acionam debates e insights,gerando novos processos de criação. São eles: Jorge Macchi e Alva Noë; LeeUfan e António Damásio; Silvia Bächli, William Hirstein e Vilayanur S.Ramachandran.

Uma breve biografia de todos os envolvidos, assim como as suas principais obraspodem ser consultadas ao final. No decorrer da pesquisa, o que realmente interessasão as possíveis conexões, os modos como as leituras (das obras e dos textos)esclarecem umas às outras; e de que maneira esta produção de conhecimentopotencializou novos processos de criação borrando todas as categoriashabitualmente segmentadas: pesquisa acadêmica/pesquisa artística, sujeito/objetode estudo, tese acadêmica/produção artística. Nesse sentido, há inserções daminha própria obra que, no contexto da tese, funcionam como reflexão oudesdobramento de questões. Nunca como legenda ou ilustração.

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A experiência perceptiva na obra de Jorge Macchi

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A experiência perceptiva na obra deJorge Macchi

Obras artísticas podem ser vistas como um sistema sígnico que estrutura a propostado artista em termos de experiência perceptual cognitiva. Ou seja, elas cartografama experiência de “ser no mundo” em determinado meio. Neste viés, trabalhos dearte são como mapas de conhecimento. Para Deleuze e Guattari:

O mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável,reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode serrasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, serpreparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social. Pode-se desenhá-lo numa parede, concebê-lo como obra de arte, construí-lo como uma açãopolítica ou como uma meditação. (Deleuze; Guattari, 1995, p. 22)

Observar obras artísticas como mapas pode acionar experiências que inauguramconceitos ou inquietações a partir de movimentos de deslocamento e desorientação.Algumas vezes, o próprio mapa pode ser o tema dos trabalhos de arte, explicitandoo seu caráter processual.

Nesse contexto, podemos observar o trabalho recente de Jorge Macchi, que seapropria de mapas-múndi, mapas de cidades, partituras e objetos do cotidiano erealiza intervenções sobre eles, de forma a constituir ‘desarranjos’.

Em sua obra Buenos Aires Tour, Macchi apresenta trajetos turísticos criados apartir do desenho de oito rachaduras de uma chapa de vidro quebradaaleatoriamente. Oito linhas com quarenta e seis paradas do sistema de metrôportenho se sobrepõem ao desenho das rachaduras. A cartografia gerada segue opadrão visual do mapa das linhas de metrô londrinas. A obra, que é vendida emlivrarias como um kit de viagens, possui ainda um livro, um CD-ROM, um dicionário,cartões-postais e selos. Com o CD-ROM se pode percorrer a cidade de outrasformas, não só seguindo os trajetos, mas, também, investigando conexões criadaspor taxonomias de objetos e sons.

Porém, ao invés de se sentir localizado, com um guia seguro, o espectador ouviajante é confrontado com experiências de desorientação. As imagens e os sonsdo trabalho não são marcos reconhecíveis, nem ajudam a obter orientação; sãocartazes publicitários, anúncios de missa, pichações nos muros, painéis artísticosem azulejos ou sobre uma porta de aço, anúncios de gato perdido, de cachorroperdido, sombras de cruzes, marcas de tiros e sangue, um cigarro apagado, nomes,recados, vitrines, dejetos, uma nota suicida, orações. Essas mensagens, que nãobuscam comunicar significados claros, são signos urbanos que estão mais próximosda condição de ruído.

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Jorge MacchiBuenos Aires Tour-Vista de Exposição

2003

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Suas imagens são vestígios, uma referência a algo que sobrou, que aconteceu ouficou suspenso no tempo. São como stills de um filme montado a partir de fragmentosde outros filmes, trazendo uma narrativa que não conta histórias, mas mapeiaestados.

As imagens visuais e sonoras apresentadas no kit de viagens sugerem releiturasda cidade e acionam outras percepções.

Podemos observar que o artista não empreende a leitura de uma situaçãoespecífica, como por exemplo determinada vivência sobre a cidade de BuenosAires, mas dá atenção a ‘como’ experienciamos cotidianamente sistemas sígnicospadronizados.

Daniel BurenWork in Situ

1969

Jorge Macchi (com EdgardoRudnitzky e María Negroni)Buenos Aires Tour2003

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Os estudos sobre percepção e consciência que vêm sendo propostos pelo filósofoe cientista cognitivo Alva Noë redimensionaram meu entendimento sobre o processoperceptivo na obra de Jorge Macchi. Evidentemente, não se trata de tentar explicarcognitivamente o processo do artista, porém de abrir novos estados para a própriaobra, e, ao fazê-lo, abrem-se circuitos perceptivos ainda não explorados.

Alva Noë (2006) substitui com frequência a palavra percepção por ‘desempenhoda experiência perceptiva’. Isso porque, para esse autor, perceber já é uma formade agir. A percepção não é algo que acontece para nós, ou em nós; é algo quefazemos. A sua hipótese é que percebemos o espaço pelo toque (como uma pessoacega), não tudo ao mesmo tempo, mas por meio de uma investigação e movimentoshábeis através do tempo. A percepção não é um processo que ocorre apenas nocérebro, mas, sim, uma habilidade do corpo como um todo. Nós desempenhamos anossa experiência perceptual, e, deste modo, a forma dos objetos se altera conformenos movemos e mudamos nosso campo de visão, o som fica mais alto quando nosaproximamos da sua origem, movimentos da mão sobre superfícies nos provocammudanças de sensações. Esses são exemplos de padrões de dependência sensório-motora que somos hábeis em perceber. Essa destreza aparece num automatismoirrefletido, como, por exemplo, no modo como movemos nossos olhos, nossa cabeçae corpo para alcançar o que está ao redor. De forma espontânea movemos nossacabeça, erguemos o pescoço ou nos aproximamos para termos uma visão melhor.

Essa habilidade de perceber, que não somente depende da habilidade deste tipode conhecimento sensório-motor, mas também se constitui por ela, é definidacomo “abordagem enativa”.1

Esta abordagem enativa sugere que somente uma criatura com certas habilidadescorporais, por exemplo uma familiaridade básica com efeitos sensoriais dos olhos,poderia perceber. Ou seja, perceber é um tipo hábil de atividade corporal. Esteautomovimento depende de modos perceptivos de autoconsciência, por exemplo apropriocepção,2 e também de uma “autoconsciência perspectiva”.3

1 O conceito de enação, formulado inicialmente por Varela, Thompson e Rosch no livro Amente incorporada (1991), enfatiza a ideia de que o mundo experienciado é retratado edeterminado por interações mútuas entre a fisiologia do organismo, seu circuito sensório-motor e o meio ambiente. O interesse dos autores no agrupamento estrutural de mente-corpo-mundo constitui o núcleo do programa de cognição incorporada, baseado na ideiaclássica fenomenológica de que agentes cognitivos trazem à tona um mundo por meio deuma atividade de seus corpos viventes situados. Fonte: The Standford Encyclopedia ofPhilosophy, Edward N. Zalta (ed.).

2 O termo propriocepção se refere ao reconhecimento do próprio corpo ou partes do corpono espaço e à medida e ritmo em que mudam de posição.

3 A capacidade de manter o controle de sua relação com o mundo ao redor de si (Noë, 2006,p. 2).

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Esta explicação é incompatível com a ideia, bastante disseminada, de que apercepção é um processo no cérebro pelo qual o sistema perceptivo constrói umarepresentação interna do mundo. Certamente, existem representações internasno cérebro, como, também, a percepção depende do que acontece no cérebro.Mas a percepção não é um processo que se dá exclusivamente no cérebro, e simum tipo hábil de atividade do animal como um todo. Esta hipótese, mais uma vez,derruba a soberania da razão que, em certo sentido, ainda assombra os estudosda percepção fazendo desta habilidade uma fonte secundária de conhecimento ou,pior ainda, uma atividade definitivamente não cognitiva e passiva.

A obra de Macchi não apenas exemplifica artisticamente o que Noë está propondo,na medida em que seus mapas sugerem o tempo todo o movimento do corpo e asua ação cognitiva na relação com o espaço; não se trata apenas de umarepresentação visual, mas também tátil.

Segundo Noë, quando pensamos sobre percepção, há uma tendência para seconsiderar a visão, e não o toque, o nosso ponto de partida. Além disso,compreende-se a visão como o padrão fotográfico. Imagina-se que, ao abrir osolhos, tudo é dado, de uma vez: uma impressão focada da situação presente emtodos os seus detalhes. Desta maneira, a relação entre o movimento e a percepçãoseria somente instrumental. O autor cita o exemplo da relação do movimento coma câmera e o resultado da foto. Nós nos movemos para encontrar o melhor ânguloda fotografia. No entanto, o movimento que acontece antes acaba sendodesconectado da fotografia em si. Assim também acontece com a percepção.Movemo-nos buscando um ponto de vista para melhor observar nosso objetivo eentão decidir o que fazer. Como observa Noë, a visão e o movimento são tãodesconectados quanto a fotografia e o movimento com a câmera, ou mesmo ogancho do boxeador e o treino que precedeu a ação. Ou seja, existe relação entreas coisas, mas é uma relação não constitutiva. A eficácia do golpe é independentede como o boxeador aprendeu a fazê-lo, e as qualidades da imagem sãoindependentes de como a câmera foi regulada ou posicionada.

Susan Hurley (1998, apud Noë, 2006, p. 3) chamou esta visão simples da relaçãoentre percepção e ação de imagem input-output: percepção é input, ou seja, aentrada do mundo na mente; ação é output, a saída da mente para o mundo; e opensamento é o processo de mediação.

Se esta explicação fosse correta, seria possível dissociar percepção, ação epensamento. Contudo, para Noë, tal dissociação é impossível:

Toda percepção, eu declaro, é intrinsecamente ativa. A experiência perceptivaadquire conteúdo graças à atividade habilidosa daquele que percebe. Eu tambémafirmo que toda percepção intrinsecamente envolve pensamento. Criaturascegas podem ser capazes de pensar, mas criaturas sem pensamento nãopoderiam jamais ver, ou ter qualquer experiência perceptual portadora deconteúdo genuína. Percepção e consciência perceptiva são tipos de atividadesque envolvem pensamento e conhecimento. (2006, p. 3)

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Ao analisar a obra Buenos Aires Tour, de Macchi, percebe-se um passeio semtrajeto predefinido. O artista propõe justamente uma exploração de situaçõesurbanas pelos sentidos, como estar ‘à deriva’,4 por seus cheiros, por coisas atrativas,pelo contato com as pessoas, ou seja, deixar-se levar pela percepção.

Esta estratégia torna-se ainda mais clara nos trabalhos de Macchi que apresentamintervenções sobre mapas de cidades, de territórios ou mapas-múndi. Sobre omapa de Amsterdã ele intervém removendo as “porções de terra”, deixando apenasos canais. Com isso, não apenas fragiliza fisicamente o objeto, como tambémadiciona outras dimensões formais. Com os recortes, os canais ganham espessurapela sombra projetada. Os vazios são agora preenchidos pelas paredes, o quesugere uma continuidade, uma conexão da representação espacial com o própriolugar da exposição.

4 Na década de 1960, o grupo revolucionário Situacionistas, liderado por Guy Debord,utilizou o método “à deriva” como forma de explorar a cidade como um lugar de experiênciae possibilitar a construção de situações. Para Guy Debord (1958), estar à deriva era“deixar-se levar pelas solicitações do terreno e pelos encontros que a ele correspondem”.O grupo costumava vagar pela cidade à noite, para explorá-la como um campo deexperiência e vida, e questioná-la quanto ao seu potencial de construção de situações. Oconhecimento obtido com este método foi transcrito em mapas psicogeográficos de umacidade “real” para os habitantes. Segundo Heinz Stahlhut et al. (2007), o grupo pretendiadestruir todas as formas de representação, rejeitar a autoridade, desmantelar os símbolosdo poder, abolir todas as formas de arte e espetáculo cultural, para recuperarem uma vidadespojada pelo consumo e pela produtividade.

Jorge MacchiAmsterdam2002

Jorge MacchiCiudad Cansada

2004

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A trama resultante do desenho dos canais no trabalho Amsterdam ou das vias emCiudad Cansada (México) ganha uma delicadeza poética. Os mapas tornam-seobjetos autônomos e, destituídos de sua funcionalidade, podem apenas seexpressar. A leitura desses novos mapas sensíveis parte do reconhecimento doselementos anteriores ao objeto junto aos novos signos gerados pela intervençãodo artista pelo processo de semiose, ou seja, explicitando que um signo é sempreinterpretado em outro signo, em um continuum sem fim.

É interessante observar que, ao destituir o mapa de suas funções conhecidas deorientação, há um confronto com a presença da materialidade. De certa forma,pensamos que o artista, ao se apropriar e intervir sobre a imagem, resgata oobjeto tridimensional. Assim, ressalta qualidades, muito frequentemente‘despercebidas’ em situações como, por exemplo, ao manusearmos um mapa. Eisso se relaciona com a maneira como funciona o nosso sistema visual. Ou seja, écomo se, através de seus mapas, Macchi externalizasse e conferisse materialidade(e visualidade) a uma função cognitiva que foi, antes de mais nada, processadainternamente no corpo, na experiência da deriva. Quando tal experiência se refazna obra de arte, é evidentemente uma nova experiência, a performatização de umacontecimento que pode engendrar um novo processo naquele que agoratestemunha os mapas.

Segundo Noë, os estudos tradicionais da visão postulam que ela se dá pela “óticainversa”. Isso quer dizer que a descrição tridimensional da disposição do ambienteparte de sua projeção bidimensional sobre a retina (Marr, 1982). No entanto, deacordo com suas hipóteses, este problema estaria mal colocado:

Por que deveríamos supor que os dados para a visão são apenas o conteúdoda imagem retiniana? Se pensarmos o percebedor não como um sistemafotorreceptor cerebral, mas como um animal completo situado no ambiente,livre para se mover ao redor e explorar, então nós podemos considerarseriamente a possibilidade de que os dados para a visão não são o conteúdode uma imagem retiniana como um instantâneo fotográfico estático. (2006, p.20)

A informação vai sempre além dos dados disponíveis à retina estática. Na maiorparte do tempo, nós precisamos apenas mover nossos olhos, ou nossa cabeça, ougirar o corpo, para nos informarmos melhor sobre o ambiente..... Como exemplificaNoë (2006, p. 22), “Quantas prateleiras existem na sua sala? Você não necessitater uma representação interna para responder; você precisa somente ser capazde girar e olhar”. O mundo pode servir como nossa memória externa ou mesmocomo seu próprio modelo (O’Regan, 1992, e Brooks’s, 1991, apud Noë, 2006).Nossas habilidades corporais nos permitem obter as informações do mundo deque precisamos, quando precisamos delas.

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Para entender esta abordagem, Noë supõe que alguém esteja numa cidadedesconhecida e com a tarefa de alcançar o castelo na colina no centro da cidade.Ele apresenta duas possibilidades para se cumprir a tarefa: a primeira é atravésde um mapa; e a outra, através da visão. Pelo mapa se tem que traçar o caminho,identificar as correspondências entre os pontos no mapa e os pontos no espaço, erastrear o progresso no cumprimento do trajeto escolhido. A segunda estratégia émais simples: pode-se olhar ao redor e verificar que é possível ver o castelo nacolina. Assim, pode-se dispensar o mapa e dirigir-se ao castelo. É preciso ter ocastelo fixo no olhar. Esta segunda estratégia tem vantagens sobre a primeira:para chegar ao castelo não há necessidade de um mapa; mapas são caros enecessitam de tempo para serem estudados. Entretanto, ela tem seu lado negativo.A estratégia realmente funcionará se o castelo puder ser visto (se não for noite,por exemplo). Outras dificuldades poderão aparecer, como, por exemplo, o caminhoser entremeado por ruas sem saída em uma cidade do tipo de um labirinto. Ouseja, o funcionamento dessa estratégia depende da forma do ambiente, dashabilidades do sujeito e da maneira como ele está inserido no ambiente. Ballard(1996, apud Noë, 2006, pp. 23-4), que trabalha com robótica e inteligência artificial,propôs que “dada a natureza de nosso ambiente e da forma como estamos inseridosnele, a visão está em uma posição de tirar proveito de algo”, conforme se verificana segunda estratégia.

Se você pretende pegar um copo de café, declara Ballard, você não precisaráprimeiro construir uma representação detalhada interna do copo no espaço: poderáapenas fixar o seu olhar sobre o copo – o seu olhar é uma maneira de apontar parao copo, um ato dêitico (que demonstra) – e deixar o copo desempenhar o papel deguiar a mão até ele. Ao invés de traçar um trajeto através de um mapa interno,você age sobre o que você olha e deixa o fato que lhe interessa, que está à suafrente, desempenhar uma função orientadora. Um resultado importante dessaproposição é que ela reduz a carga de representação do sistema e faz isso pormeio do uso intensivo de nossas habilidades corporais. Dessa maneira, em vez denos embasarmos em uma simples cognição e construirmos uma representação doponto no espaço em nossas mentes, aproveitamos o fato de termos ligações maisimediatas com o mundo, desenvolvidas desde a origem dos homens, e, também, depossuirmos tipos de habilidades corporais que nos permitem explorar essas ligações.Tais ligações têm como base fluxos contínuos entre corpo/cérebro/ambiente, deforma a organizar a subjetividade num contexto de movimento.

A possibilidade de explorar o espaço sem um mapa dado a priori reconecta o corpocom o ambiente através de habilidades corporais e proporciona experiênciasperceptivas e cognitivas inéditas ao espectador.

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Os mapas de Macchi não se comunicam por mensagens já codificadas, mas pelavia da percepção, e podem ser vistos não apenas como mapas fenomenológicos,mas também epistemológicos, que constroem semiose e cognição.

Mapas costumam promover uma localização do seu lugar no mundo, contudo osmapas de Macchi abrem espaço para as ausências e, assim, “articulam as zonasambíguas da nossa consciência”, como declara María Gainza (2005). E a autoracontinua: “ele cria uma ficção tão radical que pode trazer o seu público a olharcom doce admiração a estrutura e o significado da experiência”.

A obra Guía de la inmovilidad é um mapa da cidade de Buenos Aires em formato decaderno, no qual o artista remove as quadras da cidade, mas deixa permaneceremas vias de circulação. A sobreposição das folhas resulta em uma trama na qual asvias se emaranham, estancando a fluidez urbana planejada.

A imobilidade a que se refere o trabalho não é somente produzida por imaginarmosa impossibilidade de circular pela cidade com este mapa, mas também decorre donão entendimento dos estímulos visuais. A obra, ao não produzir conteúdoscompreensíveis, aciona uma espécie de cegueira instantânea ou, como propõeNoë, uma cegueira experiencial.

Estar cego, para muitas pessoas, é como estar num estado de escuridão, de ausênciae privação. Ou, mesmo, entendem que exista um sentimento de incompletude napessoa cega. Entretanto, esta é uma falsa imagem da natureza da cegueira. Umapessoa cega por um longo tempo não experimenta a cegueira como uma interrupçãoou ausência. Assim como pessoas cegas não possuem sensações táteis ou auditivasmais apuradas para compensar a falha em ver.

Considere, você é incapaz visualmente de discernir o que acontece na sala aolado, mas você não experimenta esta inabilidade como uma lacuna em suaconsciência visual. Da mesma forma, você não encontra a ausência de um tipode informação olfativa, que estaria presente em um cão de caça, como algoque falte em seu sentido olfativo. Nem você nota a ausência de parte docampo visual que cai no “ponto cego” de nossa retina. Da mesma forma ocego não entende sua cegueira como ausência. (ibid, pp. 3-4)

Existem formas de cegueira que contrariam a imagem de estar no escuro: “Imagineque você está em um local com uma neblina tão densa que não importa para ondevocê gire ou como você se esforce você vai apenas experimentar uma brancurahomogênea”. (2006, p. 4)

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Jorge MacchiGuia da Imobilidade2003

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Essa situação descrita por Noë é o que os psicólogos chamam de Ganzfeld. Outramaneira de reproduzir essa experiência é colocar metade de uma bola de pingue-pongue sobre cada olho. Apesar de poder usufruir de um padrão de estimulaçãovisual, a pessoa nessa situação se sente cega. Ela tem impressões visuais, masvazias em conteúdo. A visão enativa prevê dois tipos de cegueira. A primeiradecorre de algum problema no aparelho sensitivo. No segundo tipo, a cegueiranão corresponde à ausência de sensação ou de sensibilidade, mas à inabilidade dapessoa (ou do animal) para integrar estimulação sensorial com padrões demovimento e pensamento.

Noë chama este segundo tipo de cegueira experiencial, porque é uma cegueira,apesar da presença de uma sensação visual normal.

Ver não é apenas ter sensações visuais, mas é ter sensações visuais que se integremcom as habilidades corporais. A cegueira experiencial irá fornecer evidências paraa aproximação enativa da percepção. Como exemplo, consideremos as tentativasde restaurar a visão em indivíduos cegos congênitos com cegueira causada porcatarata. A catarata obstrui a passagem da luz pela retina. De acordo com aimagem input-output, retirando-se a catarata deveria ser como abrir uma cortina:a luz entraria e se restauraria a visão. Porém, o que Noë descreve, a partir deestudos de caso, é que a cirurgia restaura a sensação visual em um grau importante,mas ela não restaura a visão. Logo após a cirurgia, os pacientes continuam cegos,apesar das ricas sensações visuais. Mas agora eles sofrem de uma cegueiraexperiencial. O autor explica que as impressões visuais que os pacientes percebemparecem confusas e não informativas, ou seja, não adicionam experiências comconteúdo representacional. A existência da cegueira experiencial explica que terimpressões visuais ainda não é ver. Para ver devemos ter impressões visuais quese entendam.

Óculos especiais foram utilizados em outra experiência de Noë para investigar asrelações entre ‘ver e a compreensão do que se vê’. Os óculos normalmente auxiliama visão. Mas o que ocorreria se, ao invés de lentes de correção, os óculos possuíssemprismas que distorcessem a luz que sensibiliza os olhos e invertessem o que se vê?Para a pessoa que utiliza estes óculos, o efeito inicial não é uma inversão doconteúdo do que é visto, mas uma interrupção em ver. A partir do experimento deKöhler, Noë investiga outro exemplo de cegueira experiencial, no qual um sujeitoK descreve suas experiências iniciais com os óculos com lentes de prisma:

Durante as fixações visuais, cada movimento da minha cabeça originou astransformações mais inesperadas e peculiares dos objetos no campo visual. Aforma mais familiar pareceu se dissolver e se reintegrar de maneira nuncavista antes. Às vezes, partes das figuras corriam juntas e os espaços entreelas desapareciam da visão: outras vezes, elas corriam separadas, como setivessem a intenção de enganar o observador. Inumeráveis vezes eu me enganei

Jorge MacchiMy Wave - It

2009

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por estas extremas distorções e fui pego de surpresa quando uma parede, porexemplo, de repente pareceu cair na rua, quando um caminhão que eu estavaseguindo com meus olhos começou a dobrar-se, quando a estrada começouarquear-se como uma onda, quando casas e árvores pareceram ser derrubadas,e assim por diante. Eu senti como se eu estivesse vivendo em um mundo àsavessas de casas se colidindo com você, de estradas agitadas e pessoasgelatinosas. (Kohler [1951], 1964, apud Noë, 2006, p. 8)

É evidente que K não está completamente cego; ele reconhece os caminhos, asárvores, mas de modo distorcido em movimentos imprevisíveis. Contudo, isto podeser considerado uma cegueira. Mas não é uma cegueira por algum problema nasensação visual, porque seus estímulos são normais. Sua inabilidade em ver éresultado de sua falha na compreensão destes estímulos.

Para o autor, o caso acima descrito dá suporte à noção da visão enativa. Paratermos uma experiência perceptiva genuína, não dependemos apenas do tipo equalidade do estímulo, mas do conhecimento do exercício sensório-motor. Quandoeste conhecimento é interrompido, ficamos com experiências que não conseguimosutilizar.

Em objetos artísticos, como os mapas de Macchi, essa situação se torna o pontode partida para se atribuírem novos sentidos, ou seja, para ressignificar os objetos.

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Jorge MacchiSem Título

2011

Jorge MacchiTour

2010

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Quando observamos os trabalhos de Macchi, temos a sensação de sentir a maneiraprocessual entre ver e discernir o que as coisas são. A construção do “igual, masnão exatamente” em seus trabalhos, como em Still Song, nos permite nosreconhecermos estabelecendo a distinção.

Ao experienciar o trabalho, inicialmente percebi as marcas no chão e os furos naparede. As aberturas mostravam que houve uma atitude de força, o que provocavacerto desconforto corporal. Depois, me movi, corpo, cabeça e olhos, e percebi queas aberturas continuavam até o teto e terminavam (ou se originavam) no globo deespelhos. O elemento de luz, que deveria ser apenas uma divertida sensação óticaritmada ao som de uma música, foi transformado em ações incisivas no teto e nasparedes e em manchas de tinta no piso. Apesar do silêncio da sala, verifiquei queo ritmo marcado pelo movimento imaginado dos espelhos se manteve. O ritmocaptava a vibração da estrutura exposta e provocava novas harmonias,independentes da atribuição original. O título da obra me avisou: “ainda é umacanção”.

O trabalho de Macchi complexifica o espaço da imagem e seu significado. O processorompe com as expectativas, subverte modos de ver e introduz uma reversãoconceitual no processo perceptivo.

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Jorge MacchiCanção Suspensa (Still Song)

2005

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Perceber não é simplesmente ter estimulação sensorial, mas ter estimulaçãosensorial que compreendamos. Isso constitui a experiência conceitual. SegundoAlva Noë, para Kant e um grande grupo de escritores, artistas e filósofosinfluenciados por ele, a forma básica de entendimento é conceitual.5 A experiênciaperceptiva apresenta o mundo, porém para termos experiência precisamos sercapazes de apreciar como a experiência apresenta “a coisa sendo daquela maneira”.Isto significa que é necessário ter conceitos das características apresentadas e doestado das coisas para entendermos. Para Noë, ter um conceito quer dizer tambémser capaz de fazer julgamentos. E julgamentos são feitos a partir de razões queobjetivam a verdade (Frege [1918-1919], 1984; Cussins, 2003, apud Noë, 2006).De acordo com o autor, para entender algo, é preciso compreender a distinçãoentre como as coisas são e como elas aparentam ser (Davidson, 1982, apud Noë,2006). Para perceber, você deve ter uma estimulação sensorial que você entenda.Nós devemos pensar nossas habilidades sensório-motoras como habilidadesconceituais ou protoconceituais. E porque as possuímos, podemos perceber ascoisas do mundo como portadoras de significação.

Peacok (2001, apud Noë, 2006) observou que, para caracterizar um conteúdo deexperiência de forma precisa, nós precisamos da noção de experiência querepresente coisas, eventos, lugares ou tempo de certa maneira, ou que possuacertas propriedades ou que insira certas relações, também dadas de certa maneira.E declara: “nós devemos, ao descrever uma fenomenologia mais apurada, fazeruso da noção da forma na qual alguma propriedade ou relação é alcançada naexperiência”. A base de nossa habilidade para experimentar coisas desta ou daquelamaneira é sensório-motora. Nossa habilidade de entender as coisas em termossensório-motores é a base não somente de nossas habilidades de experimentá-las, mas também para representar as propriedades que são dadas.

5 Giorgio Agamben, em seu livro O homem sem conteúdo (2012), apresenta duas hipótesesfilosóficas que permanecem até hoje. A hipótese kantiana da estética da recepção – sobreo belo e o prazer –, segundo a qual o julgamento estético não é cognitivo e assim não podereivindicar o status de conhecimento conceitual, e a hipótese de Nietzsche, que reconsideraa questão estética kantiana fundando-se na experiência do artista. Agamben observa quea arte do ponto de vista do criador “torna-se uma experiência cada vez mais inquietante,[...] porque aquilo que está em jogo não parece ser de modo algum a produção de umaobra bela, mas a vida ou a morte do autor ou, ao menos, sua saúde espiritual” (p. 23).

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É importante ressaltar que a experiência é independenteda crença, precisamente no sentido do que ela podeparecer para cada pessoa. Por exemplo, no experimentode ilusão de Müller-Lyer, duas linhas (A e B) parecem serdiferentes em distância, mesmo quando você sabe quesão do mesmo comprimento porque você mesmo asdesenhou (Evans, 1982, apud Noë, 2006).

O que há de interessante no fato de as linhas pareceremdesiguais, mesmo quando sabemos que elas não são, éque, apesar dessa divergência, a experiência continua ater uma influência no julgamento. Dessa forma, aapresentação das coisas permanece relevante no momentode julgar o que podem ser.

Este ponto é crucial, pois se pode ter uma experiência que representa coisas comosendo de uma forma e, ao mesmo tempo, possuir uma crença (ou julgamento) queas represente como sendo de forma diferente. Ou seja, experiências e julgamentospodem ser distintos e mesmo se contradizerem. Mas dizer que elas podem estarem conflito é dizer que elas podem estar de acordo; e isto mostraria que elas têmo mesmo tipo de conteúdo. O conteúdo da experiência perceptiva é conceitual nãono sentido de que ela é julgada, mas no sentido de que ela pode ser julgada. Aexperiência perceptiva levanta esta questão: as coisas são de tal forma como aexperiência as apresenta? Como declara o autor (2006, p.189), “ter uma experiência,literalmente, é ser apresentado a uma maneira possível que as coisas possamter”. Desse modo, podemos dizer que o conteúdo das experiências perceptivassão ‘conceitos julgáveis’ ou ‘pensamentos’, segundo Frege ([1879] 1980, apudNoë, 2006). Na percepção, você “acolhe” um conteúdo julgável, e a experiênciacoloca em questão se o conteúdo se mantém ou não em foco. Ter uma experiênciaé ser confrontado com uma forma possível do mundo. As experiências em si mesmas,embora não sejam julgamentos, envolvem pensamento. Assim, percepção é umaforma de pensar sobre o mundo. Para Noë, há uma razão que se baseia em princípiospara considerarmos que a experiência envolve pensamento; uma questão básicasobre a experiência perceptiva é que ela é intencional (no sentido técnico defilósofos). Ou seja, a experiência perceptiva apresenta coisas como sendo de certamaneira, com conteúdo. Ela se volta para, ela é sobre o mundo. É difícil compreendercomo se poderia ter uma experiência com um conteúdo intencional sem estarnuma posição de entender o conteúdo, ou seja, entender como a experiênciaapresenta o mundo como possivelmente sendo daquela forma (Peacok, 1983).

No viés em que a experiência perceptiva é intencional, a experiência parece seligar com capacidades mais amplas para pensar sobre e entender o mundo, a partirde uma relação direta.

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Assim, podemos considerar que a experiência perceptiva é conceitual porque aexperiência apresenta coisas (eventos, objetos etc.) de determinada maneira paracada pessoa; porém, é também necessária a compreensão de como a experiênciaé apresentada. A possibilidade de que a experiência perceptiva seja conceitual,entretanto, não a vincula a crenças, como também não a conduz a uma assimilaçãoda experiência ou julgamento sem razão. Tudo o que a experiência perceptivarequer é que nós reconheçamos que o conteúdo da experiência e o conteúdo dopensamento possam ser o mesmo.6

É nesse ponto que parecem residir as ações de Macchi. Intuímos que o artistatrabalha no sentido de desestabilizar crenças ou expectativas na experiênciaconceitual. Sua obra é capaz de reverter algo tão seguro como os reflexos de umglobo de espelhos. É uma cena desconcertante, incoerente, como algo que nãoesperamos, como os riscos que nunca imaginamos.

Conforme vimos inicialmente, mapas possibilitam umavariação infinita sobre temas. Partituras musicaiscompartilham da mesma maleabilidade e também podemser vistas como mapas. Jorge Macchi as utiliza como‘estruturas sensíveis’ para seus trabalhos.

A obra La ascensión, aparentemente, é um típico cadernode partitura, mas, quando começamos a folheá-lo,podemos observar nossos olhos passearem pelas páginase repousarem na parte superior das folhas, onde pistasmais claras são oferecidas pelo artista. Macchi inseremovimentos não nas notas musicais, porém nas própriaslinhas que conteriam as notas. A partir daí, buscamosmais pistas exercendo plenamente nossa hábil experiênciaperceptiva, até compreendermos sua proposição. A cadapágina um maior número de linhas gravita em direção aotopo, até que, ao final do caderno, todas as linhas subiram.O caderno perdeu sua função conhecida, e a estruturaque conteria as notas, tal como em Still Song, adquiriuritmo pela percepção.

6 Há um longo percurso de discussões sobre modos de percepção de acontecimentos eobjetos que deságuam na polêmica discussão da “representação”. Noções de verdade erealidade têm sido questionadas há séculos por diversos autores. Nas teorias semióticas,este tópico é de grande interesse não apenas a partir do século 20 com C. S. Peirce e F.Saussure, mas desde os seus primórdios na história da medicina grega com Galeno. Naarte, as vanguardas artísticas das primeiras décadas do século 20, assim como os artistasda performance, entre muitos outros, também questionaram o termo. Como o foco destatese é construir possíveis interlocuções e encontros entre algumas hipóteses científicas eas obras dos artistas escolhidos, o tema da representação atravessa o texto todo, mas é“discutido” apenas através das obras e não historiograficamente.

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Jorge MacchiLa Ascensión2005

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Jorge MacchiMúsica Incidental

1997

Página ao lado, detalhesda colagem no painel

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Outra obra de Macchi, Incidental music, consiste em três grandes páginas departituras musicais, cujas linhas foram feitas com a colagem de faixas de textosque contam histórias violentas ou acidentes em jornais sensacionalistas britânicos.Ao montar as linhas, o artista deixou pequenos espaços entre as histórias. Essesespaços foram transpostos para outra partitura musical, tornando-se notas emuma composição para piano, que lembra as obras de Satie. A música, tal comouma música incidental, é estranhamente calmante e meditativa. Para Perez-Barreiro:

Macchi chama esse tipo de notícia de “música incidental”, uma referência àstrilhas sonoras de filmes que contribuem para criar um clima, mas quenecessitam estar sempre como pano de fundo. A sua instalação de 1997,Incidental music, foi uma ruptura, ao articular essa mudança do pano de fundopara o primeiro plano. (2007, p. 36)

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Jorge MacchiNoturno, variação sobre oNoturno nº1 de Erik Satie

2002

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A partitura, ao invés da composição musical, e pequenas histórias de violênciaforam colocadas em primeiro plano. É interessante lembrar que, muitofrequentemente, pequenas histórias de violência em locais periféricos da cidadetêm seu espaço reduzido nos cadernos dos jornais. A linha para o artista é aquiloque dá o sentido, que conduz o olhar ou o que contém porções, seja de terra ou demar. Em Incidental music, a linha da partitura e o texto jornalístico hibridizados,juntamente com a música, pedem uma percepção temporalmente estendida. Aestranha melodia acompanha a leitura das extensas partituras, num processoperceptivo que envolve vários sentidos do corpo.

Em outros trabalhos com partitura, como Nocturno ou Canción marginal, o artistasubstitui notas musicais por pregos ou por furos de um furador de mesa. EmPentagrama, a partitura é transformada em cordas que fixam um travesseiro naparede. Em A.B, ela é feita de fios de cabelo.

Jorge MacchiCanção Marginal

2004

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Entendemos que os deslocamentos promovidos pelo artista partem da crítica àadesão progressiva do pensamento ao sentido objetivo das coisas. Macchi promoveuma interpretação dissonante na leitura das estruturas sígnicas de seus objetos,para que atentemos para a experiência perceptiva.

A experiência perceptiva é um processo temporalmente estendido. No entanto,não se trata de voltar o olhar para dentro, para a sensação ou subjetividade (oque o mundo significa para nós), e sim para a própria atividade na qual esseprocesso temporalmente estendido consiste, para as coisas que fazemos quandoexploramos o mundo.

O caráter qualitativo da experiência é uma observação cuidadosa sobre o mundo etambém sobre a contingência daquela situação em particular. Assim, é necessárioentender que a percepção varia tanto quanto as coisas ao nosso redor, e que issovaria de acordo com a posição no mundo. Não há uma estagnação entre dentro efora, entre o mundo subjetivo e o mundo objetivo, porque nenhuma dessas dicotomiasfaz sentido, nem em termos cognitivos, nem em termos artísticos.

Nesse sentido, a arte de Jorge Macchi e a fenomenologia da experiência de AlvaNoë compartilham várias questões. Nenhum dos dois está interessado em descrever,representar ou descrever a experiência, mas, sim, em capturar a experiência noato de apresentar a ação de estar no mundo, que nada mais é do que modos deperceber e conhecer. Nesses casos, tanto a experiência artística quanto o exercíciofilosófico reconhecem a percepção como uma possibilidade de consciência crítica.

Jorge MacchiPentagrama

1993

Jorge MacchiA.B.1996

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O encontro na obra de Lee Ufan

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O encontro na obra de Lee Ufan

Vimos anteriormente que a experiência perceptiva é uma forma de pensar e entendero mundo, a partir de uma ligação entre corpo e ambiente. Pensar obras artísticascomo mapas de conhecimento envolve também estabelecer o trabalho como açãomediadora entre processos internos perceptivos e de consciência e o mundo exterior.

Essa visão privilegia uma noção processual do trabalho ao invés do foco sobre aação artística. Dentro desse contexto observaremos os trabalhos do artista LeeUfan7 e as relações contingenciais que se constituem durante a produção e aexposição das obras.

Leitor de filosofia, especialmente a fenomenologia francesa, Lee escreve sobreestética e arte contemporânea e é reconhecido como o principal teórico do grupoMono-ha, um movimento de arte antiformalista que ocorreu em Tóquio entre o fimdos anos 1960 e o início de 1970. Em seus ensaios o artista constrói um sistemaestético que enfatiza uma estrutura relacional através da qual as coisas apresentamsua existência. Lee busca uma dinâmica espacial que nos induza a experienciar oque está diante de nós, o “mundo tal como é”. O objetivo do artista é redirecionara intervenção do artista do ato da criação para a ética da mediação.

A ideia de “encontro” se torna o elemento-chave para o desenvolvimento de suaobra tanto artística quanto filosófica. Esse pensamento também é, segundo MyriamSas (2011, pp. 105-11), uma das principais investigações dos artistas japonesesdo pós-guerra. Como a autora declara, em suas várias formas, o conceito de“encontro” provém de uma compreensão do funcionamento da subjetividade. Porum lado, a tentativa de performar um encontro, muitas vezes, parte de um desejode quebrar a distinção entre “arte” e “vida”. Ou, talvez, seja uma tentativa dedesafiar a estrutura que circunscreve institucional e estruturalmente o trabalho,para distingui-lo do “resto do mundo”. Porém, muitos desses artistas não visarama um encontro direto, como era comum entre as ações artísticas da época, masobjetivavam complicar esse ideal com ações de interrupção, mimeses autorreflexivase descontinuidade temporal.

A noção de “encontro” norteia toda a obra de Lee Ufan. O artista cria encontrosentre materiais vistos como completamente distintos, ora industriais, ora in natura,tais como pedras, chapas de vidro ou de aço e tiras de borracha. São junções deelementos inusitados, em arranjos sem precedentes.

7 Na Ásia normalmente costuma-se usar o sobrenome na frente do nome. Nesta tese optamospor usar a convenção ocidental para os nomes orientais, excetuando-se o nome do coreanoLee Ufan. Nesse caso, optamos por utilizar a maneira asiática porque é assim que oartista é conhecido internacionalmente.

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Seus encontros produzem fricção, ou mesmo, um curto-circuito no pensamento aotentarmos fazer analogias. E é justamente nesse ponto que pode residir um dosprincipais interesses do artista – a abertura do sentido – no reinventar.

A obra Relatum Phenomenon and Perception A é uma instalação composta portrês pedras sobre uma faixa de borracha industrial, com marcações feitas pelopróprio artista, que lembram uma fita métrica. A faixa esticada percorre a salaexpositiva, e as pedras pousadas sobre a faixa pontuam seu percurso. A durezadas pedras gera um contraste com o látex macio e flexível e seu peso permite quea faixa seja esticada, o que altera a precisão de suas medidas. O artista parecequestionar a importância das medidas de contagem-padrão quando enfatiza aspropriedades da faixa, especialmente sua elasticidade. Impedido de verificar asdistâncias entre as pedras, o espectador encontra dificuldade em estabelecerconexões entre os elementos, dentro de uma lógica funcional. Essa não interaçãonos leva novamente a observar os componentes para tentar estabelecer novasrelações com o que de fato estamos experienciando.

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Lee UfanRelatum-Phenomenon and Perception A1969

Lee UfanRelatum counterpoint2004

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Lee UfanRelatum-Silence

2010

Na primeira vez em que tive contato com uma obra do artista, em uma galerianova-iorquina, minha sensação foi apenas de estranheza. Já no encontro seguinte,no Museu Lee Ufan, em Naoshima, me permiti um tempo maior não para entendersua obra, mas para percebê-la melhor. A obra Relatum-Silence, exposta no Museu,era composta por uma grande pedra e uma espessa chapa de metal retangular,também de grandes proporções, encostada verticalmente na parede da sala. Apedra tinha uma angulação maior em uma das faces, como se estivesse apontadaem direção à chapa de metal. No momento em que lancei um segundo olhar àpedra, senti o impacto da sua presença, seu porte, seu caráter, sua alteridade.Senti que fazia parte, juntamente com os elementos do trabalho naquele contexto,de um espaço relacional. Havia estabelecido não só um contato visual comelementos, mas também um encontro corpóreo entre alteridades.

A série Relatum, iniciada nos anos 1990, é composta por combinações entre umnúmero pequeno de elementos não trabalhados, tais como pedras, chapasindustriais de vidro ou aço e tiras de borracha.

A pedra é um elemento que aparece com muita frequência nas instalações. Sobreo seu uso, Lee (2008, p. 34) observa que “pedras são coisas do mundo que nãosão fabricadas e também não possuem um significado direto”. Ele não as escolhepela sua “pureza”, mas, sim, por sua alteridade, suas qualidades materiais etemporais. Para o artista (2011, p. 107), “a natureza é difícil de medir ou entenderpor sua externalidade e temporalidade indefinida”.

Em suas obras, Lee justapõe elementos normalmente olhados como completamentedistintos – materiais naturais e industriais –, de forma a organizar um diálogoentre eles. O resultado se assemelha a um tipo de encontro às avessas – que nãoocorre pela empatia, mas pela estranheza.

Nas obras Relatum, nenhum dos componentes exerce dominância sobre o outro;ao contrário, eles se relacionam como aspectos distintos da realidade. Nossaparticipação nessa cena faz crescer o número de componentes e promove umaexperiência “face a face” com o outro.

Suas instalações, ao trazerem a junção de diversos elementos, promovem omomento em que corpo do artista, corpo do público e corpo da obra se constituemmutuamente e acionam um processo perceptivo que produz conhecimento.

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Mas o corpo a que nos referimos não é apenas o corpo em sua significação habitual,mas a sua presença. Segundo Christine Greiner (2010, p. 95), a “presença decorpo” é o momento da “tradução – deslocamento , em que algo se presentifica(uma ação, uma ideia, uma imagem) e ganha visibilidade, estabelecendo um novoprocesso de comunicação com seu entorno”. Ou mesmo, segundo a autora (2012),é a presença que parte de “percepções corpóreas, de mediações com o ambientee de interfaces cognitivas”. São percepções móveis, que variam permanentemente.É corpomídia numa relação coevolutiva entre o contexto externo (ambiente) e ointerno (circunstâncias relativas ao próprio sistema).

Nesse viés, as hipóteses sobre a formação da consciência, que têm sido propostaspor António Damásio, colaboram com a discussão propondo alguns modos comoesses trânsitos ocorrem no corpo, entre corpos, entre corpo e ambiente e comoconstituem a subjetividade.

É interessante considerar que as aproximações entre a arte e o funcionamento docérebro, há muito tempo, têm chamado a atenção tanto de especialistas das artes,como também do mundo da ciência. Por exemplo, podemos verificar a proposiçãodo professor de neurobiologia Semir Zeki (1999, p. 12) de que a arte nada maisseria que uma extensão da função do cérebro: “a busca do conhecimento em ummundo que está sempre mudando”. A arte, segundo o autor, mapeia, ela mesma,objetos existentes no mundo, outros universos simbólicos, objetos como imagensmentais, o corpo, processos de conhecimento e outras tantas coisas mais.

Conforme explica Semir Zeki, o mapeamento que a arte realiza, suas estratégiaspara cognição e produção de subjetividade num mundo em constante movimento,poderia reproduzir outro tipo de mapeamento, do tipo cerebral.

Mapear pode ser entendido como explorar ou descobrir alguma coisa desconhecida,ou mesmo, dar informações sobre o assunto, especialmente a maneira como estáarranjado ou organizado.8 Mapas podem ser vistos como “leituras”, mas podemser múltiplos e envolver “releituras”. Quando a arte mapeia o ambiente ao redor,processos internos ou externos ao organismo, faz, com muita frequência, releiturasperceptivas que desestabilizam noções convencionadas. O que Semir Zeki pontuaé que o cérebro funcionaria da mesma maneira. Ele é capaz de mapear objetosdesconhecidos, mas também de fazer “releituras”, mapear outros níveis de descriçãodos objetos. O importante nesse tipo de análise é observar que o sentido dascoisas se estabelece num ambiente com constantes fluxos de informações, tantono meio interno quanto externo ao organismo. Observar como o cérebro fazmapeamentos pode nos esclarecer quais são os sistemas mentais envolvidos nasreleituras do mundo a partir de processos artísticos.

8 Fonte: HORNBY, Albert Sydney; TURNBULL, Joanna; Oxford University Press et al.OxfordAdvanced Learner’s Dictionary of Current English. Oxford: Oxford University Press,2012.

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Para António Damásio (2011), o mapeamento que o cérebro produz se refere àhabilidade do corpo humano de criar e relacionar imagens mentais.9 Para o autor,mapas e imagens são o principal meio de informações em nossos processos mentais.A partir da produção dos mapas, a consciência nos permite manipular essas imagense lhes aplicar raciocínio. Mapas mentais são construídos quando interagimos comos objetos, o que ocorre frequentemente no contexto de ação. Conforme observaDamásio, é importante verificar a importância do termo interação. A produção deação e mapas, movimentos e processos mentais integrarão um fluxo de imagensnum ciclo interminável. Mapas também são construídos quando nos lembramos decoisas, a partir dos bancos de memória no interior do nosso cérebro. Nunca paramosde gerar mapas, até mesmo durante o sono, como os sonhos demonstram.O cérebro humano mapeia incessantemente todos os objetos que se encontramno seu exterior, qualquer ação que tenha lugar no seu exterior e todas as relaçõescom objetos e ações, no tempo e no espaço, como também mapeia o próprioorganismo. Para o autor, o cérebro humano é um cartógrafo nato e a cartografiase inicia com o mapeamento do próprio corpo. Outra característica expressiva é acapacidade de reprodução do cérebro humano. Tudo que se encontra no exteriordo cérebro, desde o corpo, é reproduzido no interior das redes cerebrais.

Conforme descreve o autor (2011, p. 900), ao analisarmos a superfície de umalâmina com uma fina camada do córtex cerebral, vamos observar uma estruturaque mais parece uma folha de papel com um padrão quadriculado impresso nasuperfície. Os principais elementos vistos são os neurônios, dispostoshorizontalmente. Damásio compara a superfície observada com a planta deManhattan, mas sem a Broadway, pois não há grandes linhas oblíquas nas folhascorticais. Quando observamos o córtex cerebral, podemos entender por que razãoo conceito de mapas cerebrais não é uma metáfora exagerada. Esses mapas sãoformados por linhas, resultado da atividade momentânea de alguns neurônios e dainatividade de outros. Quando determinados neurônios são acionados geramdesenhos de linhas retas ou curvas, grossas ou finas, num padrão distinto dosneurônios de fundo que estão desligados. A camada cortical mais importante naprodução de imagens são as colunas, ou seja, quando cada elemento neuronaldestas camadas faz igualmente parte de uma composição vertical.

Os mapas cerebrais não são estáticos, mas sim voláteis, alterando constantementede forma para refletir as mudanças dos neurônios que os geram, os quais por suavez refletem as mudanças no interior do corpo e no mundo ao nosso redor. Outraanalogia do autor para o que ocorre no cérebro quando produz mapas visuais sãoos painéis publicitários eletrônicos, onde o padrão é desenhado por uma rápidadistribuição de lâmpadas acesas e apagadas.

9 Damásio observa que em seu texto usa os termos “imagem”, “mapa” e “padrão neural”como permutáveis (2011, p. 90).

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Os mapas cerebrais podem ser desenhados, redesenhados e sobrepostos comenorme velocidade. Esse mapeamento não é aplicado apenas a padrões visuais,mas a todos os tipos de padrões sensoriais em cuja criação o cérebro se encontreenvolvido. A consequência desse mapeamento dinâmico são os processos mentais.

Essas mudanças nos mapas cerebrais refletem o fato de que também nós estamosem constante movimento.

Posso identificar algumas imagens geradas quando experienciei a instalação deLee Ufan: a visão de uma figura ao invés da pedra com dimensões quase humanas,sensações provindas do silêncio e da exatidão das formas da arquitetura, adramaticidade da sombra sob os elementos, a sensação tátil da oxidação sobre asuperfície da placa metálica. Ao me virar novamente para a pedra, senti que asimagens geradas juntamente com a geração de imagens da memória produziamnovas imagens de um corpo que agora pertencia àquela rede de relações.

Segundo Damásio, as características, sensações e sentimentos dos elementospercebidos no ambiente – na forma de imagens – se originam por padrões jáanteriormente mapeados. Os mapas instantâneos do cérebro para tudo o queocorre, dentro do corpo e ao nosso redor, tanto concreto como abstrato, presenteou aquilo que foi gravado na memória, sempre são imagens. Também a leituradesse texto ou de qualquer outro texto produz imagens no leitor. Como observa oautor:

As palavras que uso agora para trazer estas ideias ao leitor formaram-seprimeiro, ainda que de modo breve e impreciso, como imagens auditivas, visuaisou somatossensitivas de fonemas e morfemas, antes que eu as implementassena página em sua versão escrita. Analogamente, as palavras escritas queagora o leitor vê impressas são de início processadas em seu cérebro comoimagens verbais (imagens visuais da linguagem escrita), antes que sua açãono cérebro desencadeie a evocação de outras imagens, de um tipo não verbal.Os tipos de imagem não verbais são aqueles que nos ajudam a exibirmentalmente os conceitos que correspondem às palavras. (2011, p. 96, grifodo autor)

Os sentimentos, que constituem o pano de fundo de cada momento mental e quefrequentemente traduzem aspectos do estado corporal, são igualmente imagens.A percepção, independente da modalidade sensorial, é o resultado da eficiênciacartográfica do cérebro. O cérebro constrói os mapas em locais separados e osrelaciona entre si, em grupos coerentes.

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O processo mental é formado por fluxos contínuos de imagens, algumas das quaisrelativas ao que está ocorrendo no exterior do cérebro, enquanto que outras sãorecriadas a partir da memória no processo de recordação. O processo mental éuma complexa combinação de fluxos de imagens do presente e recordadas, emproporções que variam permanentemente. As sequências são simultâneas, evoluindoparalelamente; outras vezes cruzam-se e se sobrepõem. O processo mentalconsciente funciona em sua integridade, a sequência de imagens é muito rápida,focada no campo de atenção.

Entretanto, além da lógica que decorre no desenrolar dos acontecimentos narealidade exterior ao cérebro, as imagens recebem um maior ou menor destaquesegundo seu valor para a pessoa. Para o autor, o valor é obtido a partir do conjuntooriginal de disposições que gerem a nossa regulação vital, como também a partirdas imagens adquiridas com o tempo com as experiências, ao longo de nossahistória singular. Ou seja, o processo mental não tem a ver simplesmente comimagens que são exibidas à medida que são produzidas. Essa situação tem a vercom escolhas e, numa analogia do autor, escolhas semelhantes à de uma montagemcinematográfica promovida pelo sistema de valor biológico, valor que está associadoà necessidade e esta, por sua vez, associada a processos de regulação da vida. Asimagens não aparecem por uma questão de ordem de chegada. Elas são o resultadode seleções feitas com base no valor, inseridas gradualmente ao longo do tempo,numa estrutura lógica.

Para Damásio, outro ponto que deve ser visto é que o processo mental pode serou não ser consciente. As imagens se formam a partir da percepção ou darecordação, muitas vezes sem consciência delas, e, mesmo assim, essas imagenssão capazes de influenciar nossos pensamentos e nossas ações. Um complexoprocesso mental no qual a relação entre raciocínio e pensamento criativo se mantémmesmo quando estamos conscientes de outros objetos e ideias. O mapeamento docérebro é um sistema que tem como função a gestão e o controle da vida. Omapeamento, num nível mais simples, pode nos dar informações dos elementos doambiente. A partir de uma multiplicidade de mapas, de todas as variedadessensoriais, cria-se uma perspectiva múltipla simultânea do universo exterior aocérebro, o que nos permite reagir aos objetos e às situações com maior precisão.

Em seu poema “Permanecer parado um instante”, Lee10 se pergunta:

Quando eu digo “eu”, isso inclui as coisas ao meu redor?

Quando eu digo “eu”, isso não inclui montanhas e rios desconhecidos?

10 Apud Akira, T., 2011, p. 35.

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Lee UfanFrom Cuts1965

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Para o crítico Akira Tatehata (2011), quando o artista quer entender se o “eu”inclui inerentemente o mundo externo, ele questiona o “eu” como sujeito daconsciência; que é o eu como a mente; que é o eu como corpo.

From Cuts, de 1965, é composta por pinceladas curtas de tinta branca sobre atela. Observamos que as pinceladas carregadas de tinta no centro vão reduzindoa quantidade de tinta no sentido das bordas da tela. Podemos intuir que o artistanão quis a superfície da tela com textura homogênea, mas algo que provocassemovimento e variação no percurso do olhar. Os gestos no centro da tela vãoperdendo intensidade, conforme se aproximam das extremidades, como seestivessem sob uma força centrífuga. As áreas vazias sem qualquer preenchimentona tela servem como espaço de reverberação. Lee chama esses espaços de yohaku.Sobre os espaços vazios, pontua:

Por exemplo, quando um tambor soa, o som reverbera num espaço vazio. Oespaço desta vibração, incluindo o tambor, é o que eu chamo de yohaku. [...]Pinturas sem molduras estabelecem um relacionamento com a parede, ereverberações de pintura se espalham para o espaço ao redor. (2008, p. 10)

As obras mostram um interesse maior do artista pelo processo ao invés da ‘obrafinalizada’. Para Von Berswordt-Wallrabe (2007, p. 76), “o objetivo não é pintaruma figura (de qualquer coisa), mas usar o ato da pintura para se dirigir à pinturaem si”.

Outro trabalho do artista, Correspondence, que também parte de uma série detelas com o mesmo título, traz apenas duas grandes pinceladas sobre a tela branca.Uma se situa no canto superior esquerdo e outra no canto inferior direito, e adireção do movimento sempre parte do interior para as bordas da tela. As pinceladassão similares e possuem uma graduação de um cinza mais escuro para um cinzamais claro em seu sentido transversal. Podemos observar que a pincelada foiproduzida por meio da mistura aparente de tons em gestos cuidadosos.

Notamos que a pincelada é tratada com esmero, não somente como produto deuma única ação. Imaginamos que o artista não quis enfatizar apenas o movimento,mas criar uma autonomia estética a cada pincelada, no sentido da liberação doseu agrupamento, de sua possível composição. A pincelada representa a si nasuperfície branca, seja na tela, ou na parede, num movimento para o exterior.Uma ação que traz a natureza da pintura em seu gesto. A parte que traz o todoem sua realização.

O trabalho From line também parte de uma série, é composto por longas pinceladasno sentido vertical da tela. As marcas deixadas pelo pincel vão perdendo matériadurante o percurso que parte da borda superior para a borda inferior da tela. Osespaços entre as linhas se repetem em módulos, o que confere, como as obrasanteriores, ritmo ao olhar. Podemos dizer que o assunto do trabalho é reduzidomas isso não o faz perder em significação. A pincelada se transforma em matériaviva que, no percurso de sua existência, vai perdendo intensidade, tal como a vida.

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Lee UfanDialogue2011

Lee UfanPinceladas no Atelier

2010

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Lee UfanFrom Line1980

Lee UfanFrom Line

1978

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11 O Shodo é o nome dado à caligrafia oriental transformada em arte.

As linhas são repetições de passagens de um estado a outro, do existir ao nãoexistir, e há o eterno recomeçar. Um tempo cuja duração é feita pela marcação demomentos individuais e singulares. Também podemos relacionar o movimento dospincéis, entre uma maior pressão e a suavidade, aos traços de caligrafia Shodo11.A ação de Lee enfatiza a importância da constante renovação pelo potencialexperimental da pintura.

É interessante observar que a ação reduzida do artista permitirá uma percepçãomais acurada das propriedades dos elementos. Dessa forma, produz sensaçõestáteis da materialidade tanto pela tinta obtida a partir de pigmentos minerais,quanto pela trama do tecido da tela sob a base clara. De certa forma, podemosperceber cada elemento em sua alteridade, tal como o conceito de ‘encontro’ dasinstalações anteriores.

O artista não só repete os elementos do trabalho, como também os própriostrabalhos em longas séries, tais como From Line, From points, From winds,Correspondences. Em grande parte das séries de pinturas ou instalações, a repetiçãotem dois principais enfoques: primeiro – repetição e diferença –, a repetição nãose dá por unidades idênticas mas por elementos de diferença em estruturasregulares, e – diferença e temporalidade – cada pincelada é um momento, ou seja,uma unidade de percepção subjetiva do tempo.

Para o artista (2008, p. 18), fazer arte “provém de ações repetitivas de encontrosde coisas internas (pensamento) e externas (realidade exterior)”, em gestos queinauguram cada qual um novo movimento. No ambiente onde tudo é movimento, arepetição sistêmica por determinado período mantém constantes certos padrõesde realidade.

Damásio observa que os processos de formação da subjetividade também provêmde ações repetitivas. Para este autor, na construção do eu, as imagens produzidasmentalmente são evocadas repetidamente, de maneira contínua por sinalizaçãodireta, informando os estados corporais e as representações dispositivasarmazenadas, por meio de padrões de resposta específicos.

Na formação do eu autobiográfico, de sua identidade, padrões armazenados serepetem no tempo, mas, a cada vez, ocorrem mudanças que podem transformaras narrativas.

Lee UfanShe and He

2005

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Segundo o autor:

Conforme experiências vividas são reconstruídas e reencenadas, seja nareflexão consciente, seja no processamento inconsciente, sua substância éreavaliada e inevitavelmente rearranjada, modificada em menor ou maior grauno que diz respeito à composição factual e ao acompanhamento emocional.Entidades e eventos adquirem novos pesos emocionais durante esse processo.Alguns quadros da recordação são extirpados na sala de cortes da mente,outros são restaurados e realçados, e outros são tão habilmente combinadospor nossas necessidades ou pelo acaso que criam novas cenas nunca realmenteocorridas. É assim que, com o passar dos anos, nossa história é sutilmentereescrita. (2011, p. 260)

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Dessa forma, tal como nas telas de Lee, não só a experiência altera os padrõesarmazenados, como os próprios padrões se transformam a cada vez que sãoevocados.

O trabalho Relatum, formely Perception A é composto apenas por uma pedra euma almofada sob um foco de luz. A princípio observamos que a almofada, com seuconteúdo macio, é pressionada pelo peso e rigidez da pedra. Podemos ainda verque a superfície áspera da pedra, marcada por manchas de sua exposição aotempo, cria contraste com a superfície lisa e suave do tecido da almofada. Masoutro elemento nos escapa à primeira vista – o piso. A almofada não apenassuporta o peso como também se situa entre os dois elementos.

O leitor pode se perguntar se o piso também não teria uma função importante nostrabalhos analisados anteriormente. Com certeza ele possui, mas nesse trabalho,especificamente, não só vemos a almofada, como simulamos mentalmente o contatodo corpo com um elemento macio ao nos posicionarmos sobre o piso.

Segundo o critico de arte James Elkins (1999), estamos sempre buscando corposnas obras artísticas, mesmo que eles não existam. Criar formas no trabalho dearte é, de certa maneira, criar um corpo:

[...] nós preferimos ter corpos na frente de nós, ou em nossas mãos, e se nãopodemos tê-los, continuamos a vê-los, como impressões ou fantasmas. É umtema belo e complicado, a maneira como os nossos olhos continuam a olharpara os mais diversos tipos de coisas e a trazer de volta os ecos de corpos.(1999, p. 1)

Mas o corpo é inatingível em sua totalidade, e a única coisa que podemos encontraré sua presença nas especificidades, tal como as sensações táteis. E, ao percebê-las, como é o caso na instalação de Lee, simulamos estados do corpo.

Damásio observa que o cérebro pode simular, em regiões somatossensoriais,determinados estados do corpo, como se ocorressem de fato. Outras pesquisascompartilham as mesmas investigações, tais como os estudos dos chamadosneurônios-espelhos de Giacomo Rizzolatti (2004). Nessas experiências, um macacocom eletrodos implantados no cérebro deveria observar um investigador executandovários movimentos. Quando o macaco via o investigador mover a mão, certosneurônios do macaco relativos ao mesmo movimento, mas na mão do homem,eram acionados, “como se” fosse o animal e não o investigador a executar a ação.Entretanto, o macaco permanecia imóvel. O pesquisador observou que essesmesmos neurônios eram ainda responsáveis pela imitação dos gestos e vocalizações,o que mostra a importância desses processos na formação da linguagem. Outroaspecto dos neurônios-espelhos vem sendo pesquisado por sua relação com acapacidade de julgamento e avaliação. As investigações quanto à existência dosneurônios-espelhos destacaram o papel que esses neurônios podem exercer nanossa compreensão das ações dos outros ao colocar-nos num estado corporalcomparável. Como analisa Damásio:

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Quando observamos uma ação em outro indivíduo, o nosso cérebro capaz desentir o corpo adota o estado corporal que teríamos caso nós mesmosestivéssemos executando essa ação, e muito provavelmente ele faz isso nãopor meio de padrões sensoriais passivos, mas de uma pré-ativação de estruturasmotoras – torna-se pronto para a ação, mas ainda sem permissão para agir –e, em alguns casos, por meio de uma ativação motora real. (2011, p. 135 )

Assim, podemos relacionar as representações somatossensoriais de movimento, omovimento real, as representações visuais do movimento e memória. Para Damásio,mapear o corpo com uma elevada complexidade sustenta tanto o processo do eunos processos mentais conscientes quanto a representação do mundo exterior aoorganismo.

Na obra de Lee, a almofada faz o processo de mediação entre o peso da pedra ea dureza do solo. Algo que amortece e suaviza a pressão como um anteparo entredois elementos rígidos sob a força gravitacional. Ao simular a pedra como meucorpo, simulo na almofada todo o conjunto de sentimentos e coisas que possamme causar prazer ou bem-estar. Uma comovente metáfora sobre as relações dosseres humanos com o mundo. Uma bela metáfora sobre o papel da arte.

Lee UfanPerception A

2000

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Lee UfanRelatum-Holzwege II, Alemanha

2000

Numa trilha no parque Haus Weitmar, em Bochum, foi instalada a obra RelatumHolzwege. Ela é composta por duas pedras calcárias e entre elas uma placa deaço pousada horizontalmente sobre o chão. De certo ponto de vista, as pedrastêm uma angulação em uma das faces que apontam para a placa de metal. Oscomponentes da obra interagem com os elementos naturais e a ambiência doparque, formando, assim, um novo encontro. A placa, posicionada em alinhamentocom a trilha, oferece sua superfície como passagem. Uma passagem sutil, já que otom ferrugem de sua superfície se mescla com o tom da terra. Qualquer pessoaque esteja pelo caminho pode andar sobre a placa sem tropeçar, sem notar, aprincípio, sua presença. Entretanto, ela vai sentir o metal sob seus pés, sua rigidezcontrastando com a suavidade das folhas secas no caminho, e também ouvirá umsom diferente quando pisar sobre a placa. As pedras foram colocadas uma emoposição à outra, sugerindo uma linha perpendicular que cruza o caminho. A obrase torna assim um portal, um intermediário, uma pontuação – uma metáfora paraa vida – um instante em suspensão para perceber a si e os elementos ao redor.

Para Silke von Berswordt-Wallrabe (2007), esse trabalho promove um diálogo como lugar sem alterar a situação existente. Para a autora, essa referência pode serentendida como uma crítica à necessidade de controle sobre as coisas e situações.Em seus trabalhos o artista gera um encontro entre elementos vistos comodesiguais. Mas os encontros que cria não são aleatórios; a partir das condições dolugar, Lee estuda detalhadamente as dimensões da placa, o número de pedras,posições e distâncias entre os elementos da obra.

Para Lee (2008), se tal arranjo for percebido pelo espectador, formará um ‘espaçode reverberação’ no qual atração e repulsão, afirmação e dissolução, limitação eabertura serão mantidas em um equilíbrio tenso e indefinido. Dessa forma, pormeio do deslocamento tanto da posição do sujeito (seja espectador, seja artista),como também da posição do trabalho de arte em si, o artista cria uma sutil moldurapara a dinâmica das relações perceptivas entre os componentes.

Ao situar a instalação no caminho do parque, o artista parece querer que oespectador (consciente ou não) interaja diretamente com a obra. A interação sedá pelo exercício dos sentidos, por exemplo, a sensação tátil da placa de ferro sobos pés, ouvir e sentir o pisar sobre as folhas ou a visão das pedras. Conformepontua Damásio, não existe informação exterior processada diretamente nocérebro. As informações são geradas pelos sentidos ou “portadas sensoriais”,gerando uma espécie de fronteira do organismo com o mundo. Os sinais vindos domundo exterior têm que transpor essa fronteira para entrarem no cérebro. Assim,os processos mentais adquirem conhecimento do mundo exterior através do cérebro,mas a única fonte de informação do cérebro é o corpo.

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As relações que ocorrem na interação com o ambiente são parte importante doprocesso ainda maior da formação do eu, o qual Damásio nomeia como sinfonia.

Para o autor, o eu e a consciência não ocorrem em uma só área, região ou partedo cérebro. Os processos mentais são resultado de fluxos de imagens entre várioslocais do cérebro. As principais estruturas cerebrais envolvidas no processo são otronco cerebral superior, o tálamo e regiões específicas distribuídas do córtexcerebral.

O produto final da consciência acontece a partir dessas várias áreas funcionandoao mesmo tempo. Damásio compara esse processo à sinfonia trazida no poema deFernando Pessoa:

Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e rangem,cordas e harpas, timbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço comosinfonia. (Pessoa, F., 1989, apud Damásio, 2011, p. 7)

Para Damásio, é interessante ressaltar a ausência de um maestro antes do inícioda performance, embora, à medida que esta vai acontecendo, surja de fato umchefe de orquestra. Mas foi o desempenho que criou o maestro – o eu – e não ocontrário:

O maestro é gerado pela junção de sentimentos a um mecanismo de narrativacerebral, embora nem por isso o maestro seja menos real. O maestroinegavelmente existe em nossa mente, e nada ganharíamos se o descartássemoscomo uma ilusão. (2011, p. 40)

A mente consciente depende de uma coordenação que é obtida através de umavariedade de meios.

Começa no nível do eu nuclear, com o surgimento de um sem-número de imagensnum curto lapso de tempo, a imagem do objeto de um lado e a imagem do proto-eu12 modificado pelo objeto de outro. Essas estruturas cerebrais dão origem ao eunuclear.13 Mas, quando os conteúdos processados na mente são mais numerosos,entra em ação uma série de regiões dos córtices cerebrais, do tálamo e do troncocerebral.

12 Segundo Damásio (2011, p. 225), o protosself (proto-eu) é o alicerce ou primeiro estágiona formação do eu. Esse estágio consiste em uma reunião de imagens que descrevemaspectos relativamente estáveis no corpo e geram os sentimentos espontâneos, chamadosde sentimentos primordiais. Os sentimentos primordiais (2011, p. 37) “proporcionamuma experiência direta de nosso corpo vivo, sem palavras, sem adornos e ligada tãosomente à pura existência”, por exemplo, a escala que vai da dor ao prazer.

13 Para Damásio (2011, p. 38), o eu nuclear ou self central é o segundo estágio na formaçãodo eu. Ele ocorre na interação do organismo com um objeto. O self central “refere-se àação” e manifesta-se numa sequência de imagens que descrevem um objeto e quemodificam o protosself.

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Lee UfanMuseu Lee Ufan2013

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Segundo o autor:

A construção de uma mente capaz de abranger o passado que já vivemos e ofuturo que antevemos, com a vida de outros indivíduos adicionada a essaurdidura e, ainda por cima, dotada de capacidade de reflexão, é algo quelembra a execução de uma sinfonia de proporções mahlerianas. (2011, p. 40)

Mas o excepcional desta situação é o fato de a partitura e o maestro se tornaremreais à medida que a vida se desenrola. Quem coordena o processo não são oslendários homúnculos sábios, que possuem a tarefa de interpretar os eventos queocorrem na mente. Os coordenadores não orientam a performance, mas ajudamna construção de um complexo universo midiático e situam um protagonista nomeio desse universo.

Assim, não há no cérebro um mecanismo, dispositivo ou região única que expliquea consciência. São as mediações criadas entre os diversos elementos que criam aconsciência. A constituição do eu é processual e intercambiante, em permanenteatualização com o ambiente.

Lee UfanRelatum- Instalação

na Galeria Muramatsu1979

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Os aspectos mais importantes nos encontros propostos pelas obras de Lee são apercepção das mediações, dos processos e fundamentalmente a coexistência deelementos desiguais. Na percepção cognitiva, os processos entre arte e vida rompemsuas fronteiras.

Lee UfanRelatum (formelysystem)- Detalhe

1969

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Em seu texto “Um homem no meio” (2008, p. 17) Lee Ufan descreve:

Eu nasci na Coreia e lá vivi até os 20 anos. Depois disso, morei no Japão por40 anos [...]. Por causa do meu passado, os coreanos me veem como japonês,e os japoneses me veem fundamentalmente como coreano, e quando eu voupara a Europa, as pessoas me olham como oriental. Eu me vejo como uma bolade pingue-pongue, um homem no meio, sempre sendo trazido para trás eninguém querendo me aceitar como pertencente ao grupo [...]. As dinâmicasda distância me fizeram o que sou. (2004, p. 17)

Para o crítico Akira Tatehata (2011), o estado de não pertencimento traz a Leeuma crise perpétua. Mas também esse estado se reflete positivamente através desua aptidão para experimentar coisas desconhecidas que ocorrem nas mediações,nos intervalos ou nos deslocamentos dos eventos.

O espaço ressonante, que o sentido de encontro gera nos trabalhos desse artista,encontra repercussão na noção japonesa da espacialidade Ma. A pesquisadoraMichiko Okano, em suas investigações sobre o Ma, declara:

A espacialidade Ma, um espaço intervalar que, ao mesmo tempo, separa eata, aponta a possibilidade de coexistência de elementos distintos e até opostos,como o interno e o externo, o público e o privado, combinações entre aconstrução, a natureza e a arte. (Okano, 2012, p. 126)

Para a autora, o espaço Ma é uma zona onde as coisas se mantêm “em suspensão”e os níveis de informação e descrição permanecem baixos. O receptor complementaas informações por meio de analogias ou metáforas para que as possibilidades seconcretizem. Essas novas associações podem resultar ainda em outras associações,ainda inéditas, que transformam a concepção do lugar. Como exemplo, Okano citao Museu de Arte Chichu, na ilha de Naoshima, projetado por Tadao Ando. Segundoa autora:

Tem-se uma experiência de perda de referência ao se caminhar por escurostúneis, o que provoca uma desconexão com o mundo externo e torna essetrajeto uma passagem para o sublime mundo da arte, que abriga as obraspermanentes de três artistas: Monet, James Turrell e Walter de Maria. Ocorredor labiríntico, escuro e estreito é, muitas vezes, contrastado pelo amploespaço expositivo, o qual recebe muita luz, técnica peculiar a Ando e denominadacontraperspectiva pelo arquiteto Yoshimura (1997). (Okano, 2012, p. 114-5)

Sob a batuta do próprio Tadao Ando, no mesmo complexo artístico em Naoshima,foi construído o Museu Lee Ufan.

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Para Okano, a arquitetura do Ma se distingue “pela possibilidade de ação a sernela inserida, encontros, acasos, confrontos e inter-relações entre o homem, osobjetos e a memória”. É a possibilidade de ser uma passagem, um entre-espaçoquando se constitui fenômeno.

Os encontros promovidos pelas obras de Lee se constituem como lugar de transição,passagem, interação, coexistência – um espaço relacional num jogo incessanteentre elementos estáveis e instáveis na desestabilização de classificações. Oespectador, desejoso em significar, hesita amparado por uma tensão corporal.Para Christine Greiner:

O corpo não acompanha a dúvida. Ele é a dúvida. O significado emerge precisamenteda experiência corporal do bloqueio do fluxo da experiência em direção a novospensamentos e sentimentos. (2010, p. 91)

Para António Damásio, o que chamamos de “eu” depende da capacidade dereconstruir e de manipular registros de memória num espaço de trabalho cerebralparalelo ao espaço perceptual, criando uma espécie de área de armazenamentotemporário “off-line”. Nessa área, o tempo pode ficar suspenso por um momentoe as decisões se libertam da tirania das ações imediatas. Tudo depende dacapacidade do cérebro de ir além das representações mentais que imitam a realidadede maneira servil e mimética.

Ao contrário dos objetos consumíveis da vida contemporânea, os materiais dasobras de Lee não possuem funcionalidade específica. São elementos em estado depré-individuação em um espaço potencial para o eu ir além e não se restringir àsordens estabelecidas. Então a pergunta com que o artista lida não é o que é ocorpo ou os dispositivos que movem o corpo, mas o que o corpo pode mover.

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O acabado do inacabado nas obras de Silvia Bächli

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O acabado do inacabado nas obras deSilvia Bächli

Desenhos grandes, desenhos pequenos entre linhas desalinhadas. As formasabstratas ou as figurações sutis despertam a curiosidade. Numa dinâmica depercepções busco sínteses do pensamento. Em vão. Outros pontos de vistaaparecem repentinamente por sensações de estranha familiaridade. Um silênciopaira entre as obras. O olhar vaga pela sala, escuto o meu passo, paro.

O Pavilhão Suíço na 53a Bienal de Artes de Veneza traz a exposição Det, constituídade desenhos e fotografias de Silvia Bächli. São imagens abstratas ou figurativasde paisagens, fragmentos de corpo, de coisas ou seus detalhes. Grande parte dosdesenhos é monocromática; outras vezes, a artista parece recorrer às cores daspoucas fotografias expostas. Os desenhos partem de gestos espontâneosjuntamente à sutileza expressiva dos materiais que ela emprega. Alguns trabalhospodem ser vistos isoladamente, outros estão agrupados em instalações, as quaisela chama de “constelações”.

Bächli faz uma homenagem à poetisa dinamarquesa Inger Christensen, nomeandoa exposição com o nome de um de seus poemas, Det. Det é um pronome impessoalespecífico para designar animais e coisas inanimadas na língua dinamarquesa. Suatradução inexiste na língua portuguesa. Christensen faz parte de um grupo demulheres homenageadas em exposições ou citadas em entrevistas por Bächli, queainda inclui as artistas Marisa Merz, Sophie Taeuber-Arp, Eva Hesse e AgnesMartin. É possível que essas artistas a tenham inspirado a produzir outrasconstelações. Cecilia Almeida Salles (2008, p. 44), ao falar sobre interações nosprocessos de criação, observa que “as pesquisas passam a ser mais um meiocondutor de diálogos externos, que trazem para dentro do processo outras vozes,muitas vezes chamadas de influências”. Assim, indicam relações de múltiplasconexões, que constituem “a trama de que é feita a história de cada artista”.

Essas mulheres, homenageadas por Bächli, buscaram encontrar espaço dentro deum reduto artístico conduzido, na maioria das vezes, por uma retórica heroica,masculina. Participantes ativas dos movimentos modernistas, trabalharam tambémno sentido de afirmação de novos valores no mundo da arte. Elas formaram a basepara futuras discussões das inclusões de grupos minoritários nas representaçõesa partir dos anos 60 e contribuíram para a conquista de um novo repertório demateriais e formas. Esse novo repertório se traduz pela introdução de atividadesvistas como da “vida doméstica”, tais como as peças tricotadas em fios metálicosde Marisa Merz, pelo uso de materiais orgânicos e efêmeros nos objetos de EvaHesse, pelas relações geométricas delicadas de SophieTaeuber-Arp ou AgnesMartin.

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Podemos observar que essas artistas também possuem questões formais emcomum. Segundo um olhar mais amplo, verificamos um interesse pela geometriaconstrutiva, ou seja, a geometria que constitui os processos generativos econstrutivos da arquitetura. Assim, essa geometria se relaciona com o desenho(representação) e com sua projeção espacial (o objeto). As peças tricotadas deMarisa Merz ou mesmo os volumes de Eva Hesse adicionam organicidade a objetosque têm seu princípio nas formas puras. As formas puras também ganhamarticulações humanas nos bonecos e figurinos de SophieTaeuber-Arp. Por outrolado, Agnes Martin, em alguns trabalhos, constrói um sistema de grelha ortogonaldesenhado em nanquim – um material denso e permanente –, o qual sobrepõeoutra grelha desenhada a lápis – um material efêmero, usado em esboços. Oresultado visual é como se a grelha a lápis flutuasse sobre a tela.

Marisa MerzInstalação Sem Título-Kunstmuseum Winterthur,Suíça1995

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Assim, elas acrescentam curvas, falhas, desvios, suspensão, flexibilidade evulnerabilidade aos elementos, gerando, de certa forma, complexas equaçõesmatemáticas. A questão da organicidade tende a se referir ao sentido ambíguo dotermo – relativo aos contornos e às formas irregulares encontrados na natureza –, como também a organismo, mecanismo ou sistema. Para complementar nossomapa de influências sobre a artista, segundo Charles Lock e Jakob Stougaard-Nielsen (2009), o trabalho poético de Inger Christensen foi inspirado na matemáticae num sentido de ordenação do mundo diferente daquele da linguagem. Christensenconcebe uma “poesia sistêmica” para distorcer a linguagem de modo que permitissesua “abertura” e “exibição” a partir de outros padrões e princípios de ordem.

Eva HesseRepetition 19, III

1968

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Sophie Taeuber-ArpFigurino Ascona

1925

Sophie Taeuber-ArpFigurino Hopi Indian1922

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Sophie Taeuber-ArpMilitary Guards

1918

Sophie Taeuber-ArpDada Dolls, em Zurique

1922

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Agnes MartinThe Tree1964

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A partir desses nomes, tentamos mapear as “outras vozes” ou filiações, a fim decompor um pequeno quadro de referência para os processos criativos e cognitivosnas obras de Silvia Bächli.

Inicialmente verificamos que a maioria dos trabalhos da artista não possui título.Somente as obras de grande formato têm os títulos escolhidos a partir do nome dasérie a que pertencem, seguidas de um número, tal como Linien 32 (Linhas 32) ouBlumen 9 (Flores 9). Por outro lado, as instalações possuem nomes em diversaslínguas: Alles weg, Abrikostræerne findes, Tibet, Karola, Quittengelb ou Ammassalik.

Agnes MartinWood I

1963

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Por exemplo: Quittengelb é a cor amarela do marmelo, Ammassalik é o nome deuma vila na Islândia, Karola é um prenome feminino, e Abrikostræerne findes é umacitação de Inger Christensen. Os títulos não trazem uma narrativa maior queaquelas que as obras trazem em si. Eles parecem ter sido escolhidos mais por suasonoridade, pelo sabor ou perfume que evocam, ou, mesmo, pela cor que indicam.....

Os assuntos dos trabalhos parecem, muitas vezes, ser acidentais, oscilando entreo figurativo – partes de corpo – e algo mais abstrato, sempre em temas de seucotidiano. Ao invés de representar o corpo propriamente, suas linhas parecemexpressar traços provenientes de movimentos corporais. Nos desenhos menores,podemos observar o gesto das mãos. Nos desenhos maiores, o gesto do braço oude todo o corpo, no esforço para traduzir o espaço e o tempo em uma estruturavisível. São desenhos nos quais as contingências, a falha e os respiros ficamaparentes. Aos falar dos desenhos da artista, Hans Rudolf Heust (2009, p. 108) sepergunta: “O que, por fim, diferencia os traços fugazes sobre o papel de umainscrição nele no momento de uma performance no espaço?”.

Suas linhas, vivas, individuais e finitas, são chamadas por Markus Stegmann (2005,p. 28) de “sismógrafos sensitivos para a realidade”. Mas de que forma nos atingeo trabalho de Silvia Bächli? Como essas simples linhas adquirem tal dimensão?

Ao experienciarmos uma exposição da artista, podemos notar que o meio decomunicação é essencialmente perceptivo, algo que talvez as palavras não possamexplicar, que demandem outras organizações, diferentes da linguagem oral. Umasensação simultânea de familiaridade e distanciamento permeia toda a experiência.Segundo Eric de Chassey (2005, p. 24), a nossa atenção não se detém emassociações com partes do corpo ou de roupa “porque nós vivemos nelas, vestimoselas – ou as desejamos (e desejo importa aqui)”. Ainda, segundo o autor, sãotrabalhos desenhados “menos por um ponto de vista (visual) que por aquilo que émais direto em nossos sentidos (toque, paladar, odor) e os sentimentos que essafamiliaridade gera em nossas mentes”. Em alguns momentos, no percurso daexposição, o sentido de corpo desaparece. Os elementos não são mais conectadosdiretamente às suas formas globais e funções e aparecem em fluxos livres dedeterminada cor, textura ou curvatura. A materialidade líquida do guache sobre opapel branco sensibiliza o espectador. São finas e delicadas camadas com variaçõessutis que trazem a sensação de um toque suave. As imagens perdem suas conexõesdiretas ou nexos. Para Chassey (2005, p. 24), “é um paradoxo desconcertanteque tais fragmentos de imperfeições possam gerar tais forças produtivas”.

Silvia BächliAus/ From das (toInger Christensen)

2008/2009

Silvia BächliAus/ From das (toInger Christensen)

2008/2009

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Silvia BächliAus/ From das (toInger Christensen)2008/2009

Silvia BächliLily2004

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14 Algumas estruturas do sistema límbico são importantes nos processos de reforço(reinforcement). O termo reforço se aplica a processos percebidos como gratificantes oubons, os quais, portanto, são repetidos com uma autoestimulação elétrica. Fonte:Encyclopedia of Drugs, Alcohol, and Addictive Behavior, 2001.

Para ampliar nossa compreensão sobre como tais signos artísticos nos sensibilizamcom tal efetividade, relacionaremos algumas questões artísticas da obra de SilviaBacchli com a teoria neurológica da experiência estética investigada por V. S.Ramachandran e William Hirstein (1999).

Segundo a dupla de autores, as obras não contêm mensagens diretas, mas seconstituem como um jogo entre o arranjo, a estrutura e a organização dedeterminado sistema estético e o funcionamento do sistema perceptual-cognitivohumano. Eles indicam que a percepção de características de algumas formas visuaisprovoca uma sensação prazerosa, gratificante, e esta seria uma estratégia evolutivaincorporada neurofisiologicamente. Assim, a experiência artística provocaria oaprendizado através do nosso sistema perceptual-cognitivo que, com isso, seriagratificado por meio do sistema límbico. O sistema límbico é responsável pelasemoções, por necessidades corporais primordiais, humor e gera prontidão paraagir, dando soluções rápidas e básicas para o organismo. O processo neurológicopostulado pelos autores é que vários centros visuais do cérebro percebemagrupamentos e grupos significativos no campo visual e enviam mensagenspreliminares ao sistema límbico. O sistema límbico gera prazer, levando o indivíduoa alocar a atenção para os estímulos em particular e gerar hipóteses sobre o queo estímulo completo e significativo poderia ser. Este prazer leva a um processamento,como um vai e vem entre os centros visuais e o sistema límbico. Eles associamesse sentimento de recompensa à experiência bem comum do “A ha”, ou seja, àsensação gratificante da descoberta. Outros estímulos não visuais, por exemploos auditivos, acionam outros centros sensoriais que também trabalham com osistema límbico. O processo de reforço14 gerado pelo sistema límbico desempenhaum papel fundamental tanto na produção quanto na apreciação da arte.

Os autores propõem ao todo “oito leis da experiência artística” e, de formaespirituosa, declaram ter se inspirado nos oito caminhos de Buda para a sabedoriae a iluminação. Mas observam que essas leis não abrangem todas as manifestaçõesdas leis artísticas; identificam o conjunto como apenas um ponto de partida.

Uma das principais leis é a essência da arte e o fenômeno psicológico chamado de“Princípio de alteração de pico” (peak shift effect). E lançam a questão (1999, p.17): “O que significa capturar a essência de algo de forma a evocar uma respostaemocional direta?”. Semir Zeki (1998) declara que não pode ser coincidência ofato de que a habilidade do artista de extrair aspectos essenciais de uma imageme descartar informação redundante seja essencialmente idêntica ao que as áreasvisuais do cérebro se desenvolveram para fazer.

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Este princípio é um fenômeno psicológico bem conhecido no aprendizado dediscriminação dos animais. Por exemplo, se um rato é recompensado por diferenciarum retângulo de um quadrado, ele responderá mais vigorosamente a um retângulomais comprido e mais estreito que o protótipo. O resultado é que o rato não estáaprendendo a distinguir o protótipo, mas uma lei, isto é, a retangularidade.O mesmo princípio que se aplica para o reconhecimento do retângulo deve seraplicado ao reconhecimento das demais formas, o que poderia nos ajudar a entendermuito do aspecto evocativo da maioria das obras de arte. Quando se descartamcertos aspectos e se amplificam outros, o artista é capaz, intuitivamente, de acessare potencializar o estímulo de mecanismos neurais do cérebro que representamdeterminado padrão.

Certas posturas corporais representadas pelos artistas podem produzir o que osautores chamam de ‘espaço postural’ (posture space), estimulando mecanismosneurais no cérebro que identificam grupos de aspectos em gestos, nos sentimentos,na diferença entre masculino e feminino, etc., que ativam o sistema límbico. Umespaço postural pode ser entendido como o conjunto de várias posturas de pessoasque já tenham sido observadas. Para R. e H., é certo que essas representações depostura estejam ligadas ao sistema límbico. Segundo os autores (1999, p. 19), “équase imperativo que eu reconheça uma postura de ataque, uma postura – ouposição do corpo – que gesticula, que acena, ou outra que indique tristeza oudepressão, etc.”. Os artistas sabem, conscientes ou não, que a visão dedeterminadas posturas, representadas no sistema de espaço das posturas neurais,evocará certo tipo de ativação límbica. Dessa forma, “elas contarão uma estórianesse meio”.

Segundo os fisiologistas (Zeki, 1980; Livingstone e Hubel, 1987; Allman e Kaas,1971; Van Essen e Maunsell, 1980 apud Ramachandran e Hirstein, 1999, p. 19),os cérebros primatas teriam ainda outros módulos especializados relativos a outrasmodalidades, como cor, profundidade e movimento. Assim, os artistas tambémexplorariam o princípio de alteração de pico em outras dimensões, tais como emespaço de cor ou espaço de movimento. Podemos ainda considerar as característicasde textura dos elementos na obra artística, como também intensificações de luzes,sombras ou iluminação que nunca ocorreriam na realidade. Mesmo a música podeenvolver o mesmo princípio em certas vocalizações de primatas primitivos, taiscomo o choro da separação; a resposta emocional que esse som produz podeeletrizar nossos cérebros.

Há também claramente um componente mnemônico da percepção estética queinclui a memória autobiográfica do artista e de seu espectador, como também dosestoques de conhecimento armazenados, trazidos no momento do encontro com otrabalho. Assim, esse princípio pode se associar às informações incontáveis doselementos referenciados nas obras artísticas.

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As formas dos desenhos de Silvia Bächli parecem se relacionar com o ‘princípio dealteração de pico’. Certos atributos nas imagens sugerem determinadas reações(como no exemplo do retângulo). Mas o princípio de alteração de pico indica que,se os atributos forem incrementados, também serão amplificadas as reações. Comopontuam os autores, não é tanto a imagem que importa nesse princípio, mas a leienvolvida. Assim, a forma como a artista ressalta características relevantes docorpo, de objetos ou lugares parece conseguir maior resposta do espectador.Também parece explorar o ‘espaço postural’ nos mecanismos neurais, quandoconseguimos reconhecer certos sentimentos ou sensações em suas figurações ounos recortes de partes do corpo. Mas talvez um dos aspectos mais significativosem seus desenhos seja a materialidade ou textura aplicada ao traço ou às áreaspintadas. Seja no desenho ou na pintura, sempre existe o movimento marcado dopincel. As linhas que executa, a exemplo das linhas de Lee Ufan, possuem certoritmo vital – começam carregadas de tinta – cheias de energia – e depois vai sendoreduzida gradativamente sua tinta até o quase desaparecimento. Em outrostrabalhos, a alternância de traços desiguais paralelos, sempre no mesmo sentido,como fios de cabelos desalinhados, provoca a sensação de tatilidade. As pinceladas,pela transparência da cor aplicada, geram camadas de traços sobrepostos que nosfazem experienciar outra dimensão elementar – o tempo. São movimentos quenarram a história da ação da artista. Dessa forma, pelo olhar, “construímos” coma artista as suas imagens. Para Stegmann (2005, p. 29), “os olhos não somentetêm a opção de seguir a direção das linhas, sentir seu caminho através de suasmudanças vivas, mas também penetrar na profundidade ilusionista do tecido, lernas entrelinhas”. O ‘espaço de textura’ parece ser um recurso poderoso paraestimular mecanismos neurais que são aptos a reconhecer esses aspectos e produziruma sensação prazerosa a partir do sistema límbico.

Traços sintéticos e expressivos são explorados para estruturar seus desenhos. Alinha, ao mesmo tempo que representa algo, se apresenta, numa redução ao seurepertório básico, em sua forma simbólica. As linhas não são apenas uma ou outra.São traços para dar forma a uma ideia, uma imagem e simultaneamente se mantêmabertas para outras formações.

A simplicidade formal dos trabalhos de Bächli parece relacionar-se com outrosdois princípios apontados por Ramachandran e Hirstein. “Isolar um módulo unitárioe alocar atenção”, ou seja, a necessidade de isolar uma única modalidade visualantes de amplificar o sinal é outro princípio importante para a dupla de cientistas.Esse princípio explicaria o porquê de um esboço ser, muitas vezes, mais efetivoque toda uma fotografia. Esta afirmação parece ser inicialmente contraintuitivadesde que se imagine que, quanto mais ricos os detalhes disponíveis no objeto,mais forte seria o sinal de reconhecimento e de acionamento da ativação límbica.Porém, R. e H. explicam que o impedimento restritivo no volume de alocação derecursos de atenção a diferentes módulos visuais nos permite, apenas, direcionaratenção mais efetivamente para uma fonte de informação.

Silvia BächliSem Título2011

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A ideia de que esboços em arte são muito efetivos pode não ser considerada nova,mas esse princípio aponta para o fato de que as células nos caminhos visuais sãoestimuladas pelas bordas e são indiferentes às regiões homogêneas. A informaçãoextrarredundante pode distrair nossos limitados recursos de atenção definidoresdaquele objeto.

É interessante observar o interesse dos autores sobre o processo artístico no viésde uma comunicação eficiente.

O princípio seguinte é “Resolução de problemas perceptuais”, que se relacionacom todos os demais e também é reforçado. Segundo os autores, imagens do tipoquebra-cabeças com significados mais implícitos que explícitos são mais sedutorasque outras imagens com mensagens óbvias. Alguns trabalhos de arte se parecemcom jogos de esconder e desafiam o sistema visual a alcançar uma solução e a nãodesistir tão facilmente. Na instalação Det, de Bächli, os signos começam a tersentido a partir de uma percepção temporal estendida. Suas instalações podemser vistas como equações a serem decifradas pelos sentidos.

Silvia BächliDetalhe daInstalação Aus/From das (to IngerChristensen)2008/2009

Silvia BächliInstalação Nuit et Jour

Centro Georges Pompidou2007/2008

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Silvia BächliAus/ From das (toInger Christensen)

2008/2009

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Silvia BächliInstalação Aus/ From das(to Inger Christensen)2008/2009

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A comunicação dos trabalhos de Bächli com o público é algo que ocorre no ‘corpoa corpo’, ou seja, ao visitante é solicitado não apenas um par de olhos, mas todoseu ser corpóreo. As formas dos desenhos autônomos ou das constelações nãosão percebidas isoladamente, mas por meio de uma ‘investigação e movimentoshábeis através do tempo’ no conjunto da exposição. Ou seja, a percepção nãoocorre apenas pela visão, mas pela exercício de nossas habilidades corporais atravésda sala expositiva. O poema “Det” [It], com que Bächli nomeia a exposição, deInger Christensen, parece, de certo modo, traduzir a dinâmica da experiência:

Isso. É isso. Isto começou isso. É. Continua. Move-se. Além. Torna-se. Torna-se isso e isso e isso. Vai mais longe do que isso. Torna-se algo mais. Torna-semais. Combina com qualquer outra coisa mais para continuar se tornando algomais e mais. Algo. Algo novo. Nunca parado. No próximo momento, torna-setão novo como agora pode ser. Impõe-se. Ostenta-se. Toca, é tocado. Pega omaterial gratuitamente. Cresce mais e mais. Constrói-se sendo mais do que simesmo, ganha peso, ganha velocidade, ganha mais em sua pressa, ganha emoutra coisa, passa outra coisa, que é retomada, tomada, rapidamentecarregada com o que veio primeiro, começou tão aleatoriamente. É isso aí.Tão mudado agora que começou. Assim transformado. Já a diferença entreisso e isso, pois nada é o que era. Já o tempo entre isso e isso, aqui e ali,então e agora. Já o espaço entre isso e algo mais, isso e mais, isso e algumacoisa, algo novo, que agora, neste momento, já foi, no próximo agora é econtinua. Move-se. Preenche. Já é em si suficiente para dentro diferir de fora.[...] (Inger Christensen, 2006, p. 3)15

15 It. That’s it. That started it. It is. Goes on. Moves. Beyond. Becomes. Becomes it and itand it. Goes further than that. Becomes something else. Becomes more. Combinessomething else with more to keep becoming something else and more. Something.Something new. Newer still. In the next now, becomes as new as it now can be. Imposesitself. Flaunts itself. Touches, is touched. Catches free material. Grows bigger and bigger.Builds itself up by being more than itself, gains weight, gains speed, gains more in itsrush, gains on something else, passes something else, which is taken up, taken in, fastladen with what came first, so randomly begun. That’s it. So changed now that it’sbegun. So transformed. Already a difference between it and it, for nothing is what it was.Already time between it and it, here and there, then and now. Already the span of spacebetween it and something else, it and more, it and something, something new, whichnow, in this now, already has been, in the next now is and goes on. Moves. Fills. Isalready enough itself for inside to differ from outside. […] (Inger Christensen, 2006, p. 3,tradução de Suzanna Nied)

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O movimento que percebemos nas constelações de obras resulta decomplementaridades e espelhamentos entre formas, intervalos, texturas e cores.Por exemplo, as cores de determinada fotografia, como tons pálidos de uma paisagemde inverno na Islândia, são retomadas em desenhos com poucos traços. As formasdos trabalhos abstratos oscilam, de forma geral, entre linhas radiais, ortogonais,paralelas ou curvas ‘feitas à mão’. São formas imprecisas, unidas pelo traço manual,singular da artista. Também nas formas figurativas se repetem as linhas das formasabstratas, o que proporciona certa unidade ao conjunto. Os recortes de jornais ourevistas, que num momento passado podem ter acionado Bächli, são agoraressignificados a partir de novos diálogos. Podemos associar as dimensões e oposicionamento dos trabalhos a notas de uma partitura. Os quadros menoresrequerem mais proximidade e atenção, os maiores são melhor percebidos a certadistância, e o conjunto parece distribuir uma variedade de tons tal como em umamelodia. Para Paulo Colombo (1995), sua narrativa é condicionada por atrasos eacelerações de memória, criando um movimento rapsódico que regula a respiraçãodo conjunto. Ao comentar os espaçamentos entre trabalhos, Jonas Storsve (2007,p. 20) verifica que “a intensidade das associações das folhas é modulada peladistância entre cada uma delas, distância que tem aqui a mesma função do silênciona poesia ou da pausa na música”.

Para Catherine Pavlovic (2006, p. 1), a artista “articula os espaços da exposiçãopara [...] uma conversa entre os desenhos, entre os desenhos e o espectador, efinalmente com o espaço onde tudo se encontra”. Entendemos que parte da forçaexpressiva de sua obra reside em sua capacidade de multiplicar pontos de vista, oque obriga continuamente o visitante a redefinir seu lugar e suas relações com asprobabilidades oferecidas. Para Maja Naef (2008), seus trabalhos são um convitea uma experiência sinestésica.

Ainda a artista compõe, a partir de determinados trabalhos de uma exposição,novas constelações que serão exibidas em outras mostras.

Com base nessas questões, podemos observar o aspecto processual do seu trabalho,seu permanente inacabamento e a contínua transformação a partir das interaçõesque estabelece. Essa mobilidade espaçotemporal parece dar continuidade à dinâmicado próprio processo da criação. Cecilia Almeida Salles, ao falar sobre essa questão,declara:

A criação artística é marcada por sua dinamicidade que nos põe em contatocom um ambiente que se caracteriza pela flexibilidade, não fixidez, mobilidadee plasticidade. Um ambiente dos inúmeros e infindáveis cortes, substituições,adições e deslocamentos. São propostas de obras se modificando ao longo doprocesso; partes de uma obra reaparecendo em outras obras do próprio artista;ou ainda fatos lembrados sendo levados para obras em construção. [...] Novaspercepções sensíveis que não conhecem a fixidez, impõem modificações e novasconexões. (2006, pp. 19-20)

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Silvia BächliDetalhe da

Instalação Aus/From das (to Inger

Christensen)2008/2009

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Silvia BächliDetalhe daInstalação Aus/From das (to IngerChristensen)2008/2009

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Mas ainda segundo a autora, podemos pensar a própria obra em permanenteprocesso, inacabada. Talvez seja esse estado provisório, inacabado, que possaelucidar as ações artísticas de Bächli. Uma obra que parece realizar-se apenasnas relações que promove.

Observemos, então, outras conexões entre o trabalho de Bächli e os princípios daexperiência artística investigados por Ramachandran e Hirstein.

“Agrupamento perceptual e ligação diretamente reforçada” é o princípio utilizadopara delinear figura e fundo, ou seja, o processo de descobrir objetos em ambientesruidosos, ação que também causaria prazer.

A visão inicial tem como uma de suas principais funções descobrir e delinear objetosno campo visual e, para fazer isso, as áreas visuais necessitam fazer correlaçõesdaquilo que veem. Esse processo, de descobrir correlações e ‘unir’ aspectos quese correlacionem para gerar objetos unitários ou eventos, será reforçado peloorganismo – de forma a fornecer incentivo para tais correlações. Existem no cérebroligações entre áreas que descobrem tais correlações e as áreas límbicas que geramuma sensação prazerosa ‘de recompensa’, associada ao agrupamento conseguido.Como exemplificam os autores (1999, p. 22), “quando você escolhe um azul foscopara enquadrar a sua pintura, a fim de ‘pegar’ manchas de azul da pintura vocêestá indiretamente explorando esses mecanismos”. Mas como tal agrupamento éalcançado? Eles esclarecem que o cérebro primata tem mais de duas dúzias deáreas visuais, cada uma dedicada a um atributo visual diferente, tal como:movimento, cor, profundidade, forma etc.

Os autores descrevem dois tipos de mapas cerebrais que ocorrem no processo deextrair correlações. Primeiro, um mapa topográfico normal – características queestão juntas no espaço físico também estão próximas em áreas do cérebro (similarà nossa ideia de mapa). Mas existe um segundo tipo, o mapa não topográfico –por exemplo, um mapa do ‘espaço da cor’, tal como aconteceria no exemplo citadoanteriormente sobre a relação da cor azul em partes distintas do quadro. Nessemapa, os pontos que estão juntos ‘em comprimento de onda’ são mapeados juntosna área de cor do cérebro, mas estão distanciados um do outro fisicamente. Talproximidade nas áreas cerebrais – a cor azul em diversos lugares – pode ser útilpara o agrupamento perceptual e a ligação de características que são semelhantes.

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Vejamos outro exemplo, a foto do cachorro dálmata:

O número de possíveis agrupamentos dessasmanchas é enorme, mas, uma vez que vemos ocachorro, nosso sistema visual liga somente umsubconjunto de manchas e, a partir daí, é difícil nãomanter este grupo unido. Aquela percepção emparticular foi poderosamente reforçada.

No momento em que determinado grupo de características se torna perceptivamentesaliente, um objeto, um sinal é enviado aos centros límbicos que mantêm a atençãosobre o objeto para facilitar um processamento posterior. A ideia principal sobre oprincípio de ligação, como também de outras leis, é que, como são limitados osrecursos de atenção e o espaço neural para representações simultâneas, a cadaestágio do processo é gerado um “olha aqui, há uma pista de algo potencialmentecomo um objeto”, o que produz uma ativação límbica e nos mantém com atençãopara aquela região ou característica. Depois, soluções parciais ou conjecturas aproblemas perceptuais são informadas em cada nível de hierarquia a cada módulovisual anterior. Esse processo vai acumulando pequenos dados para a percepçãofinal emergir progressivamente de forma quase autônoma. Segundo os autores, aconsistência entre uma hipótese de alto nível e um conjunto anterior de baixo níveltambém gera uma sensação de prazer. E declaram (1999, p. 23): “o que os artistastentam fazer é importunar o sistema (visual) com tantas pistas de objetos potenciaisquanto possível, o que explicaria porque o agrupamento e a resolução de problemasperceptuais são frequentemente explorados por artistas”. A noção de agrupamentosem arte não é nova, o que seria novo é o fato de esses agrupamentos não ocorreremespontaneamente; um sinal é enviado ao sistema límbico que reforça a ligação eesta é uma fonte de experiência estética.

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O artigo de Ramachandran e Hirstein causou uma grande polêmica sobre algumasquestões lançadas, mas Ramachandran se justificou declarando que seu principalobjetivo foi estimular a discussão interdisciplinar e o debate entre neurocientistas,cientistas sociais, artistas e historiadores sobre o significado da arte e a buscapor universalidades artísticas, e que com sua tradução de leis universais da estéticaeles não buscaram generalizar o processo de criação, nem negar a originalidadedo artista. Suas questões giram em torno das regras que o artista, de formaconsciente ou não, emprega na produção de sua obra ou da lei que ele escolhepara enfatizar determinados aspectos. Mas o como e o que ele faz é diretamenteligado à sua habilidade e originalidade. Sobre a discussão causada pelo artigo,Christine Greiner (2005, p. 112) observa que “a tentativa de elencar algumas leisuniversais da arte deveria ser entendida como um nível de descrição deste processo,mas não o único. E como todo fenômeno complexo, a arte também poderia serestudada a partir de diferentes níveis de investigação”.

Os arranjos de Silvia Bächli parecem relacionar-se com os princípios de AgrupamentoPerceptual e Ligação descritos pelos autores, em mapas cerebrais topográficos enão topográficos, especialmente quando formamos relações entre formas, traçose cores em diferentes espaços da área expositiva. Mas estabelecemos relaçõesnão apenas formais, como também conceituais.

É interessante considerar que muitos autores (inclusive esta autora) que escreveramsobre a artista fazem um paralelo entre seus desenhos e processos humanosvitais. Por exemplo, quando Markus Stegmann (2005, p. 28) compara seus trabalhoscom “experiências humanas existenciais visíveis”, ou mesmo com “as dimensõeshumanas com suas individualidades, a viva imprevisão de seus caminhos e finalmentecom a qualidade finita das suas existências”.

Ou ainda, interações com outros elementos, por exemplo quando Urich Loock(2006, p. 2) declara que seus desenhos “podem inspirar conotações pessoais: umvéu, uma cortina movendo no ar, um vento gentil, uma brisa de primavera”.

Gostaríamos de adicionar outro componente interativo que não pertence àquiloque vemos, mas ao que não costumamos observar: o branco. Para qualquerdesenhista, o branco tem uma importante função como espaço ativo em plenodiálogo com os traços lançados sobre ele. É a parte onde o desenho alcança oequilíbrio (ou desequilíbrio) desejado pelo artista. Silvia Bächli (2009, apud Reust,2012, p. 106) parece reconhecer o papel do branco quando declara que “desenharé entrar em um novo território e andar sobre ele, criar espaço e explorar, trabalhara favor e contra as bordas do papel”. Mas as bordas, caso a sala expositiva tenhaparedes brancas, podem também ‘se projetar’ para além dos limites do papel,ressoando pelo espaço arquitetônico. O branco também pode se referir a tempo.

Silvia BächliDetalhe da

Instalação Aus/From das (to Inger

Christensen)2008/2009

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Ao falar da obra de Jean Genet, Kuniichi Uno descreve o tempo como uma formaindeterminada e fugidia:

Esse tempo que coexiste com o branco, um papel em branco, um vazio que nãoé vazio, pois, na realidade, é muito preenchido, tenso, intenso. É no seu textosobre Giacometti que Genet explicita esse branco, terrivelmente intenso, quedetermina a direção de todas as linhas. (2012, p. 82)

E cita Genet (1972, apud Uno, 2012, p. 82): “Os traços sendo utilizados não paraque ganhem valor significativo, mas com o único fim de darem toda significaçãoaos brancos”.

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Nessa proposição, o branco passa de objeto que sofre a ação para aquele que adetermina. Ainda segundo Uno (ibid, p. 84), o branco acolhe todas as flutuaçõesda narrativa de Genet em sua obra Um cativo apaixonado: “Todas as figuras sãointercambiáveis e infinitamente decomponíveis, nenhum corpo existe, se fixa; tudoé gesto, movimento, vibração. Tudo pode ser decomposto e desdobrado dessebranco”.

Percebemos que esse sentido do branco também se desdobra nas mostras deSilvia Bächli. Em seus trabalhos o branco é um campo em forma de potência, meiode uma variação infinita.

A significação das obras artísticas sempre parte de metáforas. Mas, ao analisarcomo as metáforas ocorrem na obra artística, Ramachandran e Hirstein asconsideraram como o princípio mais enigmático da experiência estética.

Silvia BächliDetalhe daInstalação Aus/From das (to IngerChristensen)2008/2009

Silvia BächliAus/ From das (toInger Christensen)2008/2009

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Silvia BächliDetalhe daInstalação Aus/From das (to IngerChristensen)2008/2009

Silvia BächliSem Título (Estúdioda artista)2008/2009

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Os autores esclarecem que as metáforas visuais, que descobrem similaridadesocultas entre elementos não similares a princípio, provavelmente são efetivas porqueesse processo faz parte de todo reconhecimento de padrões visuais e sinalizaçõesenviadas ao sistema límbico. Os autores exemplificam com o fato de que muitaspinturas evocam uma resposta emocional antes mesmo de que a metáfora sejatraduzida por um crítico de arte. Isso mostra que muitas vezes a metáfora é efetivamesmo antes que se esteja consciente disso, o que implica que ela deva ser umprincípio básico cognitivo para alcançar economia ao decodificar a informação, aoinvés de fazê-lo por meio retórico.

É vital para a sobrevivência classificar objetos em categorias, por exemplo, presaversus predador, comestível e não comestível, homem e mulher etc. Observar umasimilaridade profunda entre entidades diferentes é a base de toda formação deconceito, sejam eles concretos ou abstratos (por exemplo, as emoções). Apossibilidade de transcender para criar tipos é um passo essencial para se organizaruma nova categoria perceptiva. A capacidade de encontrar similaridades ocultasentre episódios sucessivos distintos permite combinar estes episódios para criaruma categoria comum. Por exemplo, inúmeras representações visuais de uma cadeirasão ligadas para formar a representação abstrata independente de cadeira.Consequentemente, a descoberta de similaridade e a ligação de eventos a princípionão similares induziriam à ativação límbica para, assim, assegurar que o processoseja compensador. Artes visuais e poesia envolvem este mecanismo básico.

O branco na obra de Silvia Bächli é metáfora para falarmos de uma condição quecomporta múltiplas presenças, desdobramentos e intervalos através do tempo.

Podemos perceber também que as formas de seus desenhos oscilam entre “serfiguração”, ou apenas “ser apresentação”. Ou seja, as linhas não aderemcompletamente ao seu referente, referindo-se a si próprias enquanto meio. Maselas existem contíguas e dependentes do branco, não como oposição, e sim comoequivalência.

Nessa conjunção de forças, outras metáforas foram criadas, tal como a relaçãocom a música (ou a poesia). Mais que melodia, Bächli parece estar interessada nosistema musical – a partitura para diferentes vozes, tons e ritmo. Foi a sonoridadedo poema “Det” (It), de Christensen, ao invés de sua narrativa, o principal motivoque a levou a escolhê-lo para nomear a exposição de Veneza.

Silvia BächliSem Tìtulo2012

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Uma sonoridade que ressoa por meio da marcação de ritmo. Ao falar sobre ritmoem obras artísticas, Elizabeth Grosz declara:

A libertação artística e a propagação da sensação são sempre um modo deressonância ou vibração harmônica, uma oscilação extraída da autoestruturadiferenciadora, flutuante no universo, usada para ritmar, medir, e fornecerdiscernimento no universo, no qual nada é autoidêntico, toda substância émovimento, modos de contração/dilatação ou diferença/repetição, e gera nãosomente percepções auditivas ou imagens visuais, mas, sobretudo, ritmo. (2008,p. 19)

A artista, pelos agrupamentos ou espaçamentos, gera um ritmo que se comunicacom todos os elementos do lugar – o que inclui os espectadores. Os componentesdos trabalhos – forma, cor, materialidade, textura –, desprendidos de suas formasglobais e funções, se tornam fluxos livres em outra linguagem, diferente da verbalou apenas visual, com estratégias cognitivas a partir da experiência do corpocinético-tátil.

Segundo Ramachandran e Hirstein, as respostas aos elementos apresentados,conjuntamente às estratégias de cognição e tentativas de síntese nos processoscerebrais, provocam uma sensação de prazer gerada pelo sistema límbico. Para osautores, o esforço parece ser sempre gratificado pelo sistema límbico. Umsentimento de descoberta que faz sentido como estratégia evolutiva incorporadaneurofisiologicamente.

As obras de Bächli, feitas para “desorientar”, a partir da decomposição da figurae de sentidos de identidade, pela reversibilidade da perspectiva nos múltiplos pontosde vista, possibilitam outras mediações entre o corpo e o ambiente. Essas novasmediações ocorrem, por um lado, gerando ligações mais diretas através de nossashabilidades corporais e, por outro, desafiando o aprendizado do nosso sistemaperceptual cognitivo. Segundo Christine Greiner (2005, p. 111), tal como “aatividade sexual e a experiência da morte (próxima ou anunciada), a atividadeestética representaria, em nosso processo evolutivo, uma ignição para a vida.Uma espécie de atualização de um estado corporal sempre latente efundamentalmente necessário para nossa sobrevivência”.

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Conclusão

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Conclusão

Nesta tese, observei trabalhos artísticos, considerando-os como mapas deconhecimento que cartografam a experiência perceptiva do mundo e estabelecemrelações comunicativas entre corpo e ambiente a partir de situações específicas.Estes mapas perceptivos fazem parte de uma cartografia de referências que foi seconstituindo através de trânsitos “indisciplinares” entre arte, comunicação e ciência.

As principais conexões foram criadas a partir da relação entre artistas, cientistasfilósofos, assim como de inserções da minha própria produção artística.

Num primeiro momento, analisei os mapas e partituras de Jorge Macchi, quesugerem a noção de estar “à deriva” na relação com o espaço. Situações sempercursos dados a priori, que apenas se deixam levar pelo exercício perceptivo.Sua obra é colocada em interlocução com algumas hipóteses de Alva Noë. Paraeste filósofo, a percepção não é algo que ocorre em nós, mas uma forma de açãocognitiva que acontece na relação com o espaço ao redor. Na experiência perceptivasomos confrontados com formas possíveis de mundo. Essas relações perceptivasenvolvem pensar sobre e entender o mundo por meio de uma conexão com oambiente. Neste viés, o exercício da percepção constitui-se como experiênciaconceitual e possibilidade de formulação de uma consciência crítica do mundo.

Num segundo momento, estudei os trabalhos de Lee Ufan e a sua proposta dearte como ação mediadora entre processos internos e o mundo exterior. Lee constróium sistema estético que enfatiza a busca pelo “mundo tal como é”. Suas obrassão encontros entre elementos desiguais que priorizam, ao invés da ação artística,a ética da mediação e coexistência. A partir do encontro que promovo entre a suaexperiência e algumas pesquisas do neurocientista António Damásio, evidencia-seque, ao interagir com o mundo ao redor, produzimos e relacionamos diferentesimagens mentais através de mapas. O processo mental é uma complexa rede defluxos de imagens do presente e do passado (através da recordação) e em constantevariação. Aquilo que chamamos de “eu” depende da capacidade de manipularesses registros de memória e ir além das representações mentais que imitam arealidade. É dentro dessa margem de avanço potencial, de superação dascategorizações e limites preconcebidos que os trabalhos de Lee inserem oespectador, tornando a sua obra uma possível simulação dos experimentos deDamásio.

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Num terceiro momento, discuti alguns trabalhos de Silvia Bächli, interpretando-oscomo cartografias perceptivas para “desorientar”, a partir da desarticulação dafigura e seus processos identitários, assim como da reversibilidade da perspectivaem múltiplos pontos de vista, possibilitando sempre novas mediações sensíveispara o espectador. Segundo a pesquisa de V. S. Ramachandran e William Hirstein,a arte não contém mensagens diretas mas envolve relações entre os sistemasestético e perceptual-cognitivo humano. Os autores chegam a especular os modoscomo acontecem os processos de criação, formulando leis estéticas quesupostamente os artistas empregariam em suas obras para deixá-las mais atrativas.Estes processos não seriam necessariamente conscientes. A resolução de umproblema perceptivo ativaria o sistema límbico, que manteria o assunto em focopara reconhecimento dos padrões visuais. A partir da resolução deste problema, oesforço seria recompensado com uma sensação de prazer. Esse processo seria, deacordo com os cientistas, uma estratégia evolutiva no contexto biológico. Assim, aatividade estética participaria, em termos evolutivos, da garantia de nossasobrevivência. Neste sentido, há uma empatia com Bächli na medida em que aartista também aposta na ação sensível da arte acionando a percepção do público.

É importante considerar que, nos três momentos deste trabalho, relacionamos osprocessos artísticos com o trânsito mente-corpo-ambiente, no sentido de criaraproximações com a tradução das ideias artísticas.

Como foi pontuado anteriormente, o corpo ao qual nos referimos não é o corpocomo objeto ou coisa, mas a sua presença, tal como definida por Greiner (2010,pp. 93-4):

É a presença do corpo que dá visibilidade ao pensamento e por isso torna-secada vez mais valorizada nas experiências de arte contemporânea cujo objetivotem sido, prioritariamente, expor pensamentos e não produtos ou resultadosestéticos a serem consumidos.

As experiências artísticas escolhidas provocam deslocamentos conceituais noespaço entre a imagem e o significado das coisas e caminham, o tempo todo, naambivalência entre estabilidade e instabilidade. Ao agir por meio de estratégias,tais como “estar à deriva”, ver “o mundo tal como é” ou a dissipação da ideia dafigura em “fluxos sensitivos”, os exemplos analisados apresentam possibilidadesde resistência a modelos de subordinação. Ao criar novos conceitos, estratégias emetáforas, desestabilizam categorias e classificações identitárias previamenteconhecidas, nas quais os sujeitos habitualmente se reconhecem.

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Tais discussões também transitam por outras áreas de conhecimento, como afilosofia política e os estudos da performance. Autores como Michel Foucault (1979e 1982/1994) observaram que aqueles que regulam ou classificam coisas do mundonão agem simplesmente dominando ou oprimindo as subjetividades, mas operamna sua própria formação. Assim, arrisco afirmar que a produção de subjetividadeacionada pelos artistas estudados nesta tese não apenas abre espaço para aalteridade, sem insistir na reincidência do mesmo, como projeta campos possíveisde ação.

Judith Butler, uma das mais celebradas comentadoras de Foucault e autora deinúmeras obras que discutem a constituição do sujeito e os seus traços performativosno mundo, afirma:

Apenas persistindo na alteridade persistimos no nosso ‘próprio ser’. Vulneráveisa termos que nunca construímos, persistimos sempre, em um certo grau, emcategorias, nomes, termos e classificações que marcam uma alienação primáriae inaugural na sociabilidade. Se estes termos instituem uma subordinaçãoprimária ou, certamente, uma violência primária, então o sujeito emerge contrasi mesmo para, paradoxalmente, ser para si próprio. (Butler, 1997, p. 28)

Boa parte dos apontamentos desta tese teve como ignição inicial os exemplosescolhidos, porém é importante deixar claro que estes poderiam ser ampliadospara outras experiências artísticas que têm lidado com estratégias semelhantes.A proposta não foi, portanto, afirmar que apenas estes artistas, filósofos e cientistasdiscutem os temas que alimentaram esta pesquisa. É provável que a nãoprevisibilidade, a resistência à sujeição e o conhecimento que se constitui atravésde mapas metaestáveis sejam alguns dos tópicos mais importantes da vidacontemporânea, tanto em seus aspectos políticos, como biológicos e artísticos.Nesse sentido, a rede de debates que suscitam é cada vez mais ampla, comdesdobramentos fundamentais em diversos campos: do trabalho, do convíviohumano, das manifestações sociais urbanas, do ativismo político e assim por diante.

Sinto que o fato de ter estudado artistas e bibliografias sintonizadas com estasquestões fez da própria tese uma rede dinâmica de inquietações, que conectanarrativas nem sempre explícitas. É provável que a sua potência mais vital estejana curadoria daquilo que foi apresentado como imagem-conceito e nãonecessariamente verbalizado.

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Breves biografias

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Jorge Macchi (1963):

Estudou artes na Escuela Nacional de Bellas Artes de Buenos Aires. A cidade, ocotidiano, a violência e o destino são temas das criações do artista. Trabalha emdiversas mídias, incluindo instalações, pinturas, vídeos e fotografias. Ao longo desua carreira, foi artista residente em diversos países, tais como: Estados Unidos,Itália, Alemanha, Inglaterra, Holanda e França. Sua participação é frequente emexposições internacionais, destacando-se a 27a Bienal de São Paulo, Brasil (2006),cujo cartaz foi feito a partir de uma obra sua, e a 6ª Bienal do Mercosul.

Website: www.jorgemacchi.com

Lee Ufan (1936):

O artista coreano começou seus estudos de arte na Universidade de Seul. EmTóquio, estudou filosofia na Universidade Nihon. Junto com os artistas SekineNobuo, Takamatsu Jiro, Suga Kishio, Koshimizu Susumu e Enokura Koji, formou ogrupo Mono-ha (A Escola das Coisas). Além das obras artísticas, Lee tambémproduziu textos teóricos em arte, entre eles a coleção de ensaios The Search ofEncounter, 1969. Ele recebeu vários prêmios: foi agraciado com o Prêmio UNESCO,em 2000, e o Prêmio Imperial para Pintura, em 2001. Em 2010 foi aberto o MuseuLee Ufan, projetado por Tadao Ando, em Naoshima. O artista tem participado deinúmeras mostras internacionais, entre elas, a 52ª Bienal de Veneza e uma mostraretrospectiva de seu trabalho no Museu Solomon R. Guggenheim, em Nova York.

Website: www.studioleeufan.org

Silvia Bächli (1956):

A artista suíça estudou na Basel School of Design e na École Superieure d’ArtsVisuels, em Genebra. Bächli obteve a Bolsa de Arte Federal e o Prêmio MeretOppenheim da Secretaria Federal de Cultura, na Suíça.

Recebeu o Prêmio Dessin de la Fondation Florence et Daniel Guerlain, em Paris, eo prêmio Hans-Thoma, concedido pelo Estado de Baden-Wuerttemberg. Em 2009,Bächli representou a Suíça na 53ª Bienal de Veneza e, em 2010, ela se tornoumembro da Academia de Artes de Berlim. Bächli tem vários livros publicados sobreseu trabalho, entre eles: Das, 2009, Far Apart Close Together, 2012, Silvia Bächli:Lidschlag. How it Looks, 2004.

Website: www.silviabaechli.ch

Breves biografias

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Alva Noë (1964):

O pesquisador americano estudou filosofia na Universidade de Oxford e obteveseu doutoramento na Universidade de Harvard. O foco principal do seu trabalho éa teoria da percepção e da consciência. Além desses temas das ciências cognitivase filosofia da mente, ele se interessa por fenomenologia, teoria da arte, a teoriade Wittgenstein e as origens da filosofia analítica. Noë faz parte do Departamentode Filosofia da Universidade de Berkeley como professor associado. É autor doslivros Varieties of Presence, 2012, Out of Our Heads, 2009, e Action In Perception,2004. Ele também é coeditor de Vision and Mind: Selected Readings in thePhilosophy of Perception, 2002, e editor de Is the Visual World a Grand Illusion?,2002.

Vilayanur Subramanian Ramachandran (1951):

Neurocientista indiano, diretor do Centro do Cérebro e Cognição e Professor doDepartamento de Psicologia e do Programa de Neurociências da Universidade daCalifórnia, em San Diego, e também Professor Adjunto de Biologia do InstitutoSalk. O cientista formou-se médico pelo Stanley Medical College, na Índia, e,posteriormente, obteve seu doutoramento pelo Trinity College da Universidade deCambridge. Apesar de ter iniciado sua pesquisa sobre a percepção visual, o cientistaé mais conhecido por seus experimentos em neurologia comportamental, os quaisgeraram um impacto significativo na maneira como pensamos o cérebro. Ele foichamado de “O Marco Polo da neurociência”, por Richard Dawkins, e “O PaulBroca moderno”, por Eric Kandel. Ramachandran recebeu inúmeros prêmios naInglaterra, entre eles a Henry Dale Medal. O cientista também é membro do RoyalInstitution of Great Britain. A revista americana Time o escolheu como uma dascem pessoas mais influentes no mundo. É autor de várias obras publicadas, entreelas Phanton in the Brain, 1999, e The Tell Tale Brain, 2012.

William Hirstein:

Filósofo americano principalmente interessado em filosofia da mente, filosofia dalinguagem, metafísica, ciências cognitivas e filosofia analítica. Ele é professor defilosofia no Elmhurst College. William Hirstein obteve seu doutoramento em filosofiana Universidade da Califórnia. Em seguida, ele fez pós-doutorado sob a supervisãode Patrícia Churchland e Vilayanur S. Ramachandran, na Universidade daCalifórnia, em San Diego, explorando síndromes neurológicas que levam à fabulação(falsificação assistemática da memória), como em pacientes com cérebro dividido,e os pacientes com anosognosia ou síndrome de Capgras. O pesquisador é autorde diversos livros, incluindo Brain Fiction: Self-Deception and the Riddle ofConfabulation, 2005.

Website: www.williamhirstein.com

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António Damásio (1944):

Pesquisador português e professor de neurociência, psicologia e neurologia naUniversidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles, onde também dirige o Institutodo Cérebro e da Criatividade. Recebeu os prêmios Pessoa, Signoret e Cozzarellijunto com sua mulher e colaboradora Hanna Damásio. Foi agraciado com os prêmiosHonda e Príncipe de Astúrias para Pesquisa Técnica e Científica. Integra o Institutode Medicina da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, a AcademiaAmericana de Artes e Ciências, a Academia Europeia de Ciências e Artes e aAcademia Bávara de Ciências. Escreveu os livros O erro de Descartes, 1996, Omistério da consciência (2000), Em busca de Espinosa, 2004, E o cérebro criou ohomem (2011).

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Referências e créditos

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NOTA: Os textos de fontes de referência originais em idioma estrangeiro foramsubmetidos a livre tradução, por parte da autora.

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5 Ana Amélia Genioli, Sem Título, Série Corpo-não-objeto, 2013.

15 Ana Amélia Genioli, Mesa de Estudo (Estúdio da artista).Foto: Ana Amélia Genioli.

31 Jorge Macchi, Match, 2007.Fonte: Site do artista.

34 Jorge Macchi, Buenos Aires Tour- Vista da Exposição, 2003.Fonte: http://www.distrito4.com/pop_obra.asp?IdObra=369&IdArtista=0,12&IdExposicion=15.

35 Jorge Macchi (com Edgardo Rudnitzky e María Negroni), Buenos Aires Tour,2003.Técnica mista. Foto Rick Hall.Fonte: livro Jorge Macchi. 6a Bienal do Mercosul.

38 Jorge Macchi, Amsterdam, 2002.Papel e alfinetes sobre madeira, 125x125cm. Foto Gustavo Lowry.Fonte: Site do artista.

39 Jorge Macchi, Ciudad Cansada, 2004.Fonte: Site do artista.

43 Jorge Macchi , Guia da Imobilidade, 2003.20x28cm. Foto Gustavo Lowry.Fonte: Site do artista.

45 Jorge Macchi, My Wave - It, 2009.Fonte: Site do artista.

46 Jorge Macchi, Tour, 2010.Fonte: Site do artista.

47 Jorge Macchi, Sem Título, 2011.Aquarela sobre papel.Fonte: Site do artista.

48-49 Jorge Macchi, Canção Suspensa (Still Song), 2005.Globo espelhado e perfurações, 300x600x400cm. Foto Alejandro Ventura.Fonte: Site do artista.

62-63 Jorge Macchi, La Ascensión, 2005.Livro, 30x22,5cm, edição limitada (300 ex.). Foto Fábio del Re - Vivafoto.Fonte: livro Jorge Macchi. 6a Bienal do Mercosul.

64-65 Jorge Macchi, Música Incidental (e detalhes da colagem no painel), 1997.Técnica mista, 234x150cm cada. Foto Gareth Winters.Fonte: livro Jorge Macchi. 6a Bienal do Mercosul.

66 Jorge Macchi, Noturno, variação sobre o Noturno nº1 de Erik Satie, 2002.Papel e pregos, 50x62cm. Foto Jorge Macchi.Fonte: livro Jorge Macchi. 6a Bienal do Mercosul.

67 Jorge Macchi, Canção Marginal, 2004.Impressão digital sobre papel, 30x43cm. Foto Gustavo Lowry.Fonte: livro Jorge Macchi. 6a Bienal do Mercosul.

68 Jorge Macchi, A.B., 1996.Papel e cabelo, moldura e vidro, 40x32x2cm. Foto Gareth Winters.Fonte: livro Jorge Macchi. 6a Bienal do Mercosul.

Créditos das imagens

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69 Jorge Macchi, Pentagrama, 1993.Almofada, fios, molas, pregos, 80x120x8cm. Foto Rodrigo Rojas.Fonte: livro Jorge Macchi. 6a Bienal do Mercosul.

73 Lee Ufan, Detalhe da obra Correspondence, 2001.Fonte: Catálogo da 53a Bienal de Veneza.

76 Lee Ufan, Relatum (Phenomenon and Perception A), 1969.Instalação no Museu de Arte de Quioto/Japão, 1969.Fonte: livro Lee Ufan: Encounters with the Other, 2007.

77 Lee Ufan, Relatum Counterpoint, 2004.Fonte: www.theredlist.com.

79 Lee Ufan, Relatum-Silence, 2010.Chapa de aço, pedra e luz.Fonte: https://www.flickr.com/photos/swych/5188082731/.

84 Lee Ufan, From Cuts, 1965.Fonte: livro Lee Ufan: Marking Infinity.

86 Lee Ufan, Dialogue, 2011.Óleo e pigmentos naturais sobre tela, 227 × 182 cm. Foto Norihiro Ueno.Fonte: livro Lee Ufan: Marking Infinity.

87 Lee Ufan, Pinceladas no Atelier, 2010.Fonte: livro L'atelier de Lee Ufan. Thalia Edition, 2010.

88 Lee Ufan, From Line, 1980.Óleo sobre tela, 162,6x151,1cm.Fonte: https://www.blumandpoe.com/sites/default/files/exhiibitions/LU5.jpg.

89 Lee Ufan, From Line, 1978.Óleo sobre tela, 182x227cm.Fonte: livro Lee Ufan: Encounters with the Other.

91 Lee Ufan, She and He, 2005.Chapa de aço e pedra.Fonte: Catálogo da 53a Bienal de Veneza.

93 Lee Ufan, Perception A, 1969.Instalação na Galeria SCAI Tóquio/Japão, 2000.Pedra e almofada.Fonte: Catálogo da 52a Bienal de Veneza.

95 Lee Ufan, Relatum-Holzwege II, Alemanha, 2000.Duas pedras calcáreas e placa de aço.Vista frontal da instalação no Haus Weitmar Park, Bochum/Alemanha.Fonte: livro Lee Ufan: Encounters with the Other.

97 Lee Ufan, Museu Lee Ufan, 2013.Fonte: Ana Amélia Genioli.

98 Lee Ufan, Relatum, 1979.Vista da instalação na Galeria Muramatsu.Algodão e aço.Fonte: livro Lee Ufan: Marking Infinity.

99 Lee Ufan, Relatum (formely system)- detalhe, 1969.Aço.Fonte: livro Lee Ufan: Marking Infinity.

109 Silvia Bächli, Detalhe do trabalho da exposição far apart - close together,Kunstmuseum St Galen, 2012.Fonte: Catálogo da exposição

112 Marisa Merz, Vista da Instalação Sem Título, Kunstmuseum Winterthur, Suíça,1995.Fonte: Revista October 124, 2008.

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113 Eva Hesse, Repetition 19, III, 1968.Nineteen tubular fiberglass units, 48 to 51 cm high x 27.8 to 32.3 cm diameter.The Museum of Modern Art/Licensed by SCALA / Art Resource.Fonte: http://web.colby.edu/kksulliv/ar-138/favorite-works-and-artists/eva-hesse-2/.

114 Sophie Taeuber-Arp, Figurino Hopi Indian, 1922.Fonte: http://avantguardistes.wordpress.com/2013/03/08/sophie-taeuber-arp/.

114 Sophie Taeuber-Arp, Figurino Ascona, 1925.Fonte: http://avantguardistes.wordpress.com/2013/03/08/sophie-taeuber-arp/.

115 Sophie Taeuber-Arp, Dada Dolls, Erika e Sophie Tauber em Zurique, 1922.Fonte: http://avantguardistes.wordpress.com/2013/03/08/sophie-taeuber-arp/.

115 Sophie Taeuber-Arp, Military Guards, 1918.Fonte: http://www.wikipaintings.org/es/sophie-taeuber-arp/military-guards-die-wachen-1918.

116 Agnes Martin, The Tree, 1964.Óleo e grafite sobre tela, 182,8x182,8cm. MoMA, NY. ©2014 Estate of AgnesMartin/ Artists Right Society (ARS), NY.Fonte: http://md.artmeteo.ru/img/exhibits/7c/69/7c69c9e65e0c3d7f630e799887fd3cf3.jpg.

117 Agnes Martin, Wood I. 1963.Aquarela e grafite sobre tela, 38,1x39,4cm. MoMA, NY. ©2012 Estate of AgnesMartin/ Artists Right Society (ARS), NY.Fonte: https://wongturn.files.wordpress.com/2010/09/agnes-martin_wood1-1963.jpg.

119 Silvia Bächli, Aus/ From das (to Inger Christensen), 2008/2009.Foto: Ana Amélia Genioli.

119 Silvia Bächli, Aus/ From das (to Inger Christensen), 2008/2009.Fonte: Catálogo Bienal de Veneza.

120 Silvia Bächli, Lily, 2004.Guache sobre papel.Fonte: livro Vitamin D New Perspectives in Drawing.

121 Silvia Bächli, Aus/ From das (to Inger Christensen), 2008/2009.Fonte: Catálogo Bienal de Veneza.

124 Silvia Bächli, Sem Título, 2011.Guache sobre papel.Fonte: http://www.press1.de/wrapper.cgi/www.press1.de/files/km_kmac250_1363971271.jpg

126 Silvia Bächli, Detalhe da instalação Aus/ From das (to Inger Christensen), 2008/2009.Guache sobre papel.Fonte: Revista L'Entretien Silvia Bachli.

127 Silvia Bächli, Vista da instalação Nuit et Jour, Galeria de artes gráficas CentroGeorges Pompidou, 2007/2008.Fonte: Site da artista.

128 Silvia Bächli, Aus/ From das (to Inger Christensen), 2008/2009.Fotografia e guache.Fonte: Catálogo Silvia Bächli e Eric Hattan Kunsthalle Nüremberg.

129 Silvia Bächli, Vista da instalação Aus/ From das (to Inger Christensen), 2008/2009.Fonte: Catálogo Silvia Bächli e Eric Hattan Kunsthalle Nüremberg.

144 Silvia Bächli, Detalhe da instalação Aus/ From das (to Inger Christensen), 2008/2009.Fotografia e guache sobre papel.Fonte: Catálogo Bienal de Veneza.

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145 Silvia Bächli, Detalhe da instalação Aus/ From das (to Inger Christensen), 2008/2009.Fotografia e guache sobre papel.Fonte: Catálogo Bienal de Veneza.

149 Silvia Bächli, Detalhe da instalação Aus/ From das (to Inger Christensen), 2008/2009.Guache sobre papel.Fonte: Catálogo Silvia Bächli e Eric Hattan Kunsthalle Nüremberg.

150 Silvia Bächli, Detalhe da instalação Aus/ From das (to Inger Christensen), 2008/2009.Guache sobre papel.Fonte: Catálogo Silvia Bächli e Eric Hattan Kunsthalle Nüremberg.

151 Silvia Bächli, Detalhe da instalação Aus/ From das (to Inger Christensen), 2008/2009.Fonte: Catálogo Bienal de Veneza.

152 Silvia Bächli, Sem Tìtulo (Estúdio da artista), 2008/2009.Fotografia.Fonte: Catálogo Bienal de Veneza.

153 Silvia Bächli, Detalhe da instalação Aus/ From das (to Inger Christensen), 2008/2009.Fotografia e guache sobre papel.Fonte: Catálogo Bienal de Veneza.

154 Silvia Bächli, Sem Tìtulo, 2012.Guache sobre papel.Fonte: www.artnet.com.

159 Ana Amélia Genioli, Estúdio da Artista, 2014.Foto: Ana Amélia Genioli.

Encartes

21-28 Ana Amélia Genioli, Sense/Non sense, 2013.Fotos: Ana Amélia Genioli.

51-60 Ana Amélia Genioli, Corpo-não-objeto, 2013.Fotos: Durvile Cavalcanti.

101-104 Ana Amélia Genioli, O que se inclui, 2013.Fotos: Durvile Cavalcanti.

131-142 Ana Amélia Genioli, Noite Branca, 2011.Fotos: Dudu Tresca.

165-170 Ana Amélia Genioli, Ex-cêntricas, 2014.Fotos: Ana Amélia Genioli.