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1 A governança universitária sob a perspectiva dos sistemas autoreferenciais de Niklas Luhmann Documento para su presentación en el IX Congreso Internacional en Gobierno, Administración y Políticas Públicas GIGAPP. (Madrid, España) del 24 al 27 de septiembre de 2018. Castello, Rebecca¹ E-mail: [email protected] Vidal, Josep Pont² E-mail: [email protected] Resumo Uma boa governança universitária contribui para o desenvolvimento de melhores políticas e estratégias da instituição, constitui fonte de vantagem competitiva e desempenha importante papel para o desenvolvimento econômico e social do ambiente em que está inserida. Por este motivo, como um caminho teórico diferenciado, um dos objetivos deste estudo é trazer uma análise do estado da arte da governança universitária, por meio da revisão bibliográfica de diversas definições encontradas na literatura, assim como sua relação com o conceito de sistemas autoreferenciais a luz da noção sistêmica de Niklas Lumann (2009), visando a descobrir aproximações e paralelismos, bem como novas perspectivas de conceituação. Palavras- chave: Autoreferencialidade. Governança universitária. Sistemas. Instituições públicas. Ensino superior. Abstract Good university governance contributes to the development of better policies and strategies of the institution, constitutes a source of competitive advantage and perform an important role for the economic and social development of the environment in which it is inserted. For this reason, as a different theoretical path, one of the objectives of this study is to bring an analysis of the art state of university governance, through a bibliographical review of several definitions found in the literature, as well as its relation with the concept of self- light of the systemic notion of Niklas Lumann (2009), aiming to discover approximations and parallels, as well as new perspectives of conceptualization

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Page 1: A governança universitária sob a perspectiva dos sistemas ... · Uma boa governança universitária contribui para o desenvolvimento de melhores políticas e estratégias da instituição,

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A governança universitária sob a perspectiva dos sistemas autoreferenciais de

Niklas Luhmann

Documento para su presentación en el IX Congreso Internacional en Gobierno,

Administración y Políticas Públicas GIGAPP. (Madrid, España) del 24 al 27 de

septiembre de 2018.

Castello, Rebecca¹

E-mail: [email protected]

Vidal, Josep Pont²

E-mail: [email protected]

Resumo

Uma boa governança universitária contribui para o desenvolvimento de melhores

políticas e estratégias da instituição, constitui fonte de vantagem competitiva e

desempenha importante papel para o desenvolvimento econômico e social do ambiente

em que está inserida. Por este motivo, como um caminho teórico diferenciado, um dos

objetivos deste estudo é trazer uma análise do estado da arte da governança

universitária, por meio da revisão bibliográfica de diversas definições encontradas na

literatura, assim como sua relação com o conceito de sistemas autoreferenciais a luz da

noção sistêmica de Niklas Lumann (2009), visando a descobrir aproximações e

paralelismos, bem como novas perspectivas de conceituação.

Palavras- chave: Autoreferencialidade. Governança universitária. Sistemas.

Instituições públicas. Ensino superior.

Abstract

Good university governance contributes to the development of better policies and

strategies of the institution, constitutes a source of competitive advantage and perform

an important role for the economic and social development of the environment in which

it is inserted. For this reason, as a different theoretical path, one of the objectives of this

study is to bring an analysis of the art state of university governance, through a

bibliographical review of several definitions found in the literature, as well as its

relation with the concept of self- light of the systemic notion of Niklas Lumann (2009),

aiming to discover approximations and parallels, as well as new perspectives of

conceptualization

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Keywords: Autoreferentiality. University governance. Systems. Public institutions.

Higher education.

¹ Doutoranda em Desenvolvimento Sustentável no Trópico Úmido, Núcleo de Altos

Estudos Amazônicos (NAEA), Universidade Federal do Pará (UFPA); Mestre em

Planejamento do Desenvolvimento; Email: [email protected]

² PhD em Sociologia Política (Universidad de Barcelona); Professor e pesquisador do

NAEA/UFPA. E-mail: [email protected]

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Introdução

Há uma enorme pressão, em todo o mundo, para mudanças na gestão da

educação superior, pois a crescente certeza de seu contributo para o sucesso econômico

de uma sociedade é visto como vital. Por isso, quase sem exceção, os governos da

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)1 estão,

recentemente, reformando, revisando ou reestruturando seus sistemas de ensino

superior. Por trás de tais reformas, há profundas mudanças nos objetivos da educação

superior e dos desafios que enfrenta (OECD, 2003)

O número de pessoas associadas ao ensino superior aumentou muito nos

últimos trinta anos. Para o Banco Mundial (2012a) isso ocorre devido às sociedades

reconhecerem a necessidade de serem mais competitivas, aprenderem habilidades

específicas e utilizar a pesquisa. Logo, as universidades devem operar como um sistema

aberto, bem conectado a institutos, órgãos de pesquisa e estabelecimentos de ensino

(incluindo todos os níveis de educação).

No século XXI, na Europa, as transformações na educação superior estiveram

fundamentalmente associadas à implementação do processo de Bolonha. O objetivo era

estabelecer um espaço europeu de educação superior, que permitisse o incremento da

competitividade, atratividade e comparabilidade da educação superior europeia. Então,

vários objetivos foram traçados, como: criação de um sistema de fácil comparação e

leitura dos graus dos sistemas de ensino; o estabelecimento de um sistema transferível

de créditos; a promoção da mobilidade de estudantes, professores e investigadores;

e, a construção de sistemas de garantia de qualidade, de acordo com

recomendações e orientações europeias. Estas mudanças foram reforçadas pela

estratégia de Lisboa e pela agenda europeia de modernização das universidades

(Teodoro; Guilherme, 2017).

A convicção de que o desenvolvimento requer cada vez mais a ampliação dos

níveis de escolaridade da população está se tornando generalizado; e que as

necessidades do desenvolvimento e conseqüentemente o novo perfil da demanda

1 A ODCE é uma organização internacional de 35 países que aceitam os princípios da democracia

representativa e da economia de mercado, que procura fornecer uma plataforma para comparar políticas

económicas, solucionar problemas comuns e coordenar políticas domésticas e internacionais. A maioria

dos membros da OCDE é composta por economias com um elevado PIB per capita e Índice de

Desenvolvimento Humano e são considerados países desenvolvidos.

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exigem “flexibilidade, agilidade, alternativas de formação adequadas às expectativas de

rápida inserção num sistema produtivo em constante mudança” (Neves, 2007: 14).

Diante destas novas necessidades de aprendizado se pressupõem uma ruptura

com padrões e modelos rígido de formação e, em muitos casos, indiferenciados de

educação superior. Assim como, também implica em mudanças no perfil dos

profissionais, direcionando o ensino para o domínio de conhecimento, para a capacidade

de aplicá-los criativamente na solução de problemas concretos, no desenvolvimento de

espírito de liderança e polivalência funcional, bem como, na maior adaptabilidade à

mudança tecnológica, de informação e comunicação. Contudo, se faz fundamental que

essas mudanças assegurem a ampliação do acesso à educação superior (Neves, 2007).

Desta forma, as universidades precisam se adaptar a um ambiente mais

complexo em que as expectativas do ensino superior não são mais apenas

reconhecimento. Isso significa que no século XX, na maioria dos países da OCDE, os

governos exerceram um controle e influencia consideráveis sobre o setor,

principalmente o público, para ajudar a alcançar objetivos como o crescimento

econômico e a equidade social, por meio de uma nova gestão.

Juntamente com ideia de uma nova gestão pública e/ou privada surge o termo

governança. Este termo, voltado a esfera pública, seria conceituado por Bresser Pereira

(2001) como sendo um processo dinâmico, no qual os agentes públicos (estado,

sociedade e governo) se organizam e gerem a vida pública. Logo, o conceito de

governança se difunde por fatores como reformas do setor público (Bevir, 2010).

Assim, as Instituições de Ensino Superior (IES) estão inseridas nesse cenário

globalizado, buscando maior eficiência no serviço prestado, respeitando os códigos e

valores da sociedade.

A estrutura de governança de uma instituição diz-nos de que maneira os atores

envolvidos (incluindo o diretor executivo da instituição, o pessoal, os estudantes, os

pais, os governos, leigos, etc.), comunicam entre si: quem presta contas a quem, como é

que se prestam contas e para quê. (Eurydice, 2008).

Dentro deste contexto de rápidas mudanças que ocorrem na sociedade e da sua

relação com o ensino superior, em toda a Europa os países têm respondido de diversas

maneiras ao imperativo geral de repensar e de reorganizar as estruturas de governança

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das instituições de ensino superior. Enquanto entidades autônomas, as instituições

assumem muitas das responsabilidades de governança que anteriormente foram

assumidas pelos poderes públicos; porém, as instituições de ensino superior ainda são

regulamentadas pelo Governo ou por órgãos governamentais. E mais, as instituições

têm agora de prestar contas da sua atuação de novas maneiras como, por exemplo: a)

têm de provar que estão a responder de forma apropriada às necessidades da

sociedade;b) têm de demonstrar que os fundos públicos que recebem estão a ser usados

de forma responsável; c) e têm de conservar níveis de excelência no ensino e na

investigação, pois estas constituem as missões essenciais das organizações educativas.

Um acréscimo na autonomia e uma prestação de contas inerente àquela comportaram

várias alterações que assinalam uma ruptura com os modos tradicionais de auto-

governança academica numa comunidade fechada de escolásticos. Os novos modelos de

governança redistribuem as responsabilidades, a prestação de contas e o poder de

decisão entre os respectivos atores externos e internos (Eurydice, 2008).

Já no Brasil, quando comparado às nações mais desenvolvidas e aos países

latino-americanos, vive uma experiência diferenciada. Apesar do país experimentar os

efeitos das grandes transformações em curso, vividas também pelas nações

desenvolvidas, ainda possui o obstáculo de ter um sistema de educação superior que

acumula aspectos dramáticos. O sistema de educação superior em geral, e as

universidades em particular, precisam gerir conjuntamente com os problemas velhos e

novos, assim como com os desafios cada vez mais complexos que surgem na sociedade

atual ( NEVES, 2007).

A governança surge então como uma ferramenta para as instituições

conseguirem alcançar patamares mais elevados de excelencia na gestão e

consequentemente no ensino prestado.

Porém, o conceito de governança universitária, apesar de muito debatido na

cenário nacional e internacional, ainda carrega consigo uma grande complexidade em

sua análise. A ideia de analisar a governança universitária como um sistema, também

parte do entendimento de que as organizações e instituições sofrem os impactos das

mudanças da sociedade, sendo muitas vezes causa e consequência destas. Logo, se

mostra necessário novas formas de abordar os problemas, formulando novas questões e

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consequentemente repensar (ou recuperar) novos conceitos teóicos marcado pela

complexidade.

Desta forma, utilizou-se como teoria de suporte teórico e metodologico a Teoria

dos Sistemas Sociais de Niklas Luhmann (2009). Porém, partindo do entendimento que

esta teoria se caracteriza por um alto grau de abstração, já que sua obra não se deteve

em observações empíricas, se delimitou ao conceito que será utilizados neste estudo,

sendo ele: autoreferencialidade.

Nesta teoria o sistema é denominado autorreferencial, pois se produz e reproduz

independentemente do entorno, conferindo um grau de complexidade mais elevado para

o sistema social que foi analisado. Contudo, conforme aborda Luhmann(2009) nenhum

sistema pode evoluir a partir de si mesmo, por isso que apesar de tratarmos de um

sistema operacionalmente fechado ele irá se comunicar com o entorno por meio dos

inputs e outputs para conseguir manter-se como sistema.

Para subsidiar a teoria base e buscando alcançar os objetivos propostos nesta

pesquisa foi necessária a utilização de outros conceitos como: Governança universitária,

para fundamentar o debate principal da tese e trazer as discussões mais atualizadas

sobre o tema; a governança como um sistema autoreferencial, que serve para delimitar o

sistema e tornar mais claro para o leitor como o sistema foi construido.

Diante disto, observou-se a possibilidade/ necessidade de analisar a governança

universitária a partir do enfoque sistêmico de Niklas Luhmann, de maneira a criar uma

relação analítica inédita no estudo desses dois temas ( sistemas autoreferenciais e

governaça universitária), fortalecendo desta forma a necessidade de estudos

interdisciplinares para a evolução do conhecimento científico.

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1. Governaça universitária em debate

Os ideais dominantes sobre a organização e governança das universidades

mudaram ao longo das últimas décadas. O termo governança universitária encontra-se

atualmente no centro dos debates relacionados ao futuro da educação superior (Kezar;

Eckel, 2004). Quando se aprofunda os estudos sobre este tema, verifica-se a pluralidade

de conceitos e abordagens trazidos na literatura, tornando inviável uma definição única

de governança, que seja consensual entre todos os autores.

De acordo com Kezar e Eckel (2004), governança universitária é o processo de

criação de políticas e decisões de alto nível em instituições de nível superior. Assim

como pode ser entendida também como um modo de alcançar autoridade em sua

liderança e agilidade no processo de decisão (Martinez, 2012).

Para Percy- Smith (2001), a governança universitária está relacionada às

questões ligadas aos mecanismos adotados para resolver problemas coletivos,

considerando exigências e necessidades diferentes e contraditória entre vários atores:

Equipe técnica e administrativa, que garante a continuidade das atividades

regulares da instituição;

Corpo docente, que assume responsabilidades e detêm autoridade política de

exercê-las em vários níveis, de acordo com seus interesses e capacidades.

Corpo discente, que representam a base e a razão da existência da instituição;

No caso das universidades públicas, a sociedade que financia suas atividades;

É importante o entendimento trazido por Kwickers (2005) e Shattock (2006),

de que a governança universitária não pode ser interpretada como pessoas que

administram outras, mas como parte da estrutura legal da instituição, abrangendo

aspectos administrativos, econômicos e jurídicos relacionados a:

Como a organização – pública ou privada- é estruturada e dirigida

internamente;

Como a organização desenvolve suas estratégias e políticas e as transformam

em ação;

Como a organização é legalmente inserida em um ambiente e/ ou sistema

operacional;

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Como a organização cooperada com os agentes externos.

Segundo Brunner (2011) a governança a nível universitário se entende como a

forma como as instituições são organizadas e operadas internamente - do ponto de vista

da sua governança e gestão - e suas relações com entidades e atores externos com o

objetivo de garantir os objetivos do ensino superior.

Cohen, March et al (1972) caracterizaram o ambiente universitário como uma

anarquia organizada, marcada por um padrão contraditório de preferências e modelos

fluidos de participação. Nesse modelo, o processo decisório assume padrões

característicos, onde as decisões são produzidas sem o recurso de um sistema explícito

de barganha ou preços: as decisões são produzidas mediante a ativação da participação

limitada de atores internos, sem que com isso se produza consenso mais abrangente no

interior da instituição. Dessa forma, o processo decisório no interior da universidade se

aproxima daquilo que esses autores chamam de “garbage can” model – numa tradução

ao pé da letra: a forma de organização dos resíduos no interior de uma lata de lixo.

A governança também pode incluir outros aspectos como: autonomia e

responsabilidade. Pandey (2004, p.79) traz essa discussão de uma forma bem específica,

colocando da criação e disseminação do conhecimento nestas duas variáveis. Por

autonomia o autor entende ser “the prerogative and the ability of an institution to act by

its own choices in pursuit of its mission and goals”, ou seja, é a caminho para aumentar

a flexibilidade que as instituições universitárias necessitam para atender às necessidades

da sociedade e da economia. Esta autonomia pode abranger três áreas distintas:

acadêmica, institucional e financeira.

A autonomia acadêmica está relacionada a liberdade dos membros da

faculdade de operarem livremente, o que levaria à riqueza intelectual de grande

qualidade. A autonomia institucional inclui livre-arbítrio operacional e liberdade de

tomada de decisão pelos contribuintes. E por fim, a autonomia financeira que significa

poder levantar fundos de acordo com suas prioridades e regras internas (Pandey, 2004).

A autonomia nas instituições financiadas por recursos públicos, também

implicam em responsabilidade social. As universidades operam em um determinado

ambiente, portanto suas ações e resultados devem ser consistentes com as demandas do

ambiente externo. A governança nas IES não pode ser desprovida de ambiente e

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responsabilidade ambiental, pois todas suas ações influenciam os membros da

sociedade, direta ou indiretamente. Logo, as IES devem se esforçar para encontrar o

equilíbrio entre as necessidades de seus stakeholders, as demandas da sociedade e a

autonomia. E para que isso seja possível as universidades devem ser inovadoras,

criativas e empreendedoras ( Pandey, 2004).

A governança universitária, segundo Zaman (2015) também pode ser analisada

a partir de três grandes categorias, que são: governança política, governança econômica

e governança institucional. Dentro de cada categoria, o autor criou subcategorias para

analisar a os possíveis vínculos entre os indicadores de governança e resultados

educacionais. Na categoria governança política analisou-se questões relativas a “voz e

responsabilidade” e “estabilidade política e ausência de violência”; em governança

econômica observou-se questões relativas a eficácia e governo” e “qualidade de

regulatória”; e por fim, na categoria de governança institucional analisou-se o “estado

de direito” e o “controle da corrupção”.

Zaman (2015) ainda infere que uma política não pode ser aplicada a diferentes

países, já que cada um possui particularidades, porém alguns objetivos são comuns a

todos, sendo eles: a) mais financiamento público para o sistema educacional superior;

b)conceder mais autonomia às instituições e relação a financiamentos; c) criar vínculos

diretos entre os resultados e o financiamento público alocado; e d) diversificar as fontes

de financiamento afim de evidenciar que a educação é também um passo positivo para o

crescimento e solidariedade social.

É fundamental o entendimento de que não depender de um único fluxo de

fundos, aumenta a autonomia das instituições para planejar e moldar seu próprio futuro.

Quando as instituições de ensino superior diversificam suas fontes de financiamento,

significa que se tornam menos vulneráveis a mudanças repentinas (por exemplo, quando

as prioridades das empresas privadas mudam ou a economia do país entra em crise)

(OECD, 2003).

A governança universitária também pode ser definida como os mecanismos e

processos estabelecidos a partir dos quais uma universidade conduz seus interesses. É

importante frisar que a governança e a gestão, embora teoricamente tenham funções

distintas, são inter-relacionadas, no contexto universitário, divergindo do ambiente

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corporativo. Isto é possível, por que a governança universitária atua em mais níveis em

uma universidade do que em uma organização do setor privado (Shattock, 2006).

Este parêntese trazido por Shattock (2006) sobre a diferenciação entre

governança e gestão se mostra interessante para que possíveis confusões teóricas e

conceituais sejam evitadas.

De acordo com o Banco Mundial, governança pública está relacionada a

estruturas, funções, processos e tradições organizacionais que buscam garantir que as

ações planejadas (programas) sejam executadas de tal maneira que atinjam seus

objetivos e resultados de forma transparente (World Bank, 2013). Logo, tem como meta

maior efetividade (produzir os efeitos pretendidos) e maior economicidade (obter o

maior benefício possível da utilização dos recursos disponíveis) das ações.

Governança, neste sentido, está relacionada com processos de comunicação; de

análise e avaliação; de liderança, tomada de decisão e direção; de controle,

monitoramento e prestação de contas.

A gestão diz respeito ao funcionamento do dia a dia de programas e de

organizações no contexto de estratégias, políticas, processos e procedimentos que foram

estabelecidos pelo órgão (World Bank, 2013); preocupa-se com a eficácia (cumprir as

ações priorizadas) e a eficiência das ações (realizar as ações da melhor forma possível,

em termos de custo-benefício). A gestão, então, é complementar a governança,

conforme observa-se a figura 1 que evidencia as diferenças de cada conceito.

Figura 1 – Relação entre governança e gestão

Fonte: TCU (2014)

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Governança também se preocupa com a qualidade do processo decisório e sua

efetividade: Como obter o maior valor possível? Como, por quem e por que as decisões

foram tomadas? Os resultados esperados foram alcançados? A gestão, por sua vez, parte

da premissa de que já existe um direcionamento superior e que aos agentes públicos

cabe garantir que ele seja executado da melhor maneira possível em termos de

eficiência.

Outras fontes de debates teóricos científicos sobre o tema da governança

universitária são três documentos criados por instituições da União Europeia (EU), que

são: o livro branco de governança da EU; o documento que fez parte a Fundação do

Conhecimento e Desenvolvimento e da Conferência dos Reitores; e o documento criado

pela Comissão Universitária de governança técnica.

Martinez (2012) aborda que no livro branco é possível identificar a visão de uma

universidade baseada em ampla autonomia institucional e com um sistema robusto de

prestação de contas. Isso se deve a um aumento do autogoverno que resultará em um

bom sistema de governança e gerenciamento, que precisa ser acompanhado por um

modelo de financiamento adequado e com base em objetivos e projetos. Para alcançar

tudo isso é necessário que se estabeleçam estratégias e projetos específicos dos quais os

principais seriam: (i) aumentar a autonomia das universidades em equipamentos,

pessoal e planos financeiros, para isso é essencial ter um conselho democrático

altamente qualificado, com profissionais envolvidos e de outras pessoas à política

partidária com um presidente profissional com total dedicação; (ii) repensar a validade

dos departamentos e suas respectivas áreas de conhecimento como unidades estruturais,

mas, acima de tudo, remover de seu campo de competência as estruturas de pesquisa,

(iii) centralização estratégica com uma equipe governamental forte formada por reitor,

gerente, um pequeno número de vice-reitores e diretores de escolas nomeados pelo

reitor com a participação da comunidade acadêmica, enquanto as unidades acadêmicas

(faculdades, escolas, grupos de pesquisa) trabalhariam com sua própria dinâmica de

decisão com base em objetivos bem definidos em contratos de programas internos e

com controle de resultados; (iv) avançar para uma avaliação ex post baseada em

indicadores precisos de ensino, pesquisa, transferência e gestão. Indicadores que devem

permitir a responsabilização de cada instituição com a sociedade; (v) com vista a

melhorar e inovar a gestão, desenvolver a universidade online e se concentrar na

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profissionalização da gestão através de treinamento técnico de alto nível como gerentes

universitários.

O segundo documento traz uma observação importante a cerca do papel das

universidades, que não se restringe apenas a ensinar e treinar estudantes, mas também a

contribuir cada vez mais para o desenvolvimento econômico e social da seu ambiente.

Para alcançar esses objetivos, eles acreditam que é necessário um estilo de governança

menos favorecido, com maior agilidade e flexibilidade quando se trata de tomar

decisões e aumentar a responsabilidade.

Então, a partir da análise da modernização dos modelos de governança utilizados

no ambiente europeu, o autor extraiu as seguintes tendências: (i) maior autonomia,

processos de controle, avaliação, responsabilidade e diminuição da regulamentação; (ii)

A articulação de unir um governo mínimo com presença crescente de membros externos

na esfera acadêmica (no estilo da North Board Americana); (iii) estes Conselhos

Governamentais criados designam e rejeitam o reitor diretamente ou aqueles propostos

por um órgão colegiado, determinam os objetivos estratégicos, aprovam os orçamentos

e controlam a equipe executiva; Na liderança desta equipe executiva reduzida, há o

reitor com maior autoridade, capacidade de decisão e responsabilidade; (iv) o reitor

nomeia os reitores das demais unidades e estes os diretores do departamento, todos eles

com maior autonomia e responsabilidade; (v) a equipe de gerenciamento geralmente é

altamente profissionalizada e não precisa ser acadêmica; (vi) o Senado perde a

proeminência como órgão de governo e assume funções de assessoria; (vii)

financiamento público por objetivos e aumento da obtenção de recursos do setor

privado, bem como gestão autônoma dos fundos pelas universidades, com controle por

meio de auditorias; (viii) políticas de recursos humanos, flexibilidade de remuneração e

distribuição de facetas de pesquisa, ensino e gestão de seu corpo docente; (ix)

autonomia no recrutamento de estudantes e nos preços das matrículas ( caso de

universidades privadas); (x) possibilidade de diferentes formas de governo nas

universidades do mesmo estado, de acordo com suas missões, objetivos e estratégias (

Martinez, 2012).

A partir do estabelecimento dessas premissas, o documento anuncia os objetivos

que ele acredita que devem ser alcançados e as ações necessárias que levariam à sua

realização, entre as quais: (i) aumentar a celeridade na tomada de decisões; (ii)

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fortalecer a relação entre universidades e sociedade; (iii) realizar o planejamento

estratégico em relação aos grupos de interesse internos e um prazo superior ao

imediatismo das restrições políticas conjunturais; (iv) transparência na avaliação dos

gestores e responsabilidade dos avaliadores responsáveis, pelo qual defendem a redução

do peso dos órgãos colegiados, aumentando a autoridade dos executivos e colocando

uma presença decisiva das partes interessadas (stakehloders).

Toda essa mudança deve derivar do debate, do consenso, da implementação

gradual e da flexibilidade e terá que conter duzentas propostas concretas (razão pela

qual não é muito claro em qual parte o debate é concebido se já conhecemos

antecipadamente o ponto de “chegada”) dos quais os que têm um impacto direto no

sistema do governo são cinco: 1) A desregulamentação progressiva e flexível, nos

códigos-piloto de "boa governança", aumenta a autonomia e a responsabilização e

agiliza os processos governamentais, reduzindo o poder aos órgãos colegiados,

limitando os órgãos de escolha direta e facilitando as competências de controle para

órgãos externos; 2) A redução do número de membros do órgão colegiado mais

representativo, o Senado, que não deve exceder cinquenta. Assume-se que a mesma

dinâmica deve ser aplicada a outros órgãos governamentais colegiados, como as

reuniões da Faculdade, conselhos departamentais, sempre atento ao fato da proposta não

implicar o desaparecimento destes órgãos; 3) o Conselho de Governadores é

considerado um órgão governamental, ao estilo dos American Boards, com um grande

número de pessoas externos com um alto compromisso em relação a dedicação, ou seja,

com um número muito menor do que o legalmente é permitido hoje, e com um claro

sistema de controle e responsabilidade; 4)A nomeação do reitor deve ser determinado

diretamente pelo Conselho; mas assumir que isso chocaria frontalmente com a tradição

da Universidade democrática de participação na eleição do Reitor. Portanto, eles

acreditam que a solução será que o Senado apresente uma pequena lista e que o

Conselho de Governadores (no estilo da Diretoria, lembramos) a eleja entre eles. Para

ser eleito, também será necessário ter uma vasta experiência em gestão ou treinamento a

este respeito, não haverá mandatos avaliados, o regime de responsabilidade será muito

mais rígido e sua remuneração será maior. Será atendido por uma pequena equipe,

dentre os quais terá um gerente, de sua confiança, como especialista profissional em

gestão (traços de governança corporativa); 5)Para auxiliar este reitor, a última proposta

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relativa ao sistema governamental indica que coordenadores e diretores do centro serão

nomeados pelo reitor.

O terceiro documento que é analisado por Martinez (2012) é o que a Comissão

Universitária de Governança Técnica criou, sob a Estratégia Universitária 2015, a ser

discutida na Comissão Conjunta de Governança Universitária. Neste documento é

possivel observar a afirmação que todas as reformas recentes da governança dos

sistemas universitários europeus têm como objetivo melhorar o nível de autonomia por

meio de: (i) maior presença da empresa por meio de membros externos em seus

conselhos governamentais (ii) promover uma estratégia moderna de responsabilização,

(iii) expandir os instrumentos para dar maior agilidade ao processo de tomada de

decisão, (iv) maior diversificação das universidades e (v) maior diversificação dos

fundos para financiar –se.

O documento também traz a necessidade de concentrar-se em propostas para a

melhoria da gestão das universidades que são necessárias para o modelo de governança

que se pretende enfatizar entendendo que (i) o princípio da autonomia é básico e deve

envolver capacidade acadêmica e de gestão com controles que se for considerado

oportuno, isso significará, em algumas situações, uma flexibilização dos quadros

regulatórios atuais; (ii) que o princípio da prestação de contas não só tem que lidar com

as funções desempenhadas, mas ser autorgadas com clareza, quais as competências que

correspondem a cada pessoa e órgão colegiado; (iii) que seja promovido um sistema

flexível que permita diferentes modelos de governança nas universidades de acordo com

suas peculiaridades, intenções, meio ambiente e outros; (iv) que a gestão deve ser

melhorada de forma a facilitar a tomada de decisões sem abandonar a participação de

todos os atores sociais, mas reduzindo o número de membros dos órgãos de decisão e o

número de cargos acadêmicos e a eliminação do amadorismo em favor do

profissionalismo em gestão; (v) os três órgãos de administração (conselho de direção,

conselho de gestão e conselho social) devem ser redirecionados para um único órgão

que desempenhará as funções do Conselho Executivo de Governo, o órgão de

administração da instituição , que será escolhido pelo reitor com base em uma lista que

será apresentada pelo senado e integrará o pessoal externo e interno em uma relação que

concede uma maioria para membros interna, mas que melhora o papel de membros

externos ( Martinez, 2012).

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A partir desta exposição das caracteristicas básicas da governaça universitária,

entraremos no debate sobre a análise sistêmica a luz de Niklas Luhmann para

compreendermos a relação feita entre governaça universitária e sistemas autoferenciais.

2. Teoria dos Sistemas Autoreferenciais de Niklas Luhmann

No que tange os sistemas abertos pode-se dizer que todo organismo vivo é

essencialmente um sistema aberto, pois se mantém em um ininterrupto fluxo de entrada

e de saída e conserva-se mediante a construção e decomposição de componentes, nunca

estando, enquanto vivo, em um estado de equilíbrio químico e termodinâmico, mas

mantendo-se no chamado estado estacionário que se difere do último. Um aspecto a ser

observado desta abordagem dos sistemas abertos, envolve a concepção do sistema

contendo o todo dentro do todo, ou seja, sistemas contêm subsistemas que, por sua vez,

podem ser sistemas abertos e que, portanto, interagem entre si, com o sistema ao qual

pertencem e com o ambiente (Misoczky, 2003).

Quando se analisa o sistema social como sendo um sistema aberto, observa-se

que o conceito de sistema aberto faz surgir a necessidade de uma interdependência com

o meio externo como componente fundamental para a sua sobrevivência. Na medida em

que o ambiente é composto por elementos que podem influenciar as organizações,

positiva ou negativamente, observando a definição dos objetivos da organização (Katz;

Kahn, 1975).

Estes autores consideram que as organizações, como qualquer sistema aberto,

importam do meio externo recursos que, depois de transformados em bens e serviços

são exportados para o ambiente. Ou seja, são estruturas que interagem com o meio

externo importando energia, materiais, informação (de outras organizações, pessoas, do

meio ambiente), o que pode ser chamado de input. No seu interior processam e

transformam os recursos advindos do exterior em produtos acabados, serviços, etc., são

depois exportados para o meio, ação que pode ser denominada de output (Katz; Khan,

1975).

A Teoria dos Sistemas Sociais, a luz de Luhmann (2009), surge em um

ambiente complexo onde o futuro deixa de ser previsível e passa a uma mera

possibilidade. Origina-se como uma disciplina que possui como problemática central

em sua teoria a extrema complexidade do mundo em que vivemos (Neves; Neves,

2006). Para Luhmann, diferenciação social e formação de sistema são características

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básicas da sociedade moderna e o mundo é expresso através de uma rede de distinções e

rótulos contingentes que sempre devem ser entendidos dentro do contexto.

Em sua teoria Lumann observa que o esquema de inputs/ outputs é configurado

como modelo formal, onde se tem que os inputs com funções iguais correspondem a

outputs iguais, concluindo-se que a transformação sofrida no interior do sistema é

decidida estruturalmente. Logo, a partir dessa análise surgem as críticas ao referido

esquema, que é caracterizado como um modelo de máquina ou de fábrica, levando a

Teoria dos Sistemas a ser vista como um modelo tecnocrático, “que não é capaz de dar

conta da complexidade multifacetada das realidades sociais”, já que em condições

determinadas os resultados podem ser previstos. (Luhmann, 2009: 64).

Então Luhmann (2009), recusando a simplificação matemática do esquema

inputs/outputs e voltando sua atenção para a complexidade do sistema, traz

integralmente o conceito de sistema autopoiético, criado por dois biólogos chamados

Humberto Maturana e Francisco Varela, onde afirmam que um sistema pode ser

caracterizado como vários eventos ou operações que se interacionam. Diante disto pode-

se ter três tipos de sistemas: o dos seres vivos, que possuem processos fisiológicos; os

sistemas psíquicos, onde os processos são ideias; e os em termos de relações sociais,

como processos possuem as comunicações. A formação dos sistemas acontece quando

estes se distinguem do ambiente no qual esses eventos e operações ocorrem, e que não

pode ser integrado a suas estruturas internas. Parsons (1951), definia sistemas como

normas e padrões de valores partilhados coletivamente, já a noção de Luhmann assenta-

se na ideia de que:

O sistema é formado de maneira estritamente relacional. Possui a ideia de uma

fronteira constitutiva que permite a distinção entre dentro e fora, onde cada operação de

um sistema (re)produz essa fronteira encaixando-se numa rede de futuras operações, na

qual, simultaneamente ele ganha sua própria unidade/ identidade (Bechmann et al,

2001: 190).

O sistema que contém em si sua diferença criando suas próprias

estruturas independentemente do entorno, é caracterizado pelos biólogos como um

sistema autopoiético, autorreferente e operacionalmente fechado e que se constitui como

tal, diminuindo a complexidade do entorno e construindo sua própria complexidade por

meio da produção dos seus próprios elementos, sendo neste processo que ocorre a

evolução (Neves et al, 2006).

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O conceito de sistema fechado foi o grande diferencial desta nova abordagem

teórica dos sistemas sociais, visto que este fechamento não se refere a sistemas isolados,

incomunicáveis, insensíveis ou imutáveis, mas sim por que para que um sistema se

torne um sistema é necessário que suas partes ou seus elementos interajam uns com os

outros e somente entre si, ou seja, um fechamento puramente operacional. Quanto ao

conceito de autorreferência está relacionado à ideia de os elementos que constituem o

sistema se relacionarem de forma retroalimentada uns com os outros. E por fim, a

autopoiésis que representa a própria identidade que os sistemas fechados e

autorreferidos possuem de, a partir de seus próprios elementos constituir sua identidade

diferenciada. É importante ressalvar que o conceito de autopoiésis não pode ser

confundido com de auto-organização, pois este é a “capacidade que alguns sistemas

possuem em (auto)- produzirem um estado de ordem a partir da desordem” e a

autopoiésis, entretanto, é:

a capacidade de determinados sistemas em produzirem –se como

estado de ordem, mantê-lo e, por vezes redirecioná-lo numa ou noutra

direção, visando a estabilidade dos sistema como tal, a partir de

interpretações feitas com relação às mudanças do entorno (Rodrigues,

2008: 113).

O sistema autopoiético, então, pode ser definido por meio de alguns princípios

trazidos por Rodrigues (2008: 117) como:

• Um sistema que opera a partir de e através de suas próprias estruturas

(elementos);

• Por não operar além de suas estruturas, caracteriza-se como uma unidade

autônoma em seu operar;

• Existe, portanto um fechamento operacional que se refere especificamente às

operações estabelecidas “internamente”; isto é, são os processos relativos ao sistema

como unidade que interagem entre si, estabelecendo os limites de interação e os limites

do sistema;

• Um sistema deve ser visto como numa unidade dinâmica, operativa e que

designa este operar consigo mesmo;

• Um sistema se autoproduz, produz a si como unidade, além disso, se auto repara,

se auto reestrutura, se autotransforma e se auto- adapta.

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Essas características passam a fazer parte do sistema autopoiético a partir

do momento em que este se constitui como tal, e isto decorre de eventos de

individualização de elementos/processos já existente em um determinado meio

favorável para tanto. E esta individualização se origina da diferença existente entre

sistema e meio.

Dada a impossibilidade de cumprir satisfatorimanete, neste trabalho, os

requisitos sobre a enorme e complexa construção teórico- conceitual luhmanniana,

optou-se por limitar suas referências sistêmicas ao assumir o conceito que tem os

sistemas autopoiéticos, que é: autoreferencialidade

Neste estudo, a governança universitária forma o sistema aberto que terá como

característica do sistema autoreferencial a capacidade de operar a partir de e através de

suas próprias estruturas, já que será considerado que a governança nessas instituições

acorre de forma mais complexa permitindo a criação de estruturas próprias dentro do

sistema, garantindo uma certa autonomia em relação ao seu entorno. Todavia, partindo

do pressuposto de que nenhum sistema pode evoluir a partir de si mesmo, considera-se a

comunicação deste sistema aberto com o entorno como sendo por meio de input e

output que são conceitos trazido da Teoria Geral dos Sistemas.

3. A governança universitária como um sistema autoreferencial

Trazer para o debate a ideia de uma governança universitária sistêmica, cujas

as raízes provém em grande parte da teoria de sistemas autoreferenciais de Luhmann

(2009), nos obriga a apontar que a análise sistêmica de luhmann se embasa em uma

metodologia sistêmica observacional de caráter holístico, e que, portanto, inclui a ideia

processual dinâmica em suas observações (Vidal, 2017).

Entende-se como “governança sistêmica” a capacidade teórico conceitual e

operacional de integrar as diferentes perspectivas advindas das diversas áreas do

conhecimento ( Vidal, 2017).

O conceito de governança universitária aproxima-se da noção dos sistemas

autoreferenciais ao incorporar idéias e pressupostos da teoria dos sistemas sociais de

Niklas Luhmann ( ou teoria dos sistemas autoreferenciais). Da mesma forma que os

sistemas autoreferenciais, a governança universitária pode ser descrita como um sistema

que abrange um grande número de entidades interdependentes entre si, com diferentes

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graus de relacionamento. Os atores estabelecem relações dinâmicas, com tendências a

formar agregações e criar desagregações. E o mais importante, criam estruturas internas

( dentro das universidades) com o ojetivo de atender as demandas externas e diminuir a

complexidade do ambiente em que estão inseridas.

Vários pesquisadores têm oferecido definições sobre governança universitária

(Quadro 1), normalmente usando diferentes termos e com aspectos mais amplos ou mais

pontuais sobre o assunto. Apesar da diversidade nas definições, pode-se observar alguns

componentes - chave presentes nos enunciados sobre governança.

Quadro 1- Definições e perspectivas sobre governança universitária

Referência Definições/ descrições de

governança universitaria

Perspectiva sistêmica

Kezar; Eckel (2004) É o processo de criação de

políticas e decisões de alto

nível em instituições de nível

superior.

Um modo de alcançar

autoridade em sua liderança e

agilidade no processo de

decisão.

Autoreferencialidade

Percy- Smith (2001) Questões ligadas aos

mecanismos adotados para

resolver problemas coletivos,

considerando exigências e

necessidades diferentes e

contraditória entre vários

atores.

Autoreferencialidade

Input

Shattock (2006) São os mecanismos e

processos estabelecidos a

partir dos quais uma

universidade conduz seus

interesses

Autoreferencialidade

Kwickers (2005) e Shattock

(2006)

É parte da estrutura legal da

instituição, abrangendo

aspectos administrativos,

econômicos e jurídicos

relacionados a cooperação,

direção, estratégia e

organização das universidades

em um ambientte específico.

Autoreferencialidade

Brunner (2011) É a forma como as instituições

são organizadas e operadas

internamente - do ponto de

Autoreferencialidade

output

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vista da sua governança e

gestão - e suas relações com

entidades e atores externos

com o objetivo de garantir os

objetivos do ensino superior.

Brunner (2011). A Governança está

relacionada a aspectos como:

liderança, agenda empresarial,

interligação da universidade

com o entorno, fonte de renda

diversificada e cultura

empresarial.

Input

output

Pandey (2004) Traz as variáveis de

autonomia e responsabilidade

para o conceito de governança

evidenciando que ações e

resultados devem ser

consistentes com as demandas

do ambiente externo.

Input

Output

OECD (2003) Analisa a governança

relacionada a diversificação

de fontes de recursos para

para planejar e controlar seu

próprio futuro e não ficar

vulnerável a mudanás

repentinas no ambiente.

Autoreferencialidade

Fonte: elaborado pela própria autora (2018)

A partir da construção deste quadro analítico é possível observar como as

caracteristicas da autoreferencialidade, input e output estão presentes nos conceitos de

governança universitária permitindo, desta forma, uma analise sitêmica deste tema.

Os vários conceitos- chave permitem propor um conceito mais sistêmico para o

termo governança universitária, como sendo: a forma como as instituiçoes de ensino

superior, por meio das demandas do ambiente externo (inputs), se organizam e criam

suas próprias estruturas ( autoferencialidade) de maneira a reduzir a complexidade do

ambiente em que estão inseridas e assim garantir um ensino de qualidade para a

sociedade (outputs).

A complexidade, segundo Yates (apud Flood e Carson, 1988), manifesta-se

quando um ou mais dos seguintes atributos são identificados: (i) interações

significativas entre as partes; (ii) grande número de partes, graus de liberdade ou

interações; (iii) não-linearidade, que se caracteriza pela forte dependência do estado

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inicial do sistema (posições iniciais diferentes levam a situações finais variadas e podem

causar instabilidade); (iv) assimetria (situações sem simetria são mais difíceis de serem

entendidas), e; (v) restrições não-holonômicas, que implica na existência de um

transiente anárquico dentro do sistema (desordem, falta de integridade e controle no

sistema). Como a maioria das interações no governo ocorre de forma concorrente e

interdependente umas das outras (Kooiman, 2003), os estudos sobre governança na área

pública envolvem, em geral, aspectos de complexidade.

Para Luhmann, a complexidade é entendida como “a unidade de uma

multiplicidade, e pode ser aplicado aos sistemas específicos, em seu ambiente, assim

como ao sistema e seu ambiente (mundo)”. Desta forma, os sistemas servem para

reduzir a complexidade e através da operação da diferença ( dentro/fora) se torna

possível identificar os sistemas por meio do seu sentido (Vidal, 2017: 86)

Para uma melhor compreensão da perspectiva dos sistemas autoreferenciais e

da complexidade no estudo da governança universitária, utiliza-se o exemplo da

governança de uma universidade pública federal brasileira qualquer. A organização do

sistema universidade envolve diversos tipos de atores, como o Pró- reitorias, diretorias,

núcleos, faculdades, fundações, empresas privadas de apoio, escolas, sindicatos,

comunidade, comitês, conselhos etc.

Cada um desses atores recebe pressões (inputs) de outros setores ou grupos,

institucionalizados ou não, que procuram influenciar comportamentos para o alcance

dos seus interesses (outputs) e desta forma o sistema universitário como um todo precisa

criar estruturas e mecanismos internos (autoreferencialidade) para garantir o alcance do

objetivo principal que é o fornecimento de educação de qualidade para a população

local. Esta autoreferencialidade pode ser entendida como a criação/ extinção de novos

setores administrativos, promoções de servidores, implementação de sistemas de

avaliação e controle, organização dos processos etc. Por essa razão, entende-se que a

governança universitária pode ser caracterizada como um sistema autoreferencial em

um ambiente altamente complexo.

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Considerações finais

Como foi visto, a governança universitária possui uma grande amplitude de

significados. Alguns autores buscaram compreender este terma apresentando as diversas

formas em que o termo é utilizado na literatura. A importancia de uma boa governança

nas universidades tem uma importancia inquestionável, já que desenvolvida da forma

correta é fonte de vantagem competitiva e desempenha um papel importante para o

desenvolvimento econômico e social de uma sociedade.

Nas instituiçoes de ensino superior privadas, em geral, o termo abrange a

estrutura e o funcionamento do corpo de diretores e os sistemas de prestação de contas

para os sócios da instituição. Nas instituições públicas, o termo governança os objetivos

são diferentes, principalemnte por que não se busca o lucro, mas sim um serviço de

quallidade para a população local. Além da distinção dos setores público e privado,

pode-se diferenciar as discussões sobre governança universitária entre aquelas que

ocorrem no contexto das teorias e dos modelos econômicos daquelas fundamentadas nas

teorias sociais.

O estudo apresentou diversas definições de governança universitária pública

que podem ser encontradas na literatura. A análise dessas definições permitiu identificar

conceitos-chave relevantes para o entendimento do termo com base na noção sistêmica.

Assim como criou um novo conceito de governança universitária baseado na percepção

sistêmica englobando aspectos de sistemas abertos e autoreferenciais.

Neste estudo, procurou-se ampliar o enfoque, não se limitando a conceituações

do termo, mas explorando possíveis relações do conceito com a noção de sistemas

autoreferenciais. Relação esta que mostrou-se bastante adequada para a análise da

governança nas universidades. A própria noção de sistemas como um conjunto de

elementos em interação está alinhada com aspectos de interdependência de atores

sociais e redes de organizações. A percepção da governança universitária como um

sistema inserido em um ambiente complexo, que envolve características de

interdependencia, unidade em um ambiente multiplo e diversidade de possibilidades que

estão relacionados com as idéias de autoreferencialidade ( sistema que cria suas próprias

estruturas), possibilitam a análise das formas de interações entre o estado e a sociedade,

por exemplo.

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É importante frisar que não foram identificados estudos anteriores explorando

tal relação, mas considerou-se existir uma possível relação entre o conceito e a teoria

dos sistemas autoreferenciais, que, por isso, pode contribuir para uma melhor

compreensão do significado do termo governança no setor público.

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