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CaChaçaalém do folclore
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aPRESENTaçÃO
“Cachaça além do folclore”. Este é o tema deste white paper que a Companhia Müller de Bebidas, pro-
dutora da Cachaça 51, disponibiliza aos apreciadores e consumidores do destilado mais antigo do novo
mundo. É um manifesto contra a falsa ideia de que a cachaça produzida em colunas seria um produto
inferior à proveniente de alambiques.
Na produção em colunas industrializadas, os líquidos e vapores entram em contato com tubos e com-
ponentes de cobre, metal que é essencial em todo e qualquer processo de destilação (e apenas cobertos
por tubos de aço 100% inoxidável). Este processo garante a qualidade e a adequação à legislação e às
normas sanitárias, essenciais em qualquer produto.
A bebida alcoólica genuinamente brasileira sofre uma equivocada interpretação sobre sua qualidade, com
base em crendices populares, lendas e folclore que compõem um coquetel de desinformação e preconceito.
Neste white paper são explicadas as regras, matéria-prima, métodos de produção, qualidade, e a varie-
dade de produtos, além de falar da linha premium, produzidas com o padrão de qualidade dos destila-
dos mais consumidos do mundo – caso da Linha Reserva 51, produzida pela Cia. Müller, considerada
a mais importante produtora de cachaça do Brasil e do mundo.
Criação, produção e edição: Verdelho Associados I Textos: Dario Palhares I Diagramação e Impressão: Unit Press Comunicação
Versão 2
EXPEDIENTE
1. As regrAs Normas e regulamentos .........................................................................04
2. A mAtériA-primA Origens e evolução da cana-de-açúcar ...............................................10
3. O prOcessAmentO Fermentação e destilação ......................................................................15
4. O métOdO Tecnologia e evolução do sistema de produção em coluna ............21
5. O prOdutO Composição e atributos – Sabor, cor e aroma ...................................26
6. O envelhecimentO Técnicas e tipos de madeira ...................................................................30
7. reservA 51 Prova final de destilado superior proveniente de coluna ...............35
índice
1AS REGRASNormas eRegulamentos
Há cerca de 500 anos, entre 1516 e 1534, o Brasil, à época
colônia de Portugal, e o Novo Mundo ganhavam a sua
primeira bebida destilada. Era uma aguardente de mosto
de cana-de-açúcar produzida de início, não se sabe bem ao certo,
no Engenho dos Erasmos, em São Vicente (SP), ou em Itamaracá,
no litoral de Pernambuco. O destilado ganhou o nome de cachaça,
cujas origens são igualmente controversas. Duas entre as diversas
versões existentes relacionam a denominação ao termo castelhano
“cachaza” – como eram conhecidos, na Península Ibérica, vinhos
feitos de borra de uva – e à “cagaça”, espuma resultante do processo
de fervura do caldo de cana, que era servida aos animais.
O certo é que a cachaça rapidamente se difundiu pelo territó-
rio brasileiro, ganhando, inclusive, relevo político e econômico.
O destilado assumiu o papel de moeda no comércio externo da
colônia e chegou a motivar uma das primeiras insurreições dos
brasileiros contra o domínio português. O episódio, conhecido
como Revolta da Cachaça, teve como estopim a instituição de
impostos e taxas sobre a bebida pelo governador da capitania do
Rio de Janeiro, Salvador Correia de Sá e Benevides (1601-1681),
em janeiro de 1660. Dez meses depois, produtores de São Gonça-
lo (RJ) aprisionaram o governador em exercício, Tomé de Souza
Alvarenga, e assumiram o controle da capitania, com o apoio de
militares e da população. A reação não tardou. Salvador de Sá,
que se encontrava em São Paulo, retornou com tropas e reto-
mou o poder em abril de 1661, enfrentando reduzida resistência,
e ordenou a imediata execução do líder dos revoltosos, Jerônimo
Barbalho Bezerra, que foi decapitado em praça pública, no dia 6
daquele mês e ano.
Os brasileiros, como é sabido, conquistaram a independência de
Portugal em 1822, mas demoraram pelo menos 150 anos para
regulamentar e buscar a valorização da sua bebida símbolo aos
olhos do mundo, ao contrário de outras nações da América La-
tina. Peru e Chile deram exemplos precoces na defesa do pisco,
destilado de mosto de uva criado na segunda metade do século
16, entre 1553 e 1580. Em 1896, o Peru firmou com a França um
tratado mútuo de respeito às marcas de procedência e de origem,
que envolveu a bebida. Trinta e cinco anos depois, o Chile esta-
beleceu uma denominação de origem (DO) para os piscos produ-
zidos nas regiões de Atacama e Coquimbo.
Já no Brasil, a cachaça teve de enfrentar uma longa espera até
despertar a atenção das autoridades. Uma das primeiras normas
legais sobre o destilado de que se tem notícia é o Decreto 73.267,
de 6 de dezembro de 1973, que tratava do registro, classifica-
ção, padronização, controle, inspeção e fiscalização de bebidas.
“Aguardente de melaço ou cachaça é a bebida com a graduação
alcoólica de 38 (trinta e oito) a 54º G.L. (cinquenta e quatro graus
COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 5
fermentado do caldo de cana-de-açúcar com características sen-
soriais peculiares.”
Tais textos trataram, ainda, de diferenciar o destilado brasileiro
por excelência da aguardente de cana, “bebida com graduação
alcoólica de trinta e oito a cinquenta e quatro por cento em volu-
me, a vinte graus Celsius, obtida de destilado alcoólico simples de
cana-de-açúcar ou pela destilação do mosto fermentado do caldo
de cana-de-açúcar”. Além disso, abriram espaço na legislação lo-
cal, de forma inédita, para a caipirinha, “bebida típica brasileira,
com graduação alcoólica de quinze a trinta e seis por cento em
volume, a vinte graus Celsius, obtida exclusivamente com cacha-
ça, acrescida de limão e açúcar”, segundo o Decreto 4.851. O go-
Gay Lussac), obtida do destilado alcoólico simples de melaço ou
pela destilação do mosto fermentado de melaço resultante da
produção do açúcar até 0,6g (seis decigramas) por 100 ml (cem
mililitros)”, estabelecia o artigo 106 do decreto, sancionado pelo
presidente Emílio Garrastazu Médici. O parágrafo único do arti-
go dizia: “O produto que contiver açúcar em quantidade superior
a 0,6g (seis decigramas) por 100 ml (cem mililitros) terá a sua de-
nominação acrescida da expressão ‘adoçada’.”
O destilado de mosto de cana só voltaria a entrar na agenda do
Executivo federal quase um quarto de século depois. O Decreto
2.134, de 4 de setembro de 1997, manteve os limites de álcool
fixados em 1973, mas inovou ao criar regras para a cachaça enve-
lhecida: “no mínimo, cinquenta por cento de aguardente de cana
envelhecida por período não inferior a um ano, podendo ser adi-
cionada de caramelo para a correção da cor”.
Foi só neste século, entretanto, que o produto começou a ganhar,
de vez, os seus padrões de conformidade atuais e, tão ou mais im-
portante, o reconhecimento das autoridades. Os decretos 4.062
(2001), 4.072 (2002), 4.851 (2003) e 6.871 (2009), com sucessivos
aperfeiçoamentos, definiram a cachaça como “denominação típi-
ca e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com
graduação alcoólica de trinta e oito a quarenta e oito por cento
em volume, a vinte graus Celsius, obtida pela destilação do mosto
Em abril dE 2012, após dEz anos dE
nEgociaçõEs, os Estados Unidos
rEconhEcEram a cachaça como bEbida
típica E ExclUsiva do brasil, qUE, como
contrapartida, sE prontificoU a dispEnsar
o mEsmo tratamEnto ao boUrbon whiskEy
E ao tEnnEssEE whiskEy, dEstilados nortE-
amEricanos à basE dE milho até Então aqUi
classificados como UísqUEs
6 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE
verno federal seguia, assim, o exemplo da International Bartender
Association (IBA), que havia incluído o drinque verde-amarelo em
sua lista de coquetéis oficiais, na categoria clássicos contemporâ-
neos, na década de 1990.
Tal esforço rendeu frutos ao país no exterior. Em abril de 2012,
após dez anos de negociações, os Estados Unidos reconheceram
a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como
contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao
bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados norte-ame-
ricanos à base de milho até então aqui classificados como uísques.
O acordo possibilitou que o produto brasileiro embarcado para a
nação mais rica do planeta – responsável por 16,1% das encomen-
das externas em 2016, com uma fatia da ordem de US$ 2,2 mi-
lhões – deixasse de ostentar nos rótulos a incômoda e imprecisa
denominação “brazilian rum”, substituída por “cachaça”. “A medida
evita que a cachaça vire um destilado genérico, como a vodca, que
antes era produzida só na Rússia e hoje é feita no mundo todo”,
comentou à época Vicente Bastos Ribeiro, vice-presidente do Ins-
tituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC).
O tratado mais recente do gênero foi firmado com o México. Em 5
de agosto de 2017, as duas maiores economias da América Latina
pactuaram a proteção recíproca da cachaça e da tequila, destilado
mexicano à base de agave-azul, “como indicações geográficas e
produtos distintos originários do Brasil e do México”, comprome-
tendo-se ainda a “prover os meios jurídicos necessários para pre-
venir o uso indevido dos nomes Cachaça e Tequila”. “Resultado
dos esforços conjuntos entre o governo brasileiro e o setor priva-
do, a assinatura da declaração de reconhecimento é um momen-
to histórico para a cachaça”, afirmou Cristiano de Castro Lamêgo,
presidente do conselho deliberativo do IBRAC.
Em paralelo aos reconhecimentos, de fato e de direito, nos ce-
nários doméstico e internacional, o destilado brasileiro também
passou a contar, neste século, com normas muito mais precisas,
claras e exigentes. Os marcos principais nessa esfera são o Re-
gulamento Técnico da Instrução Normativa nº 13 do Ministé-
rio da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (http://extranet.
agricultura.gov.br/sislegis-consulta/servlet/VisualizarAne-
xo?id=14175), de 29 de junho de 2005, e o Programa Nacional de
Certificação da Cachaça (PNCC), regulamentado pela Portaria
126 do Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Quali-
dade Industrial, o Inmetro, de 24 de junho do mesmo ano (http://
www.inmetro.gov.br/legislacao/rtac/pdf/RTAC000955.pdf).
O primeiro documento estabelece, por exemplo, padrões da com-
posição química e limites de substâncias contaminantes, proíbe o
uso de corantes de qualquer tipo para a correção da coloração, in-
clusive lascas de madeira, e apresenta os critérios de classificação
COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 7
A produção fora de parâmetros legais compromete também proje-
tos de conquista de novos mercados externos pela bebida. Concor-
rente direto do Brasil no segmento internacional de destilados, o
México, que soma cerca de 290 produtores certificados de tequila,
arrecadou US$ 1,2 bilhão em 2016 com vendas de sua bebida sím-
bolo. Já as exportações da cachaça brasileira, em igual período, to-
talizaram apenas US$ 13,9 milhões, pouco mais de 1% dos negócios
dos mexicanos além de suas fronteiras.
“Os gargalos do processo de aceitação da cachaça brasileira no
mercado exterior são a má qualidade e a falta de padronização da
bebida produzida. A sua composição química muitas vezes não
está adequada aos padrões internacionais de qualidade exigidos
para bebidas destiladas”, observa André Ricardo Alcarde, profes-
sor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ),
da Universidade de São Paulo (USP), no livro “Cachaça – Ciência,
de cachaças envelhecidas, premium e extra premium (ver tabela). Já
o regulamento do PNCC impõe como condições para a obtenção da
certificação pelos produtores, entre outros itens, a indicação de um
responsável técnico, com conhecimento de pelo menos um ano na
produção da bebida, a implantação de sistemas de rastreabilidade
e a renúncia ao uso de bombonas e quaisquer outros recipientes
plásticos para a estocagem da cachaça.
Se os avanços na normatização e nos padrões de qualidade são inques-
tionáveis, resta aos fabricantes e às autoridades o desafio de fazer com
que tais regras sejam observadas e cumpridas. A tarefa é complexa,
devido ao elevado grau de informalidade do setor. Segundo estimati-
vas do IBRAC, o total de estabelecimentos produtores de cachaça soma
quase 15 mil, dos quais menos de dois mil são devidamente registrados
e cadastrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
e na Secretaria da Receita Federal (SRF). Embora as grandes indústrias
respondam por 90% da produção, cerca de 85% dos produtores, em sua
maioria micro e pequenas empresas, operam na informalidade.
“A informalidade prejudica o mercado, pois reduz a arrecadação
de impostos, diminuindo a capacidade do governo de investir em
melhorias na capacitação e fiscalização do setor. Além disso, pode
colocar em risco a sua saúde”, assinalou o sommelier Mauricio
Maia, em dezembro de 2016, no blog O Cachacier, hospedado no
jornal O Estado de S. Paulo.
a iNfORmaLidadE PREjudiCa O mERCadO,
POiS REduz a aRRECadaçÃO dE imPOSTOS,
dimiNuiNdO a CaPaCidadE dO gOvERNO dE
iNvESTiR Em mELhORiaS Na CaPaCiTaçÃO E
fiSCaLizaçÃO dO SETOR. aLém diSSO, POdE
COLOCaR Em RiSCO a Sua SaúdE.
mauRiCiO maia, NO bLOg “O CaChaCiER”,
dEzEmbRO dE 2016
8 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE
tecnologia e arte” (Blucher, 2014). “Entretanto, com a adoção de
boas práticas de fabricação, como o uso de equipamentos adequa-
dos e novas tecnologias, houve melhorias significativas na quali-
dade. Como consequência, a bebida foi valorizada e surgiram no-
vos mercados consumidores, tanto que atualmente ela já pode ser
comparada aos mais nobres destilados do mundo.”
Especificações estabelecidas pelo Regulamento Técnico da Instrução Normativa
nº 13 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
DEFINIÇÕES
cachaça: denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no brasil, com graduação alcoólica de
38% a 48% em volume a 20 graus celsius, obtida pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-
açúcar com características sensoriais peculiares.
aguardente de cana: bebida com graduação alcoólica de 38% a 54% em volume 20 graus celsius, obtida do destilado
alcoólico simples de cana-de-açúcar ou pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar.
cachaça Envelhecida: bebida com no mínimo 50% de cachaça ou aguardente de cana envelhecidas em recipiente de
madeira apropriado, com capacidade máxima de 700 litros, por um período não inferior a um ano.
cachaça Premium: bebida com 100% de cachaça ou aguardente de cana envelhecidas em recipiente de madeira
apropriado, com capacidade máxima de 700 litros, por um período não inferior a um ano.
cachaça Extra Premium: bebida com 100% de cachaça ou aguardente de cana envelhecidas em recipiente de madeira
apropriado, com capacidade máxima de 700 litros, por um período não inferior a três anos.
DOSE CERTA
2A mAtériA-primAorigens e evoluçãoda cana-de-açúcar
T razida pelos portugueses da Ilha da Madeira, a cana-de
-açúcar chegou ao Brasil no início do século 16 para fazer
história. A espécie natural da Nova Guiné expandiu-se
rapidamente pela costa do então domínio lusitano, com destaque
para Pernambuco, onde os férteis solos de massapé – provenien-
tes da decomposição de gnaisses, granitóides, quartzitos e filitos
– favoreceram enormemente o seu cultivo. Recém-chegada, a
gramínea da família das Poaceae deu origem, entre 1516 e 1534,
ao destilado pioneiro das Américas, a cachaça, e se tornaria, al-
gumas décadas mais tarde, protagonista do primeiro período de
grande prosperidade do Brasil Colônia, o ciclo do açúcar.
Os bons ventos para a economia local foram garantidos por meio de
um pacto monopolista. O trato envolveu os portugueses, senhores
das terras brasileiras, e os holandeses, cujo talento e vocação para
os negócios eram reconhecidos e invejados mundo afora. “Especiali-
zados no comércio intraeuropeu, grande parte do qual financiavam,
os holandeses eram nessa época o único povo que dispunha de sufi-
ciente organização comercial para criar um mercado de grandes di-
mensões para um produto praticamente novo, como era o açúcar”,
escreveu o economista Celso Furtado (1920-2004) em “Formação
Econômica do Brasil” (Fundo de Cultura, 1959, primeira edição).
A parceria não tardou a colher bons resultados. A forte alta dos preços do
produto no mercado internacional, a partir da década de 1580, estimulou
a rápida expansão do plantio e processamento da cana-de-açúcar, sobre-
tudo em Pernambuco e na Bahia. Em 1589, havia cerca de 130 engenhos
no Brasil, 109,6% a mais do que o total registrado, por volta de 1570, pelo
historiador português Pero de Magalhães Gandavo. Sessenta anos de-
pois, o parque instalado havia mais que duplicado: as linhas de moagem
somavam 350, com produção anual superior a 20 mil toneladas de açú-
car, segundo o americano Stuart B. Schwartz, professor de história da
Universidade de Yale, dos Estados Unidos, em “Prata, açúcar e escravos:
de como o império restaurou Portugal” (2008).
A colônia era movida pela doce commodity e apresentava indicadores
de fazer inveja ao Velho Mundo. De acordo com cálculos e estimativas
de Furtado, a renda total gerada no Brasil, com a participação de 75%
da atividade açucareira, deveria se aproximar da cifra de 2 milhões de
libras, garantindo à pequena população europeia aqui residente, de não
mais do que 30 mil habitantes, uma renda per capita muito superior
aos padrões então registrados na Europa. Além disso, os negociantes
locais contavam com uma valiosa moeda “líquida”, no sentido literal do
termo, de invenção 100% nativa. Era a cachaça, largamente utilizada
como numerário na aquisição de mão de obra escrava.
O ciclo do açúcar entrou em declínio a partir da década de 1630, com o
início da ocupação do litoral do nordeste brasileiro, de Sergipe ao Ma-
ranhão, pelos holandeses. Os invasores acabaram expulsos em 1654,
mas, durante a sua estada na região – em particular em Pernambu-
COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 11
zada como moeda corrente para
a compra de escravos. A força
econômica do destilado brasilei-
ro garantiu grandeza a Paraty,
no litoral sul do Rio de Janeiro,
que durante muito tempo foi si-
nônimo de cachaça. Fundada em
1667, a cidade contabilizava, em
1799, 155 alambiques em plena
produção. “Na agoa ardente tem
progresso, e sobre tudo na feitoria que lhe assegura de augmento
sete mil réis em pipa sobre as demais. Talvez se descubram, exami-
nando o causal da melhoria, se do terreno, das agoas ou das lenhas
ela provém. Deve regular a duas mil e seiscentas pipas [o equivalen-
te a 1,2 milhão de litros] por ano, e faz este artigo, 151.200$ [contos
de réis]”, observou, em 1805, o ouvidor-geral José Antônio Valente.
A produção da bebida ganharia novo impulso em escala nacional
com a introdução, no início do século 19, de uma nova matéria-pri-
ma. Era a cana-caiana, trazida da Guiana Francesa durante a invasão
desta por tropas de D. João VI, uma represália à investida do impera-
dor Napoleão Bonaparte sobre o território português, que motivou a
transferência da corte lusitana para o Brasil, em 1808. Também co-
nhecida como cana d’Otaiti, a variedade oferecia grandes vantagens
co, então o maior polo açucareiro
do planeta –, adquiriram o know
how necessário para colocar um
ponto final no lucrativo monopó-
lio produtivo português.
“Esses conhecimentos vão cons-
tituir a base para a implantação e
desenvolvimento de uma indús-
tria concorrente, de grande esca-
la, na região do Caribe. A partir
desse momento, estaria perdido o monopólio, que nos três quartos
de século anteriores se assentara na identidade de interesse entre
os produtores portugueses e os grupos financeiros holandeses que
controlavam o comércio europeu”, escreveu Furtado na obra cita-
da. “No terceiro quarto do século XVII os preços do açúcar estarão
reduzidos à metade e persistirão nesse nível relativamente baixo
durante todo o século seguinte.”
Os engenhos, em consequência, rapidamente perderam o seu status
aos olhos da coroa portuguesa, cujas atenções passaram a se concen-
trar, de forma quase que absoluta, nas jazidas de ouro e diamantes
descobertas em Minas Gerais a partir do final do século 17. A solu-
ção para os proprietários de moendas de cana foi deixar o açúcar de
lado e dar prioridade à produção de cachaça, que seguia a ser utili-
a aguaRdENTE da TERRa ERa iNdiSPENSávEL
PaRa a COmPRa dO NEgRO afRiCaNO, uma
vERdadEiRa mOEda dE ExTENSa CiRCuLaçÃO. aLém
dE SER jubiLOSamENTE RECEbida PELO vENdEdOR Na
COSTa d’áfRiCa, figuRava NECESSaRiamENTE COmO
aLimENTO COmPLEmENTaR Na TRágiCa
diETa daS TRavESSiaS dO aTLâNTiCO.
LuiS da CâmaRa CaSCudO (1898-1986)
Em “PRELúdiO da CaChaça”
12 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE
sobre a cana-crioula, até então utilizada no Brasil, e se tornaria a úni-
ca integrante da família das Poaceae a ter espaço na rica sinonímia da
cachaça. “Pela sua enorme grandeza e doçura se fazem apreciáveis,
prometem grandes vantagens à cultura, e fabrico do açúcar, e mui-
to maiores ainda para a distilação [sic] das águas-ardentes [sic], visto
serem as ditas canas muito suculentas”, escreveu o cônego Luís Gon-
çalves dos Santos em “Memórias para servir ao reino do Brasil” (1825).
Rica em açúcar, a caiana tem como ponto franco a baixa resistên-
cia a pragas. Tal debilidade se tornou evidente na segunda metade
do século 19, com a devastação de lavouras no sul da Bahia e em
Pernambuco pela gomose, causada pela bactéria Xanthomonas
axonopodis. O problema foi resolvido com o cruzamento de es-
pécies, técnica que voltou a ser empregada na década de 1920, em
paralelo à introdução de espécies trazidas da Indonésia e da Índia,
para o combate do vírus mosaico, que causou grandes perdas em
canaviais de todo o país, especialmente no interior de São Paulo.
Desde então, o aprimoramento genético entrou na agenda do setor e
dos principais centros de pesquisa na área, caso do Instituto Agronômi-
co de Campinas (IAC). Fundado em 1887 por D. Pedro II, o IAC cumpriu
papel decisivo na luta contra a gomose e o mosaico e criou, em 1930 o
Programa de Melhoramento da Cana-de-açúcar, entregue à direção do
professor José Manuel Aguirre Júnior (1906-1954). O projeto desenvol-
veu uma série de variedades cultivadas desde os anos 1940 – casos das
IACs 65, 134, 205 e 150 – e deu seu grande salto em 1972, graças a um
convênio com a Copersucar, que viabilizou a introdução no Brasil, até
1983, de 678 genótipos de cana de vários países.
O plantio e a colheita da cana exigem um minucioso planejamento
de longo prazo dos grandes produtores de cachaça. No Centro-Sul
do Brasil, o plantio ocorre de dezembro a março para o ciclo de 18
meses da chamada cana “de ano e meio”. Entre abril e novembro é
realizado o plantio com ciclo de 12 meses – que pode ser dividido
em duas fases, de inverno (abril a agosto) e de ano (setembro a no-
vembro) –, no que se refere às “canas de ano”. A preparação do solo,
cujo pH deve oscilar entre 5,5 e 6,5, deve contemplar correções
de profundidade e a eliminação de compactações, para o melhor
desenvolvimento das raízes. Com relação aos sulcos, o professor
André Ricardo Alcarde, da Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz (ESALQ) da Universidade de São Paulo (USP), recomenda
Cada uma daS vaRiEdadES TEm dE
SER CORTada NO mOmENTO CERTO. a
COLhEiTa aNTES Ou dEPOiS dO PONTO dE
amaduRECimENTO aCaRRETa PRObLEmaS à
fERmENTaçÃO E aO PROduTO fiNaL.
jOÃO bOSCO faRia, PROfESSOR TiTuLaR da
uNESP E COORdENadOR dO CENTRO dE PESquiSa E
dESENvOLvimENTO da quaLidadE da CaChaça
COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 13
profundidades de 20 a 30 centímetros e espaçamentos entre 1,3 e
1,5 metro. “Embora a cana-de-açúcar se desenvolva bem em solos
arenosos, ela prefere solos profundos, argilosos, com boa fertilida-
de e boa capacidade de retenção de água”, assinala o acadêmico no
livro “Cachaça – Ciência, tecnologia e arte” (Blucher, 2014).
Como a safra no Centro-Sul se estende de abril a novembro, é preci-
so contar com espécies de maturação distintas, de forma a manter as
linhas de produção da bebida em atividade contínua ao longo desse
período, sendo que uma característica desejável da variedade é ter
um longo período útil para industrialização. O mix ideal é composto
por canas precoces (20%), médias (60%) e tardias (20%). “Cada uma
das variedades tem de ser cortada no momento certo. A colheita
antes ou depois do ponto de amadurecimento acarreta problemas à
fermentação e ao produto final”, observa João Bosco Faria, professor
titular do Departamento de Alimentos e Nutrição da Universidade
Estadual Paulista (Unesp) e coordenador do Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento da Qualidade da Cachaça, em Araraquara (SP).
A cana-de-açúcar proporciona boa produtividade por cinco safras.
Findo esse ciclo, ela cede espaço a outra espécie – geralmente a
soja –, cujo cultivo, além de gerar renda, permite a regeneração do
solo e lhe garante novos nutrientes. “É o que chamamos de cultura
de transição: a cana sai de cena por uma safra e volta na seguin-
te”, explica Simone Sayuri Nakazone, gerente de qualidade, P&D e
meio ambiente da Companhia Müller de Bebidas. “Isso exige, cla-
ro, uma programação absolutamente precisa. Não basta olhar só
para a colheita seguinte, é preciso pensar alguns anos à frente.”
Com uma trajetória de 500 anos, a cultura da cana no Brasil se-
gue a se modernizar. É crescente, por exemplo, a mecanização da
colheita, que retira de cena a secular prática da queima da palha
– expediente que facilita a posterior coleta dos caules da lavoura,
mas compromete a qualidade da matéria-prima da cachaça, pois
as cinzas residuais interferem de forma negativa na fermentação.
Por meio do Protocolo Agroambiental do Setor Sucroenergético,
firmado em 2007 pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e
entidades ligadas ao agronegócio, São Paulo está próximo de eli-
minar, de vez, a queima da cana em áreas mecanizáveis. Na safra
2015/2016, os signatários do acordo não empregaram chamas em
91,3% da área colhida, num total de 3,46 milhões de hectares.
Líder mundial na produção de cachaças, a Companhia Müller se encon-
tra na vanguarda desse processo. O início da mecanização da colheita foi
em 1997, e a empresa obteve, em 2017, total autonomia no fornecimento
de cachaça à sua unidade de Pirassununga (SP). Com praticamente 100%
de colheita realizada de forma mecanizada, são sete colhedoras de cana,
operadas em três turnos, cultivando cerca de 20 variedades, utilizadas
na produção dos destilados da marca. “Zeramos o uso de cana queimada.
Quem ganha com isso é o consumidor”, diz Simone.
14 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE
3O PrOcessamentO Fermentação e destilação
transbordamentos. Finda a reação, com o declínio das emissões de
dióxido de carbono (CO2), o mosto fermentado deve ser submetido
imediatamente à etapa seguinte da linha de produção, a destilação.
“A rapidez é essencial, pois as bactérias, que se retraem durante o
processo de fermentação, ganham força à medida que as levedu-
ras, após cumprirem seu papel, vão se depositando no fundo da
dorna. É uma ‘inversão’ que coloca em sério risco a qualidade do
mosto”, assinala João Bosco Faria, professor titular do Departa-
mento de Alimentos e Nutrição da Universidade Estadual Paulista
(Unesp) e coordenador do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento
da Qualidade da Cachaça, em Araraquara (SP).
De Porto Ferreira, a cachaça recém-destilada segue para a unidade da
Müller em Pirassununga, a 20 quilômetros de distância. Lá o destila-
do recebe acabamentos: descansa em tonéis, tem o seu teor alcoólico
a dESTiLaçÃO dEvE TER iNíCiO LOgO aPóS O fim
da fERmENTaçÃO, POiS aS baCTéRiaS gaNham
fORça à mEdida quE aS LEvEduRaS, aPóS CumPRiREm
SEu PaPEL, vÃO SE dEPOSiTaNdO NO fuNdO da dORNa. é
uma ‘iNvERSÃO’ quE COLOCa Em SéRiO RiSCO a
quaLidadE dO mOSTO.
jOÃO bOSCO faRia, PROfESSOR TiTuLaR da
uNESP E COORdENadOR dO CENTRO dE PESquiSa E
dESENvOLvimENTO da quaLidadE da CaChaça
A primeira etapa do processo de fabricação da cachaça, após a co-
lheita da cana, é a moagem dos caules. Para evitar o início da
fermentação espontânea do vegetal, o ideal é que o esmaga-
mento seja executado em, no máximo, 48 horas. O prazo exíguo demanda
dos grandes fabricantes sofisticados esquemas logísticos. Líder mundial na
produção do destilado, a Companhia Müller de Bebidas é um exemplo: co-
lhe a cana, cultivada numa área total de 9 mil hectares, num raio de 20 qui-
lômetros da sua linha de processamento, instalada em Porto Ferreira (SP).
Durante a safra, que se estende de abril a outubro, a fábrica de
Porto Ferreira opera a todo vapor. Assim que os caminhões che-
gam ao pátio, a cana é descarregada, limpa e moída. O caldo extra-
ído é, a seguir, peneirado, decantado, diluído, de forma a ajustar a
concentração de sólidos solúveis, e aquecido a temperaturas entre
70 e 100 graus Celsius, para a redução da carga de micróbios. Sur-
ge, então, o mosto, que é depositado em dornas, tanques nos quais
têm início, de fato, a elaboração da cachaça, com a fermentação.
A reação química é obtida pela ação de um ou mais fermentos de
quatro categorias: caipira, misto, selecionado e de panificação.
Com duração aproximada de 24 horas, a fermentação, se bem
conduzida, representa, de fato, meio caminho andado para a ela-
boração de cachaças de qualidade. Os fabricantes têm de observar
atentamente, entre outros itens, a temperatura, que deve oscilar de
28 a 32 graus Celsius, e a formação de espuma, que pode provocar
16 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE
marca de 1,2 bilhão de litros ao ano, o que garantiu à bebida pos-
to de destaque entre os destilados mais consumidos do planeta. Os
grandes fabricantes contudo, tinham, desde sempre, de comprar
cachaças de terceiros para abastecer suas linhas. A regra foi que-
brada neste 2017 pela Müller, que garantiu o provimento integral
da unidade de Porto Ferreira com canas de cultivo próprio. “Foi uma
evolução gradativa e planejada”, conta a gerente de qualidade, P&D e
meio ambiente Simone Sayuri Nakazone. “Desde o início do século,
enquanto a nossa produção saltava de 30 milhões para mais de 100
milhões de litros anuais, conseguimos elevar o abastecimento pró-
prio de cachaça de 50% para 100%. Zeramos a conta na safra 2017.”
A jornada para elaborar bebidas somente com matéria-prima “da
casa” teve início em 1981, com a aquisição da Fazenda Lageado, em
Porto Ferreira, nas proximidades da destilaria. Em 1985, eram co-
lhidos na propriedade –que até pouco antes se dedicava ao plantio
de frutas cítricas– os primeiros pés de cana-de-açúcar. O cultivo ga-
dESdE O iNíCiO dO SéCuLO, ENquaNTO a NOSSa
PROduçÃO SaLTava dE 30 PaRa maiS dE 100
miLhõES dE LiTROS aNuaiS, CONSEguimOS ELEvaR O
abaSTECimENTO PRóPRiO dE CaChaça dE 50%
PaRa 100%. zERamOS a CONTa Na SafRa 2017.
SimONE SayuRi NakazONE, gERENTE dE quaLidadE,
P&d E mEiO ambiENTE da COmPaNhia müLLER dE bEbidaS
reduzido de 47% para uma média ao redor de 40%, é padronizado de
acordo com a legislação e os padrões definidos para cada produto da
empresa e, em alguns casos, envelhecido parcialmente em barris de
madeira. O passo derradeiro cabe à maior linha de engarrafamento
de cachaça do mundo, com um volume mensal da ordem de 1 milhão
de dúzias, o equivalente a cerca de 11,4 milhões de litros.
Os indicadores expressivos da Müller e de outros grandes fabrican-
tes são frutos diretos da opção pela destilação em sistemas de co-
luna, desenvolvida e patenteada na primeira metade do século 19
pelo franco-irlandês Aeneas Coffey. Também utilizada em linhas de
produção de etanol e outros combustíveis, essa tecnologia permite
processamento ininterrupto, ao contrário dos alambiques, que ope-
ram em ciclos definidos – com início, meio e fim – a cada “fornada”.
“A invenção [de Coffey] revolucionou para sempre a indústria dos
destilados e do gim, substituindo o tradicional alambique por um
modelo que facilitava a destilação contínua. […] A coluna fracciona-
da industrializou a produção e aprimorou as receitas, que a partir
de agora poderiam ser rectificadas durante o processo de destilação
e não apenas depois”, resumem Miguel Sonsem e Daniel Carvalho,
autores do livro “Vamos beber um gin?” (Casa das Letras, 2014).
Não foi diferente no Brasil. Embora o país tenha aderido à criação
de Coffey de forma intensiva só em meados do século 20, a capa-
cidade instalada das destilarias de cachaça rapidamente atingiu a
COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 17
O crescimento exponencial da indústria de destilados no hemisfério
norte, viabilizado pelo desenvolvimento do sistema de colunas por
Aeneas Coffey levou autoridades da Europa e dos EUA a estabe-
lecer, ainda no século 19, regulamentos e normas. No Brasil, o Go-
verno Federal só passou a dedicar atenção ao tema a partir de 1973,
com o Decreto 73.267. Foi somente em 2005, contudo, que a cacha-
ça passou a contar com padrões claros de identidade e qualidade
específicos, com o Regulamento Técnico da Instrução Normativa nº
13 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
O documento definiu, à luz da química, características e atributos
do destilado nacional, estipulando limites para aditivos, coadju-
vantes e contaminantes. A inclusão do carbamato de etila no tex-
to garantiu o reconhecimento pelos acadêmicos e pesquisadores
– embora o teto inicial, de 150 microgramas por litro, tenha sido
elevado para 210, em 2014. “Trata-se de um composto cancerí-
geno, cujo precursor é o ácido cianídrico. As soluções para o pro-
blema são simples: basta, por exemplo, utilizar matérias-primas
sem o precursor, como fizeram alguns fabricantes de uísque”, co-
menta João Bosco Faria, professor titular do Departamento de
Alimentos e Nutrição da Unesp e coordenador do Centro de Pes-
CONTROLE TOTALquisa e Desenvolvimento da Qualidade da Cachaça.
Apesar da regra vigente e da existência de opções para as destila-
rias, o fato é que os consumidores de cachaça continuam expostos
ao carbamato de etila (encontrado em diversos outros produtos,
como fermentados de frutas, iogurtes e molhos de soja) em doses
acima do tolerável. Uma pesquisa realizada entre 2014 e 2015 pe-
los acadêmicos André Ricardo Alcarde e Aline Marques Borto-
letto, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ),
constatou que 24,2% de um total de 376 marcas do destilado bra-
sileiro apresentavam teores acima do limite (re)definido em 2014.
Tão logo os pesquisadores começaram a constatar os perigos po-
tenciais da substância, a Cia. Müller tomou providências. Fez
ajustes em seu processo de fabricação e adquiriu um aparelho
que mede os teores. “O controle dos níveis de carbamato de etila,
bem como dos outros componentes, é realizado diariamente e em
todas as fases, abrange 100% da produção. Nossas cachaças con-
têm menos de 100 microgramas de carbamato de etila por litro,
menos até do que o teto internacional, de 150 microgramas”, ex-
plica Simone Sayuri Nakazone, gerente de qualidade, P&D e meio
ambiente da Cia. Müller.
18 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE
Fermentos para a produção de cachaça
Caipira: Produzido de forma artesanal, é utilizado há sécu-
los em pequenas destilarias. Seus ingredientes, que podem
variar de acordo com a região, incluem farelo de arroz, fubá,
biscoitos e sumo de limão ou laranja. A mistura entra em
reação com a adição de caldo de cana-de-açúcar, por cinco a
sete dias, que libera leveduras da matéria-prima da cachaça.
Selecionado: Variedade industrializada desenvolvida sob
medida para a elaboração de cachaças. Permite fermentação
mais rápida e inibe a ação de contaminantes no processo.
LEVEDURAS EM AÇÃO
Prensado: Também conhecido como fermento de padaria ou de
panificação, é um produto industrializado de amplo uso na elabo-
ração de alimentos e bebidas, como cervejas e destilados em geral.
Tem como princípio ativo a levedura Saccharomyces cerevisiae.
Misto: Trata-se de uma combinação das variedades caipira
e de padaria muito empregada, a exemplo da primeira, em
alambiques de menor porte. Seu preparo demanda a mis-
tura de um tablete de fermento prensado ao caldo de cana
adicionado à massa de farinhas.
nhou escala e a Cia. Müller, de maneira inteiramente mecanizada,
colhe em 2017 a maior safra da sua história (previsão de 630 mil
toneladas de cana – 3,4% a mais do que o recorde anterior, de 2006).
Fato raro entre os grandes players globais do segmento, a autonomia
recém-alcançada garante à Müller controle total sobre a qualidade de
seus produtos. A empresa, que em 1998 se tornou a pioneira do setor
no Brasil a receber as certificações ISO 9001 e ISO 14001, concedidas
pela International Organization for Standardization (ISO), já se vale,
por sinal, dessa condição privilegiada. A adição de açúcar aos desti-
lados, por exemplo, foi definitivamente abolida. “Antes, para manter
o padrão gustativo, tínhamos de adoçar cachaças fornecidas por ter-
ceiros”, conta Simone. “O sabor continua o mesmo, mas agora como
consequência exclusiva e direta do nosso processo produtivo, sem
quaisquer adições. O controle está 100% em nossas mãos.”
COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 19
Certificações recebidas pela Companhia Müller de Bebidas
ISO 9001 e 14001: Em 1998, a Müller se tornou a primeira indús-
tria de cachaça a receber, das mãos da Lloyd’s Register Quality
Assurance, estes relevantes atestados de qualidade concebidos
pela International Organization for Standardization (ISO). A ISO
9001 contempla empresas com políticas de gestão da qualidade
sobre toda a sua cadeia produtiva, buscando sempre a melhoria
contínua e a satisfação do cliente. Já a ISO 14001 reconhece ações
e esforços contínuos e coordenados em prol do meio ambiente,
abrangendo, entre outros itens, coleta seletiva de lixo, reciclagem
e/ou venda de materiais reaproveitáveis e, claro, o cumprimento
estrito de leis, regulamentos e normas ambientais.
OHSAS 18001: A norma, de autoria da British Standards Inti-
tution (BSI), do Reino Unido, define requisitos para sistemas de
gestão de saúde e segurança de empresas e organizações em
geral. Concedida à unidade de Pirassununga (SP) da Müller em
2014, a OHSAS 18001 permite avaliações e controles mais efi-
cazes de riscos resultantes das operações e rotinas do dia a dia,
contribuindo para um melhor gerenciamento dessas áreas.
QUALIDADE ATESTADA
ETANOL VERDE: Criado em 2007 pelo governo paulista,
o programa Etanol Verde deu origem, no mesmo ano, ao
Protocolo Agroambiental do Setor Sucroenergético, que,
como seu próprio nome sugere, tem por meta minimizar os
impactos da indústria canavieira sobre o meio ambiente. A
Müller aderiu de forma voluntária à iniciativa em 2011 e
vem cumprindo à risca as metas estabelecidas no acordo.
No ano passado, por exemplo, mecanizou toda a sua co-
lheita, abolindo definitivamente a técnica da queima da
palha da cana-de-açúcar.
KOSHER: Sinônimo de “correto” e “adequado” em hebraico, o ter-
mo kosher se aplica a produtos elaborados de acordo com o Kahs-
rud, o código de leis alimentares do judaísmo. Desde 2010, vários
destilados fabricados nas unidades da Müller em Porto Ferreira e
Pirassununga, no interior de São Paulo, recebem este selo da BDK
do Brasil, órgão criado pela comunidade judaica local. A lista in-
clui: Cachaça 51 (Nacional e Exportação), 51 Gold, Reserva 51, Ca-
ninha 29, 51 Ice (Balada, Kiwi e Maracujá) e Vodka Polak.
4O métOdOTecnologia e evolução do sistema de produção em coluna
Iniciada na segunda metade do século 18, a Revolução
Industrial tardou a bater às portas da manufatura de
bebidas. Os alambiques, que realizam a destilação sim-
ples, reinaram quase que absolutos na produção dos chama-
dos spirits até a década de 1830. Projetos começaram a sair
das pranchetas a partir de 1810 pelas mãos, entre outros,
do francês Jean Baptiste Cellier Blumenthal (1768-1840), de
alguns destiladores alemães, do irlandês Anthony Perrier
(1770-1845) e do escocês Robert Stein (1770-1854).
A grande mudança veio com o franco-irlandês Aeneas Cof-
fey (1780-1852), alto funcionário e coletor de impostos do Rei-
no Unido, especialista no combate à produção e ao comércio
informal de destilados. Introduziu, na coluna projetada por
Stein, bandejas perfuradas que realizam, em escala ascenden-
te, sucessivas destilações, retendo os compostos mais pesados
e liberando os vapores mais voláteis, os quais são condensados
e resfriados para, na sequência, serem reintroduzidos no tubo,
até ser obtida a composição desejada. Este método foi paten-
teado em 1830.
“As colunas foram um divisor de águas para as desti-
larias. Permitiram a ampliação da produção em escala
geométrica, a redução dos custos dos fabricantes e, por
extensão, dos preços dos produtos, ampliando o leque
de consumidores”, comenta João Bosco Faria, professor
titular do Departamento de Alimentos e Nutrição da
Unesp e coordenador do Centro de Pesquisa e Desenvol-
vimento da Qualidade da Cachaça. “É um sistema pen-
sado para não desperdiçar calor e energia. É muito mais
rentável e eficiente.”
Como era previsível, o processo tardio de industriali-
zação do Brasil contribuiu para adiar a introdução das
colunas no plano doméstico. Foi só nas primeiras déca-
das do século 20 que o País começou a tomar contato
com essa tecnologia. Em julho de 1933, por exemplo, um
pequeno anúncio no jornal Folha da Noite recomenda-
va aos leitores uma “super caninha [sic] rectificada com
distillador [sic] contínuo Lobello”. A produção em esca-
la industrial de cachaça só ganhou força, entretanto, a
partir dos anos 1960 e 70.
De forma surpreendente, os principais fabricantes de cachaça
conseguiram, em poucas décadas, recuperar o atraso de mais
de cem anos na adoção do método criado por Coffey. Hoje, as
linhas industriais respondem por 70% da capacidade instala-
da, com 1,2 bilhão de litros anuais, o que garantiu a posição de
quarto destilado mais consumido do planeta – atrás apenas da
vodca, do baijiu chinês, à base de grãos, e do soju sul-coreano.
22 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE
Os maiores produtores de cachaça em colunas são os estados
de São Paulo, Ceará e Pernambuco, responsáveis por quase
100% do total. A líder do segmento – nacional e global – é a
Companhia Müller de Bebidas e sua Cachaça 51, com fábri-
cas em Pirassununga (SP), Porto Ferreira (SP) e Cabo de Santo
Agostinho (PE).
As cachaças industrializadas tiveram a valiosa con-
tribuição da caipirinha, drinque nacional que cruzou
fronteiras e ingressou, há 20 anos, na seleta lista de
coquetéis oficiais da International Bartender Associa-
tion (IBA). Os grandes fabricantes, adeptos dos siste-
mas de colunas, são ainda os principais responsáveis
pelas exportações, que somaram US$ 13,9 milhões em
2016, atingindo mais de 50 países.
Apesar desses feitos, as cachaças industrializadas ainda
são vítimas de preconceitos. Tal implicância se deve a
alguns mitos. O mais difundido aponta que os destilados
elaborados em grandes volumes seriam inferiores aos de
alambiques, teve falácia que respaldo até em estudo do
BNDES, intitulado “O setor de bebidas no Brasil”. Lá é
apontado que “a cachaça industrial é produzida em larga
escala por meio de equipamentos conhecidos por colu-
nas de destilação, que, em geral, são fabricados de aço
inoxidável, material que compromete algumas caracte-
rísticas sensoriais do produto final”. Já a cachaça artesa-
nal, de acordo com o trabalho, “geralmente é produzida
em alambiques de cobre, material dotado de proprieda-
des que resultam em uma bebida mais fina quanto a sa-
bores e aromas”.
As colunas, de fato, são 100% de aço inoxidável, mas só
externamente. No interior dos equipamentos, líquidos e
vapores entram em contato com tubos e componentes de
cobre. “O cobre é catalisador de algumas reações, de al-
guns compostos específicos que garantem à bebida um
perfil sensorial sem defeitos. Se o destilado não é exposto
aS COLuNaS fORam um diviSOR dE águaS
PaRa aS dESTiLaRiaS. PERmiTiRam a
amPLiaçÃO da PROduçÃO Em ESCaLa gEOméTRiCa,
a REduçÃO dOS CuSTOS dOS fabRiCaNTES E, POR
ExTENSÃO, dOS PREçOS dOS PROduTOS,
amPLiaNdO, Em muiTO, O LEquE dE
CONSumidORES.
jOÃO bOSCO faRia, PROfESSOR TiTuLaR da uNESP
E COORdENadOR dO CENTRO dE PESquiSa E
dESENvOLvimENTO da quaLidadE da CaChaça
COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 23
à ação do cobre, surgirão, inevitavelmente, contaminan-
tes e produtos indesejáveis em termos sensoriais”, expli-
ca Simone Sayuri Nakazone, gerente de qualidade, P&D e
meio ambiente da Companhia Müller de Bebidas. “Só que
este metal não pode ser usado de forma indiscriminada. A
legislação sanitária estabelece um limite de cinco miligra-
mas por litro de destilado.”
Um outro mito sobre as cachaças industrializadas, este ainda
mais danoso, coloca em xeque a própria adequação do produ-
to para o consumo. Essa lenda sustenta que a destilação em
coluna não separa a “cabeça” e a “cauda” – ou seja, as frações
indesejadas liberadas no início e no fim do processo realizado
em alambiques – da parte nobre do destilado, conhecida como
“coração”. O resultado, segundo essa crença, seria uma bebida
com substâncias tóxicas oriundas da “cabeça”, caso do meta-
nol, e de sabor e odor desagradáveis, devido à “cauda”. “Essa
história não passa de uma grande tolice”, afirma o professor
Faria, da Unesp. “As colunas contam com saídas para a ‘cabeça’
e a ‘cauda’. Se não fosse assim, qualquer bebida industrializada
seria intragável, além de perigosa.”
Um risco real para a saúde pública, na avaliação do acadê-
mico, é a elevada informalidade e a reduzida fiscalização do
setor, que não se aplicam aos grandes fabricantes, sempre
monitorados mais facilmente pelas autoridades. Além de
seguirem legislações, normas e padrões estabelecidos, estes
também estão investindo na sofisticação de seus produtos.
É o caso da Müller com a sua linha Reserva 51, que vem co-
lecionando prêmios em competições no Brasil e no Exterior,
demonstrando que cachaças produzidas em colunas podem
ser tão boas, ou até superiores, às de alambique. “Coluna
e alambique devem ser escolhidos de acordo com o que o
produtor deseja em termos de escala de produção, e não de
qualidade do produto”, assinala Simone Nakazone. “O que
diferencia boas e más cachaças são as boas práticas na pro-
dução, e não o processo.”
COLuNa E aLambiquE dEvEm SER
ESCOLhidOS dE aCORdO COm O quE O
PROduTOR dESEja Em TERmOS dE ESCaLa dE
PROduçÃO, E NÃO dE quaLidadE dO PROduTO. O
quE difERENCia bOaS E máS CaChaçaS
SÃO aS bOaS PRáTiCaS Na PROduçÃO, E
NÃO O PROCESSO.
SimONE SayuRi NakazONE, gERENTE dE
quaLidadE, P&d E mEiO ambiENTE da COmPaNhia
müLLER dE bEbidaS
24 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE
COLUNASSOB MEDIDA
Projetado na origem para a destilação de uísque,
o sistema de colunas de Aeneas Coffey ganhou
várias versões pelo mundo. Os ajustes foram di-
tados por demandas específicas dos fabricantes
de bebidas, já que o equipamento não tem uso
universal. “Cada coluna tem detalhes e nuances
para a produção deste ou daquele destilado”, ex-
plica Simone Sayuri Nakazone, gerente de quali-
dade, P&D e meio ambiente da Companhia Mül-
ler de Bebidas. “Uma serve para cachaça, outra
para rum, e assim por diante.”
Algumas instituições de ensino superior tam-
bém contam com linhas sob medida. É o caso da
ESALQ, que conta em seu campus, em Piracicaba
(SP), com uma coluna de destilação de cachaça.
No livro “Cachaça – Ciência, tecnologia e arte”
(Blucher, 2014), o professor André Ricardo Alcar-
de descreve minuciosamente o funcionamento
do aparelho de processamento contínuo. Confira:
1 O vinho, aquecido entre 92 e 94°C, entra no terço superior da coluna;
2 O vinho desce pela coluna, perde teor alcoólico, e os vapores
sobem através das calotas das bandejas;
3 Uma bandeja desprovida de calotas impede a passagem de
vapores mais voláteis – a fração “cabeça” do destilado. Acima da
bandeja “cega” há uma canalização lateral que retira a fração “cauda”;
4 Os demais vapores hidroalcoólicos vão até a parte superior da coluna
retificadora. A destilação prossegue, com os vapores se enriquecendo;
5 Os vapores hidroalcóolicos da destilação, com concentração alcoólica
de aproximadamente 65% de volume,saem pelo topo da coluna e são
direcionados à serpentina de cobre, onde reagem com o metal,
perdendo os maus odores;
6 Os vapores são liquefeitos em condensadores. Surge a cachaça, que
depois é resfriada e encaminhada ao armazenamento.
AS ETAPAS DADESTILAÇÃO EM COLUNA
COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 25
5O prOdutOcomposição eatributos – sabor,cor e aroma
N ão basta ser produzida 100% de acordo com os pa-
drões técnicos e sanitários vigentes no país. Para
ser considerada boa, de fato e de direito, toda ca-
chaça tem de apresentar “características sensoriais peculia-
res”, como estabelece o Decreto 6.871, de 4 de junho de 2009,
o mais recente marco legal sobre o destilado. Tal avaliação de-
manda três dos cinco sentidos humanos – a começar pela vi-
são, que deve entrar em ação com boa antecedência sobre o ol-
fato e o paladar, na escolha da
bebida. “A primeira recomen-
dação para quem compra é
olhar o rótulo e, especialmen-
te, o contrarrótulo, onde deve
constar o registro do produto
no Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento. Comprar cachaças legalizadas é a
garantia de que você está levando segurança alimentar para
casa”, aconselha o engenheiro Jairo Martins da Silva, autor
do livro “Cachaça – O mais brasileiro dos prazeres” (Anhembi
Morumbi, 2006) e diretor do portal O Cachacista*.
O passo seguinte, ainda antes de o consumidor efetuar a com-
pra, é realizar uma prova simples e eficaz, conhecida como
“teste do rosário”. Basta chacoalhar a garrafa e observar as
bolhas de ar que se formam no líquido. As borbulhas têm de
desaparecer em 20, no máximo 25 segundos. “Se isso ocorrer,
significa que se trata de uma cachaça pura”, comenta Silva.
“Se a espuma permanecer por mais tempo, já dá para des-
confiar que a cachaça pode conter algum melaço, adicionado
para conferir cor à bebida.”*
Após esses exames prelimi-
nares, está tudo pronto para
dar início, em casa ou em
uma reunião com amigos, ao
processo de degustação, no
qual, em sua primeira eta-
pa, a visão continua a dar
as cartas. Ao contrário do que ocorre com bons vinhos
maduros, a cachaça tem de se apresentar absolutamente
límpida. A presença de borras ou partículas em suspensão
na taça ou no fundo da garrafa são claros indícios de que
a produção, a filtragem e armazenamento da bebida não
observaram padrões adequados de qualidade.
duaS bOaS OPçõES SÃO ON ThE ROCkS,
COm gELO, COmO O uíSquE, Ou diRETO
dO fREEzER, TaL E quaL a vOdCa E O
STEiNhägER, COmO aCOmPaNhamENTO dE
ChOPES E CERvEjaS.
COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 27
“A limpidez é essencial. A bebida deve apresentar brilho e
absoluta transparência”, comenta o químico com especializa-
ção em destilados Erwin Weimann, professor dos cursos da
seção paulista da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS
-SP) e autor do livro “Cachaça – A bebida brasileira” (Terceiro
Nome, 2009). “Outros pontos importantes na avaliação visu-
al são a cor da bebida e a sua untuosidade, a qual se traduz
nas ‘lágrimas’ formadas pelo álcool nas laterais internas da
taça, à medida que ela é girada.”
O cálice ideal para a cachaça, ferramenta essencial para as
demais etapas da degustação, ainda é motivo de debates e
controvérsias. A bebida chegou a ganhar uma taça sob me-
dida – com 13 centímetros de altura, base circular, bojo largo
e boca mais estreita – desenvolvida pela Cristais Hering, de
Blumenau (SC), em parceria com a Cooperativa de Produção e
Promoção da Cachaça de Minas Gerais (Coocachaça), e lança-
da no segundo semestre de 2003. No entanto, com o fim das
atividades da empresa, em março de 2009, os apreciadores
do destilado ficaram, literalmente, de mãos vazias.
Há quem prefira os copinhos de vidro de base espessa, co-
nhecidos como “martelinhos”, ou mesmo as réplicas em es-
cala reduzida do tradicional “copo americano”. A maioria dos
sommeliers e cachaciers, contudo, utiliza em degustações e
no dia a dia a taça ISO, recipiente universal criado, nos anos
1970, pela Internacional Organization for Standardization
(ISO). Em descanso, o utensílio garante a concentração de
aromas e vapores do álcool, os quais são liberados mediante a
movimentação da taça em círculos, colocando à prova as suas
virtudes. “O aroma deve ser suave e delicado, não pode inco-
modar o nariz”, explica Weimann. “Se a cachaça for branca,
geralmente apresenta tons frutados e herbáceos. No caso das
bebidas envelhecidas, predomina a madeira.”
É na avaliação do sabor, entretanto, que a bebida revela
definitivamente, ou não, a sua grandeza. Uma boa cacha-
O aROma dEvE SER SuavE E dELiCadO,
NÃO POdE iNCOmOdaR O NaRiz. SE a
CaChaça fOR bRaNCa, gERaLmENTE aPRESENTa
TONS fRuTadOS E hERbáCEOS. NO CaSO
daS bEbidaS ENvELhECidaS, PREdOmiNa
a madEiRa.
ERwiN wEimaNN, químiCO E auTOR dO LivRO
“CaChaça – a bEbida bRaSiLEiRa”
28 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE
ça deve, por exemplo, ter acidez suficiente para estimular
a salivação sem, no entanto, agredir as mucosas da boca.
Além de agradável, o paladar tem de ser rico, com álcool
suave e equilibrado, e toques, na dose certa, de doçura e de
amargor, este propiciado pelo envelhecimento em barris de
madeira (ver capítulo 6). “Dois outros quesitos importantes
são retrogosto persistente e agradável, e a maciez. A cacha-
ça deve descer pela garganta da forma a menos rascante
possível”, assinala Weimann.
Sabores e aromas têm relação
direta, claro, com os padrões de
produção e as reações químicas
sofridas pela bebida durante a
sua elaboração. O ácido acético
(CH3COOH) e alguns aldeídos –
casos de acetaldeído, fomaldeído e acroleína – são compos-
tos que merecem especial controle por parte dos fabricantes,
pois emprestam à cachaça características sensoriais desagra-
dáveis. Os predicados do destilado são fruto, sobretudo, de
álcoois superiores, casos do isoalímico e do fenetílico, e dos
ésteres, classe de compostos orgânicos derivados da reação
de ácidos com álcool, como o acetato de etila e o octanoato
de etila (ver tabela). “Ésteres com estruturas carbônicas me-
nores […] têm geralmente maior volatilidade e menor valor
de limiar de odor, sendo considerados importantes para a o
aroma global da bebida”, descreve André Ricardo Alcarde,
professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
(ESALQ), da Universidade de São Paulo (USP), no livro “Ca-
chaça – Ciência, tecnologia e arte” (Blucher, 2014).
A conservação adequada de-
manda poucos cuidados dos
consumidores. A bebida, ba-
sicamente, não deve ser ex-
posta a temperaturas muito
elevadas e ao sol, devido, em
particular, aos efeitos noci-
vos dos raios ultravioleta. Versátil, a cachaça pode ser saboreada
de diferentes formas, além da tradicional, no estilo caubói. “Duas
boas opções são on the rocks, com gelo, como o uísque, ou direto
do freezer, tal e qual a vodca e o steinhäger, como acompanha-
mento de chopes e cervejas”, sugere Weimann.
* em entrevista ao programa Globo Rural, em agosto de 2011.
é Na avaLiaçÃO dO SabOR, ENTRETaNTO,
quE a bEbida REvELa Sua gRaNdEza.
uma bOa CaChaça dEvE, POR ExEmPLO,
TER aCidEz SufiCiENTE PaRa ESTimuLaR
a SaLivaçÃO
6O envelhecimentO
técnicas e tiposde madeira
As grandes navegações, a partir da segunda metade do sé-
culo 15, representaram um divisor de águas para a ma-
nufatura de bebidas. Foi quando surgiram os primeiros
destilados, com teor alcoólico bem superior ao dos fermentados e,
portanto, muito mais estáveis e duradouros. Tal invento se encaixa-
va à tarefa de manter sob controle o humor de tripulantes de naus,
caravelas, galés e galões nas travessias dos oceanos, e mitigando, as-
sim, o risco de motins.
A bebida era levada e mantida a bordo em barris, recipientes utilizados
pelos romanos desde 700 AC para o envase de vinhos. Os navegado-
res, entretanto, não tardaram a descobrir que a madeira emprestava
qualidades. No século 17, o capitão de um navio mercante holandês re-
gistrou em seu diário de bordo: “Os espíritos [destilados] são agora mais
suaves na língua e adquiriram uma cor dourada durante a viagem”.
A técnica de maturação na madeira ainda demorou a se tornar
usual. Durante muito tempo os barris continuaram a ser meros
continentes de bebidas. Algumas das exceções à regra eram o je-
rez, da Espanha, o vinho do porto, de Portugal, e o bourbon, cujos
produtores, concentrados no leste dos EUA, teriam abraçado o
método no terço final do século 18. Até mesmo o uísque escocês
tardou a aderir à prática. “A maioria dos uísques, nos séculos 18
e 19, era consumida, provavelmente, sem qualquer maturação”,
descreve John Conner, cientista senior do Scotch Whisky Rese-
arch Institute (SWRI), de Edimburgo, no livro “Whisky: Techno-
logy, Production and Marketing” (Elsevier, 2003).
Como forma de valorizar a sua bebida símbolo, os escoceses lan-
çaram mão de barris de segunda mão. Compraram recipientes de
produtores de bourbon do Kentucky, no leste dos EUA, e de Jerez,
no sudoeste da Espanha. Depois, ampliaram o leque, reaproveitan-
do recipientes antes usados no envelhecimento de vinhos, tintos e
fortificados, da França, Hungria, Itália e de Portugal, além de runs.
“O uísque escocês branco só adquire virtudes com o envelhecimen-
to na madeira”, observa João Bosco Faria, professor titular do De-
partamento de Alimentos e Nutrição da Unesp e coordenador do
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Qualidade da Cachaça.
“Já no caso da cachaça, uma única destilação é suficiente para a pro-
dução de uma bebida que, de tão boa, nem precisa ser envelhecida.”
As virtudes do destilado brasileiro contribuíram, tudo indica, para a
adesão tardia de seus fabricantes ao processo de “amadurecimento”
originário do hemisfério norte. A tanoaria nacional dominava, desde
os primórdios do Brasil colônia, as técnicas de tostagem da madeira
para a produção de “cartolas”, como eram então conhecidos os barris.
“Há rótulos das décadas de 1920 e 30 que mencionam o enve-
lhecimento em carvalho. Eram barris usados, comprados de im-
portadores de vinho do porto e conhaque, entre outras bebidas”,
observa o jornalista Dirley Fernandes, editor da Cachaça em Re-
COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 31
vista e do portal Devotos da Cachaça. “O processo de envelheci-
mento à época, ao contrário do que ocorre hoje, não tinha regras
estabelecidas. Cada um fazia do seu jeito.”
Acredita-se que madeiras nativas tenham sido utilizadas antes do
carvalho com o mesmo fim. As suspeitas dizem respeito à ambura-
na (Amburana cearensis), também conhecida como cerejeira, imbu-
rana e umburana, de uso recorrente, há séculos, nos alambiques de
Januária, a antiga Salgado, no norte de Minas Gerais. A cidade era
um importante entreposto comercial no médio São Francisco e teve
a relevância da sua produção de cachaça atestada pelo explorador
francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) em “Viagem pelas pro-
víncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais”, obra publicada em 1830.
O envelhecimento entraria de vez na agenda das destilarias de
cachaça a partir do trabalho executado em Salinas (MG), 230 qui-
lômetros a sudeste de Januária, por Anísio Santiago (1912-2002).
Ao contrário dos demais produtores da região, que vendiam a
bebida a granel, ele apostou em uma marca própria (Havana),
criada em 1947, a Havana, maturada por cerca de oito anos em
barris de bálsamo (Mycrocarpus frondosus).
Os carvalhos americanos (Quercus alba) e europeus (Quercus sés-
sil), que são referência na indústria de bebidas do hemisfério nor-
te, ganharam espaço no País nas décadas seguintes. A partir dos
anos 1980, contudo, um número crescente de produtores passou a
optar por madeiras da rica flora nativa, casos do amendoim (Ptero-
gyne nitens Tul), freijó (Cordia goeldiana), jequitibá-rosa (Carinia-
na legalis) e castanheira (Bertholletia excelsa). Nos últimos tempos,
a tendência ganhou o reforço, entre outras variedades, da jaqueira
(Artocarpus heterophyllus), do pau-brasil (Caesalpinia echinata
Lam) e de diversas espécies de eucalipto. “O Brasil tem tudo para
inovar o mercado global de destilados”, diz Fernandes.
Uma das tendências em voga no setor é a blendagem. Trata-se da
mistura de cachaças de coluna e alambique ou, ainda, da combinação
de destilados envelhecidos em diferentes madeiras – caso da Reserva
51 Singular, da Companhia Müller de Bebidas, um blend de cachaça
envelhecida em barris de carvalho americano, com uma parte finali-
zada em barris de amburana. É, em síntese, a mesma técnica vigente
desde a década de 1860 na elaboração dos blended whiskies escoce-
ses, que chegam a mesclar até 50 uísques de cerais maltados com dois
a cinco destilados de cereais não maltados.
há RóTuLOS dE CaChaçaS daS déCadaS dE
1920 E 30 quE mENCiONam O ENvELhECimENTO
Em CaRvaLhO. ERam baRRiS uSadOS,
COmPRadOS dE imPORTadORES dE viNhO dO
PORTO E CONhaquE, ENTRE OuTRaS bEbidaS.
diRLEy fERNaNdES, EdiTOR da CaChaça Em REviSTa E
dO PORTaL dEvOTOS da CaChaça
32 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE
Reconhecido pela legislação brasileira desde 1997 – inicialmente por
meio do Decreto 2.314 –, o envelhecimento do destilado vem mere-
cendo maior atenção das autoridades neste século. Em 2005, o Regu-
lamento Técnico da Instrução Normativa nº 13 do Ministério da Agri-
cultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) apresentou os critérios de
classificação de cachaças envelhecidas, premium e extra premium.
A portaria nº 90 do MAPA, de 23 de agosto de 2016, que anunciou
uma consulta pública para a elaboração de uma Instrução Normativa
sobre o envelhecimento em madeiras, colocou 33 variedades em dis-
cussão. A iniciativa tem por meta coibir o uso de barris que possam
representar riscos à saúde pública. Weimann cita o pinheiro, do qual
é extraída a terebentina, solvente de tintas e vernizes. “É perigoso re-
alizar experimentos sem rigorosas análises fitoquímicas das espécies.
Afinal, há muitos venenos saborosos”, observa o químico.
Outro exemplo é a canela sassafrás (Ocotea odorifera), também conhe-
cida como canela-funcho, louro-cheiroso, casca-preciosa e pau-funcho.
Como o seu sobrenome científico sugere, esta madeira agrega muitas
qualidades sensoriais à cachaça. O problema é que libera, também, o sa-
frol (C10H10O2), substância considerada carcinogênica pela Food and
Drugs Administarion (FDA), do governo norte-americano, e banida da
indústria de alimentos e bebidas dos Estados Unidos há quase 60 anos.
“Existe, portanto, a necessidade declarada de avaliar as proprie-
dades sensoriais e os possíveis efeitos sobre a saúde humana do
PROCESSOS DE TOSTA DE MADEIRAPARA ENVELHECIMENTOS DE BEBIDAS
LEVE - Queima por 50 min a 200°C
Conserva taninos e aroma da madeira original; toques herbáceos
MÉDIA BAIXA - Queima por 55 min a 250°C
Degrada polissacarídeos da madeira; transformações nos aromas
MÉDIA ALTA - Queima por 60 min a 270°C
Alta degradação de polissacarídeos; eleva aroma dos tostados
ALTA - Queima por 65 min a 300°C
Degrada aldeídos e ácidos fenólicos; aromas defumados e turfados
Fonte: Erwin Weimann/Cachaça em Revista
emprego de madeiras brasileiras no envelhecimento de cachaças”,
consideram Alexandre Ataide da Silva, Eduardo Sanches Perei-
ra do Nascimento, Daniel Rodrigues Cardoso e Douglas Wagner
Franco (in memoriam), do Instituto de Química de São Carlos
(IQSC), no estudo “Identificação de extratos etanólicos de madeiras
utilizando seu espectro eletrônico de absorção e análise multiva-
riada”, publicado em dezembro de 2011 na revista Química Nova.
O uso de barris inadequados no processo de maturação é fruto, na ava-
liação de Simone Sayuri Nakazone, gerente de qualidade, P&D e meio
Algumas madeiras utilizadas no processo de envelhecimento de cachaças
AMBURANA - Nome científico: Amburana cearensis
Características sensoriais: amarelo intenso, buquê e sabor levemen-
te adocicados, com notas de baunilha
AMENDOIM - Nome cienfífico: Pterogyne nitens Tul
Características sensoriais: tem reduzida interferência na coloração e no
aroma, conferindo sabor suave e levemente adstringente à bebida
BÁLSAMO - Nome científico: Mycrocarpus frondosus
Características sensoriais: tons de amarelo esverdeado, sabor marcante
e aromas herbáceos fortes, com notas de erva-doce, cravo e anis
CARVALHO AMERICANO - Nome científico: Quercus alba
Características sensoriais: coloração dourada, aromas característicos
de baunilha, coco e mel, sabor suave
TOQUE FINAL
CASTANHEIRA - Nome científico: Bertholletia excelsa
Características sensoriais: coloração forte, aromas de baunilha
e sabor marcante
FREIJÓ - Nome científico: Cordia goeldiana
Características sensoriais: a exemplo do Amendoim, pouco interfere na
coloração, mas contribui para tornar a bebida mais suave
IPÊ-AMARELO - Nome científico: Tabebuia alba
Características sensoriais: coloração pálida, aromas com notas de canela,
baunilha e noz-moscada, retrogosto intenso
JEQUITIBÁ-ROSA - None científico: Cariniana legalis
Características sensoriais: cor dourada, sabor macio e buquê semelhante
ao do Carvalho Americano
ambiente da Companhia Müller de Bebidas, da elevada informalidade
do setor de cachaças. Muitos produtores, considera, não dominam com
propriedade as boas práticas. “Há quem agregue, por exemplo, frutos e
raízes à bebida sem qualquer critério”, observa, assinalando que o en-
velhecimento vai bem além do simples ato de depositar o destilado nos
barris. “É um processo complexo, que demanda avaliação sensorial e
finalização adequada, que inclui a correta filtragem do produto para
a correta retirada dos componentes oleosos liberados pela madeira. Só
assim é possível entregar ao público bebidas aromáticas, saborosas e,
sobretudo, absolutamente seguras para o consumo.”
7ReseRva 51Prova final de destilado superior provenientede coluna
Fundador da Companhia Müller de Bebidas, Guilherme
Müller Filho, o “seu” Ézio, como era conhecido, costuma-
va presentear amigos, parentes e algumas poucas pessoas
de seus convívios particular e profissional com bebidas especiais.
Era uma cachaça de sua exclusiva autoria, produzida nos sistemas
de coluna da empresa – tal e qual a tradicional Cachaça 51 – a par-
tir de variedades específicas de cana-de-açúcar, e envelhecida em
barris de madeira. Personalíssimo, esse destilado surgiu na segun-
da metade da década de 1990, período em que a empresa iniciou o
desenvolvimento de sua primeira cachaça maturada em carvalho,
a Terra Brazilis, que chegou ao varejo em 1998.
Müller faleceu no início de 2005, aos 84 anos, deixando como lega-
do a maior fabricante de cachaça do mundo, além da sua preciosa
coleção. O exclusivo destilado permaneceu repousando na madei-
ra por mais algum tempo até que, em 2008, empresa decidiu apre-
sentá-lo ao mercado. A ocasião escolhida para isso não poderia
ser mais propícia: o cinquentenário da Müller. Em junho de 2009,
tinham início, em escala reduzida, as vendas da Reserva 51, uma
cachaça extra premium 100% envelhecida em carvalho “tempera-
do” com bourbon. “De início, a cachaça era toda do acervo pessoal
do fundador. Depois, começamos a ampliar o estoque de barris e a
produzir a bebida no padrão desenvolvido pelo ‘seu’ Ézio, com en-
velhecimento por períodos de quatro a cinco anos”, conta Simone.
O lançamento não tardou a ser reconhecido nos cenários interno
e externo – e não apenas pelo seu conteúdo. Desenhada pela Se-
regini Farné, de São Paulo, e produzida pela francesa Saverglass,
com tampa projetada pela italiana Tapi, a garrafa da Reserva 51,
com 700 mililitros, conquistou, de cara, cinco prêmios: o Abre
Design & Embalagem, da Associação Brasileira de Embalagem
(ABRE), o EmbalagemMarca e o Embanews, das revistas de mes-
mo nome, o Theobaldo de Nigris, da Confederação Latino-Ame-
ricana da Indústria Gráfica (Conlatingraf), e o World Packaging
Award, o “Oscar” do segmento.
Naquele mesmo ano, 2009, o destilado de um dourado intenso e bri-
lhante, sabor suave e aveludado, passou a marcar presença em con-
cursos no Brasil e no exterior. A série teve início nos Estados Unidos,
com o Beverage Testing Institute (BTI), um dos mais conceituados
institutos de análise de bebidas alcoólicas do planeta, que concedeu
dE iNíCiO, a CaChaça ERa TOda dO aCERvO
PESSOaL dO fuNdadOR. dEPOiS, COmEçamOS
a amPLiaR O ESTOquE dE baRRiS E a PROduziR a
bEbida NO PadRÃO dESENvOLvidO PELO ‘SEu’
éziO, COm ENvELhECimENTO POR PERíOdOS
dE quaTRO a CiNCO aNOS.
SimONE SayuRi NakazONE, gERENTE dE quaLidadE, P&d
E mEiO ambiENTE da COmPaNhia müLLER dE bEbidaS
36 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE
uma medalha de ouro e classificou a Reserva 51 como “exceptional”,
atribuindo-lhe 93 pontos numa escala de zero a cem. Na temporada
de 2010, o produto recebeu uma medalha de prata no concurso Ca-
chaça Masters, promovido pela revista inglesa The Spirits Business.
Desde então, as conquistas vêm se multiplicando. Em setembro de
2013, dois meses após o início das vendas online da Reserva 51 em
um site exclusivo, o destilado concebido por Müller foi contempla-
do com uma medalha de ouro na categoria de cachaças envelheci-
das em carvalho em degustação às cegas promovida na 23ª edição
da Expocachaça, em São Paulo. O evento, realizado no Mercado
Municipal da Cantareira, atraiu 250 mil visitantes de todo o País.
O desafio seguinte teve escala global. Na primeira semana de junho
de 2014, às vésperas do início do Mundial de futebol, no Brasil, a Re-
serva 51 e a 51 Gold (esta também envelhecida em carvalho e volta-
da exclusivamente ao mercado externo) participaram, em Florianó-
polis, de uma disputa equivalente em seu segmento. O torneio em
questão era o Spirits Selection, organizado pelo Concurso Mundial
de Bruxelas, autodenominado a “ONU dos destilados finos”. A com-
petição é bastante valorizada, pois, de acordo com pesquisas realiza-
das em supermercados na Bélgica e na França, uma medalha propi-
cia um aumento médio de 30% nas vendas dos produtos premiados.
Durante três dias, 55 jurados, dos quais 20 brasileiros, degusta-
ram às cegas mais de 770 marcas de destilados de 40 países. O júri
concedeu medalhas de ouro e prata a 61 cachaças. Contemplada
com dois ouros, a Müller foi a única entre os grandes produtores
nacionais a ter premiadas 100% das marcas inscritas no concur-
so. Poucos meses depois, a empresa festejaria outra conquista de
peso: uma medalha de prata para a Reserva 51 na edição 2014
do International Wine & Spirit Competition (IWSC), em Londres.
O reconhecimento de especialistas e do público às cachaças extra
premium da Müller também aconteceu no II Ranking da Cúpula
da Cachaça, promoção da Cachaça em Revista e de O Estado de
S. Paulo. Na segunda quinzena de janeiro de 2016, 11 cachaciers
se reuniram em Analândia (SP) para dar a palavra final sobre 50
marcas que haviam sido pré-selecionadas entre mais de mil, em
dezembro, com 22.418 votos via internet. A Reserva 51, repre-
sentante solitária dos destilados em colunas entre as finalistas,
foi eleita a quinta melhor cachaça do Brasil, ou seja, do mundo.
À época, a Müller estava às voltas com um plano ambicioso. Mantido
em absoluto sigilo, o projeto teve início em 2009, por ocasião do lança-
mento da Reserva 51, e tinha como proposta apresentar aos consumi-
dores mais exigentes opções com o mesmo padrão de qualidade e ex-
celência da premiada cachaça extra premium. Por mais de seis anos,
a empresa realizou testes e experimentos com diversas madeiras em
busca de sabores diferenciados para novos destilados em sistemas de
coluna. O resultado desse paciente trabalho, a linha Reserva 51, foi
COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 37
apresentada na 32ª Feira da Associação Paulista de Supermercados
(APAS), no Expo Center Norte, em São Paulo, em maio de 2016.
Prestes a completar sete anos de vendas, a pioneira da série passava
a ser denominada Reserva 51 Única e ganhava três “irmãs”: Reserva
51 Rara, Reserva 51 Singular e Reserva 51 Carvalho Americano. As
duas primeiras, a exemplo da Única, são cachaças extra premium
com 40% de teor alcoólico envelhecidas de quatro a cinco anos em
barris de carvalho americano de 200 litros anteriormente utiliza-
dos na produção de bour-
bons. As diferenças ficam por
conta das etapas derradeiras
dos processos de maturação.
A Reserva 51 Rara é finali-
zada em barris de carvalho
americano antes usados no
armazenamento de vinhos, o que lhe garante paladar rico, suave,
amadeirado, levemente doce e com notas de frutas vermelhas, se-
guido por um acabamento aveludado, longo e equilibrado. Já a Re-
serva 51 Singular, antes se ser engarrafada, repousa parcialmente
em barris virgens de amburana, uma madeira nativa do Brasil. O
resultado é uma cachaça de buquê aromático intenso, característico
e sedutor, sabor amadeirado e aveludado, com notas aromáticas que
remetem ao floral e à baunilha, e acabamento longo e equilibrado.
“A primeira impressão da Singular é a de caramelo denso e de
mel, mas tudo com uma marca de cítrico que agrega frescor ao
conjunto. É uma característica bem marcante que aponta para
um uso muito bem-sucedido da umburana. A umburana, madei-
ra brasileira da mais alta estirpe, nas mãos de um master blender
menos cuidadoso – ou talentoso –, não raro produz cachaças ex-
cessivamente adocicadas, eventualmente até verdadeiros xaro-
pes”, comenta o jornalista Dirley Fernandes, editor da Cachaça
em Revista e do portal Devo-
tos da Cachaça.
O terceiro reforço da linha é
um caso à parte. A Reserva
51 Carvalho Americano passa
três anos em barris de pri-
meira mão da referida ma-
deira, usada na maturação de bourbons e dos melhores vinhos
dos Estados Unidos. Com tiragens limitadas e garrafas numera-
das, à venda desde o início de 2017 só pelo site www.reserva51.
com.br, a cachaça tem sabor intenso e amadeirado, e bouquet
inconfundível. “É uma aposta da companhia no segmento que
os americanos chamam de ultrapremium”, registrou Fernandes,
em janeiro de 2017, no portal Devotos da Cachaça. “É envelhe-
cida em barris de carvalho americano novos, que, caracteristi-
a RESERva 51 RaRa é uma bEbida ELEgaNTE
E dE PERSONaLidadE ORigiNaL. E, SObRETudO, é
CaChaça muiTO fáCiL dE bEbER, quE CONSEguE agREgaR
quaLidadES PaRa agRadaR TaNTO aOS PaLadaRES
iNiCiaNTES – PELa SuavidadE – quaNTO aOS
ExPERimENTadOS – PELa CuRiOSa COmPLExidadE.
38 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE
camente, deixam um gosto adocicado, com tons de coco, e uma
coloração mais clara que a do carvalho europeu.”
A embalagem da exclusivíssima cachaça, de vidro extratransparen-
te, também mereceu atenção especial. Desenhada pela inglesa Cla-
essens International e fabricada pela francesa Saverglass, a garrafa
de 700 mililitros, com ombro largo e fundo espesso, é inspirada nas
clássicas carafes francesas. O rótulo transparente, com serigrafia
inorgânica, foi desenvolvido pela brasileira Premier Pack e a tampa,
com cabeça de madeira e corpo de cortiça natural, pela portuguesa
JC Ribeiro. “O público da Reserva 51 Carvalho Americano é o con-
sumidor que tem como referência os melhores destilados do mun-
do”, assinala Rodrigo Maia, diretor comercial da Müller.
A criação da linha Reserva 51 garantiu, como era esperado, novos
prêmios para a empresa. A “colheita” começou em setembro de
2016 em São Roque, no interior paulista, na 14ª edição brasilei-
ra do Concurso Mundial de Bruxelas. O concurso contou com a
participação de mais de 50 vinícolas e 82 destilarias nacionais,
que inscreveram 402 amostras. Composto por 15 experts de seis
países, o júri concedeu apenas três das 54 medalhas entregues na
categoria de destilados a bebidas processadas em sistemas de co-
luna: prata para a Reserva 51 Rara, ouro para a Reserva 51 Única,
e duplo ouro para a Reserva 51 Carvalho Americano, que ainda
não tinha sido lançada comercialmente.
O aval mais recente à linha Reserva 51 veio de uma prova inter-
nacional, o Prêmio Sabor Superior, realizado em maio de 2017 pelo
Instituto Internacional de Sabor e Qualidade (iTQi, na sigla em in-
glês), de Bruxelas. Composto por 125 prestigiados chefs de cozinha
e peritos em bebidas indicados pela Association de la Sommellerie
International (ASI) e por 15 entidades de ponta da culinária inter-
nacional – casos da Académie Culinaire de France, da Federazio-
ne Italiana Cuochi e da Jeunes Restaurateurs d’Europe –, o júri
atestou a excelência dos destilados mais sofisticados da Müller.
Consideradas “excelentes”, as cachaças Reserva 51 Rara, Singular e
Única receberam duas estrelas de ouro cada. Já a Reserva 51 Car-
valho Americano fez jus a três estrelas douradas, a condecoração
máxima do prêmio, concedida apenas a produtos “excepcionais”.
A produção da Linha Reserva 51 vem aumentando gradativa-
mente. Saltou de 30 para 300 dúzias por mês desde o seu lan-
çamento, em 2009, e conta com bom potencial de crescimento.
São grandes, da mesma forma, as possibilidades de ampliação do
leque de produtos. “Como é crescente o interesse dos consumi-
dores por outras opções de cachaças envelhecidas, estamos re-
alizando, há tempos, experiências com outras madeiras”, conta
Simone Sayuri Nakazone, gerente de qualidade, P&D e meio am-
biente da companhia. “A Müller é curiosa, inquieta. Herdou essas
características de seu fundador, o mentor da Linha Reserva 51.”
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