· a cachaça como bebida típica e exclusiva do brasil, que, como contrapartida, se prontificou a...

40
CACHAÇA além do folclore www.ciamuller.com.br

Upload: others

Post on 21-Jul-2020

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

CaChaçaalém do folclore

www.ciamuller.com.br

Page 2:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

aPRESENTaçÃO

“Cachaça além do folclore”. Este é o tema deste white paper que a Companhia Müller de Bebidas, pro-

dutora da Cachaça 51, disponibiliza aos apreciadores e consumidores do destilado mais antigo do novo

mundo. É um manifesto contra a falsa ideia de que a cachaça produzida em colunas seria um produto

inferior à proveniente de alambiques.

Na produção em colunas industrializadas, os líquidos e vapores entram em contato com tubos e com-

ponentes de cobre, metal que é essencial em todo e qualquer processo de destilação (e apenas cobertos

por tubos de aço 100% inoxidável). Este processo garante a qualidade e a adequação à legislação e às

normas sanitárias, essenciais em qualquer produto.

A bebida alcoólica genuinamente brasileira sofre uma equivocada interpretação sobre sua qualidade, com

base em crendices populares, lendas e folclore que compõem um coquetel de desinformação e preconceito.

Neste white paper são explicadas as regras, matéria-prima, métodos de produção, qualidade, e a varie-

dade de produtos, além de falar da linha premium, produzidas com o padrão de qualidade dos destila-

dos mais consumidos do mundo – caso da Linha Reserva 51, produzida pela Cia. Müller, considerada

a mais importante produtora de cachaça do Brasil e do mundo.

Criação, produção e edição: Verdelho Associados I Textos: Dario Palhares I Diagramação e Impressão: Unit Press Comunicação

Versão 2

EXPEDIENTE

Page 3:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

1. As regrAs Normas e regulamentos .........................................................................04

2. A mAtériA-primA Origens e evolução da cana-de-açúcar ...............................................10

3. O prOcessAmentO Fermentação e destilação ......................................................................15

4. O métOdO Tecnologia e evolução do sistema de produção em coluna ............21

5. O prOdutO Composição e atributos – Sabor, cor e aroma ...................................26

6. O envelhecimentO Técnicas e tipos de madeira ...................................................................30

7. reservA 51 Prova final de destilado superior proveniente de coluna ...............35

índice

Page 4:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

1AS REGRASNormas eRegulamentos

Page 5:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

Há cerca de 500 anos, entre 1516 e 1534, o Brasil, à época

colônia de Portugal, e o Novo Mundo ganhavam a sua

primeira bebida destilada. Era uma aguardente de mosto

de cana-de-açúcar produzida de início, não se sabe bem ao certo,

no Engenho dos Erasmos, em São Vicente (SP), ou em Itamaracá,

no litoral de Pernambuco. O destilado ganhou o nome de cachaça,

cujas origens são igualmente controversas. Duas entre as diversas

versões existentes relacionam a denominação ao termo castelhano

“cachaza” – como eram conhecidos, na Península Ibérica, vinhos

feitos de borra de uva – e à “cagaça”, espuma resultante do processo

de fervura do caldo de cana, que era servida aos animais.

O certo é que a cachaça rapidamente se difundiu pelo territó-

rio brasileiro, ganhando, inclusive, relevo político e econômico.

O destilado assumiu o papel de moeda no comércio externo da

colônia e chegou a motivar uma das primeiras insurreições dos

brasileiros contra o domínio português. O episódio, conhecido

como Revolta da Cachaça, teve como estopim a instituição de

impostos e taxas sobre a bebida pelo governador da capitania do

Rio de Janeiro, Salvador Correia de Sá e Benevides (1601-1681),

em janeiro de 1660. Dez meses depois, produtores de São Gonça-

lo (RJ) aprisionaram o governador em exercício, Tomé de Souza

Alvarenga, e assumiram o controle da capitania, com o apoio de

militares e da população. A reação não tardou. Salvador de Sá,

que se encontrava em São Paulo, retornou com tropas e reto-

mou o poder em abril de 1661, enfrentando reduzida resistência,

e ordenou a imediata execução do líder dos revoltosos, Jerônimo

Barbalho Bezerra, que foi decapitado em praça pública, no dia 6

daquele mês e ano.

Os brasileiros, como é sabido, conquistaram a independência de

Portugal em 1822, mas demoraram pelo menos 150 anos para

regulamentar e buscar a valorização da sua bebida símbolo aos

olhos do mundo, ao contrário de outras nações da América La-

tina. Peru e Chile deram exemplos precoces na defesa do pisco,

destilado de mosto de uva criado na segunda metade do século

16, entre 1553 e 1580. Em 1896, o Peru firmou com a França um

tratado mútuo de respeito às marcas de procedência e de origem,

que envolveu a bebida. Trinta e cinco anos depois, o Chile esta-

beleceu uma denominação de origem (DO) para os piscos produ-

zidos nas regiões de Atacama e Coquimbo.

Já no Brasil, a cachaça teve de enfrentar uma longa espera até

despertar a atenção das autoridades. Uma das primeiras normas

legais sobre o destilado de que se tem notícia é o Decreto 73.267,

de 6 de dezembro de 1973, que tratava do registro, classifica-

ção, padronização, controle, inspeção e fiscalização de bebidas.

“Aguardente de melaço ou cachaça é a bebida com a graduação

alcoólica de 38 (trinta e oito) a 54º G.L. (cinquenta e quatro graus

COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 5

Page 6:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

fermentado do caldo de cana-de-açúcar com características sen-

soriais peculiares.”

Tais textos trataram, ainda, de diferenciar o destilado brasileiro

por excelência da aguardente de cana, “bebida com graduação

alcoólica de trinta e oito a cinquenta e quatro por cento em volu-

me, a vinte graus Celsius, obtida de destilado alcoólico simples de

cana-de-açúcar ou pela destilação do mosto fermentado do caldo

de cana-de-açúcar”. Além disso, abriram espaço na legislação lo-

cal, de forma inédita, para a caipirinha, “bebida típica brasileira,

com graduação alcoólica de quinze a trinta e seis por cento em

volume, a vinte graus Celsius, obtida exclusivamente com cacha-

ça, acrescida de limão e açúcar”, segundo o Decreto 4.851. O go-

Gay Lussac), obtida do destilado alcoólico simples de melaço ou

pela destilação do mosto fermentado de melaço resultante da

produção do açúcar até 0,6g (seis decigramas) por 100 ml (cem

mililitros)”, estabelecia o artigo 106 do decreto, sancionado pelo

presidente Emílio Garrastazu Médici. O parágrafo único do arti-

go dizia: “O produto que contiver açúcar em quantidade superior

a 0,6g (seis decigramas) por 100 ml (cem mililitros) terá a sua de-

nominação acrescida da expressão ‘adoçada’.”

O destilado de mosto de cana só voltaria a entrar na agenda do

Executivo federal quase um quarto de século depois. O Decreto

2.134, de 4 de setembro de 1997, manteve os limites de álcool

fixados em 1973, mas inovou ao criar regras para a cachaça enve-

lhecida: “no mínimo, cinquenta por cento de aguardente de cana

envelhecida por período não inferior a um ano, podendo ser adi-

cionada de caramelo para a correção da cor”.

Foi só neste século, entretanto, que o produto começou a ganhar,

de vez, os seus padrões de conformidade atuais e, tão ou mais im-

portante, o reconhecimento das autoridades. Os decretos 4.062

(2001), 4.072 (2002), 4.851 (2003) e 6.871 (2009), com sucessivos

aperfeiçoamentos, definiram a cachaça como “denominação típi-

ca e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com

graduação alcoólica de trinta e oito a quarenta e oito por cento

em volume, a vinte graus Celsius, obtida pela destilação do mosto

Em abril dE 2012, após dEz anos dE

nEgociaçõEs, os Estados Unidos

rEconhEcEram a cachaça como bEbida

típica E ExclUsiva do brasil, qUE, como

contrapartida, sE prontificoU a dispEnsar

o mEsmo tratamEnto ao boUrbon whiskEy

E ao tEnnEssEE whiskEy, dEstilados nortE-

amEricanos à basE dE milho até Então aqUi

classificados como UísqUEs

6 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE

Page 7:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

verno federal seguia, assim, o exemplo da International Bartender

Association (IBA), que havia incluído o drinque verde-amarelo em

sua lista de coquetéis oficiais, na categoria clássicos contemporâ-

neos, na década de 1990.

Tal esforço rendeu frutos ao país no exterior. Em abril de 2012,

após dez anos de negociações, os Estados Unidos reconheceram

a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como

contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao

bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados norte-ame-

ricanos à base de milho até então aqui classificados como uísques.

O acordo possibilitou que o produto brasileiro embarcado para a

nação mais rica do planeta – responsável por 16,1% das encomen-

das externas em 2016, com uma fatia da ordem de US$ 2,2 mi-

lhões – deixasse de ostentar nos rótulos a incômoda e imprecisa

denominação “brazilian rum”, substituída por “cachaça”. “A medida

evita que a cachaça vire um destilado genérico, como a vodca, que

antes era produzida só na Rússia e hoje é feita no mundo todo”,

comentou à época Vicente Bastos Ribeiro, vice-presidente do Ins-

tituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC).

O tratado mais recente do gênero foi firmado com o México. Em 5

de agosto de 2017, as duas maiores economias da América Latina

pactuaram a proteção recíproca da cachaça e da tequila, destilado

mexicano à base de agave-azul, “como indicações geográficas e

produtos distintos originários do Brasil e do México”, comprome-

tendo-se ainda a “prover os meios jurídicos necessários para pre-

venir o uso indevido dos nomes Cachaça e Tequila”. “Resultado

dos esforços conjuntos entre o governo brasileiro e o setor priva-

do, a assinatura da declaração de reconhecimento é um momen-

to histórico para a cachaça”, afirmou Cristiano de Castro Lamêgo,

presidente do conselho deliberativo do IBRAC.

Em paralelo aos reconhecimentos, de fato e de direito, nos ce-

nários doméstico e internacional, o destilado brasileiro também

passou a contar, neste século, com normas muito mais precisas,

claras e exigentes. Os marcos principais nessa esfera são o Re-

gulamento Técnico da Instrução Normativa nº 13 do Ministé-

rio da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (http://extranet.

agricultura.gov.br/sislegis-consulta/servlet/VisualizarAne-

xo?id=14175), de 29 de junho de 2005, e o Programa Nacional de

Certificação da Cachaça (PNCC), regulamentado pela Portaria

126 do Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Quali-

dade Industrial, o Inmetro, de 24 de junho do mesmo ano (http://

www.inmetro.gov.br/legislacao/rtac/pdf/RTAC000955.pdf).

O primeiro documento estabelece, por exemplo, padrões da com-

posição química e limites de substâncias contaminantes, proíbe o

uso de corantes de qualquer tipo para a correção da coloração, in-

clusive lascas de madeira, e apresenta os critérios de classificação

COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 7

Page 8:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

A produção fora de parâmetros legais compromete também proje-

tos de conquista de novos mercados externos pela bebida. Concor-

rente direto do Brasil no segmento internacional de destilados, o

México, que soma cerca de 290 produtores certificados de tequila,

arrecadou US$ 1,2 bilhão em 2016 com vendas de sua bebida sím-

bolo. Já as exportações da cachaça brasileira, em igual período, to-

talizaram apenas US$ 13,9 milhões, pouco mais de 1% dos negócios

dos mexicanos além de suas fronteiras.

“Os gargalos do processo de aceitação da cachaça brasileira no

mercado exterior são a má qualidade e a falta de padronização da

bebida produzida. A sua composição química muitas vezes não

está adequada aos padrões internacionais de qualidade exigidos

para bebidas destiladas”, observa André Ricardo Alcarde, profes-

sor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ),

da Universidade de São Paulo (USP), no livro “Cachaça – Ciência,

de cachaças envelhecidas, premium e extra premium (ver tabela). Já

o regulamento do PNCC impõe como condições para a obtenção da

certificação pelos produtores, entre outros itens, a indicação de um

responsável técnico, com conhecimento de pelo menos um ano na

produção da bebida, a implantação de sistemas de rastreabilidade

e a renúncia ao uso de bombonas e quaisquer outros recipientes

plásticos para a estocagem da cachaça.

Se os avanços na normatização e nos padrões de qualidade são inques-

tionáveis, resta aos fabricantes e às autoridades o desafio de fazer com

que tais regras sejam observadas e cumpridas. A tarefa é complexa,

devido ao elevado grau de informalidade do setor. Segundo estimati-

vas do IBRAC, o total de estabelecimentos produtores de cachaça soma

quase 15 mil, dos quais menos de dois mil são devidamente registrados

e cadastrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

e na Secretaria da Receita Federal (SRF). Embora as grandes indústrias

respondam por 90% da produção, cerca de 85% dos produtores, em sua

maioria micro e pequenas empresas, operam na informalidade.

“A informalidade prejudica o mercado, pois reduz a arrecadação

de impostos, diminuindo a capacidade do governo de investir em

melhorias na capacitação e fiscalização do setor. Além disso, pode

colocar em risco a sua saúde”, assinalou o sommelier Mauricio

Maia, em dezembro de 2016, no blog O Cachacier, hospedado no

jornal O Estado de S. Paulo.

a iNfORmaLidadE PREjudiCa O mERCadO,

POiS REduz a aRRECadaçÃO dE imPOSTOS,

dimiNuiNdO a CaPaCidadE dO gOvERNO dE

iNvESTiR Em mELhORiaS Na CaPaCiTaçÃO E

fiSCaLizaçÃO dO SETOR. aLém diSSO, POdE

COLOCaR Em RiSCO a Sua SaúdE.

mauRiCiO maia, NO bLOg “O CaChaCiER”,

dEzEmbRO dE 2016

8 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE

Page 9:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

tecnologia e arte” (Blucher, 2014). “Entretanto, com a adoção de

boas práticas de fabricação, como o uso de equipamentos adequa-

dos e novas tecnologias, houve melhorias significativas na quali-

dade. Como consequência, a bebida foi valorizada e surgiram no-

vos mercados consumidores, tanto que atualmente ela já pode ser

comparada aos mais nobres destilados do mundo.”

Especificações estabelecidas pelo Regulamento Técnico da Instrução Normativa

nº 13 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

DEFINIÇÕES

cachaça: denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no brasil, com graduação alcoólica de

38% a 48% em volume a 20 graus celsius, obtida pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-

açúcar com características sensoriais peculiares.

aguardente de cana: bebida com graduação alcoólica de 38% a 54% em volume 20 graus celsius, obtida do destilado

alcoólico simples de cana-de-açúcar ou pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar.

cachaça Envelhecida: bebida com no mínimo 50% de cachaça ou aguardente de cana envelhecidas em recipiente de

madeira apropriado, com capacidade máxima de 700 litros, por um período não inferior a um ano.

cachaça Premium: bebida com 100% de cachaça ou aguardente de cana envelhecidas em recipiente de madeira

apropriado, com capacidade máxima de 700 litros, por um período não inferior a um ano.

cachaça Extra Premium: bebida com 100% de cachaça ou aguardente de cana envelhecidas em recipiente de madeira

apropriado, com capacidade máxima de 700 litros, por um período não inferior a três anos.

DOSE CERTA

Page 10:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

2A mAtériA-primAorigens e evoluçãoda cana-de-açúcar

Page 11:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

T razida pelos portugueses da Ilha da Madeira, a cana-de

-açúcar chegou ao Brasil no início do século 16 para fazer

história. A espécie natural da Nova Guiné expandiu-se

rapidamente pela costa do então domínio lusitano, com destaque

para Pernambuco, onde os férteis solos de massapé – provenien-

tes da decomposição de gnaisses, granitóides, quartzitos e filitos

– favoreceram enormemente o seu cultivo. Recém-chegada, a

gramínea da família das Poaceae deu origem, entre 1516 e 1534,

ao destilado pioneiro das Américas, a cachaça, e se tornaria, al-

gumas décadas mais tarde, protagonista do primeiro período de

grande prosperidade do Brasil Colônia, o ciclo do açúcar.

Os bons ventos para a economia local foram garantidos por meio de

um pacto monopolista. O trato envolveu os portugueses, senhores

das terras brasileiras, e os holandeses, cujo talento e vocação para

os negócios eram reconhecidos e invejados mundo afora. “Especiali-

zados no comércio intraeuropeu, grande parte do qual financiavam,

os holandeses eram nessa época o único povo que dispunha de sufi-

ciente organização comercial para criar um mercado de grandes di-

mensões para um produto praticamente novo, como era o açúcar”,

escreveu o economista Celso Furtado (1920-2004) em “Formação

Econômica do Brasil” (Fundo de Cultura, 1959, primeira edição).

A parceria não tardou a colher bons resultados. A forte alta dos preços do

produto no mercado internacional, a partir da década de 1580, estimulou

a rápida expansão do plantio e processamento da cana-de-açúcar, sobre-

tudo em Pernambuco e na Bahia. Em 1589, havia cerca de 130 engenhos

no Brasil, 109,6% a mais do que o total registrado, por volta de 1570, pelo

historiador português Pero de Magalhães Gandavo. Sessenta anos de-

pois, o parque instalado havia mais que duplicado: as linhas de moagem

somavam 350, com produção anual superior a 20 mil toneladas de açú-

car, segundo o americano Stuart B. Schwartz, professor de história da

Universidade de Yale, dos Estados Unidos, em “Prata, açúcar e escravos:

de como o império restaurou Portugal” (2008).

A colônia era movida pela doce commodity e apresentava indicadores

de fazer inveja ao Velho Mundo. De acordo com cálculos e estimativas

de Furtado, a renda total gerada no Brasil, com a participação de 75%

da atividade açucareira, deveria se aproximar da cifra de 2 milhões de

libras, garantindo à pequena população europeia aqui residente, de não

mais do que 30 mil habitantes, uma renda per capita muito superior

aos padrões então registrados na Europa. Além disso, os negociantes

locais contavam com uma valiosa moeda “líquida”, no sentido literal do

termo, de invenção 100% nativa. Era a cachaça, largamente utilizada

como numerário na aquisição de mão de obra escrava.

O ciclo do açúcar entrou em declínio a partir da década de 1630, com o

início da ocupação do litoral do nordeste brasileiro, de Sergipe ao Ma-

ranhão, pelos holandeses. Os invasores acabaram expulsos em 1654,

mas, durante a sua estada na região – em particular em Pernambu-

COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 11

Page 12:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

zada como moeda corrente para

a compra de escravos. A força

econômica do destilado brasilei-

ro garantiu grandeza a Paraty,

no litoral sul do Rio de Janeiro,

que durante muito tempo foi si-

nônimo de cachaça. Fundada em

1667, a cidade contabilizava, em

1799, 155 alambiques em plena

produção. “Na agoa ardente tem

progresso, e sobre tudo na feitoria que lhe assegura de augmento

sete mil réis em pipa sobre as demais. Talvez se descubram, exami-

nando o causal da melhoria, se do terreno, das agoas ou das lenhas

ela provém. Deve regular a duas mil e seiscentas pipas [o equivalen-

te a 1,2 milhão de litros] por ano, e faz este artigo, 151.200$ [contos

de réis]”, observou, em 1805, o ouvidor-geral José Antônio Valente.

A produção da bebida ganharia novo impulso em escala nacional

com a introdução, no início do século 19, de uma nova matéria-pri-

ma. Era a cana-caiana, trazida da Guiana Francesa durante a invasão

desta por tropas de D. João VI, uma represália à investida do impera-

dor Napoleão Bonaparte sobre o território português, que motivou a

transferência da corte lusitana para o Brasil, em 1808. Também co-

nhecida como cana d’Otaiti, a variedade oferecia grandes vantagens

co, então o maior polo açucareiro

do planeta –, adquiriram o know

how necessário para colocar um

ponto final no lucrativo monopó-

lio produtivo português.

“Esses conhecimentos vão cons-

tituir a base para a implantação e

desenvolvimento de uma indús-

tria concorrente, de grande esca-

la, na região do Caribe. A partir

desse momento, estaria perdido o monopólio, que nos três quartos

de século anteriores se assentara na identidade de interesse entre

os produtores portugueses e os grupos financeiros holandeses que

controlavam o comércio europeu”, escreveu Furtado na obra cita-

da. “No terceiro quarto do século XVII os preços do açúcar estarão

reduzidos à metade e persistirão nesse nível relativamente baixo

durante todo o século seguinte.”

Os engenhos, em consequência, rapidamente perderam o seu status

aos olhos da coroa portuguesa, cujas atenções passaram a se concen-

trar, de forma quase que absoluta, nas jazidas de ouro e diamantes

descobertas em Minas Gerais a partir do final do século 17. A solu-

ção para os proprietários de moendas de cana foi deixar o açúcar de

lado e dar prioridade à produção de cachaça, que seguia a ser utili-

a aguaRdENTE da TERRa ERa iNdiSPENSávEL

PaRa a COmPRa dO NEgRO afRiCaNO, uma

vERdadEiRa mOEda dE ExTENSa CiRCuLaçÃO. aLém

dE SER jubiLOSamENTE RECEbida PELO vENdEdOR Na

COSTa d’áfRiCa, figuRava NECESSaRiamENTE COmO

aLimENTO COmPLEmENTaR Na TRágiCa

diETa daS TRavESSiaS dO aTLâNTiCO.

LuiS da CâmaRa CaSCudO (1898-1986)

Em “PRELúdiO da CaChaça”

12 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE

Page 13:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

sobre a cana-crioula, até então utilizada no Brasil, e se tornaria a úni-

ca integrante da família das Poaceae a ter espaço na rica sinonímia da

cachaça. “Pela sua enorme grandeza e doçura se fazem apreciáveis,

prometem grandes vantagens à cultura, e fabrico do açúcar, e mui-

to maiores ainda para a distilação [sic] das águas-ardentes [sic], visto

serem as ditas canas muito suculentas”, escreveu o cônego Luís Gon-

çalves dos Santos em “Memórias para servir ao reino do Brasil” (1825).

Rica em açúcar, a caiana tem como ponto franco a baixa resistên-

cia a pragas. Tal debilidade se tornou evidente na segunda metade

do século 19, com a devastação de lavouras no sul da Bahia e em

Pernambuco pela gomose, causada pela bactéria Xanthomonas

axonopodis. O problema foi resolvido com o cruzamento de es-

pécies, técnica que voltou a ser empregada na década de 1920, em

paralelo à introdução de espécies trazidas da Indonésia e da Índia,

para o combate do vírus mosaico, que causou grandes perdas em

canaviais de todo o país, especialmente no interior de São Paulo.

Desde então, o aprimoramento genético entrou na agenda do setor e

dos principais centros de pesquisa na área, caso do Instituto Agronômi-

co de Campinas (IAC). Fundado em 1887 por D. Pedro II, o IAC cumpriu

papel decisivo na luta contra a gomose e o mosaico e criou, em 1930 o

Programa de Melhoramento da Cana-de-açúcar, entregue à direção do

professor José Manuel Aguirre Júnior (1906-1954). O projeto desenvol-

veu uma série de variedades cultivadas desde os anos 1940 – casos das

IACs 65, 134, 205 e 150 – e deu seu grande salto em 1972, graças a um

convênio com a Copersucar, que viabilizou a introdução no Brasil, até

1983, de 678 genótipos de cana de vários países.

O plantio e a colheita da cana exigem um minucioso planejamento

de longo prazo dos grandes produtores de cachaça. No Centro-Sul

do Brasil, o plantio ocorre de dezembro a março para o ciclo de 18

meses da chamada cana “de ano e meio”. Entre abril e novembro é

realizado o plantio com ciclo de 12 meses – que pode ser dividido

em duas fases, de inverno (abril a agosto) e de ano (setembro a no-

vembro) –, no que se refere às “canas de ano”. A preparação do solo,

cujo pH deve oscilar entre 5,5 e 6,5, deve contemplar correções

de profundidade e a eliminação de compactações, para o melhor

desenvolvimento das raízes. Com relação aos sulcos, o professor

André Ricardo Alcarde, da Escola Superior de Agricultura Luiz de

Queiroz (ESALQ) da Universidade de São Paulo (USP), recomenda

Cada uma daS vaRiEdadES TEm dE

SER CORTada NO mOmENTO CERTO. a

COLhEiTa aNTES Ou dEPOiS dO PONTO dE

amaduRECimENTO aCaRRETa PRObLEmaS à

fERmENTaçÃO E aO PROduTO fiNaL.

jOÃO bOSCO faRia, PROfESSOR TiTuLaR da

uNESP E COORdENadOR dO CENTRO dE PESquiSa E

dESENvOLvimENTO da quaLidadE da CaChaça

COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 13

Page 14:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

profundidades de 20 a 30 centímetros e espaçamentos entre 1,3 e

1,5 metro. “Embora a cana-de-açúcar se desenvolva bem em solos

arenosos, ela prefere solos profundos, argilosos, com boa fertilida-

de e boa capacidade de retenção de água”, assinala o acadêmico no

livro “Cachaça – Ciência, tecnologia e arte” (Blucher, 2014).

Como a safra no Centro-Sul se estende de abril a novembro, é preci-

so contar com espécies de maturação distintas, de forma a manter as

linhas de produção da bebida em atividade contínua ao longo desse

período, sendo que uma característica desejável da variedade é ter

um longo período útil para industrialização. O mix ideal é composto

por canas precoces (20%), médias (60%) e tardias (20%). “Cada uma

das variedades tem de ser cortada no momento certo. A colheita

antes ou depois do ponto de amadurecimento acarreta problemas à

fermentação e ao produto final”, observa João Bosco Faria, professor

titular do Departamento de Alimentos e Nutrição da Universidade

Estadual Paulista (Unesp) e coordenador do Centro de Pesquisa e

Desenvolvimento da Qualidade da Cachaça, em Araraquara (SP).

A cana-de-açúcar proporciona boa produtividade por cinco safras.

Findo esse ciclo, ela cede espaço a outra espécie – geralmente a

soja –, cujo cultivo, além de gerar renda, permite a regeneração do

solo e lhe garante novos nutrientes. “É o que chamamos de cultura

de transição: a cana sai de cena por uma safra e volta na seguin-

te”, explica Simone Sayuri Nakazone, gerente de qualidade, P&D e

meio ambiente da Companhia Müller de Bebidas. “Isso exige, cla-

ro, uma programação absolutamente precisa. Não basta olhar só

para a colheita seguinte, é preciso pensar alguns anos à frente.”

Com uma trajetória de 500 anos, a cultura da cana no Brasil se-

gue a se modernizar. É crescente, por exemplo, a mecanização da

colheita, que retira de cena a secular prática da queima da palha

– expediente que facilita a posterior coleta dos caules da lavoura,

mas compromete a qualidade da matéria-prima da cachaça, pois

as cinzas residuais interferem de forma negativa na fermentação.

Por meio do Protocolo Agroambiental do Setor Sucroenergético,

firmado em 2007 pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e

entidades ligadas ao agronegócio, São Paulo está próximo de eli-

minar, de vez, a queima da cana em áreas mecanizáveis. Na safra

2015/2016, os signatários do acordo não empregaram chamas em

91,3% da área colhida, num total de 3,46 milhões de hectares.

Líder mundial na produção de cachaças, a Companhia Müller se encon-

tra na vanguarda desse processo. O início da mecanização da colheita foi

em 1997, e a empresa obteve, em 2017, total autonomia no fornecimento

de cachaça à sua unidade de Pirassununga (SP). Com praticamente 100%

de colheita realizada de forma mecanizada, são sete colhedoras de cana,

operadas em três turnos, cultivando cerca de 20 variedades, utilizadas

na produção dos destilados da marca. “Zeramos o uso de cana queimada.

Quem ganha com isso é o consumidor”, diz Simone.

14 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE

Page 15:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

3O PrOcessamentO Fermentação e destilação

Page 16:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

transbordamentos. Finda a reação, com o declínio das emissões de

dióxido de carbono (CO2), o mosto fermentado deve ser submetido

imediatamente à etapa seguinte da linha de produção, a destilação.

“A rapidez é essencial, pois as bactérias, que se retraem durante o

processo de fermentação, ganham força à medida que as levedu-

ras, após cumprirem seu papel, vão se depositando no fundo da

dorna. É uma ‘inversão’ que coloca em sério risco a qualidade do

mosto”, assinala João Bosco Faria, professor titular do Departa-

mento de Alimentos e Nutrição da Universidade Estadual Paulista

(Unesp) e coordenador do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento

da Qualidade da Cachaça, em Araraquara (SP).

De Porto Ferreira, a cachaça recém-destilada segue para a unidade da

Müller em Pirassununga, a 20 quilômetros de distância. Lá o destila-

do recebe acabamentos: descansa em tonéis, tem o seu teor alcoólico

a dESTiLaçÃO dEvE TER iNíCiO LOgO aPóS O fim

da fERmENTaçÃO, POiS aS baCTéRiaS gaNham

fORça à mEdida quE aS LEvEduRaS, aPóS CumPRiREm

SEu PaPEL, vÃO SE dEPOSiTaNdO NO fuNdO da dORNa. é

uma ‘iNvERSÃO’ quE COLOCa Em SéRiO RiSCO a

quaLidadE dO mOSTO.

jOÃO bOSCO faRia, PROfESSOR TiTuLaR da

uNESP E COORdENadOR dO CENTRO dE PESquiSa E

dESENvOLvimENTO da quaLidadE da CaChaça

A primeira etapa do processo de fabricação da cachaça, após a co-

lheita da cana, é a moagem dos caules. Para evitar o início da

fermentação espontânea do vegetal, o ideal é que o esmaga-

mento seja executado em, no máximo, 48 horas. O prazo exíguo demanda

dos grandes fabricantes sofisticados esquemas logísticos. Líder mundial na

produção do destilado, a Companhia Müller de Bebidas é um exemplo: co-

lhe a cana, cultivada numa área total de 9 mil hectares, num raio de 20 qui-

lômetros da sua linha de processamento, instalada em Porto Ferreira (SP).

Durante a safra, que se estende de abril a outubro, a fábrica de

Porto Ferreira opera a todo vapor. Assim que os caminhões che-

gam ao pátio, a cana é descarregada, limpa e moída. O caldo extra-

ído é, a seguir, peneirado, decantado, diluído, de forma a ajustar a

concentração de sólidos solúveis, e aquecido a temperaturas entre

70 e 100 graus Celsius, para a redução da carga de micróbios. Sur-

ge, então, o mosto, que é depositado em dornas, tanques nos quais

têm início, de fato, a elaboração da cachaça, com a fermentação.

A reação química é obtida pela ação de um ou mais fermentos de

quatro categorias: caipira, misto, selecionado e de panificação.

Com duração aproximada de 24 horas, a fermentação, se bem

conduzida, representa, de fato, meio caminho andado para a ela-

boração de cachaças de qualidade. Os fabricantes têm de observar

atentamente, entre outros itens, a temperatura, que deve oscilar de

28 a 32 graus Celsius, e a formação de espuma, que pode provocar

16 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE

Page 17:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

marca de 1,2 bilhão de litros ao ano, o que garantiu à bebida pos-

to de destaque entre os destilados mais consumidos do planeta. Os

grandes fabricantes contudo, tinham, desde sempre, de comprar

cachaças de terceiros para abastecer suas linhas. A regra foi que-

brada neste 2017 pela Müller, que garantiu o provimento integral

da unidade de Porto Ferreira com canas de cultivo próprio. “Foi uma

evolução gradativa e planejada”, conta a gerente de qualidade, P&D e

meio ambiente Simone Sayuri Nakazone. “Desde o início do século,

enquanto a nossa produção saltava de 30 milhões para mais de 100

milhões de litros anuais, conseguimos elevar o abastecimento pró-

prio de cachaça de 50% para 100%. Zeramos a conta na safra 2017.”

A jornada para elaborar bebidas somente com matéria-prima “da

casa” teve início em 1981, com a aquisição da Fazenda Lageado, em

Porto Ferreira, nas proximidades da destilaria. Em 1985, eram co-

lhidos na propriedade –que até pouco antes se dedicava ao plantio

de frutas cítricas– os primeiros pés de cana-de-açúcar. O cultivo ga-

dESdE O iNíCiO dO SéCuLO, ENquaNTO a NOSSa

PROduçÃO SaLTava dE 30 PaRa maiS dE 100

miLhõES dE LiTROS aNuaiS, CONSEguimOS ELEvaR O

abaSTECimENTO PRóPRiO dE CaChaça dE 50%

PaRa 100%. zERamOS a CONTa Na SafRa 2017.

SimONE SayuRi NakazONE, gERENTE dE quaLidadE,

P&d E mEiO ambiENTE da COmPaNhia müLLER dE bEbidaS

reduzido de 47% para uma média ao redor de 40%, é padronizado de

acordo com a legislação e os padrões definidos para cada produto da

empresa e, em alguns casos, envelhecido parcialmente em barris de

madeira. O passo derradeiro cabe à maior linha de engarrafamento

de cachaça do mundo, com um volume mensal da ordem de 1 milhão

de dúzias, o equivalente a cerca de 11,4 milhões de litros.

Os indicadores expressivos da Müller e de outros grandes fabrican-

tes são frutos diretos da opção pela destilação em sistemas de co-

luna, desenvolvida e patenteada na primeira metade do século 19

pelo franco-irlandês Aeneas Coffey. Também utilizada em linhas de

produção de etanol e outros combustíveis, essa tecnologia permite

processamento ininterrupto, ao contrário dos alambiques, que ope-

ram em ciclos definidos – com início, meio e fim – a cada “fornada”.

“A invenção [de Coffey] revolucionou para sempre a indústria dos

destilados e do gim, substituindo o tradicional alambique por um

modelo que facilitava a destilação contínua. […] A coluna fracciona-

da industrializou a produção e aprimorou as receitas, que a partir

de agora poderiam ser rectificadas durante o processo de destilação

e não apenas depois”, resumem Miguel Sonsem e Daniel Carvalho,

autores do livro “Vamos beber um gin?” (Casa das Letras, 2014).

Não foi diferente no Brasil. Embora o país tenha aderido à criação

de Coffey de forma intensiva só em meados do século 20, a capa-

cidade instalada das destilarias de cachaça rapidamente atingiu a

COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 17

Page 18:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

O crescimento exponencial da indústria de destilados no hemisfério

norte, viabilizado pelo desenvolvimento do sistema de colunas por

Aeneas Coffey levou autoridades da Europa e dos EUA a estabe-

lecer, ainda no século 19, regulamentos e normas. No Brasil, o Go-

verno Federal só passou a dedicar atenção ao tema a partir de 1973,

com o Decreto 73.267. Foi somente em 2005, contudo, que a cacha-

ça passou a contar com padrões claros de identidade e qualidade

específicos, com o Regulamento Técnico da Instrução Normativa nº

13 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

O documento definiu, à luz da química, características e atributos

do destilado nacional, estipulando limites para aditivos, coadju-

vantes e contaminantes. A inclusão do carbamato de etila no tex-

to garantiu o reconhecimento pelos acadêmicos e pesquisadores

– embora o teto inicial, de 150 microgramas por litro, tenha sido

elevado para 210, em 2014. “Trata-se de um composto cancerí-

geno, cujo precursor é o ácido cianídrico. As soluções para o pro-

blema são simples: basta, por exemplo, utilizar matérias-primas

sem o precursor, como fizeram alguns fabricantes de uísque”, co-

menta João Bosco Faria, professor titular do Departamento de

Alimentos e Nutrição da Unesp e coordenador do Centro de Pes-

CONTROLE TOTALquisa e Desenvolvimento da Qualidade da Cachaça.

Apesar da regra vigente e da existência de opções para as destila-

rias, o fato é que os consumidores de cachaça continuam expostos

ao carbamato de etila (encontrado em diversos outros produtos,

como fermentados de frutas, iogurtes e molhos de soja) em doses

acima do tolerável. Uma pesquisa realizada entre 2014 e 2015 pe-

los acadêmicos André Ricardo Alcarde e Aline Marques Borto-

letto, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ),

constatou que 24,2% de um total de 376 marcas do destilado bra-

sileiro apresentavam teores acima do limite (re)definido em 2014.

Tão logo os pesquisadores começaram a constatar os perigos po-

tenciais da substância, a Cia. Müller tomou providências. Fez

ajustes em seu processo de fabricação e adquiriu um aparelho

que mede os teores. “O controle dos níveis de carbamato de etila,

bem como dos outros componentes, é realizado diariamente e em

todas as fases, abrange 100% da produção. Nossas cachaças con-

têm menos de 100 microgramas de carbamato de etila por litro,

menos até do que o teto internacional, de 150 microgramas”, ex-

plica Simone Sayuri Nakazone, gerente de qualidade, P&D e meio

ambiente da Cia. Müller.

18 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE

Page 19:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

Fermentos para a produção de cachaça

Caipira: Produzido de forma artesanal, é utilizado há sécu-

los em pequenas destilarias. Seus ingredientes, que podem

variar de acordo com a região, incluem farelo de arroz, fubá,

biscoitos e sumo de limão ou laranja. A mistura entra em

reação com a adição de caldo de cana-de-açúcar, por cinco a

sete dias, que libera leveduras da matéria-prima da cachaça.

Selecionado: Variedade industrializada desenvolvida sob

medida para a elaboração de cachaças. Permite fermentação

mais rápida e inibe a ação de contaminantes no processo.

LEVEDURAS EM AÇÃO

Prensado: Também conhecido como fermento de padaria ou de

panificação, é um produto industrializado de amplo uso na elabo-

ração de alimentos e bebidas, como cervejas e destilados em geral.

Tem como princípio ativo a levedura Saccharomyces cerevisiae.

Misto: Trata-se de uma combinação das variedades caipira

e de padaria muito empregada, a exemplo da primeira, em

alambiques de menor porte. Seu preparo demanda a mis-

tura de um tablete de fermento prensado ao caldo de cana

adicionado à massa de farinhas.

nhou escala e a Cia. Müller, de maneira inteiramente mecanizada,

colhe em 2017 a maior safra da sua história (previsão de 630 mil

toneladas de cana – 3,4% a mais do que o recorde anterior, de 2006).

Fato raro entre os grandes players globais do segmento, a autonomia

recém-alcançada garante à Müller controle total sobre a qualidade de

seus produtos. A empresa, que em 1998 se tornou a pioneira do setor

no Brasil a receber as certificações ISO 9001 e ISO 14001, concedidas

pela International Organization for Standardization (ISO), já se vale,

por sinal, dessa condição privilegiada. A adição de açúcar aos desti-

lados, por exemplo, foi definitivamente abolida. “Antes, para manter

o padrão gustativo, tínhamos de adoçar cachaças fornecidas por ter-

ceiros”, conta Simone. “O sabor continua o mesmo, mas agora como

consequência exclusiva e direta do nosso processo produtivo, sem

quaisquer adições. O controle está 100% em nossas mãos.”

COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 19

Page 20:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

Certificações recebidas pela Companhia Müller de Bebidas

ISO 9001 e 14001: Em 1998, a Müller se tornou a primeira indús-

tria de cachaça a receber, das mãos da Lloyd’s Register Quality

Assurance, estes relevantes atestados de qualidade concebidos

pela International Organization for Standardization (ISO). A ISO

9001 contempla empresas com políticas de gestão da qualidade

sobre toda a sua cadeia produtiva, buscando sempre a melhoria

contínua e a satisfação do cliente. Já a ISO 14001 reconhece ações

e esforços contínuos e coordenados em prol do meio ambiente,

abrangendo, entre outros itens, coleta seletiva de lixo, reciclagem

e/ou venda de materiais reaproveitáveis e, claro, o cumprimento

estrito de leis, regulamentos e normas ambientais.

OHSAS 18001: A norma, de autoria da British Standards Inti-

tution (BSI), do Reino Unido, define requisitos para sistemas de

gestão de saúde e segurança de empresas e organizações em

geral. Concedida à unidade de Pirassununga (SP) da Müller em

2014, a OHSAS 18001 permite avaliações e controles mais efi-

cazes de riscos resultantes das operações e rotinas do dia a dia,

contribuindo para um melhor gerenciamento dessas áreas.

QUALIDADE ATESTADA

ETANOL VERDE: Criado em 2007 pelo governo paulista,

o programa Etanol Verde deu origem, no mesmo ano, ao

Protocolo Agroambiental do Setor Sucroenergético, que,

como seu próprio nome sugere, tem por meta minimizar os

impactos da indústria canavieira sobre o meio ambiente. A

Müller aderiu de forma voluntária à iniciativa em 2011 e

vem cumprindo à risca as metas estabelecidas no acordo.

No ano passado, por exemplo, mecanizou toda a sua co-

lheita, abolindo definitivamente a técnica da queima da

palha da cana-de-açúcar.

KOSHER: Sinônimo de “correto” e “adequado” em hebraico, o ter-

mo kosher se aplica a produtos elaborados de acordo com o Kahs-

rud, o código de leis alimentares do judaísmo. Desde 2010, vários

destilados fabricados nas unidades da Müller em Porto Ferreira e

Pirassununga, no interior de São Paulo, recebem este selo da BDK

do Brasil, órgão criado pela comunidade judaica local. A lista in-

clui: Cachaça 51 (Nacional e Exportação), 51 Gold, Reserva 51, Ca-

ninha 29, 51 Ice (Balada, Kiwi e Maracujá) e Vodka Polak.

Page 21:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

4O métOdOTecnologia e evolução do sistema de produção em coluna

Page 22:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

Iniciada na segunda metade do século 18, a Revolução

Industrial tardou a bater às portas da manufatura de

bebidas. Os alambiques, que realizam a destilação sim-

ples, reinaram quase que absolutos na produção dos chama-

dos spirits até a década de 1830. Projetos começaram a sair

das pranchetas a partir de 1810 pelas mãos, entre outros,

do francês Jean Baptiste Cellier Blumenthal (1768-1840), de

alguns destiladores alemães, do irlandês Anthony Perrier

(1770-1845) e do escocês Robert Stein (1770-1854).

A grande mudança veio com o franco-irlandês Aeneas Cof-

fey (1780-1852), alto funcionário e coletor de impostos do Rei-

no Unido, especialista no combate à produção e ao comércio

informal de destilados. Introduziu, na coluna projetada por

Stein, bandejas perfuradas que realizam, em escala ascenden-

te, sucessivas destilações, retendo os compostos mais pesados

e liberando os vapores mais voláteis, os quais são condensados

e resfriados para, na sequência, serem reintroduzidos no tubo,

até ser obtida a composição desejada. Este método foi paten-

teado em 1830.

“As colunas foram um divisor de águas para as desti-

larias. Permitiram a ampliação da produção em escala

geométrica, a redução dos custos dos fabricantes e, por

extensão, dos preços dos produtos, ampliando o leque

de consumidores”, comenta João Bosco Faria, professor

titular do Departamento de Alimentos e Nutrição da

Unesp e coordenador do Centro de Pesquisa e Desenvol-

vimento da Qualidade da Cachaça. “É um sistema pen-

sado para não desperdiçar calor e energia. É muito mais

rentável e eficiente.”

Como era previsível, o processo tardio de industriali-

zação do Brasil contribuiu para adiar a introdução das

colunas no plano doméstico. Foi só nas primeiras déca-

das do século 20 que o País começou a tomar contato

com essa tecnologia. Em julho de 1933, por exemplo, um

pequeno anúncio no jornal Folha da Noite recomenda-

va aos leitores uma “super caninha [sic] rectificada com

distillador [sic] contínuo Lobello”. A produção em esca-

la industrial de cachaça só ganhou força, entretanto, a

partir dos anos 1960 e 70.

De forma surpreendente, os principais fabricantes de cachaça

conseguiram, em poucas décadas, recuperar o atraso de mais

de cem anos na adoção do método criado por Coffey. Hoje, as

linhas industriais respondem por 70% da capacidade instala-

da, com 1,2 bilhão de litros anuais, o que garantiu a posição de

quarto destilado mais consumido do planeta – atrás apenas da

vodca, do baijiu chinês, à base de grãos, e do soju sul-coreano.

22 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE

Page 23:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

Os maiores produtores de cachaça em colunas são os estados

de São Paulo, Ceará e Pernambuco, responsáveis por quase

100% do total. A líder do segmento – nacional e global – é a

Companhia Müller de Bebidas e sua Cachaça 51, com fábri-

cas em Pirassununga (SP), Porto Ferreira (SP) e Cabo de Santo

Agostinho (PE).

As cachaças industrializadas tiveram a valiosa con-

tribuição da caipirinha, drinque nacional que cruzou

fronteiras e ingressou, há 20 anos, na seleta lista de

coquetéis oficiais da International Bartender Associa-

tion (IBA). Os grandes fabricantes, adeptos dos siste-

mas de colunas, são ainda os principais responsáveis

pelas exportações, que somaram US$ 13,9 milhões em

2016, atingindo mais de 50 países.

Apesar desses feitos, as cachaças industrializadas ainda

são vítimas de preconceitos. Tal implicância se deve a

alguns mitos. O mais difundido aponta que os destilados

elaborados em grandes volumes seriam inferiores aos de

alambiques, teve falácia que respaldo até em estudo do

BNDES, intitulado “O setor de bebidas no Brasil”. Lá é

apontado que “a cachaça industrial é produzida em larga

escala por meio de equipamentos conhecidos por colu-

nas de destilação, que, em geral, são fabricados de aço

inoxidável, material que compromete algumas caracte-

rísticas sensoriais do produto final”. Já a cachaça artesa-

nal, de acordo com o trabalho, “geralmente é produzida

em alambiques de cobre, material dotado de proprieda-

des que resultam em uma bebida mais fina quanto a sa-

bores e aromas”.

As colunas, de fato, são 100% de aço inoxidável, mas só

externamente. No interior dos equipamentos, líquidos e

vapores entram em contato com tubos e componentes de

cobre. “O cobre é catalisador de algumas reações, de al-

guns compostos específicos que garantem à bebida um

perfil sensorial sem defeitos. Se o destilado não é exposto

aS COLuNaS fORam um diviSOR dE águaS

PaRa aS dESTiLaRiaS. PERmiTiRam a

amPLiaçÃO da PROduçÃO Em ESCaLa gEOméTRiCa,

a REduçÃO dOS CuSTOS dOS fabRiCaNTES E, POR

ExTENSÃO, dOS PREçOS dOS PROduTOS,

amPLiaNdO, Em muiTO, O LEquE dE

CONSumidORES.

jOÃO bOSCO faRia, PROfESSOR TiTuLaR da uNESP

E COORdENadOR dO CENTRO dE PESquiSa E

dESENvOLvimENTO da quaLidadE da CaChaça

COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 23

Page 24:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

à ação do cobre, surgirão, inevitavelmente, contaminan-

tes e produtos indesejáveis em termos sensoriais”, expli-

ca Simone Sayuri Nakazone, gerente de qualidade, P&D e

meio ambiente da Companhia Müller de Bebidas. “Só que

este metal não pode ser usado de forma indiscriminada. A

legislação sanitária estabelece um limite de cinco miligra-

mas por litro de destilado.”

Um outro mito sobre as cachaças industrializadas, este ainda

mais danoso, coloca em xeque a própria adequação do produ-

to para o consumo. Essa lenda sustenta que a destilação em

coluna não separa a “cabeça” e a “cauda” – ou seja, as frações

indesejadas liberadas no início e no fim do processo realizado

em alambiques – da parte nobre do destilado, conhecida como

“coração”. O resultado, segundo essa crença, seria uma bebida

com substâncias tóxicas oriundas da “cabeça”, caso do meta-

nol, e de sabor e odor desagradáveis, devido à “cauda”. “Essa

história não passa de uma grande tolice”, afirma o professor

Faria, da Unesp. “As colunas contam com saídas para a ‘cabeça’

e a ‘cauda’. Se não fosse assim, qualquer bebida industrializada

seria intragável, além de perigosa.”

Um risco real para a saúde pública, na avaliação do acadê-

mico, é a elevada informalidade e a reduzida fiscalização do

setor, que não se aplicam aos grandes fabricantes, sempre

monitorados mais facilmente pelas autoridades. Além de

seguirem legislações, normas e padrões estabelecidos, estes

também estão investindo na sofisticação de seus produtos.

É o caso da Müller com a sua linha Reserva 51, que vem co-

lecionando prêmios em competições no Brasil e no Exterior,

demonstrando que cachaças produzidas em colunas podem

ser tão boas, ou até superiores, às de alambique. “Coluna

e alambique devem ser escolhidos de acordo com o que o

produtor deseja em termos de escala de produção, e não de

qualidade do produto”, assinala Simone Nakazone. “O que

diferencia boas e más cachaças são as boas práticas na pro-

dução, e não o processo.”

COLuNa E aLambiquE dEvEm SER

ESCOLhidOS dE aCORdO COm O quE O

PROduTOR dESEja Em TERmOS dE ESCaLa dE

PROduçÃO, E NÃO dE quaLidadE dO PROduTO. O

quE difERENCia bOaS E máS CaChaçaS

SÃO aS bOaS PRáTiCaS Na PROduçÃO, E

NÃO O PROCESSO.

SimONE SayuRi NakazONE, gERENTE dE

quaLidadE, P&d E mEiO ambiENTE da COmPaNhia

müLLER dE bEbidaS

24 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE

Page 25:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

COLUNASSOB MEDIDA

Projetado na origem para a destilação de uísque,

o sistema de colunas de Aeneas Coffey ganhou

várias versões pelo mundo. Os ajustes foram di-

tados por demandas específicas dos fabricantes

de bebidas, já que o equipamento não tem uso

universal. “Cada coluna tem detalhes e nuances

para a produção deste ou daquele destilado”, ex-

plica Simone Sayuri Nakazone, gerente de quali-

dade, P&D e meio ambiente da Companhia Mül-

ler de Bebidas. “Uma serve para cachaça, outra

para rum, e assim por diante.”

Algumas instituições de ensino superior tam-

bém contam com linhas sob medida. É o caso da

ESALQ, que conta em seu campus, em Piracicaba

(SP), com uma coluna de destilação de cachaça.

No livro “Cachaça – Ciência, tecnologia e arte”

(Blucher, 2014), o professor André Ricardo Alcar-

de descreve minuciosamente o funcionamento

do aparelho de processamento contínuo. Confira:

1 O vinho, aquecido entre 92 e 94°C, entra no terço superior da coluna;

2 O vinho desce pela coluna, perde teor alcoólico, e os vapores

sobem através das calotas das bandejas;

3 Uma bandeja desprovida de calotas impede a passagem de

vapores mais voláteis – a fração “cabeça” do destilado. Acima da

bandeja “cega” há uma canalização lateral que retira a fração “cauda”;

4 Os demais vapores hidroalcoólicos vão até a parte superior da coluna

retificadora. A destilação prossegue, com os vapores se enriquecendo;

5 Os vapores hidroalcóolicos da destilação, com concentração alcoólica

de aproximadamente 65% de volume,saem pelo topo da coluna e são

direcionados à serpentina de cobre, onde reagem com o metal,

perdendo os maus odores;

6 Os vapores são liquefeitos em condensadores. Surge a cachaça, que

depois é resfriada e encaminhada ao armazenamento.

AS ETAPAS DADESTILAÇÃO EM COLUNA

COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 25

Page 26:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

5O prOdutOcomposição eatributos – sabor,cor e aroma

Page 27:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

N ão basta ser produzida 100% de acordo com os pa-

drões técnicos e sanitários vigentes no país. Para

ser considerada boa, de fato e de direito, toda ca-

chaça tem de apresentar “características sensoriais peculia-

res”, como estabelece o Decreto 6.871, de 4 de junho de 2009,

o mais recente marco legal sobre o destilado. Tal avaliação de-

manda três dos cinco sentidos humanos – a começar pela vi-

são, que deve entrar em ação com boa antecedência sobre o ol-

fato e o paladar, na escolha da

bebida. “A primeira recomen-

dação para quem compra é

olhar o rótulo e, especialmen-

te, o contrarrótulo, onde deve

constar o registro do produto

no Ministério da Agricultura,

Pecuária e Abastecimento. Comprar cachaças legalizadas é a

garantia de que você está levando segurança alimentar para

casa”, aconselha o engenheiro Jairo Martins da Silva, autor

do livro “Cachaça – O mais brasileiro dos prazeres” (Anhembi

Morumbi, 2006) e diretor do portal O Cachacista*.

O passo seguinte, ainda antes de o consumidor efetuar a com-

pra, é realizar uma prova simples e eficaz, conhecida como

“teste do rosário”. Basta chacoalhar a garrafa e observar as

bolhas de ar que se formam no líquido. As borbulhas têm de

desaparecer em 20, no máximo 25 segundos. “Se isso ocorrer,

significa que se trata de uma cachaça pura”, comenta Silva.

“Se a espuma permanecer por mais tempo, já dá para des-

confiar que a cachaça pode conter algum melaço, adicionado

para conferir cor à bebida.”*

Após esses exames prelimi-

nares, está tudo pronto para

dar início, em casa ou em

uma reunião com amigos, ao

processo de degustação, no

qual, em sua primeira eta-

pa, a visão continua a dar

as cartas. Ao contrário do que ocorre com bons vinhos

maduros, a cachaça tem de se apresentar absolutamente

límpida. A presença de borras ou partículas em suspensão

na taça ou no fundo da garrafa são claros indícios de que

a produção, a filtragem e armazenamento da bebida não

observaram padrões adequados de qualidade.

duaS bOaS OPçõES SÃO ON ThE ROCkS,

COm gELO, COmO O uíSquE, Ou diRETO

dO fREEzER, TaL E quaL a vOdCa E O

STEiNhägER, COmO aCOmPaNhamENTO dE

ChOPES E CERvEjaS.

COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 27

Page 28:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

“A limpidez é essencial. A bebida deve apresentar brilho e

absoluta transparência”, comenta o químico com especializa-

ção em destilados Erwin Weimann, professor dos cursos da

seção paulista da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS

-SP) e autor do livro “Cachaça – A bebida brasileira” (Terceiro

Nome, 2009). “Outros pontos importantes na avaliação visu-

al são a cor da bebida e a sua untuosidade, a qual se traduz

nas ‘lágrimas’ formadas pelo álcool nas laterais internas da

taça, à medida que ela é girada.”

O cálice ideal para a cachaça, ferramenta essencial para as

demais etapas da degustação, ainda é motivo de debates e

controvérsias. A bebida chegou a ganhar uma taça sob me-

dida – com 13 centímetros de altura, base circular, bojo largo

e boca mais estreita – desenvolvida pela Cristais Hering, de

Blumenau (SC), em parceria com a Cooperativa de Produção e

Promoção da Cachaça de Minas Gerais (Coocachaça), e lança-

da no segundo semestre de 2003. No entanto, com o fim das

atividades da empresa, em março de 2009, os apreciadores

do destilado ficaram, literalmente, de mãos vazias.

Há quem prefira os copinhos de vidro de base espessa, co-

nhecidos como “martelinhos”, ou mesmo as réplicas em es-

cala reduzida do tradicional “copo americano”. A maioria dos

sommeliers e cachaciers, contudo, utiliza em degustações e

no dia a dia a taça ISO, recipiente universal criado, nos anos

1970, pela Internacional Organization for Standardization

(ISO). Em descanso, o utensílio garante a concentração de

aromas e vapores do álcool, os quais são liberados mediante a

movimentação da taça em círculos, colocando à prova as suas

virtudes. “O aroma deve ser suave e delicado, não pode inco-

modar o nariz”, explica Weimann. “Se a cachaça for branca,

geralmente apresenta tons frutados e herbáceos. No caso das

bebidas envelhecidas, predomina a madeira.”

É na avaliação do sabor, entretanto, que a bebida revela

definitivamente, ou não, a sua grandeza. Uma boa cacha-

O aROma dEvE SER SuavE E dELiCadO,

NÃO POdE iNCOmOdaR O NaRiz. SE a

CaChaça fOR bRaNCa, gERaLmENTE aPRESENTa

TONS fRuTadOS E hERbáCEOS. NO CaSO

daS bEbidaS ENvELhECidaS, PREdOmiNa

a madEiRa.

ERwiN wEimaNN, químiCO E auTOR dO LivRO

“CaChaça – a bEbida bRaSiLEiRa”

28 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE

Page 29:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

ça deve, por exemplo, ter acidez suficiente para estimular

a salivação sem, no entanto, agredir as mucosas da boca.

Além de agradável, o paladar tem de ser rico, com álcool

suave e equilibrado, e toques, na dose certa, de doçura e de

amargor, este propiciado pelo envelhecimento em barris de

madeira (ver capítulo 6). “Dois outros quesitos importantes

são retrogosto persistente e agradável, e a maciez. A cacha-

ça deve descer pela garganta da forma a menos rascante

possível”, assinala Weimann.

Sabores e aromas têm relação

direta, claro, com os padrões de

produção e as reações químicas

sofridas pela bebida durante a

sua elaboração. O ácido acético

(CH3COOH) e alguns aldeídos –

casos de acetaldeído, fomaldeído e acroleína – são compos-

tos que merecem especial controle por parte dos fabricantes,

pois emprestam à cachaça características sensoriais desagra-

dáveis. Os predicados do destilado são fruto, sobretudo, de

álcoois superiores, casos do isoalímico e do fenetílico, e dos

ésteres, classe de compostos orgânicos derivados da reação

de ácidos com álcool, como o acetato de etila e o octanoato

de etila (ver tabela). “Ésteres com estruturas carbônicas me-

nores […] têm geralmente maior volatilidade e menor valor

de limiar de odor, sendo considerados importantes para a o

aroma global da bebida”, descreve André Ricardo Alcarde,

professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz

(ESALQ), da Universidade de São Paulo (USP), no livro “Ca-

chaça – Ciência, tecnologia e arte” (Blucher, 2014).

A conservação adequada de-

manda poucos cuidados dos

consumidores. A bebida, ba-

sicamente, não deve ser ex-

posta a temperaturas muito

elevadas e ao sol, devido, em

particular, aos efeitos noci-

vos dos raios ultravioleta. Versátil, a cachaça pode ser saboreada

de diferentes formas, além da tradicional, no estilo caubói. “Duas

boas opções são on the rocks, com gelo, como o uísque, ou direto

do freezer, tal e qual a vodca e o steinhäger, como acompanha-

mento de chopes e cervejas”, sugere Weimann.

* em entrevista ao programa Globo Rural, em agosto de 2011.

é Na avaLiaçÃO dO SabOR, ENTRETaNTO,

quE a bEbida REvELa Sua gRaNdEza.

uma bOa CaChaça dEvE, POR ExEmPLO,

TER aCidEz SufiCiENTE PaRa ESTimuLaR

a SaLivaçÃO

Page 30:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

6O envelhecimentO

técnicas e tiposde madeira

Page 31:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

As grandes navegações, a partir da segunda metade do sé-

culo 15, representaram um divisor de águas para a ma-

nufatura de bebidas. Foi quando surgiram os primeiros

destilados, com teor alcoólico bem superior ao dos fermentados e,

portanto, muito mais estáveis e duradouros. Tal invento se encaixa-

va à tarefa de manter sob controle o humor de tripulantes de naus,

caravelas, galés e galões nas travessias dos oceanos, e mitigando, as-

sim, o risco de motins.

A bebida era levada e mantida a bordo em barris, recipientes utilizados

pelos romanos desde 700 AC para o envase de vinhos. Os navegado-

res, entretanto, não tardaram a descobrir que a madeira emprestava

qualidades. No século 17, o capitão de um navio mercante holandês re-

gistrou em seu diário de bordo: “Os espíritos [destilados] são agora mais

suaves na língua e adquiriram uma cor dourada durante a viagem”.

A técnica de maturação na madeira ainda demorou a se tornar

usual. Durante muito tempo os barris continuaram a ser meros

continentes de bebidas. Algumas das exceções à regra eram o je-

rez, da Espanha, o vinho do porto, de Portugal, e o bourbon, cujos

produtores, concentrados no leste dos EUA, teriam abraçado o

método no terço final do século 18. Até mesmo o uísque escocês

tardou a aderir à prática. “A maioria dos uísques, nos séculos 18

e 19, era consumida, provavelmente, sem qualquer maturação”,

descreve John Conner, cientista senior do Scotch Whisky Rese-

arch Institute (SWRI), de Edimburgo, no livro “Whisky: Techno-

logy, Production and Marketing” (Elsevier, 2003).

Como forma de valorizar a sua bebida símbolo, os escoceses lan-

çaram mão de barris de segunda mão. Compraram recipientes de

produtores de bourbon do Kentucky, no leste dos EUA, e de Jerez,

no sudoeste da Espanha. Depois, ampliaram o leque, reaproveitan-

do recipientes antes usados no envelhecimento de vinhos, tintos e

fortificados, da França, Hungria, Itália e de Portugal, além de runs.

“O uísque escocês branco só adquire virtudes com o envelhecimen-

to na madeira”, observa João Bosco Faria, professor titular do De-

partamento de Alimentos e Nutrição da Unesp e coordenador do

Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Qualidade da Cachaça.

“Já no caso da cachaça, uma única destilação é suficiente para a pro-

dução de uma bebida que, de tão boa, nem precisa ser envelhecida.”

As virtudes do destilado brasileiro contribuíram, tudo indica, para a

adesão tardia de seus fabricantes ao processo de “amadurecimento”

originário do hemisfério norte. A tanoaria nacional dominava, desde

os primórdios do Brasil colônia, as técnicas de tostagem da madeira

para a produção de “cartolas”, como eram então conhecidos os barris.

“Há rótulos das décadas de 1920 e 30 que mencionam o enve-

lhecimento em carvalho. Eram barris usados, comprados de im-

portadores de vinho do porto e conhaque, entre outras bebidas”,

observa o jornalista Dirley Fernandes, editor da Cachaça em Re-

COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 31

Page 32:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

vista e do portal Devotos da Cachaça. “O processo de envelheci-

mento à época, ao contrário do que ocorre hoje, não tinha regras

estabelecidas. Cada um fazia do seu jeito.”

Acredita-se que madeiras nativas tenham sido utilizadas antes do

carvalho com o mesmo fim. As suspeitas dizem respeito à ambura-

na (Amburana cearensis), também conhecida como cerejeira, imbu-

rana e umburana, de uso recorrente, há séculos, nos alambiques de

Januária, a antiga Salgado, no norte de Minas Gerais. A cidade era

um importante entreposto comercial no médio São Francisco e teve

a relevância da sua produção de cachaça atestada pelo explorador

francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) em “Viagem pelas pro-

víncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais”, obra publicada em 1830.

O envelhecimento entraria de vez na agenda das destilarias de

cachaça a partir do trabalho executado em Salinas (MG), 230 qui-

lômetros a sudeste de Januária, por Anísio Santiago (1912-2002).

Ao contrário dos demais produtores da região, que vendiam a

bebida a granel, ele apostou em uma marca própria (Havana),

criada em 1947, a Havana, maturada por cerca de oito anos em

barris de bálsamo (Mycrocarpus frondosus).

Os carvalhos americanos (Quercus alba) e europeus (Quercus sés-

sil), que são referência na indústria de bebidas do hemisfério nor-

te, ganharam espaço no País nas décadas seguintes. A partir dos

anos 1980, contudo, um número crescente de produtores passou a

optar por madeiras da rica flora nativa, casos do amendoim (Ptero-

gyne nitens Tul), freijó (Cordia goeldiana), jequitibá-rosa (Carinia-

na legalis) e castanheira (Bertholletia excelsa). Nos últimos tempos,

a tendência ganhou o reforço, entre outras variedades, da jaqueira

(Artocarpus heterophyllus), do pau-brasil (Caesalpinia echinata

Lam) e de diversas espécies de eucalipto. “O Brasil tem tudo para

inovar o mercado global de destilados”, diz Fernandes.

Uma das tendências em voga no setor é a blendagem. Trata-se da

mistura de cachaças de coluna e alambique ou, ainda, da combinação

de destilados envelhecidos em diferentes madeiras – caso da Reserva

51 Singular, da Companhia Müller de Bebidas, um blend de cachaça

envelhecida em barris de carvalho americano, com uma parte finali-

zada em barris de amburana. É, em síntese, a mesma técnica vigente

desde a década de 1860 na elaboração dos blended whiskies escoce-

ses, que chegam a mesclar até 50 uísques de cerais maltados com dois

a cinco destilados de cereais não maltados.

há RóTuLOS dE CaChaçaS daS déCadaS dE

1920 E 30 quE mENCiONam O ENvELhECimENTO

Em CaRvaLhO. ERam baRRiS uSadOS,

COmPRadOS dE imPORTadORES dE viNhO dO

PORTO E CONhaquE, ENTRE OuTRaS bEbidaS.

diRLEy fERNaNdES, EdiTOR da CaChaça Em REviSTa E

dO PORTaL dEvOTOS da CaChaça

32 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE

Page 33:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

Reconhecido pela legislação brasileira desde 1997 – inicialmente por

meio do Decreto 2.314 –, o envelhecimento do destilado vem mere-

cendo maior atenção das autoridades neste século. Em 2005, o Regu-

lamento Técnico da Instrução Normativa nº 13 do Ministério da Agri-

cultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) apresentou os critérios de

classificação de cachaças envelhecidas, premium e extra premium.

A portaria nº 90 do MAPA, de 23 de agosto de 2016, que anunciou

uma consulta pública para a elaboração de uma Instrução Normativa

sobre o envelhecimento em madeiras, colocou 33 variedades em dis-

cussão. A iniciativa tem por meta coibir o uso de barris que possam

representar riscos à saúde pública. Weimann cita o pinheiro, do qual

é extraída a terebentina, solvente de tintas e vernizes. “É perigoso re-

alizar experimentos sem rigorosas análises fitoquímicas das espécies.

Afinal, há muitos venenos saborosos”, observa o químico.

Outro exemplo é a canela sassafrás (Ocotea odorifera), também conhe-

cida como canela-funcho, louro-cheiroso, casca-preciosa e pau-funcho.

Como o seu sobrenome científico sugere, esta madeira agrega muitas

qualidades sensoriais à cachaça. O problema é que libera, também, o sa-

frol (C10H10O2), substância considerada carcinogênica pela Food and

Drugs Administarion (FDA), do governo norte-americano, e banida da

indústria de alimentos e bebidas dos Estados Unidos há quase 60 anos.

“Existe, portanto, a necessidade declarada de avaliar as proprie-

dades sensoriais e os possíveis efeitos sobre a saúde humana do

PROCESSOS DE TOSTA DE MADEIRAPARA ENVELHECIMENTOS DE BEBIDAS

LEVE - Queima por 50 min a 200°C

Conserva taninos e aroma da madeira original; toques herbáceos

MÉDIA BAIXA - Queima por 55 min a 250°C

Degrada polissacarídeos da madeira; transformações nos aromas

MÉDIA ALTA - Queima por 60 min a 270°C

Alta degradação de polissacarídeos; eleva aroma dos tostados

ALTA - Queima por 65 min a 300°C

Degrada aldeídos e ácidos fenólicos; aromas defumados e turfados

Fonte: Erwin Weimann/Cachaça em Revista

emprego de madeiras brasileiras no envelhecimento de cachaças”,

consideram Alexandre Ataide da Silva, Eduardo Sanches Perei-

ra do Nascimento, Daniel Rodrigues Cardoso e Douglas Wagner

Franco (in memoriam), do Instituto de Química de São Carlos

(IQSC), no estudo “Identificação de extratos etanólicos de madeiras

utilizando seu espectro eletrônico de absorção e análise multiva-

riada”, publicado em dezembro de 2011 na revista Química Nova.

O uso de barris inadequados no processo de maturação é fruto, na ava-

liação de Simone Sayuri Nakazone, gerente de qualidade, P&D e meio

Page 34:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

Algumas madeiras utilizadas no processo de envelhecimento de cachaças

AMBURANA - Nome científico: Amburana cearensis

Características sensoriais: amarelo intenso, buquê e sabor levemen-

te adocicados, com notas de baunilha

AMENDOIM - Nome cienfífico: Pterogyne nitens Tul

Características sensoriais: tem reduzida interferência na coloração e no

aroma, conferindo sabor suave e levemente adstringente à bebida

BÁLSAMO - Nome científico: Mycrocarpus frondosus

Características sensoriais: tons de amarelo esverdeado, sabor marcante

e aromas herbáceos fortes, com notas de erva-doce, cravo e anis

CARVALHO AMERICANO - Nome científico: Quercus alba

Características sensoriais: coloração dourada, aromas característicos

de baunilha, coco e mel, sabor suave

TOQUE FINAL

CASTANHEIRA - Nome científico: Bertholletia excelsa

Características sensoriais: coloração forte, aromas de baunilha

e sabor marcante

FREIJÓ - Nome científico: Cordia goeldiana

Características sensoriais: a exemplo do Amendoim, pouco interfere na

coloração, mas contribui para tornar a bebida mais suave

IPÊ-AMARELO - Nome científico: Tabebuia alba

Características sensoriais: coloração pálida, aromas com notas de canela,

baunilha e noz-moscada, retrogosto intenso

JEQUITIBÁ-ROSA - None científico: Cariniana legalis

Características sensoriais: cor dourada, sabor macio e buquê semelhante

ao do Carvalho Americano

ambiente da Companhia Müller de Bebidas, da elevada informalidade

do setor de cachaças. Muitos produtores, considera, não dominam com

propriedade as boas práticas. “Há quem agregue, por exemplo, frutos e

raízes à bebida sem qualquer critério”, observa, assinalando que o en-

velhecimento vai bem além do simples ato de depositar o destilado nos

barris. “É um processo complexo, que demanda avaliação sensorial e

finalização adequada, que inclui a correta filtragem do produto para

a correta retirada dos componentes oleosos liberados pela madeira. Só

assim é possível entregar ao público bebidas aromáticas, saborosas e,

sobretudo, absolutamente seguras para o consumo.”

Page 35:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

7ReseRva 51Prova final de destilado superior provenientede coluna

Page 36:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

Fundador da Companhia Müller de Bebidas, Guilherme

Müller Filho, o “seu” Ézio, como era conhecido, costuma-

va presentear amigos, parentes e algumas poucas pessoas

de seus convívios particular e profissional com bebidas especiais.

Era uma cachaça de sua exclusiva autoria, produzida nos sistemas

de coluna da empresa – tal e qual a tradicional Cachaça 51 – a par-

tir de variedades específicas de cana-de-açúcar, e envelhecida em

barris de madeira. Personalíssimo, esse destilado surgiu na segun-

da metade da década de 1990, período em que a empresa iniciou o

desenvolvimento de sua primeira cachaça maturada em carvalho,

a Terra Brazilis, que chegou ao varejo em 1998.

Müller faleceu no início de 2005, aos 84 anos, deixando como lega-

do a maior fabricante de cachaça do mundo, além da sua preciosa

coleção. O exclusivo destilado permaneceu repousando na madei-

ra por mais algum tempo até que, em 2008, empresa decidiu apre-

sentá-lo ao mercado. A ocasião escolhida para isso não poderia

ser mais propícia: o cinquentenário da Müller. Em junho de 2009,

tinham início, em escala reduzida, as vendas da Reserva 51, uma

cachaça extra premium 100% envelhecida em carvalho “tempera-

do” com bourbon. “De início, a cachaça era toda do acervo pessoal

do fundador. Depois, começamos a ampliar o estoque de barris e a

produzir a bebida no padrão desenvolvido pelo ‘seu’ Ézio, com en-

velhecimento por períodos de quatro a cinco anos”, conta Simone.

O lançamento não tardou a ser reconhecido nos cenários interno

e externo – e não apenas pelo seu conteúdo. Desenhada pela Se-

regini Farné, de São Paulo, e produzida pela francesa Saverglass,

com tampa projetada pela italiana Tapi, a garrafa da Reserva 51,

com 700 mililitros, conquistou, de cara, cinco prêmios: o Abre

Design & Embalagem, da Associação Brasileira de Embalagem

(ABRE), o EmbalagemMarca e o Embanews, das revistas de mes-

mo nome, o Theobaldo de Nigris, da Confederação Latino-Ame-

ricana da Indústria Gráfica (Conlatingraf), e o World Packaging

Award, o “Oscar” do segmento.

Naquele mesmo ano, 2009, o destilado de um dourado intenso e bri-

lhante, sabor suave e aveludado, passou a marcar presença em con-

cursos no Brasil e no exterior. A série teve início nos Estados Unidos,

com o Beverage Testing Institute (BTI), um dos mais conceituados

institutos de análise de bebidas alcoólicas do planeta, que concedeu

dE iNíCiO, a CaChaça ERa TOda dO aCERvO

PESSOaL dO fuNdadOR. dEPOiS, COmEçamOS

a amPLiaR O ESTOquE dE baRRiS E a PROduziR a

bEbida NO PadRÃO dESENvOLvidO PELO ‘SEu’

éziO, COm ENvELhECimENTO POR PERíOdOS

dE quaTRO a CiNCO aNOS.

SimONE SayuRi NakazONE, gERENTE dE quaLidadE, P&d

E mEiO ambiENTE da COmPaNhia müLLER dE bEbidaS

36 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE

Page 37:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

uma medalha de ouro e classificou a Reserva 51 como “exceptional”,

atribuindo-lhe 93 pontos numa escala de zero a cem. Na temporada

de 2010, o produto recebeu uma medalha de prata no concurso Ca-

chaça Masters, promovido pela revista inglesa The Spirits Business.

Desde então, as conquistas vêm se multiplicando. Em setembro de

2013, dois meses após o início das vendas online da Reserva 51 em

um site exclusivo, o destilado concebido por Müller foi contempla-

do com uma medalha de ouro na categoria de cachaças envelheci-

das em carvalho em degustação às cegas promovida na 23ª edição

da Expocachaça, em São Paulo. O evento, realizado no Mercado

Municipal da Cantareira, atraiu 250 mil visitantes de todo o País.

O desafio seguinte teve escala global. Na primeira semana de junho

de 2014, às vésperas do início do Mundial de futebol, no Brasil, a Re-

serva 51 e a 51 Gold (esta também envelhecida em carvalho e volta-

da exclusivamente ao mercado externo) participaram, em Florianó-

polis, de uma disputa equivalente em seu segmento. O torneio em

questão era o Spirits Selection, organizado pelo Concurso Mundial

de Bruxelas, autodenominado a “ONU dos destilados finos”. A com-

petição é bastante valorizada, pois, de acordo com pesquisas realiza-

das em supermercados na Bélgica e na França, uma medalha propi-

cia um aumento médio de 30% nas vendas dos produtos premiados.

Durante três dias, 55 jurados, dos quais 20 brasileiros, degusta-

ram às cegas mais de 770 marcas de destilados de 40 países. O júri

concedeu medalhas de ouro e prata a 61 cachaças. Contemplada

com dois ouros, a Müller foi a única entre os grandes produtores

nacionais a ter premiadas 100% das marcas inscritas no concur-

so. Poucos meses depois, a empresa festejaria outra conquista de

peso: uma medalha de prata para a Reserva 51 na edição 2014

do International Wine & Spirit Competition (IWSC), em Londres.

O reconhecimento de especialistas e do público às cachaças extra

premium da Müller também aconteceu no II Ranking da Cúpula

da Cachaça, promoção da Cachaça em Revista e de O Estado de

S. Paulo. Na segunda quinzena de janeiro de 2016, 11 cachaciers

se reuniram em Analândia (SP) para dar a palavra final sobre 50

marcas que haviam sido pré-selecionadas entre mais de mil, em

dezembro, com 22.418 votos via internet. A Reserva 51, repre-

sentante solitária dos destilados em colunas entre as finalistas,

foi eleita a quinta melhor cachaça do Brasil, ou seja, do mundo.

À época, a Müller estava às voltas com um plano ambicioso. Mantido

em absoluto sigilo, o projeto teve início em 2009, por ocasião do lança-

mento da Reserva 51, e tinha como proposta apresentar aos consumi-

dores mais exigentes opções com o mesmo padrão de qualidade e ex-

celência da premiada cachaça extra premium. Por mais de seis anos,

a empresa realizou testes e experimentos com diversas madeiras em

busca de sabores diferenciados para novos destilados em sistemas de

coluna. O resultado desse paciente trabalho, a linha Reserva 51, foi

COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 37

Page 38:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

apresentada na 32ª Feira da Associação Paulista de Supermercados

(APAS), no Expo Center Norte, em São Paulo, em maio de 2016.

Prestes a completar sete anos de vendas, a pioneira da série passava

a ser denominada Reserva 51 Única e ganhava três “irmãs”: Reserva

51 Rara, Reserva 51 Singular e Reserva 51 Carvalho Americano. As

duas primeiras, a exemplo da Única, são cachaças extra premium

com 40% de teor alcoólico envelhecidas de quatro a cinco anos em

barris de carvalho americano de 200 litros anteriormente utiliza-

dos na produção de bour-

bons. As diferenças ficam por

conta das etapas derradeiras

dos processos de maturação.

A Reserva 51 Rara é finali-

zada em barris de carvalho

americano antes usados no

armazenamento de vinhos, o que lhe garante paladar rico, suave,

amadeirado, levemente doce e com notas de frutas vermelhas, se-

guido por um acabamento aveludado, longo e equilibrado. Já a Re-

serva 51 Singular, antes se ser engarrafada, repousa parcialmente

em barris virgens de amburana, uma madeira nativa do Brasil. O

resultado é uma cachaça de buquê aromático intenso, característico

e sedutor, sabor amadeirado e aveludado, com notas aromáticas que

remetem ao floral e à baunilha, e acabamento longo e equilibrado.

“A primeira impressão da Singular é a de caramelo denso e de

mel, mas tudo com uma marca de cítrico que agrega frescor ao

conjunto. É uma característica bem marcante que aponta para

um uso muito bem-sucedido da umburana. A umburana, madei-

ra brasileira da mais alta estirpe, nas mãos de um master blender

menos cuidadoso – ou talentoso –, não raro produz cachaças ex-

cessivamente adocicadas, eventualmente até verdadeiros xaro-

pes”, comenta o jornalista Dirley Fernandes, editor da Cachaça

em Revista e do portal Devo-

tos da Cachaça.

O terceiro reforço da linha é

um caso à parte. A Reserva

51 Carvalho Americano passa

três anos em barris de pri-

meira mão da referida ma-

deira, usada na maturação de bourbons e dos melhores vinhos

dos Estados Unidos. Com tiragens limitadas e garrafas numera-

das, à venda desde o início de 2017 só pelo site www.reserva51.

com.br, a cachaça tem sabor intenso e amadeirado, e bouquet

inconfundível. “É uma aposta da companhia no segmento que

os americanos chamam de ultrapremium”, registrou Fernandes,

em janeiro de 2017, no portal Devotos da Cachaça. “É envelhe-

cida em barris de carvalho americano novos, que, caracteristi-

a RESERva 51 RaRa é uma bEbida ELEgaNTE

E dE PERSONaLidadE ORigiNaL. E, SObRETudO, é

CaChaça muiTO fáCiL dE bEbER, quE CONSEguE agREgaR

quaLidadES PaRa agRadaR TaNTO aOS PaLadaRES

iNiCiaNTES – PELa SuavidadE – quaNTO aOS

ExPERimENTadOS – PELa CuRiOSa COmPLExidadE.

38 - COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE

Page 39:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

camente, deixam um gosto adocicado, com tons de coco, e uma

coloração mais clara que a do carvalho europeu.”

A embalagem da exclusivíssima cachaça, de vidro extratransparen-

te, também mereceu atenção especial. Desenhada pela inglesa Cla-

essens International e fabricada pela francesa Saverglass, a garrafa

de 700 mililitros, com ombro largo e fundo espesso, é inspirada nas

clássicas carafes francesas. O rótulo transparente, com serigrafia

inorgânica, foi desenvolvido pela brasileira Premier Pack e a tampa,

com cabeça de madeira e corpo de cortiça natural, pela portuguesa

JC Ribeiro. “O público da Reserva 51 Carvalho Americano é o con-

sumidor que tem como referência os melhores destilados do mun-

do”, assinala Rodrigo Maia, diretor comercial da Müller.

A criação da linha Reserva 51 garantiu, como era esperado, novos

prêmios para a empresa. A “colheita” começou em setembro de

2016 em São Roque, no interior paulista, na 14ª edição brasilei-

ra do Concurso Mundial de Bruxelas. O concurso contou com a

participação de mais de 50 vinícolas e 82 destilarias nacionais,

que inscreveram 402 amostras. Composto por 15 experts de seis

países, o júri concedeu apenas três das 54 medalhas entregues na

categoria de destilados a bebidas processadas em sistemas de co-

luna: prata para a Reserva 51 Rara, ouro para a Reserva 51 Única,

e duplo ouro para a Reserva 51 Carvalho Americano, que ainda

não tinha sido lançada comercialmente.

O aval mais recente à linha Reserva 51 veio de uma prova inter-

nacional, o Prêmio Sabor Superior, realizado em maio de 2017 pelo

Instituto Internacional de Sabor e Qualidade (iTQi, na sigla em in-

glês), de Bruxelas. Composto por 125 prestigiados chefs de cozinha

e peritos em bebidas indicados pela Association de la Sommellerie

International (ASI) e por 15 entidades de ponta da culinária inter-

nacional – casos da Académie Culinaire de France, da Federazio-

ne Italiana Cuochi e da Jeunes Restaurateurs d’Europe –, o júri

atestou a excelência dos destilados mais sofisticados da Müller.

Consideradas “excelentes”, as cachaças Reserva 51 Rara, Singular e

Única receberam duas estrelas de ouro cada. Já a Reserva 51 Car-

valho Americano fez jus a três estrelas douradas, a condecoração

máxima do prêmio, concedida apenas a produtos “excepcionais”.

A produção da Linha Reserva 51 vem aumentando gradativa-

mente. Saltou de 30 para 300 dúzias por mês desde o seu lan-

çamento, em 2009, e conta com bom potencial de crescimento.

São grandes, da mesma forma, as possibilidades de ampliação do

leque de produtos. “Como é crescente o interesse dos consumi-

dores por outras opções de cachaças envelhecidas, estamos re-

alizando, há tempos, experiências com outras madeiras”, conta

Simone Sayuri Nakazone, gerente de qualidade, P&D e meio am-

biente da companhia. “A Müller é curiosa, inquieta. Herdou essas

características de seu fundador, o mentor da Linha Reserva 51.”

COMPANHIA MÜLLER DE BEBIDAS - CaChaça - aLém dO fOLCLORE - 39

Page 40:  · a cachaça como bebida típica e exclusiva do Brasil, que, como contrapartida, se prontificou a dispensar o mesmo tratamento ao bourbon whiskey e ao tennessee whiskey, destilados

www.ciamuller.com.br