961 - a aventura no circo

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    A AVENTURA NO CIRCO

    ENID BLYTON

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    NDICECaptulo I As frias 7Captulo II Chega o Gustavo 15Captulo III Gustavo e a Didi 23Captulo IV A caminho do Texuguinho 31

    Captulo V Na Vivenda da Pedreira 39Captulo VI Sempre o Gustavo 46Captulo VII Uma declarao surpreendente 55Captulo VIII Jaime explica 64Captulo IX Uma visita 72Captulo X Uma chamada Urgente 81Captulo XI O que aconteceu durante a noite 88Captulo XII Captura 98Captulo XIII Um passageiro a mais 107Captulo XIV Joo apenas pode contar consigo 116Captulo XV O mapa revela-se til 125Captulo XVI Com o circo 135Captulo XVII Enfim, Broken! 146

    Captulo XVIII No castelo! 154Captulo XIX Uma aventura na noite 163Captulo XX A sada 172Captulo XXI Um plano ousado 181Captulo XXII Fuga! 189Captulo XXIII Cuidado com os ursos! 197Captulo XXIV Chega o amanhecer 205Captulo XXV Uma busca ao acampamento214Captulo XXVI O carro do Bufarinheiro 223Captulo XXVII Uma surpresa... e um plano 232Captulo XXVIII Outra vez no castelo de Broken 241Captulo XXIX Alguns momentos de emoo 250Captulo XXX Deus salve o rei! 258

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    PREFCIO

    Queridos amiguinhos:Escrevo-lhes desta vez uma introduo mais longa do que meu costume.Era meu propsito terminar a srie Aventuras com o meu sexto livro,intitulado A Aventura no Barco. Nesta obra comuniquei o casamento de

    Jaime Cunningham -amigo e companheiro de aventuras dos quatro pequenos,Joo, Filipe, Dina e Maria da Luz - com a Sr.a Mannering, me de Filipe eDina, que se tornou, assim, na Sr.a Cunningham. Recordareis que Joo eMaria da Luz, rfos de pai e me, consideravam a me de Filipe e Dinacomo tia, chamando Sr.a Cunningham tia Lia.Agora, neste stimo livro, descobrireis, claro, que a Sr.a Manneringpassou a chamar-se Cunningham, por ser esposa de Jaime. A este chama-se,como sempre, Jaime. Os quatro pequenos, Jaime e a esposa constituem umafamlia magnfica. No primeiro livro da srie, A Aventura na Ilha, haveislido como se travou o conhecimento com Jaime.A culpa de que tivesse de continuar esta srie depois de ter tomado adeciso de termin-la vossa, pequenos leitores. Vs haveis pensado, ecom razo, que depois de Jaime e a Sr.a Mannering se terem consorciado e

    tudo estar disposto para um feliz desenlace, a srie teria chegado ao fim- e ficaram de tal maneira horrorizados ao pensar que no haveria maisaventuras com Joo e a Didi, Filipe, Dina e Maria da Luz que me enviaramuma avalanche de centenas, talvez possa dizer milhares de cartas,suplicando-me, ordenando-me que escrevesse outra aventura. No eramapenas cartas de crianas da Gr-Bretanha,

    5mas tambm australianas, neozelamdesas, sul-africanas e africanasorientais, americanas e at de outros pases, tais como Alemanha ePortugal, onde se publicam as Aventuras na sua lngua.

    Pois bem: acedi alegremente ao vosso pedido. Aqui est o stimo livro, AAventura no Circo, escrito para vs com verdadeiro encanto da minhaparte. Queira Deus que gostem!

    Os livros anteriores tm por ttulos:A Aventura na Ilha, A Aventura no Castelo, A Aventura no Vale, A Aventurano Mar, A Aventura na Montanha, A Aventura no Barco.Os desejos de boa sorte para todos deENID BLYTON6 -

    CAPTULO I AS FRIAS

    A tranquilidade havia desaparecido j de casa. Os quatro pequenos estavamde volta do colgio e carregavam as malas aos gritos. A Didi, sem saberporqu, tomava parte na algazarra, gritando estridentemente.- Tia Lia! C estamos! - gritava Joo. - Cala-te Didi! Nem consigo ouvir-

    me a mim mesmo!- Minha me! Onde est? - chamou Dina. - J c estamos!A me, toda sorridente, apareceu logo a seguir.- Dina, Filipe! No vos esperava to cedo. Como ests crescida, Maria daLuz! E tu Filipe, pareces vender sade!- Pois no compreendo o motivo - riu o pequeno, dando um grande abrao Sr.a Cunningham. - A comida no colgio to m que quase no como!- A conversa de sempre! - disse a me, sorrindo. - Ol, Didi! Ao menoscumprimenta!Como est, minha senhora?, fez a catatua, com voz solene, estendendo o

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    p esquerdo para que a Sr.a Cunningham lho apertasse.- Uma nova habilidade - observou o Joo. - Mas enganaste-te no p,marota. Ento no sabes distinguir o p esquerdo do direito?Direito, esquerdo, direito, esquerdo, direito, esquerdo, repisou a Didiprontamente, comeando a marcar passo com muito acerto. Um-dois, um-dois, um-dois...- Bem, basta - disse Joo, que se voltou para a Sr.a Cunningham. - Como

    est o Jaime? Tambm est c?- Era inteno dele estar c para vos dar as boas-vindas - respondeu asenhora. - Mas esta manh7telefonaram inesperadamente, tomou o comboio e partiu a toda a pressapara Londres.Os quatro pequenos no ocultaram a decepo que a notcia lhes causava.- Oxal que no seja um trabalho que o ocupe durante todo o tempo em queestamos em casa a passar as frias da Pscoa - resmungou Maria da luz. -Ele tem sempre uma misso secreta a cumprir quando menos convinha que a,tivesse!- Suponho que o caso no ser to srio desta vez - respondeu a Sr.aCunningham. - Estou espera que me telefone de um momento para o outro,

    para me dizer se regressa esta noite ou no.- Minha me! Abrimos aqui as nossas malas? - quis saber Dina. - Quase nopodemos passar com as quatro malas na entrada.- Sim. Mas deixem duas delas mo depois de as despejarem. Vamos partirde frias amanh... todos juntos!Era uma grande novidade para os pequenos. Agru-param-se imediatamente volta da Sr.a Cunningham.- Nada nos disse nas suas cartas! Para onde vamos? Por que no nosavisou?- Na verdade a ideia foi de Jaime, e no minha - replicou a senhora. Pareceu-lhe que seria agradvel mudar de ares. Eu mesma fiqueisurpreendida quando ele ma comunicou subitamente.- Que maneira de resolver as coisas! Nem sequer nos disse uma palavra! -exclamou Filipe. - Escute, aconteceu qualquer coisa? Pareceme estranho

    que Jaime tenha resolvido levar-nos para frias assim de repente. Daltima vez que falei com ele, quando foi ver-nos ao colgio, no falounoutra coisa seno no que faramos em casa durante as quatro semanas dasfrias da Pscoa.- No considero o caso extraordinrio - disse a me. - J sabes que Jaimepensa sempre nas coisas ltima hora.8- Bem, mas, ento, para onde vamos? - quis saber o Joo, enxotando a Didido aparador, onde o pssaro tentava tirar a tampa do boio da geleia.- Para um stio chamado Texuguinho - respondeu a Sr.a Cunningham. - Umlugar muito sossegado em pleno campo. Deve agradar a todos. Vocs podemandar vestidos de qualquer maneira durante todo o dia.- Texuguinho - murmurou Filipe. - Haver texugos por l? Sempre tive

    interesse no estudo dos hbitos dos texugos... Esses bichos toesquisitos que se parecem com os ursos.- Bom, pelo menos andars distrado - comentou Dina. - Supondo que osignificado disso consiste em que, quando menos esperarmos, tu tersmetido em casa um casal de texugos como mascote. Uf!- Os texugos so uns bichos muito engraados - comeou Filipe. - Limpos emuito cuidadosos nos seus hbitos, e...A Maria da Luz soltou uma gargalhada.- Meu Deus! Ento no se parecem nada contigo, Filipe!- No me interrompas dessa maneira, nem digas tantas tolices - resmungou

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    Filipe. - Dizia eu, referindo-me aos texugos...Mas ningum tinha vontade de o ouvir. O Joo estava ansioso por fazer umapergunta.- Haver pssaros que valha a pena conhecer-se no Texuguinho? - quissaber. - Onde fica esse stio? Junto do mar?Como sempre, o Joo continuava a interessar-se por aves e sentia-se felizs com o facto de poder observ-las. A Sr.a Cunningham deu uma

    gargalhada.- Tu e os teus pssaros, Joo! E tu e os teus texugos, Filipe! Nada lhesposso dizer acerca dos bichos que haver por l. Deve hav-los de todosos gneros. Bem... vamos tratar das malas. Esvaziam-se e arrumam-se asdos rapazes9

    l em cima e deixamos as das pequenas para as levarmos para oTexuguinho... visto estarem um pouco menos maltratadas.- Poderemos comer alguma coisa depois de arrumar as roupas? - perguntouFilipe. - Estou morto de fome. Sabe, a comida do colgio to...- Est bem, j ouvi dizer isso, Filipe - respondeu a me. - Vou preparar-vos uma magnfica refeio para daqui a meia hora... sim, do que maisgostam... fiambre, salada, sardinhas de conserva, batatas cozidas, montes

    de tomates...- Que petiscos! - exclamaram todos. - Que coisas to boas!A Didi saltitou alegremente, apoiando-se num e noutro p.Boas coisas, boas, pairou. Boas... boas-tardes, boas-noites, muitoboas.Os pequenos comearam a desmanchar as malas.- A Didi portou-se muito mal durante a viagem- informou Joo, tentando transportar uma enorme pilha de roupa edeixando cair metade. - Meteu-se debaixo de um banco a brincar com unspapis de embrulhar caramelos. Pouco depois, subiu um senhor muitosimptico e a Didi meteu-lhe os papis na dobra das calas. Se visse acara dele quando se baixou e os viu!- E logo a seguir ps-se a ladrar como um co- acrescentou a Maria da Luz com uma risada-, e o pobre senhor por pouco

    batia com a cabea no tecto do compartimento.Pum, pum!, interrompeu a catatua. Pop, pop! Piiii, piiii! Piiii, tocao apito. Limpa os ps! Fecha a porta!- Oh! Didi! Como agradvel voltar a ver-te e ouvir as tuas patetices -exclamou a Sr.a Cunmingham, sorrindo.A Didi ergueu a poupa, aproximou-se da senhora e acariciou-lhe a mo coma cabea, como se fosse um gato.11

    - Quando fazes isso julgo sempre que te vais pr a ronronar - afirmouela, afastando-a.As malas depressa ficaram vazias e a distribuio do seu contedo noofereceu complicaes: deitou-se a roupa suja para dentro de um grandecesto de vime e a outra foi arrumada nas gavetas das cmodas.

    - No chego a perceber porque se d tanta importncia ao fazer edesmanchar das malas - observou o Joo. - Didi, tira j a cabea do meubolso. Que significa esta repentina loucura pelos caramelos? Queres queum se te cole ao bico e no possas palrar?A Didi tirou a cabea do bolso do rapaz e soltou um grito de triunfo.Tinha encontrado um caramelo. Agora passaria um bom pedao de tempodivertindo-se a tirar o papel e a falar sozinha enquanto no terminava atarefa.- Bom, isto, ao menos, deix-la- ocupada por algum tempo - observouDina, com alvio. - Faz tanto barulho quando est excitada!

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    - Acontece o mesmo contigo - interveio logo Filipe. A Dina olhou para elezangada.- Calem-se os dois - apressou-se a dizer Joo. - Nada de discusses noprimeiro dia de frias. Meu Deus! Olhem para a Luzinha, que deixa cair umpar de meias em cada degrau da escada!O telefone comeou a tocar e a Sr. Cumningham foi atender.- Deve ser o Jaime! - disse.

    Era com efeito o Jaime. Houve uma curta conversa, a qual, por parte dasenhora, consistiu principalmente em Sim. No. J. Julgo que sim. No,claro que no. Sim. Sim. No, Jaime. Sim, vou explicar-lhes. Ento atlogo. Adeus.- Que disse ele? - perguntou Joo. - Quando chega? Estou cheio desaudades dele.- Vir esta tarde por volta das cinco e meia - informou a Sr.aCunningham.12-No entanto, os quatro pequenos no a acharam muito satisfeita. Abriu aboca para dizer alguma coisa, vacilou e tornou a fech-la.- Mezinha, que disse que explicaria? - perguntou Filipe. Ouvimos-lhedizer: Sim, vou explicar-lhes. Tratava-se de alguma coisa que tinha de

    nos dizer? Que ?- No diga que se trata de uma notcia m! - exclamou Maria da luz. - OJaime vai connosco, no vai?- Oh, claro! Bem... espero que vocs no se importem, queridos... mas...tem muito interesse em que levemos tambm outra pessoa.- Quem ? - perguntaram todos em coro. Ficaram com uns ares to irritadosque a Sr.aCunningham, surpreendida, se deteve.- No se trata da sua tia velhota, pois no? - perguntou Dina. - Oh,mezinha, no me diga que algum com quem tenhamos de estar sempre comcerimnias!- No, claro que no. Trata-se de um rapaz... o sobrinho de um amigo doJaime.- Conhecemo-lo? Como se chama? - quis saber Joo.- O Jaime no me disse o nome dele.

    - E por que no vai ele passar as frias sua prpria casa? - perguntouDina, aborrecida. - No me agradam muito os midos muito pequenos. Porqueteremos de lev-lo conosco? Vai aborrecer-nos durante todo o tempo, comcerteza!- No penses nisso - interveio logo Filipe. - Ns bem sabemos como trataros garotos, no verdade, Joo? So muitos os que temos de aturar l nocolgio... eles e as suas tolices... Sabemos muito bem como se metem naordem.- Sim. Mas por que h-de ir connosco? - insistiu Dina. - No tem casa?- Claro que tem. Mas estrangeiro - respondeu a me. - Mandaram-no paraum colgio em Inglaterra a fim de ser educado convenientemente. Julgo queos seus13 -

    desejam que passe agora algumas semanas com uma famlia inglesa para queconhea os nossos hbitos e costumes. Alis, segundo parece, h qualquerdificuldade em casa dele... est algum doente ou coisa parecida.- Bem, faremos o melhor que nos for possvel - declarou a Maria da Luz,imaginando o desconhecido como um garotinho triste a quem poderiaconsolar.- Ento, sers tu quem se encarregar dele, Luzinha - disse a Dina, queachava pouca graa aos garotos e menos ainda s meninas pequeninas. -Podes passear com ele numa cadeirinha e noite ir met-lo na cama!- Dina, no sejas palerma - ralhou a me. - Ele no assim to pequeno.

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    Bem... vocs j acabaram? Estamos quase na hora do almoo, por isso volavar as mos e pentear-se.Lavar as mos, pentear o cabelo, limpar os ps, assoar o nariz, gritoua Didi. Pentear as mos, assoar os ps, limpar os... os... os...- Bem... parece-me que te enganaste, minha amiga - disse Joo, a rir.A Didi foi pousar-lhe no ombro e comeou a debicar-lhe a orelhaamorosamente. Depois, quando ouviu o gongo, soltou um grito agudo e voou

    para a casa de jantar. Sabia muito bem o que aquele som significava!- Joo! A Didi debicar todos os tomates se no tomares conta dela! -observou a Sr.a Cunningham. - V, depressa, apanha-a.Mas aquela observao foi desnecessria: todos haviam largado a correr aoouvir o gongo.

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    CAPTULO II CHEGA O GUSTAVO

    Os pequenos passaram a tarde percorrendo a casa para ver quais asmudanas que haviam sido feitas e explorando o jardim de ponta a pontapara descobrir as flores que tinham aberto e o que poderiam comer (s

    alfaces, que pena!), aproveitando o ensejo para apresentar a Didi s seisnovas galinhas.- H um tapete novo no quarto de hspedes - anunciou Maria da Luz-, e aisto que se reduzem as alteraes. Mas bom que assim seja. No gosto dechegar a casa e encontrar tudo mudado. Julgo que esse rapazinho dormirno quarto de hspedes, no verdade, tia Lia?- - respondeu a Sr.a Cunningham. - Vou prepar-lo dentro de momentos.Vai ter com os outros ao jardim. Se quiseres, podes colher algunsnarcisos... faz falta um ramo no vestbulo.Maria da Luz ficou encantada. O primeiro dia de frias era sempre umabeleza. Todos os primeiros dias passiavam devagar, e o pensamento dosdias de frias em perspectiva era um constante motivo de alegria.- Maria da Luz! Vem c! A Didi est a divertirse grande! - chamou Joo.- Olha como ela se exibe diante das galinhas!

    A catatua pousara num poste da capoeira e as seis galinhas tinham-seagrupado sua volta, admirando-a.Cocoroc, cacarejaram as galinhas, e uma delas levantou-se na ponta daspatas e bateu as asas como se fosse voar.A Didi voltou a cabea, ps-se tambm na ponta dos15ps, abriu as asas e levantou voo, planando at aterrar junto dassurpreendidas galinhas.Cocoroc!, pairou, muito solene. Coooroc!Cocoroc, responderam, admiradas, as galinhas, aproximando-se mais.Uma delas, mais ousada, deu-lhe uma bicada numa das penas da cauda.Aquilo era uma insolncia! A Didi pulou volta das16

    aterradas aves, imiitando o barulho dum avio avariado. As galinhaslargaram a fugir para o galinheiro, tropeando umas nas outras aotentarem enfiar-se, duas a duas, pela estreita porta.A catatua voltou atrs, cacarejando outra vez. A Sr.a Cunningham gritouda janela:- Meninos! As galinhas nunca mais poro ovos se deixarem a Didi assust-las dessa maneira!- Olhem, a Didi imeteu-se no galinheiro! - observou Joo. - Vai acocorar-se com certeza, num ninho, e tentar pr um ovo como elas! Sai da, Didi!A catatua deitou a cabea de fora, com ar interrogativo.

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    Pe a chaleira ao lume, disse, muito serena. Cocoroc!Levantou voo e foi pausar no ombro de Joo. As galinhas olharam umas paraas outras com alvio. J poderiam sair e passear pela capoeira semperigo?- Olha o gato do vizinho -avisou Dina. - Suponho que veio ver querebolio era este! Segura a Didi, Joo.- Vai pr-se a ladrar se ele se aproxima mais - comentou o rapaz. -

    Venham... vamos ver o que tem o jardineiro na estufa.Estava uma tarde soalheira, muito agradvel, e os quatro divertiam-seandando por a, como disse Joo. Estavam todos ansiosos por que Jaimechegasse. Depois a famlia ficaria completa, sem falar, claro, noanunciado rapaz que viria com Jaime.- Vou esperar pelo Jaime no porto - anunciou Maria da Luz a seguir aolanche.- Vamos todos - retorquiu Filipe. - O Jaime formidvel! uma sorte eleno estar agora comprometido numa das suas misses secretas, podendoacompanhar-nos!Instalaram-se perto da cancela, todos juntos. A Didi, excitada, erguia ebaixava a poupa.17

    Jaime! Lava-me!, no parava de palrar. Onde est o Jaime? Piiiu,assobia o Jaime!s uma tonta - disse Maria da Luz, acariciamdo-lhe o pescoo. - Isso

    que s!- Olha o que lhe foste chamar! - exclamou Dina. - Precisamente quandoestamos espera que eles cheguem! Aposto em como se vai pr a chamartontas a todas as pessoas que vir!Tonta! Tonta!, gritou o animal, enamorando-se da palavra.Joo deu-lhe um piparote na cabea.- No, Didi, cala-te. Olhem... vem a um carro. Talvez seja o Jaime.Enganou-se. No era. Quando o veiculo passou em frente deles, a Didiimitou exatamente a buzina de um automvel.O motorista ficou assombrado, porque no via nenhum carro nasvizinhanas. Resolveu tocar a buzina do seu prprio carro, julgando que

    havia por ali alguma curva ou cruzamento que ele no pudesse ver. Poucodepois Maria da Luz soltou um grito.- A vem Jaime! - exclamou. - Avisto um carro preto muito polido ebrilhante! Jaime, Jaime!Tinha razo. Era o carro de Jaime. Parou diante da cancela e o rosto dodetective assomou jamela. Havia algum sentado junto dele. Seria orapaz?Jaime abriu a porta e saiu. Os quatro pequemos correram na sua direco.- Jaime! Querido Jaime! Est bom? Jaime Tonto!, gritou uma voz.- Ah... ol, Didi - saudou Jaime quando a Didi lhe pousou no ombro. -Vejo que continuas a ser o mesmo pssaro maroto de sempre. Estava a fazeraqui muita falta para te ensinar boas maneiras!A Didi cacarejou como uma galinha excitada.

    18- Eh, l! No ponhas um ovo no meu pescoo! Quem te ensinou a cacarejar?Dina, onde est a me?- Aqui - respondeu a rapariga quando a Sr.a Cunningham chegou a correr.Ouviu-se uma tosse muito forte dentro do veculo, o que fez com que Jaimese contivesse antes de poder cumprimentar a esposa, uma tosse cujoevidente propsito era o de recordar a presena do invisvel passageiro.- Ah... tinha-me esquecido por completo - volveu o detective. - Trouxeuma visita. Disseste-lhes, Lia?- Disse - respondeu ela. - Onde est? No automvel? Diz-lhe que desa.

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    - Vamos, sai - ordenou Jaime.No meio do silncio que se seguiu, aquele que tossira apeou-se do veculoo mais majestosamente que lhe foi possvel.Ficaram todos a olhar para ele.Deveria ter uns onze anos e via-se logo que era estrangeiro. O seu cabeloera encaracolado e preto como a asa dum corvo e j h muito tempo que noera cortado. Tinha uns olhos to negros como o cabelo e as pestanas mais

    espessas do que as de qualquer das pequenas. As suas maneiras eram, naverdade, magnficas.Dirigiu-se Sr.a Cunnimgham e tomou a mo que esta lhe estendia, mas, emvez de a apertar, inclinou-se e tocou-lhe com os lbios. A Sr.aCunningham no pde deixar de sorrir. Os quatro pequenos contemplaram acena divertidssimos.- Agradeo-lhe sinceramente, minha senhora - disse com um acentoestrangeiro.- Nada tens que agradecer - respondeu a Sr.a Cunningham. - J tomaste och?Mas, antes de responder a esta pergunta, o rapaz fez uma nova exibiodas suas corteses maneiras. Aproximou-se de Dina e, antes de elaadivinhar o seu propsito,

    19pegou-lhe na mo e inclinou-se para ela. A pequena retirou-a com umaexclamao de surpresa.- No! - exclamou.Maria da Luz apertou firmemente as mos atrs das costas. Tambm ela noqueria que ele as beijasse. Que rapaz to extraordinrio!- Gustavo, meu rapaz, estamos unicamente habituados a apertar a mo -explicou Jaime, tentando ocultar a graa que achava ao ver os rostosindignados das pequenas. - Ah! Este Gustavo Barmilevo, Lia. Permanecerconnosco umas semanas. O tio pediu-me que tomasse conta dele.Gustavo Barmilevo fez uma grande vnia, mas no tentou beijar mais mos.Jaime apresentou-o aos restantes.- Dina... Maria da Luz... Joo... e Filipe. Bem., espero que depressa setornaro bons amigos.

    Os pequenos apertaram a mo de Gustavo, olhando-o com certa antipatia.Meu Deus! Tinham de aguentar aquele tipo durante as frias?Gustavo fazia uma ligeira vnia cada vez que apertava as mos que osoutros lhe estendiam.- Encantado por conhec-los - disse. - Que pssaro este? Como se chama?- uma catatua e chama-se Didi - respondeu Joo com voz solene. -Gustavo, apresento-te a Didi. Didi, apresento-te o Gustavo.A Didi estendeu o p como de costume. Gustavo ficou surpreendido, mas nempor isso esqueceu as boas maneiras estendeu a mo Didi. Por azar, oanimal cravou-lhe as unhas nos dedos, e o rapaz deu um grito.Que barulho, que barulho!. Observou a Didi, muito severa. Limpa os pse assoa o nariz. Chama o mdico!- O meu dedo est a sangrar - lamentou o rapaz, com lgrimas nos olhos. -

    Sangra mesmo, olhem.20Chama o mdico, Lena tem tosse, chama o mdico, cantarolou a Didi,

    toda satisfeita.Quando compreendeu que era a catatua que falava o rapaz esqueceu-se deque estava a sangrar e olhou, estupefacto, para a Didi.- Fala! - exclamou respeitosamente. - Fala. Diz palavras. Viu o meu dedoa sangrar e disse para chamar o mdico. Nunca tinha visto um pssaroassim.- Vamos, entra para eu te pr um penso no dedo - interveio a Sr.a

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    Cunningham, que comeava a estar cansada de tudo aquilo.- Est bem. O dedo continua a sangrar - assentiu Gustavomelancolicamente, observando como caa no solo uma minscula gota desangue.Parecia que ia comear a chorar. Depois disse qualquer coisa deextraordinrio.- Este pssaro - proferiu, olhando bruscamente para a Didi-, este

    pssaro... tem de ser fechado numa gaiola. Ordeno-o.- No sejas tolo - replicou-lhe Joo, depois duns momentos de silncio esurpresa. - Vamos, tia Lia... entremos em casa. O Gustavo pode morrer porperder tanto sangue.Ante to alarmante possibilidade, Gustavo correu para casa. Os outrosseguiram-no devagar. Que rapaz to extraordinrio!- No est bom da cabea - comentou a Dina em voz baixa.Todos moveram a cabea num gesto de concordncia. Ouviram Jaime que oschamava.- Eh! E se me ajudassem a descarregar as malas?- Oh! Jaime, desculpe... no nos lembrmos - afirmou Joo, voltando atrsrapidamente. - Gustavo entre-teve-nos um bocado. Que nacionalidade adele?

    - Creio que provm duma mistura de nacionalidades - respondeu Jaime. Nolhe falem na famlia nem21

    na casa dele seno tenho a certeza de que comea a chorar. Lamento ter deos sobrecarregar desta maneira. Vo ver que ele melhorar quando seacostumar com toda a gente. Ouvi dizer que se dava muito bem com toda agente no colgio ingls em que andava. Seja como for, prometo livrar-vosdo rapaz logo que possa. Encarregar-me-ei eu dele, pois foi isso que mepediu o amigo que estava encarregado de velar pelo garoto.- Ajud-lo-emos em tudo o que pudermos - prometeu a Maria da Luz. -Suponho que o rapaz tmido e se sente deslocado. E, meu Deus, o medoque tive quando ele me quis beijar a mo. Que diriam as minhas colegas lno colgio?- Nada diriam, pois no vejo como poderiam vir a saber - comentou o

    detective. - Pega nessa mala, Joo... E tu, Filipe, nessa caixa. Bem...vocs no calculam como estou contente por vos ver todos juntos e em casaoutra vez. E por te ver a ti tambm, Didi, minha marota. Como teatreveste a chamar-me Jaime tonto?Piiiu assobia o Jaime, piiiu assobia o Jaime!, palrou a Didi,encantada. E foi pousar no ombro de Jaime para lhe debicar carinhosamentea orelha. Piiiu, piiiu, piiu!

    CAPTULO III GUSTAVO E A DIDI

    No dispuseram de tempo naquela tarde para conhecer melhor GustavoBarmilevo. Partiriam no dia seguinte e muitas coisas estavam por

    preparar. Decidir o que haviam de levar e de deixar foi motivo denumerosas discusses.Gustavo estava aturdido com o barulho que faziam tantas pessoas a falarao mesmo tempo. Sentado, contem-plava-os a todos, balouando o dedoferido. A Didi fascinava-o. Observava o pssaro demoradamente, mas nopermitia que ele se aproximasse.Mal o via fazer meno de se mover na sua direco, agitava as mos comoquem espanta galinhas.- Fora! - exclamava. - Fora daqui!- Est to aflito como s a Didi consegue estar s vezes - observou Joo,

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    sorrindo. - A Didi no chega a perceb-lo. Onde pus eu o livro? Tia Lia,sabe se meti aquele livro grande na mala?- Meteste, sim - respondeu a Sr.a Cunningham. - Vou tir-lo novamente.Pela terceira vez, Joo: no vais levar uma dzia de livros sobrepssaros. Basta que leves dois: ters leitura mais do que suficiente,portanto escolhe.- Oh, tia! Tem um corao to duro - lamentou-se o rapaz. - Bom, suponho

    que me deixa levar o binculo. Ou, melhor, se ele ficar, fico tambm.- Os binculos podem vocs levar a tiracolo - explicou a Sr.aCunningham. - Lembra-te de que somos sete no carro, no falando dabagagem. necessrio levar o menos possvel. Didi, larga essa corda!Didi! Joo, se no fazes com que a Didi esteja quieta e no pegue em22 23tudo O que abandono por alguns instantes, acabar por dar comigo emdoida.- Onde est a gaiola? - perguntou logo Gustavo, com voz autoritria. -Metam-na na gaiola.- Deixa-te disso, rapaz - interveio Joo. - E faz favor de no me daresordens!Era evidente que Gustavo nada percebeu do que acabavam de dizer-lhe.

    Contudo, o tom de voz de Joo f-lo ficar ressentido. Ergueu-se muitodireito do assento.- Esse pssaro ... ... mau - afirmou. - No bom. mau. A partir deagora quero v-lo numa gaiola.- Vamos, Joo, vamos! - aconselhou a Sr.a Cunningham, quando viu o rostoenfurecido do rapaz. - No est acostumado Didi. Nem nossa maneira deser. D-lhe tempo para que possa adaptar-se. No faas caso, Gustavo, opssaro no mau. Deixa-te estar quieto e calado a na cadeira.- Onde est a gaiola?-repetiu o Gustavo de maneira exasperante. - Umagaiola grande, GRANDE. Para um pssaro mau.Joo aproximou-se dele e falou-lhe mdevagar e muito alto, com a caramuito chegada do surpreendido rapaz.- Tenho uma gaiola grande, GRANDE - disse, com voz dramtica. - Mas para meter l dentro os garotos parvos. Vou tasc-la para ti, Gustavo. Se

    queres uma gaiola grande, GRANDE, ters uma s para teu uso. Sentas-te ldentro para ficares protegido desse pssaro mau.Com enorme surpresa de Joo, Gustavo rompeu a chorar copiosamente. Osquatro pequenos olharam para ele estupefactos. Como que um rapaz deonze anos podia ser to incrivelmente estpido? At a Maria da Luz estavaadmirada. A Sr.a Cunningham correu para ele.- Est cansado - disse para os outros. -- Para ele tudo estranho enovo. Nunca tinha visto um pssaro como a Didi. Poderia acontecer o mesmoa qualquer de24

    ns! Anima-te, Gustavo. Claro que Joo no falava a srio.- Eu falava muito a srio - continuou Joo. - A antiga gaiola da Didi eragrande e...

    A Sr.a Cunningham levou o rapaz, que continuava a soluar, para fora doquarto. Os quatro olharam uns para os outros sem ocultarem a suarepugnncia.- J viram isto! E pensar que temos de o aturar durante o resto dasfrias! - exclamou Joo. - S vos digo uma coisa: a partir de agora vouencarregar-me dele e vo ver que no vai passar uma temporada muitodivertida, asseguro-vos.- Eu tambm vou tomar conta dele - garantiu Dina, com raiva. - Quem julgaele que ? Com que direito pretende dar ordens? Oh, Joo, quem me deraque, de facto, tivesses ido tascar a gaiola! Gustavo faria, com certeza,

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    uma cara divertida!- Pobre Gustavo! - exclamou Maria da Luz. - Como teria gritado! PobreGustavinho!Gustavinho!, gritou imediatamente a Didi, Gustavinho parvinho!Gustavinho parvinho! Todos desataram a rir.- Voltaste a acertar em cheio - dirigiu-se Filipe ao animal. -Parvoces... o que vamos ter de aguentar: parvoces... gritos... e

    soluos. Porque no educam os estrangeiros convenientemente os filhos?Gustavinho parvinho. Vamos ficar fartos dele at ponta dos cabelos.Gustavinho parvinho, gritou a Didi, saltitando ora num, ora noutro p.Limpa os ps, Gustavinho!- Diz antes: enxuga as lgrimas - corrigiu Filipe. - Deus queira que nov chorar com muita frequncia. Parece-me que vou levar um lenol paralhe emprestar quando lhe aparecer uma lgrima no canto do olho. -Cunningham regressou a tempo de ouvir estas ltimas palavras.- No acham que esto a demonstrar falta de caridade?25- inquiriu. - Reconheo que Gustavo um pouco pateta. Todavia, precisoatender-se s circunstncias. Deve ser terrvel ver-se metido assim, semmais nem menos, no meio de pessoas cujo idioma quase desconhece e que

    fazem troa dele. Por que no so um pouco mais compreensivos, no lhedo tempo para se adaptar?-Est bem, minha me - prometeu Filipe. - De qualquer maneira, estranhoter-nos Jaime impingido um garoto como Gustavo, sem prvio aviso, e logono princpio das frias.- Parece-me que aconteceu o seguinte: pediram ao Jaime que seencarregasse deste rapaz... S depois qui ele viu que vocs no haviamde gostar da companhia do Gustavo - explicou a me. - Por isso, disse-meque era seu propsito ir sozinho com ele para algum stio. Eu no aceiteital ideia porque as frias sem o Jaime seriam montonas. Acabmos porchegar concluso de que o melhor seria o Gustavo acompanhar-nos, mesmoque tivssemos de fazer um esforo para o aturar. Temos de aguentar ou,ento, renunciar no s a Gustavo mas tambm a Jaime.- Compreendo - disse Filipe. - Pois eu prefiro aguentar esse Gustavo a

    perder Jaime. "- J esperava isso - assegurou-lhe a me. - E agora no obriguem o Jaimea arrepender-se. Seno desaparece com o Gustavo e numca mais o vimosdurante as frias. No entanto, podem meter Gustavo na ordem sem perigoNo lhe far mal algum. A mim pareceu-me um menino muito choro e mimado.- Ensin-lo-emos, num instante, a comportar-se devidamente - garantiuJoo. - Mas, mesmo assim, no consigo perceber como que Jaime aceitoutomar conta de onde pra esse choro?- Est na cama a ler um livro - esclareceu a Sr Cunningham. - Temos muitoque fazer esta noite. Alm disso, no me apetecia aturar choros ediscusses no dia26

    da vossa chegada. Por isso, ocorreu-me que nos sentiramos todos mais

    satisfeitos se ele se metesse na cama e no aparecesse.- E teve razo - exclamou Joo. - Bom, e agora que j nos livrmos desseestorvo, continuemos o nosso trabalho. No precisa da nossa ajuda parapreparar o jantar, pois no, tia Lia?- Isso ser uma maneira indirecta de me dizeres que tens fome outra vez?Bem... as pequenas podem encarregar-se do jantar. Vocs venham ajudar-mea meter o maior nmero de coisas no pouco espao de que dispomos. Pensodeixar c ficar em casa bastante do que Gustavo trouxe. Coisasverdadeiramente absurdas... pijamas de seda autntica, por exemplo! Commonogramas em tudo.

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    - Como devem ter feito pouco dele no colgio - comentou Filipe. - Foipena no lhe terem cortado as melenas. Com aquele cabelo todo, assimencaracolado e negro, daria uma rapariga bem engraada. Podemos dar-lheum corte, minha me?- Talvez. Mas acabemos com a conversa. J estou farta dele.As malas ficaram prontas perto da hora do jantar. A Sr.a Cunninghamestava decidida a no levar mais do que uma muda de roupa para cada um:

    camisas, camisolas, casacos de Vero e impermeveis. Mais uma vez teve detirar o enorme livro de pssaros de Joo de onde este o havia escondido,isto , debaixo das camisas. Olhou para ele exasperada.O rapaz fitoua com um sorriso muito amvel.- Oh, desculpe, tia Lia! No me diga que ele se meteu l outra vez!- Agora vou fechar a mala chave - declarou a Sr.a Cunningham,energicamente. - Com franqueza, Joo, as vezes penso que o que te fazfalta um aoite!Jantaram no meio de grande algazarra. Gustavo, a quem haviam levado acomida cama numa bandeja, ouviu27

    O rudo e as gargalhadas com certa inveja. Estava cansado e alegrava-sepor estar na cama. Mas l em baixo parecia que estavam todos muito

    divertidos. Sabia que no tinha causado muito boa impresso. Aquelepssaro, aquele maldito pssaro, era quem tinha a culpa das coisas teremcorrido mal. Quando apanhasse a Didi a jeito dar-lhe-ia umas palmadas.Zs!Baixou bruscamente a mo como se fosse agarrar a Didi. A bandejadesequilibrou-se e o copo da limonada entornou-se para cima do pano quecobria a bandeja. To atrapalhado estava a tentar recolher o lquido queno viu a minscula figura que acabava de entrar. Era a Didi. Durante ojantar o animal tinha dado pela falta de algum. Onde estaria? L emcima? Decidiu subir e ir averiguar.Meteu-se debaixo da cama e resolveu explorar os sapatos e as caixas quepor l encontrou. Tentou destapar uma delas com o bico. Tirar tampas eraum trabalho que a encantava.Gustavo ouviu um rudo. Quem seria? Deu uma vista de olhos pelo quarto.

    Toque-toque-toque! A tampa no saltava.- Quem est a? Quem - perguntou o rapaz ansiosamente.O pssaro hesitou acerca do rudo com o qual havia de responder. Possuauma coleco inesgotvel de rudo; de todas as espcies. O apito de umalocomotiva ao entrar num tnel? No, esse fazia com que a Sr.a Cunninghamficasse irritada. Uma debulhadora? Como rudo resultava muitosatisfatoriamente, mas no gozava de popularidade entre paredes e sob umtecto baixo. Alm disso, tinha ainda uma grande variedade de tosses noseu repertrio: tossinhas curtas e ligeiras, tosses roucas e profundase... espirros. E se desse um espirro? Sim, era isso o que faria, poistratava-se duma das suas melhores imitaes. AT... CHIM!28Debaixo da cama o espirro provocou um barulho enorme.

    Gustavo ficou petrificado. Um espirro, e to forte, debaixo da cama! QUEMestaria debaixo da cama? Algum que o espiava? Comeou a tremer eentornou a limonada outra vez.A Didi ps-se a tossir. Era uma tosse rouca, profunda, lanclica e lenta.Gustavo soltou um gemido. Quem sstaria a tossir debaixo da sua cama? Nose atrevia29a levantar-se e investigar. Estava certo de que, fosse quem fosse que seencontrasse escondido, o agarraria pelos tornozelos mal tocasse com osps no cho.

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    A seguir a catatua soltou um grunhido e o pobre Gustavo tremeu tanto desusto que por pouco a bandeja caa da cama. Segurou-a mesma a tempo. Maso prato escorregou, embateu num dos sapatos e rolou depois para debaixoda cama.Desta vez foi a Didi que ficou surpreendida. Afastou-se um pouco e olhoupara o prato que tinha deixado de rolar.- Socorro, socorro! - gritou Gustavo, recobrando finalmente a voz. - Est

    algum debaixo da minha cama! Socorro, socorro!Jaime subiu os degraus a dois e dois e aproximou-se do pequeno.- Que aconteceu? Diz-me, depressa.- Debaixo da cama - respondeu o rapaz com voz fraca.Jaime baixou-se para ver. Nada viu. A Didi, depois de chegar conclusode que a brincadeira tinha acabado encontrava-se dentro do roupeiro,escutando, com a cabea de lado.- No deves imaginar coisas destas - disse bondosamenteo detective,dirigindo-se ao rapaz. - No h nada debaixo da cama nem nunca houve.Absolutamente nada Vou levar a bandeja e podes dormir descansado.

    CAPTULO IVA CAMINHO DE TEXUGUINHO

    A manh seguinte apresentou-se clara e cheia de sol. Umas nuvens cruzavamvelozmente o firmamento primaveril.- Parecem pastas de algodo - observou Dina. - Oxal este bom tempo semantenha durante as frias.- Vou buscar o carro - preveniu Jaime. - Quando eu tocar a buzina, esperoque estejam todos j preparados. Lia, tu vais comigo frente e a Mariada Luz ter de encolher-se para ficar entre ns dois. Os outros quatrovo atrs. As malas iro no porta-bagagens. Se algum se portar maldurante a viagem, eu ponho-o fora e ter de continuar a p, e fiquemsabendo que o farei com prazer.- Jaime, o senhor no era capaz de fazer uma coisa dessas.- Oh, no tenhas a menor dvida - afirmou o detective, assumindo um arto feroz que o pobre Gustavo se assustou de verdade.

    Decidiu, por isso, portar-se o melhor possvel e comeou a fazer alardedas suas boas maneiras. Abriu as portas a todos. Fez vnias. Tentouapoderar-se de tudo quanto levava a Sr.a Cunningham e ser ele a carregarcom as coisas. Quando se cruzava com algum, o que acontecia a todo omomento, afastava-se com um salto, fazia uma vnia e dizia:- Desculpe, por favor. Mil perdes.- Como est o teu dedo, Gustavo? - .perguntou Joo, delicadamente.- 31- J deixou de sangrar - informou o rapaz.- Bom... aviso-te de que no deves fazer mal Didi - continuou Joo -,porque seno ela volta a picar-te... e faz-te samgue outra vez... umasangria.- Ah, a malvada! - exclamou Gustavo. -pssaro no nada agradvel.

    - Aposto que a Didi tem a mesma opinio a teu respeito. Sai do caminho.Foge se no queres levar com esta mala na barriga.- Desculpe, por favor. Mil perdes - balbuciou Gustavo apressadamente. Eafastou-se com um salto.Finalmente ficou tudo pronto. A mulher que fazia limpeza veio despedir-se, prometendo fechar a casa quando se fosse embora e ir todos os diaslimpar o p durant a ausncia deles. Gustavo tinha tanto medo que odeixassem ficar que desceu pela vereda do jardim a toda velocidade.Jaime, a Sr.a Cunningham e Maria da Luz acomodaram-se no assentodianteiro. Os outros quatro ocuparam o de trs. Gustavo encolheu-se

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    quando viu que a Didi acompanhava. O pssaro pousara no ombro de Joo,que estava sentado ao lado do jovem estrangeiro.O animal imitou o rudo duma garrafa de champanhe ao ser aberta: POP!Gustavo deu um pulo. A Didi cacarejou e abriu outra garrafa.POP! Pop faz um tiro! Gustavo. Gustavo vinho. Gustavinho parvinho.Parvinho Gustavinho. POP- Mas... mas que ests a fazer, Gustavo? - inquiriu Joo a ver que o

    rapaz escorregava do assento para o cho.- Desculpe, por favor. Mil perdes. A Didi cospe-me na orelha... quandofaz POP! - explicou Gustavo, sentado no cho.Todos desataram a rir.- No sejas parvo, Gustavo - interveio Joo. - Volta a sentar-te. Sequeres, vai para o outro canto, vai para32junto de Dina. Mas aviso-te de que a Didi voar por todo o automvelquando se cansar de ir empoleirada no meu ombro.Assoa o nariz, ordenou a catatua com severidade, olhando para osurpreendido Gustavo.- Esto todos prontos a atrs? - perguntou Jaime, destravando o carro. Omotor comeou a trabalhar, ele pisou o acelerador e o automvel ps-se em

    movimento.- Levamos uma boa carga - comentou o detective. - L, vai a famlia! Estecarro vai gemer sempre que tiver de subir uma ladeira!E assim aconteceu, apesar da grande potncia do automvel, pois era o queJaime costumava usar no seu trabalho. No entanto, o carro galgavaquilmetros e a Sr.a Cunningham estava encantada, pois contava que,graas a ele, chegariam ao seu destino antes de anoitecer.- Como se chama o stio para onde vamos? - inquiriu Maria da Luz. - Ah,j me lembro... o Texuguinho, Vamos instalar-nos numa casinha, ou qu?- Vamos, sim - respondeu a tia Lia. - Chama-se [Vivenda Pedreira, porqueh uma pedreira l perto. Est a uns dois quilmetros de um povoado, ejulgo que h uma quinta no muito longe. A poderemos comprar ovos, leitee po; por isso, estamos com sorte.- Logo que chegar pergunto se h texugos - interveio Filipe, l atrs. -

    Oxal consiga arranjar um texugobeb. Ouvi dizer que se domesticam com muita facilidade.- Viram? - exclamou Dina. - J sabia que ias por-te procura de umanimalejo qualquer e traz-lo para casa. No se passam frias em que nonos tragas ratos, pssaros, insectos e coisas piores.- Tenho estado a pensar em dedicar-me s aranhas nestas frias - gracejouFilipe com ar muito srio. - So uns animaizinhos muito curiosos.Especialmente aquelas grandes, com patas peludas...Dina estremeceu.33

    - Falemos noutra coisa - pediu. - No sei porqu mas todas as vezes quealgum me fala em aranhas parece que sinto uma nas costas.- Diabo! No me digas que a minha aranha se escapuliu! - exclamou Filipe,

    fingindo procurar nos bolsos,Gustavo, alarmado, olhou para ele. Tambm no se dava bem com as aranhas.Dina deug um grito.- No sejas to mau, Filipe, por favor... por favor! Diz-me que no verdade, que no tens realmente nenhuma aranha.- Filipe! Queres ser posto em terra? Lembra-te do que vos disse Jaime -avisou a me.- Est bem, no levo nenhuma aranha - declarou, pesaroso, o rapaz. -Podes estar descansada, Dina.- Ouve, Gustavo, no te sentes mal no cho, entre os nossos ps? s vezes

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    esqueo-me de que ests a. No me lembro se j pus os ps em cima de ti.- Isso no muito agradvel de se ouvir - returquiu Gustavo comdignidade. - No gosto que se sirvam de mim para limpar os ps.- Vamos jogar a qualquer coisa - interveio Joo ao ver que se avizinhavauma discusso. - Iremos com ateno e aquele que vir primeiro um copreto, um gato branco, um cavalo malhado, uma bicicleta vermelha ou carrode gelados marca pontos. Quem fizer cem pontos ganha; o que fizer menos

    ter de pagar aos outros sorvete de baunilha no primeiro carrinho degelados que encontrarmos.Aquilo pareceu interessante a Gustavo. Levantou-se imediatamente do choe sentou-se junto de Dina. Jaime e a Sr.a Cunningham suspiraram dealvio. Agora sim; a tranquilidade. Todos ficariam a esquadrinhar ocaminho e a coontar pontos.Gustavo era mau jogador. Deixava escapar os ces pretos e os gatosbrancos e contava os cavalos de34cor vulgar em lugar dos cavalos malhados. Ficou com ar melanclico quandolhe disseram que os cavalos castanhos e brancos que ele tinha visto nocontavam.- Vai pr-se a chorar! - exclamou Filipe. - Espera, Gustavo, espera. Toma

    o meu leno.E sacou de um dos panos da cozinha que, apesar das recomendaes da me,tinha agarrado antes de sair de casa.Gustavo viu-se com o pano na mo. Olhou-o com assombro e a seguir...desatou a rir!- Ah, ha, ah! Isto um pano e no um leno! Com isto no choro eu!Rirei!- Muito bem dito, Gustavo! - aplaudiu Joo, dando-lhe uma palmada noombro. - Farta-te de rir. Isso alegra-nnos.Foi motivo de surpresa para todos descobrir que Gustavo era capaz delevar a bem uma brincadeira e rir duma graa apesar de ser ele a vtima.Comearam a pensar que, afinal, talvez no fosse to m pessoa comosupunham. O rapaz deixou de jogar depois disso, mas, no entanto, o seucomportamento foi ainda mais surpreendente no fim do jogo.

    Maria da Luz foi a ltima a chegar centena. Rebuscou no porta-moedas,porque, como tinha perdido, sabia que teria de pagar a todos um sorvete.- Jaime, poder fazer o favor de parar quando vir carrinho de gelados? -perguntou. O detective concordou e assim fez. Mas, antes que a raparigativesse tempo de se apear,Gustavo tinha aberto a porta do carro e corrido para o carrinho degelados.- Sete, por favor - pediu.- Espera! Quem perdeu fui eu, no foste tu! - protestou Maria da Luz,meio indignada, mas logo ficou estupefacta. Gustavo tinha sacado umacarteira, uma carteira, no um porta-moedas,e tinha tirado l de dentro um34 35

    mao de notas. Cus! Quantas teria? Tirou do mao uma nota e entregou-aao vendedor de gelados, que parecia to surpreendido como os outros.- Caramba, amigo! - exclamou o homem. - Herdou uma fortuna? Ou... o seupai milionrio?Gustavo no compreendeu. Recebeu o troco, meteu-o no bolso e em seguidavoltou para o automvel com os sorvetes e distribuiu-os com o rostoradiante.- Obrigado, Gustavo - agradeceu Jaime, recebendo o seu. - Mas, escuta...no deves andar com tanto dinheiro.- Posso - respondeu o rapaz. - Tenho andado com ele. dinheiro para

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    gastar. Foi o que me disseram.- Hum, sim! Mas a cem libras, assim em notas, muito dinheiro para sergasto por um rapaz como tu. No devias andar com tanto dinheiro. Deviast-lo entregue no colgio para que o guardassem.- Disseram-me que deveria ter dinheiro para despesas - insistiu Gustavo.- O meu tio deu-mo. meu.- A tua famlia deve ser muito rica - observou Joo. - Aposto em como

    Jaime no traz com ele tantas notas! Jaime, Gustavo milionrio ouqualquer coisa assim?- Bem... a famlia dele abastada - admitiu o detective. Ps o automvelem movimento outra vez. - De qualquer maneira ter de entregar-me essasnotas. De contrrio, roubado mais tarde ou mais cedo.- Vai fartar-se de chorar - avisou Dina. - Filipe, depressa, onde tens opano?- No vou chorar - afirmou Gustavo com dignidade. - Vou vomitar. Enjoosempre que ando de carro. Ja estou assim desde ontem. Por favor, Sr.aCunningham, posso vomitar?- Meu Deus! - exclamou o detective, travando o automvel. - Apeia-te docarro ento, depressa! Empurra-o, Dina. Oh, porque o deixei comer aquelesorvete?

    37Disse-me ontem que enjoava quando andava de automvel.A Sr.a Cunningham apeou-se para consolar o pobre Gustavo, que estava como rosto congestionado.- Tinha de enjoar! - exclamou Dina. - Olhem para isto, enjoar por andarde automvel! S a um como ele que isso acontece! Era s o que faltava.- Que culpa tem ele? - censurou-a Maria da Luz, Seja como for, j lhepassou. Est outra vez com bom aspecto.- Obrigado, j estou bem - anunciou Gustavo, subindo novamente para oautomvel.- Fica com o pano - disse a Sr.a Cunningham a Filipe, entregando-lho. -Poder ser til se voltares a sentir-te mal.- Esto todos prontos? - perguntou Jaime. - Bom ento a caminho outravez. Pararemos para almoar hora, e espero que na altura do lanche j

    estaremos no Texuguinho. Gustavo, se te sentires mal, avisa.- S enjoo uma vez - garantiu Gustavo. - Por favor, caiu no cho o meusorvete. Poder parar para que eu compre outro?- Nem pensar nisso - retorquiu o detective com firmeza. - No voltarei adeixar-te comer sorvetes no carro. Nenhum de vocs quer dormir? Gostariatanto de conduzir sem interrupes! Bem... a prxima vez que pararmosser para almoar!38

    CAPTULO V NA VIVENDA DA PEDREIRA

    Texuguinho era uma povoao encantadora. O automvel atravessou-a,alvoroando galinhas e uma fila de patos barulhentos. Jaime parou junto

    de uma estao dos correios muito pequena.- Vou enviar um telegrama - anunciou. - s um minuto. Depois iremosperguntar na quinta qual o caminho para a Vivenda da Pedreira e comprarovos e o mais que for necessrio e encomendar o leite.Voltou a sair passados alguns instamtes. Os pequenos sabiam que Jaimetinha de indicar diariamente o seu paradeiro, pois havia a possibilidadede aparecer algum assunto urgente, um daqueles trabalhos secretos que sele podia fazer.Dirigiram-se para a quinta. A dona da quinta ficou encantada quando osviu.

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    - Entrem, entrem - convidou. - J os esperava h meia hora e tenho amerenda preparada. Sei que vo encontrar a casinha toda desarrumada e umaboa merenda far-lhes- bem.- A senhora muito amvel - disse a Sr.a Cunningham, agradecida. - MeuDeus, que banquete!E era, de facto, um banquete. No se tratava de uma merenda vulgar, eraquase uma merenda-jantar. Um paio apetitoso e brilhante. Um empado de

    carne. Manteiga em pratos de cristal. Uma leiteira azul cheia de leite.Mel. Uma compota caseira de morangos. Pastelinhos. Torta de frutas. Ovos.Ch, cacau e chocolate.- Estou completamente decidido a viver numa quinta39

    quando for grande - afirmou Joo, olhando com ar de aprovao para acomida que havia sobre a mesa. - Nunca vi comida como a que servem, nasquintas. Caramba! Isto estupendo, no ?Gustavo estava contente por a Sr.a Cunningham no o ter deixado comermuito ao almoo. Estava certo de que o seu apetite era, pelo menos, trsvezes maior do que o dos outros.- Que queres comer? - perguntou-lhe bondosamente a mulher do quinteiro,ao ver a cara de fome que ele fazia.

    - Quero... um pouco de carne de porco - indicou Gustavo - e um pouco deempado. E quero leite. E...- estrangeiro, no ? - perguntou a dona da quinta, rindo-se. - Carnede porco! Quer dizer paio? E no ficar doente se beber leite por cima?- Cort-lhe um pouco de paio, se quiser - interveio a Sr.a Cunningham. -Nada de empado. No se pode comer das duas coisas. E, claro, nada deleite.- J disse o que queria - teimou Gustavo, com arrogncia, olhando para adona da quinta. - Quero o que pedi.E acrescentou, como se se tivesse lembrado naquele instante:- Por favor.- Cala-te, Gustavo - ordenou-lhe Jaime. - Faz o que te mandam. Ests aesquecer-te de quem s.- No me esqueci de quem sou - afirmou Gustavo, desconcertado e sem

    compreender. - Sei muito bem quem sou. E quero...- Cala-te! - Ordenou Jaime. Gustavo calou-se.Os outros sorriam. Era agradvel ver como Jaime o obrigava a ceder.Gustavo estava muito arreliado. Olhou furioso para Jaime, parecendo queia dizer alguma coisa. Mas Jaime tambm olhou para ele e o rapaz no se40Atreveu a faz-lo. O detective piscou o olho aos outros e eles, emresposta, fizeram o mesmo.Gustavinho parvinho comentou a Didi em cima do ombro esquerdo de Joo.Onde est o Gustavo? Lari-lol... o Gustavo arredonda a saia, l-ri...- a Rosa quem arredonda a saia, no o Gustavo - interrompeu Joo. - Suaatrevida! Roubou um morango da compota!A dona da quinta no parecia surpreendida nem aborrecida com a presena

    da Didi.- A minha tia teve uma catatua igual a esta - declarou. - Mas no falavato bem como a vossa.- Onde vive ela? - perguntou Joo, pensando que seria divertido pr osdois animais frente a frente. Que conversa teriam?- Onde vive... quem? A minha tia ou a catatua? - quis saber a dona daquinta, servindo o leite. - A catatua morreu. Dizem que tinha mais de cemanos. A minha tia, ainda vive. Est sentada naquele banquinho junto dalareira. minha tia-av e, se viver mais dez anos, chegar tambm aoscem.

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    Os cinco pequenos contemplaram a anci com reverncia e admirao. Oaspecto dela quase lhes parecia o de uma bruxa, mas tinha os olhos de umazul plido em vez de verdes. A velhinha sorriu-lhes debilmente econcentrou novamente a ateno no trabalho de malha.- s vezes uma verdadeira preocupao - disse a fazendeira. - Anda pora e receio que caia. O mdico vai passar uma semana de frias e no seio que hei-de fazer se a tia Nomia cair ou se adoecer. No fao a menor

    ideia! No tenho mais vizinhos seno os senhores. E ainda por cima tolonge!- Mande-nos um recado se precisar de alguma coisa ofereceu-seimediatamente a Sr.a Cunningham. - Eu virei logo. Tenho algunsconhecimentos de primeiros socorros41

    e de enfermagem. Mande chamar-nos se tiver necessidade.- Ah, sim... far-me- isso? - perguntou a mulher. - Estou-lhe muitoagradecida. Bom, e agora querem mais um pouco de torta de frutas? ptima, embora no me fique bem diz-lo, pois fui eu quem a fez.- Se como mais um bocado no poderei levantar-me - afirmou Jaime.- Vamos a acabar, meninos. Iremos para a Vivenda da Pedreira, a fim denos instalarmos. Sr.a Ellis, conseguiu arranjar-nos uma mulher para fazer

    a limpeza da casa?- Sim, e levou ovos, um bolo, queijo, presunto, manteiga e po fresco.Ah, e tambm umas fatias de fiambre. Far-lhes- jeito l em baixo. Logoque precisem de mais alguma coisa venham ter comigo. Desejo-lhes de todoo corao umas frias agradveis.Foi bastante de m vontade que abandonaram a acolhedora quinta. Jooolhou para Gustavo com desconfiana quando subiram para o automvel.- No ests com muito boa cara - observou. - Tens a certeza de que novais enjoar?- Ele est bem - atalhou apressadamente a Sr.a Cunningham. - No estamosmuito longe... e ele est mesmo bem.- A tia diz isso porque, na realidade, deseja que nada acontea -retorquiu Joo. - A Didi est muito calada. Tambm se fartou de comer...Comeste como um porquinho!

    A Didi deu um um soluo. Ningum sabia ao certo se os soluos da Didieram autnticos ou fingidos. A Sr.a Cunningham julgava sempre que aquelessoluos no passavam de comdia.- Didi - gritou o rapaz. - Vamos a ter maneiras. Vamos l!Perdo, palrou a Didi.Gustavo olhou para o animal com assombro. Era42

    surpreendente ver uma catatua com soluos, mas era ainda mais v-ladesculpar-se. No seu espanto esqueceu o enjoo.Serpenteando pelo caminho abaixo... encosta acima... descendo por outrocaminho ladeado por sebes to altas que parecia andarem sob um tnelverde, foram prosseguindo a sua jornada. Aps uma curva, apareceu-lhes aVivenda da Pedreira, um pouco afastada do caminho.

    Estava situada num local muito bonito e tinha um jardim cheio de rosas,malmequeres e narcisos. Os proprietrios tinham ido passar as frias aFrana, encantados por terem alugado a casa a Jaime.As janelas eram pequenas, como o so sempre nas casas antigas. A porta,muito grossa, era de madeira de carvalho, e os anos haviam-na escurecido.Por cima dela havia um alpendre de colmo, igual ao telhado da casa.- Uma casa com telhado de colmo... que bonita! - exclamou Maria da Luz. -No sei porqu, mas as casas com telhados assim lembram-me sempre as doscontos de fadas. um stio muito bonito.Atravessaram o jardim. Jaime, que tinha a chave, abriu a porta. Entraram

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    todos, soltando exclamaes de admirao ante tudo o que viam.- Apenas quero lembrar-lhes - advertiu a Sr.a Cunningham - de que estacasa e tudo o que ela contm propriedade de outras pessoas. Serpreciso, por conseguinte, ter mais cuidado do que habitualmente... Mas,como provvel que vocs passem a maior parte do tempo no campo, no tmmuitas ocasies de fazer estragos!- E, mesmo que assim no fosse, no os causaramos - respondeu Joo. -

    Ainda por cima com Jaime aqui, disposto a dar-nos educao!Por dentro a casa era to bonita como por fora, e muito cmoda eagradvel. Os trs rapazes ficaram instalados numa enorme gua-furtada,as pequenas num43

    CAPTULO VI SEMPRE O GUSTAVO

    Foi divertido instalarem-se na Vivenda da Pedreira. A Sr.a Cunninghamsentia-se muito contente e feliz. A princpio, a ideia de ir de friascom mais seis pessoas, cinco das quais crianas, e, portanto,naturalmente irrequietas, sabendo que teria de cuidar delas todas e quehaveria talvez dificuldade em encontrar alimentos, tinha-lhe parecido

    infeliz. Mas no final tudo havia corrido bem. O povoado no ficava longe,nem mesmo indo a p. Na quinta vizinha estavam disposttos a fornecer-lhesuma maravilhosa seleco de bons alimentos. A Sr.a Gump, a minsculamulher encarregada da limpeza, ia vivenda todos os dias, era muitotrabalhadora e alegre, e, gostava dos pequenos, o que no deixava de seruma bno. Ao Gustavo, porm, que achava pouca graa.- um garoto mando - queixava-se. - Uma vez quis que eu subisse asescadas para lhe ir buscar um leno. estrangeiro, no ? Bem, pois noh-de ser um estramgeiro que me far andar de um lado para o outro,sobretudo tratando-se dum garoto como esse.Durante os primeiros dias, Gustavo manteve-se um pouco difcil de aturar.No gostava disto, no gostava daquilo. Queixava-se se o serviam numprato lascado. Negava-se absolutamente a fazer a cama, mesmo quando ficouestabelecido que cada qual faria a sua.

    - No fao camas - declarou com toda a arrogncia de que foi capaz. - aSr.a Gump quem deve fazer a minha cama.- A Sr.a Gump no far tal - replicou, com determinao,46

    a Dina. - Vamos, vai faz-la. E, por amor de Deus, Gustavo, no sejasparvo.Gustavinho parvinho! Gustavinho parvinho, palrou a Didi. Gustavinhoparvinho. Gueta...O Gustavo pegou num livro e atirou-o a catatua. A Didi esquivou-se semdificuldade, foi pousar nas costas47duma cadeira e desatou a rir s gargalhadas. O Gustavo andava procurade outro livro quando se viu no cho de barriga para o ar.

    Dina, que se tinha contido at mais no poder, havia perdido a pacinciae estava a demonstrar o que acontecia quando se tornava furiosa. Bateu-lhe com a cabea no cho e o rapaz ps-se a gritar como um desesperado.Ao ouvi-lo, a Sr.a Cunningham veio a correr.- Dina, que ests a fazer? Levanta-te imediatamente., Vai para o teuquarto e no saias de l enquanto eu no te for buscar.- Atirou com um livro Didi - afirmou a Dina, levantando-se furiosa ecom o rosto congestionado.Lavado em lgrimas, o Gustavo continuava no cho.- Levanta-te, Gustavo - ordenou a Sr.a Cunningham. - Estou to aborrecida

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    contigo como com a Dina. Vai tambm para o teu quarto e no saias de l.- A senhora no pode dar-me ordens - retorquiu Gustavo com toda adignidade que as lgrimas lhe permitiam. - Mande a rapariga para casa,para longe daqui. E tambm esse malvado pssaro.- VAI PARA O TEU QUARTO! - ordenou a Sr.a Cunningham num tom de voz quefez Gustavo pr-se de p num pulo, subir a escada como um louco, enfiar-se no quarto, atirar com a porta e depois fechar-se chave.

    Jaime entrou naquele momento.- o Gustavo outra vez - informou a esposa. - to teimoso! Deus queiraque isto acabe bem, Jaime. Os pequenos no compreendem o que se passa eisso torna as coisas mais difceis. No poderamos dizer-lhes?- Irei falar com o Gustavo outra vez - afirmou! Jaime. - Se no entra noseixos vou-me embora com ele. Mas parece-me muito mais seguro que estejaaqui na nossa companhia. Alm disso sempre estar mais distrado.48Subiu ao primeiro andar. A Sr.a Cunningham subiu tambm para ir ter comDina. A Maria da Luz estava com ela, arrumando a roupa nas gavetas. ADina sentia-se revoltada.- Tudo isto est muito bem - disse, quando a me a repreendeu -, mas porque nos haveria de vir o Gustavo estragar a vida? Sempre a meter o nariz

    onde no chamado, dando-nos ordens, querendo o melhor para si. E, aindapor cima, atreve-se a bater na Didi.- Compreendo perfeitamente os vossos sentimentos - afirmou a me. - E oJaime tambm compreende. Mas prometeu tomar conta do Gustavo durante umassemanas, e agora no tem outro remdio seno cumprir o prometido. Julgoque ser melhor ele levar o Gustavo para qualquer outra parte e deixar-nos aqui sozinhos.- Oh, no! - exclamou a Maria da Luz. - No, tia Lia! A senhora casou comJaime, por isso agora pertence-nos. No o deixe fazer isso, por favor!Dina... diz alguma coisa!- Bom, pois... creio que prefiro suportar o Gustavo a deixar que o Jaimese v embora - concluiu Dina. - Mas... mas... no posso prometer quenunca mais me meto com o Gustavo! Acho que no poderei conter-me! Etambm no quero que o Jaime se v embora.

    - Bom, ento fica aqui sozinha durante uma hora e v l se te decides deuma vez para sempre - disse-lhe a me, perdendo a pacincia. - Maria daLuz, vem comigo.Nada se disse ao Joo e ao Filipe acerca do livro que o Gustavo atirara Didi. Contudo, a catatua no esqueceu o incidente e tomou a vidaimpossvel ao pobre Gustavo. Este nunca sabia quando ela se encontravadebaixo da mesa, disposta a dar-lhe bicadas nos dedos dos ps atravs dosburacos das sandlias, ou quando iria o pssaro esconder-se no seuquarto, aguardando que ele subisse49para emitir um dos seus rudos extraordinrios e faz-lo largar a correrpela escada abaixo.- Bom, se o Jaime no o castigou... e duvido muito de que o tenha

    feito... a Didi est a encarregar-se disso - comentou Dina para a Mariada Luz. - Seja como for, o Gustavo tem-se portado muito melhor. Mesmoassim gostaria que ele no pudesse ir connosco ao piquenique de hoje.Fora projectado um piquenique na colina do Po de Acar. Na realidade,tinha sido o nome que havia atrado os garotos. Colina do Po de Acar!Que nome to engraado!Saram jumtos e o Jaime e os rapazes levavam a comida nas mochilas. OGustavo tinha refilado, naturalmente. Achava que seria indigno levarqualquer coisa s costas.- Nunca fiz isso - protestou. - No meu pas so... como se diz?... So os

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    burros que levam coisas s costas. Por que no arranjam burros? Eu c nofao de burro.As gargalhadas que acolheram as suas palavras desconcertaram-no.- Ah, Gustavo! - exclamou Joo. - Ainda me fazes rebentar de riso. Tu e atua prospia...- Ests a chamar-me burro - replicou Gustavo, franzindo as sobranchelhas.- No meu pas...

    - Vamos, arre, burrinho, e deixa de zurrar - interrompeu-o Filipe, dando-lhe um empurro. - Se no quiseres no leves a tua mochila. Ningum seimportar. O que ela leva l dentro a tua comida, e no a dos outros,por isso no faz mal! Ns levamos a nossa e a das pequenas, e o Jaimeleva a dele e a da me. Tu s levas a tua.- Por isso, tira a mochila das costas para no pareceres um burro -aconselhou a Dina, rindo. - V Gustavo, tira-a!Mas o Gustavo no a tirou. Pensou melhor e deixou50ficar a mochila s costas. Contudo, lanou a todos umolhar furioso.O nome de Po de Acar no destoava na colina. Era muito parecida com umpo de acar. A sua forma, embora plana no cume, era cnica. Estava

    coberta de primaveras e violetas silvestres.- Deve-se desfrutar de uma bela vista l de cima - observou o Joodurante a subida.A caminhada foi trabalhosa, mas, por fim, chegaram ao alto da colina. sua volta soprava uma brisa forte, mas, como o sol estava quente, eraagradvel.- Olhem! Afinal o Gustavo carregou com a mochila! - exclamou o Joo,fingindo surpresa. - Caramba! A fome que eu tenho.O mesmo acontecia a todos os outros. Comeram at ltima migalha o quetinham levado; at a Didi no se fez rogada, sobretudo com as bananas.Encantada ia ter uma banana presa nas garras e com-la aos bocados.Gustavo espirrou. Logo a seguir a Didi fez o mesmo, mas mais ruidosamentedo que o rapaz. Gustavo ps-se a fungar, um costume seu que incomodavamuito a Sr.a Cunningham. A Didi fungou tambm.

    - No faas isso, Didi - ordenou-lhe a senhora. - Basta-nos um a fungar.A Lena tem catarro, palrou a Didi.E deu uma nova fumgadela, exactamente igual s de Gustavo. Este no fezcaso, mas, passado um momento, fungou outra vez.Assoa o nariz!, gritou a Didi. Onde meteste o leno? O Gustavo temcatarro, chama o m...- Cala-te, Didi - ordenou Joo. - Gustavo, deixa de fungar, por favor.Acabars por pr a Didi a fazer o mesmo durante todo o dia.- Eu c no fungo - ripostou Gustavo. - Esse pssaro mau e tem a maniaque engraado. Devia estar numa gaiola.51

    - Cala-te, Gustavo - ordenou-lhe Jaime, que descansava, saboreamdo otabaco do seu cachimbo. - Lembra-te do que te disse.

    - O Gustavo lembrou-se, pelo menos na aparncia. Deitou-se de costas efechou os olhos. Os outros contemplaram a paisagem, sentados no cho. Eramaravilhosa e podiam ver at muito longe.- A aldeia fica ali em baixo - informou Filipe, apontando-a com o dedo. -E ali fica a quinta. E v-se a parte superior das chamins e um pouco dotelhado da Vivenda da Pedreira. Acol, no meio daquelas rvores...- E ali est o caminho por onde ns viemos... a estrada - disse Joo. -Onde est o meu binculo? D-mo, Dina. Ena! Com eles avisto milhas emilhas. Vejo como a estrada corre e serpenteia... o trnsito que passapor ela... os automveis parecem aqueles brinquedos que ns tivemos.

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    Filipe, d uma vista de olhos com o binculo.Filipe levou o binculo aos olhos. Era, na verdade, magnfico. Com elepodia ver-se at muito longe. Milhas e milhas, como dissera Joo.- Sim... raro verem-se automveis e camies do tamanho de brinquedos,circulando por estradas que parecem serpentinas - concordou. - Olha...vem a um carro negro, muito parecido com o do Jaime. Vou observ-lo ever at onde posso segui-lo.

    Os outros encontravam-se deitados, numa semi-sono-lncia, escutando a vozde Filipe. O sol estava agora muito quente e no sentiam vontade de semexer depois de um almoo daqueles.- Ainda... segue pela estrada principal - anunciou Filipe, olhando pelobinculo. - A vem... e a boa velocidade, com certeza. Talvez seja umcarro da Polcia.- Um carro da Polcia no se conhece de to longe - advertiu Joo.52Jaime deixou de ler o jornal. Ele era muito entendido em carros depolcia.- Diz-me o nmero da matrcula, e eu digo-te imediatamente se um carroda Polcia - afirmou.Os rapazes riram-se.

    - Isso foi engenhoso, Jaime - comentou Joo. - O senhor sabe muito bemque no o podemos pr prova; impossvel ler-se o nmero da matrculaa esta distncia. Ainda vs o carro, Filipe?- Perdi-o por um momento - respondeu o rapaz. - Meteu-se por detrs dunsedifcios... Pronto, l est ele outra vez. Chegou ao cruzamento...passou. Agora parou.Gustavo soltou um ronco que a Didi se apressou a imitar. Filipe continuoucom a sua narrativa.- Apeou-se um homem... Julgo que deve ter retrocedido um pouco para irconsultar o marco da estrada. Voltou a entrar no automvel. Pois foi...enganou-se no caminho... est a fazer marcha atrs. Ah, bem me parecia...meteram por outra estrada... a que vem dar ao nosso povoado.- Acabars por dizer-nos que desceram na Vivenda da Pedreira - murmurouJoo, sonolento. - Aposto que ests a inventar tudo isso!

    - Voltei a perd-lo de vista. - No, l vai ele - prosseguiu Filipe,satisfeito. - Atravessou o povoado... vem pelo caminho. Voltou a parar.Creio que esto a perguntar o caminho a algum... talvez a algumlavrador. No posso v-lo daqui. Outra vez em marcha... e meteram-se pelocaminho que vai dar quinta! Vo para a quinta. Provavelmente soparentes ricos da Sr.a Ellis.Jaime largou bruscamente o jornal e estendeu a mo para o binculo.Regulou-o para a quinta e viu o automvel em seguida. Um carro grande eevidentemente muito caro. Observou-o com ateno durante um minuto e aseiguir devolveu o binculo sem pronunciar palavra.53

    - Conhece aquele carro, Jaime? - inquiriu Joo, olhando para o rosto dodetective.

    - No - respondeu Jaime , no conheo. Mas... faz-me pensar um pouco.Lamento no poder dizer-lhes mais. Esta noite vou at quinta fazer umasperguntas. Assim obterei mais informaes!54

    CAPTULO VII UMA DECLARAO SURPREENDENTE

    Filipe e Joo ficaram mais interessados depois de terem ouvido aspalavras de Jaime. Voltaram a servir-se do binculo para no perder ocarro de vista; mas ele no se moveu nos vinte minultos seguintes,

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    passados os quais voltou pelo mesmo caminho por onde viera.- Foi-se embora, Jaime - informou Filipe. - Devia ter sido uma simplesvisita. Olha... olha para o Gustavo! Tem a boca toda aberta. Vamos pr-lhe qualquer coisa l dentro.- Os burros que dormem deixam-se tranquilos - retorquiu Joo. - E nometas ideias na cabea da Didi. Vai pr-se procura de qualquer coisapara lhe meter na boca.

    Filipe olhou sua volta. S ele, o Joo e o Jaime estavam acordados.Meteu a mo no bolso e tirou de l uma coisa pequena, pardacenta eengraada. Conservava-se sentado com ela na mo.- Olha! Apanhaste um arganaz! - exclamou Joo. - No deixes que a Dina oveja... desmaiaria com certeza.- Encontrei-o quando vnhamos para aqui - explicou Filipe. - Estavasentado num ramo e deixou-se apanhar.- Era de esperar! - comentou Joo, com certo despeito. - No sei quaisso as tuas artes mgicas, Filipe. Ainda no vi um animal que no viesseter contigo. Esse engraado, no ?- Chamo-lhe Dorminhoco - informou Filipe, acariciando o minsculo animal,cujos olhos negros brilhavam como espelhos. - Os arganazes dormem muito.55

    Lembra-me para comprar umas nozes e avels quando voltarmos. O Dorminhocoh-de gostar. Escusamos de dizer a Dina. Ele viver comodamente no meubolso. J tive arganazes: so muito mansos.- Deve ser agradvel encontrar um arganaz no bolso todas as vezes que lmetemos a mo! - observou Joo - Ol... ouo vozes. Os rapazes olharampara o ponto de onde vinham as vozes. Viram dois homens, dois56

    camponeses, que seguiam por um carreiro no sop da colina, falando um como outro.- Est a parecer-me que vou dar uma corrida para lhes perguntar se sabemonde h texugos - lembrou Filipe. - Vens comigo, Joo?Os rapazes desceram a colina a correr. Os homens ouviram-nos e voltaram acabea.- Boa tarde - cumprimentou-os Joo. - No se importam de responder a umas

    perguntas sobre texugos?- Texugos? Que isso? - perguntou o mais jovem dos dois.- Ento, homem, no me digas que no sabes! - reprovou-o o mais velho. -So texugos.- Ah, texugos! No, por aqui no h disso. S vi um na minha vida.- Falas assim porque de noite dormes na cama - disse o mais velho, rindo.- Os texugos saem de noite. J os vi muitas vezes.- s um caador furtivo, Manuel, isso que tu s - disse o outro. -Andas fora de casa de noite, quando toda a gente est a dormir. E porcausa disso que vs os texugos!- Talvez, talvez... - disse o homem, com um sorriso a bailar-lhe nosolhos. Voltou-se para os rapazes. - Ento o que queriam saber acerca detexugos?

    - Eu... gostaria de observ-los - respondeu Filipe. - Gosto muito deanimais, mas nunca tive oportmidade de ver texugos. Onde que os h poraqui? Vivemos na Vivenda da Pedreira.- Ah, sim? Ento facilmente encontram texugos perto de casa. Talveznaquele bosque a Leste da vivenda... esse o stio mais provvel... outalvez na antiga pedreira. Vi uma toca deles... no ano passado.Verifiquei que tinham feito um buraco por causa do monte de terra quehaviam escavado.- De facto, costumam fazer isso - confirmou Filipe,57

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    pensando como seria bom travar amizade com aquele homem. Estava certo deque ele lhes poderia contar muitas coisas. Bom, ento 'muito obrigado.Vamos explorar esses dois stios.

    Na pedreira tambm aparecem mochos continuou o velho e corujas emorcegos. Vo ali caar ratos. J os ouvi... aos morcegos, gritar e uivarcomo demnios. de pr os cabelos de p!

    Bem sei disse o Joo, resolvendo ser ele a ir explorar a pedreira.

    O rapaz gostava muito de mochos. Talvez pudesse apanhar um e domestic-lo. Mas teria de ter cuidado com o Dorminhoco porque se o mocho ovisse... Requiescat in pace!Os dois rapazes foram juntos explorar a colina cnica. Um 'grito vindo lde cima chamou-lhe a ateno.

    Joo! Filipe! Vamos regressar dentro de instantes. Vm connosco, ou vodepois mais tarde?

    Vamos agora gritou Joo.E comeou a subir, seguido pelo Filipe. Gustavo estava acordado, mas desobrancelhas franzidas. Quando eles se aproximaram, cuspiu para o cho.

    Maneiras, maneiras! repreendeu-o Joo. Diz que lhe meteram ervas na boca explicou Dina, rindo. Por issono faz seno cuspir. Foste tu quem lhe fez essa partida, Joo?

    No afirmou o rapaz. No fui eu nem o Filipe. Ests a ver? exclamou Dina, triunfante, voltando-se para o Gustavo. Ningum te meteu nada na boca enquanto dormias. Inventaste isso. Apostoque foste tu quem comeou a mastigar ervas.

    Isso no verdade replicou Gustavo. Foi uma ruim partida que mefizeram. Iam-me estrangulando.

    Asfixiando, querias tu dizer corrigiu Maria da Luz. Bem, ento ummistrio. Ningum te meteu as ervas na boca. Mas, no entanto, tu iassendo estrangulado.58No cuspas mais. impossvel haver mais alguma coisa na tua boca.Joo e Filipe olharam um para o outro. Sabiam perfeitamente59

    quem tinha feito aquilo ao pobre Gustavo. Este interceptou o olhar dos

    dois rapazes e voltou-se para eles.- Vocs sabem quem fez isto! Eu vi como olharam um para o outro.- Est bem, ns sabemos - retorquiu Joo. - E foi uma partida bempregada. Pensmos ser ns prprios a faz-la, ao ver a tua cara de parvo,com a boca aberta, a ressonar.- Eu c no ressono. Digam-me quem foi.- Vamos - interveio Jaime. - Deve ter sido a Didi. No a primeira vezque faz uma coisa assim: eu prprio j fui vtima dela. No s capaz deaguentar uma partida, Gustavo?O Gustavo no se conteve e comeou a falar na sua lngua. De p, atirandopara trs a sua farta cabeleira, com o rosto congestionado, soltou umchorrilho de palavras inicompreensveis.Ningum o entendeu.

    Aquela torrente de palavras despertou particularmente a ateno da Didi,pois soavam-lhe de uma maneira estranha. Poi pousar no ombro de Joo,perto do rapaz enfurecido, e escutou atentamente. Quando este parou pararespirar, a catatua continuou por sua conta.Jericomedicopanzuchumgaminpampitomdicogustavi-nhoparvinho, comeou pordizer.Depois articulou uma srie de patetices compostas por palavras queconhecia e por outras cujo sentido ignorava. Todos riram s gargalhadas.Parecia que a Didi estava a falar com o Gustavo na lngua dele.Gustavo emudeceu. Olhou estupefacto para o pssaro.

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    - Estava agora a falar ingls? - quis saber. - Que disse ela?- Estava a dizer uma quantidade de palermices, a imitar-te - retorquiu-lhe Joo. - Cala-te, Didi, No te exibas, nem faas alarde da tuaerudio.Jaime e a Sr.a Cunmimgham tinham j comeado a descer60

    a encosta. Rindo com gosto, as pequenas imitaram-nos. O Gustavo estava

    furioso, e isso divertia imenso os seus companheiros.Finalmente, decidido a seguir os outros, atirando a cabeleira para trs.De vez em quando, cuspia, como se tivesse ainda alguma erva na boca, e aDidi imitava-o com regozijo, soltando, pelo meio, umas gargalhadas.Seriam aproximadamente cinco e meia quando chegaram Vivenda daPedreira.- Se algum de vocs tiver fome depois de to grande almoo, poderservir-se de um copo de leite - anunciou a Sr.a Cunimgham - e de torta defrutas, se a fome for realmente muita.Aparentemente a fome era muita, pois os garotos assaltaram a despensa edevoraram a torta de frutas. Tambm beberam o leite todo, com grandemgoa da Sr.a Cunningham.- Agora no nos resta uma gota para o cacau desta noite, nem para o

    pequeno almoo de amanh! - exclamou.- Posso traz-lo, quando esta noite for quinta - anunciou Jaime. - Vaiservir-me de pretexto para a visita e para as perguntas.- Que mistrio esse? - inquiriu Dina. - Nunca me sinto muito seguraconsigo, Jaime. Pergunto a mim mesma se, mesmo no meio das frias, noestar a executar simultaneamente uma misso secreta.- Com mistrios ou sem eles, o Jaime anda sempre com os olhos bem abertos- comentou Filipe. - Faz parte da sua profisso, no faz, Jaime?- E se jogssemos s cartas? props Dina. - Onde esto elas? "Vamos jogar bisca. Sabes jogar, Gustavo?- Sei, sim - afirmou o rapaz. - Joguei no colgio, no ltimo perodo. Ejogo bem. Muito bem, mesmo. E gosto de jogar depressa.Fingiu estar a deitar as cartas sobre a mesa, mas f-lo com tanta foraque o cabelo lhe caiu para os olhos.

    61Com a mo, deitou-o para trs outra vez. Passava a vida; a mexer nocabelo, o que enervava Dina.- Que cabelo horrvel! - exclamou a pequena. - Pareces uma rapariga.- Por favor, Dina, no impliques com ele - interveio Joo. - Uma coisainsignificante chega para ele fazer um berreiro. Nunca tinha visto umapessoa assim! No olhes para mim dessa maneira, Gustavo; metes-me medo.- Puf! - fez Gustavo, com desdm. Puf, repetiu logo a Didi. Puf, puf.puf!- Cala-te j - ordenou Joo. - Basta haver um idiota. Tens a as cartas,Dina? Ah, magnfico.Sentaram-se no cho e comearam a jogar bisca. A Didi nada percebia dojogo e retirou-se para um canto quando Joo no a deixou pegar num

    trunfo.Puf!, ouviram-na murmurar. Puf!Com grande surpresa, os pequenos descobriram que o Gustavo era na verdadeum bom jogador de bisca. Jogava realmente depressa e bem. Sabia encartarda melhor maneira e quais as cartas que ainda no tinham sado.Gustavo ficou muito excitado e ps-se a fazer barulho. O cabelo caiu-lhepara os olhos e teve de afast-lo com a mo. Joo jogou tranquilamente umtrunfo maior do que o de Gustavo e este soltou uma exclamao dedesgosto.- No era aquela que eu queria jogar... foi quando o cabelo me caiu para

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    os olhos!- Ento para que tens esse cabelo? - perguntou Dina. - Pareces mesmo umarapariga. Porque no o cortas?- Realmente - insistiu Filipe, jogando uma carta -, seria uma ideiamagnfica. Amanh vamos aldeia ver se h um Ibarbeiro. Se houver,cortas o cabelo. Assim ainda deslocas o pescoo de tanto atirar acabeleira para trs!

    - A est uma excelente ideia - assentiu Joo, olhando para Gustavo comum sorriso. - Amanh levamo-lo l.O Gustavo assustou-os. Deitou fora as cartas e ps-se de p, com o rostocongestionado.- O cabelo curto para garotos como vocs - disse com desdm. - No para mim. Nunca terei o cabelo curto. No meu pas todos os rapazes daminha qualidade tm o cabelo comprido.- Garotos como vocs! - exclamou o Joo. - Que queres dizer? Rapazinho,tens um conceito sobre ti mesmo muito elevado. Poders pertencer a umafamlia rica, mas comportas-te como se fosses um fidalgo, e isso no estcerto. Tu no s um prncipe, por isso no te portes como se o fosses. Sconsegues cobrir-te de ridculo.Gustavo ergueu-se tanto quanto lhe permitia a sua estatura e voltou a

    atirar o cabelo para trs.- Sou um prncipe! - declarou, com gesto teatral. - Sou o prncipeAlosio Gramondie Racemolie Torquinel de Tauri-Hessia!

    62 63

    CAPTULO VIII JAIME EXPLICA

    Reinou um silncio de morte depois de to dramtica deClarao. Ningumpronunciou uma palavra, nem sequer a Didi. Todos contemplaram Gustavo comassombro, sem saber se deveriam acreditar nas suas palavras se no.A seguir, os lbios do rapaz comearam a tremer, e ele tentou comprimi-los com firmeza. A Maria da Luz estava certa de que o pequeno tinha

    vontade de chorar.- Faltei minha palavra! - gemeu o Gustavo depois. - Sou um prncipe efaltei minha palavra!Ouviu-se uma voz atrs deles. Era o Jaime.- verdade, faltaste tua palavra, Lus Gramondie Racemolie Torquinel.E o teu tio disse-me que era uma coisa que nunca farias. Como hei-develar pela tua segurana se no cumpres o que prometes?O detective aproximou-se de semblante severo. Todos olharam para ele,assustados. Que estava a passar-se?- Jaime... ele mesmo um prncipe de verdade? - perguntou Joo.- Pois , mesmo que parea mentira. O tio dele o rei de Tauri-Hessia.- Hum! Assim j se explica o seu singular comportamento - murmurou Dina.- Assim j se compreende a sua mania de dar ordens... os seus ares

    superiores... a quantidade de dinheiro que traz consigo e o seudesplante.- E o comprimento dos cabelos dele - concluiu Jaime. - No seu pas osprncipes nunca usam o cabelo to curto como o nosso. pouca sorte doGustavo porque, em64consequncia disso, fazem troa dele. No colgio, os colegas sabiam quemele era e que nada poderia fazer para obstar s exigncias da suacondio; por isso, no passava mal de todo.Houve uma pausa durante a qual os pequenos ficaram a olhar para o

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    prncipe Alosio ...ou Lus. Este continuava com o cabelo para os olhos,sacudindo a cabea. Por fim Dina soltou um gemido lastimoso.- No sabes quanto te agradeceria se deixasses de fazer isso, Gustavo.No consigo chamar-te Alo... Alo qualquer coisa. Ters de continuar a sero Gustavo.- E no tem outro remdio seno continuar a s-lo - assegurouimediatamente Jaime. - O nome de Gustavo Barmilevo fui eu quem lho deu.

    Neste momento esto a ocorrer no seu pas uns acontecimentos... bastantegraves, certamente .. .e de vital importncia que ele se encontre aquisob outro nome.- Quais so os acontecimentos graves que esto a acontecer? - quis saberJoo. - Revolues ou qualquer coisa assim?- Bom, vou contar-vos. O tio dele rei e no tem filhos. O Gustavo oherdeiro do trono. Em Tauri-Hessia h gente que gosta pouco do tio dele,e muito menos da maneira enrgica como est a governar o pas. Alis, commuita capacidade; o nosso prprio governo considera-o um bom monarca.- Adivinho o resto - disse Joo. - Aqueles que no simpatizam com o tiodo Gustavo julgam que seria uma bela coisa pr no trono um garoto dbilque fizesse o que eles mandassem. Dessa maneira poderiam fazer o que lhesapetecesse.

    - Exactamente - assentiu Jaime. - Por isso, esto a ver se apanham oGustavo. Se conseguissem apoderar-se dele e p-lo no trono, o rapaz teriade fazer o que lhe mandassem. O tio seria ento liquidado.

    - E... o Gustavo sabe disso tudo? - inquiriu Filipe.65- Sabe, pois! Explicou-se-lhe tudo. O pequeno gosta do tio e no quer queos seus inimigos se sirvam dele como seu instrumento para os seuspropsitos. Por isso, encarregaram-me de tomar conta do garoto, e eu fi-lo passar por um simples estudante estrangeiro chamado Gustavo.- Faltei minha palavra - proferiu Gustavo com voz melanclica. - Sr.Cunningham, peo-lhe me perdoe.- Est bem, mas no voltes a faz-lo. Aqui ningum te denunciar.Felizmente para ti, somos todos teus amigos... e continuaremos a s-lo sete portares um pouco melhor.- A partir de agora vou tentar portarnme bem - assegurou o rapazvigorosamente.- Hum... bom... Vamos ver isso - respondeu Jaime, com secura. - Era umagrande ajuda se tentasses portar-te como os outros. Assim, se vier paraaqui algum estranho rondar tomar-te- por um colegial que passa as friascom os amigos. At agora tens-te portado como um menino mimado e no comoum prncipe. De facto, se eu fosse um cidado tauri-hessiano nenhumagraa acharia ideia de vir a ter-te como rei quando crescesses.- Jaime, foi o governo de Tauri-Hessia ou o nosso que lhe pediu paratomar conta de Gustavo? - perguntou Dina.- Ambos - respondeu o detective. importante para os dois governos quehaja em Tauri-Hessia um monarca bom e forte. Neste momento no vos possodizer porqu. Creio que nas prximas semanas passar o perigo, e ento o

    Gustavo poder voltar ao colgio em segurana. Entretanto teremos desuportar a actual situao o melhor que pudermos.- Sim, agora estou a compreender tudo claramente - afirmou Dina. - Deviater-nos contado isso logo de princpio, Jaime. Teramos compreendidomelhor o Gustavo.- Recebi ordens de apenas o comunicar tua me. Ela teria de saber,claro. Escolhi esta casinha porque66estava bem escondida e ningum pensaria que o Gustavo aqui estivesse.Pensei que se vissemos todos ainda conseguiria despertar menos

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    desconfiana... Junto de vocs o Gustavo passaria despercebido.- O senhor muito esperto, Jaime - disse Maria da Luz, dando-lhe a mo.Ns tambm tomaremos conta do Gustavo. No o perderemos de vista.Gustavo, somos teus amigos.- Agradeo-vos - afirmou o rapaz, fazendo uma vnia. - uma honra.- Assim mesmo que - aplaudiu Jaime, dando-lhe uma palmada no ombro. -E agora, ouam-me: preciso esquecer tudo quanto ouviram acerca de

    Alosio Gramondie de Tauri-Hessia. Perceberam-me?- Perfeitamente, Jaime - afirmaram todos. Estavam muito srios. Era raroverem-se diante de problemas to graves e pouco normais em plena partidade bisca. Na realidade, o vulgar e o extraordinrio no ligavam bem. Comalvio, concentraram-se outra vez no jogo quando Jaime saiu da sala parair contar esposa o que acontecera.- Olhem o que a Didi esteve a fazer enquanto conversvamos! - exclamouJoo, exasperado. - Baralhou tudo! - Larga as cartas que tens na pata,Didi!- Esteve a jogar sozinha - disse Maria da Luz, rindo. - E tem as cartasna pata como se estivesse espera da sua vez de jogar. - Larga-as, Didi!Um, dois, trs, oito, quatro, palrou o pssaro, trocando os nmeros,como de costume. Cinco foi a conta que Deus fez!

    - Trs foi a conta que Deus fez - corrigiu a Maria da Luz. - Ests aperder a memria, Didi!A catatua soluou, como fazia sempre que se enganava.- Chega, Didi - gritou-lhe Joo. - Algum de vocs quer comear outrapartida?67Nenhum deles tinha muita vontade de jogar depois das revelaes feitaspelo Jaime. No queriam discuti-las em frente do Gustavo, apesar deestarem ansiosos por falar delas.A Sr.a Cunningham apareceu porta.- O Jaime vai quinta buscar o leite - anunciou ela. - Algum, de vocsquer ir com ele? O Gustavo que no pode ir.- Vou eu - disse Maria da Luz, levantando-se do cho. - Vocs ficam com atia.

    - Est bem - concordou Joo, pensando que, com efeito, era melhor elesficarem, j que teria de contar-se com a possibilidade da vinda deraptores, apesar de se encontrarem muito longe de Tauri-Hessia.68- Eu tambm fico em casa - anunciou Dina. - Tenho uma bolha num p.Como mais ningum queria sair, a Maria da Luz, com ar satisfeito, foi tercom Jaime. Gostava de passear com ele. Jaime mostrava-se sempre muitodivertido e satisfeito quando estavam todos juntos, mas ela achava muitomais agradvel andar com ele quando estava s. Deu-lhe o brao ecaminharam jumtos luz crepuscular.- Se tens vontade de dizer alguma coisa acerca do Gustavo, aviso-te j deque no deves faz-lo - disse-lhe Jaime, em voz baixa. - No quero quedesperte a menor suspeita de que no o que parece. Com a idade que tem

    seria uma coisa muito sria para ele ver-se obrigado a ser rei.- No direi nada - assegurou a Maria da Luz, num sussurro. - Falemos doJoo.- Ests mesmo disposta a falar dele? - perguntou-lhe Jaime, com umsorriso. - Pois fica sabendo que o Joo tem uma coisa que eu gostariamuito de ter.- Que ? A Didi? - perguntou a pequena.

    No... ter uma irmzinha muito boa. agradvel encontrarem-se doisirmos que gostam tanto um dooutro.

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    - Os nossos pais morreram quando ramos ainda muito pequenos - murmurou aMaria da Luz , por isso, s nos tnhamos um ao outro. Mas agora temos osenhor e a tia Lia, e temos tambm o Filipe e a Dina. A sorte que nstivemos! Somos muito felizes!- Eu tambm sou feliz - afirmou o detective. - Tive a sorte de arranjar amelhor famlia que podia ter desejado. Ouve como os mochos piam! Quesons!

    - Agora foi uma coruja - corrigiu a pequena, a quem o Joo havia ensinadoa distinguir os diferentes gritos das aves nocturnas. - E este pio foidado por um mocho pequeno.- Que diabo isto? - perguntou Jaime, sobressaltado69

    com um som que se produzira muito perto da sua cabea.A Maria da Luz comeou a rir.- Foi uma coruja das torres - afirmou. - Chia dessa mameira para assustaros ratos e outros bichos.- Pois tambm me assustou a mim - garantiu Jaime. - Ah... aquilo a casada quinta, no ? Vem comigo, Maria da Luz, e finge no ficaressurpreendida com a conversa que vou ter com a Sr.a Ellis.Bateram porta e entraram na ampla e confortvel cozinha. O fogo

    crepitava na chamin e a velha tia Nomia, envolvida num xaile, faziamalha sentada a um canto. A Sr.a Ellis veio ao encontro deles.- Alegro-me por v-los! Como passam? J esto comodamente instalados?ptimo! Em que posso ser-lhes til? Sentem-se, por favor!Sentaram-se. Maria da Luz viu uma cadeira de balouo e logo correu paraela. Um grande gato saltou-lhe para o colo, acomodou-se e adormeceu. AMaria da Luz sen-tiu-se muito honrada com aquela distino.A dona da quinta deu-lhe uma fatia de bolo. Enquanto o saboreava, Mariada Luz escutou o detective com ateno. Jaime comeou por narrar asltimas notcias. Em seguida ps-se a falar da Vivenda da Pedreira.- um stio muito bonito e sossegado - afirmou. - raro aparecer gentepor aqui, no ? Excepto algumas pessoas como ns, que querem umas friassossegadas.- Tem graa; hoje apareceram por aqui uns estranhos num belo carro negro

    - disse a dona da quinta , muito parecido com o seu, Sr. Cunningham.- provvel que se tenham perdido - comentou Jaime.Apurara o ouvido quando a Sr.a Ellis pronunciou aquelas palavras. A Mariada Luz ficara com a certeza disso, apesar do tom da voz do detective noacusar qualquer perturbao.70- No, no se perderam - corrigiu a Sr.a Ellis. - Trata-se de um casalrecm-chegado. A senhora tem estado doente e desejava alojar-se num stiotranquilo onde a alimentao fosse boa. Andavam procura duma quinta ehouve algum que lhes indicou a nossa. Por isso, vieram c pedirinformaes.- Sim... e... disse que lhes daria alojamento, Sr.a Ellis?- Sim, senhor... o meu marido vai ficar zangado. Est sempre a dizer que

    me deixo arrastar pela bondade do meu corao. Vm para aqui amanh.Dizem chamar-se Jones... mas, se no me engano, so estrangeiros.- Estrangeiros - murmurou Jaime, muito devagar. - Sim... j estava espera disso!71

    CAPTULO IX UMA VISITA

    A Maria da Luz deixou de balouar na cadeira e sentiu cair-lhe a alma aosps. Estrangeiros! Queria isso dizer que procediam de Tauri-Hessia, ou l

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    como se chamava o pas, e que tinham seguido a pista de Gustavo? Oh,Cus! No... no era possvel que estivesse no comeo doutra aventura!Tinha julgado que aquelas frias fossem agradveis e tranquilas.Malditos sejam!, sussurrou para o gato. Fora com o Gustavo! Fora com otio de!Jaime fez mais algumas perguntas cautelosas, mas a Sr.a Ellis nada maistinha para lhes dizer. O detective ps-se de p, pegou no leite que lhe

    tinham trazido e pagou-o. Agradeceu, deu as boas-noites e saiu para anoite estrelada na companhia da Maria da Luz.- Tenho receio... mesmo muito receio... de que algum ande na pista doGustavo - confidenciou o detective em voz baixa quando regressavam acasa. - Mas... como podem ter adivinhado que se encontrava connosco? pena que o seu aspecto d tanto nas vistas, dando margem a que oreconheam facilmente. Suponho que algum o deve ter visto comigo.Bastava perguntar quem eu era e o resto no oferecia qualquerdificuldade. Hum! No estou a achar graa alguma ao que se passa.- O senhor e o Gustavo tero de desaparecer daqui? - preguntou a pequenato baixinho que s o detective poderia ouvi-la. - Por favor, no parta.- Terei de discutir o assunto com a tua tia. No digas coisa alguma aoGustavo. Ou me engano muito ou

    72ele ficaria em tal estado que pareceria ter mil diabos no corpo. Nenhumde vocs deve deix-lo sozinho, seja por que motivo for... e faam comque ele ande sempre no meio do vosso grupo.- Est bem! Ah, Jaime! Quando penso que essa gente poder alojar-se naquinta! Mas possvel que se trate de quaisquer outras pessoas, no ?No ho-de ser forosamente inimigos, pois no?Jaime apertou-lhe a mo carinhosamente.-