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1 GB110707 urubici

A L I M E N T A Ç Ã O D I N Â M I C A

G e r h a r d S c h m i d t

Biblioteca Virtual da Antroposofia

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Dr. Med. Gerhard Schmidt

A L I M E N T A Ç Ã O D I N Â M I C A

O estímulo da ciência espiritual de Rudolf Steiner a uma nova higiene da nutrição

Tradução do francês: 1º. Ao 12º. Capítulos

Dr. Ivan Stratievsky

Revisão: Gerard Bannwart

B I B L I O T E C A V I R T U A L D A A N T R O P O S O F I A

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Í N D I C E

PREFÁCIO DO AUTOR.................................................................... 7

CAPÍTULO I:

AS BASES DA NUTRIÇÃO. A AMPLIAÇÃO DA CIÊNCIA NUTRICIONAL PELA CIÊNCIA ESPIRITRUAL DE RUDOLF STEINER... 10

A nutrição como questão de consciência. A situação nutricional atual. A evolução da ciência nutricional. Nascimento da dietética. O combate contra a teoria materialista da nutrição. Necessidade de novos métodos de investigação. As leis naturais são válidas apenas para o mundo inorgânico. O mundo das forças formativas. A realidade da alma e do espírito. Os fenômenos do anabolismo e do catabolismo no homem. Os conceitos de saúde e de doença no homem. A tarefa da alimentação. A dietética. Variações e limites da concepção científica. A ligação a antigos hábitos de pensamento. A nova imagem do homem. Novos critérios de qualidade. A natureza quádrupla do homem. A corrente quádrupla da nutrição. O duplo problema da alimentação humana. A atividade dos constituintes do homem do ponto de vista da alimentação. A ponte entre o físico-corporal e o anímico-espiritual. Uma alimentação apropriada ao ser humano.

CAPÍTULO II:

POR QUE ALIMENTAR-SE?............................................................. 31

A balança e o termômetro no estudo da nutrição. Qual é o objetivo da alimentação humana? A “natureza própria” das substâncias alimentares é um critério de qualidade indispensável. A lei energética e seus limites. A individualidade bioquímica do homem. Destruição e ressurreição da matéria do homem. A alimentação: uma resistência contra a natureza.

CAPÍTULO III:

CONTRIBUIÇÃO À FISIOLOGIA DA NUTRIÇÃO............................

O homem e os reinos naturais na alimentação. As quatro etapas da digestão. A digestão bucal. O triunfo sobre a natureza estranha dos alimentos. A digestão gástrica. A digestão no intestino delgado. Processos rítmicos no intestino – O papel do baço. A organização rítmica – O ritmo

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4 circadiano. A absorção dos alimentos. Desvitalização e revitalização dos alimentos. Admissão do alimento na organização superior do homem: papel da função renal. A humanização da substância nutritiva – O papel do fígado e da bile. A ação do colesterol. O metabolismo do açúcar. O calor, suporte da organização do Eu. Significado do peristaltismo intestinal. Polaridade da constituição humana. Significado da flora intestinal. Aspectos da digestão das albuminas e das gorduras. Fermentação dos carboidratos. Sentido e realidade da alimentação – quantidade e qualidade. O problema fundamental da alimentação: a corrente terrestre e a corrente cósmica. Materialidade e ação das forças. Origem e objetivo da alimentação – Nutrição terrestre e cósmica.

CAPÍTULO IV:

OS PROCESSOS DO ODOR E DO GOSTO: CONDIMENTOS, TEMPEROS E SUBSTÂNCIAS AROMÁTICAS..............................................

Dados preliminares. A percepção olfativa – Significado do aroma. Processos gustativos – O problema dos condimentos.

CAPÍTULO V:

O PROBLEMA DO RITMO NA ALIMENTAÇÃO..............................

Atividades da organização rítmica. O ritmo circadiano do fígado. Resultados da ciência moderna dos ritmos. A importância do ritmo para a saúde humana.

CAPÍTULO VI:

O QUENTE E O FRIO NA ALIMENTAÇÃO.......................................

Fisiologia do sentido do calor. O ser de calor. Processos térmicos no homem - A teoria das calorias. Utilização do quente e do frio na alimentação. A essência do quente e do frio. Técnicas modernas do quente e do frio na alimentação. Alimentação. Alimentos secos, torrados, cozidos.

CAPÍTULO VII:

O CRU E O COZIDO.............................................................................

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5 A descoberta de M. Bircher-Benner. Os dados da ciência espiritual. O significado da sopa.

CAPÍTULO VIII:

ALIMENTOS. PRODUTOS DE REGIME. GULOSEIMAS. MEDICAMENTOS.............................................................................................

As relações da planta com o homem tripartido. As plantas medicinais. Os produtos de regime. O sal de cozinha. A essência do mineral. Outros pontos de vista. A formação dos venenos. Diferenças entre o alimento e o remédio.

CAPÍTULO IX:

REGIME VEGETARIANO. REGIME CARNÍVORO........................

Origem do vegetarianismo moderno. Primeiro argumento: o de M. Bircher-Benner. Ampliação pela ciência espiritual. Pontos de vista da fisiologia do comportamento. Qual regime escolher? O aspecto pedagógico. Resultados da pesquisa científica. Os dados da ciência espiritual moderna. Aspectos da alimentação carnívora. O leite e seus derivados.

CAPÍTULO X:

ALIMENTO E VIDA ESPIRITUAL......................................................

Um pouco de história. Pontos de vista da ciência moderna. O papel do fósforo. Sal de cozinha – Sílica – Ácido úrico – Açúcar. Um alimento raiz: a cenoura. Beterraba vermelha e raiz-forte. Fatores de inibição: Proteínas, batatas e álcool. Café e chá. A ciência espiritual liberta do dogmatismo e dos fantasmas pessoais.

CAPÍTULO XI:

ALIMENTAÇÃO E VIDA DA ALMA...................................................

Dados do problema. Resultados da “fisiologia do comportamento”. Os esclarecimentos da ciência espiritual. O triplo mundo dos instintos, impulsos e desejos. Não é o alimento que nutre, é a alma. O jejum, a dieta e a ascese. Aspectos contemporâneos. Evolução dos hábitos alimentares. Pontos de vista fisiológicos. A fome e a sede. A “benção”. Ações e reações

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6 entre a substância física e o elemento anímico-espirirtual do homem. A nova imagem do homem. Nutrição terrestre e nutrição cósmica.

CAPÍTULO XII:

A REFEIÇÃO, FATOR DE APROXIMAÇÃO.....................................

A alimentação cria elos. Aspectos históricos. Hábitos e usos alimentares. Nossa alimentação, “pomo da discórdia”. A coletividade da alimentação. Problemas modernos de alimentação - Problemas modernos de alimentação coletiva.

CONCLUSÃO E PERSPECTIVA......................................................

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................

-x-

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PREFÁCIO DO AUTOR

Quase um século se passou desde que Rudolf Steiner, o fundador da ciência espiritual moderna, expôs uma nova concepção do ser humano e uma nova compreensão do mundo. Daí resultou uma ampliação da arte de curar, uma pedagogia adaptada à nossa época, novas diretrizes em todas as ciências, a criação de um novo método em agricultura e, enfim, o alargamento da ciência e da higiene alimentar. Na verdade, Rudolf Steiner jamais fez um curso de dietética, mas uma enorme quantidade de indicações e conselhos relativos à alimentação provieram de seus ensinamentos, desde o início do século passado até a sua morte em 1925.

Rudolf Steiner expôs aspectos particulares da alimentação humana. Suas idéias são novas, originais. Mas o que mais importa é que delas saiu uma concepção de conjunto que é inteiramente nova, uma doutrina que é verdadeiramente adaptada à realidade em nossa época. Assim ele se relacionava, como sempre o fez, aos conhecimentos do seu tempo e os completava, transportando todo o problema para um terreno mais seguro. Quebrando os pretensos limites do conhecimento que haviam escravizado a humanidade nos últimos séculos, pôde abrir um campo livre à investigação espiritual. Daí partindo, torna-se possível lançar luz sobre perguntas e problemas que ele mesmo não abordou e que só foram levantados após seu desaparecimento.

O presente livro tem por primeira tarefa expor a concepção fundamental que serve de base às pesquisas de Rudolf Steiner em matéria de dietética. Tentaremos inserir nele os dados mais diversos sobre essa matéria, tais como se encontram em sua obra. Enfim, examinaremos também uma série de questões que resultam das pesquisas contemporâneas e que confirmam as asserções de Rudolf Steiner, ou que, pelo menos, têm o mesmo sentido. Nesse ponto mencionamos pioneiros como Bircher-Benner, Bunge,

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8 Waerland, Ragnar Berg e outros brilhantes médicos ou dietistas. Mas isso permanecerá forçosamente incompleto, por, senão, sair do objetivo desta obra. Certos leitores poderão decepcionar-se por não encontrarem aqui uma “soma” ou um “sistema” e por encontrarem repetições em vários trechos da obra.

Tal trabalho jamais foi tentado neste domínio. Neste volume esclareceremos os problemas da alimentação sob seus aspectos fundamentais e gerais: significado da alimentação, fisiologia nutricional, papel dos ritmos, dos aromas, etc. Caracterizaremos as três espécies de alimentos: os minerais, vegetais e animais.

Em seguida, trataremos das relações entre a alimentação e o elemento anímico-espiritual do homem; seguir-se-á um exame racional da diferença entre os alimentos crus e os cozidos; definiremos a distinção entre os alimentos, os medicamentos, os produtos de regime e os produtos de “guloseima”. Para finalizar, leremos aqui um trabalho sobre o significado social da alimentação humana e sobre seu histórico, com perspectivas para uma higiene alimentar apropriada a nossa época.

O segundo volume, ainda não traduzido, que se apoiará sobre essas bases, passará aos problemas mais detalhados: a questão das proteínas, dos hidratos de carbono, das gorduras, minerais e vitaminas, do leite e seus derivados, dos cereais, legumes, frutas, condimentos, etc. Os pontos de vista práticos não faltarão, principalmente com relação às diferentes idades.

No terceiro volume, também não traduzido, encontraremos, a princípio, os resultados experimentais obtidos pelo autor, baseados em regras práticas. Teremos em seguida os conselhos de Rudolf Steiner para o regime das doenças cancerosas, hepáticas, cardíacas e renais, bem como prescrições dietéticas para as dermatoses e doenças da civilização. Outras indicações de Steiner referem-se às crianças ditas excepcionais.

Preocupamo-nos, desde o final do segundo volume, com o vasto problema da fome no mundo e tentamos projetar a luz da ciência espiritual no caos e trevas da conjuntura atual.

Devemos ainda fazer uma observação referente ao título desta obra: “Alimentação Dinâmica”.

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9 Rudolf Steiner frequentemente referiu que as substâncias ingeridas servem mais para provocar nossa mobilidade interna do que para constituir reservas materiais. “Não se trata de um aporte quantitativo..., mas nosso metabolismo deve poder acolher a totalidade das forças contidas nos alimentos”. Friedrich Boas, na sua “Botânica Dinâmica”, tentou descrever a planta como sendo um centro de forças e ações da natureza. Referia-se a Goethe, Alexander von Humbolt, Lessing, etc.

Este é o método com o qual Rudolf Steiner igualmente aborda os problemas da agricultura e da alimentação.

Na realidade, as interações dinâmicas das quais falamos ocorrem “em todo o universo”, ou seja, entre o domínio terrestre e o domínio extra-terrestre. As transformações não se referem somente à matéria e às forças terrestres, mas ainda às forças supra-sensíveis, ditas “formativas”. Sem esse conhecimento não se pode praticar uma agricultura nem uma dietética adaptada às necessidades da nossa época. É por isso que intitulamos este livro: “Alimentação Dinâmica”. É uma nova ciência das interações entre a nutrição e o homem. O edifício já foi virtualmente construído por Rudolf Steiner, mas é necessário reunirem-se as pedras espalhadas da construção.

Doutor Gerhard Schmidt

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CAPÍTULO I

AS BASES DA ALIMENTAÇÃO

AMPLIAÇÃO DA CIÊNCIA NUTRICIONAL PELA CIÊNCIA ESPIRITUAL DE RUDOLF STEINER

A ALIMENTAÇÃO COMO PROBLEMA DE CONSCIÊNCIA

Aquele que quer se dedicar em nossos dias ao estudo da alimentação não pode se esquivar de graves problemas. Com efeito, há menos de um século os seres humanos escolhiam sua alimentação baseando-se num sentido instintivo, relativamente seguro. A alimentação, a digestão, a assimilação, etc. não traziam problemas ao homem de boa saúde. Mas essa situação deteriorou-se intensamente. O sentimento de ser protegido pela natureza, fornecedora de alimentos, a confiança que se tinha nela, deram lugar a uma insegurança cada vez mais marcante, a um mal estar e mesmo à suspeita: o alimento oferecido ou escolhido está apto a responder às nossas demandas e às necessidades de nossa vida? Não é apenas a perda do instinto, nem mesmo a baixa qualidade da nutrição, o que atormenta os homens; é também – e sobretudo – o sentimento bem nítido de que o saber tradicional ou modernamente adquirido somente pode responder imperfeitamente às perguntas feitas. Por isso, torna-se um problema de consciência. O homem procura ampliar e aprofundar o campo de sua compreensão, ou seja, uma maior segurança, uma melhor possibilidade de julgar. No que se refere à alimentação, essa necessidade, em nossos dias, apresenta-se sob formas bem diversas.

A situação atual da dietética realmente é um sintoma dessa evolução. No início do século essa disciplina movia-se ainda dentro de modestos limites; em nossos dias ela quase que os ultrapassou. Os pesquisadores são numerosíssimos e suas publicações proliferam de maneira inacreditável. Um problema que já parecia resolvido não cessa de aumentar e de se complicar. Os detalhes e as especializações triunfam. Praticamente não é mais possível ao observador ter uma visão de conjunto. E, entretanto,

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11 sente-se por detrás dessa agitação o mesmo mal estar, a mesma inquietação, a mesma pergunta angustiada: Colocamos suficientemente o homem em nossas especulações? Podemos realmente estudar a natureza? Ou será que ambos não fogem para longe, envoltos em brumas?

Falta-nos uma imagem do homem e uma imagem da natureza.

Uma personalidade tal como Karl Marx acreditou ter resolvido no século 19 o enigma da natureza, do homem e de suas mútuas relações, quando escreveu: “A força do trabalho nada mais é do que a matéria natural transformada no organismo humano. O metabolismo age de tal maneira que a natureza seja humanizada e o homem naturalizado”. Com tal concepção certamente poder-se-ia fundar o materialismo teórico, do qual nasceu a experiência socialista com a visão de edificar uma nova ordem econômica e política. Mas assim, a imagem do homem poderia apenas se petrificar, e a da natureza, desaparecer. É necessário confessar que “por trás da medicina científica atual não existe realmente uma imagem da natureza” (H. Schipperges). Não há muita diferença em relação à dietética. Doerr escreveu: “Isso significa que os dados da Ciência são exatos, mas que a imagem do homem, fundada unicamente sobre esses dados, é falsa”. Nem imagem da natureza, nem imagem do homem, tal é a triste conclusão da pesquisa moderna. Mas ela leva à explosão e à progressão para um novo domínio do conhecimento.

A chave que abre a porta para esse novo domínio já fora pressentida por Goethe: “Aquele que não quer colocar na cabeça que espírito e matéria, alma e corpo, pensamento e percepção, vontade e movimento, foram, são e serão os duplos ingredientes do universo – cada qual reclamando direitos iguais ao outro – e que esses pares devem ser considerados, sem dúvida, como os representantes de Deus, aquele que não pode se elevar até esta idéia deveria ter, há muito tempo, renunciado ao pensar”. Em outras palavras, sem a ciência espiritual, a ciência não pode compreender nem a natureza, nem o homem.

A SITUAÇÃO NUTRICIONAL ATUAL

Podem-se observar essencialmente seis sintomas:

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1. Uma oferta crescente e muito diversificada de gêneros alimentícios nos países civilizados. Falta de alimento nos países ditos “em vias de desenvolvimento”.

2. A baixa qualidade dos produtos alimentícios. 3. A mudança dos hábitos alimentares. Superalimentação, isto é, abuso

de nutrição. Subnutrição, isto é, carência. 4. Em consequência dessa evolução, as doenças dependentes da

alimentação só se multiplicam. 5. A insegurança crescente em relação aos alimentos leva ao desejo de

uma nova consciência e de uma responsabilidade superior. 6. Confessa-se que se faz uma imagem defeituosa do homem e da

natureza.

Esse conjunto de sintomas que teremos ocasião de estudar em detalhe resulta, em última análise, da filosofia do século 19. Daremos alguns exemplos.

A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA NUTRICIONAL

Ela começou no meio do século 19. A época compreendida entre 1840 e 1860 parece ter desempenhado um papel decisivo.

Na França, com Lavoisier, Magendie e Claude Bernard, a fisiologia orientou-se nitidamente para a física e a química. Essa virada ocorreu na Europa Central com a importante personalidade que foi Johannes Mueller (1801-1858). Na sua juventude leu com entusiasmo os escritos de Goethe, dos quais guardou a impressão durante toda a sua vida. Quando em 1834-1840 fez surgir sua “Fisiologia do Homem”, viu-se bem que, sob influência da escola francesa, ele abriu a porta a uma interpretação mecanicista dos fenômenos vitais. Seus discípulos, Virchow, Helmholtz, Du Bois-Reymond, terminaram esse trabalho. Tal movimento logicamente culminaria no ceticismo científico, ou num materialismo integral.

Em 1872 morria Feuerbach, no mesmo ano da morte de Du Bois-Reymond. Ele tinha anunciado o fim da filosofia, e cita-se frequentemente seu intraduzível jogo de palavras: “Der Mensch ist was er isst” (O homem é o que come).

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13 Para Feuerbach, que não era dietista, essa consideração emanava de um pensamento profundamente materialista. Para ele, nossa consciência era apenas o produto de um órgão material: o cérebro. O espírito era apenas o resultado final da matéria.

Tais asserções serviriam para fundar as teorias de Engels e Marx. Esse foi o “materialismo histórico”. Mas elas também se infiltraram na ciência. É significativo que o nascimento da dietética surja nesse momento sob essa constelação. Sobrava apenas a matéria do homem e do mundo; mas sua natureza permanecia um enigma inacessível a todos.

Carl Voit, que passa por fundador da dietética moderna, dizia em 1868: “Por volta de 1840 a ciência da alimentação havia ultrapassado apenas o seu estágio inicial. Ninguém poderia dizer porque comemos esta ou aquela substância, ou porque um organismo nutre-se de carne enquanto que outro de feno, alimentos, ao que parece, completamente diferentes...”.

Vê-se que depois houve uma considerável evolução, mas inteiramente baseada numa filosofia materialista, a qual deixou sua marca em toda a dietética atual. Em 1840, Liebig redigira uma obra que marcou época: “A química orgânica e sua aplicação na agricultura e na fisiologia”. Voit disse a respeito dela: “As idéias de Liebig trouxeram princípios e diretrizes para a alimentação, e tudo o que os tempos mais recentes adicionaram foi possível somente graças a ele”.

É importante lembrar que em outubro de 1870, Voit falou a respeito desses meados do século 19, principalmente dos anos 40, como decisivos para uma reviravolta espiritual na evolução da Europa e da América: “Foi como que o apogeu do desenvolvimento materialista da inteligência sobre a Terra”.

Não queremos nem esquecer que devemos a essa evolução uma grande riqueza de dados indispensáveis ao estudo da alimentação. Sem ela não teríamos nenhum conhecimento da albumina, das gorduras, carboidratos, minerais e vitaminas. Nada saberíamos do valor nutritivo do leite, dos cereais, legumes, condimentos, etc. Não teríamos quase nenhuma noção das bases do aroma, das regulações do metabolismo, da digestão, das secreções, etc.

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14 Não esqueçamos, entretanto, que essa teoria científica da nutrição foi precedida por um saber instintivo, com a qual a alta sabedoria espiritual manteve a humanidade em vida durante milhares de anos. Unicamente esse saber instintivo desapareceu no decorrer das eras, não podendo mais renascer, pois a humanidade perdeu suas visões semi-oníricas das relações espirituais entre o homem, a natureza e o cosmos; em troca, desenvolveu uma faculdade intelectual bem desperta e consciente. Não se pode mais, legitimamente, apelar às antigas fontes. No início dos tempos modernos restava apenas um saber tradicional, geralmente mal compreendido e deformado, que foi facilmente derrubado por espíritos como Lavoisier, Liebig ou Du Bois-Reymond, os quais, aliás, tinham razão de fazerem isso, pois esses vestígios incertos se haviam tornado imprestáveis e criavam mais obstáculos do que progresso, não sendo mais efetivamente válidos para os homens dos novos tempos.

Esses antigos conhecimentos, entretanto, infiltraram-se como pequenos riachos até o coração do século 19, e encontraram, por exemplo, em Goethe, uma espantosa expressão – até mesmo ajudando-o a elaborar seu método científico, no qual Rudolf Steiner pôde se basear para refazê-lo numa investigação espiritual.

Pelo contrário, os movimentos provenientes dessas antigas fontes do Extremo Oriente, ao emigrarem para nossa atual existência, eram muito pouco aptos a provocar uma renovação do pensamento ocidental. Suas fontes espirituais já se encontravam esgotadas há muito tempo e suas concepções, abandonadas aos perigos do dogmatismo e do sectarismo, não podiam, de maneira alguma, elevar-se ao nível da ciência do Ocidente. Se tais movimentos desempenham ainda hoje algum papel é porque esse fenômeno se refere ao desejo do homem moderno de tudo compreender (mesmo os processos nutricionais), segundo uma filosofia espiritualista; isso não implica que esses movimentos sejam capazes de satisfazer esse desejo de uma maneira apropriada aos tempos atuais. A dietética “dinâmica” que aqui apresentamos tem o cunho da ciência espiritual; nada tem em comum com esses movimentos de origem oriental e é com custo que os mencionamos nesta obra.

Totalmente diferente é o que ocorre com movimentos como os de Max, Bircher-Benner, Bunge e muitos outros eminentes pesquisadores, que se apóiam sobre as modalidades modernas da consciência. Seus fundadores e

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15 representantes geralmente são de grande competência em dietética, e muitos dos seus desempenhos são notáveis. Com um olhar livre de qualquer idéia preconcebida criaram brechas na fortaleza da dietética puramente materialista. Finalmente, é preciso citar personalidades da medicina e das diversas disciplinas antroposóficas – compreendendo a dietética e as regras de higiene –, personalidades que serão frequentemente mencionadas nesta obra. A todas elas o autor é grato, não somente pelas numerosas novas idéias, como ainda pela confirmação de sua certeza; de que uma exposição geral da questão dietética, como esta que é tentada aqui, responda a uma necessidade urgente.

NASCIMENTO DA DIETÉTICA

Foi em 1847, quando quatro grandes sábios, Helmholtz, Du Bois-Reymond, Bruecke e Ludwig se encontraram em Berlim para “estabelecer a fisiologia sobre uma base físico-química e colocá-la no mesmo nível que a física”, que ocorreu uma reviravolta histórica no futuro da humanidade.

Liebig, em sua vasta obra “Cartas de um químico”, caracterizou enfaticamente essa mudança, pelo menos do ponto de vista químico. Pode-se dizer que ele foi o primeiro grande pesquisador da ciência nutricional, pois ele passou da química ao estudo da nutrição, dos processos metabólicos, etc. Assim fazendo, transferiu o pensamento do químico para os processos digestivos dos animais e do homem. Ele era fascinado sobretudo pela presença de certos minerais nos organismos, e em seguida estendeu suas concepções para o solo e a cultura, o que o levou a inaugurar a adubagem mineral.

A fisiologia da nutrição, tal como nascia, edificou-se então sobre fundamentos retirados do método puramente físico-químico de investigação. Ela levou a fazer da “lei da conservação da energia” (1842-1847), postulada por Mayer e Helmholtz, o fundamento de toda a fisiologia do metabolismo; depois veio a inauguração do método da análise quantitativa e a escolha da caloria para as aplicações da termodinâmica referentes aos organismos vivos. Foi com essa base que Voit, em 1875, desenvolveu sua teoria da “ração média para o ser humano adulto”, (3000

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16 calorias, provindo 500 gramas de carboidratos, 118 gramas de albuminas e 56 gramas de lipídeos), e que Rubner enunciou sua “lei da isodinamia” (100 gramas de lipídeos são para o “pool” orgânico o equivalente a 230 gramas de carboidratos, ou a 230 gramas de albumina).

Pareceu-nos necessário voltar a esses aspectos do nascimento da dietética para compreendermos bem qual tipo de herança recebemos no início do século 20. Adicionemos a isso as fortes influências de Darwin e Haeckel, de Marx, de Lasalle, de Malthus, etc. Foi nessa situação que Du Bois-Reymond pronunciou seu célebre: “Ignoramus et ignorabimus” (Ignoramos e ignoraremos), a 14 de agosto de 1872, perante uma assembléia de cientistas e médicos alemães. Ele falou dos “limites intransponíveis do conhecimento”, tanto da natureza como do homem.

Cem anos após, em nossos dias, podemos constatar quão graves defeitos surgiram no edifício tão audacioso da ciência nutricional moderna, e que, de qualquer maneira, uma coisa está evidente, como já o dissemos: nossa imagem da natureza não tem nada a ver com a realidade... e nossa imagem do homem é falsa. Isso significa também que a dietética tem necessidade de uma nova imagem da natureza e do homem, se ela quiser se construir sobre o que é real. Eis aí uma questão capital que surge aos nossos contemporâneos. Ela permite compreender porque Rudolf Steiner queria inicialmente criar os fundamentos de uma verdadeira antropologia, quando falava dos problemas da nutrição.

O COMBATE À TEORIA MATERIALISTA DA NUTRIÇÃO

Desde antes da virada do século travava-se um violento combate em torno da teoria materialista da nutrição. Foi nessa ocasião que Gustav Von Bunge, catedrático de fisiologia e bioquímica da Universidade de Basiléia, Suíça, de 1885 a 1920, adquiriu grandes méritos. Este homem, cuja obra permanece atual até os nossos dias, e sobre a qual se apóiam importantes partes da dietética atual, encaminhou-se, movido por uma convicção íntima, contra as concepções mecanicistas de seus contemporâneos.

Ele exprimiu-se da seguinte maneira em 1886, numa conferência denominada “Vitalismo e Mecanicismo”, que mais tarde foi incorporada

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17 em sua “Fisiologia do Homem” sob o título de “Idealismo e Mecanicismo”: “O olhar mais profundo, o mais direto que possamos mergulhar em nosso ser íntimo, mostra-nos outras coisas, quais sejam, as qualidades e processos que nada têm em comum com um mecanismo”. Bunge declarou então, sem equívoco, que o essencial da natureza humana é feito de qualidades e de um dinamismo que de alguma maneira se esconde sob as formas sensíveis. Conclui: “Quanto mais nos esforçamos por compreender os fenômenos da vida, mais chegamos a isto: aquilo que já pensávamos ter explicado pela física e pela química na realidade revela-se mais complicado, desafiando, no momento, qualquer interpretação mecanicista... Jamais se pôde explicar, nem na ciência do metabolismo, nem em outros ramos da fisiologia, um só dos fenômenos da vida com a ajuda das leis físico-químicas”.

Foi inevitável que Bunge entrasse em conflito com um sábio como Du Bois-Reymond, ardente defensor da teoria mecanicista. Mas Bunge não procurava ressuscitar um velho “vitalismo”. Achava unicamente que “era absurdo esperar descobrir outras coisas na natureza vivente senão na natureza inorgânica, empregando unicamente os mesmos órgãos sensoriais”. Em outros termos, ele reconhecia claramente que com os instrumentos de conhecimento que aplicamos na investigação da natureza inanimada, jamais seria possível compreender o que é vivo, sendo fadada à derrota qualquer tentativa deste gênero.

Essas afirmações de Bunge são de uma importância enorme e foram confirmadas de diversas maneiras.

W. Heitler, de Zurique, Suíça, foi ainda mais longe. Ele escreveu: “Pelos seus modos de ação, as leis que reinam no organismo são diametralmente opostas às da matéria inanimada. Há no organismo, manifestamente, atividades que a matéria morta não conhece e que fazem, precisamente, a diferença entre a vida e a morte”.

NECESSIDADE DE NOVOS MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO

As consequências dessas tomadas de posição foram muito importantes para a ciência da nutrição. Conduzem a verdades que Rudolf Steiner já havia reconhecido há mais de meio século. “A evolução das ciências

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18 naturais, a partir do século 15, isolou o homem da sua própria natureza, rejeitou-a, e a ciência assim desumanizada celebrou muito triunfos”, disse ele. Mas como compreender a nutrição do homem se não se compreende nem mesmo o vivente, sem falar da alma e do espírito?

Em seu debate com Du Bois-Reymond, Bunge escreveu: “Os autores (mecanicistas) não abordaram o coração do problema: a impossibilidade de explicar mecanicamente as qualidades psíquicas...”, e mais longe: “E como esta pequena construção que é a célula torna-se portadora dos fenômenos da alma? Aqui a fisiologia mais orgulhosa abaixa a cabeça e a psicologia permanece muda”. Bunge dirige então sua atenção ao que ele denomina “nosso sentido interior de observação dos estados e processos de nossa própria consciência”. Esse sentido interior permite “um método científico de investigação”, o qual pode de uma só vez, projetar luz sobre esses problemas obscuros. “Pois nada pode parar a ciência na sua marcha vitoriosa, e a limitação dos dons de nosso espírito não impõe ao homem nenhuma fronteira intransponível”. Assim, uma personalidade eminente, representativa da ciência moderna, afirmava que o “Ignorabimus” de Du Bois-Reymond era falso e que não existe nenhum limite para os nossos poderes de conhecimento.

Foi nesse momento que interveio a investigação espiritual de Rudolf Steiner. No início seu método de conhecimento se assemelhava ao da ciência moderna, mas: “enquanto a ciência permanece no mundo sensível”, a ciência espiritual quer “considerar o estudo da natureza como uma auto-educação da alma e aplicar ao mundo sensível os resultados da sua nova pesquisa”. Trata-se então de um “auto-desenvolvimento adquirido pelo conhecimento da natureza”, mas também de uma tomada de consciência do Eu e de um conhecimento de si, conforme a realidade. A força do pensamento sustenta esse trabalho, pois ele se reconhece a si mesmo como sendo supra-sensível. Pode-se fortificá-lo por meio de exercícios até torná-lo um instrumento graças ao qual se revela um mundo até então escondido.

Bunge dizia: “O estudo da fisiologia começa pelo organismo humano, que é o mais complicado; certamente, pois é o único que se pode observar por outros modos que não os sentidos físicos, ou seja, pela introspecção, pelo sentido interior, para finalmente estendermos a mão a aportes da física que chega de fora”. (Fisiologia, Tomo II).

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19 A intenção da ciência espiritual é, igualmente, a de adicionar ao que já se sabe novos conhecimentos emanados da investigação supra-sensível, o que permite a criação de uma imagem completa do homem e do mundo, imagem esta que não está em contradição com a concepção científica, mas está apta a adicionar-lhe o lado que lhe falta, o espiritual.

Esclarecer as questões alimentares pela ciência espiritual não é unicamente ajuntar alguns pontos de vista, ou novos dados, mas sim se apoiar sobre uma concepção geral do homem e do mundo, com a finalidade de fornecer conselhos práticos para o dia-a-dia.

AS LEIS NATURAIS SÃO VÁLIDAS UNICAMENTE PARA O MUNDO INORGÂNICO

Rudolf Steiner chegou então a um modo de conhecimento que já havia sido definido por homens como Bunge, Gigon, Heitler e outros. Assim como eles, reconheceu que as leis naturais são válidas unicamente para o mundo físico, ou seja, o mineral. O mundo das plantas, sendo orgânico, somente é possível sobre a Terra porque existem substâncias que não permanecem cativas das leis físicas, mas que obedecem a outras leis diametralmente opostas. O mundo ao qual pertencem essas leis é denominado pela antroposofia de “mundo etéreo”. Neste sentido só se compreende a planta quando se vê nela a colaboração do mundo físico (terrestre) com o mundo etéreo (cósmico).

O MUNDO DAS FORÇAS FORMATIVAS

Da mesma maneira chegamos a uma concepção realista do homem vivo e de seu corpo etéreo, também chamado de “corpo de forças formativas”. As substâncias e forças do mundo físico, quando penetram no homem, devem inicialmente perder o caráter que tinham originalmente, a fim de poderem ser acolhidas pelo corpo etéreo. É um traço essencial da digestão humana e será posteriormente estudado em detalhe, e caracteriza também a

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20 relação que se estabelece entre o homem e o mundo vegetal, fonte de sua nutrição.

A REALIDADE DA ALMA E DO ESPÍRITO

Esta realidade forçosamente permaneceu estranha à pesquisa científica moderna, ainda que diversos movimentos – por exemplo, a etologia, ou ciência do comportamento – tenham tentado abordar o mistério desses dois constituintes supra-sensíveis do homem. Entretanto, vê-se que essas tentativas permaneceram sem valor quando se lê, por exemplo, num ensaio de Schaeffer e Novak (“Antropologia e Biofísica”): “Finalmente a alma humana, ou a consciência de si, nasce de uma maneira da qual a biofísica não pode se dar conta”. E Konrad Lorenz, o grande etologista, chega à conclusão de que o espírito humano é o Mal absoluto, já que ele é responsável pela destruição, já muito avançada, da natureza,

Faltaria então encontrar um novo método para a abordagem da realidade dos fatos psíquicos e espirituais. Na disciplina que já esboçamos o homem chega efetivamente a observar sua própria entidade, seu Eu, independentemente de suas ligações com o corporal. O primeiro resultado positivo de tal disciplina é que a alma se apercebe de si mesma em seu próprio centro psíquico. Com relação a esse ponto de vista a ciência espiritual confirma o postulado de Bunge. À pesquisa “desumanizada” sucede então um método que recoloca o homem no centro de todas as coisas. Essa disciplina vem, pois satisfazer um desejo expresso atualmente por numerosos pesquisadores, por exemplo, quando se trata da “limitação intolerável do pensamento científico corrente”, que torna a medicina inapta a cumprir suas tarefas. O método de investigação espiritual responde inteiramente a essas exigências. Permite também a obtenção de dados sobre o ser anímico-espiritual do homem e de suas relações com o corporal. Sem tais clarezas não é mais possível a percepção de quais relações o homem mantém com o mundo quando se alimenta. Foi então uma descoberta capital de Rudolf Steiner a interação entre a parte natural do homem e sua parte anímico-espiritual.

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OS FENÔMENOS DE ANABOLISMO E DE CATABOLISMO DO HOMEM

Uma formulação particularmente precisa dessa interação encontra-se nos “Elementos Fundamentais para Ampliação da Arte de Curar”. Já no primeiro capítulo se lê: “No ser humano o espírito não se manifesta sobre uma base de atividade construtiva da matéria, mas ao contrário, sobre uma base de atividade de desagregação. Lá onde deve agir o espírito, a matéria deve se retirar de seu campo de ação”. Na verdade, a moderna psicologia conhece esse fato, mas não lhe dá a importância que realmente possui. No organismo humano os processos anabólicos têm uma relação totalmente diferente com as atividades psíquicas do que os processos catabólicos. A edificação material exprime e manifesta atividades vitais, tais como são observadas no crescimento, regeneração e reprodução. Pelo contrário, o catabolismo geralmente corresponde a uma retirada dessas forças vitais em favor de forças de morte, concomitantemente a um despertar ou intensificar-se da consciência. Dessa maneira, o surgir do pensamento no corpo etéreo não constitui enriquecimento deste corpo, mas sim sua degradação parcial, por intermédio de processos de desagregação, de fenecimento, de declínio. A vida da alma somente pode se desenvolver pela retração dessas forças de vida, retração esta proporcional à intensidade dos fenômenos psíquicos.

OS CONCEITOS DE SAÚDE E DE DOENÇA DO HOMEM

A saúde resulta da manifestação das forças etéreas formativas anabólicas, isto é, das forças ligadas ao crescimento e à regeneração. Na medida em que a alimentação estimula e entretêm essas forças, sua tarefa é importante para manter a nossa saúde. Neste sentido, nutrir-se é repelir as forças da morte. Quando não se pode nutrir mais, a morte sobrevém. É a morte da velhice, cada vez mais rara hoje em dia.

Mas aos processos vitais, edificadores, constantemente se opõem os processos catabolizantes, bases necessárias para a vida da alma e do

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22 espírito. “É necessário procurar as causas de qualquer estado mórbido nas atividades do espírito e da alma” (“Princípios Fundamentais”, Capítulo II).

Na ciência espiritual a alma humana é denominada de “corpo astral”, nomenclatura baseada numa antiga terminologia. As forças de cura, pelo contrário, residem no organismo etéreo das forças formativas. “Curar-se bem ou tornar-se são, na realidade significa: desencadear no corpo etéreo as reações contrárias às atividades patogênicas emanantes do corpo astral”(7).

A TAREFA DA ALIMENTAÇÃO – A DIETÉTICA

A alimentação serve para estimular e desenvolver os poderes curativos do corpo etéreo. Neste sentido ela age contrariamente às forças de morte, enquanto que ao mesmo tempo tem por tarefa prevenir as doenças. Mas se processos patológicos já se impuseram a alimentação deve ser modificada e tornar-se um regime. O regime é a alimentação do doente, não unicamente no sentido de cuidar de tal órgão ou função, mas ainda e, sobretudo, no sentido de manter a medicação que é indispensável. Finalmente, a alimentação durante uma convalescença tem por tarefa reconduzir o organismo do regime especial a um regime normal.

A alimentação, como dissemos, deve ser colocada essencialmente a serviço da saúde, que é, a cada instante, a resultante das tendências vitais e das tendências patológicas ligadas à vida da alma. A alimentação deve se desincumbir disso também. Ela não deve criar obstáculos ao desenvolvimento de uma vida anímica sadia. Isto significa que ela deve respeitar ao mesmo tempo os processos corporais (aí compreendida a regeneração) e o desenvolvimento da consciência. Tocamos aqui num ponto delicado e decisivo: o homem não adquire uma consciência unicamente de grupo, como os animais; ele funda em si mesmo uma “consciência do Eu” e imprime em seu organismo corporal o selo de sua individualidade. Isto é de grande importância para a alimentação humana, pois devemos sempre nos perguntar: como pode nossa alimentação participar dessa “organização do Eu”?

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VARIAÇÕES E LIMITES DA CONCEPÇÃO CIENTÍFICA

Algumas variações surgiram realmente neste domínio, na concepção geral dos sábios. Começa-se a falar do “homem, este caso particular”, enquanto durante muitos decênios ele foi considerado como uma espécie melhorada do macaco. Pesquisadores renomados, como, por exemplo, o patologista Doerr, que declara: “Não cometemos sem cessar dois erros capitais, humanizando o animal e animalizando o homem? Não nos enganamos, professando que a medicina de nosso tempo é um ramo das ciências da natureza?” Seria muito longo citar aqui todos os sábios que se adiantaram nesse caminho; teremos que mencioná-los mais adiante em relação a diversos problemas. Todos tendem mais ou menos a reduzir as atribuições da ciência. Por exemplo, o clínico francês Jean Hamburger, em “O Poder e a Fragilidade” (1972), assinalando a descoberta importante da “individualidade imunológica”, percebeu aí uma mudança fundamental em nossa imagem do homem. “Esses representantes de nossa personalidade estão presentes em cada uma de nossas células”. Bem que “cada uma das milhões de células que forma nosso corpo possui a nossa marca”. Esta descoberta marca época. E isto tanto mais quanto Rudolf Steiner enunciou já em 1924 o seguinte resultado de sua investigação espiritual: “Até nas menores partes de sua substância o homem é, em sua estrutura, um produto da organização do Eu” (“Elementos Fundamentais”, Capitulo V). É necessário então que esta “organização do Eu” seja capaz de imprimir a cada instante seu “modelo” na substância humana, liberando-a dos traços da natureza extra-humana. As consequências que isso traz para a alimentação humana são imprevisíveis, porém somos obrigados a reconhecer que a ciência atual verdadeiramente não as vê e não está em condições de vê-las na medida em que não pode compreender o sentido espiritual de suas próprias descobertas.

A LIGAÇÃO A ANTIGOS HÁBITOS DE PENSAMENTO

Outro pesquisador declara: “O homem possui um cérebro cujo peso ultrapassa em muito o dos animais mais evoluídos”, mas logo em seguida

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24 acrescenta: “Uma particularidade como a do espírito certamente não é explicada por essa consideração” (Schaeffer e Novak: “Antropologia e Biofísica”).

Por si só essa posição caracteriza a importância de um método que, por definição, não pode conhecer a realidade do espírito. Existe uma asserção de Rudolf Steiner que pode esclarecer-nos a esse respeito: “Quando alguém diz que crê numa força vital, e mesmo num espírito, e quando expõe todas as suas investigações e reflexões sobre os problemas da alimentação, perguntando unicamente como a substância fabricada nos laboratórios age sobre o organismo humano, sem se preocupar com as leis da vida espiritual, seus resultados podem então ser fecundos para os humanos, mas sua concepção geral do mundo não pode ser fecunda”. Em outras palavras, os hábitos de pensamento, a ligação exclusiva a um método científico pretensamente único, condenam o pesquisador moderno a uma impotência tal que suas descobertas, por vezes grandiosas, não podem conduzir ao verdadeiro progresso que se poderia esperar. Podem, entretanto, servir-nos de pontos de apoio, não perdendo assim seu valor, pois muitas vezes confirmam os resultados da investigação espiritual.

A NOVA IMAGEM DO HOMEM

A imagem do homem que pode ser criada e verificada por esse caminho (dado que a ciência assinala a singularidade do cérebro humano, instrumento da consciência) pode implicar na proeminência do pensamento e confirmar esta asserção do investigador espiritual: “O corpo humano inteiro é formado de tal maneira que encontra sua coroação no órgão do espírito: o cérebro”. Mas “só se pode compreender a estrutura do cérebro humano quando o consideramos sob o ângulo de sua função, de sua tarefa, que consiste em ser o substrato corporal do espírito pensante”. Devemos aqui lançar-nos a pergunta: Como deve se constituir a alimentação dos homens para permitir o cumprimento dessa tarefa? Como deve ser alimentado o cérebro do homem? O que é, na realidade, que o nutre?

É a essas perguntas que as investigações espirituais forneceram respostas decisivas, com conselhos práticos de uma enorme importância.

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NOVOS CRITÉRIOS DE QUALIDADE

Surge outra pergunta, já levantada: Como deve ser constituída a alimentação a fim de interagir com a organização do Eu, que é ativa até na última célula de nosso corpo? Será necessário estabelecer então não somente um novo critério de qualidade para os alimentos, mas ainda mais, regras para sua preparação. Será necessário respeitar inteiramente aquilo que Rudolf Steiner denominou de “a grande, a possante máxima: É permitido à natureza ser natureza no exterior da pele humana; no interior desta pele aquilo que é natureza torna-se contra-natureza”. Será necessário então que certas concepções naturistas (fiar-se na natureza), muito divulgadas em nossos dias, sofram uma modificação e uma ampliação, se quiserem permanecer válidas face à realidade.

A NATUREZA QUÁDRUPLA DO HOMEM – A CORRENTE QUÁDRUPLA DA NUTRIÇÃO

Desde que a entidade humana surge ao nosso olhar em sua realidade espiritual, nela discernimos um corpo físico, um corpo etéreo, um corpo astral e uma “organização do Eu”. Este ampara os outros corpos e os estrutura. É com esse homem quaternário que se confronta a alimentação.

Temos a triplicidade dos reinos naturais: mineral, vegetal e animal. O ser humano acolhe em si apenas alguns minerais, por exemplo, o cloreto de sódio (sal de cozinha). Com os alimentos de origem vegetal, já começa a tratar com o que é vivente e penetrado de forças etéreas formativas. Aí ele é confrontado com essas forças das maneiras as mais variadas. Com os alimentos de origem animal absorve também as forças psíquicas que cada espécie zoológica soube interiorizar, isto é, ele deve acomodar as diversas “astralidades” do reino animal. É unicamente em sua infância que deixa penetrar em si uma substância humana: o leite materno.

Existe então, face à nossa quádrupla entidade, uma corrente alimentar quádrupla. O efeito que a nutrição terá sobre nós – afirmando nossa saúde,

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26 estimulando nossas forças psíquicas, ou servindo de substrato para nossas faculdades espirituais – dependerá ao mesmo tempo da qualidade dos alimentos, de sua procedência, sua qualidade e de nossa constituição individual.

A DUPLA QUESTÃO DA ALIMENTAÇÃO HUMANA

Não nos surpreenderemos então que Rudolf Steiner, em 1908, numa de suas primeiras conferências sobre alimentação, tenha tido seu ponto de partida no já citado axioma de Feuerbach: “O homem é o que come”. Parece lógico que tendo que falar sobre nutrição, que a princípio é um processo material, tenha-se podido elaborar uma opinião também materialista. Entretanto, devemos saber claramente que o aspecto material é apenas a face exterior de algo espiritual. Desde o século 19 a ciência descobriu que matéria e energia são as formas cambiantes de um único princípio, mas esta ciência não pôde apreender seu substrato espiritual comum, porque não podia criar um método para este fim. E também não podia ver que suas leis (conservação de energia, calorias, etc.) são válidas apenas para o mundo físico, no seio do mineral inanimado, ou ainda, em relação ao homem, até o ponto em que ele é portador unicamente de um “corpo físico”.

Foram esses dois pontos de vista que Rudolf Steiner expôs na referida conferência: por um lado, o ponto de vista do conhecimento. “Nós não comemos apenas o que vemos materialmente com nossos olhos; comemos também o espiritual que se esconde por trás dessa matéria” ou, mais geralmente, “ingerindo-se este ou aquele alimento, entramos em relação com o substrato espiritual que se encontra por trás do objeto material”. Neste sentido, o axioma de Feuerbach pode ter certa veracidade. Mas é necessário colocar imediatamente esta pergunta: O que transforma a alimentação no homem? O que ocorre quando ele digere, assimila e excreta? Como as leis de nosso meio se relacionam com as diversas necessidades e forças de nosso organismo? Para sabê-lo é preciso possuir um conhecimento do homem que seja correspondente à realidade. É o que foi feito por Rudolf Steiner de uma maneira decisiva e fundamental.

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27 Também nesse livro apelaremos às suas exposições sobre medicina e fisiologia nutricional.

A ATIVIDADE DOS CONSTITUINTES DO HOMEM DO PONTO DE VISTA DA ALIMENTAÇÃO

Du Bois-Reymond declarou que a partir de ações materiais jamais se poderia explicar a vida. Rudolf Steiner, em seu “Elementos Fundamentais” (Capítulo III) pergunta por que certo número de átomos de carbono, de oxigênio, de hidrogênio e nitrogênio, unicamente por suas respectivas posições, passadas ou futuras, são levados a engendrar a vida. Isto é tão impossível como engendrar a consciência, pois os fenômenos da vida não prolongam os processos da natureza inorgânica: são-lhe opostos. Uma planta viva sobrepuja o peso terrestre e abre-se às forças extraterrestres. É obrigada então a vencer o físico. É dizer também que a albumina, que é portadora do vivente (decompõe-se em C-O-H-N), deve sua formação não às forças terrestres, mas às forças cósmicas. Vimos que Rudolf Steiner denominava-as de forças etéreas formativas, e que chamava de “corpo etéreo” ou de “corpo de forças formativas” sua participação em um dado organismo. Esse “corpo etéreo” dá-lhe sua forma, sua estrutura; está presente em todas as atividades, tais como o crescimento, a reprodução, a assimilação. É o que impede, enquanto dure a vida, que as substâncias e forças físicas sigam seu próprio caminho; é então um “lutador” contra essas substâncias e forças. Isso nos permite compreender porque, num organismo vivo, as substâncias não possam nem devam permanecer tais como são fora dele: desde os primeiros instantes em que ingere o alimento o homem começa a modificá-lo, a decompô-lo e a transformá-lo, para poder apropriar-se dele. Também a fisiologia moderna chega a essa constatação.

É unicamente na excreção que as substâncias retornam novamente “mortas”, abandonadas à natureza mineral, e é unicamente após nossa morte que as substâncias trabalham em nós como o fazem no mundo mineral, destruindo nossa estrutura corporal. Enquanto dure a vida elas são submetidas ao seu serviço. O corpo etéreo é geralmente chamado de “corpo de vida”, mas nada tem a ver com a hipotética “força vital” de certos filósofos vitalistas dos séculos 18 e 19.

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28 Pode-se caracterizar o corpo físico por seus componentes sólidos, minerais. As forças formativas, que se manifestam na maré dos sucos, servem-se do elemento líquido. Desde o instante em que há circulação (seja de líquidos nutritivos ou de sangue), temos forças não mais terrestres, mas cósmicas

Mas o homem não é apenas um ser vivo: é ainda um ser anímico-espiritual portador de sensações, sentimentos, desejos e paixões. Contrariamente ao que se passa nos animais, nele essas forças se organizam e constituem um “corpo anímico” (corpo de alma, em oposição a corpo de vida), onde surge a consciência e na medida em que ela age, as forças de vida são repelidas. Assim para que surja em nós uma sensação ou um sentimento, deve haver um recuo dos processos vitais; o crescimento para a reprodução celular é freado. Assistimos a fenômenos de desagregação, de catabolismo. Todos os órgãos humanos participam de processos simultâneos de construção e de desagregação, mas nunca na mesma medida. Um órgão como o fígado, está intensamente a serviço das forças etéreas. As células hepáticas têm uma extraordinária capacidade de regeneração. Entretanto, a formação da bile é um forte catabolismo. Nos processos sensoriais e nervosos o catabolismo surge desde a primeira infância. Para que um olho possa ver e um ouvido escutar, devem ser abolidas as forças vitais que lhes são próprias. O olho torna-se então uma espécie de aparelho físico que deve ser nutrido de fora por um sutil processo circulatório. O ouvido, sem dúvida o mais perfeito órgão humano é, como o olho, solidificado e petrificado. Finalmente, o cérebro não poderia se tornar um instrumento do pensamento se as células nervosas não perdessem, desde o nascimento, toda a capacidade de reprodução. “O pensamento consciente não utiliza processos de formação ou crescimento, mas de desagregação, de fenecência, de declínio”. O corpo astral (corpo psíquico ou anímico) constrói seus órgãos, depois os destrói, o que permite a manifestação consciente do sentimento na alma. O “Eu” constrói sua própria “organização”, depois a destrói, assim que a atividade voluntária age no conhecimento de si. Por essas forças do Eu o homem constitui um “reino” à parte: eleva-se acima do animal e torna-se o portador de uma organização espiritual. Este constituinte do homem intervém nos processos corporais pelo calor. É assim que o fígado, sede de nosso calor máximo, é o substrato corporal de nosso desenvolvimento voluntário. E não saberíamos compreender a importância da temperatura dos alimentos sem nos darmos

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29 conta dessa correlação. Da mesma maneira, o corpo astral utiliza o organismo aéreo do homem, tornando-o seu substrato. A função respiratória é também de natureza anímica. Mas o organismo aéreo, assim como o calor, espalha-se por todas as partes do organismo humano.

A PONTE ENTRE O FÍSICO-CORPORAL E O ANÍMICO-ESPIRITUAL

É dessa maneira que se encontra uma possibilidade concreta de criar uma ponte, nos dois sentidos, entre o corporal e o anímico-espiritual. Podemos agora compreender que a substância alimentar estenda suas ações até o domínio da alma e do espírito. Retomaremos mais adiante o mesmo assunto. Mas agora se torna claro que cada substância alimentar deve ser acolhida em todas as organizações humanas, para poder ser utilizada.

UMA ALIMENTAÇÃO APROPRIADA AO SER HUMANO

A tarefa da organização do Eu é precisamente a de transformar os alimentos para torná-los apropriados ao ser humano. Quando existe a impossibilidade ou incapacidade de preencher essa função, seja por fraqueza da organização do Eu, seja por uma deficiência do corpo físico, a morte sobrevêm, final e irremediavelmente.

O organismo da vida (corpo etéreo) é estimulado e fortificado pela alimentação, como já vimos, tornando-se então o substrato para a saúde e para todas as forças de cura. Mas dele não pode brotar nenhuma faculdade da consciência. Tais faculdades exigem uma retirada, isto é, uma momentânea paralisia das forças da saúde. Pode então surgir o sentimento. Mas se o equilíbrio entre esses dois pólos é rompido, resulta a doença. Toda dor é um sentimento muito forte, uma influência muito pronunciada do organismo da alma (corpo astral) sobre o domínio do corpo.

Esse equilíbrio é instável e torna-se necessário restabelecê-lo sem cessar. Cada ingestão de alimento faz com que ele vacile, depois o

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30 restabelece. Um antigo provérbio árabe exprime perfeitamente essa verdade: “Torna-se doente comendo e cura-se digerindo”.

Rudolf Steiner desenvolveu esse princípio numa conferência destinada a jovens médicos: “O homem é constituído por processos brotantes de cura e por perpétuas intrusões de forças patogênicas, isto é, por um processo de morte que é contínuo, mas que é interrompido sem cessar, até que a soma, ou a integral desses processos mórbidos predomine e traga a morte”.

Esboçamos de uma maneira geral e rudimentar uma série de questões fundamentais concernentes à alimentação. Somente uma imagem verídica do que é o homem, permite entrever o conjunto dos fenômenos nutricionais. Veremos, em sequência, quais os resultados que se podem auferir.

O estudo da nutrição, que permaneceu num impasse no século 19, pode receber uma ampliação a partir da investigação espiritual de Rudolf Steiner. Nessa nova imagem do homem insere-se organicamente uma nova imagem da nutrição. Partindo daí torna-se possível traçar uma imagem da natureza frente à alimentação. Assim poderão ser explicadas, conforme a realidade, as ações e reações que se fazem entre o homem e a natureza, por intermédio da alimentação.

Igualmente se explica como infelizmente se chegou à conjuntura atual, e perceber-se-ão possibilidades de remediar, por impulsos sadios, esta situação extremamente ameaçadora.

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CAPÍTULO II

POR QUE SE ALIMENTAR?

A BALANÇA E O TERMÔMETRO NO ESTUDO DA NUTRIÇÃO.

- QUAL É O OBJETIVO DA ALIMENTAÇÃO HUMANA?

Desde que Lavoisier fundou a doutrina segundo a qual a vida é uma função química e os alimentos “combustíveis”, pareceu fácil responder a essas perguntas. Desde 1780 empregou-se a “balança, o termômetro e os princípios da química para se estabelecer quantitativamente as relações energéticas entre o alimento, o trabalho e o organismo” (M.Pyke). Considerou-se todo fenômeno nutricional no homem como um “processo de combustão” no qual os alimentos, ditos “portadores de energia”, desenvolviam sua atividade graças à participação do oxigênio. Essa energia, convertível em calor, pode ser medida com a ajuda de uma unidade: a caloria. Bastava então estabelecer quantas calorias continha um alimento.

Na realidade, a partir do fim do século 19, diversos experimentos colocaram em causa essa disciplina simplista, em alguns detalhes. Gustav von Bunge (1844-1920), o fisiologista e químico de Basiléia já citado, percebeu (talvez tenha sido o primeiro a fazê-lo) que existe também “vida

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32 sem oxigênio”. Começou-se a dizer que não é a combustão em si que é universalmente necessária à vida, mas unicamente a energia por ela liberada. Isso significa que todos os processos libertadores de energia são úteis à vida. Por outro lado, reconheceu-se que proteínas específicas têm constituições bem diferentes e não podem substituir-se umas às outras na alimentação. Essas pesquisas prosseguem e delas ainda teremos que falar.

A “NATUREZA PRÓPRIA” DAS SUBSTÂNCIAS ALIMENTARES É UM CRITÉRIO DE QUALIDADE INDISPENSÁVEL

Foram igualmente os ensaios de Bunge que atraíram a atenção sobre o fato de que num alimento, no leite, por exemplo, o que nutre verdadeiramente não são seus pretensos “constituintes”, resultantes de sua decomposição, mas a totalidade; não são os dados de quantidade, mas a “natureza própria” do todo, ou seja, a sua qualidade. Tais ensaios levaram à descoberta de novos valores quantitativos extraordinariamente menores, como os das vitaminas e oligo-elementos. Desde então se viu claramente que a antiga concepção da nutrição, “grosseiramente material”, tornava-se insustentável. Mas naquele momento o pensamento dos homens movia-se apenas na direção do quantitativo, mesmo quando as “vitaminas” conduziam-no até os limites do ponderável.

No final da sua vida Rudolf Steiner chegou a conhecer os inícios dessa pesquisa sobre as vitaminas, e observou: “É necessário que outra maneira de observar crie um caminho”. Também sobre esse ponto retornaremos mais tarde.

À luz dessas descobertas a ciência da nutrição foi obrigada a mudar de direção. Começou-se a falar não mais exclusivamente de “portadores de energia” (elementos térmicos), mas também de “substâncias protetoras”, entendendo-se, por isso, hoje em dia, as vitaminas, as substâncias minerais e a água, pois esses elementos são indispensáveis à vida. Mas não podem ser medidas em calorias. Foi-se obrigado a reconhecer seu caráter puramente funcional, isto é, de maneira qualitativa. Em nossos dias, atribuem-se tais “funções protetoras” às proteínas e a certas gorduras, ou seja, a alimentos que sempre tinham sido considerados como simples

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33 fornecedores de calorias. A. Gigon, da Basiléia, declarou em 1951: “O valor de um alimento não pode ser compreendido nem do ponto de vista da produção de calorias, nem do ponto de vista de sua composição química”. Qual outro ponto de vista resta então, a não ser o qualitativo?

Um médico dietista, M.Bircher-Benner, escreveu em 1929: “Todos os valores nutritivos conhecidos, sejam proteínas, gorduras, carboidratos ou minerais e vitaminas, são, no fundo, relativamente à sua origem, os ecos e nuanças da luz solar. Agem como turbilhões bem ordenados de energia solar; são retirados em ondas estacionárias e nós então os percebemos como substâncias materiais, organismos, corpos; ou então se dissolvem em correntes...”. Tais palavras deixam perceber nitidamente uma concepção qualitativa das substâncias alimentares.

LEI ENERGÉTICA E SEUS LIMITES

A concepção materialista da nutrição foi abalada ainda de outra maneira no início do século, se bem que não se tenha tomado tal abalo a sério até o momento.

Um dos principais pilares da ciência da nutrição era, desde o século 19, a célebre lei da conservação da energia. “Nada pode sair do nada”, declarou Julius Robert Meyer, em 1842. Achava-se que o universo possuía uma quantidade constante de forças (físicas) que se transformam em energia térmica, mecânica ou química, mas cuja totalidade não podia nem aumentar nem diminuir. Esta lei, confirmada no mundo orgânico, seria igualmente válida para os organismos vivos? M. Rubner, em 1894, publicou suas pesquisas, segundo as quais a lei da conservação da energia, era plenamente válida para a vida animal. Outros pesquisadores acreditavam encontrar também no homem tal afirmação.

Queria se provar definitivamente que o homem transforma somente quantitativamente as substâncias e as forças absorvidas, dá-lhes outra forma, utiliza-as no trabalho e excreta o restante. O homem seria apenas

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34 um fragmento da natureza, um elo na corrente infinita do circuito universal de substâncias e de forças, “da luz solar metamorfoseada”.

Mas no início do século passado Bunge fez uma objeção importante: “O que ocorre na vida psíquica? Nossas sensações, nossos sentimentos, nossas representações, são também luz solar metamorfoseada? Ou devemos admitir que o nosso mundo interior não obedece à grande lei?” Bunge não pode responder a sua própria pergunta. Mas a fisiologia moderna espantosamente afirma que o trabalho intelectual praticamente não eleva o nosso “metabolismo basal”. Não significa isto que a atividade anímico-espiritual do homem, e notadamente seu pensamento, não obedece à lei do circuito de energia e se libera das regras da natureza?

Rudolf Steiner, baseado em sua investigação espiritual, respondeu no 9º. Capítulo de sua “A Filosofia da Liberdade”: “A planta transformar-se-á em razão da lei objetiva que nela reside; o homem permanece em seu estado imperfeito se não captar em si mesmo a substância a ser transformada e se ele não se transformar por sua própria força. A natureza faz do homem apenas um ser natural... somente ele pode fazer de si mesmo um ser livre...”

E pode fazê-lo, pois a “organização humana não está separada do ser do pensamento”.

A “A Filosofia da Liberdade” surgiu em 1894, no mesmo ano em que Rubner publicou sua confirmação da lei de conservação de energia, no mundo vivo.

Compreende-se porque Rudolf Steiner tenha visto nessa lei o grande obstáculo que se opõe à compreensão do ser humano. Aliás, ele afirmou que o homem é a única criatura na qual ela não se verifica. Para a ciência da nutrição isso significa que somente o homem é capaz de individualizar a substância de seu corpo, isto é, de retirá-la da corrente das leis naturais.

A INDIVIDUALIDADE BIOQUÍMICA DO HOMEM

Roger J. Williams, da Universidade do Texas, publicou em 1963 um livro intitulado: “Biochemical Individuality”. Num ensaio posterior

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35 escreveu o seguinte a esse respeito (1967): “A individualidade bioquímica é um tema imenso, com numerosas ramificações, e do qual há ainda numerosas pesquisas a serem feitas. O dado fundamental é a unicidade, a singularidade de cada indivíduo, sendo a individualidade bioquímica apenas uma parte dessa unidade. É um pilar da biologia. Não se pensa o suficiente, de que cada um de nós tenha sua personalidade metabólica especial e uma bioquímica que lhe é própria, exclusiva, pessoal. Sem dúvida, nós utilizamos os mesmos aminoácidos, vitaminas e minerais, mas a maneira como lhes damos valor e eficácia varia infinitamente”.

Lembremos que Rudolf Steiner disse em 1925: “Na sua estrutura, e até nas mais ínfimas partes de sua substância, o homem é um produto de sua organização do Eu”.

DESTRUIÇÃO E RESSURREIÇÃO DA MATÉRIA NO HOMEM

Na natureza, fora do organismo humano, é absolutamente válida a lei da conservação da energia, mas no homem a Antroposofia fala “de um total desaparecimento da matéria e de um nascimento de nova matéria, a partir do simples espaço”.

Retornaremos oportunamente a esse tema. A ciência oficial já se aproxima desse dado da investigação supra-sensível, que é indispensável para a ampliação da ciência da nutrição.

A ALIMENTAÇÃO: UMA RESISTÊNCIA CONTRA A NATUREZA

Começamos a transformar o alimento a partir do primeiro instante em que o tomamos, isto é, resistimos à natureza.

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36 Liebig já falava, em pleno século 19, nas suas “Cartas de Um Químico”: “Graças às forças engendradas em seu corpo o homem resiste às energias naturais que continuamente tendem a aniquilar sua existência. Essa resistência deve renovar-se quotidianamente, a fim de assegurar sua momentânea sobrevida. O homem tem necessidade de fatores de aquecimento e de forças, sob a forma de alimento e bebida, graças aos quais nasce em seu corpo a resistência contra os efeitos da atmosfera, a qual diariamente absorve para si uma fração de nosso corpo”.

Liebig insistia assim no ato de resistência que o homem deve exercer contra a natureza, precisamente ao se alimentar. O homem só pode se defender contra essa vontade destruidora da natureza se os alimentos lhe trouxerem os estímulos e os meios de engendrar em si mesmo forças suficientes, isto é, de criá-las para a ela se contrapor. Não toma então as substâncias e forças naturais para evidenciar-lhes o valor, mas sim para engendrar em si mesmo forças de defesa, o que pode finalmente exprimir-se assim: na realidade o homem não pode se aproximar da natureza sem se arriscar a ser destruído por ela. Toda ingestão de alimentos implica no triunfo dele sobre essas substâncias e forças, das quais tem necessidade para sua existência física.

Rudolf Steiner anunciou sem equívoco: “Não comemos para ter em nós este ou aquele alimento, mas sim para podermos desenvolver em nós as forças que triunfam sobre o alimento. Comemos para resistir às forças da Terra, e vivemos sobre ela graças a esse contínuo ato de oposição”.

Ele respondeu assim, de uma maneira definitiva, à pergunta: “Por que comemos?” Mas restam muitas outras. Por que temos necessidade de alimentos variados, enquanto somente um bastaria para despertar nossa força de resistência, a qual parece, a princípio, única e homogênea? O que ocorre com essa força no interior do homem, quando da gênese de suas próprias substâncias? De que natureza são as forças incluídas nos alimentos e contra as quais resistimos? E, finalmente, como agem elas sobre os diversos constituintes do homem? As considerações puramente quantitativas não podem fornecer nenhuma resposta para essas perguntas. Tal é o conjunto dos problemas que nos ocuparão nos próximos capítulos.

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37

CAPÍTULO III

CONTRIBUIÇÃO À FISIOLOGIA DA NUTRIÇÃO

O HOMEM E OS REINOS NATURAIS NA ALIMENTAÇÃO

O homem retira sua alimentação dos três reinos na natureza: o reino mineral, o reino vegetal e o reino animal. O que vem do reino mineral para nossa alimentação é mínimo e sem nenhum valor em calorias; no entanto ele é indispensável à vida. Em nossa época, pelo contrário, os alimentos do reino animal não cessam de aumentar em número, porém não podemos qualificá-los nem de indispensáveis, nem de necessários à vida. É então do reino vegetal que o homem retira a maior parte de sua nutrição. Isso nos mostra que deve haver uma relação toda particular entre o homem e o mundo das plantas. Na humanidade atual a grande maioria dos indivíduos vive efetivamente de frutas e legumes. Somente um décimo da nutrição

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38 global dos homens provém dos animais (compreendendo o leite e seus derivados).

O reino animal é o mais próximo de nós; o reino mineral é o mais distante. O reino vegetal ocupa uma posição intermediária:

Animal

Homem Vegetal

Mineral

O caminho que vai do animal ao homem é então o mais curto, e o que parte do mineral o mais longo. Pode-se deduzir que o homem tem necessidade de um mínimo de forças para triunfar sobre os alimentos animais e de um máximo para triunfar sobre os alimentos minerais. Isso nos explica imediatamente porque o homem, em sua constituição atual, é capaz de absorver diretamente apenas minúsculas quantidades de minerais. A planta lhe traz os minerais de que necessita, mas sob uma forma já organizada e superior que, em certos casos, atinge o nível animal.

Talvez se tire a conclusão de que a alimentação carnívora seja a mais adequada ao homem. O animal, devido ao seu nível de organização, aproxima-se dele tanto quanto possível. O homem deve dar apenas um passo para “humanizar” sua carne. Para a nutrição de origem vegetal o homem deve despender duas vezes mais forças. Mas as condições da realidade são diferentes: Rudolf Steiner revelou frequentemente que o homem tem perfeitamente as forças necessárias para triunfar sobre a organização vegetal, senão não poderia fazê-lo e não continuaria a retirar do mundo vegetal a maior parte da de sua alimentação. Aí existe uma lei que a biologia moderna conhece exatamente: um órgão que permanece inativo ou insuficientemente ativo se atrofia ou degenera. Certamente, num vegetariano, o organismo deve retirar forças bem diferentes de sua intimidade do que um comedor de carne, mas essas forças ele as possui. Quando são insuficientemente ativadas, retiram-se e trabalham então, no organismo, de uma maneira que “muito geralmente engendra fadiga e perturbações”. Retornaremos mais tarde a esse importante ponto de vista que nos conduz à noção de que a nutrição “consiste em trabalho e não em substâncias”, e que é absolutamente importante saber “que nossa vida

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39 consiste não em ingerir repolhos e nabos, mas no trabalho que é preciso executar quando as substâncias dos repolhos e nabos penetram em nosso corpo”.

Esse trabalho pressupõe, entretanto, que a natureza dos alimentos nos seja estranha. As forças de que o organismo necessita nessa circunstância são representadas entre outras pela atividade das enzimas. Nos seres humanos essa atividade varia em função da idade. Por outro lado, como já explicamos, o homem sempre tem em seu organismo a possibilidade de ficar doente, na medida em que exerce faculdades anímico-espirituais. Isso tem um papel na sua alimentação, pois, por um lado, cada ingestão de alimento impõe a seguinte pergunta ao homem: Pode ele triunfar sobre esta natureza estranha e humanizá-la? Essa intrusão de um corpo estranho ameaça destruí-lo e assim entravar-lhe suas capacidades anímico-espirituais, desencadeando nele forças naturais. Isto equivale a dizer que toda alimentação é um início de processo mórbido. “O homem que comeu está, por assim dizer, doente”. Em outros termos, ele deve “triunfar sobre esta doença” graças às forças do seu organismo. O antigo provérbio árabe está certo: “torna-se doente comendo e cura-se digerindo”. “No fundo, ficar doente não é nada mais do que uma continuação do processo que ocorre na nutrição humana”. Tal afirmativa projeta muita luz sobre as “doentes dependentes da nutrição” que aumentam em nossa época. A alimentação hoje em dia desempenha um papel importante como fator patogênico.

Pode-se deduzir que a alimentação do homem tem relações regulares, mas múltiplas, com o conjunto de sua organização. O valor em calorias não é aqui um critério adequado, e o que hoje em dia se chama “valor biológico” certamente se revelará insuficiente. Para se estabelecer um critério de qualidade de acordo com a realidade, deveremos ter em mente as verdadeiras ações e reações entre a nutrição e a totalidade do homem. É o que tentaremos fazer aqui.

Em seu “Curso Agrícola”, em 1924, Rudolf Steiner acentuou que o que importa, mais do que as considerações de peso, é “que absorvamos de maneira adequada a vitalidade das forças contidas nos alimentos”. Devemos saber então que tais forças existem em nossa nutrição. O mundo das plantas é penetrado pelas mesmas “forças formativas e de vida” de nosso próprio corpo etéreo. O mundo animal tem, além delas, forças anímicas diferenciadas e organizadas. Essas organizações de forças não são

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40 de maneira alguma “paralelas” às substâncias físicas; ao contrário, penetram estas últimas elevando-as a um nível superior.

As forças vitais da planta são opostas às leis físicas. Uma planta viva é repleta de forças que de alguma forma arrebatam sua materialidade para uma esfera cuja origem não é mais terrena, mas cósmica, pois enfim, a vida vegetal é impossível sem as forças do sol. Na planta vive a matéria terrestre “sai da sua comunidade com a terra”. Ela se incorpora com as forças que, provenientes do extra-terrestre, “irradiam de todos os lados para a terra”, e “o ser vegetal nasce da colaboração entre as forças terrestres e essas forças cósmicas”. É por essas forças etéreas formativas das plantas que o homem se orienta na alimentação vegetal. É importante saber que essas forças subsistem na planta e que continuam a agir nela, mesmo quando ela está separada do de seu substrato vital imediato. Surgem aqui diversas questões: a da alimentação crua, ou ao menos fresca, a do preparo dos alimentos (cozimento) e a de sua conservação. É necessário acentuar que os animais em liberdade retiram sua alimentação diretamente da natureza vivente, o que o homem raramente faz, pois ele sente a necessidade de uma “preparação”.

É necessário lembra que o animal organiza em si mesmo uma categoria de forças mais elevadas, pois ele não é simplesmente “vivo”, mas ele também “sente”. Rudolf Steiner expôs a esse respeito que, na planta, a substância é metamorfoseada pelas forças que se irradiam para a terra, enquanto no animal, a substância senciente forma-se a partir da substância viva, assim como na planta a substância viva se forma a partir da matéria inanimada. A “substância senciente” é o produto do psiquismo (corpo astral). Dessa maneira o animal possui, no exterior, uma forma completa e autônoma, e no interior, sistemas orgânicos. Quem consome alimentos de origem animal confronta-se com os efeitos residuais dessa astralidade. Um órgão animal não é penetrado apenas por forças etéreas formativas, mas também por forças astrais específicas. Um músculo de vitela é completamente diferente da carne de peixe ou do fígado de ganso. É necessário ter isso em mente se quisermos critérios de qualidade compatíveis com a realidade. De qualquer forma, a alimentação de origem animal difere qualitativamente da alimentação de origem vegetal.

Já no que se refere aos alimentos minerais, neles não ocorre nenhum desses efeitos residuais astrais ou etéreos. Os minerais estão muito distantes

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41 do homem; entretanto, são eles que se harmonizam mais facilmente com a organização humana, pois não oferecem para sua destruição nenhuma resistência de ordem vital ou anímica. Sua qualidade provém de outras propriedades que posteriormente serão abordadas.

AS QUATRO ETAPAS DA DIGESTÃO. A DIGESTÃO BUCAL.

A digestão faz-se em quatro grandes etapas: na boca, no estômago, no intestino delgado e, finalmente, no intestino grosso. Os primeiros fenômenos já ocorrem na cavidade bucal e é importante que aí esses fenômenos, por exemplo, a mastigação e a salivação, possam ser observados pela consciência de vigília. A salivação é o trabalho das glândulas salivares. É muito curioso que a qualidade da saliva mude em função da natureza dos alimentos. Quando se põe na boca qualquer coisa de insolúvel, por exemplo, uma pedra, as glândulas secretam uma saliva aquosa, inativa. A resposta a um estímulo sensorial causado pelo alimento é uma verdadeira saliva digestiva. Ela é de uma composição diferente segundo o tipo do alimento. As glândulas secretam também, permanentemente, uma saliva que umedece a cavidade bucal e que desempenha certo papel na linguagem.

Essas variedades da saliva são provocadas também pelo paladar e aroma dos alimentos, bem como por sensações visuais, auditivas, táteis e térmicas, e até mesmo por atividades puramente anímicas; a representação ou o desejo de um alimento. Isso mostra que o organismo psíquico (o astral), conscientemente ou não, influencia a secreção das glândulas salivares. Estas podem retirar do sangue elementos variados, segundo as circunstâncias.

Mas Rudolf Steiner ensinou-nos a ver essas singularidades sob outro aspecto. De uma maneira geral, as atividades glandulares fazem parte de nosso organismo líquido e são expressões das forças etéreas. Mas a saliva (e qualquer outra secreção) não é apenas formada, ela também é enviada ao encontro dos alimentos, fazendo um ato de resistência contra a natureza própria deles, que nos é estranho. Ora, essa resistência desperta certa experiência interior, anímica, geralmente inconsciente. É como o choque de

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42 um mundo estranho ligado a uma percepção aumentada do Eu. Se essa percepção se intensifica, torna-se uma dor consciente: a de ter se chocado com qualquer coisa. Um processo desse gênero acompanha em realidade cada formação de saliva, ou outras secreções: é a sensação de extrair algo do sangue e criar um líquido autônomo. Rudolf Steiner definiu esse processo que ocorre em todas as glândulas como uma “tomada de consciência de si”. Mostrou que é porque nosso organismo secreta diversos líquidos que nasce nele a faculdade de se sentir isolado e capaz de se experimentar a si mesmo. Essa auto-experiência provém essencialmente da resistência encontrada pelo organismo.

Esse fenômeno interior ligado às glândulas, essa colaboração entre o corpo etéreo e o corpo astral, prolonga-se em seguida à nutrição ingerida. Aí também há uma “sensação de resistência”. A secreção salivar está então ligada ao despertar do sentimento de si próprio, como foi dito. Ela aumenta ao simples pensamento de um alimento particularmente desejado – fala-se então de “água na boca”, porque se resiste por antecipação a esse alimento desejado, o que fortifica o sentimento do Eu. Por aí se explicam também os efeitos dos condimentos e substâncias aromáticas, dos quais trataremos detalhadamente, pois são critérios de qualidade. Estimulam a salivação para assegurar, por antecipação, um tratamento privilegiado na digestão e assimilação.

Por outro lado, as secreções glandulares são em geral um sinal indicativo de “que as forças etéreas saem do órgão e se transformam em pensamentos”.

Quando uma glândula secreta, sempre o faz com relação a certos movimentos conscientes ou instintivos da alma. É o que se vê claramente no caso das lágrimas, mas igualmente no suor, quando este último se relaciona ao medo ou a outras tensões anímicas. Vê-se aqui uma espécie de divórcio entre as forças da alma e as atividades vitais. Uma parte do fenômeno ocorre na alma, outra na vida orgânica. Pode-se exprimir isso da seguinte maneira: “Se eu não tivesse tido este pensamento, minha glândula não teria secretado”. Uma parte das forças formativas é diminuída então de sua força vital e transferida para o domínio da alma. Em outros termos, aquilo que é pura força etérea na planta e animais inferiores emancipa-se em parte no homem e nos animais superiores, passando para o psiquismo. O processo glandular, desde a salivação até a secreção do suco gástrico,

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43 suco intestinal, etc. é assim uma particular alternância de ações entre as forças da alma e as da vida. Esse dado é de grande importância para a compreensão das glândulas digestivas em seu conjunto. Vemos então até que ponto a nutrição está ligada à vida da alma do homem.

Quanto ao papel desempenhado pela saliva na elocução na linguagem humana, temos o belo exemplo de uma função orgânica colocada a serviço de uma atividade anímico-espiritual. Pode-se dizer o mesmo da língua e dos dentes. A cavidade bucal do homem não é unicamente um órgão digestivo, mas se encontra também a serviço de atividades superiores. Dessa maneira, o processo alimentar no homem perde muito de sua animalidade. Somente o homem pode desenvolver uma cultura gastronômica, já que uma parte de seus processos nutricionais é consciente. O homem aprende a comer (em alemão: essen), enquanto o animal é condenado a pastar ou a devorar (em alemão: fressen).

Mencionamos finalmente a ação digestiva da saliva propriamente dita, devida a uma enzima, a ptialina, que decompõe certos carboidratos (o amido), criando estágios preliminares do açúcar. As gorduras e as albuminas (proteínas) atravessam a cavidade bucal sem serem modificadas, chegando assim ao estômago, enquanto que a conversão das substâncias amiláceas em açúcar começa na boca. Esse gosto açucarado que surge então é acessível à consciência. Rudolf Steiner indicou que esse processo está situado nos limites da organização do Eu. Ele apela às forças que não são do domínio vegetativo, nem mesmo do domínio animal, mas que incitam a tomar consciência do Eu: “O homem não pode ser consciente a não ser graças a processos de sua organização do Eu, que agem de maneira a que nada venha perturbá-la ou suplantá-la... É nesse domínio que se encontram as ações da ptialina”.

Por outro lado, o calor acolhe os alimentos desde a cavidade bucal e regulariza sua temperatura.

O TRIUNFO SOBRE A NATUREZA ESTRANHA DOS ALIMENTOS

É necessário que a natureza estranha dos alimentos seja elaborada por nossas próprias forças (etéreo-vitais, anímicas e espirituais). Um primeiro

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44 resultado desse trabalho é que o alimento perde, mais ou menos, seu estado sólido, dissolve-se, liquefaz-se. Que significa isto na realidade?

Um alimento sólido ou talvez mineral (sal de cozinha) obedece ao peso terrestre. Nas antigas concepções, o sal e a solidificação eram como que sinônimos de peso, de subordinação à Terra. Este caráter é abolido em seguida na cavidade bucal, sob a condição de que as substâncias sejam hidrossolúveis. Aí o sal retorna ao estado de solução. Isso significa na realidade que o elemento constitutivo da terra é vencido. O sal retorna ao estado em que se encontrava antes de ser tornado duro e pesado, sob o efeito das forças gravitacionais. O resto do alimento é igualmente liquidificado, também liberado das forças terrestres. Tal é a ação imediata de nossa organização etérea, cujo elemento próprio é o líquido. “A natureza humana tem certa necessidade de fazer retroceder certos processos da natureza exterior”.

Esse poder de dissolver o mineral (e também o açúcar) pertence ao nosso organismo de vida. Nas plantas e animais a solidificação já foi vencida pelas respectivas forças etéreas, mas quando elas se tornam nossos alimentos permanecem como “corpos estranhos” para nós, pois seu etéreo é diferente do nosso. Seria ilusório acreditar que nosso corpo etéreo pudesse absorver diretamente o de uma planta ou de um animal. Pode-se dizer o mesmo do corpo astral de um animal: nossa própria astralidade se opõe a ele.

Rudolf Steiner indicou isso com muitos detalhes concretos: “Todo traço de vida extra-humana deve desaparecer de nossos alimentos”. No caso dos comedores de carne, ele mostrou como “tudo” deve ser expulso desse alimento. Caso isso não ocorra a atividade da natureza prossegue no homem e uma doença se manifesta.

Essa luta que se inicia na cavidade bucal prossegue através do estômago até o intestino. As ações das diástases e do ácido clorídrico “preparam” o alimento antes do seu acesso ao verdadeiro homem interno, pois todo o tubo digestivo representa uma invaginação do mundo externo ou, se quisermos, uma “evaginação” do mundo interno. Aí ocorrem coisas que não estão inteiramente de acordo com as leis do organismo interno. É uma espécie de campo de batalha entre as forças de fora e as de dentro. É

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45 somente quando o alimento passa para os vasos sanguíneos e linfáticos que ele atinge o nível necessário para se integrar ao “homem interno”.

Rudolf Steiner declarou, em uma conferência destinada aos médicos, que, quando nos limitamos a esse setor da fisiologia, pode-se, com rigor, contentar-se com os dados da ciência oficial, “pois eles não são totalmente mecanicistas”. Se considerarmos unicamente o fato de que as leis inorgânicas exteriores mergulham aqui na vida do tubo digestivo, podemos nos contentar com os dados científicos, “mas torna-se necessário não esquecer jamais”, acrescenta ele, “que a digestão e o processo nutricional não cessam diante da parede intestinal”.

A DIGESTÃO GÁSTRICA

O que caracteriza esta fase é a ação da mistura “ácido clorídrico - pepsina”. Contrariamente à leve alcalinidade da saliva, esse meio é fortemente ácido; decompõe sobretudo as albuminas. É o corpo astral que se imprime nos ácidos. No domínio gástrico a organização do Eu é repelida pelas forças astrais. “A atividade do Eu desaparece na astralidade”. Esses processos são conhecidos de todos e foram muito estudados, mas nem sempre interpretados com exatidão. Fala-se assim, a respeito da hiperacidez do estômago e, sobretudo de sua úlcera, de correspondência com o sistema nervoso vegetativo (grande simpático) que inerva esse órgão bem particularmente. Mas H. Schaeffer protesta em seu livro “A medicina hoje” (1963): “Mesmo se pudesse demonstrar que uma úlcera gástrica surge consequentemente a excitações (experimentais) de certos nervos vegetativos... isso não levaria à convicção. Seria necessário, a princípio, perguntar como podem ocorrer tais excitações desses nervos vegetativos, em quais centros somáticos são ativados esses impulsos neuro-vegetativos e donde provêm as excitações que os ativam”. Essa atitude cética é bem compreensível, pois nenhuma resposta foi dada às perguntas formuladas por esse autor. De fato, elas não podem ser resolvidas sem um estudo do homem à luz da investigação espiritual. Graças a esse método Rudolf Steiner forneceu, em 1925, uma explicação convincente: “No sistema nervoso simpático reina predominantemente o corpo etéreo”. Os órgãos nervosos vegetativos são sobretudo “órgãos de vida”. O corpo astral e a

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46 organização do Eu agem sobre eles apenas de fora; não os organizam. Mas justamente por essas razões sua influência sobre eles é forte: “As perturbações afetivas e as paixões têm um efeito durável, importante, sobre o simpático. As preocupações e as contrariedades deterioram esse segundo sistema nervoso”. Assim resultam os mais diversos fenômenos mórbidos.

A influência do corpo astral sobre as funções gástricas também se manifesta por outros fenômenos, por exemplo, os movimentos peristálticos, movimentos rítmicos dependentes do grande simpático. O homem com boa saúde não os sente, mas eles podem provocar câimbras, o que denota uma ação muito acentuada do corpo astral; por outro lado, “um estado de excitação nervosa pode levar a uma agitação do peristaltismo gástrico” (Landois-Rosemann). Isso mostra qual é o papel do estado anímico sobre a digestão e a nutrição. Um fato curioso: as refeições ingeridas com apetite podem atravessar o estômago, mesmo na ausência completa de ácido clorídrico. E sabe-se que nossa atitude anímica frente ao alimento, e notadamente o fato de que ele nos pareça apetitoso, facilita grandemente sua digestão. “Essa mobilidade anímica contribui notavelmente para esvaziar o conteúdo gástrico no duodeno”. “Os alimentos que permanecem no estômago não o fazem devido unicamente à sua constituição (por exemplo, um excesso de gorduras), mas também devido a nossa atitude mental quando os comemos, ou depois”.

É igualmente bem conhecido o fato de que durante os fenômenos de mistura do alimento, causados sobretudo pelos movimentos peristálticos, podem nascer ruídos (borborinhos) que se produzem mesmo quando o estômago está vazio, e que podem estar ligados a câimbras (por exemplo, as câimbras de fome). Esses ruídos são provocados pelo gás contido no estômago. A presença do gás não se explica unicamente pela aerofagia (deglutição de ar). O ar, ou o estado gasoso, é o substrato do astral, assim como o líquido é o substrato do etéreo. Um corpo gasoso torna-se o portador das forças astrais. Já que existe continuamente uma grande bolha de ar no estômago, o corpo astral do homem faz, graças a ele, um caminho até as atividades desse órgão. Quando o gás acumulado provoca câimbras semelhantes às da fome, isto faz pensar nas relações íntimas da fome e da dor com a vida anímica.

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A DIGESTÃO NO INTESTINO DELGADO

Os fenômenos que se iniciam assim que o alimento entra na primeira parte do intestino delgado (duodeno) escapam ainda mais à consciência. O que se passou no estômago reveste-se ainda de uma semi-consciência (consciência de sonho). Mas no duodeno toda forma de consciência é abolida. É a consciência dita do “Sono sem sonhos”.

Os carboidratos já sofreram na cavidade bucal o ataque dos fermentos digestivos. Sua decomposição prossegue no estômago, depois no intestino delgado. As albuminas (proteínas) que saíram inalteradas da cavidade oral foram decompostas no estômago apenas em peptonas (polipeptídeos) e têm necessidade então de uma decomposição mais completa no intestino delgado. As gorduras permanecem intocadas no estômago e, em seguida, serão decompostas no intestino delgado em ácidos graxos e glicerina. Pareceria que elas seriam os alimentos nutritivos menos estranhos à natureza do homem interno.

Rudolf Steiner descreveu todos esses processos; deu-lhes, todavia, sob certos aspectos, outra interpretação. Na sua conferência de 22 de outubro de 1922, encontramos o seguinte: a princípio os alimentos devem ser mortos em nós, depois revivificados. Não saberíamos tolerar em nosso organismo um prolongamento de sua vida própria (a da planta ou do animal). “O etéreo e o astral dos gêneros alimentícios devem ser eliminados”.

Não se trata unicamente de uma decomposição química. Isso ocorre de três maneiras em nosso duodeno: pelo suco intestinal, pela bile e pelas secreções do pâncreas. Estas três substâncias agem de acordo com o que dissemos anteriormente a respeito das glândulas; elas resistem à erupção de matérias estranhas e participam na decomposição das gorduras, carboidratos e albuminas.

As gorduras, que até então praticamente não haviam sido modificadas, são atacadas pelas três glândulas. Emulsionadas pela bile, separam-se em produtos hidrossolúveis. “As gorduras são os alimentos que mais facilmente passam de sua natureza original àquela do organismo humano”. Isto é possível devido ao fato de que “elas nos comunicam o mínimo

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48 possível de forças provenientes do organismo estranho (de suas forças etéreas, etc.)”. A gordura é então uma substância que, assim que ela se forma, apela muito pouco às forças etéreas e astrais. Veremos nos próximos capítulos a que devem essas particularidades. Por outro lado, os carboidratos já chegam muito transformados ao intestino delgado. Eles são ainda elaborados pelo suco pancreático e pelo suco intestinal. A metamorfose do amido em açúcar, é feita então progressivamente no decorrer de todo o percurso digestivo.

A mais enérgica transformação que ocorre no intestino delgado é a da albumina. Uma enzima, a terepsina, é proveniente da mucosa intestinal, enquanto que a enzima decisiva, a tripsina, provém do pâncreas. É nesta ocasião que a pesquisa analítica pode começar a estudar a dissolução da albumina em aminoácidos. Mas se deveria precisar que esses vinte aminoácidos representam os produtos da dissolução da albumina e jamais suas “pedras de construção”. Para compreendermos essa asserção é necessário que nos atenhamos um pouco aos fenômenos que ocorrem no intestino delgado, especialmente no que se refere à decomposição da albumina.

Deve-se à moderna pesquisa sobre o metabolismo um conhecimento bem preciso sobre o papel do pâncreas na digestão. Assim, B. Bohlmann escreve: “O mais notável é que seja sobretudo o pâncreas exatamente o que produz os fermentos mais necessários para digerir os alimentos. Se estes são muito ricos em gorduras, aumenta o teor de lípase no suco pancreático; se são muito ricos em amido, é o teor de amilase que aumenta; se contêm muita albumina, é o teor de tripsina. Esses teores relativos devem se adaptar de certo modo, exatamente às doses ingeridos dessas diferentes categorias, de tal maneira que se poderia comparar o pâncreas a um ser pensante”. Semelhantes pesquisas já tinham sido feitas pelo fisiologista russo Pavlov. Estudos mais prolongados em animais mostraram que a atividade do pâncreas é independente do cérebro, mas intimamente ligada ao sistema ganglionar chamado “plexo solar”. Mesmo a hipófise, tão distante no alto (na cabeça), é um órgão metabólico que está relacionado ao pâncreas por suas atividades.

Já expusemos o que é a individualização da albumina em cada ser humano; desta maneira, o pâncreas adquire uma importância ainda maior. Em seus “Elementos Fundamentais”, Rudolf Steiner fala de duas espécies

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49 de matéria albuminóide: no início do processo digestivo, a albumina ainda é uma substância estranha; no final adquire um caráter individual. Entre os dois estados, há um momento em que a albumina ingerida ainda não foi totalmente despojada de suas próprias forças etéreas e também “ainda não adquiriu novas”. Neste estado ela se torna quase inorgânica. E essa ação “mórbida” se exerce sobre a albumina, “lá onde a tripsina intervém na digestão”.

Enquanto na digestão gástrica se tratava principalmente de uma atividade do corpo astral, trata-se agora daquilo que denominamos organização do Eu. É somente por suas forças que as substâncias alimentares são decompostas o suficiente e que sua vida própria é suficientemente abolida, para que possam se integrar às leis do organismo humano individual. Pois “tudo aquilo que penetra na organização do Eu deve ser abolido”.

Podemos aqui nos dar conta das sobrecargas que a alimentação atual impõe ao pâncreas e compreender porque as doenças desse órgão estão em constante aumento. Além disso, foi fornecida uma maior clareza sobre a insuficiência congênita, tal como surge na mucoviscidose.

PROCESSOS RÍTMICOS NO INTESTINO. PAPEL DO BAÇO

O intestino delgado possui um peristaltismo rítmico, diferente daquele do estômago. Ele consiste em movimentos alternados, de certo modo pendulares, realizados pela alternância de contração e relaxamento de sua musculatura circular. Isso conduz a uma “segmentação rítmica” do conteúdo intestinal e à sua mistura (análoga à mistura gástrica), mas provoca também a progressão do bolo alimentar. Esses movimentos adaptam-se exatamente à natureza e composição do alimento, como se o percebessem. Isso se realiza por meio do “sistema nervoso autônomo”, comandado sobretudo pelo plexo solar. Este plexo é frequentemente mencionado na ciência espiritual. Lê-se na “A Fisiologia Oculta”, de Rudolf Steiner, que a tarefa do sistema nervoso dito simpático deve consistir em transmitir ao sangue “a vida interna do organismo, expressa por sua nutrição e aquecimento”. Mas isso deve realizar-se de tal maneira

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50 que as impressões transmitidas ao sangue pelo simpático jamais cheguem à consciência, contrariamente às do cérebro e da medula espinhal. Devem permanecer numa subconsciência análoga à do sono. Essa espécie de inconsciência é uma condição indispensável à regularidade rítmica das funções. Cada vez que essa barreira é violada, isto representa um início de doença. Aqui devemos mencionar um órgão – o baço – cuja importância até então não havia sido considerada, pelo menos sob esse aspecto, e cuja função Rudolf Steiner definiu precisamente.

Em outubro de 1911, na “A Fisiologia Oculta”, expôs como o baço é inserido no “sistema cósmico interior” dos órgãos metabólicos, para cumprir uma importante tarefa. É um órgão essencialmente rítmico.

Em face à circulação do sangue e de outros líquidos orgânicos, que obedecem a leis severamente rítmicas, indispensáveis à manutenção da saúde, espanta-nos às vezes a maneira arbitrária com que se absorve o alimento, pois o homem pode utilizar seu sistema digestivo, não importa em qual momento. E é para compensar essa irregularidade que o baço se encontra inserido nesse sistema, um pouco antes que o bolo alimentar passe para o domínio rítmico do sangue.

O baço é como “um transformador que compensa as irregularidades existentes no tubo digestivo, a fim de que elas se tornem ritmos regulares na circulação do sangue”.

A partir dessa data Rudolf Steiner mostrou a grande importância que atribuía ao ritmo da nutrição. Não se trata de impor regras rigorosas, mas seria muito desejável que uma auto-educação dos seres humanos chegasse a tornar suas refeições cada vez mais regulares, principalmente na infância. Rudolf Steiner denunciou igualmente o hábito de beber a todo instante, sem regularidade.

O baço, que tem por tarefa estender suas ações rítmicas sobre todo nosso organismo, é desta forma extraordinariamente maltratado e até mesmo, pode-se dizer, submerso. Rudolf Steiner atraiu a atenção dos médicos para esse ponto. Ele aconselhou recomendar refeições mais leves e mais freqüentes aos doentes cujo baço não funcione normalmente. Isso diminui o trabalho do baço e é uma regra importante de higiene alimentar.

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51 Devemos aqui retornar ao peristaltismo intestinal. Esse movimento faz parte da grande organização rítmica que atravessa o organismo.

Rudolf Steiner teve o mérito de ser o primeiro a distinguir e a descrever essa organização rítmica como um todo autônomo. Em “Os Enigmas da Alma” (1917), expôs esse resultado fundamental de sua investigação espiritual. Distinguiu a atividade neuro-sensorial, as funções rítmicas e as atividades metabólicas; certamente esses três sistemas se interpenetram, mas eles também representam o tríplice aparelho corporal indispensável às três forças da alma: pensar, sentir e querer. Os membros fazem parte do sistema metabólico. Essa tripartição do organismo humano é uma “chave” para a compreensão do homem e abre numerosas perspectivas novas. Não poderemos abrir mão delas se quisermos estabelecer uma dietética inspirada nas indicações de Rudolf Steiner.

A ORGANIZAÇÃO RÍTMICA - O RITMO CIRCADIANO

Stollberger escreveu em 1972: “Até os últimos tempos, aqueles que acreditavam em ritmos biológicos eram considerados mais ou menos como loucos. Produziu-se então uma reviravolta decisiva que pode se relacionar com diversos fatores. Chegou-se a demonstrar que um organismo pode oscilar espontaneamente, mesmo quando seu meio externo permanece perfeitamente imóvel, o que se deve ao que ocorre em seu metabolismo”.

Entre os ritmos que ocorrem no metabolismo, o peristaltismo intestinal ocupa um lugar bastante modesto. Entretanto, ele é de uma grande importância, se lembrarmos que as acelerações e as lentificações desse ritmo têm consequências patológicas muito comuns em nossos dias: a diarréia e a constipação.

Investigações fundamentais a esse respeito já tinham sido feitas por Rudolf Steiner e em 1952, Gunther Wachsmuth publicou uma obra completa sobre os ritmos: “A terra e o homem. Suas forças formativas, seus ritmos, seus processos vitais”.

“Pesquisas recentes estabeleceram que muitos processos metabólicos cumprem-se no organismo segundo uma periodicidade de 24 horas,

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52 apresentando em certas horas do dia picos máximos e mínimos”, escreveu Forsgren em 1931. O fígado tem uma função rítmica muito independente da hora das refeições, com atividades assimiladoras e secretoras alternantes..., mas também a reabsorção de gorduras na parede intestinal, o aumento do teor de açúcar no sangue, etc. obedecem a essa periodicidade, da qual Jones, em 1940, disse: “No mamífero, assim como no homem, conhecemos atualmente um grande número de funções que apresentam um ritmo circadiano... e a multiplicidade dos fenômenos observados até o presente obriga a admitir que um “relógio interior” regula seu desenrolar”. Todavia, Stollberger confessa: Devemos admitir que o mecanismo causal da sincronização do ritmo biológico é desconhecido. Não podemos nem mesmo localizar o relógio!”

Essa tentativa jamais dará resultado, pois na origem de todos esses fenômenos rítmicos há o organismo de forças formativas, o corpo etéreo ou o corpo de vida. Mas existe também um envoltório de forças superiores na atmosfera da terra – o que já tinha sido postulado por Kepler e Goethe.

W. Menzel, um eminente fisiologista, escreveu com razão em 1962: “Não há fenômeno vital que não se desenvolva ritmicamente! E que variedade! Essa lei se estende às plantas, aos animais, ao homem, à célula isolada, assim como à associação de células. Ela ultrapassa os fenômenos do vivo e reina sobre o mundo inorgânico, na atmosfera e no cosmos”. Podemos declarar, nesse sentido, que todo o processo nutricional do homem está integrado nesses ritmos, o que projeta luzes importantes sobre o que é realmente a digestão. O que é na realidade a digestão? Perguntou Rudolf Steiner um dia. Eis sua resposta: “É uma atividade metabólica que termina no rítmico, que se desenvolve em direção ao rítmico; uma atividade do metabolismo que é como que tomada pelo ritmo dos órgãos da circulação”. Por esse processo a substância volatiliza-se no ritmo. É também necessário dizer que a atividade muscular que começa com a mastigação e prossegue no peristaltismo do esôfago, estômago e intestino, é um elevar-se da substância ao domínio rítmico do organismo. Veremos igualmente que quando o fluxo alimentar chega ao seio da reabsorção no intestino delgado, enquanto é caótico e mineralizado, pode ser aceito no ritmo circulatório interno do sangue, da linfa e dos líquidos tissulares... Pois a atividade metabólica desse líquido tissular é “poderosamente levada, ela também, pelo ritmo dos órgãos circulatórios”.

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53 Como todos sabem, esse ritmo circulatório está regularmente relacionado com o ritmo da respiração. Sua relação é de 4 pulsações cardíacas para uma respiração: ele reflete uma relação cósmica entre a terra e o sol. Com efeito, se tomamos o número médio de 18 respirações por minuto, temos então 25.920 respirações (18x60x24) nas 24 horas. Este é o número de anos que o sol gasta, no “ponto vernal”, para percorrer o zodíaco inteiro. Esse período é denominado de “ano platônico”. O homem é então construído segundo um ritmo cósmico. E é nessas duas funções (circulação e respiração) que se manifesta sua essência rítmica.

“O ritmo fortifica, a arritmia enfraquece e traz a doença”. Essa frase de Wachsmuth é particularmente válida para os fenômenos da nutrição. É necessário que ela seja levada em conta numa higiene alimentar.

A ABSORÇÃO DOS ALIMENTOS

Para se ir a fundo nas coisas, é necessário dizer que a verdadeira captação do alimento não se faz em nossa boca, mas sim no intestino delgado, através das vilosidades de suas paredes... Somente aí os alimentos já foram suficientemente liberados de sua natureza original, para poderem atingir o “homem interno”. Mas neste estado em que o alimento se incorpora ao sangue e à linfa, ele se tornou quase inorgânico, como já expusemos. Convém acrescentar que Rudolf Steiner via nessa espécie de mineralização uma singularidade da nutrição humana inerente às necessidades da organização do Eu e da individualização da substância humana. No animal essa retrogradação da matéria alimentar não pode ser feita tão completamente: seu corpo astral não teria o poder para isso. Dessa maneira, o animal não se distancia tanto de seu meio, da fonte de sua nutrição. Ele se emancipa dela apenas parcialmente.

Esse dado nos ensina algo sobre as qualidades da alimentação de origem animal (cárnea ou láctea). Quanto mais o animal é de um nível inferior, peixe, mexilhões, etc., mais carrega em si forças cósmicas, sendo sua qualidade alimentar para o homem totalmente diferente daquela do boi.

Por outro lado, a questão dos alimentos de origem animal traz a questão de suas excreções, das quais não trataremos aqui. Finalmente, podemos nos

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54 perguntar, à luz dos dados acima, até que ponto a experimentação em animais, sobretudo no que se refere ao metabolismo, é convincente quando ela é transposta ao ser humano.

O que ocorre quando o bolo alimentar atinge a parede intestinal? Esta parede do intestino delgado é um órgão totalmente especializado, cujo desempenho jamais cessou de intrigar e impressionar os pesquisadores. Descrevamo-lo rapidamente. É ocupado por milhões de pequenos órgãos, as vilosidades intestinais: contam-se cerca de 2500 a 3000 por metro quadrado. No homem isso eleva a superfície absorvente a 2 metros quadrados. Tentemos representar esta grande superfície num espaço tão pequeno! Cada vilosidade está ligada a um vaso linfático, a um nervo do plexo solar e a uma pequena artéria ramificada numa minúscula rede capilar. Os músculos são todos “lisos”. Dessa maneira, todos os constituintes do ser humano estão presentes: o corpo de vida pela linfa, as forças subconscientes da alma pelo nervo, a organização do Eu pelos vasos sanguíneos. Essas vilosidades efetuam movimentos rítmicos, à razão de seis por minuto. Elas tateiam, provam, sugam o bolo alimentar: é uma verdadeira percepção sensorial e descobriu-se efetivamente que sua sensibilidade é extraordinariamente sutil. Esses órgãos são regulados por atividades hormonais. De maneira alguma se trata apenas de uma função passiva e físico-química. Fizeram-se experiências curiosas a esse respeito: quando substâncias estranhas ao corpo e não fisiológicas, contra as quais os fermentos digestivos eram impotentes, entravam em contato com esses órgãos de absorção – o que só se pode observar experimentalmente – fazia-se uma absorção segundo as leis físico-químicas da difusão; em outros termos, as faculdades superiores da mucosa intestinal não agiam, ou o faziam insuficientemente. As funções vitais e sensoriais das vilosidades ficam como que paralisadas. Algo de análogo ocorre nos casos cada vez mais freqüentes de alergias alimentares. Aí, devido a uma permeabilidade anormal da mucosa, entram certos componentes da albumina que não foram anteriormente suficientemente desnaturados. Eles provocam então reações de hipersensibilidade, como, por exemplo, o eczema.

As substâncias destinadas à formação interna das gorduras são confiadas aos vasos linfáticos; as outras, aos vasos sanguíneos. E – o que sempre deixou espantados os pesquisadores – na parede intestinal já começa a edificação da substância corporal própria, e quando essa toma

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55 lugar nas células dos tecidos, a transformação faz-se extremamente rápida. Após um breve intervalo as substâncias neo-formadas e individualizadas surgem em todo o organismo, ainda que, segundo os pesquisadores, isso implique numa extraordinária complexidade de reações. Mencionaremos alguns exemplos nas descrições das proteínas, carboidratos e gorduras. No momento, citemos antes a conferência que Rudolf Steiner fez em 22 de outubro de 1922, destinada aos médicos, e que começa pelas seguintes palavras: “Bem, é agora que a maneira de pensar que praticamos aqui será considerada como uma heresia pela ciência oficial”.

DESVITALIZAÇÃO E REVITALIZAÇÃO DOS ALIMENTOS

Em nós, os minerais sofrem apenas mudanças mínimas, pois eles já são inorgânicos. Isso é igualmente válido para o açúcar, na medida em as preparações exteriores o mineralizam. Mas todo o alimento proveniente do vegetal e do animal deve perder sua “vida”, assim como seu caráter de animalidade, se ele o possui. É um trabalho considerável e o organismo humano deve estar em condições de realizá-lo. Em outro capítulo nos ocuparemos do preparo culinário (cozer, assar, etc.) que desempenha aí também um papel.

Esse objetivo deve ser atingido no interior da parede intestinal. Este é um órgão particularmente cheio de vida e de sensibilidade. Todo o interior do organismo humano se reflete aí, de certo modo, especialmente os órgãos internos de assimilação, que agora irão agir.

Esses órgãos internos, fígado, pulmão, rins, etc. são centros diversamente penetrados por forças etéreas e astrais e recebendo as ordens da organização do Eu, cada qual a sua maneira. Vê-se, por exemplo, que suas albuminas constitutivas têm uma natureza peculiar a cada um deles.

O primeiro ato no interior do intestino é a absorção das substâncias nutritivas (decompostas) em nosso próprio corpo etéreo. Essa revitalização tem lugar a partir do momento em que essas substâncias entram nos vasos sanguíneos e linfáticos das vilosidades intestinais. Rudolf Steiner disse que isso era uma função do organismo “pulmão-coração”. Ela reconduz à vida aquilo que havia se tornado completamente inorgânico. Essa revitalização

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56 no corpo etéreo só é possível porque este é capaz de se renovar sem cessar, com a ajuda do oxigênio respiratório. O oxigênio é “o que torna terrestre e vivente aquilo que, sem ele, volatilizar-se-ia no corpo etéreo”. O oxigênio revitaliza a substância, mas ao mesmo tempo a incorpora às leis da existência terrestre. Senão a substância se dissolveria no etéreo puro. Aqui também intervém a estrutura carbônica do nosso organismo e das substâncias nutritivas. “O carbono está na base de todas as substâncias orgânicas; ele fixa a organização física propriamente dita”.

Mas se permanecêssemos aí não poderíamos desenvolver nem vida anímica, nem vida espiritual. É necessário então um novo passo; “animizar” a substância vitalizada. Isto se faz graças à atividade de outra esfera orgânica: o sistema renal.

ADMISSÃO DO ALIMENTO À ORGANIZAÇÃO SUPERIOR DO HOMEM: PAPEL DA FUNÇÃO RENAL

Na sua “A Fisiologia Oculta”, Rudolf Steiner já expôs que o coração e a circulação devem estar continuamente em condição de harmonizar os movimentos externos e internos no organismo. Isto só é possível graças a um órgão equilibrante: o sistema renal. Este é capaz de desembaraçar o sangue do excedente que faria obstáculo à harmonização. Os rins eliminam o que é supérfluo, inutilizável. Essa decomposição das substâncias aproxima-as novamente da natureza inorgânica: a uréia, o ácido úrico, etc. são o resultado. Este trabalho de desvitalização e decomposição é comandado pelo corpo astral que é o constituinte anímico do organismo humano. Neste sentido o corpo astral encarna-se no rim. O processo de secreção renal proporciona ao homem a experiência que se resume no seguinte: “ele se opõe, como entidade, ao mundo exterior”. Ele toma assim consciência de si mesmo. O rim utiliza as leis da pressão, da osmose. É o elemento aéreo ou gasoso que se exprime funcionalmente nesse órgão. As leis do elemento gasoso desempenham um papel na formação da urina, ou seja, as forças que agem na pressão sanguínea colaboram na gênese desse líquido. O rim é no organismo o ponto de impacto daquilo que Rudolf Steiner chama o “homem gasoso”; sem ele a organização anímica (corpo astral) não poderia se manifestar. É desse “homem gasoso” que se irradia a

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57 astralidade que penetra todo o corpo humano e o organiza. O próprio rim, como órgão, nasce dessa irradiação. Através dela todo o organismo é impregnado de sensibilidade. A substância que foi elevada ao estado de vida pelo sistema “coração-pulmão,” sobe agora ao estado de alma.

É por esse caminho que os alimentos e as forças adquiridas pela nutrição são “expedidas” até o corpo astral. Aquilo que, graças ao coração, tornou-se “líquido, fluído, configura-se a partir de agora em órgãos determinados. Pode-se dizer que o rim é o seu escultor...” e isso só se pode fazer com a ajuda do “sistema cabeça” que recebe e detém a irradiação provinda do rim.

Para esses processos dinâmicos o rim utiliza o nitrogênio, que é eliminado com a uréia e o ácido úrico, enquanto no interior este gás participa principalmente na constituição das albuminas.

Uma sabedoria muito antiga falava de uma “múmia astral” que se podia descobrir na urina humana e que servia para diagnosticar a saúde ou a doença. Sabia-se, dessa maneira, prescrever remédios e regimes.

A fisiologia moderna descobriu que o ácido úrico dispersado em finas partículas no encéfalo permite medir o grau de inteligência de um ser humano.

Em seus “Elementos Fundamentais”, Rudolf Steiner escreve que este ácido úrico, secretando-se no cérebro, fornece a base da atividade neuro-sensorial e da consciência de vigília que dela depende (capítulo XI). Aí então essa substância trabalha não mais na “animização”, mas na espiritualização do organismo: ele entra a serviço da organização do Eu.

HUMANIZAÇÃO DA SUBSTÂNCIA NUTRITIVA. PAPEL DO FÍGADO E DA BILE

Percorremos assim quatro etapas e chegamos ao ponto em que a substância é humanizada. Ela se incorpora à organização do Eu. Esta quarta etapa é privilégio do homem, enquanto as precedentes existem também no animal. É essa passagem que traz tantos enigmas à antropologia e à fisiologia. Já acentuamos que as descobertas da individualidade metabólica

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58 e da personalidade imunológica caminham nesse sentido. Reconhece-se geralmente o caráter único do cérebro humano, muito maior e muito mais diferenciado do que o dos mamíferos mais evoluídos. E sabe-se que cada cérebro humano não se assemelha a nenhum outro. Entretanto, não se encontra a chave do mistério. Postulou-se um princípio organizador específico, imanente ao organismo (Bertalanfey, 1949), mas concluiu-se: “Aquilo que sabemos, nós o deduzimos indiretamente e com extrema incerteza” (Schaeffer e Novak, 1972).

As exposições de Rudolf Steiner, elevando-se até a quarta fase do processo interno de nutrição, passando do sistema cardíaco e do sistema renal ao sistema hepático: “O sistema do fígado, com sua secreção biliar, leva o todo até nosso Eu propriamente dito”. Certamente objetar-se-á que o fígado e vesícula biliar também existem no reino animal, pelo menos em suas classes relativamente elevadas; mas aí se trata de tentativas do organismo animal de se apropriar de um princípio superior, que poderemos estudar em outro lugar. A situação privilegiada do homem não está colocada em questão.

A secreção biliar proveniente do sangue atinge, no intestino delgado, o bolo alimentar e especialmente as gorduras. O fígado desembaraça o sangue de todas as substâncias tóxicas e forças de decomposição que nele se encontram. Graças à sua função colagoga, ele é o grande purificador do sangue no homem, o antídoto aos venenos. Por sua ação sobre o sangue, ele é o representante da organização do Eu nesse domínio. Já nos referimos ao “ritmo circadiano” do fígado. Por outro lado, a bile ativa as enzimas que digerem as gorduras, isto é, o suco pancreático (lípase pancreática). Essa lípase só é enviada ao intestino delgado quando a mucosa desse órgão se encontra umidificada pela bile.

Os ácidos graxos dos alimentos só se tornam solúveis e absorvíveis quando se combinam com os ácidos contidos na bile. Mas esta é rapidamente dissolvida e os ácidos biliares são levados ao fígado pelo caminho dos vasos sanguíneos. Fala-se então de um “círculo de ácidos biliares”. Quando eles atacam a gordura dos alimentos, formam-se pequenas gotas de gordura e a lípase pode então atacá-las sobre uma superfície enormemente aumentada.

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59 Mas também a albumina só pode continuar sua digestão graças à bile presente no intestino. A gordura ainda intacta envolve as partículas de albumina e impede os fermentos dissolvidos na água de atacá-las. Nesse sentido a atividade do fígado intervém, pela bile, na digestão das albuminas. Se a bile é impedida de agir, ou se é insuficiente, a digestão das albuminas sofre tanto quanto a das gorduras. Então a albumina não digerida desce para o intestino grosso onde se putrefaz, o que cria um núcleo de doenças.

A AÇÃO DO COLESTEROL

Para terminar, devemos falar do colesterol (ou colesterina) que é, desde alguns anos, objeto de diversas opiniões errôneas. Essa substância, que se forma apenas no animal e no homem – o que denota já sua natureza astral – desempenha igualmente um papel nas enteropatias. Ela se forma tanto no fígado quanto na parede intestinal. Ela é o ponto de partida para a síntese de ácidos biliares.

Importante é que o colesterol se encontra em todos os líquidos do corpo e em todos os seus tecidos; ele tem indubitavelmente uma ação muito geral, apesar de estar centralizada, sua origem não é, por causa disso, no fígado. É muito significativo que ele se encontre abundante e muito provavelmente ativo em dois órgãos: no cérebro e nas glândulas supra-renais. Nestas últimas ele está totalmente envolvido na dinâmica do metabolismo e participa com o sistema renal na astralização da substância. No cérebro, onde ele domina quantitativamente, parece estável, isto é, não submisso, nem em quantidade nem em concentração, às variações metabólicas dependentes da alimentação. Supõe-se hoje em dia que ele é depositado no cérebro “pela vida”, e não toma nenhuma parte no metabolismo geral. Em todo caso ele participa então na estabilidade e na desvitalização do pólo nervoso do homem, desde a idade de 5 anos. É encontrado principalmente na substância branca do cérebro (“substância pensante”), e menos na cinzenta, que está mais ao serviço do metabolismo.

Nós absorvemos também o colesterol com nossos alimentos, mas este colesterol exógeno é muito menos importante do que o endógeno. Pode-se

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60 provavelmente admitir que esse colesterol exógeno seja um estímulo para a síntese do endógeno. Muito colesterol alimentar poderia então desequilibrar a economia interna desta substância. Por outro lado, o colesterol é secretado pela vesícula biliar, participando notavelmente na formação de cálculos neste órgão. Isto denuncia certamente uma perturbação do equilíbrio colesterólico.

Mas ainda não foi dito tudo sobre o colesterol. Sabe-se hoje em dia que além da formação dos ácidos biliares, ele é a substância de base para certas sínteses hormonais.

Tudo isso mostra claramente que essa substância é indispensável à vida, ou melhor, às funções do corpo astral. Mas é igualmente aí que reside seu perigo, o risco de um desequilíbrio, cujas consequências que se estendem às atividades etéreas do coração foram bem estudadas em nossos dias.

E quando se supõe, por exemplo, que uma alimentação de origem animal freie a secreção de colesterol, enquanto a alimentação de origem vegetal a estimule, então penetramos no domínio da higiene alimentar moderna.

Não se trata unicamente de diminuir o aporte de colesterol na nutrição, mas mais geralmente de encontrar novas formas de alimentação e de definir a “qualidade”, ou mesmo, talvez de instaurar novos modos de vida.

O METABOLISMO DO AÇÚCAR

O metabolismo do açúcar está no centro mesmo das funções vitais, e a investigação espiritual trouxe-o à luz de um novo dia. Rudolf Steiner frequentemente observou que os carboidratos (dos quais o açúcar faz parte) devem sua formação, no mundo das plantas, às forças do sol. Sem os raios quentes e luminosos do sol, nas condições terrestres atuais, não seria possível nenhuma síntese de açúcar. Em última análise, isso é igualmente verdadeiro para as gorduras e albuminas. Dado que durante a formação dos carboidratos a planta lança de novo oxigênio na atmosfera, o animal e o homem devem essa fonte de vida, indiretamente às forças solares. A planta, a partir das substâncias terrestres, condensa sua materialidade a partir do

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61 éter solar; ela edifica assim, em primeiro lugar, sua armadura material que é carbônica. Foi neste sentido que M. Bircher-Benner falou das “nuanças cósmicas do sol” em nossos alimentos.

O fígado, nós já o dissemos, tem relações particulares com essas substâncias. O amido, tal como se forma na planta, recebe finalmente no fígado sua neo-criação humana, o glicogênio. O glicogênio é, de certo modo, a materialização da irradiação cósmica; do fígado ele passa para o sangue e para todo o organismo. É a mais alta instância do organismo humano, a organização do Eu, quem realiza essa transformação. Não é o amido, mas a glicose proveniente dele, que pode ser utilizada pela organização do Eu. “O sabor açucarado reside nesta organização”. Quando o amido se transforma em açúcar no fígado, o sabor açucarado não é perceptível à consciência; “mas o que se passa na consciência (no domínio da organização do Eu) quando se experimenta o sabor doce, penetra na região subconsciente do corpo humano, onde se torna ativa a organização do Eu”. Essa “região” é primeiramente a do fígado que estende como que antenas até os órgãos gustativos da boca e que, por outro lado, penetra todo o organismo pelo caminho do sangue.

Um limite estreito e bem nítido é imposto à organização do Eu. Isto se exprime, por exemplo, no fato de que a taxa de glicose no sangue, regulada pelo fígado, mantém-se constantemente em 0,1%. Muito ou pouco açúcar no sangue provoca, como se sabe, graves doenças.

Não se deve tirar das indicações de Rudolf Steiner a tola conclusão: quanto mais açúcar eu como, mais fortifico minha organização do Eu. O abuso que atualmente se faz do açúcar fala outra linguagem: mostra que a atividade dessa organização do Eu depende de limites precisos (em quantidade e qualidade) de nosso consumo de açúcar. Nós o mostraremos mais à frente.

Todas essas funções – e mais muitas outras – fazem-nos compreender que o fígado possa ser qualificado de “quimificador” (quimista ou alquimista). Ainda aqui os dados da ciência espiritual podem nos mostrar o caminho: “O homem possui em si um “quimificador”. Ele possui em si algo das esferas celestes, onde reside a origem das ações químicas. E isto, no homem, está fortemente localizado no fígado. Nós podemos estudar essa

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62 esfera extraterrestre ao estudarmos todas as maravilhosas ações do fígado humano”.

Isso é assim porque o fígado, na realidade, é uma espécie de enclave em nosso ser interno; aí ele desenvolve processos que se assemelham a processos extra-humanos, “se bem que é no fígado que o homem é menos humano”. Da mesma maneira que o olho se volta para o mundo exterior e percebe o que chega para nós com a luz, as distâncias cósmicas, da mesma maneira o fígado é, sob esse aspecto, um órgão sensorial, ele mesmo pouco sensível à dor, mas que constantemente percebe o quimismo e as forças térmicas que lhe chegam do cosmos.

O CALOR, SUPORTE DA ORGANIZAÇÃO DO EU

Nós veremos adiante as consequências práticas desse caráter de enclave que o fígado possui. Aqui, pela segunda vez, ele irá nos revelar as ligações íntimas de suas funções com o Eu. Pois é o Eu quem nos abre novamente o mundo exterior, após desligá-lo e fechá-lo inicialmente de nós. Da mesma maneira, a substância, após ter sido a princípio tornada sensível e “animizada” graças ao sistema renal, é acolhida pelo sistema hepato-biliar à organização do Eu. Aqui e a partir de então o meio atuante é o calor, no qual pode viver essa organização suprema do ser humano. O que reside em nossa estrutura térmica, em nosso sistema hepato-biliar, “irradia-se de tal maneira que o homem inteiro se encontra penetrado pela organização do Eu, a qual está ligada de uma maneira geral às diferenciações térmicas em todo o nosso organismo”.

O fígado não é unicamente o centro do quimismo e do organismo líquido, ele é também o centro da organização térmica do homem. Esse órgão possui a mais elevada temperatura local de nosso corpo: 41º C. Ao mesmo tempo, regula o metabolismo do calor. Enquanto o sistema renal se serve do ar, a organização do Eu utiliza o calor e o regula em todo o corpo. Para esse fim ele utiliza o hidrogênio (o elemento químico mais próximo do calor), assim como o rim emprega o nitrogênio, e o sistema cárdio-pulmonar o oxigênio.

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63 Essa função térmica do fígado está igualmente ligada ao açúcar, pois assim que o fígado transforma o açúcar vegetal em “açúcar humano”, “ele transmite ao corpo inteiro esse açúcar interno, graças ao qual ele possui o seu caráter próprio”.

Assim como o açúcar, o calor permanece constante no sangue do homem. Muito, ou muito pouco calor sanguíneo, denuncia uma doença. Assim como para o açúcar, é indispensável uma medida exata.

É evidente, após o que foi dito, que o homem é um “ser de calor”. Toda sua existência corporal e anímico-espiritual depende do calor. É um fator que se deve ter em conta para apreciar o papel que desempenham o calor e o frio na nossa nutrição, por exemplo, no preparo de nossos alimentos. Somente partindo desse princípio pode-se chegar a dados racionais. Sem ele todas as questões desse gênero ficam em suspenso.

Vê-se que por este meio o calor lança uma ponte entre o sensível e o supra-sensível. Sua natureza é, ao mesmo tempo, sensível e anímico-espiritual. No homem esses dois lados da sua natureza são reunidos pela organização do Eu, que age nos dois domínios e une os dois mundos. No homem o calor não é somente natural, mas ainda e simultaneamente, moral e espiritual. Através dele, o homem comunga com a força aquecedora da espiritualidade cósmica. Graças ao calor o homem acende não apenas sua consciência de vigília habitual, mas também se aquece com ideais morais que podem levá-lo até a aumentar fisicamente sua temperatura.

Rudolf Steiner consagrou três conferências inteiras a esse problema da antropologia. “Onde se encontram as fontes de nossa vida?” pergunta ele. “Encontram-se naquilo que estimula os ideais morais que nos inflamam”. Descobrimos essas “fontes cósmicas criadoras” quando consideramos o organismo térmico do homem. Podemos observar que nossos pensamentos abstratos, intelectuais, “esfriam-nos”; eles “paralisam” o organismo aéreo gasoso e “extinguem” a vida em nós. É um verdadeiro processo de morte que parte desse “pólo do frio” da natureza humana e desce até o corpo físico. Essas forças de morte e de desagregação que trazemos em nossa cabeça e tornam possível nossa faculdade de pensar abstratamente são, ao mesmo tempo, aquilo que em nós faz a matéria e a energia descerem “até o zero absoluto”, aquilo que as aniquila. Mas é por esse meio que adquirimos a consciência de nós mesmos... Nosso Eu, que não tolera em si nenhuma

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64 vida estranha, ilumina nossa autoconsciência pela combustão, pela incineração da substância do mundo. “É sob a forma de um cadáver que o universo nos torna consciente e nos faz homem”. Essa morte, entretanto, é seguida de uma nova germinação, de um novo início, de um futuro, depois que a antiga substância da natureza foi morta em nós. No fogo chamejante de nosso ser voluntário nasce a nova substância que servirá de instrumento a nossa individualidade. Nesse momento o anímico-espiritual vive em nós sob a forma de força moral. “Um mundo passado morre em nós. Não o notamos, pois outro mundo nasce logo: a matéria morre e renasce”. Efetivamente esse processo se dissimula em nós até esse dia, pois ultrapassa nossos critérios temporais habituais. Mas quando pesquisas muito recentes, como as do professor Manfred Eigen, revelam que numerosas reações do metabolismo humano realizam-se em frações de segundo, estamos já talvez na pista desse fenômeno. Por outro lado, “quando se segue o corporal até o calor, pode-se lançar uma ponte entre o calor, tal como existe no corpo e no calor da alma”.

O homem possui um pólo do frio localizado na sua cabeça, no seu sistema neuro-sensorial e em seu cérebro, e deve a ele o seu pensamento abstrato e consciência de vigília fundamentada no corpo. Mas sua verdadeira natureza reside em seu organismo térmico e voluntário, que ainda está em germe. Ele deve vencer sem cessar o frio da cabeça, a rigidez dos membros, recriar e revitalizar a substância morta, e imprimir-lhe o selo de sua inteligência. É no fígado que essa natureza ígnea do homem cria para si uma fonte de calor.

Não nos surpreenderemos, portanto, de que o homem atual seja tão exposto às doenças deste órgão, que Rudolf Steiner qualificou de “agulha da balança”. Por isso nossa alimentação deve corresponder ao que foi dito. Como deve ser nosso alimento para favorecer as forças do Eu, em lugar de paralisá-las, para despertá-las, em lugar de submergi-las?

Sob esse ponto de vista podemos compreender o que seja uma dietética “dinâmica”, ou seja, um impulso da ciência espiritual “para uma higiene alimentar que convenha a nossa época”.

Com a atividade hepato-biliar, na qual a substância nutritiva é impregnada pelas forças da organização do Eu, o processo nutricional atinge seu ponto culminante. Mas outros processos – como os intestinais –

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65 desempenham um papel muito importante. Eles se estendem do intestino delgado ao intestino grosso e caminham até a atividade final da digestão: a excreção.

SIGNIFICADO DO PERISTALTISMO INTESTINAL

Dois fatores são indispensáveis para a digestão e para a excreção: o peristaltismo intestinal e a presença de uma flora intestinal.

Falamos anteriormente dos movimentos rítmicos das vilosidades do intestino delgado; eles desempenham um grande papel na absorção. Mas o próprio intestino executa movimentos. Dissemos que o movimento exige consciência, vontade e atenção na cavidade bucal, mas que essa consciência cessa desde a deglutição. Os movimentos do esôfago já são involuntários, subconscientes. Aí começam os ritmos que vão se prolongar ao longo de todo o tubo digestivo. Somente no outro extremo, no reto, é que o jogo de movimentos recomeça a ser mais consciente. O ato excretor no homem é submisso a um certo livre arbítrio. Desta maneira, ele se torna, hoje em dia, fonte de perigos muito freqüentes, dos quais falaremos mais à frente. Entre a mastigação e a excreção, que são voluntários, sucedem-se os três peristaltismos, do estômago, do intestino delgado e do intestino grosso: eles chegam à nossa consciência apenas na forma dolorosa, em caso de doença.

Este organismo de movimento (de propósito evitamos a palavra “mecanismo”) é determinado por numerosos fatores, adaptados uns aos outros por regulações sutis; verdadeiros processos de percepção atuam em todos esses órgãos extremamente sensíveis. Tudo se altera conforme o alimento seja quente ou frio, sólido ou pastoso, segundo sua quantidade e sua natureza. Sabemos quanto a influência anímica se faz sentir também. Por exemplo, é importante que o alimento seja tomado com apetite e não a contragosto. A higiene alimentar deve examinar em quais condições se passam as refeições. Não é somente a má qualidade dos alimentos que pode perturbar o apetite e paralisar assim os processos digestivos; também o ambiente pode ser ou não “apetitoso”, no sentido amplo da palavra. Diz-se: “alimento bem mastigado já está meio digerido”; poder-se-ia dizer

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66 igualmente: “o bom humor é metade da digestão”. Não é por acaso que a mesma palavra latina designa o humor e os humores, ou seja, os sucos orgânicos. Um humor deprimido, preocupações, inquietações, são tão nocivos para digestão, e, portanto, para toda a nutrição, quanto uma qualidade deficiente ou uma mastigação insuficiente. Nosso psiquismo consciente influencia nitidamente os processos subconscientes do estômago e do intestino. Isto se manifesta por acelerações ou retardamentos que frequentemente resultam em processos patológicos.

Rudolf Steiner pensou nesses fenômenos quando falou, em seus “Elementos Fundamentais”, no capítulo “Sangue e Nervo”, do sistema nervoso simpático que inerva os órgãos digestivos. Estes nervos são chamados “vegetativos” porque comandam apenas a vida e nunca a consciência. Eles aceleram ou retardam os movimentos rítmicos dos quais falamos. “Os constituintes superiores agem sobre esses nervos apenas de fora, e não como organismos internos”. Mas é justamente por essa razão que sua influência é forte: “As perturbações afetivas, as paixões, têm um efeito durável e importante sobre o simpático; as preocupações e tristezas levam progressivamente à ruína esse sistema nervoso”. Sabe-se o quanto as desordens da alma favorecem a formação de uma úlcera gástrica, ou pelo menos a hiperacidez do estômago.

Todavia, essas influências anímicas desempenham apenas um papel restrito no peristaltismo dos dois intestinos. Os movimentos intestinais realizam-se geralmente numa profunda inconsciência (consciência do sono sem sonhos), enquanto que no estômago há uma consciência de sonho. O peristaltismo intestinal serve sobretudo para fazer progredir o bolo alimentar; as emoções da alma, como o medo, podem acelerá-lo, provocando a diarréia. O efeito dos medicamentos é conhecido. Outro ritmo que faz oscilar o conteúdo intestinal sem fazê-lo avançar, depende da temperatura do intestino.

O fisiologista B. Thomas trouxe uma importante contribuição neste campo pela sua obra: “As substâncias nutritivas e as substâncias “mortas” das farinhas dos cereais”. Suas convincentes exposições chegam a concluir que os produtos cerealíferos ditos “completos” são muito importantes para a saúde dos processos digestivos. Sob sua influência aumenta a mobilidade do intestino, pois os movimentos peristálticos “desenvolvem-se tanto mais intensamente quanto menos digestível seja o alimento, ou mais rico em

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67 substâncias não digeridas, as quais exercem uma excitação química e mecânica”. Eis como B. Thomas resume as consequências dessa mobilidade aumentada:

- mistura mais intensa do bolo alimentar;

- secreção mais forte de sucos digestivos (inclusive a bile e o colesterol);

- influência favorável sobre a circulação do sangue e sobre a atividade

absorvente do epitélio intestinal;

- absorção mais rápida das substâncias nutritivas decompostas pelas

Enzimas;

- passagem mais rápida para os vasos sanguíneos e refluxo mais

rápido do sangue venoso, a partir da mucosa intestinal;

- transferência das substâncias absorvidas do intestino para o fígado e

aceleração parcial da progressão do bolo.

Tudo isso confirma a afirmação de Rudolf Steiner: “Quando se pode digerir um pão mais rústico, este é, em realidade, o mais sadio de todos os alimentos”. Retornaremos adiante à questão da digestibilidade.

Mas a ciência espiritual propôs ainda outros dados sobre o tema das funções intestinais.

POLARIDADE DA CONSTITUIÇÃO HUMANA

Vimos que uma dietética dinâmica é obrigada a levar em consideração a polaridade da constituição humana: de um lado, a cabeça, centro do sistema neuro-sensorial, e de outro, o metabolismo (sistema de trocas), centralizado nos órgãos do tubo digestivo.

Rudolf Steiner incitou os pesquisadores à sua volta a fazerem estudos comparados sobre o desenvolvimento de certas partes do intestino na série animal, e sobre a diferenciação do cérebro, principalmente do cérebro

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68 anterior que é tão importante para a vida consciente. Ele mesmo chegou ao surpreendente resultado de “que a mais alta atividade espiritual, ligada à perfeição do cérebro, é igualmente ligada a um aperfeiçoamento correspondente do intestino”. Existe aí, igualmente, uma ação da dinâmica intestinal sobre as faculdades do cérebro. Quando, por causa de estagnações no intestino, a digestão das albuminas se torna insuficiente, se bem que predominem os processos de putrefação, e disso resulta uma perturbação que se exprime geralmente por “dores de cabeça e incômodo pelo trabalho intelectual”. O mesmo ocorre para a constipação crônica.

Assim “de um lado, para serem descarregadas as atividades físicas, face ao pensamento, vocês são levados, por outro lado, a carregar seu organismo, o que permite certa perfeição do intestino grosso”. Para que se opere no alto, a “descarga” necessária ao pensamento, é preciso que a demora no intestino grosso, de substâncias tornadas sólidas, pesadas e acessíveis à consciência terrestre no homem, seja medida com justeza. Por esse processo, aquilo que foi preparado para a excreção termina de se desvitalizar, mas pode também sofrer a ação de forças formativas e modeladoras, evocando de longe a formação cerebral. Nesse sentido, Rudolf Steiner fez alusão a uma imitação de processos silicosos, que ocupa uma parte importante na formação dos órgãos dos sentidos e do cérebro.

Podemos medir ainda de outra maneira a amplitude dessa polaridade, dessa metamorfose. Rudolf Steiner insistiu na função sensorial metamorfoseada que retorna aos processos digestivos, e falou mesmo de um “processo prolongado de sensação gustativa”. Acrescentou que quando não desprezamos tais indicações, abrimos os caminhos para uma dietética sadia.

Vemos que tais maneiras de observar as coisas conduzem a resultados totalmente realistas e práticos. Aqui temos novamente um ponto de partida concreto para uma higiene alimentar inspirada na ciência espiritual.

Na mesma conferência Steiner falou sobre a dentição. Esta contrasta, pela extrema mineralização, solidez e dureza dos órgãos, com a mobilidade fluida do intestino. Relações concretas unem pólos opostos: quando o dentista vê que os dentes se tornam cariados deveria cuidar “para que toda a atividade digestiva da pessoa atacada se torne menos intensa, por exemplo, prescrevendo sedativos do sistema digestivo”.

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69 Isto mostra que Rudolf Steiner via a causa das cáries dentárias primeiramente no organismo interno; esta é uma opinião geralmente reconhecida atualmente. Nós nos ocuparemos mais tarde com essa questão que implica no papel do flúor, mesmo na higiene alimentar.

SIGNIFICADO DA FLORA INTESTINAL

Pode parecer surpreendente que o homem interno – seus dois intestinos – seja habitado por uma flora abundante, isto é, por uma vida estranha que se engajou manifestamente numa íntima simbiose com seu organismo.

Devemos sobretudo ao Dr. Baumgaertel uma descrição muito esclarecedora dessa flora, da qual ele é um dos melhores especialistas. Segundo ele, pertencem à “flora necessária” do intestino humano pelo menos sete espécies diferentes de bactérias ativas na digestão. Enquanto a parte superior do delgado é normalmente isenta de bactérias, a flora bacteriana começa na parte seguinte, onde dominam principalmente Bacterium coli e Bacterium lactis aerogenes, que produzem ácido láctico. Numa parte mais baixa do intestino, o cecum, ou “câmara de fermentações”, encontram-se, além dos colibacilos, Bacillus saccharobutyricus, que fermentam os carboidratos, e Bacillus putrificus que decompõe a albumina. Na extremidade distal do intestino essas massas de bactérias morrem e são, na maioria, excretadas com as fezes. Existem então constantemente processos de fermentação e putrefação nas partes habitadas do intestino. Uma intensa atividade vital se desenvolve nessas regiões totalmente fora da consciência, pois as bactérias que perecem constantemente em massa, são, por esse fato incitadas a uma multiplicação intensa e ininterrupta.

Mas a flora intestinal surge como que domada pela atividade própria do organismo, por uma alternância extraordinariamente “sábia” de numerosos fatores (secreção glandular, equilíbrio entre o meio alcalino e o meio ácido, etc.). Essas ações são, todavia, instáveis, e novamente iniciadas a cada nova atividade digestiva. Elas podem ser perturbadas de numerosas maneiras, mas também estimuladas pela qualidade da alimentação. Atualmente, estas

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70 são as perturbações que predominam e provocam numerosas afecções intestinais.

Rudolf Steiner projetou uma nova luz sobre esses fenômenos, e isto de duas maneiras.

Primeiramente, devemos nos perguntar como é possível que um mundo de seres vivos pertencentes ao reino vegetal ou animal inferior possa se aclimatar no interior do homem. Essa aclimatação se faz logo nas primeiras horas após o nascimento. A criança é “infectada” pela mãe durante a gestação. Entretanto, Escherich (1886), o descobridor dessa flora intestinal infantil, já havia ressaltado o fato surpreendente de que “cada indivíduo possui uma raça pessoal de colibacilos” (Baumgaertel) . Parece que o apêndice seja o “ninho” desses colibacilos individuais e que eles se espalhariam a partir daí para todo o intestino. Atualmente se admite, seguramente com razão, de que se trata apenas de uma aclimatação e de uma adaptação desse bacilo a cada indivíduo. É justamente por isso que pode sobrevir uma modificação patológica dessa flora: a “individualização” das bactérias intestinais favorece seu desvio patológico.

Os processos vegetais que se prolongam assim no homem encontram uma atmosfera favorável no intestino. Num estado de sono profundo criou-se um meio cuja alcalinidade convém à vida vegetal. Mas há impulsos que se opõem a esse processo natural extra-humano, os quais provocam uma contínua adaptação dos colibacilos. Dessa maneira, o processo puramente vegetal é repelido. Em outras palavras, forças formativas são subtraídas a nossa flora intestinal. É, manifestamente, o nosso Eu que retira essas forças formativas para utilizá-las para fins mais elevados.

ASPECTOS DA DIGESTÃO DA ALBUMINA E DAS GORDURAS. FERMENTAÇÃO DOS CARBOIDRATOS

Rudolf Steiner abordou esse tema numa conferência para os trabalhadores da construção do Goetheanum. Os fenômenos de putrefação da albumina e as fermentações dos carboidratos são particularmente ligados à atividade da flora intestinal. Ambos são necessários, mas devem ser

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71 mantidos dentro de limites estreitos. Certo equilíbrio deve ser encontrado. Acrescente-se a isso um terceiro processo: o ranço das gorduras.

A putrefação da albumina ocorre principalmente no intestino grosso, onde é desencadeada pela flora bacteriana; daí resultam diversas substâncias tóxicas que o fígado deve neutralizar. (Aqui sempre existe um risco de invasão por esses processos, principalmente nos últimos tempos. Fala-se de auto-intoxicação a partir do intestino, causada acima de tudo pelo abuso de albuminas e favorecido por um regime exclusivamente carnívoro). Ora, a albumina é destinada particularmente à construção vital e aos processos de crescimento. Então o corpo etéreo está ligado aí. “Toda albumina é semi-líquida. O corpo etéreo do homem tem acesso a tudo que é semi-fluído”. Mas o corpo etéreo tem também a tarefa de combater os processos putrefativos da albumina. “O corpo etéreo é aqui o lutador e o vencedor”. Entretanto, pode-se perguntar até que ponto o corpo etéreo é capaz, face à alimentação albuminóide atual.

No que concerne à digestão das gorduras, o processo que ocorre chama-se geralmente fermentação, mas Rudolf Steiner prefere a antiga palavra: rançar. Este ranço já ocorre no duodeno, no início do intestino delgado. Se a putrefação se relaciona com o odor (formam-se gases), o ranço, mais interiorizado, revela-se por um sabor. A tendência dos corpos gordurosos para rançar deve, ela também, ser freada pelo homem. Isto se faz graças à atividade do corpo astral. Se isto não ocorre, “tem-se um gosto desagradável na boca”, Essa gordura rançosa que se conserva dentro de si provoca doenças do estômago e do intestino.

A fermentação dos carboidratos faz-se principalmente no intestino delgado, resultando diversos ácidos: ácido láctico, ácido butírico, ácido acético, etc. Os microorganismos da flora intestinal produzem um fermento que é capaz de digerir a celulose. Em seguida, prosseguem os processos de fermentação no intestino grosso, mas aí eles devem ser dominados também, como a putrefação das albuminas. Da fermentação forma-se assim sempre um pouco de álcool, e este não deve se espalhar por todo o organismo ou subir à cabeça.

É necessário que o açúcar que nasce do amido e da celulose possa desempenhar seu papel normal e chegar ao domínio da organização do Eu.

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72 É ela que age, como um pólo antagonista, e do alto, contra as fermentações do intestino.

Esse processo desempenha em particular um grande papel na digestão dos cereais. Eis-nos aqui de volta à questão das “substâncias mortas” da qual já falamos. Até mesmo Liebig tinha reconhecido que “separar o farelo da farinha é um luxo mais danoso à nutrição do que útil” (1865). Isso foi negado em seguida por Voit e Rubner, mas atualmente é um dado fisiológico incontestável. Thomas mostrou não somente que os produtos com “grão completo” são favoráveis ao peristaltismo intestinal, como também, que as bactérias intestinais que digerem a celulose dificultam a produção de venenos provocada pela putrefação da albumina. É verdade, acrescenta Thomas, que essa faculdade parece perder-se frequentemente no homem moderno, provavelmente porque ela não é utilizada. “Todavia, as perturbações geralmente desaparecem por causa de um rápido acostumar-se, ou seja, de uma readaptação da flora intestinal”. É talvez o que Rudolf Steiner queria dizer: “Se vocês puderem suportar um pão rústico...” O homem atual, que está desabituado desse trabalho devido ao seu regime alimentar “civilizado”, talvez mesmo por hereditariedade, sofre então de perturbações intestinais quando come pão integral. Mas ele poderia certamente educar seus órgãos e ao mesmo tempo fortificar a atividade do seu Eu. Thomas escreve: “As pessoas habituadas desde a infância aos cereais completos estão totalmente dispostas, uma vez adultas, a se reacostumarem a eles. Isto mostra como esse assunto é importante no domínio educativo.

Por outro lado, as gorduras e as albuminas que são envolvidas por matérias fibrosas (de farelo, por exemplo), principalmente no grão dos cereais, são mais facilmente digeridas graças à flora intestinal; e finalmente, um alto teor em fibras nos alimentos favorece a síntese das vitaminas pelas bactérias do intestino.

Se observarmos bem todos esses fatores, poderemos avaliar toda a importância dessa flora no homem. Inversamente, poderemos adivinhar que danos resultam pela paralisia crescente desses processos, assim como pela destruição de nossa flora intestinal pelos medicamentos utilizados atualmente.

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73

SENTIDO E REALIDADE DA ALIMENTAÇÃO. QUANTIDADE E QUALIDADE

Tentamos assim passar em revista os principais processos da nutrição humana, mostrando a ampliação dos pontos de vista fornecidos pela ciência espiritual neste domínio. Adiante retornaremos a isso em detalhe, para mostrar os inumeráveis conselhos práticos que resultam daí para a higiene alimentar.

Todavia, neste ponto da nossa exposição, ressurge ainda mais intensamente a pergunta do início: Por que se alimentar? Para que serve nossa alimentação quotidiana? Por que estamos submetidos a essa necessidade?

Que resposta nos fornece a ciência espiritual sobre esse ponto? É evidente que a alimentação nos traz forças que nos tornam mais resistentes e mais aptos ao trabalho. Pode-se admitir que os alimentos contêm em si forças que nos comunicam.

Essa questão pareceu primordial aos pesquisadores do século 19 que começaram a desenvolver uma ciência da nutrição. Procurou-se resolver essa questão de uma maneira tão “fisiológica” quanto possível. Criou-se a teoria das trocas de energia. Chamou-se de “energia” a capacidade de realizar um trabalho, no sentido físico da palavra. Definiu-se o trabalho como o produto de uma força por uma duração. Sabia-se, pelos físicos, que toda execução de um trabalho levava a um desprendimento de calor. Era tentadora a aplicação dessas noções ao homem e ao animal.

Os resultados desses pensamentos foram incluídos na teoria da nutrição (Liebig, Voit, Rubner, Du Bois-Reymond, etc.). Nisso Ludwig Buechner é particularmente radical. Em “Força e Matéria” (“Kraft und Stoff”), 1865, pode-se ler: “Matéria e energia são, no fundo,uma única e mesma coisa, consideradas sob diferentes pontos de vista... Certamente, não sabemos hoje em dia, não mais do que ontem, e sem dúvida jamais o saberemos, o que é a energia e o que é a matéria. Mas não temos a necessidade de sabê-lo, pois... sua separação existe apenas no pensamento e não existe na realidade. São dois nomes para dois modos de manifestação de um ser ou de um fundamento original, desconhecido de nós pela sua natureza...”

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74 Segundo esse e outros autores, o circuito de energia transforma-se em circuito de matéria e vice-versa. Sua origem é o sol e Buechner conclui: “A energia que impulsiona uma locomotiva é uma gota de calor solar, assim como a força que cria os pensamentos no cérebro de um filósofo”.

De uma maneira típica encontramos em tais proposições todos os elementos sobre os quais repousa a dietética do século 19, cuja herança em nosso século está longe de ser abolida. “As verdades de nossa alimentação permaneceriam incompreensíveis sem a termodinâmica”, ouve-se dizer por toda parte.

Tenta-se então estabelecer um balanço da matéria e da energia: a unidade escolhida é a caloria, quantidade de calor necessária para elevar em 1ºC a temperatura de um litro de água de 14,5ºC. Rübner calculou o “valor de combustão fisiológica” referente aos carboidratos, às proteínas e às gorduras, e estabeleceu equivalentes entre esses alimentos quanto ao fornecimento de energia (100 g de gordura equivalem a 230 g de carboidratos e a 230 g de albumina).

Apesar de tudo, esses princípios sofreram restrições importantes pelos dietistas modernos, por exemplo, Mohler. Este fez a observação de que, estando nosso corpo a uma temperatura constante, o calor não é utilizável para medir sua energia.

Por outro lado, foi demonstrado que as medidas feitas são válidas apenas para substâncias nutritivas absolutamente puras – o que não ocorre na natureza. Lembremo-nos do que Bunge, no final do século 19 salientou, de que todos os nossos alimentos naturais são misturas, e não entidades químicas. Ele deduziu então que um alimento artificial tendo o caráter de uma entidade química deveria, a priori, provocar perturbações da saúde. Apesar dessas restrições continuou-se a pensar que a célula é comparável a uma fábrica de onde saem resíduos sem valor energético, água e gás carbônico. Estes são recuperados graças à energia solar, “nascida da energia atômica”. Isolou-se, finalmente, uma combinação química, o trifosfato de adenosina, (ATP), que seria o substrato material do “acumulador humano” e do qual quase todos os nossos processos vitais retiram sua energia. “A energia solar está armazenada no ATP”. Estas palavras coroam o edifício, certamente importante, da ciência nutricional moderna.

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75 Numerosos sábios fazem reserva sobre essa concepção mecanicista. Poderíamos citar numerosos testemunhos. No conjunto, permanece válido o que Rudolf Steiner dizia em 1908: “o importante não é o que se pensa, mas a ação que exercem os pensamentos”. O importante então não é o que se admite, em teoria, sobre as atividades vitais que ultrapassam as forças mecânicas ou químicas. Só pode ser importante, isto é, frutífero, um pensamento que realmente mude de método e de atitude espiritual. Aí encontramos uma particularidade que é entristecedora e mesmo trágica: frequentemente as descobertas mais significativas são publicadas sem que o próprio pesquisador saiba trazer os dados de seus achados. É como se a pessoa permanecesse “em atraso”, em relação a seus trabalhos.

Entretanto, outros pesquisadores, notadamente médicos, exprimem-se hoje em dia de uma maneira mais crítica e mais prudente. Glatzel, entre outras observações judiciosas, escreve: “a questão de saber qual quantidade deste ou daquele alimento é necessária ao homem só pode, em realidade, receber resposta para um indivíduo bem determinado, vivendo em condições bem determinadas e devendo realizar um trabalho bem determinado”. Só que tal homem existe apenas em sua cabeça, não na realidade! Essas especulações mostram apenas a inutilidade e a nocividade de critérios e normas desse gênero. E, além disso, tratou-se por essas regras apenas de uma ínfima parte do homem, de seu corpo físico, pois um corpo etéreo deve sobrepujar a natureza própria do físico: “Ele é um lutador contra as substâncias e forças físicas”. E o corpo físico leva em si não apenas o corpo etéreo (sem o qual não teria órgãos digestivos), mas ainda as influências do corpo astral e da organização do Eu. Dessa maneira, ele se subtrai de qualquer regra autoritária de suas necessidades alimentares. Tal regra pode ser unicamente individual, de acordo com as condições dadas.

“O homem normal não vive segundo as tabelas da fisiologia nutricional, nem segundo as prescrições médicas”, escreveu Glatzel.

Como veremos, quando se trata, por exemplo, de fixar uma norma para o consumo quotidiano de albumina, intervêm outros critérios de qualidade.

Se as pretensas leis da necessidade alimentar puderam se confirmar na prática pelo desempenho esportivo, isto prova, antes de tudo, que esses desempenhos são anti-fisiológicos, e não que essas leis sejam válidas em geral. Um fato experimental bem provado, pelo contrário, é que “o trabalho

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76 do espírito não exige nenhum gasto mensurável de energia” (Glatzel). Esse fato é extremamente importante e tende-se muito a esquecê-lo.

Dessa maneira, podemos aplaudir um médico como A. Gigon, que escreveu em seus “Pensamentos sobre a nutrição do homem”: “não se deve ver jamais o processo da vida sob o ângulo energético... Quando se pensa que nos faltam albumina, gordura e carboidratos para se ter calorias, é como se dissesse que a atmosfera consiste em oxigênio, nitrogênio e gás carbônico... para que nos parecesse azul”.

Devemos compreender que efetivamente a caloria não tem nenhum significado real no interior do homem. Ela é válida, bem entendido, no domínio do reino inorgânico, mas no vivo são ação já se restringe.

A planta eleva as matérias da terra para fora do domínio das forças terrestres. Na planta agem forças que não emanam da terra, mas do cosmos, da periferia. Somente quando a planta morre é que predominam as forças terrestres sobre as outras que tinham chamado a matéria à vida.

Nesse sentido pode-se realmente falar das plantas, como de “força solar condensada”, de força etérea condensada. Tanto quanto a luz solar a irradia, a planta engendra seu corpo etéreo. A planta terá então uma qualidade particular durante o dia e outra qualidade durante a noite. Quando colhemos uma planta, ela traz consigo os efeitos das forças cósmicas, tanto mais intensamente quanto mais fresca ela é, e muito menos se a colhemos à noite, quando ela é privada da luz solar.

Para que surgisse sobre a terra a matéria animal, a confluência dessas duas espécies de forças não foi suficiente. Foi necessária uma terceira, extraterrestre, superior às duas outras. Ela é cósmica, mas não se irradia do cosmos, mas sim “interioriza” o cosmos. Rudolf Steiner denominou-a de “astral”, o que significa que ela é de natureza cósmica, mas não engendra a vida. Ela engendra a sensibilidade. Ela nasce da “matéria sensciente”. Sua expressão física é o sistema nervoso.

É por esse razão que o corpo animal não é preenchido somente de forças vitais; ele as perde na medida em que nasce a matéria sensciente. Mas isso é verdadeiro apenas quando o animal se encontra em estado vigília: quando dorme, predominam as forças vitais.

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77 “Nos três organismos (físico, etéreo, astral) a substância física penetra de fora. Cada qual deve, a sua maneira, vencer a natureza própria daquilo que é físico”. É o que se passa na nutrição, graças à digestão, nos processos já abordados em nosso esboço de fisiologia da digestão. Esses processos são dinâmicos e, por esta razão, só são compreensíveis por uma dietética dinâmica.

O homem não pode, como a planta, receber forças luminosas cósmicas em sua natureza irradiante: é obrigado a interiorizar essa luz, a transformá-la em forças anímica, ou seja, em força de consciência.

Mas ele tem ainda necessita de uma força mais elevada, que ele organiza em si, e que se opõe à animalização. Ela transforma então, por sua vez, a “matéria sensciente”. Esta se torna portadora do “espírito consciente de si mesmo”, ou seja, da organização do Eu, “até nas mais íntimas partes de sua substância”. O órgão que se torna a expressão corporal dessa organização do Eu é o sangue.

Em sua conferência de 17 de dezembro de 1902, Rudolf Steiner expôs longamente essas correlações, sobretudo do ponto de vista do corpo astral humano. Nós devemos vencer continuamente o processo de tornar-se vegetal, senão não teríamos a consciência de vigília. Esse corpo astral, justamente porque se opõe às ações luminosas exteriores, é ele mesmo aparentado com a luz. Para os que podem observá-lo com a ajuda de uma consciência clarividente, ele é uma “luz interior, uma luz de natureza espiritual”, ou seja, um corpo espiritual de luz, em oposição à luz que ilumina do exterior. Enquanto a luz irradiante, cósmica, tem a tarefa de estimular o corpo etéreo a edificar o organismo vegetal a partir de matérias inorgânicas (graças à assimilação de clorofila que transforma o ácido carbônico e a água em amido e açúcar), a luz interior, o corpo astral, inaugura os processos de destruição que tornam possível nossa vida anímica. É nesse sentido que o homem e o animal prolongam o tornar-se vegetal. Enquanto o corpo astral repele assim a luz exterior, ele cria não somente a luz interior da atividade anímica, mas ainda um órgão por meio do qual pode realizar seu trabalho no corpo físico: o sistema nervoso. E, “sob certos aspectos, é novamente o elemento espiritual da luz que trabalha em nós, na edificação do sistema nervoso”.

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78 Esse sistema nervoso é continuamente atravessado por fenômenos de desagregação. Repelindo a luz, cede lugar ao desenvolvimento anímico e espiritual. É por essa razão que a atividade consciente (intelectual) não é ligada a um a intensificação do metabolismo.

Dessa maneira, a planta adquire assim uma relação particular com a alimentação do homem. Com os alimentos de origem vegetal tomamos diretamente em nós forças luminosas. Nesse sentido isso é uma “alimentação dos nervos”. Porém isso é verdadeiro sobretudo para a planta verde. Enquanto nosso corpo astral desagrega, destrói essa luz solar condensada, despertamos em nós as forças que nutrem, formam e conservam nosso sistema nervoso.

Por outro lado, se ingerimos alimentos de origem animal, estes são, na verdade, mais próximos de nós (o animal traz em si um sistema nervoso que é feito de luz condensada), mas o importante é que o animal já realizou esse processo, já utilizou o corpo de luz do vegetal para a edificação de seus órgãos nervosos. Assim, o homem toma para si, com os alimentos cárneos, algo que já desenvolveu em si forças astrais. A carne pode ser mais fácil de digerir, mas, na realidade, “o homem deve vencer então o que resultou do trabalho do corpo astral animal”, lidando com as diversas astralidades das espécies animais. Isto repercute necessariamente sobre seu próprio corpo astral, ou seja, sobre seu sistema nervoso, mas de uma maneira bem específica, incômoda, inibidora. Rudolf Steiner acentuou que se deve levar esse fato em consideração para explicar como o sistema nervoso é a fonte de numerosas doenças. Isso nos conduz a uma justificação do vegetarianismo: ele é particularmente importante em todos os casos de degeneração do sistema nervoso. Este assunto será abordado mais adiante (capítulo IX).

Já se tinha conhecimento instintivo desses fatos em épocas muito antigas. Dizia-se: “o homem é feito de luz” porque se podia perceber o seu corpo etéreo. Quando este fenecia um pouco, via-se um sintoma de doença que se estendia até a face: a cor encarnada. Sabia-se então da enorme influência da luz sobre a saúde humana. E via-se nas diferentes plantas, pela maneira como tratavam a luz, suas virtudes curativas.

Esta luz que nós modernos apreciamos tanto, não era preciosa aos olhos dos antigos. Pelo contrário, eles apreciavam plenamente a luz proveniente

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79 das plantas. Sentiam-se atraídos por esta ou aquela planta, pois dela tinham necessidade, como medicamento ou como simples alimento. Quando erravam pelas florestas ou pradarias, sentiam-se estimulados, vivificados. Era um efeito imediato da força etérea luminosa do mundo vegetal. “Mas atualmente temos necessidade de reconhecer de uma maneira nova o que é a luz”, e de compreender de que tipo são as forças solares cósmicas que ela obtém para a alimentação e a cura do homem.

A ciência espiritual admite assim, plenamente, a relação do mundo vegetal com as forças do sol. Mas não deveríamos persistir muito tempo no erro de ver nessa força solar condensada apenas a energia no sentido dos físicos, e de querer medi-la em calorias. É preciso que ampliemos nossos conhecimentos a respeito do sol, e que deixemos de ver nele apenas uma fonte de energia atômica, e que aprendamos a considerá-lo por seu lado interno, assim como o corpo astral humano, pois ambos são fontes de forças luminosas interiorizadas, isto é, espirituais.

Tudo isso pode parecer absurdo ou mesmo extravagante a quem foi educado nos hábitos de pensar da ciência atual. Tal concepção, na realidade, é proveniente de uma observação espiritual tão exata quanto a dos cientistas. Para a compreensão geral do processo nutricional, para todas as perguntas que surgem a seu respeito no dia a dia, e mesmo para uma verdadeira solução do problema da fome do mundo, a tentativa da criação de uma dietética “dinâmica” pode ter uma importância decisiva.

Reconheçamos também que as qualidades dos alimentos devem ser compreendidas de toda outra maneira que abra caminhos concretos. O essencial, entretanto, é liberar o homem de seus entraves: “o homem interno” não é um continuador das leis da natureza, ou seja, da lei da entropia; nele a lei da conservação da energia não é absolutamente válida. Pois, “é permitido à natureza de ser natureza fora da pele do homem, mas no interior dessa pele, o natural é o que se opõe à natureza”.

Quando Rudolf Steiner teve ocasião de falar, pela primeira vez, sobre medicina, perante uma platéia de médicos, ressaltou que o maior obstáculo a uma compreensão exata da ação das substâncias (principalmente medicinais) no corpo humano é a pretensa lei da conservação da energia. Pois, “ela estaria em contradição absoluta com o processo de evolução da humanidade”. E acrescentou: “O processo da nutrição e da digestão não é,

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80 de modo algum, o que parece ser para a mentalidade materialista”. A realidade aqui só pode ser observada espiritualmente.

Na conferência médica acima mencionada, ele parte do carbono que ingerimos com todos os nossos alimentos, sobretudo se são vegetais. Ele determina o que o carbono começa a ser. Há em nosso organismo a possibilidade “de aniquilar o carbono extra-humano, graças ao pólo inferior, de fazê-lo desaparecer no espaço e, em seguida, de criá-lo novamente, no estado original, por uma reação”. Ocorre então a “morte e ressurreição” desta matéria. Mas algo mais ocorre ali, ou seja, um processo de gênese de luz no interior do homem.

As altas qualidades como luz e calor devem, elas também, ser submetidas a certo processo digestivo, ou seja, a uma morte seguida de uma ressurreição. A luz interior tem, na realidade, apenas o papel de um estimulante para a gênese de uma luz interior. Esta gênese, que é um processo espiritual, (o corpo astral é um corpo de luz espiritual) é desencadeada pela luz de fora. Rudolf Steiner, entretanto, afirma expressamente que “esses dois processos são separados pela superfície (pele) de nosso corpo e não se unem”. Temos então em nós a nossa própria luz e se perguntarmos qual é o órgão encarregado desse processo, retornaremos ao rim, conforme o que já foi exposto. Os fenômenos de eliminação urinária são, neste sentido, o lado exterior dessa “luminosidade renal”, bem conhecida pelos homens de outrora, dotados de clarividência instintiva. O homem traz então em si a fonte de um fenômeno extraterrestre. Pode-se dizer o mesmo das forças que se manifestam em seu quimismo. O fígado, esse “quimicador” é, ele também, uma fonte interiorizada de forças extraterrestres. Todas as atividades químicas das substâncias terrestres têm igualmente sua origem nos domínios cósmicos. O mesmo ocorre com o rim e a luz. Mas, na realidade, nós trabalhamos com essas forças internas contra as forças cósmicas, emancipando-nos não somente da natureza, mas também do cosmos. Nós nos individualizamos, no sentido cósmico. Dessa maneira, chegamos a um equilíbrio mais elevado face a esses domínios extra-humanos. Graças a nosso Eu, adquirimos uma nova harmonia com o mundo. Nós nos afirmamos como homens livres até em nossos processos fisiológicos, sobre uma terra que vive num acordo superior com o universo. Um dos meios pelos quais

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81 alcançamos isto é o ritmo, que atualmente é de uma importância primordial na alimentação.

Não foi por acaso que Goethe disse: “O ritmo tem algo de enfeitiçador, é necessário até mesmo crer que o sublime nos pertence”. Esta frase exprime uma profunda intuição espiritual. Pelo ritmo, a substância desaparece, de certo modo, nos processos. “O organismo é uma correlação de atividades. Só o ser reside naquilo que ele faz e não em sua substância. O organismo não é um conjunto de substâncias, mas de atividades”. Essas palavras de Rudolf Steiner podem ser colocadas como a base de um tratado de alimentação dinâmica. Somente quando percebermos todo seu sentido é que seremos capazes de sobrepujar o materialismo, nesse domínio.

Colocamos aqui novamente a nossa pergunta: “Porque se alimentar?” Vemos claramente que se trata de atividades. Desde que nos chegam, os alimentos são tomados por uma corrente de atividades dinâmicas que se opõem mesmo às coisas que foram criadas por um dinamismo análogo, nos seres vivos. O objetivo é de fazer regredir tudo que as fixou numa forma e de dissolver a coesão das substâncias. Assim fazendo, libertamos forças que se teriam concentrado na matéria. Levamos esse processo quase à volatilização, à caotização. Obrigamos a substância a voltar ao passado, a sua origem cósmica.

É necessário lembrarmos aqui que a matéria de nossos alimentos, chegada a um estado de “densidade grosseira”, foi originalmente uma substância tênue, sutil, uma configuração de forças completamente imaterial; isto significa que há uma forma de ser que é supra-sensível, à base de cada alimento. Por outro lado, no processo digestivo o alimento é, de certo modo, levado a essa forma de ser; ocorre como que um “processo de memória” que ressuscita o passado cósmico. Na realidade, o estado grosseiramente material de nossos alimentos é uma espécie de fase transitória, uma densificação momentânea. O que nos alimenta é, aparentemente, apenas a substância grosseira. Esta substância abandonou sua forma original e tomou essa forma ilusória a fim de servir, dessa maneira, à evolução humana sobre a terra.

Em “Surgimento das Ciências Naturais” (9ª. conferência, 6 de janeiro de 1923), Rudolf Steiner disse que os estados originais da matéria, são

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82 conservados em nosso organismo inferior, no nosso metabolismo, “Aí podemos encontrar até o estado do antigo Saturno”.

E o que faz o homem, em sua nutrição, desses estados originais? Tentamos demonstrar claramente que nesse momento o Eu humano pode intervir e impregnar a substância, pouco a pouco, com seus próprios constituintes. Graças à dinâmica do coração e do pulmão, graças aos processos renais e hepáticos, a substância sofre uma nova densificação e chega a uma nova forma. Esta se encontra na cabeça, ou seja, no pólo oposto ao metabolismo. Essa corrente volta à imobilidade na esfera neuro-sensorial, morrendo novamente. Adotou uma nova forma, a da organização do Eu.

Segundo esses pontos de vista, o que encerra a cabeça? Uma materialidade terrestre, re-condensada, depositada, eliminada pelo fluxo dinâmico do metabolismo.

Dado que o cérebro é o órgão central do sistema neuro-sensorial, sabemos agora que toda a substância atual deste cérebro é uma espécie de secreção do metabolismo. Seguimos aqui, fielmente, as exposições do Curso Agrícola. Ali Rudolf Steiner explicou aí que a matéria do sistema neuro-sensorial humano que resulta do processo nutricional, é a matéria mais evoluída que se possa encontrar sobre a terra. Nem o reino animal, nem o reino vegetal, podem possuí-la, pois eles não têm a organização do Eu.

Mas esse processo de eliminação para o alto, para a cabeça, já começa no intestino, e devemos ver seu semelhante na excreção intestinal. Naquela oportunidade Rudolf Steiner falou de uma espécie de “parentesco” que, certamente, pode nos parecer paradoxal face às nossas atuais capacidades de compreensão. Esse paralelismo ainda era bem natural, por exemplo, para Paracelso. Se nos perguntarmos: “O que é a matéria cerebral?”, poderemos apenas responder: “Matéria fecal chegada a seu termo”. Uma excreção em direção ao alto. Isto torna compreensível que essas matérias tenham necessidade de permanecer bastante tempo no intestino grosso e que aí surjam, novamente, processos conscientes.

Agora talvez vejamos melhor “para o que serve a nossa alimentação”. A princípio, para formar o “substrato do Eu”, secretando-se o cérebro. Por isso o cérebro humano é muito mais perfeito e mais volumoso

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83 relativamente ao corpo. É igualmente o mais individualizado. “Não há dois cérebros iguais”, declara o neurologista A.F.Marfeld, especialista em cérebro. Mas é claro também que nossa nutrição deva se acomodar a lei materiais, terrestres; é justamente por isso que toda a ciência da alimentação tornou-se tão exclusivamente materialista.

Se essa é a origem da substância cerebral, como explicar o extraordinário poder plástico desse órgão, cuja diferenciação sobrepuja de longe tudo que se possa conhecer da vida orgânica? É porque além da substância também existem forças.

Ressaltamos que essa substância é bem peculiar: ela é extraordinariamente frágil, mais efêmera do que qualquer outra. Aqui novamente a fisiologia moderna chegou a resultados importantes; por exemplo, ela pôde estabelecer que a substância das células ditas ganglionares, que são os verdadeiros elementos dos nervos, se renovam a cada nove horas, pois neste lapso de tempo elas esgotam toda a sua força vital. Essa matéria cerebral está então desde seu início, tomada pelas forças da morte. Em seguida, pela influência do astral e do Eu, ela se desvitaliza completamente,

As forças formativas que foram retiradas tão cedo das células nervosas (desde a primeira infância elas não são mais aptas a se reproduzirem) podem, estando liberadas do organismo físico (portanto, da matéria cerebral), orientar-se para um tarefa mais elevada: a atividade anímico-espiritual.

Mas a necessidade de renovar constantemente a substância cerebral exige que haja nesse órgão um metabolismo extraordinariamente intenso. Este deve ser sustentado por nossa alimentação. É por essa razão que devemos nos alimentar muitas vezes ao dia. Existem casos excepcionais de jejum prolongado, e a isto voltaremos adiante.

O cérebro compreende, na realidade, apenas uma pequena porção de substância nervosa. As fibras nervosas, ou seja, a substância branca é menos abundante nesse órgão do que as células que são dotadas de metabolismo. Se as células ganglionares, nas quais terminam os nervos, pertencem acima de tudo à atividade nervosa, os outras dedicam-se visivelmente ao metabolismo cerebral. Essas últimas (em número de 100 bilhões) conservam ainda a faculdade da mitose. Sua aglomeração é

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84 chamada de “substância cinzenta”. No animal elas são relativamente menos abundantes do que no homem.

Rudolf Steiner explicou que a substância cinzenta “serve essencialmente para a nutrição do cérebro”... enquanto a “substância branca é essencialmente a substância pensante”. Esse ponto de vista é importante no que concerne à questão da alimentação do cérebro que merece uma atenção toda particular. Nós lhe consagraremos então uma exposição detalhada.

No momento continuaremos antes a seguir o fio que nos conduzirá pouco a pouco a responder às questões fundamentais.

A QUESTÃO FUNDAMENTAL DA ALIMENTAÇÃO: A CORRENTE TERRESTRE E A CORRENTE CÓSMICA

Como já explicamos, a matéria praticamente desprovida de forças vitais que se deposita no cérebro e que deve ser constantemente substituída pela substância nova, é manifestamente tomada por outras forças formativas que são obrigadas a agir também constantemente para evitar ao sistema nervoso o perpétuo perigo de um colapso. Forças “modeladoras” devem amparar-se do produto final do metabolismo terrestre. Rudolf Steiner assinalou essa corrente de forças por numerosas vezes, sobretudo durante os últimos anos da sua atividade terrestre.

E provavelmente não é por acaso que ele se exprimiu pela primeira vez a esse respeito na Inglaterra, ou seja, no Oeste onde a terra é particularmente acessível às forças “modeladoras”. – Nas conferências que ele fez, de 19 a 31 de agosto de 1923 em Penmaenmawr, Inglaterra, o local sagrado de um antigo colégio dos druidas. Este local deu-lhe manifestamente a possibilidade de revelar de uma maneira toda especial, os mistérios do homem e do cosmos.

Os três sistemas ou ”membros” da fisiologia humana (não são partes!) não são separados uns dos outros: o metabolismo encontra-se em toda parte, mesmo no cérebro, como já vimos. Contudo, o caráter típico do

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85 organismo metabólico propriamente dito é encontrado nos órgãos digestivos, o “pólo inferior”.

O mesmo ocorre para o organismo neuro-sensorial. Mas o cérebro jamais poderia se formar em outro local senão na cabeça, o pólo neuro-sensorial.

MATERIALIDADE E AÇÃO DE FORÇAS

Em cada um dos três sistemas temos que distinguir a substância e a atividade (as forças). “Na realidade, a substância e a atividade não são mais que unas; agem, entretanto, de maneiras diferentes em direção do mundo”. Esta frase poderia parecer confirmar a proposição de Buechner, já citada: “A matéria e a energia são, no fundo, a mesma coisa, consideradas somente sob pontos de vista diferentes”. Mas Buechner via a energia apenas sobre a base de uma matéria organizada que existia muito antes do espírito, enquanto que a investigação espiritual moderna fornece o resultado contrário: “Tudo é proveniente do espírito”. A matéria ou substância representa uma condensação da energia e, como já vimos, uma condensação momentânea.

Tomemos a princípio, a cabeça humana. Devemos reconhecer que sua substância formou-se à custa do mundo físico. Essa formação começa no início da vida embrionária, época em que a cabeça (o cérebro) se desenvolve com predominância. Ela está muito adiantada em relação aos membros e aos órgãos metabólicos. É neste momento que intervém claramente outra atividade, que a modela e forma; uma força “modeladora” age sobre a corrente das substâncias corporais. Ora, essa atividade não é terrestre, é cósmica. A matéria da cabeça é proveniente da terra, mas jamais forças terrestres lhe poderiam dar sua forma. Esta forma da cabeça, bem entendido, é a do cérebro e é, na verdade, uma “criação celeste”.

A extrema complexidade do cérebro humano, que o torna inexplicável para a ciência moderna, sua inacreditável diferenciação, não pode efetivamente, ter sido proveniente das leis terrestres. Pode até mesmo parecer absurdo do ponto de vista das forças terrestres.

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86 O sistema neuro-sensorial do homem representa então uma colaboração das substâncias terrestres com as forças cósmicas.

Inversamente, observamos o modo como forças absolutamente terrestres atuam no domínio do metabolismo e dos membros. Se nós não estivéssemos submissos aí à lei da gravidade, não poderíamos nos encarnar como homens terrestres. Nosso Eu utiliza constantemente seu predomínio contra nosso próprio peso terrestre. “As forças e as atividades são levadas pelo metabolismo e pelos membros, ao mundo físico”. Mesmo os processos químicos da digestão são, a princípio, determinados por uma atividade terrestre.

Mas qual é a base substancial desse sistema (metabolismo e membros)? Os riscos de erro aqui são muito grandes. O conceito atual de “balanço da substância” não tem nada a ver com a realidade. É preciso voltar-se para outra coisa.

Consideremos que em nosso cérebro nós nos tornamos “um outro”, pelo menos duas vezes em 24 horas: renovamos inteiramente nossa substância, mantendo plenamente nossa individualidade. Ainda que não se trate de uma troca de substâncias terrestres, não é possível nos representarmos realmente tais eventos, pois nossa consciência de vigília fundamenta-se na estabilidade de nossa existência corporal. Se a construíssemos sobre uma ilusão, não seríamos de modo algum conscientes. Nossa existência metabólica (e nossos membros) parece basear-se sobre uma estabilidade terrestre do mesmo gênero. Mas a ciência espiritual chega a outros resultados. Ela diz o contrário: “Os membros do homem e seu sistema digestivo são constituídos unicamente de substância celeste”. O que quer dizer isso?

Quando o organismo humano realiza esta “eterização” da substância nutritiva, ele a faz de diversas maneiras, segundo a natureza dos alimentos. “O homem não é um confluente qualquer de reações químicas”. Ele deve transformar:

- tudo que é material em “éter de calor”;

- Tudo que é vegetal em “forma aérea”;

- Tudo que é animal em “forma aquosa”.

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87 Rudolf Steiner explicou concretamente essas leis em sua conferência de 10 de novembros de 1923, repetindo ainda que não e tratava de prolongamentos de processos físico-químicos no homem, “pois no interior tudo é diferente do exterior”. O sal (mas também o açúcar, que se aproxima do mineral) “deve adotar a forma de éter de calor antes de poder ser utilizado pelo organismo humano”...

No que concerne ao alimento de origem vegetal, a digestão humana lhe dá a possibilidade de “retornar não somente às profundezas luminosas, mas também às profundezas espirituais do cosmos”. Veremos adiante que isto tem um sentido concreto, não apenas para o homem, mas também para a planta. E com sua nutrição de origem animal o homem deve realizar processos análogos no domínio do líquido (éter químico). Se não é suficientemente capaz, adoece. Rudolf Steiner mostrou, de passagem, como o diabetes surgia num ser humano que não está em condições de reconduzir o açúcar “ao estado volátil de éter de calor”.

Antes de poder utilizá-lo em si o homem deve então subtrair a substância nutritiva à lei da conservação de energia. Rudolf Steiner afirma expressamente: “Isso concerne não somente às substâncias, mas também às forças”. Em outras palavras, o homem se nutre de um modo não terrestre, mas cósmico, etéreo.

Em seguida ele deve dar um segundo passo, que é de recondensar este alimento cósmico-etéreo, de reconstruí-lo em albumina, carboidratos, gorduras, etc. Nós expusemos anteriormente que aí se trata de um fenômeno paralelo à excreção. Ele representa, em realidade, a formação de substância neuro-sensorial e cerebral.

ORIGEM E OBJETIVO DA ALIMENTAÇÃO. NUTRIÇÃO TERRESTRE E CÓSMICA

Toda nossa alimentação não é proveniente de uma forma mais antiga em que o alimento permanecia mais sutil e mais etéreo, e em que o próprio homem ainda não tinha descido tão profundamente na solidificação terrestre? A ciência espiritual fala de uma ”atmosfera albuminóide

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88 original”, na qual os seres vivos viviam em algo como um líquido nutriente dotado de vida.

Rudolf Steiner expôs, por exemplo, que o leite materno atual era outrora fornecido aos seres humanos pela atmosfera. “Durante toda a sua vida o homem tinha apenas como alimento uma espécie de leite”. Havia, naquelas primeiras épocas da Lemúria, “um fino mingau lácteo no qual se vivia. Aspirava-se o leite circundante”. Esse “antigo leite ainda era cósmico e não é por acaso que a mitologia fala de uma região paradisíaca onde, nos velhos tempos, “corriam o leite e o mel”.

As plantas que ainda hoje secretam o “látex”, são, nesse sentido, os vestígios de vegetais muito mais antigos. E o leite atual, este alimento vivo que pode se transmitir diretamente de um organismo a outro, nos beneficia de outra alimentação feita de matéria sutil, etérea. Rudolf Steiner disse que a alimentação láctea é uma transição para a forma terrestre de alimentação. Por esse motivo ele é o primeiro alimento do recém-nascido. Ele forma uma ponte entre a alimentação cósmica e a alimentação terrestre.

Agora talvez compreendamos melhor o seguinte: segundo a ciência espiritual, ao lado de nossa alimentação grosseiramente material, beneficiamo-nos de uma alimentação feita de matéria etérea, sutil. Rudolf Steiner disse pela primeira vez nas conferências de Penmaenmawr: o sistema do metabolismo e dos membros não é feito de substâncias terrestres: “Por mais inacreditável que isso possa parecer, tendes em vosso sistema de trocas e dos membros algo que não é proveniente da terra, mas de substância existente no mundo espiritual”. O que Rudolf Steiner queria dizer com isso? Para explicá-lo apelaremos para toda uma série de outras exposições do investigador espiritual. Mencionaremos, a princípio, a conferência de 9 de fevereiro de 1924. Ali ele mostra que todos os seres vivos, e mesmo a terra, são percorridos por uma dupla corrente de substância. As plantas e os animais, sobretudo os animais inferiores marinhos, recebem sua nutrição daquilo que os rodeia. E a própria terra se nutre de matérias sutis que estão espalhadas por toda parte no universo. A terra recebe continuamente “alimentos do espaço cósmico”.

Tais asserções foram inteiramente confirmadas pela ciência moderna. Fala-se de uma “radiação cósmica” que faz descer sobre a terra uma substância extremamente sutil. Em seu livro “A criação ainda não está

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89 terminada”, F.L.Boschke fala da “troca com o universo”, insistindo sobre o hidrogênio, o gás que é “o mais fracamente ligado à terra pela gravidade e que mais facilmente pode deixar seu campo gravitacional”. Ora, a “radiação cósmica” aqui mencionada consiste, num estado primário, em “núcleos de hidrogênio”. Aí colocam-se igualmente os pretensos “ventos solares”, assunto da atualidade devido às pesquisas dos astronautas na lua. Boschke descreve: “A terra não recebe desses ventos solares menos de 1,6 toneladas de matéria por segundo. Trata-se de partículas provenientes do sol, de núcleos de átomos de hidrogênio”.

Rudolf Steiner fez para os trabalhadores do Goetheanum toda uma conferência: “Sobre a essência do hidrogênio”. Ressaltou o estreito parentesco desse elemento com o fósforo que está espalhado “em toda a periferia do mundo”, mas que também desempenha um importante papel nos seres vivos terrestres. Ele é parente próximo do calor e faz parte dos constituintes da albumina. Por outro lado, ele tem relações com o nosso sistema cardíaco: “O homem, por meio do seu sistema cardíaco, prepara o hidrogênio, que em seguida será o substrato de seu aparelho pensante”. Aprendemos também, nessa conferência, que nós absorvemos fósforo e hidrogênio provenientes de todo nosso ambiente, por intermédio de nossos cabelos e de nossa pele. O fósforo vivifica o homem, e também todos os seres vivos, e no cérebro é “uma substância mediadora do pensamento”.

Vê-se então que o hidrogênio é uma das substâncias que se move entre a terra e o cosmos e que desempenha um papel importante na “nutrição cósmica”. É, de certo modo, uma respiração refinada que se faz não somente através de toda a pele, mas também pelos órgãos dos sentidos: “Nós absorvemos ferro, continuamente, por nossos ouvidos... Por nossos olhos aspiramos luz, mas também substâncias” e “pelo nariz tomamos um enorme número de substâncias sem o perceber”. Antes, numa conferência destinada aos médicos, em 31de dezembro de 1923, Rudolf Steiner insistiu sobre esse lado da nutrição. Após ter dito que o metabolismo ordinário fornece apenas as “pedras da construção” do sistema nervoso, ele acrescentou que pela atividade neuro-sensorial, em colaboração com a respiração, “substâncias, no estado de partículas extremamente finas, são retiradas do ambiente cósmico e em seguida elaboradas por esse sistema neuro-sensorial e incorporadas em todo o organismo”, onde elas substituem tudo que desapareceu. Ele ainda acentua aqui a importância da orelha como

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90 órgão de absorção. Enfim, na conferência de 7 de janeiro de 1924, encontramos: “No espaço do mundo, todas as substâncias estão num estado de diluição muito rarefeita, principalmente o ferro. O homem o respira, mas ele o absorve também pelos olhos e orelhas”. Segue-se este dado importante: sobre a terra o homem é obrigado a absorver o alimento na medida em realiza “funções terrestres”, caso contrário não teria absolutamente necessidade alguma de comer, pois poderia receber tudo do espaço universal. Mas, dado que devemos “trabalhar” com nosso corpo, temos necessidade de ser sustentados comendo, no sentido grosseiramente material.

A ciência atual sabe perfeitamente que uma grande quantidade de substâncias irradia-se do universo e penetra em nossa atmosfera. Nitrogênio, carbono e hidrogênio fazem parte da “irradiação cósmica” (Boschke): “Além disso, quantidades muito pequenas de outros elementos químicos, ferro, níquel, lítio, berilo, boro, etc. chegam à terra. Assim esta capta átomos de numerosos elementos que nós identificamos pela análise da luz estelar”. É assim que com a neve cai sobre a terra um “material cósmico” contendo ferro, cobalto e níquel: é o mesmo com a queda de meteoros. Segundo Boschke, há, por exemplo, 14,3 milionésimos de grama de níquel em 1000 cm3 de ar. Isto equivale a uma precipitação anual de 5 milhões de toneladas, de origem cósmica. É, segundo o autor, “uma contínua chuva de metal pulverizado”. É muito plausível que essa chuva metálica seja absorvida não somente pela terra, mas ainda pelos seres vivos terrestres e pelo homem. Em outras palavras, ocorre continuamente uma “nutrição cósmica”.

A nutrição corriqueiramente material é necessária para a existência terrestre. Pela resistência que ela deve vencer desse lado, o homem fortifica-se particularmente como alma e espírito, sob a condição de que esse combate chegue à eterização da substância. É por isso que ele se torna uma individualidade fisiológica.

A corrente material que ele re-materializa entra em seguida entra no sistema neuro-sensorial que é então construído com matéria terrestre. Ele faz assim do seu cérebro o principal instrumento da consciência. Por isso pode-se dizer que a nutrição terrestre é, antes de tudo, substancialmente a do cérebro.

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91 Para vencer a natureza terrestre dos diversos alimentos o homem deve desdobrar certas forças antagônicas que ele mobiliza – mas nem sempre é capaz de fazê-lo. São essas forças de nossos alimentos terrestres que fortificam nossos membros, que nos tornam capazes de trabalhar e que impregnam nosso sistema metabólico de peso, de força terrestre. Ou seja, nossa nutrição terrestre estimula por meio de substâncias a formação de nossa consciência, e por meio de forças, de energias, nosso sistema de trocas e dos membros. Ambos são constantemente esgotados e devem ser regenerados pela alimentação de cada dia. É esse “aporte energético” que conduziu às medidas quantitativas feitas sob forma de calorias. Porém, as deduções tiradas daí são falsas.

A essa corrente terrestre de substância corresponde uma corrente cósmica. A recepção é assegurada pela pele e pelos órgãos dos sentidos, assim como pelo aparelho respiratório. Ora, é necessário que a alimentação terrestre os regenere sem cessar, para que eles possam captar a corrente cósmica. A substância nervosa degrada-se sem cessar e deve ser substituída.

Pelo seu lado, a alimentação cósmica condensa-se e torna-se substância no sistema metabólico-mêmbrico. Ela também tem necessidade de uma condensação terrestre. Mas a organização anímico-espiritual do homem pode dirigir-se diretamente à forma etérea dessa corrente e imprimir-lhe seu caráter individual, pois também essa substância precisa ser personalizada.

O pólo superior, ou seja, a respiração e os órgãos neuro-sensoriais são de uma natureza diferente do pólo inferior, que compreende a circulação, o metabolismo e os membros. Os dois organismos encontram-se e se interpenetram no coração, mediador entre o superior e o inferior. A respiração e a circulação formam no homem um sistema mediano e rítmico, onde “confluem a atividade espiritual e a substancialidade física. Aí, tudo conflui: a substancialidade e a atividade celestes, a atividade e a substancialidade terrestres”.

Tal quadro é inegavelmente, muito diferente de nossas concepções científicas correntes e da imagem popular moderna. Mas os resultados da experiência não contradizem esses resultados da investigação espiritual. Também aqui a investigação oferecida pela ciência espiritual consiste em

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92 liberar o espírito humano de suas representações exclusivamente materialistas.

Numa de suas últimas conferências, Rudolf Steiner abordou novamente a questão da nutrição terrestre e da nutrição cósmica. Declarou que da absorção do alimento cósmico pela respiração, aspiramos “não somente matéria, mas ainda forças anímicas”. Até mesmo nas mais finas partículas de matéria que respiramos, “tudo vive, tudo é repleto de alma”. Não se trata unicamente das substâncias minerais das quais fala a ciência oficial, mas de portadores de forças vitais e de uma força objetiva que podemos denominar como a astralidade cósmica.

Sabe-se hoje em dia, que mesmo com nossa alimentação terrestre absorvemos forças dessa natureza. Elas se exprimem em certas propriedades perceptíveis dos alimentos e constituem sua qualidade.

Sabe-se, por exemplo, que os músculos dos animais de abatedouro modificam-se em sua constituição química quando estão nervosos e aterrorizados. M.Pyke escreve que “isso não diminui diretamente o valor nutritivo da carne”, mas que “sua qualidade alimentar é apesar de tudo diminuída”. Esse autor mostra igualmente que “o estado fisiológico de um animal influencia nitidamente seu sabor e o odor da sua carne”. Mas o que ele tem realmente em vista são os diversos estados da alma animal, tal como, por exemplo, a excitação genética*.

*É por isso que os músculos e a gordura dos javalis adultos, em época de cio, exalam um odor repulsivo. A concentração desses princípios odoríficos manifesta-se muito forte e por isso sua carne não é comestível.

Trataremos agora da gênese dos aromas e dos sabores, de um fenômeno de larga influência, muito importante para o lado prático da dietética: a questão dos aromas e dos sabores.

Antes de tratar disso, faremos ainda duas pequenas explanações complementares que mostram como, para Rudolf Steiner, todos esses

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93 conhecimentos, aparentemente muito distantes da prática, conduzem a situações humanas bem concretas.

Numa consulta pedagógica, discutia-se a respeito de uma criança extremamente destituída de apetite, ainda que fosse robusta no que concerne aos membros. “Esse apetite deficiente”, disse Rudolf Steiner, “causa mal à nutrição da cabeça e do sistema neuro-sensorial e, dessa maneira, esta organização tornou-se fraca, o que cede lugar a certas perturbações anímicas. Em compensação, o organismo dos membros é forte, dado que não é construído com alimentos no que concerne à substância, mas edificado a partir do cosmos, a partir da respiração e da atividade dos sentidos”. Rudolf Steiner deu para essa criança conselhos terapêuticos que levavam isso em conta.

Para terminar, gostaríamos de retornar um instante ao Curso Agrícola de Rudolf Steiner. Ali o seu propósito era justamente desenvolver certa compreensão dos processos nutritivos, a fim de que pudessem mostrar-se fecundos na prática de todos os dias. Por isso ele acentuava muito que toda substância espiritual – portanto, também etérea – deveria ter portadores físicos sobre a terra. Os materialistas “consideram apenas os portadores físicos, esquecendo-se do espiritual”. Isto é muito grave no que se refere à alimentação. Nesse curso ele qualificou a distinção entre alimentação terrestre e alimentação cósmica como “noção extremamente importante para a alimentação”. A esse respeito fez ressaltar, no que concerne a nossa alimentação, que é muito importante que possamos acolher em nós, junto com os alimentos, “forças verdadeiramente vivas”. É dessas forças que temos necessidade para nossa atividade quotidiana, para nosso trabalho. Quanto à matéria corporal propriamente dita, acrescentou, nós a absorvemos “de uma maneira contínua, em doses extremamente sutis” e a condensamos em nosso organismo. Nós a tornamos tão fortemente sólida que a encontramos nas unhas, cabelos, etc., a ponto de sermos obrigados a cortá-los. E “é extremamente errado acreditar que os alimentos ingeridos atravessam o corpo, terminando por penetrar nas unhas e películas”. A verdade é esta: “respiração é sutil absorção pelos órgãos dos sentidos, depois travessia pelo organismo e eliminação”. As forças que acolhemos em nós pela alimentação terrestre têm isto de importante, que “introduzem no corpo forças da vontade”.

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94 É sobre essa concepção da nutrição que Rudolf Steiner edificou sua nova doutrina da adubação, que é o fundamento do método biodinâmico de agricultura para os campos e hortas.

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CAPÍTULO IV

OS PROCESSOS DO OLFATO E DO PALADAR.

CONDIMENTOS E SUBSTÂNCIAS AROMÁTICAS.

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DADOS PRELIMINARES

Também aqui a pesquisa moderna obteve resultados cujo verdadeiro significado só se tornará evidente com o esclarecimento dado pela ciência espiritual. Mencionemos os desenvolvimentos recentes da ciência dos aromas e o dos órgãos sensoriais. Novamente nos surpreendemos com as descobertas que Rudolf Steiner, muito avançado para o seu tempo, fez nesse domínio, mediante a investigação espiritual moderna.

Trata-se aqui dos sentidos olfativo e gustativo. Vejamos esses dois processos, gêmeos de certa forma, seu desenvolvimento, sua formação, sua inserção no processo orgânico único e múltiplo. Por um lado, embora a pesquisa fisiológica tenha descrito minuciosamente inúmeros fatos, ela ainda é obrigada a confessar que “a maneira pela quais as substâncias odoríferas desencadeiam a função das células olfativas ainda é profundamente desconhecida”, e reconhece a mesma ignorância com relação ao sentido do paladar. Por outro lado, Rudolf Steiner declara: “O que se experimenta pelo paladar... são correspondências vivas entre o macrocosmos e o microcosmos”, cuja compreensão tornará possível “uma verdadeira higiene alimentar”. Temos necessidade dela, pois “a existência humana não é mais guiada pelo inconsciente, pelo instinto; é preciso substituí-los por uma comunhão consciente com o ambiente cósmico”. Tais palavras, pronunciadas há mais de 90 anos, mantêm uma extraordinária atualidade, pois a degradação dos instintos humanos acelerou-se enormemente.

A PERCEPÇÃO OLFATIVA – SIGNIFICADO DO AROMA

À percepção olfativa chega apenas uma substância em estado gaseiforme. Esta primeira proposição, por mais simples que pareça, implica em que as substâncias odoríferas receberam do “macrocosmos” a faculdade de deixar os estados sólidos e líquidos para passar ao estado gasoso. Por outro lado, o “microcosmos” deve formar um órgão particularmente sutil e diferenciado para poder perceber esse gás e receber estímulos internos. O processo do olfato serve-se então do ar, da atmosfera.

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96 Na alimentação chamaremos essas substâncias de “aromáticas” e consideraremos acima de tudo as que vêm das plantas, ainda que os aromas de origem animal também tenham importância.

Tomemos um exemplo: a tília, cujas flores difundem um perfume característico, bem conhecido, liberando, nessa ocasião, certas essências etéreas que são voláteis, mas também facilmente inflamáveis e que ardem com uma chama clara. São, portanto, ligadas à luz e ao calor; não têm, praticamente, nenhuma relação com o líquido, nem com o sólido. Certamente elas dissolvem as resinas, as ceras e as gorduras que lhes são aparentadas, mas nenhum sal. Elas escapam então às forças terrestres formativas e ao peso, para se envolverem com a leveza do ar e com as radiações cósmicas: luz e calor. Elas participam da propriedade que os gases têm de se interpenetrarem sem obstáculo e de poderem ser diluídas em proporções quase infinitas, constituindo assim um invólucro para o organismo terrestre. Este invólucro se prolonga nos seres vivos da terra, nas plantas, nos animais e nos homens. Na realidade, há, no homem interno, uma “esfera de aromas”.

A pesquisa científica moderna aproximou-se dessa “esfera de aromas”. O desenvolvimento da cromatografia dos gases contribuiu particularmente para o conhecimento das substâncias aromáticas. Foram classificadas em: sulfurosas, que estão entre as mais intensas; torrefeitas, que surgem da torração dos alimentos e principalmente da torrefação do café, etc. O café, por exemplo, contém mais de 300 substâncias odoríferas voláteis.

O objetivo confessado dessas pesquisas é de se chegar a imitar todos os aromas naturais por meio de misturas apropriadas. O estudo dos aromas das frutas já conduziu a visões profundas sobre sua origem natural. Muitos desses portadores de aromas são fases de degradação de certas substâncias metabólicas, ditas “precursoras de aromas”. A gênese dos aromas não parece assim repousar sobre sínteses, sobre anabolismo, mas sobre degradações análogas às fermentações. Na flor e no fruto não há uma continuação de processos propriamente vitais, mas sim uma intervenção de forças externas, tais como a luz e o calor. Essas forças que tocam a planta em flores, ou o fruto amadurecendo, são forças “astrais”. No animal e no homem elas agem de dentro e se manifestam como alma e espírito.

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97 Certo dia, Rudolf Steiner disse que a flor tende a se unir “à alma do raio solar”. Ora, o raio solar é penetrado dessas forças astrais que nós interiorizamos. “O espírito, a planta e o Sol agem em harmonia”. Mas essa atividade não tem tendências vitais, pelo contrário, a gênese dos portadores de aromas imita então, de certo modo, um processo que, interiorizado, leva à faculdade da consciência.

Por outro lado, as pesquisas científicas modernas estabeleceram que nenhum ser humano “se satisfaz, por muito tempo, com uma alimentação sem sabor nem odor”. E há uma questão aromática especial para cada gênero alimentício.

De outra parte, nas substâncias gasosas e no ar luminoso, chegam forças que elevam os corpos gasosos para fora do estado terrestre, e as colocam “sob a influência da entidade solar unificadora”. Em outros termos: na atmosfera, um elemento astral-espiritual “aproxima-se tanto quando possível do mundo material. A matéria torna-se, no perfume tão espiritual quanto possível”. Podemos então compreender que “é quando o espírito... desce mais profundamente no mundo físico é que nasce a percepção olfativa”.

A gênese dos aromas representa então um vai-e-vem entre as forças terrestres e extraterrestres. A planta que os produz é, neste momento, tomada por forças particulares, às quais responde segundo sua espécie: à maneira da tília, da violeta, da lavanda, da cebola, etc. Para a planta é um processo secretor, mas ao mesmo tempo, uma comunhão com o mundo ambiente. A planta é criadora no ato secretor, dado que ela se preenche de forças extraterrestres, as quais lhe conferem qualidades específicas.

É, portanto, uma ilusão acreditar que a planta é limitada por seus contornos físicos. Em realidade, uma rosa que nós podemos sentir de longe, estende-se por toda a atmosfera. Podemos sentir de muito longe o corpo de perfume da rosa, e nós o percebemos no nosso próprio “organismo aéreo”, ou seja, com nosso corpo astral, apesar da imperfeição de nossas faculdades olfativas.

Em uma conferência aos operários do Goetheanum, Rudolf Steiner descreveu a gênese do aroma das plantas. “As plantas farejam o espaço do mundo e elas se organizam, em conseqüência”. “Dessa maneira, a violeta percebe de uma maneira sutil o que emana de Mercúrio e forma então seu

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98 corpo de perfume, enquanto que a asa-fétida percebe muito finamente o que emana de Saturno e faz, sobre esse modelo, um corpo gasoso fétido. É assim que todo ser vegetal , quando se tora odorífero, “percebe os aromas que vêm dos planetas”.

Mesmo as plantas que nos pareçam inodoras têm, na realidade, um aroma que nos chega ao menos sob a forma de uma emanação refrescante. Dessa maneira, esse elemento nos comunica “aquilo que vem do Sol”.

Tais dados são muito importantes no que concerne à higiene alimentar: a emanação refrescante, o frescor, não são as qualidades mais procuradas, particularmente em relação aos legumes, folhas e raízes? Quanto mais uma planta desprender um odor “fresco”, e se torna aromática, mais ela entra em comunhão com o cosmos.

Essas qualidades aromáticas – a ciência moderna o confirma –, são as de que temos necessidade para nossa alimentação; elas são, em última análise, as que entretêm o verdadeiro processo digestivo e nutritivo.

Infelizmente nossa alimentação atual perde constantemente seus poderes aromáticos devido aos métodos agrícolas e aos processos de preparação. Compreende-se então porque Rudolf Steiner, ao fundar o método de agricultura biodinâmica, tornou possível a obtenção de gêneros alimentícios que sejam verdadeiramente portadores de aromas, portanto muito mais nutritivos. Esse acréscimo de valor, como já vimos, não é determinado por proteínas materiais nem por vitaminas, etc., mas unicamente pela propriedade odorífera que exprime um justo equilíbrio da planta, entre o terrestre e o cósmico.

Em seu Curso Agrícola, Rudolf Steiner mostra como é importante para a saúde do gado e para a qualidade de seus derivados, deixá-lo “procurar livremente sua nutrição com a ajuda de seu faro, que está harmonizado com as forças do cosmos”.

É menos importante saber o que pasta o animal, do que conhecer “os efeitos que têm certos métodos de alimentação sobre o organismo”. Seria bom que o animal, servido por suas faculdades olfativas, encontrasse, ele mesmo, seus alimentos aromáticos, a fim de incorporar influências cósmicas suficientemente.

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99 O mesmo se poderia dizer do ser humano, num sentido ligeiramente diferente. As forças aromáticas cósmicas do alimento, que o tornam verdadeiramente nutritivo para o ser humano, obtêm para o sistema neuro-sensorial, alimentos que ele possa assimilar; ou seja, elas criam o substrato material da consciência. Esta última é estimulada por uma refeição repleta de aromas, filhos da luz e do calor.

É chegado o momento de nos ocuparmos um pouco dessa organização olfativa do homem. É preciso compará-la com a dos animais. Nesse sentido, é instrutivo partirmos do olfato do cão, como também do animal de caça que, como se sabe, é muito superior ao do homem. Esses animais farejam coisas a distâncias de muitos quilômetros; isto não é nada mais do que uma percepção sutil da atmosfera. Os animais utilizam essa percepção não somente para procurar alimentos, mas também para entrarem em relação com os outros animais da sua espécie. Cada espécie possui sua emanação própria, e os congêneres farejam-se mutuamente à distância. A esfera olfativa tem então uma enorme importância no comportamento social instintivo dos animais. Se um rebanho permanece unido, é porque todos os animais que o compõem “se farejam”. Assim o fazendo, eles percebem a astralidade comum. A alma grupal dos animais se revela em secreções muito sutis que se volatilizam e se tornam acessíveis ao olfato. O inacreditável poder olfativo de certos animais é então, em realidade, um instrumento do seu ser supra-sensível, de seu psiquismo comum, de sua astralidade ligada à espécie.

Nós já vimos ainda há pouco, que as plantas, através de seus perfumes específicos, comungam com as forças cósmicas dos planetas; eles são então órgãos físicos para a percepção do aroma universal, para a comunhão com o astral, ou seja, com os astros. Os animais, através de suas emanações, são religados a uma astralidade que é a realidade mesma da sua alma grupal. O olfato é ao mesmo tempo, ativo e passivo; ele cria o aroma universal e o percebe. A tília, por exemplo, possui seu perfume “porque tem em suas flores pequenos narizes muito sensíveis a tudo que, no universo, emana de Vênus. É assim que, no odor das plantas, nós sentimos, na verdade, o céu”.

Pode-se perguntar o que ocorre hoje em dia na horticultura quando se habituam as rosas e as violetas a nada mais exalarem. E é o que acontece quando nossos métodos de produção agrícola fazem perder todo aroma das

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100 plantas alimentares. Esses vegetais distanciam-se assim de sua origem celeste? Tornam-se, finalmente, estranhos à sua própria entidade?

E o que dizer dos crimes cometidos pelo homem, há alguns decênios, ao lançar anarquicamente na atmosfera os gases repelentes e as emanações contaminadas de suas urinas e de seus motores? Já não está a atmosfera envenenada há muito tempo e todos os seres vivos que a respiram já não estão doentes? A poluição do ar, um dos mais terríveis perigos da nossa civilização, ameaça cortar o cordão umbilical entre a terra e o cosmos, e secar para sempre as correntes nutricionais que os unem.

Se estivermos conscientes dessas responsabilidades, não poderemos ficar indiferentes frente a tal evolução. Mas como atacar o mal pela raiz? Fazendo com que venham à luz o conhecimento justo e a compreensão da realidade. O homem é capaz disso se fizer uso de suas faculdades. E se possui essas faculdades, é porque nele, em última análise, o órgão olfativo sofreu uma admirável metamorfose, permitindo a aquisição de uma inteligência consciente.

Mencionamos a inacreditável sutileza do olfato em numerosos animais, particularmente nos ungulados e nos carnívoros. Mas o olfato de muitos insetos é ainda bem mais surpreendente. No cão, a superfície olfativa (ou seja, o órgão sensorial propriamente dito) é 80 vezes menor do que a superfície total do corpo; no homem, 8000 vezes. Nos insetos, os órgãos olfativos são independentes, separados das vias respiratórias. Abelhas, formigas e borboletas possuem um incomparável poder olfativo em suas antenas. Graças a esses órgãos, elas vivem ainda diretamente em seu meio; elas são, quanto a seus órgãos físicos, muito mais instrumentos das forças cósmicas do que fatores ativos.

O homem, ao contrário, emancipou-se progressivamente de seu ambiente terrestre e cósmico. Ele se interiorizou e com esse fim foi necessário que ele se liberasse da influência excessiva do seu meio. Em compensação, desenvolveu sentidos superiores, dos quais os menos elevados, a visão e a audição, ainda mergulham no mundo físico sensível. Qualidades sensoriais mais elevadas não têm mais necessidade de órgãos sensoriais externos, mas sim de uma diferenciação avançada do cérebro, substrato e refletor dos fenômenos da consciência.

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101 A regressão do órgão olfativo no homem é evidente. Não somente o epitélio olfativo se atrofiou, mas também a parte olfativa do cérebro, a “esfera olfativa”, situada no córtex cerebral, é pequena em relação à maioria dos animais. É o que permitiu o grande desenvolvimento do cérebro anterior frontal, e deu à cabeça humana sua forma característica. Ou seja, no homem, o cérebro olfativo metamorfoseou-se em grande parte em um “cérebro pensante”.

Rudolf Steiner falou diversas vezes dessa metamorfose e acentuou que ela foi paralela à aquisição da posição vertical. “No fundo, todos os nossos pensamentos são odores transformados”, disse certo dia.

É necessário, entretanto, não subestimar a importância de nosso sentido olfativo, principalmente no que concerne à alimentação.

A princípio, devemos confessar que o nosso poder olfativo é medíocre. Que o homem em boa saúde seja capaz de perceber no ar um milionésimo de miligrama de éter etílico, cinco milionésimos de gama (milésimo de miligrama) de vanilina e 40 milionésimos de gama de marcaptan*, isto mostra que ele ainda pode perceber quantidades materiais “não detectáveis quimicamente”. Nosso nariz permanece então mais sutil do que a melhor análise química, mesmo quando a idade reduz seus poderes.

O adulto em boa saúde é muito sensível ao caráter odorífero ou aromático dos alimentos. Esse odor estimula não só a digestão, colocando o homem em comunicação com a periferia cósmica, mas também contribui para criar um substrato substancial para o cérebro – e inclusive o cérebro frontal. Este tem necessidade dessa corrente de forças cósmicas para ser o instrumento do pensamento. Uma “higiene alimentar sadia”, fundamentada em “interações vivas entre o macrocosmos e o microcosmos”, depende dessa relação consciente com o universo. Isso deveria começar pela terra, com a agricultura, e despertar a consciência moral, o sentido de responsabilidade em todos os que trabalham na produção alimentar, respondendo

*Classe de compostos em que um hidrogênio do H2S foi substituído por um radical orgânico, e que são líquidos de odor desagradável. (N.T.)

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também aos consumidores no que concerne ao significado do aroma nos alimentos. Uma alimentação bem aromatizada pode contribuir para deter a “decadência dos alimentos de origem vegetal”, impedindo que ela traga pura e simplesmente a decadência da humanidade.

Para finalizar, constatemos que esse problema dos aromas toca de perto o da “nutrição cósmica”, exposta no capítulo III. Efetivamente, o “corpo de odor” de uma planta, para dar um exemplo, representa uma dissolução dos sólidos e dos líquidos, uma regressão do processo formativo terrestre, um impulso na direção do etéreo. Rudolf Steiner disse a respeito da flor de tília: “Nesse perfume suave que se espalha, encontramos a interação do etéreo vegetal com a astralidade circundante que preenche o espaço universal”.

PROCESSOS GUSTATIVOS. O PROBLEMA DOS CONDIMENTOS.

Assim como no pólo inferior os processos digestivos se bifurcam para as duas vias de eliminação, que são os rins e o intestino, da mesma maneira, no pólo superior se bifurcam o olfato e o paladar. Este último tem sua sede no na cavidade bucal, sobre a língua, cuja extrema mobilidade assegura um máximo de contatos entre as substâncias dissolvidas e os órgãos receptores.

Pelo olfato nós nos unimos ao ar, que é o portador do astral; pelo paladar fazemos experiências no elemento aquoso. Experimentamo-nos no domínio das forças etéreas formativas. Essa distinção é de grande importância para a compreensão desses dois sentidos.

Aquilo que queremos sentir pelo paladar deve ser dissolvido. Nossa impressão de sabor depende do grau de solubilidade dos alimentos no líquido salivar. Essa solubilidade é de alguma forma preparada já anteriormente: ocorre, por exemplo, numa planta onde processos químicos culminam na produção de um líquido. Este pode ser secretado diretamente para o exterior, ou permanecer contido nos tecidos. Este último caso é o de muitas folhas e caules que empregamos como condimentos: sálvia, salsa,

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103 cebola, melissa, etc., mas também da maior parte dos frutos e de muitas sementes. Ora, quando uma planta engendra substâncias “com sabor”, é porque suas forças etéreas típicas estão como que veladas por aromas de caráter astral. Isso é importante para compreendermos a qualidade dos alimentos. A tília, por exemplo, lança a maior parte de suas forças em perfumes, ou seja, na esfera astral. Já a melissa o faz em sabores, ou seja, no etéreo. Dessa maneira, os processos que as plantas desencadeiam no homem são extremamente diferentes uns dos outros.

É com razão que se considera nossos dois “sentidos químicos” (olfato e paladar) como nossos “principais órgãos de controle para o exame dos alimentos e das bebidas” (von Frisch). A posição desses órgãos, na entrada do tubo digestivo, antes da deglutição, deixa-nos a possibilidade de recuar o que não nos convém. No homem, os órgãos do paladar se encontram em sua maioria sobre a língua, mas também sobre o palato. As papilas gustativas são de diferentes tipos e irregularmente disseminadas. A ponta da língua é mais sensível ao doce, sua parte posterior ao amargo. O gosto salgado é sentido, sobretudo na borda anterior da língua e o gosto ácido na borda média. É ao sabor doce que o homem é menos sensibilizado. Numa solução, é preciso de pelo menos 1/200 de açúcar para que ele seja percebido. O sal de cozinha pode ser sentido numa concentração de 1/400 e os ácidos numa de 1/430.000... Mas é ao sabor amargo que nós somos, de longe, os mais sensíveis. A quinina, por exemplo, pode ser percebida numa diluição de 1 / 2.000.000. Para percebermos o gosto temos necessidade muito mais de açúcar que de sal, ou de substâncias amargas. Esse é um dado digno de interesse, se nos lembrarmos de que o açúcar está ligado à organização do Eu e o ácido ao nosso corpo astral. Lembremo-nos também de que as substâncias amargas estão geralmente associadas a combinações tóxicas. Elas se anunciam assim à nossa percepção a partir das mais fracas quantidades. Se compararmos isso ao olfato, parece-nos que este, mesmo no homem, é bem mais sensível que o paladar, apesar da regressão sofrida comparativamente ao faro dos animais.

Como se comporta o sentido do paladar nos animais, comparativamente ao homem? Essa vasta questão somente pode ser esboçada aqui. Muitos animais, testados a esse respeito, mostraram que a acuidade de seu sentido gustativo é muito superior. Sob esse ponto de vista, os peixes suscitam um interesse particular.

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104 O peixe vive na água, ou seja, no meio que melhor favorece a sensação do gosto. Podemos também supor que ele sinta continuamente o gosto da água carregada com substâncias dissolvidas. Os peixes percebem o açúcar numa diluição cem vezes maior do que a do homem. Podem também perceber de muito longe as substâncias nutritivas e, aliás, têm papilas gustativas dispersas sobre toda a pele, até mesmo na ponta da cauda. Um siluro cego, por exemplo, percebe o alimento que se aproxima de sua cauda, volta-se com a rapidez de um relâmpago e o apreende tão seguramente como se o visse (von Frisch). Numa conferência feita aos operários do Goetheanum, Rudolf Steiner disse que o sentido gustativo do peixe é manifestamente externo – uma espécie de órgão sensorial da pele – mas deve ser considerado em relação com os órgãos de movimento. É igualmente o sentido do gosto que dirige os peixes em suas migrações coletivas.

Em muitos insetos os órgãos gustativos são ainda mais periféricos e mais ligados ao organismo dos membros. Uma das mais belas borboletas, chamada Amiral, pode perceber, com seus órgãos gustativos situados na extremidade das patas, uma solução de açúcar bem mais diluída do que a dos peixes. E uma borboleta da América tropical, sempre com suas patas, realiza performances mil vezes superiores às da língua humana. Karl von Frisch denomina-a a de “o mais fino gourmet da terra”.

Então é bem evidente que nos animais inferiores o sentido do gosto ainda é epidérmico, e que estes seres, principalmente os insetos, vivem inteiramente no “exterior”, são uma parte constituinte do seu meio. Somente os animais superiores de sangue quente transformam a sensação do gosto em uma experiência da alma, dissociando esta percepção do meio exterior. Rudolf Steiner disse: “Todos os nossos pensamentos são, na realidade, odores metamorfoseados” e “o que é interessante no homem é que seu sentido do gosto transforma-se em forças de sentimento”.

Uma nova tarefa surge então para a experiência gustativa do homem. Por um lado ela se interioriza e torna-se mesmo, como veremos uma “gustação de órgãos”; por outro lado, ela tende para o domínio neuro-sensorial. Devemos a Rudolf Steiner esclarecimentos preciosos a respeito desses dois pontos.

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105 Na 8ª. Conferência de seu Primeiro Curso Médico (1920), ele expôs como a gustação se prolonga em todo o tubo digestivo; a digestão é assim uma metamorfose do processo gustativo, orientado para baixo. Isso quer dizer que uma “boa digestão repousa sobre uma faculdade de degustar por meio de todo o tudo digestivo e, uma má digestão, sobre uma incapacidade de fazê-lo”. A investigação espiritual fala em seguida de experiências gustativas específicas do estômago, do fígado, do pulmão e do coração: o desenvolvimento normal da vida humana depende do aperfeiçoamento desses “paladares” orgânicos.

Nós nos perguntamos aqui, bem concretamente, quais são os fatores que podem estimular esse desenvolvimento? A resposta é: bem natural uma alimentação saborosa! Pois cada planta é boa apenas para um órgão preciso.

Para que possamos instaurar uma “higiene alimentar sadia” baseada sobre as forças da consciência, é necessário que aprendamos a degustar as sutis diferenças de qualidade de nossos alimentos. Isto é, ao mesmo tempo, a base de uma arte culinária renovada. Essa nova higiene alimentar é também a melhor profilaxia contra a perda dos “paladares orgânicos”, que é sinônimo de doenças. Seria difícil evocar mais expressamente a necessidade de uma alimentação realmente saborosa, o que é, como se sabe a razão de ser da marca de qualidade “Demeter”.

Mas a metamorfose do sentido gustativo em direção ao alto não é menos importante. Desta vez trataremos do sistema neuro-sensorial. Rudolf Steiner disse textualmente que “a visão é uma gustação metamorfoseada”. Pela visão nós nos distanciamos de nossa vida interna, nós a repelimos. É isto que permite como seres interiorizados que somos que tenhamos uma percepção visual absolutamente objetiva daquilo que nos envolve. Em seguida nós podemos interiorizar e individualizar esse processo, e é então que surge o ato do pensar. O cérebro toma aqui o descanso dos órgãos internos e digestivos. Como instrumento da consciência ele objetiva e, em seguida, individualiza o mundo de nossas percepções. Nós devemos aprender essa metamorfose com toda autonomia, a realizar, a purificar e a intensificar. Uma nova higiene alimentar facilitará a coisa, não somente fisiologicamente, mas também psiquicamente, pois, em última análise, “o que encontramos numa refeição saborosa é uma espécie de sentimento”. E podemos dizer que o que dá sabor a uma planta, ou a qualquer outro

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106 alimento, é, por natureza, uma qualidade afetiva. E, na realidade, “no ato de degustar um sentimento encontra um sentimento”. Com efeito, ainda que a sensação gustativa ocorra no líquido, ou seja, no domínio etéreo, ela também evoca imagens astrais nesse meio etéreo.

Essa metamorfose do gosto em visão não é apenas uma transformação de órgãos, mas também uma mudança de consciência. Interiorizando o sentido do gosto, o ser humano desliga-se da animalidade. Ele eleva as experiências gustativas da esfera astral à do Eu. “O animal não pode perceber de uma maneira simultânea objetiva e subjetiva, tal com o ser humano”; e permanece cativo da experiência subjetiva. Mas atualmente o paladar e o olfato ameaçam fazer o ser humano recair na animalidade. Isso acorrenta até mesmo a visão, sua mais elevada faculdade sensorial, às percepções subjetivas do gosto. Ele “animaliza-se” novamente, e isto devido aos hábitos alimentares atuais, com certa predileção pela carne, pelo peixe, etc., sem falar do álcool. Quando rebaixamos os sentidos superiores até lhes dar o caráter de sentidos inferiores, a percepção torna-se imoral. “Então vós não entendeis mais nem os pensamentos nem as palavras de outrem, vós os degustais assim como um vinho de Moselle, de vinagre ou um prato qualquer”.

Nossa nutrição, cada vez mais pobre de forças etéreas que engendram o sabor e o aroma cósmicos, está arriscada a se tornar ela mesma a artesã dessa degradação humana. No regime cárneo, regado a álcool, de nossa civilização, causa e efeito dão-se as mãos. A humanidade torna-se cada vez mais “grosseira”. É assim que o estudo da dietética nos conduz a afrontar os problemas mais graves e mais universais.

Sobre os fundamentos esboçados podemos agora construir também uma doutrina prática dos condimentos. Na Idade Média e um pouco depois, desencadearam-se guerras as mais sangrentas para obter acesso às regiões do globo onde cresciam as “especiarias”. Não minimizemos então essas substâncias aromáticas e condimentares, como a pimenta, o cravo da Índia e muitas outras que são bem conhecidas e universalmente empregadas. As indicações de Rudolf Steiner adicionam novos esclarecimentos a essas tradições históricas. Esse assunto será melhor tratado no segundo volume (não traduzido ao português), onde lhe consagraremos um capítulo inteiro.

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107 No momento, um dos próximos capítulos abordará o tema do cozimento, da aromatização dos alimentos por diferentes procedimentos, como a dessecação, a torrefação, etc.

Mas antes dissertaremos sobre o problema do ritmo, o qual já mencionamos quando definimos “a nutrição terrestre e a nutrição cósmica”.

-x-

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CAPÍTULO V

O PROBLEMA DO RITMO NA ALIMENTAÇÃO.

ATIVIDADES DA ORGANIZAÇÃO RÍTMICA

“Não há nenhum processo vivo normal que não se desenvolva ritmicamente. Essa lei se estende às plantas, aos animais e ao ser humano, à célula isolada, como aos agregados de células; ela rege tanto a forma dos processos como sua duração. Ela se prolonga no mundo inorgânico, na atmosfera e no cosmo”. Essas são as palavras de W. Menzel, um sábio contemporâneo que mostra assim a grande dimensão desempenhada pela questão do ritmo e assinala sua importância para com tudo que vive. Preocuparemo-nos, neste capítulo, acima de tudo, com o papel que o ritmo ocupa na alimentação.

O homem dos tempos antigos vivenciava bem naturalmente os ritmos do dia a dia e do ano. Sentia-se menos incluído e protegido. Foi somente nos séculos 18 e 19 que se começou a estudar os fenômenos rítmicos. Também aqui Goethe mostrou-se um pioneiro. Foi com sua idéia da “respiração terrestre” que iniciou a verdadeira ciência moderna do ritmo, a qual, posteriormente, ocupou um lugar definido nas pesquisas médicas e biológicas. Devemos também a Rudolf Steiner que nesse ponto se prende a Goethe, dados de extrema importância sobre a essência dos fenômenos rítmicos e seu papel prático na vida humana. Estamos então no direito de esperar da ciência espiritual moderna indicações sobre a questão do ritmo na alimentação.

“O que é, na verdade, a atividade digestiva? É uma atividade metabólica que se desenvolve em direção ao rítmico, um metabolismo que é tomado pelo ritmo dos órgãos circulatórios”.

Foi nesses termos que Rudolf Steiner caracterizou a digestão propriamente dita. Ao mesmo tempo ressaltou o papel central do ritmo na

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109 alimentação. O essencial da nutrição é que as substâncias nutritivas sejam captadas pelo ritmo interno do homem. Para melhor compreendê-lo voltaremos aos dados fornecidos pelo capítulo III e os completaremos.

No homem moderno a ingestão de nutrientes não se faz mais segundo regras rítmicas bem nítidas. Certamente que os hábitos alimentares de diversos povos ainda se mantêm mais ou menos nas horas tradicionais das refeições. Mas os civilizados transigem com essas regras. Em muitos lugares a racionalização conduziu ao encurtamento da refeição do meio-dia. Indubitavelmente isso torna mais difícil a tarefa do organismo que é a de integrar o alimento ao seu próprio ritmo. Entretanto, existe um “guardião”, um órgão cuja função Rudolf Steiner foi o primeiro a mencionar: o baço. Ele disse em seu primeiro Curso Médico (1920): “Pelo sistema respiratório o ser humano é levado a seguir o ritmo cósmico. Tomando suas refeições de maneira irregular, ele viola constantemente esse ritmo. O baço é um mediador”.

É necessário representarmo-nos que esse restabelecimento do ritmo pelo baço começa no instante em que os alimentos penetram na nossa boca. Sabe-se hoje em dia que desde esse momento todo o organismo é ativado, compreendendo-se o fígado e até mesmo o cérebro. Pode-se então admitir que o baço também comece a agir. Não se trata de uma “reação em cadeia”; a organização das forças formativas está ativa por toda a parte, ao mesmo tempo, desde o início do processo nutritivo, não havendo de maneira alguma uma sucessão no tempo. Esta organização que Rudolf Steiner denomina de corpo etéreo, é supra-sensível, mas de natureza rítmica. Ela se desdobra fisicamente no elemento aquoso, em todo o organismo dos líquidos. Ela tem então seu centro na circulação. É necessário lembrarmos, portanto, que no interior do homem, tudo que é líquido se move segundo ritmos: o sangue, o líquido tissular, a linfa, o líquido cérebro-espinhal, etc. Também as glândulas trabalham segundo ritmos: o fígado, o pâncreas, etc. E nesse sentido, podemos considerar como um processo rítmico do corpo etéreo a atividade das glândulas salivares, as secreções de sucos digestivos pelo estômago e pelo intestino. Isso começa desde que um fragmento alimentar entre na boca, sendo então necessário que o baço, neste momento, realize já seu trabalho, que é de “ritmizar” o todo.

Rítmico é igualmente o trabalho mastigatório que se prolonga pelos movimentos peristálticos do esôfago, do estômago e do intestino. Tudo

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110 concorre para levar o alimento ao estado de caos: ele já não pertence mais à natureza, mas também ainda não ao homem.

Em seguida ele sai do intestino e para aos vasos linfáticos, aos líquidos tissulares. Aí ele é novamente tomado pelas forças formativas do corpo etéreo individual, é transformado, ou novamente criado em substância propriamente humana. O estado de caos provém, em parte, do fato de que o alimento perdeu o ritmo de seu estado original, e deve se integrar às forças de nossa organização rítmica.

Mas como é esse organismo rítmico do homem? Quais os ritmos que o percorrem?

O ritmo do sistema circulatório é particularmente manifestado no batimento do pulso. Com 72 pulsações por minuto, é quatro vezes mais rápido do que o ritmo respiratório. Mas nós já vemos aqui como esses ritmos estão sujeitos a todas as espécies de variações. Na maioria dos civilizados não se constatam nem 72 pulsações, nem 18 respirações por minuto. Aqui o sistema respiratório se torna o eco da arritmia da alimentação. É um fator que, na nossa opinião, deveria ser tomado a sério. A causa não é unicamente a irregularidade das horas das refeições, mas também e principalmente o caráter arrítmico da própria alimentação.

O que se entende por isso?

Desde que Goethe, estimulado pelas observações de Alexander von Humbolt, estudou “os movimentos rítmicos fundamentais do corpo vivo da Terra”, admite-se muito geralmente “que a Terra não é o corpo morto pelo qual tem sido tomada”. Rudolf Steiner exprimiu-se a esse respeito em 1909: “Da mesma maneira como no homem há uma inspiração e uma expiração, a Terra que é um ser vivo, tem uma inspiração e uma expiração”. “Ela é penetrada, como o corpo físico do homem, de constituintes invisíveis”. O grande mérito de Günther Wachsmuth foi o de ter sido o primeiro a dar uma exposição desses fenômenos em sua obra: “A Terra e o homem”.

Essa respiração do globo terrestre faz-se segundo um ritmo de 24 horas: o organismo etéreo da Terra desloca-se periodicamente em relação ao globo físico; ele sai, depois entra. O máximo da inspiração ocorre por volta das 3 horas da manhã, e o máximo da expiração por volta das 3 horas

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111 da tarde. Esse ritmo quotidiano é de grande importância, pois todos os seres vivos, inclusive o ser humano, nele tomam parte. A ciência moderna descobriu uma multidão de fenômenos que vão nesse sentido. Günther Wachsmuth assinalou no que concerne ao reino vegetal, “que o mundo das plantas forma um órgão vivo sobre toda a Terra e que exerce profundas influências sobre a biosfera e sobre a atmosfera. Relacionando-se com os grandes processos de respiração e circulação da terra, este órgão toma e dá ao longo de todo o dia e de todo o ano; assim ele é um provedor de forças que se enriquece a si mesmo e transforma o ambiente; ele não é somente capaz de reagir, mas também é um eficiente fator de evolução de todo o organismo terrestre”.

O RITMO CIRCADIANO DO FÍGADO

O ritmo circadiano do fígado se desliga desse conjunto complexo. Foi descoberto pelo sueco Forsgren, em 1937. Seguiremos aqui a exposição de G. Wachsmuth, de sua obra citada.

Forsgren partiu de pesquisas sobre a secreção da bile. Ele escreveu em 1935, em sua obra: “Os Ritmos da Função Hepática, do Metabolismo e do Sono”: “Anteriormente eu acreditava que a atividade do fígado era determinada pelas refeições”. Mas suas observações desmentiram tal crença: “O fígado tem uma função rítmica bem independente das refeições, com uma alternância de atividades assimilativas e atividades secretoras”. Reproduziremos o ponto de vista de Forsgren, simplificando-o com a ajuda de um esquema:

Máximo da secreção

Máximo da formação de bile

Máximo da concentração

O glicogênio é armazenado no fígado

Esquema: As fases da atividade do fígado

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(segundo G. Wachsmuth, “Erde und Mensch”, 1952)

O fígado armazena o glicogênio, resultado do metabolismo do açúcar, durante a fase da inspiração terrestre, até as 3:00 horas da madrugada; em seguida, durante as horas da manhã, até por volta das 15:00 horas, derrama-o no sangue sob a forma de açúcar. Por outro lado, o ritmo da secreção biliar apresenta um máximo por volta das 15:00 horas, ou seja, no ponto culminante da expiração terrestre, e um mínimo por volta das 3:00 horas da madrugada.

Forsgren era plenamente consciente da importância dessa descoberta: “Desde quando Claude Bernard descobriu o glicogênio do fígado, considera-se o fígado como um depósito do glicogênio, que se enche graças aos aportes de carboidratos e que se esvazia em caso de inanição e de trabalho corporal”. Atualmente o quadro é totalmente outro: a atividade do fígado, em relação com o sangue, apresenta um ritmo próprio, a serviço do qual está colocado o metabolismo, ou seja, o aporte de carboidratos por meio dos alimentos. Em outros termos: o fígado tem a tarefa de não somente formar o glicogênio, que é um amido especificamente humano, mas ainda de realizar essa função segundo um ritmo estrito e de imprimir assim seu próprio ritmo à substância humana. A secreção biliar obedece a um ritmo também restrito, mas inverso, o que dá um caráter igualmente rítmico à digestão das gorduras. Holmgren, outro cientista, forneceu esclarecimentos a esse respeito. Ele pôde provar que “os corpos graxos da parede intestinal variam em quantidade no decorrer das 24 horas, e ao mínimo por volta das 14:00 horas”. Como se vê, todos os máximos e mínimos reúnem-se em torno das 15:00 horas. Holmgren também pôde afirmar: “A adsorção rítmica das gorduras parece, portanto, bem certa”. Finalmente Holmgren chegou a demonstrar um ritmo análogo para a função pancreática: “Independentemente do aporte alimentar existe um função rítmica de devisão, de absorção e de armazenamento do alimento”.

RESULTADOS DA CIÊNCIA MODERNA DOS RITMOS

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113 Ainda que Henzel tenha dado uma exposição geral dos ritmos de 24 horas e tenha mostrado “o profundo enraizamento dessa periodicidade nos organismos vivos”, Sollberger, que renovou essa questão viu-se obrigado a concluir: “Devemos confessar que nos é desconhecido o mecanismo de sincronização que está na base dos ritmos biológicos. Não podemos nem mesmo localizar o relógio”. É evidente que a pesquisa somente pode progredir se ela tem em conta a essência mesma dos fenômenos rítmicos. Veremos que a ciência espiritual é capaz disso. Rudolf Steiner definiu o ritmo como “metade-espiritual” e disse que no ritmo “o físico se transforma em processo, em acontecimento” e “desaparece em si, no fenômeno rítmico”. Isto já é dizer que o ritmo é um mediador sobre o mundo material e o mundo espiritual e que ele assegura a transição de um ao outro. Isso se torna claro quando se examina o papel do ritmo no processo metabólico. O ritmo é então um tornar-se que utiliza uma coisa física (o alimento, por exemplo) para lhe imprimir um processo formador espiritual, no qual se organiza a matéria. A organização que ela atinge não é mais física; pelo contrário, as leis físicas aí são abolidas. O tornar-se rítmico atua sobretudo na região etérea, das forças formativas, ainda que seu impulso inicial provenha de fontes mais altas, puramente espirituais. Tudo leva a supor que o campo de ação do ritmo está situado no domínio do etéreo-vital: seu desenvolvimento periódico, suas repetições, dinâmicas e não estáticas, ainda que a intervalos iguais; Goethe já o havia compreendido, quando descobriu que o princípio formador da planta é a alternância rítmica: concentração, dilatação. Interpretou também as observações de Humboldt como desencadeando um ritmo terrestre de inspiração e expiração, uma alternância atmosférica, da qual somos obrigados a deduzir que nosso globo é um ser vivo e não um simples mineral inanimado.

Todos os fenômenos que tenham uma periodicidade de 24 horas são então síncronos com o ritmo da respiração terrestre. Devemos então inquirir qual é causa primária desse estado de coisas. A ciência moderna teve de capitular, até o momento, diante desta questão. Mas Rudolf Steiner deu-lhes uma resposta surpreendente e formal. Em 1908, fez uma conferência sobre “o ritmo dos constituintes do homem”. Aí ele expôs que cada um dos quatros constituintes possui seu ritmo próprio, pelo que ele se manifesta. Daí passou à alternância sono-vigília, que desempenha igualmente um papel importante nas modernas pesquisas sobre o ritmo. A seguir, Menzel e Sollberger ligaram-se a esse problema, mas só Rudolf

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114 Steiner tinha reconhecido que é o próprio Eu humano – portanto uma entidade espiritual – que “atravessa no decorrer das 24 horas diversas transformações, no que concerne não somente ao sono, mas a muitos outros fenômenos rítmicos ligados a essa freqüência, geralmente dominada hoje de “circadiana”. Ele via aí o ritmo do próprio Eu. Esse ritmo concorda, portanto, com o da respiração terrestre; chegamos esta conclusão de que o “ritmo do Eu é síncrono com o ritmo circadiano da terra”. Os cientistas estabeleceram que no ser humano, a periodicidade de 24 horas é restritamente ligada à hora local. Dito de outra forma, o ritmo do fígado e os ritmos digestivos, dos quais falamos, estão sincronizados com o local onde se encontram; desenvolvem-se diferentemente se situados na Basiléia, ou em Nova York, ou em Tóquio. Eis algumas observações feitas por viajantes do Transiberiano: “cada dia desperta-se ¾ de hora mais tarde. No final de alguns dias, sem o querer, chega-se por volta do meio-dia ao vagão restaurante para o desjejum, e isto sem que o garçom se aborreça, pois ele está habituado com esse fenômeno. Quando se viaja no sentido inverso, ou seja, do leste para o oeste, acorda-se por volta da meia-noite, pensando já ter dormido bastante, e deseja-se vivamente o café da manhã...” Guardou-se então o ritmo de seu local de origem, o que mostra como cada Eu se encontra ligado a um determinado ponto do globo. O Eu pode, em seguida, adaptar seu ritmo ao novo local de permanência, mas isto exige um certo tempo. Menzel diz que para uma hora local deslocada de 12 horas, em caso de viagem de avião, é necessário três dias, ou mesmo uma semana para se reabituar. Como se vê, a técnica moderna criou problemas sobre esse ponto de vista. Tentou-se também estudar as alterações do estado geral que ocasionam um trabalho noturno, voluntário. É admissível que tais violações do ritmo possam ser muito nefastas, sobretudo para os órgãos digestivos. Em tais trabalhadores, observa-se geralmente males do estômago e do intestino, uma falta de apetite e constipação. Menzel colocou esses fatos em relação com a aparição de úlceras gástricas.

Finalizando, lembramos o papel desempenhado pelo baço para compensar as violações do ritmo. Poderemos então confirmar uma asserção de Wachsmuth: “O ritmo cura, a arritmia enfraquece e adoece”.

A IMPORTÂNCIA DO RITMO PARA A SAÚDE HUMANA

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A ciência moderna do ritmo finalmente compreendeu a importância

desses problemas*: Sollberger escreve: “Mesmo os práticos começam a admitir que o conhecimento dos ritmos fisiológicos é importante para diagnosticar as doenças e para tratar os doentes; mas isso vem ocorrendo muito lentamente...” Segundo ele, o organismo humano está inserido num grande complexo rítmico com o seu ambiente, as plantas, os animais e toda a terra. Esse ritmo permanece constante, mesmo se mudarmos voluntariamente suas relações com o seu meio. Para dar um exemplo concreto: a secreção biliar tem seu pico máximo a 15:00 horas, mesmo se tomarmos nossa principal refeição somente às 18:00 horas. Ocorre então um fluxo suplementar de bile, mas as gorduras não são digeridas em condições excelentes, não mais do que quando fazemos de nosso desjejum, às 8:00 horas, nossa principal refeição.

Como vimos, o ritmo de 24 horas é o instrumento do qual se serve a organização do Eu. Este não é caso da planta, nem do animal, os quais apenas seguem esse ritmo relacionado com todo o organismo terrestre, Ora, a Terra adquiriu esse ritmo numa fase muito recuada de sua evolução, quando nem o homem, nem o próprio globo terrestre tinham ainda atingido um grande nível de endurecimento, de solidificação. “Quando o homem se encontrava ainda num estado totalmente diferente do atual, a rotação do globo em 24 horas não existia. O homem foi o primeiro a ser incitado a girar sobre seu eixo... o Eu humano conduziu a Terra e a fez girar em torno de si. Em outros termos, a rotação da terra é conseqüência do ritmo do Eu”.

Isso quer dizer que nesses tempos antigos o homem era um ser cósmico, que recebia esse ritmo a partir de suas interações com o Sol imprimindo-o em toda a criação terrestre.

A natureza manteve esse ritmo circadiano até os nossos dias, e ela o prolonga ainda no homem. Mas justamente pelo fato de que este desenvolveu seu Eu, emancipou-se cada vez mais dos laços instintivos. Dessa maneira, ele penetra sempre mais no arbitrário e na doença. O homem não pode continuar indeterminadamente a se desligar do ritmo. Mas vemos preparar-se fisiologicamente uma situação totalmente nova: o

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116 homem é chamado a tornar-se o criador do ritmo próprio, pessoal, que vibre novamente de acordo com os grandes ritmos de cosmos. O homem pode, por exemplo, em

*Ver também: Alain Reinberg: “Des Rythmes Biologiques à la Chronobiologie” (Gauthier-Villars), 1975, (N.T.)

contrar para sua vigília e seu sono um ritmo que se sincronize bem com as leis do mundo, mas que convenha é sua personalidade. Encontrar para cada indivíduo um ritmo regular, mas pessoal!

Na dietética, o regime dos doentes, isto somente poderá ser tentado com muitas preocupações. O ritmo aí deve desempenhar um grande papel, pois traz forças de cura, sendo o “filho” das forças formativas dinâmicas.

Sollberger refere casos de câncer gástrico nos quais desapareceu qualquer espécie de ritmo de digestão. As perspectivas que assim se abrem não são unicamente da ordem de diagnóstico, mas também terapêuticas e dietéticas. O estudo dos “ritmos biológicos” despertou um grande interesse, a partir dos trabalhos do Dr. W. Fliass. Mas corre-se aqui o perigo do subjetivismo e, aliás, este domínio não foi ainda suficientemente explorado.

Numa conferência sobre a “educação prática do pensamento”, Rudolf Steiner disse que o homem não pode esperar a cura, nem um progresso, “retornando ao ritmo antigo”. Este era necessário em tempos recuados onde o homem estava face a face com o Cosmos, “como a marca do selo da cera”. O homem não deve, entretanto, acreditar que ele pode viver sem ritmo. Atualmente sua tarefa é a de aprender a “reconstruir-se ritmicamente”. “O ritmo deve percorrer o homem interno”. Vê-se que esta questão toca de perto a higiene alimentar e o comportamento do homem moderno.

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CAPÍTULO VI

O QUENTE E O FRIO NA ALIMENTAÇÃO

Entre as forças mais importantes que desempenham um papel na nossa alimentação, o elemento calor ocupa um lugar central. Consagraremos então a ele um capítulo inteiro.

Para ressaltar qual o significado desse problema, até a prática seremos obrigados a voltar a diversos dados já fornecidos precedentemente. Por outro lado, devemos dar-nos conta das mudanças realizadas nesse domínio durante os últimos decênios; lembremo-nos, por exemplo, das técnicas do frio, dos alimentos congelados, etc. aos quais Rudolf Steiner não podia ainda fazer alusão. Mas nas suas obras encontramos visões profundas sobre a essência do frio, sobre suas relações com o ser humano. Podemos então esperar uma modesta contribuição aos debates acerca dessas técnicas. Mostraremos também no decorrer deste capítulo, os resultados da dietética moderna e finalmente os trabalhos realizados pelos pioneiros da pesquisa antroposófica contemporânea. Veremos que esse problema está longe de ser fácil. Os critérios de um julgamento sadio estão muitos distantes de nossos hábitos de pensar e sua compreensão exigirá muito esforço. Por outro lado, este capítulo deveria ser um exemplo daquilo que a ciência espiritual pode realizar face a uma “alimentação dinâmica”.

A “terminologia” moderna reflete suficientemente bem o caminho percorrido em direção a concepções abstratas e materialistas: aqui a ciência se afasta do homem e da realidade do mundo. O calor e o frio são apenas objetos de estudo para um laboratório de física. Dessa evolução provieram as técnicas do calor e do frio, fatores eminentes da civilização atual.

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118 Mas se quisermos aprofundar nossos conhecimentos sobre a ação do quente e do frio na alimentação, não podemos permanecer no laboratório de física. É preciso ampliar nosso campo de observação e, simultaneamente, ter nosso ponto de partida no homem. Isto pode ser feito graças à ciência espiritual, sem que se perca nada de uma escrupulosa exatidão científica.

FISIOLOGIA DO SENTIDO DO CALOR

Comecemos por fazer desfilar perante nossos olhos uma série de fenômenos que podem ser observados no ser humano e estudados pela moderna fisiologia das sensações.

Quando tocamos um objeto, sentimos se ele está quente ou frio. Em nossa boca sentimos o calor da sopa ou o frio do sorvete. Entretanto, podemos observar que somente fazemos esse gênero de experiências na superfície de nosso corpo (incluindo seus orifícios naturais). A fisiologia moderna encontrou sobre nossa pele “pontos de calor” e “pontos de frio” ligados a terminações nervosas sutis. O número de “pontos de calor” é de 30.000 em média e o de “pontos de frio”, 250.000. Vê-se por esses números que o homem é muito mais sensível ao frio que ao quente.

Em realidade não sentimos um grau de calor ou frio, mas sim as diferenças de temperatura. Uma experiência muito simples o demonstra: mergulhemos nossas duas mãos simultaneamente em dois recipientes; em um a água está a 25ºC e no outro a 35ºC. Sentimos nitidamente a diferença. Em seguida, mergulhamos ambas as mãos, ao mesmo tempo na água a 30ºC. A mão que estava na água a 25ºC sentirá a água quente e a outra sentirá a fria. Então não é um calor objetivo nem um frio objetivo o que percebemos, mas sim a diferença, quedas do potencial térmico. O que experimentamos é o processo de aquecer-se ou de resfriar-se. Comparamos o calor externo com o nosso próprio calor.

Esse “sentido do calor” não percebe então da mesma maneira que o olho, por exemplo, e também não como o termômetro. Este instrumento é uma abstração. Na realidade, relacionamos todo o calor e todo o frio exteriores ao nosso próprio “organismo térmico”. E tão “pontual” como

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119 pareça a princípio nossa percepção térmica, nós não temos menos de uma “experiência térmica global”. “É o calor em nós que percebe diretamente o calor exterior”. Nosso sentido de calor se estende por todo o nosso corpo. O ser de calor é um organismo independente, um “quarto organismo” em nós, disse Rudolf Steiner; é de uma natureza mais elevada que o organismo sólido, o líquido ou o gasoso, mas penetra todos os três.

Sabemos que nosso organismo de calor tem uma temperatura fundamental, à qual ele se mantém com uma força extraordinária: a temperatura do sangue. Há, entretanto desvios notáveis em nosso corpo, já que o fígado possui temperatura por volta de 41ºC e a ponta do nariz pode descer a 22ºC. Então o ser de calor é diferenciado. Por outro lado, segue fielmente o ritmo circadiano, o grande ritmo terrestre de inspiração e expiração. A temperatura do sangue atinge seu máximo à tarde, entre 14:00 e 16:00 horas, atingindo o mínimo à noite, entre 2:00 e 4:00 horas.

O SER DE CALOR

Não há nada com que possamos nos identificar tão perfeitamente do que com o nosso próprio calor.

A maneira pela qual este ser de calor se mantém em seu meio esclarece-nos sobre os problemas do calor e do frio na alimentação. A “regulação térmica” mostra com eloqüência como o ser de calor intervém até nas partes sólidas, minerais, de nosso corpo.

Graças à evaporação não cessamos de enviar calor ao meio externo, ou dele retirá-lo, em função da temperatura do ambiente e da umidade do ar. Em caso de aquecimento do corpo os vasos sanguíneos dilatam-se, a pele enrubesce; em caso de esfriamento, os vasos contraem-se e a pele empalidece. A irradiação de calor que emana continuamente de nós reforça-se quando a temperatura do ar sobe, ocorrendo a sudação e a evaporação. Então o “frio da evaporação” intervém e o calor é retirado da pele.

Mas o suor, que provém de aproximadamente dois milhões de glândulas, elimina além do calor, um líquido orgânico e também sais

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120 minerais, que são dissolvidos nele. A sudorese inconsciente (perspiratio insensibilis) elimina pela evaporação, em 24 horas, em torno de um litro de água tissular, mas a quantidade rejeitada pela transpiração propriamente dita pode atingir em caso extremo, quantidades de até 20 litros! O organismo perde também com o suor quantidades notáveis de minerais, particularmente de cloreto de sódio (sal de cozinha) e 24 espécies de oligo-elementos, de reconhecida utilidade para a nossa vida.

Esses exemplos mostram bem que o organismo está ocupado até em seus constituintes minerais, em manter sua regulação térmica. Esta perda de substâncias deve ser compensada. Este é um problema da alimentação. A fome e a sede fazem parte, na realidade, da regulação térmica do corpo humano. Podemos até mesmo nos perguntar se o único objetivo da alimentação não seria este! De qualquer maneira, é certo que os organismos, gasoso, líquido e sólido, são colocados a serviço do ser de calor.

Dissemos anteriormente que o termômetro indica apenas uma medida “abstrata” do calor. Somente Fahrenheit tinha procurado um ponto de partida concreto: ele fixou em 100ºF a temperatura média do sangue humano e estabeleceu sua graduação a partir daí. Celsius e Réamur, ao contrário, tomaram como ponto de partida a temperatura de solidificação de água. Assim o fazendo, eles se desligaram do homem. Sua graduação venceu. No final, foi a escala de Celsius que prevaleceu.

Para nosso propósito, o que importa sobretudo saber é que, no homem, a percepção do quente ou do frio não é de modo algum passiva. A regulação térmica é uma função ativa do ser de calor. Ele realiza ações e reações entre si e o quente ou o frio do exterior, é ele que deve triunfar. Toda intrusão anárquica de calor ou de frio em nosso corpo é o inicio de um desequilíbrio que deve ser reparado sem demora. Ao que parece, é mais importante para o homem interno adaptar sua temperatura do que cessar a perda de líquido e de substâncias minerais. A regulação do calor tem a prioridade absoluta. “É preciso que a todo instante ou esteja capaz de captar o calor em cada ponto de minha pele e de fazê-lo meu” . Caso contrário sobrevém um “resfriamento” patológico, que é uma espécie de intoxicação para o quente ou o frio do exterior. Estes podem agir então como “corpos estranhos”. Eles não devem, porém ultrapassar a barreira da pele, enquanto

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121 que, por exemplo, os corpos graxos, que são portadores de calor, podem chegar sem inconveniente até o intestino delgado.

É necessário acentuar em todos esses fenômenos que o homem é um ser de calor, jamais um ser de frio. O calor lhe é mais aparentado que o frio. Este é o fato essencial ao qual ainda voltaremos.

PROCESSOS TÉRMICOS NO HOMEM. A TEORIA DAS CALORIAS

Tudo isso dá uma nova luz à teoria das calorias. Tinha-se postulado, no século 19, que toda substância, todo gênero alimentício, eram portadores de calor e que se podia medir em calorias seu potencial térmico. Mas esta força térmica não se integra passivamente no organismo, ela deve ser captada ativamente, ou seja, confrontar-se com o ser de calor. Essas calorias que absorvemos nos são, a principio estranhas, como declarou nitidamente A. Gigon em seus “Pensamentos sobre a nutrição”: “A força térmica dos alimentos deve ser transformada em calor corporal próprio, antes de poder ser utilizado em qualquer trabalho”.

Rudolf Steiner fez uma importante descoberta sobre esta questão: tudo o que nos alimentos é mineral, deve ser provisoriamente transformado em calor. E é precisamente aquilo que no homem é sólido, pesado, morto, cristalizável que deve sofrer essa transformação: ao menos por alguns instantes deve tornar-se leve, imaterial, energia pura, antes de se recondensar e de formar a matéria corporal humana. Percebemo-nos aí, em particular, de uma afinidade entre o ser de calor e o mineral.

“Quanta força o organismo humano deve despender para levar uma substância mineral do mundo exterior até o estado sutil de éter de calor?” Essa medida seria muito mais real do que a abstrata caloria, pois tudo depende concretamente da capacidade ou da incapacidade do homem: ou a substância é dissolvida, ou permanece como um corpo estranho e se incrusta nos tecidos, onde pode formar depósitos patológicos. Como exemplo desse último caso, Rudolf Steiner cita o diabetes, pois ele considerava o açúcar – principalmente o açúcar industrial atual – como uma substância pseudo-mineral. Ora, o homem não é de maneira alguma organizado para sobrepujar (no sentido explanado anteriormente) as quantidades excessivas de açúcar industrial que ele consome hoje em dia.

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122 De fato, o diabetes é uma doença que se expande cada vez mais. Essa maneira de ver permite explicar outras doenças, como o reumatismo, a gota, a artrite e até mesmo o câncer.

Chegamos então às questões práticas. Entre outras não é sem importância a temperatura fria ou quente de nossa alimentação. O calor ou o frio precisam também integrar-se ao “homem interno”. A experiência mostra já que os alimentos e bebidas são digeridos mais facilmente quando quentes. É então que percebemos a ação benfazeja da sopa, que Rudolf Steiner preconizou para o inicio das refeições. Por outro lado, surge um problema relacionado com os alimentos gelados. Os sintomas são claros: esses alimentos precisam ser reaquecidos, antes de chegar ao estômago; eles também não estancam a sede, que se encontra a serviço da regulação térmica, como já vimos. Tudo leva a pensar que sua assimilação exige esforços excessivos por parte do ser de calor, e isto bem frequentemente desde a infância. È o fígado quem, em primeiro lugar é sobrecarregado.

A noção exposta acima (dissolução dos minerais em éter de calor) lança uma nova luz sobre o papel dos minerais. Temos necessidade dessas substâncias minerais, sem as quais não poderíamos ter uma consistência sólida. Infelizmente, nossa alimentação atual é frequentemente deficiente nesse sentido; faltam-nos, acima de tudo, minerais que deveriam ser incorporados a toda substância viva, principalmente às albuminas e aos carboidratos. Nesse sentido, o pão e os cereais integrais, sendo mais ricos em minerais, podem ser considerados como auxiliares indispensáveis da regulação térmica. Lembremos ainda que não se atribui aos minerais nenhum valor em calorias.

Graças à transformação do mineral em calor, os alimentos perdem sua qualidade terrestre e tornam-se aptos “a acolher em si o espiritual que vem dos espaços cósmicos”. Essas substâncias são então regeneradas, rejuvenescidas; abandonam seu peso terrestre e comungam com sua origem cósmica, que é a atmosfera térmica do globo terrestre. Esse jogo de trocas entre o homem e o universo faz ressaltar uma vez mais o papel central do calor para a interiorização do Eu. Graças ao calor o Eu é, por um lado, reconduzido à sua existência terrestre, sólida e mineral e, por outro, reconduzido à sua existência terrestre, sólida e mineral e, por outro, elevado até a união com suas próprias origens espirituais.

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123 Na evolução do homem houve um momento onde “uma certa quantidade de calor penetrou em cada envoltório humano”. O globo terrestre era “envolvido numa vasta atmosfera quente”, cujo único resquício atual é o calor mineral. Naquele tempo, a espiritualidade do Sol vivia nessa atmosfera. Ela foi derramada em cada homem e deu o germe de sua individualidade. Ela ancorou-se no calor do sangue, em todos os níveis, até nos componentes salinos desse líquido.

UTILIZAÇÃO DO QUENTE E DO FRIO NA ALIMENTAÇÃO

“Quando nos encontramos num ambiente suficientemente quente para que possamos dizer a nós próprios: “Eu”... sentimos, então, bem estar”. Mas se rodeados de frio glacial, “então o frio exterior retira de nós esse fragmento de calor que somos. Nosso Eu procura nos escapar”.

Como vimos o valor calórico do alimento é importante, mas também sua temperatura. Iremos reter-nos um pouco sobre esse ponto. Para decompormos os alimentos realizamos um trabalho que exige calor interno. O quente ou o frio dos alimentos provocam igualmente um trabalho, mas este é menor se a refeição é quente. Neste caso, “o homem não tem necessidade de lhe fornecer seu próprio calor”. O cozimento transforma o alimento: “Todas as operações relacionadas ao cozimento eu as poupo ao meu próprio corpo”. Resumindo: esquentar, cozer, fritar ou ferver, mas também assar, torrar, etc., isto consiste em aproximar o alimento do organismo térmico humano.

Isso é particularmente válido para os carboidratos, os quais, pelo cozimento, já se transformam parcialmente em açúcar. “Desde que haja açúcar, entra em atividade a organização do Eu”. Esse processo está também relacionado com as forças voluntárias do homem, as quais se desenvolvem tanto em seu pensamento quanto em seus movimentos.

Essa decomposição efetuada pelo calor é de outra natureza do que a pelo frio, que se faz na refrigeração, nos alimentos congelados, etc. A fisiologia moderna é obrigada a reconhecê-lo. Ela o faz quando fala de um metabolismo específico do frio nos produtos congelados. É mais importante saber se esta ou aquela substância permanece inalterada nos

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124 diversos métodos de conservação, do que conhecer os reflexos dessas operações sobre o organismo humano.

Também o frio tem o seu equivalente espiritual. Em seu Curso Agrícola de 1924, Rudolf Steiner falou sobre a terra e as plantas. Neste caso, o frio traz consigo “um reforço da influência cósmica”, das forças extraterrestres. Um alimento que não foi atravessado por processos de calor, como por exemplo, os alimentos crus, inclinam-se então para essa esfera cósmica; com efeito, ele se orienta ao organismo neuro-sensorial, à pele, ao homem periférico. Sob este ponto de vista esse regime parece legítimo, mas sob certas condições. De qualquer maneira, pode-se dizer que os alimentos congelados de nossa época mantêm unilateralmente o sistema neuro-sensorial, abusando das forças extra-humanas, negligenciando e deixando desempregada a organização central do Eu. Esta alimentação favorece a abstração dos pensamentos, o pólo do frio no homem.

Tais considerações são proibidas ao cientista moderno, que acredita no que deve se limitar à física. Mas justamente por essa razão, ele não está apto a formar um julgamento baseado na realidade sobre o quente e o frio na alimentação humana.

A ESSÊNCIA DO QUENTE E DO FRIO

A ciência espiritual foi muito mais longe nesse domínio. Na realidade, sempre a questão do quente e do frio foi abordada nos “Mistérios”. O discípulos ou o sacerdote que se iniciava recebia a resposta. Era o enigma das forças estivais e hibernais. Dessa maneira, o antigo iniciado nos Mistérios de Hybernia via nas paisagens de inverno, surgidas ao seu olhar interior, “os impulsos destrutivos do universo”, os quais reinam sobre seu pólo neuro-sensorial; e nas paisagens de verão, o elemento de interiorização que o preenchia “concentrava-se em seu coração” e lhe dava “o sentimento de seu próprio Eu”.

Por sua vez, o iniciado dos Mistérios gregos sentia: “No ar quente, tu te sentes em ti... na água fria, tu te sentes estranho...”. “Na realidade tu podes sentir o ar quente apenas em ti e a água fria apenas fora de ti....”

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125 O papel do quente e do frio em nossa alimentação só poderá ser realmente compreendido se for aclarado pelos resultados da investigação espiritual. Isto fará com que o homem aprenda a utilizá-los na medida certa. Ele verá cada vez mais claramente que os processos de calor trazem um elemento do futuro que somente pode se desenvolver graças à individualidade humana. Os processos de calor interno que o organismo produz em nosso sangue... sobem para o espiritual, transformam-se em processos anímico-espirituais. Graças ao calor, graças à sua transformação permanente de corpóreo em espiritual, chega a uma existência mais elevada e o calor cria nele uma substância moral. Com efeito, “o calor tem por missão sobre a Terra transformar-se em compaixão”

TÉCNICAS MODERNAS DO QUENTE E DO FRIO NA ALIMENTAÇÃO

Para começar citaremos uma declaração de Glatzel, um dos cientistas mais eminentes de nossa época. Ele escreveu em “Fisiologia do comportamento alimentar” (1973): “Nenhum procedimentos provoca modificações tão profundas de estruturas e dos componentes de um gênero alimentício como o calor, em suas diversas formas de aplicação”. Isso mostra toda a importância do cozimento dos alimentos: ele é o privilégio absoluto do ser humano, sendo proveniente de seus instintos primordiais. Glatzel declara que após numerosas experimentações bioquímicas, fisiológicas e clínicas, o cozimento dos alimentos “oferece mais vantagens que desvantagens”. Quais são os pontos de vista da medicina oficial?

Admite-se que o cozimento proporciona uma melhor digestibilidade às proteínas do leite e dos ovos e aumenta o sabor e a assimilação das proteínas vegetais. O mesmo não ocorre em igual proporção para as proteínas da carne e do peixe. Elas permanecem praticamente inalteradas. Sem dúvida que ocorre aí uma modificação qualitativa que escapa ainda à análise.

No que se refere aos tratamentos do leite pelo calor, Glatzel declara que não se pode estabelecer nenhuma diminuição notável do valor biológico das proteínas do leite pela pasteurização, nem mesmo pela esterilização à 150ºC. Mas é necessário lembrar que a qualidade sutil do leite se perde certamente por essas operações. Aliás, o critério “valor

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126 biológico das proteínas” é manifestamente insuficiente: retornaremos a esse assunto no capítulo IX.

O professor Catel estabeleceu em 1939 que o leite cru tem um valor de 3 a 10 vezes maior que o leite esterilizado, faltando ao leite esterilizado as forças bactericidas que possui o leite cru. Por outro lado, demonstrou-se que o leite sofre uma desnaturação de sua albumina a partir de 70ºC. O método das “cristalizações sensíveis” de E. Pfeiffer pode fornecer respostas preciosas a essas delicadas questões, as quais serão mencionadas no volume III, quando citarmos as experiências feitas por nós mesmos. Em relação ao leite em pó, Glatzel declarou sem rodeios: “O teor em proteínas do leite em pó abaixa em função do calor de dessecamento e da duração do processo”.

No que concerne aos tratamentos térmicos dos cereais sabe-se bem que o amido, por exemplo, torna-se muito mais saboroso e mais digestível pelo cozimento. Ao incharem-se na água fervente os “grãos” de amido se abrem. E é, sobretudo para os cereais ditos “completos” que os tratamentos térmicos, parecem indispensáveis, devido aos limites de nossa capacidade digestiva. Se o homem quisesse, como o animal, contentar-se apenas com alimentos crus ser-lhe-iam necessárias capacidades digestivas bem diferentes. É claro que ele economiza forças nesse domínio a fim de reservá-las para fins superiores, tal como a aquisição do pensamento. A fécula da batata também é amido, mas ela não sofre pelo cozimento as mesmas modificações favoráveis que o amido de outras plantas.

Já o problema de panificação exigirá um capítulo especial (volume II).

Assim como os tratamentos pelo calor, os tratamentos pelo frio devem respeitar certos limites, a fim de não causarem prejuízos e perdas de valor biológico. A conservação pelo frio é praticada há milênios. Ela é muito pouco nociva quando se limita a temperaturas compreendidas entre +5ºC e -5ºC. Já há muito tempo é conhecido o armazenamento de frutas e legumes em adegas, fossas, subterrâneos, etc. (nos climas frios). Quando são conservados em plena terra, as forças cósmicas desempenham um papel não desprezível.

Em compensação, temperaturas mais baixas, como as utilizadas para os alimentos congelados, trazem novos problemas. Esses procedimentos são certamente eficazes, no sentido em que matam praticamente todos os

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127 microrganismos e inibem a atividade das enzimas restantes; os processos de vida são então perfeitamente abolidos. Mas é preciso ressaltar que existe um “metabolismo do frio”, isto é, que certos microrganismos e certas enzimas como que despertam em baixas temperaturas. Por outro lado, lembremos que nós homens somos seres de calor e que o pólo do frio (nosso sistema neuro-sensorial) encontra-se em conflito permanente com o nosso pólo de calor. O calor aparenta-se com a vontade. O frio equivale à rigidez, mas também à força estruturalmente cristalina.

Numa conferência feita aos operários do Goetheanum, Rudolf Steiner deu detalhes sobre essas duas tendências formativas “No universo tudo é ordenado segundo as leis cristalinas”. Essas forças cósmicas agem, sobretudo à noite. Elas querem, incessantemente, transformar-nos em formas minerais sem vida. Mas as forças solares opõem-se a essa solidificação, a essa cristalização. O homem, pela dualidade de seu ser (seus pólos da vontade e do pensamento), inclui-se igualmente nesse conflito entre quente e frio.

Em toda solidificação há uma tentativa de separar, de se tornar independente do meio. Isto se vê bem quando o gelo se separa da água... O calor, pelo contrário, tende ao amorfo. Ele representa de alguma forma o “negativo do peso”.

Em seu curso sobre o calor, Rudolf Steiner falou de uma “noite térmica” e de um “dia térmico”. “Durante a noite térmica, a terra tende à formação, à cristalização”, enquanto que no dia, sob a influência da entidade solar, há uma dissolução contínua, uma vitória sobre as tendências cristalizantes. O homem traz espacialmente em si, em seu pólo superior e em seu pólo inferior, aquilo que a terra atravessa temporalmente em relação ao sol. Também a planta encarna espacialmente esses pólos: em sua raiz vivem as forças do frio e em sua flor, os efeitos do calor.

Em um passado longínquo o homem tinha aprendido intuitivamente a utilizar essas duas forças, particularmente para o preparo de medicamentos. Rudolf Steiner disse, numa conferência em 10 de setembro de 1923: “naqueles tempos antigos, disse ele aludindo à civilização dos Druidas (por volta de 1500 anos a.C.) sabia-se submeter as plantas escolhidas a processos muito particulares, como o do congelamento, o da combustão e o da dissolução. Imitava-se assim certos fenômenos elementares conhecidos

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128 da natureza. Mas somente em certos limites”, isto é, provavelmente os limites da temperatura compreendidos entre 0º e 100ºC (gelo e ebulição da água). Aquilo que ultrapassa esses dois limites, na direção do frio ou do quente, sai do domínio dinâmico próprio ao homem, provocando efeitos inesperados e perigosos.

Assim se sabe que o congelamento a baixa temperatura desnatura as proteínas, as gorduras e os carboidratos dos alimentos. No que concerne às gorduras, surgem produtos intermediários de decomposição que não existem na decomposição natural. É possível que a albumina torne-se assim mais digerível, mas, ao mesmo tempo, as forças correspondentes são parcialmente paralisadas no organismo. Isto não é grave caso o consumo de tais elementos seja ocasional, não se tornando regra e hábito. Seria também necessário que a qualidade dos alimentos submetidos a esse tratamento fosse perfeita, assim como seu frescor. Conhece-se o ditado dos produtos congelados: “Degelar, cozinhar, consumir”. Isto denuncia suficientemente seu caráter pouco natural e inadequado ao homem, por mais práticos que possam ser na “cozinha moderna”.

Nesse contexto, voltemos um instante ao Curso Agrícola, onde Rudolf Steiner declarou, em resposta a uma pergunta: “Os efeitos do gelo são sempre um reforço notável da influência cósmica que age na Terra”. Mas em seguida, o investigador espiritual mostra que essa influência cósmica tem sua média normal em certos graus de temperatura. Aí ela é útil às plantas. Mas se sobrevêm temperaturas muito baixas e intensas, então esta influência se torna muito forte e extremamente prejudicial às plantas. Rudolf Steiner não pensava seguramente que as plantas “se congelavam”; ele tinha em vista a ação cósmica unilateral, ligada a um frio intenso. “Então, muito céu penetra na terra”. Tais dados podem ajudar a tomar uma posição frente às modernas técnicas de frio na alimentação.

Já nos referimos às fossas nas quais os camponeses enterram diversos legumes para conservá-los durante o inverno. Rudolf Steiner aludiu a isso numa conferência aos operários do Goetheanum: “No inverno o Sol age no interior da terra. Ele deixa aí suas forças, como que à espera. Elas exercem uma influencia vivificante no interior do solo. Assim os legumes, as batatas, as frutas, etc., que se colocam aí podem aproveitar-se disso”.

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ALIMENTOS SECOS, TORRADOS, COZIDOS.

Tudo o que acabamos de dizer pode ser aplicado também aos procedimentos de dessecação. A natureza nos propõe o modelo: a gênese das sementes, com eliminação da água e o dessecamento quase absoluto. As sementes de diversos cereais ainda contêm entre 12% e 14% de água; muitos aquênios têm bem menos (noz 7%, avelã 6,8%, amêndoa 4,5%, noz de coco 3,5%). Nesses casos, é, sobretudo o calor que faz sair a água, pela transpiração vegetal. É isso o que imitamos em nossas técnicas alimentares de dessecação. Rudolf Steiner, em seu Curso Agrícola, declara: “Aqui, como já o dissemos, são, acima de tudo as forças dos gêneros alimentícios que importam. Quando comemos frutos ou grãos, a força terrestre aí é importante. Se introduzimos então o processo de dessecação artificial – torrefação, o assar, secagem, etc. – reforçamos esta ação. Trazemos então força ao nosso sistema dos membros e ao organismo metabólico”. Sem dúvida alguma, essa é a razão pela quais os frutos secos são recomendados no regime de doentes do fígado. No mesmo sentido pode-se falar atualmente do cozimento dos grãos de trigo ou de flocos de cereais. Esse procedimento favorece sua ação dinâmica sobre o metabolismo; por outro lado, a formação de aromas novos, graças ao cozimento, acompanha-se de um aumento do sabor e da digestibilidade.

Como vimos, pode-se igualmente inibir e repelir a vida por meio do frio. A dessecação pelo frio consiste em congelar o produto e fazer evaporar todo o gelo formado. Isso foi empregado em grande escala, pela primeira vez, durante a última guerra mundial, para a obtenção de conservas de sangue seco. Em seguida, esse método foi largamente difundido*. Assim são fabricados sopas em saquinhos, frutas dessecadas, laranjas, etc. e café em pó (liofilizado). Com esse procedimento, transformamos 20% de água em gelo, o qual em seguida é eliminado sob vácuo, à baixa temperatura. O nitrogênio líquido também desempenha aí um papel. Finalmente, restam apenas 2% de água. O sucesso da operação então só é possível se utilizarmos outros processos, que são anti-fisiológicos. Não devemos nos esquecer disso.

Neste campo, toda nossa técnica alimentar moderna edifica-se sobre uma concepção puramente físico-química; a ciência atual não se encontra

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130 em condições de fixar verdadeiros critérios biológicos, pois não basta pensarmos nas perdas de vitaminas e enzimas. Temos aí apenas uma parte do verdadeiro valor nutritivo. Por outro lado, pode-se deixar convencer que certos métodos tradicionais de dessecação, empregados com as necessárias precauções, longe de diminuírem as forças presentes nos frutos e nos legumes, os aumentam, sendo então mais prudente dar-lhes a preferência. Alegramo-nos em ver que tais métodos se encontram em uso em diversos locais e que os frutos secos ou os legumes desidratados, de procedência biodinâmica, já se encontrem no comércio. As sopas em pacotes são saborosas e seu valor nutritivo é completamente satisfatório, assim como os frutos

*Admite-se que ele é o melhor e o que melhor poupa as substâncias.(N.T.)

secos biodinâmicos (maçãs, peras, ameixas).

Outro procedimento de conservação, também muito antigo, consiste em fixar a água por meio do açúcar. É o princípio das geléias, compostas, marmeladas, frutas em conservas, etc. Nós o mencionamos aqui porque o calor desempenha também um papel no preparo das geléias. Uma solução de açúcar a 40% ou 50% é indispensável para que a geléia se conserve por muito tempo. Em relação a esse ponto de vista, é evidente que a polpa e o suco ditos “integrais” apresentam vantagens. Para finalizar, ressaltemos que nossa civilização fez um consumo inacreditável de cremes gelados, gelo para bebidas – enfim, de frio. Isso denota uma tendência em privilegiar nosso “pólo do frio”, o pólo neuro-sensorial. Com isto é o fígado quem mais sofre.

Em suma, nesse setor são necessários e urgentes novos métodos, fundamentados em novos conhecimentos. Felizmente, já podemos assinalar iniciativas muito interessantes, por exemplo, procedimentos de conservação por meio de processos rítmicos.

Falaremos mais tarde, em detalhe, sobre outros métodos que são mais químicos que térmicos.

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CAPÍTULO VII

O CRU E O COZIDO. A DESCOBERTA DE M. BIRCHER-BENNER

Foi somente a partir de 1847, data em que foi fundada a primeira sociedade vegetariana (a London Vegetarian Society), que a questão do regime “cru” começou a se lançar na Europa. Pouco antes de 1900, o jovem Bircher Benner, com então 28 anos, decidiu-se pelo vegetarianismo; este foi um ato extremamente inabitual. Nessa época, Bunge, o grande fisiologista da Basiléia, já havia tomado posição a esse respeito – o que veremos adiante. De fato, o regime cru aplica-se quase que exclusivamente a alimentos de origem vegetal. Iremos nos prender aqui ao que foi dito anteriormente aos processos térmicos. Depois da ação de Bircher Benner em favor dos alimentos crus, diversas variações sobrevieram na apreciação desse regime, o que valeu a Bircher Benner muita censura por parte do corpo médico de Zurique. Ele foi reabilitado pela medicina oficial, bem antes de seu centenário (15 de novembro de 1967).

Bircher Benner não se fez vegetariano por razões morais ou religiosas, mas sim porque aprendeu por experiência que seus doentes curavam-se melhor com esse regime. Mas ele não achou na ciência nutricional de 1895 nenhum dado capaz de justificar os efeitos benfazejos do “regime cru”.

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132 Em tudo isso Bircher Benner teve um comportamento perfeitamente científico, racional e livre de preconceitos. Ele foi obrigado a confessar: “Ao contrário de tudo o que eu pensava e sabia o doente se recuperava”. Achou então que seu dever de homem e cientista o obrigara a pesquisar porque isso era assim. É muito significativo que ele tenha descoberto as virtudes dos alimentos vegetais crus à cabeceira de um doente. Ele viu então, diretamente, o caráter terapêutico desse regime.

Procurando a razão dessa eficácia, Bircher Benner deteve-se numa asserção do físico Wilhelm Ostwald: “O que comemos na planta é a energia solar”. Ele fez seu esse postulado, que é absolutamente justo e deduziu que a nutrição de origem vegetal deve ter o mais elevado valor nutritiva, pois segundo as leis energéticas, a luz solar representa a força mais atuante. Mas a alimentação vegetal crua, “fresca”, como ele dizia, ultrapassa em valor a alimentação vegetal denominada “cozida até a morte”.

Não é possível demonstrá-lo pelos meios de fisiologia. E atualmente não se pode dizer que essa questão tenha encontrado uma resposta satisfatória, apesar das numerosas pesquisas realizadas nesse sentido.

È verdade que essas pesquisas revelaram toda uma série de efeitos importantes devidos ao regime de alimentos crus: o efeito diurético, a diminuição de tendência à inflamação, o efeito “emagrecedor” (devido a sua pobreza em albumina e gordura), e a ativação das secreções digestivas e do peristaltismo intestinal.

OS DADOS DA CIÊNCIA ESPIRITUAL

Todos esses efeitos indicam nitidamente que o regime de alimentos crus possui um valor terapêutico. Mas para que realmente compreendamos o que isso significa, devemos ampliar a idéia que fazemos do homem.

Nesse domínio pode ser então interessante observarmos quais são os dados trazidos pela ciência espiritual moderna. Rudolf Steiner exprimiu-se numerosas vezes sobre esse assunto, particularmente diante de médicos e agricultores – duas categorias sociais particularmente ligadas ao problema.

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133 Ressaltou que em caso de alimentação vegetariana, “devemos nós mesmos realizar toda a elaboração que o animal que a consome nos poupa, uma vez que ele mesmo já conduziu o vegetal a um nível superior”. Ao comermos carne, não desenvolvemos então as forças necessárias para a digestão das plantas. Tornamo-nos interiormente mais preguiçosos e as forças não utilizadas provocam distúrbios.

Foi o que constatou Bircher Benner, quando optou pelo vegetarianismo. Aos seus olhos, esse feito estimulante das plantas era tanto mais forte quanto mais frescas eram comidas, e no seu estado natural, sem mudança alguma. Mas o que significa verdadeiramente: os alimentos “cozidos até a morte?” Será justificado o uso dessa alocução? O que ocorre realmente durante o cozimento?

Rudolf Steiner disse que pelo cozimento o homem poupa a si um trabalho que ele mesmo deveria fazer, se o alimento fosse cru. Logicamente a alimentação crua seria então preferível. Esse julgamento, entretanto, é apenas parcialmente defensível. Rudolf Steiner assinalou que há nesse domínio uma polaridade do organismo humano. Nós somos orientados para o mundo exterior pela pele, pelos órgãos sensoriais e pelo sistema nervoso. É por eles que somos ligados à natureza, ao cosmos. Esse pólo do nosso organismo é de certo modo aparentado aos produtos crus e inalterados da natureza. Se quisermos exercer uma ação dietética sobre essa “periferia” de nosso organismo, nós a fortificaremos por meio do regime “cru”. Mas veremos adiante o que são necessárias certas reservas, também nesse sentido.

Se cozermos os alimentos vegetais ou se os secarmos, etc., adicionamos-lhes um processo térmico. Assim o fazendo, desencadeamos um processo que nos é aparentado. Com efeito, nós aquecemos os alimentos ingeridos em nosso estômago e em nosso intestino, e mais ainda na região do fígado, onde são plenamente penetrados por nosso calor próprio, o do sangue. É no calor que se desenvolve nossa individualidade.

Com os alimentos cozidos e quentes estimulamos as forças internas de nossa organização; favorecemos as forças de individualidade que se encarnam no calor.

Dessa maneira, adicionando um processo térmico aos alimentos de origem vegetal, nós o orientamos para o nosso ser interior, central, que se

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134 emancipa do cosmos, contrariamente à nossa pele e aos nossos sentidos. A nutrição cozida fortifica o homem terrestre.

Segundo Rudolf Steiner, o regime “cozido” é, propriamente falando, “adaptado ao homem”. É, em verdade, um processo de nutrição.

Quando o alimento é “deixado em seu estado natural”, consumido cru, age de encontro a esse processo central. Para vencer esse alimento, é preciso que o homem faça uma força bem maior. É necessário, em realidade, para que isso seja possível, um caso patológico.

Se o homem tem necessidade de processos terapêuticos, seja porque queira fazer agir seus alimentos até a periferia, seja porque o equilíbrio entre o homem periférico e o homem central esteja rompido (o que ocasiona sintomas patológicos dos dois pólos), então o regime “cru” encontra-se indicado.

Rudolf Steiner assinala a grande importância dessa proposição de Schafer: “O consumo de alimentos crus é, em certo sentido, um processo de cura, muito mais que o consumo de alimentos cozidos”. Com efeito, é aí que se encontra a chave do problema.

Quando Bircher Benner fez sua primeira experiência decisiva, por ocasião de uma cura, e não num regime permanente normal, encontrou-se em acordo com a proposição de Rudolf Steiner. Dado que o homem sofre hoje em dia cada vez mais de alterações do equilíbrio entre seu centro e sua periferia, o regime cru adquire uma enorme importância terapêutica.

Mas em realidade, é somente a alimentação com raízes cruas que deveria ser qualificada como “regime cru”. Sobre isso existem inumeráveis resultados de experiências, por exemplo, com o regime de cenouras cruas, com relação aos órgãos sensoriais, à pele e ao sistema nervoso.

As folhas e principalmente ainda as extremidades superiores da planta, no estado cru, já foram trabalhadas pela luz e pelo calor solar. Os frutos são em realidade “cozidos pelo Sol” e por essa razão uma dieta de frutas não é um verdadeiro “regime cru”, destinando-se muito mais ao homem interno central.

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135 Pode-se prolongar esse cozimento solar das frutas por meio da dessecação, etc., aumentando então seu efeito sobre a organização interna do homem.

É somente com essas respostas que se pode resolver com realismo o problema dos dois regimes, o cru e o cozido, e empregá-los racionalmente.

Nessa ocasião, lembremos que o processo de nutrição no homem tem limites determinados, particularmente no que concerne ao regime cru. Para que o alimento nos seja suportável, é necessário que tenha atingido certo grau de maturação. Isso é particularmente verdadeiro para as frutas. Todos conhecem os efeitos nocivos das “frutas verdes”. Isso mostra que uma força térmica deve adicionar-se necessariamente à nutrição “humana”. Como todos sabem, os animais comportam-se nesse aspecto bem diferentemente do que nós, e toleram assim uma alimentação demasiadamente amadurecida, já fermentada ou apodrecida. Sob esse aspecto o homem é muito mais sensível.

Atualmente as frutas são colhidas ainda “verdes”, sendo amadurecidas após colheita por métodos artificiais, sobretudo frigoríficos. A qualidade dos gêneros assim amadurecidos traz certo problema.

Leremos mais adiante o que Rudolf Steiner pensava a respeito das sopas quentes.

Citemos, entretanto, essa passagem de sua “Fisiologia oculta”: “Os processos térmicos internos que o organismo engendra em nossa sangue parecem-se a uma flor, que resume em si todos os outros processos da planta; isso se eleva até a esfera anímico-espiritual e o transforma em alma e em espírito. O que é mais belo nesta esfera? É o fato de que pelas forças do ser humano, aquilo que é orgânico pode ser transmutado em alma...”

Tais palavras permitem-nos experimentar que, mesmo em nossa alimentação, participamos de processos os mais elevados; podemos ver a que sublimes pensamentos pode nos conduzir o exame de um problema tão simples e tão quotidiano como o do cozimento dos alimentos.

O SIGNIFICADO DA SOPA

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136 Walter Ulrich Guyan redigiu uma pequena “História cultural da sopa”. Aí ele declara que o “nascimento da sopa” deve remontar aos primórdios da evolução humana. Essa forma de alimentação teria então uma idade muito respeitável.

A isso retornaremos mais adiante: o alimento original da humanidade era líquido; o leite veio mais tarde. Em seguida desenvolveu-se uma alimentação feita de caldos de cereais, geralmente cozidos em leite, etc. Sem dúvida foi essa a base da alimentação durante milênios. Mas já Aristóteles fala de “suco de legumes”, talvez referindo-se a sopas. Segundo Guyan, marmitas de sopas foram encontradas num povoado do terceiro milênio a.C., na Suíça (escavações Thayngen).

Sabe-se que Henrique IV, na França, fazia o elogio da sopa, o famoso caldo de galinha (“poule au pot”). E Luiz XIV mantinha em sua corte diversos cozinheiros cuja única atribuição era de preparar as sopas. No século 17 a cozinha francesa já era renomada; ela fazia da sopa não somente o “primeiro serviço”, mas “a abertura” da cerimônia da refeição.

Brillat Savarin falou muito sobre as sopas na sua “Fisiologia do paladar” (1825). Utilizava-se então quase que apenas o “consommé”, ou o caldo de carne, adicionado de diversos legumes, massas e crostas de pão, e a “sopa Parmentier”, feita de batata, que rapidamente substitui os caldos de aveia (51).

Liebig compôs um extrato de carne que se tornou célebre. Mais tarde, em 1886, Maggi colocou no comércio sopas preparadas sob a forma de farinhas e, no mesmo ano, Knorr fabricou os primeiros cubos-de-sopa. Esses produtos mantiveram-se até os nossos dias, graças aos procedimentos modernos de desidratação dos legumes, com grande popularidade, mas que não podem se rivalizar, do ponto de vista da qualidade, com uma boa sopa caseira de legumes. Eis as vantagens de uma sopa de boa qualidade, segundo Mohler (1972): “Pelo seu calor, ela dilata os vasos sanguíneos na boca e no estômago; estimula as secreções digestivas; fornece o líquido indispensável para as secreções do tubo digestivo.”

Essas vantagens eram bem conhecidas de Rudolf Steiner, que aconselhava “sempre começar uma refeição por uma boa sopa quente”, assim como o faz A. Ljungquist em seu livro, onde se lê: “Quando

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137 quisermos oferecer frutas geladas ou leite coalhado no verão, dever-se-ia fazê-lo após o prato quente.”

Sabe-se que Rudolf Steiner, para seu próprio uso, apreciava muito a sopa de legumes frescos. Ele aconselhava o uso de legumes de todos os tipos e de “peneirar” tanto quanto possível o caldo.

Nem o “consommé”, ou caldo de carne, nem o extrato imaginado por Liebig são recomendáveis. Seu alto teor em sal, sua leve acidez e as carnes de má qualidade utilizadas em seu preparo são razões para se abster deles. Eles são “fortificantes”, apenas aparentemente, ainda que diversos médicos lhe atribuam ainda essa propriedade.

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CAPÍTULO VIII

ALIMENTOS - PRODUTOS DE REGIME - GULOSEIMAS - MEDICAMENTOS

Em princípio tudo o que é proveniente do vegetal ou do animal pode servir á alimentação do homem, contanto que este possa digeri-lo. Todo o nosso ser está envolvido em cada ingestão de alimento: pensamento, sentimento, vontade, consciência e inconsciência, corpo, alma e espírito. Por outro lado, o que o homem escolhe para a sua alimentação é em função de sua raça, de seu povo, de seus hábitos e tradições. Atualmente o homem tende cada vez mais a escolher individualmente seus alimentos.

Nosso alimento deve ser digerível, consumível e saboroso. Mas o alimento que se digere, o que facilmente se consome, é ele necessariamente agradável ao paladar?

Os animais têm um sentido instintivo dos alimentos que lhes são “bons”. O homem perdeu esse instinto há muito tempo e é preciso que comece a substituí-lo por suas escolhas conscientes. Eis aí a tarefa essencial de uma nova higiene alimentar.

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AS RELAÇÕES DE PLANTA COM O HOMEM TRIPARTITE

Essas relações são válidas tanto para a planta medicinal como para a planta alimentícia. Rudolf Steiner definiu-as com precisão em seu Primeiro Curso médico de 1920, baseando-se sobre a “tripartição” do organismo humano. Nesse sentido a planta é o inverso do homem. Ela desenvolve suas raízes na terra; e suas flores, assim como suas sementes, no ápice. O ser humano, pelo contrário, dirige seus órgãos genitais para baixo e pela sua cabeça, de certo modo, “enraíza-se” no céu. Sob esse ponto de vista o homem é então uma planta invertida. A formação das folhas constitui um sistema mediano. Eis então a correspondência:

Tudo que na planta é raiz tem uma ligação com o pólo superior do homem, com o sistema neuro-sensorial.

Tudo que é flor e fruto aparenta-se com o pólo inferior ao homem, com o sistema de trocas (metabolismo) e dos membros.

As folhas, os caules, todas as partes herbáceas da planta, correspondem ao homem médio – respiração e circulação –, ou seja, ao sistema rítmico.

Em primeira noção, bem vasta, indica todas as relações de troca entre nosso alimento e nosso organismo interno.

É preciso considerar a extrema diferenciação do reino vegetal. Poucas plantas desenvolveram harmoniosa e plenamente os três sistemas definidos acima. O que caracteriza nossas plantas alimentícias é o desenvolvimento especial de uma de suas partes. As plantas que desenvolvem sobretudo a raiz expressam sua afinidade com o que é terrestre. Outras plantas distinguem-se pela riqueza de suas flores ou de seus frutos (bananeiras, árvores frutíferas). Elas estão mais orientadas para o cosmos. Certas plantas fazem sobressair singularmente seu tronco: o ananás, por exemplo. Em tempos muito antigos, o homem começou a selecionar, a transformar certas plantas: os cereais, as árvores frutíferas, a oliveira e diversos legumes, como a cenoura e a lentilha.

Assim se especializando, as plantas adquiriram ligações com certas partes ou certos órgãos do homem. Foi por isso que Rudolf Steiner pôde

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139 dizer: “Uma determinada planta tem sabor apenas para o órgão bem determinado, sendo insípida para os outros órgãos; apenas um órgão deixa-se excitar pelas forças dessa planta, e acrescenta: “É importante compreender que ao comermos devemos nos manter em uma relação viva com os diversos alimentos”. Temos aí as relações entre microcosmos e o macrocosmos. Desse conselho pode resultar uma “sadia higiene alimentar”. Desenvolveremos aqui apenas dados gerais sobre esse assunto e retornaremos mais detalhadamente no segundo volume.

AS PLANTAS MEDICINAIS

Rudolf Steiner disse que podemos esperar de uma planta medicinal que ela se mostre capaz de intervir na consciência do homem. A consciência foi modificada pela doença, seja num único órgão, seja em todo o corpo, e deve ser então normalizada, reconduzida à “consciência do homem são”. Uma planta alimentar, pelo contrário, deve intervir não na consciência, mas unicamente nos estados vitais; no máximo pode se refletir na consciência. Rudolf Steiner forneceu uma definição muito importante da diferença entre o que seja medicamento e o que seja alimento. Quando nos alimentamos devemos cuidar para que o alimento aja em nós como um “meio de viver” e não como um meio de modificar nossa consciência. A qualidade dos gêneros alimentícios depende da medida com que eles podem responder a essa exigência.

É necessário ressaltar também que a planta medicinal, comparativamente à planta-alimento, exagera sempre um caráter específico, que se manifesta também em seu quimismo. Nesse sentido uma planta medicinal é algo “anormal” e, por vezes, mesmo aberrante, patológico. Ela cai nos extremos, como é visto nas plantas venenosas.

Certamente, um gênero alimentício pode ultrapassar seus limites normais, por exemplo, quando se torna um produto de guloseima ou é utilizado como tal. Quem bebe café geralmente não o faz pensando apenas no eventual valor nutritivo desse líquido; mas quem bebe cerveja geralmente o faz. E quando comemos chocolate geralmente o fazemos por prazer, raramente nos lembramos do seu valor nutritivo. Da mesma

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140 maneira um sorvete não é consumido por seu valor alimentício. Inversamente, um bebedor de café age “como um medicamento”.

O “produto de regime” tem isso em comum com os outros gêneros, que se consomem em quantidades maiores ou menores, enquanto que um remédio deve ser sempre dosado.

Rudolf Steiner falou sobre isso numa conferência destinada a médicos, em Londres, em 29 de agosto de 1924. Ele perguntou por que o ser humano admite em sua alimentação um grande número de substâncias, enquanto que, comparativamente, há poucas substâncias medicinais. A resposta foi a seguinte: “Porque as substâncias que não são contidas nos alimentos agem particularmente de um modo forte sobre a parte espiritual do ser humano”. Elas têm um parentesco com seu corpo astral e seu Eu. Isto novamente é uma diferença sensível entre o alimento e o remédio.

Dessa maneira podemos transformar um alimento em remédio, seja pela dosagem, seja por uma preparação farmacêutica. Temos numerosos exemplos disso na medicina antroposófica: a alcachofra, por exemplo. Ela é um “produto de regime” para as doenças do fígado. Por outro lado, um fruto como o ananás é ao mesmo tempo um alimento e uma guloseima, mas, Rudolf Steiner usou esta bizarra formação vegetal para a composição de um remédio. Últimos exemplos: podemos empregar a urtiga como alimento, produto de regime, remédio e condimento. E a páprica pode indiferentemente ser considerada como condimento ou medicamento.

OS PRODUTOS DE REGIME

Rudolf Steiner indicou em seu primeiro Curso Médico, em 1920, que o regime torna o ser humano não social, pois ele se isola da comunidade pela sua alimentação e se torna, socialmente, até mesmo um “fora da lei”. Por esta razão Rudolf Steiner recomendou habituar-se a digerir e a tolerar alimentos que não suportamos bem, pois assim se fortificam os órgãos internos. Ele aconselhou aos médicos a não prolongarem os regimes por mais tempo que o absolutamente necessário, para que os doentes retornassem à comunidade. “A importância da Ceia não reside em que o Cristo tenha dado um alimento especial a cada um de seus discípulos, mas

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141 que tenha dado a todos a mesma coisa. Estar juntos para comer e beber é de um grande significado social.” Tais palavras mostram os graves problemas com a alimentação em comum (cantinas, etc.) dos quais trataremos mais adiante.

Como vimos, quando tratamos dos condimentos, muitas especiarias e aromas culinários são ao mesmo tempo plantas terapêuticas: o cominho, a manjerona, a melissa, o alecrim, etc. Instintivamente dosamos nossos condimentos como se dosa um medicamento.

O SAL DE COZINHA

Essa substância tem ao mesmo tempo o valor de alimento, de condimento, de produto de regime e de remédio. Numerosos sábios trataram dele. Podemos esperar indicações preciosas pela ciência espiritual, mas no momento exporemos apenas princípios gerais. Mais tarde examinaremos os minerais em detalhe.

Talvez o sal seja a única substância que nós absorvemos sob uma forma puramente mineral, mas nós o consumimos apenas em pequenas quantidades, como um condimento.

No último terço do século 19 estudou-se a necessidade do sal no homem e se estabeleceu que esse alimento é indispensável. Liebig era então, na Europa Central, o promotor dos adubos minerais. Ignorava-se ainda totalmente qual a atividade dos minerais absorvidos pelo homem. Bonge estudou mais tarde o consumo do sal na cidade e no campo. Ele descobriu que seu consumo diminui quando o regime é, sobretudo cárneo, como é o caso nas cidades, e aumenta quando o regime é sobretudo vegetariano. Bonge perguntou-se porque desejamos sal, já que nossa alimentação, mesmo a vegetariana, deveria naturalmente conter o suficiente. Esse desejo de sal existe também nos animais herbívoros, como se sabe. Em uma carta de Bonge o Dr. L. Reinhardt, aquele escreveu: “Dado que o regime dos negros é principalmente vegetariano, sua necessidade de sal é espantosamente grande. Aqui todas as mulheres aprendem a obter o sal a partir das cinzas das plantas. Mas lá onde o sal se encontra no solo e na água, ou seja, unicamente perto do litoral, as empresas de produção de sal são prósperas.” Já o Dr. L. Ranke menciona

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142 num de seus livros uma comunicação de Livingstone, o famoso médico da África austral: “Em toda a região não há sal, e apenas os ricos podem comprar um pouco. Os médicos indígenas conhecem a causa da doença (conseqüência da falta de sal) e prescrevem sempre sal entre seus remédios.” Vê-se aqui que o sal é tratado tanto como medicamento como alimento.

Eis os princípios estabelecidos por Bonge:

1- Mesmo sob forma mineral o sal de cozinha é necessário na ingestão alimentar;

2- Quando a alimentação é predominante vegetal, aumenta a necessidade de sal, pois os vegetais contêm pouco cloreto de sódio orgânico;

3- Quando o alimento é predominante animal, diminui a necessidade de sal;

4- Existe no organismo uma relação entre o potássio e o sódio. Os alimentos vegetais contêm 3 a 4 vezes mais potássio que a carne. A riqueza das plantas em potássio é a causa de nossa necessidade de sal, em caso de regime vegetariano.

Ainda que essas observações fossem hipotéticas em sua época, M. Bircher Benner declarou em 1930: “Um moderado consumo de sal não deveria comportar mais de 3 a 5 gramas de sal por dia, adicionados aos alimentos”. Essa norma fixou-se entre 0,5 a 5 gramas, o que não impede que o consumo diário de sal nos países civilizados, estatisticamente, seja de 20 a 30 gramas. O sal então tornou-se “guloseima”, constatou Bunge.

Mas o que há à base dessa necessidade? Por que o homem tem necessidade de sal? Deduz-se das quatro teses de Bonge que somente uma concepção dinâmica da alimentação pode compreendê-la. Como se sabe, a economia do cloreto de sódio no organismo é intimamente ligada ao metabolismo dos líquidos, ou seja, ao organismo-água. E como já se viu, o sódio está em polaridade com outros metais, principalmente com o potássio, o magnésio e o cálcio. A questão do sal de cozinha une-se então ao equilíbrio entre os alcalinos e os ácidos em nosso organismo.

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A ESSÊNCIA DO MINERAL

A ciência espiritual moderna, tomando o antigo princípio alquimista, sal, mercúrio, enxofre, estudou de perto essas três noções. O sal surge como um princípio terrestre, em contraste com o enxofre (Súlfur), que é portador de fogo e de luz. O telúrico, o sólido, concentrou-se no sal. “Quando um ser humano mostra-se ávido por tudo que é salgado, é porque seu Eu e seu corpo astral encontram-se muito ligados a seu corpo físico e etéreo”. Por quê isso? Porque o Eu e o corpo astral – sobretudo o Eu – estão em relação com o que é mineral, cristalino, inorgânico no organismo, com tudo o que perdeu nos “imponderáveis”, como o calor e a luz, permanecendo unicamente o “ponderável”. Por causa disso, o sal torna-se transparente para o espiritual. Ele era para os alquimistas uma “substância que não é egoísta”, uma substância absolutamente desinteressada, pela qual pode inflamar-se nossa natureza superior, anímico-espiritual. Note-se que todas as partes do corpo humano que tendem à mineralização, os nervos, o cérebro, o esqueleto, são os fundamentos de nossa vida anímico-espiritual. O que é salino é parente do gelo, do frio. “No pensamento a vida se congela.”

Mas o homem deve vencer sem cessar esta tendência. Quando consumimos sal, queremos e devemos “fazer regredir o processo de salinização”, no processo de densificação da terra. Desde a cavidade bucal nós dissolvemos o sal, nós o tornamos líquido. Nosso desejo de sal tem essencialmente esse significado. “Por aí se lança um olhar sobre as correlações entre o organismo humano e a natureza extra-humana.” E se aprende então que a natureza humana “experimenta uma espécie de necessidade orgânica de fazer recuar, de combater certos processos do mundo exterior”.

Foi por esses dados que Rudolf Steiner justificou a necessidade de remédios minerais. Na alimentação podemos ultrapassar apenas de pouco a dose de minerais que as plantas oferecem em seus tecidos. A maior parte dos minerais está ligada aos seres vivos que podemos consumir. Somente o sal de cozinha é exceção, no sentido em que o cloreto de sódio contido nas plantas ou nos animais pode não nos bastar.

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144 Entretanto, essa regressão da qual falamos, o ser humano somente pode realizar na medida das forças de sua “organização do Eu”. Bircher Benner reconheceu a necessidade de um consumo “moderado” de sal. De seu abuso, como de sua falta, podem resultar doenças. Pesquisadores americanos assinalaram as relações da arteriosclerose, da hipertensão arterial e de muitas doenças do coração com uma sobrecarga renal em cloreto de sódio.

Em uma conferência feita aos operários do Goetheanum, em 22 de Setembro de 1923, Rudolf Steiner disse: “O sal é um alimento extremamente importante”, pois “salgamos nossos alimentos para sermos capazes de pensar”.

“Logo que o sal chega ao cérebro, ele já está espiritualizado” disse ainda, acrescentando que “tudo o que absorvemos de mineral deve tornar-se, por certo tempo, puro calor, e unir-se ao calor próprio do homem”.

Mas esse aspecto não é o único. Sabemos que temos necessariamente no estômago ácido clorídrico, um derivado do cloreto de sódio. Com a pepsina este ácido colabora, no nosso estômago, para a digestão das albuminas. O sal desempenha aqui todo outro papel, ele que depende do corpo astral. Mas o cloreto de sódio que intervém na gênese do ácido no estômago “não vem de fora com os alimentos; ele é perpetuamente produzido pelo organismo”.

A relação entre essa acidez gástrica e a atividade do corpo astral – nosso psiquismo – já há muito tempo é conhecida. Nessa produção de ácido distinguem-se atualmente três fases: psíquica (45%), gástrica ou humoral (45%) e intestinal (10%). Como se vê, a maior parte do suco gástrico provém de fora, por meio do sistema nervoso e do sangue.

É notável que para a gênese do ácido clorídrico no estômago necessite-se sempre de hidrogênio, o elemento mais rebelde ás forças terrestres e o mais próximo do Eu humano. Retornaremos a esse fato interessante quando examinarmos o papel dos diversos minerais em nossa alimentação.

Um papel igualmente duplo é desempenhado pelo ácido úrico. Rudolf Steiner falou dele, sobretudo em seus “Princípios Fundamentais”. Glatzel declara, após inúmeros experimentos com animais: “De que maneira e por

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145 quais caminhos os processos nervosos regem esse fenômeno (a produção do ácido úrico), ninguém o sabe até o presente”.

OUTROS PONTOS DE VISTA

No decorrer da evolução da Terra o que era mineral condensou-se até o estado sólido, cristalino. Rudolf Steiner falou dos antigos estados da substância: “Todos os minerais existiam sob a forma de vapores, de brumas clareadas”, ou seja, numa atmosfera viva e penetrada de calor. Na ciência espiritual moderna essa época é chamada de “pré-lemuriana”. O homem também vivia nessa atmosfera, numa forma totalmente diferente da atual. Tais estados continuam a existir em nossos dias, no homem interno, no seu metabolismo. Nesses tempos recuados, a nutrição, a respiração e a cura constituíam um único processo.

Foi o mineral o que mais se distanciou dessa atmosfera plena de espiritualidade. Ele projetou fora de si, sobretudo com o sal, todos os imponderáveis. Ele é totalmente morto. Por isso o mineral tornou-se permeável ás atividades extraterrestres. Ele está em colaboração real com as forças que envolvem a terra. Os minerais, disse Rudolf Steiner, são o resultado das ações dinâmicas extraterrestres.

Uma metamorfose desse gênero afetou, no homem, os órgãos que servem ao desenvolvimento da consciência. Também aí a vida própria se retirou, para que a vida universal pudesse entrar no homem, graças á percepção e ao pensamento, nos quais se acende a consciência do Eu. Dito de outra forma a organização do Eu confronta-se sem cessar com um processo de mineralização. Ela deve sem cessar, combater no homem inteiro sua propensão para se mineralizar. É claro agora que na alimentação, e, sobretudo na ingestão de sal de cozinha, o homem deve sem cessar realizar esse trabalho, no que é ajudado pelo sal.

Mas o que faz da substância mineral um remédio? É o mesmo processo, mas realizado de fora, artificialmente provocado: levar a matéria densa ás suas origens, á dissolução atmosférica. Esse princípio é chamado dinamização ou diluição rítmica, ou ainda “homeopatização”. Sob esta forma, as substâncias dinamizadas podem ser vencidas pela organização do

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146 Eu. Tornam-se remédios que executam por um tempo no homem aquilo que ele não é capaz de fazer. Assim ele pode utilizar substâncias que não saberia suportar em estado concentrado, pois então elas agiriam sobre ele como venenos.

A FORMAÇÃO DOS VENENOS

Isto nos leva a considerar a formação dos venenos, os quais existem num grande número de remédios, “Honramos o homem quando sabemos que ele participa nesse rude combate...” (trata-se da regressão do elemento mineral) e “é o Eu quem deve participar dessa luta”. O que importa num remédio não são apenas as substâncias utilizadas (elas são absolutamente necessárias na nutrição terrestre) “é, antes de tudo, o modo de preparação, o caráter dinâmico do processo”. Assim exprimiu-se Rudolf Steiner numa conferência destinada a médicos. Nesse caso, a farmacologia imita o que se passou na natureza exterior, na origem das substâncias... e o que se passa no homem durante a digestão.

Mas voltemos à gênese dos venenos. Numerosos venenos encontram-se em nossa alimentação quotidiana; são constituintes naturais de nossas plantas alimentícias e certamente têm um papel em seu valor nutritivo.

Rudolf Steiner falou longamente sobre o gênese dos venenos no mundo vegetal (Primeiro Curso médico, 1920). Toda planta “comestível” participa das forças formativas terrestres e extraterrestres. Ela as equilibra desenvolvendo-se. Esse equilíbrio, entretanto, pode ser alterado. Se há uma predominância das forças cósmicas, a planta “defende-se” contra as forças terrestres, na formação de seus frutos e sementes. Tende então a ultrapassar o processo de formação vegetal e a atrair para si forças que são próprias dos animais. Tal planta torna-se então venenosa, tal como a beladona ou o Hiosciamus. Essas plantas podem tornar-se medicamentos importantes, quando são devidamente preparadas. Agem diretamente sobre a consciência alterada pela doença. Tais plantas venenosas são ligadas a forças extraterrestres extremamente diversas, oferecendo, por conseguinte, uma rica possibilidade terapêutica.

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147 É verdade que toda planta atrai a astralidade para si, especialmente em seus frutos. Rudolf Steiner disse assim em seu Curso Agrícola: “As árvores frutíferas são coletoras de substância astral e isso se manifesta em seus frutos”. Mas tal vegetal alimentar “possui apenas trocas dinâmicas com o astral.” Em uma planta venenosa, pelo contrário, o astral penetra até seu corpo etéreo. Ora, quando comemos uma planta, absorvemos também seu corpo etéreo, como já foi dito.

Rudolf Steiner falou com precisão desse processo. Quando comemos uma planta crua, uma fruta, por exemplo, nós “arrancamos o etéreo da planta e o colocamos em nosso próprio corpo etéreo, com as forças que nele se encontram”. Mas então ocorre “algo de muito particular”, que Rudolf Steiner descreveu, dando o exemplo do repolho. Quando o comemos, surge na parte inferior de nosso organismo “uma forma luminosa”, traduzindo sua digestão; depois, no alto, na cabeça, surge outra forma que é como o “negativo” da primeira. Esse fenômeno, percebido pela clarividência, não deve ser concebido de maneira física, espacial. É uma “visão imaginativa”. Vale para todas as plantas que são alimentos. Mas se ingerimos uma planta venenosa, ocorre outra coisa, surge então uma forma “muito mais sólida”, cujo negativo age bem mais intensamente. Tal forma, percorrendo o corpo etéreo humano – se o veneno foi tomado numa dose tolerável – provoca um negativo mais intenso no pólo superior. E é sobre as reações alternantes das duas imagens que repousa o processo terapêutico. Rudolf Steiner acentua, porém, expressamente, que não é a “dispersão no espaço” que importa. Essas duas imagens polares, uma no abdômen e a outra na cabeça, existem sem que haja nenhuma transferência físico-espacial. Vemos aqui todas as complexidades de uma ciência dinâmica da alimentação.

DIFERENÇAS ENTRE O ALIMENTO E O REMÉDIO

Sabe-se há longo tempo que muitas plantas que crescem nas montanhas possuem poderes terapêuticos diferentes dos da mesma espécie que cresce nas planícies. Seu porte é diferente, são mais robustas, têm um perfume mais forte, etc. Há milênios que essas diferenças são utilizadas. Tais

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148 plantas são de uma qualidade especial, seja como remédios populares, seja como condimentos, ou mesmo como alimentos.

Rudolf Steiner foi interrogado sobre esta questão e a sua resposta não foi desprovida de interesse. Falou sobre o morango: o dos bosques é pequeno, mas muito perfumado, contrariamente ao dos jardins, que é maior e tem geralmente pouco gosto. Isso é devido, segundo ele, à maior riqueza dos bosques e montanhas, em minerais: “A planta toma em sua seiva partículas muito finas desses minerais, tornando-se terapêutica”. Por outro lado, as plantas da montanha e da floresta desenvolvem em suas raízes o poder de atrair traços extremamente sutis de matéria. Por isso que a amoreira selvagem é capaz de atrais muito mais ferro que as outras plantas, o que dá aos morangos selvagens seu delicioso perfume. Assim o morango se torna um produto de regime muito eficaz para enriquecer o sangue. Ao mesmo tempo, esse morango dos bosques contém um alto teor em vitamina C (60 miligramas), enquanto que a groselha tem apenas 35 miligramas, e a framboesa 25 miligramas. Por outro lado, o cynorrhodon (baga de roseira brava ou roseira selvagem) é muito privilegiado sob esse aspecto: ela contém de 300 a 380 miligramas de vitamina C por 100 gramas de polpa. Seu teor em minerais é igualmente muito elevado (0,7% no morango dos bosques; 4,6% na roseira brava). Rudolf Steiner comparou a roseira brava, que desenvolve muita atividade para a formação do fruto, com a roseira, que consagra à floração as substâncias encontradas no solo cultivado.

É assim que se passa na natureza, da planta alimentícia à planta medicinal e também, em outras condições, à planta ornamental (rosa). Rudolf Steiner aconselhou a não empregar uma planta como remédio e como alimento ao mesmo tempo. Se tratarmos, por exemplo, um paciente com um medicamento á base de morango, é desaconselhável comê-lo no mesmo dia, pois seus efeitos se anulariam no organismo.

Voltaremos à questão dos minerais no Volume II, quando falaremos em detalhe sobre os diversos alimentos.

Por outro lado, são as forças espirituais no decurso do ano que regem as substâncias nutritivas ou medicinais. Durante o verão, as forças nutritivas e formativas se encontram em seu apogeu na natureza. Essas forças correspondem ás forças solares no homem, ao seu metabolismo. Da natureza provém, como já vimos, essas forças que se transformam

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149 rapidamente em propriedades medicinais que são mais aparentadas ao outono. Ora, no homem interno, quando se faz metamorfose de forças formativas em forças terapêuticas, estas sobem da região metabólica para o sistema respiratório. “As forças nutritivas são as forças de cura”. Aquele que compreende bem a nutrição compreende, ao mesmo tempo, o início da cura. No emprego dietético (nos regimes) as substâncias se encontram a meio-caminho entre a nutrição e a cura. As guloseimas serão assunto para mais tarde. Trataremos especialmente dos excitantes, do café, do chá e do álcool.

Rudolf Steiner falou igualmente dos “curiosos remédios antigos”, ainda hoje encontrados em povos ditos “primitivos”. A esses tempos remotos remontam também as maravilhosas criações de plantas alimentares, a cultura de árvores frutíferas, a de cereais, etc. Novas plantas alimentares nos foram enviadas por povos longínquos, dos quais injustamente desdenhamos a sabedoria ancestral (batatas, tomates, soja, e outros).

Para terminar esse capítulo, ressaltaremos que o próprio Rudolf Steiner foi criador no domínio da dietética, quando compôs seus “sais calcáreos” (Weleda), que é um produto dietético composto principalmente de fosfato e de carbonato de cálcio, adicionado de substâncias orgânicas. Esta composição é um estimulante insubstituível, não somente para a regulação do metabolismo cálcico, como também para favorecer em geral a digestão e a assimilação dos alimentos.

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CAPÍTULO IX

REGIME VEGETARIANO. REGIME CARNÍVORO - ORIGEM DO VEGETARIANISMO MODERNO

Foi somente no final do último século que se espalhou o regime dito “vegetariano”. Como seu nome indica, é constituído exclusivamente de vegetais. Era sem dúvida, nessa época, uma concepção revolucionária, que provocou violentos debates. Médicos e reformadores defenderam as afirmações apaixonadas de uns, ora as convincentes refutações de outros. Em nossos dias, não é ainda simples a abordagem desse problema sob uma base puramente objetiva. Mas aqui também os dados da ciência espiritual moderna podem ajudar-nos a encontrar as respostas. O vegetarianismo tem diversas origens. Pioneiros como M. Bircher Benner, já citado, tiveram grande proeminência em seu desenvolvimento. Constatando

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151 experimentalmente o valor do “regime cru”, e, ao mesmo tempo, o valor do vegetarianismo em geral, esforçou-se sempre por encontrar uma explicação racional para seus resultados clínicos. Ele próprio sofreu de uma icterícia e de uma repulsão aos alimentos. Sua jovem esposa colocou-lhe, por acaso, uma fatia de maçã na boca: ela estava descascando essas frutas. Ele a comeu e sentiu tanto prazer que comeu apenas maçãs nos dias seguintes. A partir daí curou-se pouco a pouco.

Esse acontecimento, em 1895, foi rapidamente esquecido, mas o jovem Bircher prosseguiu na questão alimentar. No mesmo ano teve que cuidar de um doente que sofria de graves males de estômago. Como falhavam todos os remédios, ele voltou-se para um “naturalista”, que então estudava medicina em Zurique, e que lhe aconselhou tentar o regime cru. E o sucesso foi espantoso. O regime cru fez o efeito de um remédio. O doente curou-se completamente em poucas semanas. Já explicamos num capítulo precedente esse valor terapêutico do regime cru.

Bircher deu provas de grande presença de espírito ao seguir o conselho desse naturista “profano”. Ele confessou: “eu me espantei... pois em toda a ciência nutricional de 1895 não encontrei um único dado que pudesse me explicar esta ação do regime cru... O doente se refez, ao contrário de tudo o que eu pensava e sabia”.

Começaram então para Bircher anos de pesquisas sérias contadas por seu filho Ralph, num belo livro: “Bircher-Benner, sua vida e sua obra”. Finalmente ele foi obrigado a constatar que a medicina na sua época “não sabia nada, por assim dizer, das relações entre a nutrição e a doença”.

PRIMEIRO ARGUMENTO: O DE M. BIRCHER BENNER

Bircher Benner encontrou-se em Dresden, Alemanha, com um pioneiro da dietética de então, o Dr. Heinrich Lahmann. Este tinha fundado uma casa de repouso numa pequena estação de cura, Weisszer-Hirsch. Aí ele praticava, de uma maneira pouco convencional, uma espécie de hidroterapia, baseada nas experiências de Priessnitz e de Kneipp, assim como uma espécie de alimentação vegetariana. Esses reformadores inspiravam-se principalmente nas pesquisas feitas por Bunge na Basiléia,

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152 que era praticamente o único da sua época a ter reconhecido a importância das substâncias minerais na alimentação humana. A riqueza dos vegetais em minerais alcalinos era um dos argumentos de Lahmann a favor do regime vegetariano. Isso era muito importante, mas não explicava os efeitos do regime cru de Bircher-Benner. Foi então que esse último visitou seu antigo professor em Berlim, Max Rubner, que o orientou para a teoria da energia.

As leis da termodinâmica eram universalmente admitidas nessa época. A primeira preposição da termodinâmica, a lei da conservação de energia, segundo a qual caloria é utilizada como unidade de medida para todas as formas de energia, não era discutida. Mas Bircher percebeu, no que concerne à segunda proposição, que muitas questões permaneciam em suspenso, pois ele percebia que o cálculo de calorias não fornecia resposta exaustiva aos problemas energéticos ligados a alimentação. Eis o que, muito mais tarde disse Pasqual Jordan: “O protesto levantado por Bircher-Benner contra essa doutrina das calorias alimentares é, bem entendido, perfeitamente justo”. Mas acrescentava: “A segunda proposição desempenha um papel essencial e deve ser levada em conta”. Esta proposição anuncia, como se sabe, que a entropia do universo cresce sem cessar e que em consequência toda a evolução cessará pela “morte do calor”, o resfriamento da Terra. Esse postulado foi igualmente denominado de “lei da desvalorização da energia”. Admitia-se que todos os fenômenos da vida lhe eram sujeitos, igualmente os da nutrição. Segundo esta filosofia a energia do sol, sendo a fonte de todos os processos energéticos de nosso sistema solar, seria a que tem maior valor; o calor, pelo contrário, que resulta da combustão das substâncias – portanto também de sua oxidação no organismo vivo – seria a energia menos preciosa. Bircher deduziu que quando se mede em calorias o “poder de combustão” dos alimentos, avalia-se na realidade apenas seu valor mais baixo: segundo ela, os alimentos estariam implicados numa queda de potencial: no início se encontra seu mais elevado valor energético, que se exprime, por exemplo, em seu valor químico. A alimentação consiste assim, em primeiro lugar, em trazer “estruturas energéticas” de valores diferentes, os quais serão tanto mais elevados quanto mais próximo da energia solar se encontra o alimento. Nutrindo-nos com tais alimentos, agiríamos contra a entropia, ou seja, contra a degradação e a morte. Daí a frase do físico W. V. Ostwald: “O que nós comemos nas plantas é a energia solar”. Para Bircher-Benner isto foi

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153 uma revelação. Ele pode deduzir que a alimentação que se deixa em estado natural, crua, é a que mais se aproxima da energia solar (a forma superior de energia), e que, por essa razão, tem o maior valor nutritivo. O alimento cozido já perderia uma parte desse valor. Quanto ao alimento de procedência animal, notadamente a carne, ela já teria sofrido uma desvalorização maior, dado que o animal já gastou, para sua própria vida, as energias recebidas. E ao cozinharmos a carne ocorre uma nova perda de energia. Já o leite, que o animal não forma para si mesmo, mas para sua prole, coloca-se numa categoria mais elevada, mais próxima da alimentação de origem vegetal, sob a condição de ser consumido cru. No outro extremo dessa corrente encontram-se os cogumelos, que como saprófitos, entram, segundo esta teoria na mais baixa categoria dos valores nutritivos.

A obra de Bircher Benner foi realmente espantosa para sua época. Era sem dúvida o primeiro sistema coerente que se desligava dos entraves da teoria das calorias e que tentava introduzir na ciência nutricional um conceito racional de qualidade. Decênios mais tarde, o físico nuclear, Erwin Schroedinger, prêmio Nobel, podia perguntar: “Que é então essa preciosa qualquer coisa que está contida nos alimentos e que preservamos da morte?” Sua resposta ia no mesmo sentido que a de Bircher Benner: “A organização do vivo mantêm-se retirando ordem do mundo ao derredor”. Ou seja, a ordem é o critério do organismo vivo, mas a ordem, a organização, só podem provir da própria ordem, e não da “desordem”. Esta é o sinônimo de morte. Foi assim que Bircher-Benner pode ser justificado pelas teses de Schroedinger. Após ter sido excluído da ordem dos médicos de Zurique, em 1900, sob a acusação de idéias não científicas, formulou sua doutrina em 1903 em seu livro: “Fundamentos da Terapia Alimentar”, publicada em uma segunda edição, ampliada, em 1905.

Existia já, nesta época, uma teoria científica do vegetarianismo, nascida inteiramente do pensamento ocidental. Em nossos dias, espalhou-se amplamente a idéia de que “o organismo humano não é um motor qualquer que tem necessidade de muito mais que combustível”.

Pode-se perguntar porque, num livro de Mohler, o músculo é ainda chamado de “uma máquina mecânico-física”, ainda que o autor acrescente que o homem é incapaz, até o momento, de construir uma semelhante, e porque se tem ainda o costume de chamar cada célula de nosso corpo “um

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154 acumulador humano” pelo fato de que a acumulação de energia solar se faz graças ao A.T.P. (adenosina trifosfato)... Segundo os biólogos modernos, a célula emprega uma parte da energia para formar combinações altamente energéticas, por exemplo, a glicose no fígado. Tanto quanto ela é capaz, ela se opõe à entropia e à “morte do calor”, ao resfriamento da terra.

Deduz-se então dessas explicações que o organismo vivo combate a lei física e não cessa de fazê-lo até a morte. A alimentação abole sem cessar as necessidades físicas e a morte só sobrevém, em consequência, quando o processo de nutrição se torna impossível, ou pelo menos tão diminuído que o organismo não pode desenvolver forças suficientes contra as leis da natureza.

AMPLIAÇÃO PELA CIÊNCIA ESPIRITUAL

“Concretamente a morte sobrevém no homem quando toda sua organização interna torna-se tão física que mais nenhum processo completo de nutrição pode ser desencadeado... O corpo não pode mais cumprir plenamente a nutrição; ele se tornou muito físico para isso”. Assim, Rudolf Steiner assinalou uma polaridade entre o corpo físico e a nutrição. O alimento de origem vegetal nos serve então, em primeiro lugar, para lutar contra a morte, pois, na realidade, ele não traz a morte em si.

Para construir seu organismo e edificar seu corpo a partir de substâncias inorgânicas, a planta tem necessidade da luz solar. Ela é “a força maravilhosa sem a qual a planta não poderia se realizar”.

Rudolf Steiner mostra claramente que, com a ajuda da luz solar, a planta constrói seu “corpo de vida”, seu “corpo de forças formativas”, esta parte constitutiva de todo ser vivo que deve sua origem às forças que se irradiam da periferia. “Ao entrar nos reinos vivos a matéria deve se subtrair às forças que emanam dela e se subordinar às forças que irradiam para ela”. Mas a fisiologia revela, já que o homem e o animal trazem em si um processo oposto ao da planta, o vegetal aspira o gás carbônico e constrói seu corpo graças às forças solares. O homem e o animal expelem esse gás carbônico e aspiram o oxigênio liberado pelas plantas, ou seja, os seres providos de alma fazem o contrário da planta.

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155 Na nutrição vimos também que o homem é obrigado a decompor e a destruir aquilo que a planta edificou. A animização não é o prolongamento da vitalização. Ela repele as forças vitais, trabalha contra elas. Pode-se então compreender que as qualidades psíquicas, as forças da consciência, nascem de maneira diferente das forças vitais, afluem com a luz exterior do sol. Rudolf Steiner deu uma concepção coerente, ao reconhecer que o corpo astral (alma) do homem é uma “luz interna, uma luz de ordem espiritual”, e que permanece invisível aos olhos físicos. Nesse sentido, o corpo físico do homem é um “corpo espiritual de luz”, isto é, uma espécie de negativo da luz exterior do sol: “A luz interna (o corpo astral) inaugura as destruições parciais que provocam a consciência e toda a vida psíquica”. O sistema nervoso é o portador dessas forças psíquicas e é com a ajuda do sistema nervoso que o corpo astral repele os processos vitais, trabalha em seu contrário. Isso é ilustrado pela fisiologia das células nervosas, que perdem todas as suas forças formativas, isto é, cessam de se multiplicar desde os primeiros anos de vida humana.

Dessa maneira, o mundo vegetal, que deve a sua vida às forças exteriores do Sol, opõe-se aos reinos animal e humano, que constroem o corpo astral a partir das forças interiores do sol. Esta noção fornece critérios objetivos para a alimentação humana: “Quando o homem retira sua nutrição do reino animal, o processo de integração já está realizado. Pelo contrário, se ele se alimenta de plantas, realiza em si mesmo, com todo o frescor e virgindade, o processo de integração”.

O animal gasta em si mesmo as forças que a planta consumida utilizou na edificação de seu próprio corpo etéreo; o animal as emprega na edificação de seu sistema nervoso e para o desenvolvimento de suas forças psíquicas. Poderia parecer assim que o alimento de origem animal fornece ao homem uma grande ajuda. Mas isso não é totalmente verdadeiro. É muito mais importante para o homem “desenvolver ele mesmo essa força” do que ser dispensado desse trabalho. Esse princípio alimentar é fundamental.

Todos podem ter experiências nesse sentido, pela observação. Toda força que não é utilizada paralisa-se e se enfraquece. Quer seja um músculo, que não podendo mais se mover, atrofia-se, quer seja um órgão digestivo não estimulado suficientemente, ou ainda uma faculdade psíquica deixada de lado, o resultado é sempre um enfraquecimento, jamais um

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156 reforço. Ao que Bunge já havia dito: “É na atividade que reside o segredo da vida”, Rudolf Steiner acrescenta: “Quando o homem desenvolve esta força, torna-se ele mesmo uma entidade autônoma”. Resulta daí que não é a quantidade de matéria absorvida que importa, mas sim as forças que ele desperta e sua qualidade.

Essas afirmações já haviam sido enunciadas por Rudolf Steiner em sua conferência pública de 15 de dezembro de 1908. Observa-se certo paralelismo com as opiniões de Biercher-Benner, mas esses dois pensadores chegaram ao mesmo resultado por caminhos totalmente diferentes.

Rudolf Steiner insistiu sobre a “forte resistência” que o alimento de origem vegetal opõe ao homem. Ele anunciou a sentença geral de que o homem “deve desenvolver forças ainda maiores quando grandes forças se opõem a ele.”

Alimentar-se exclusivamente de vegetais é tomar a seu cargo todo o processo que o animal nos pouparia, dado que ele já conduziu bastante longe a metamorfose de suas próprias substâncias. Uma alimentação cárnea impede o desenvolvimento de certas forças. Reproduzimos aqui nosso esquema do capítulo III:

ANIMAL

HOMEM VEGETAL

MINERAL

Já havíamos dito que os alimentos têm que percorrer um caminho mais ou menos longo para se identificarem e se integrarem ao homem. É por isso que o homem atual pode suportar apenas pequenas quantidades de minerais, a menos que sejam “vegetabilizados”: a planta lhe traz minerais já transmutados.

Mas o homem atual tem forças suficientes para o regime vegetariano? Pode mobilizá-las o suficiente? Não terá se tornado inapto para esse trabalho? Em qualquer caso, um regime “misto” lhe conviria melhor.

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PONTOS DE VISTA DA FISIOLOGIA DO COMPORTAMENTO

Em sua “fisiologia do comportamento nutricional”, o professor H. Glatzel escreve: “Outros fatores, além da tomada de alimento, participaram na formação da mandíbula humana”. Ele constatou que essa mandíbula não se assemelha nem à dos carnívoros nem à dos herbívoros. Ela apresenta um caráter particular, humano. “Nossa mandíbula torna-nos aptos a viver essencialmente de vegetais, mas também, essencialmente, de carne animal”. Se admitirmos essa tese, ela significa que o homem, fisiológica e anatomicamente, tem a liberdade de escolher ele mesmo entre os dois regimes. Já o animal é condicionado, desde o princípio, pela forma de sua mandíbula. O homem seria então capaz de transformar e adaptar seus órgãos internos até seu intestino. Objeta-se muito frequentemente que o homem não tem uma organização digestiva conveniente ao regime puramente vegetariano. Glatzel escreveu: “O intestino humano é mais curto que o dos animais herbívoros, mas mais comprido que o dos carnívoros”. Seria certamente mais simples deduzir disso que o homem é onívoro. Aí também Glatzel reconhece no homem “seu poder extraordinário de adaptação a diferentes formas de alimentação”. Isso significa que o homem tem a possibilidade de romper com as severas dificuldades que pesam sobre o animal em matéria alimentar e de criar seu próprio modo de alimentação, em função de seu nível de evolução, de sua constituição, de sua raça, de seu povo e, em última análise, de sua individualidade.

No que concerne ao comprimento do intestino, Thomas escreve: “as perturbações digestivas observadas quando se renuncia aos alimentos crus e fibrosos poderiam ser explicadas como conseqüência de uma degeneração”; a ausência da flora intestinal correspondente parece resultar da “falta de uso”.

Por sua vez, Rudolf Steiner declarou que um intestino muito curto para digerir as plantas nada prova, e que o homem é capaz de transformá-lo pela educação e pela auto-educação, mesmo que sejam necessárias muitas gerações.

QUAL REGIME ESCOLHER?

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A questão “regime vegetariano ou misto” não representa de modo algum um dilema. O problema se coloca num outro plano. Segundo Rudolf Steiner, de acordo com as hipóteses de Thomas, o homem possui as faculdades necessárias para ser vegetariano. “As forças estão aí para essa vitória sobre o elemento vegetal”. Se não são despertadas, ou se são insuficientemente utilizadas, elas se atrofiam, regridem, retornam de alguma forma ao organismo, o que leva à fadiga e a diversos problemas.

No último ano de sua vida, Rudolf Steiner disse que, sem o regime vegetariano, ele mesmo não poderia jamais sobrepujar as fadigas e os esforços a que se tinham imposto durante os últimos 24 anos. Pode-se deduzir desta confidência pessoal que ele se tinha decidido por esse modo de alimentação em 1900, ou seja, no início de seu apostolado de investigação espiritual. Dizia também: “Quando se pode passar sem carne, sente-se mais forte do que antes”. Entretanto ele ressalta bem: “Quando se pode” - o que levanta um outro problema.

Ele sempre aconselhou fazer tentativas prudentes para se saber se as pessoas realmente poderiam viver sem carne. Isto pressupunha que as pessoas em questão eram capazes de formar sobre esse ponto um julgamento compatível com a realidade. A experiência mostra que neste domínio existem todas as espécies de riscos de ilusões, e mesmo um homem que julgue muito objetivamente pode sucumbir ao erro.

Rudolf Steiner indicou, ele mesmo, alguns critérios. A hereditariedade, por exemplo, pode desempenhar um papel. “Existem pessoas que, devido a sua hereditariedade, não podem desenvolver forças suficientes para uma alimentação puramente vegetariana”. No campo, há apenas alguns decênios, raramente comia-se carne. Bircher-Benner contou que com seus ancestrais camponeses, e isso durante séculos, a carne tinha um papel dos mais restritos. Era o alimento dos dias de festa. Rudolf Steiner disse o mesmo a propósito de sua região natal. Já, por outro lado, prevalecia nas cidades, desde o século 19, a “cozinha burguesa”, com seu assado tradicional. Entretanto, nesse tempo, os meios operários eram muito pobres para se oferecerem carne. Como conseqüência, as disposições hereditárias de uns e de outros são muito diferentes, no que se refere à necessidade da carne.

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O ASPECTO PEDAGÓGICO

A educação recebida pelas crianças é também importante, e o exemplo dado pelos pais e educadores desempenha um papel decisivo. As crianças de menos de 7 anos querem imitar seus acompanhantes. Elas vivem na imitação. Nossas simpatias e antipatias frente e certos alimentos formam-se já a partir de experiências feitas nessa época. A tarefa da educação é de desenvolver os instintos alimentares sadios que a criança traz consigo ao nascer. Rudolf Steiner disse um dia: “Quando a criança tem gula por açúcar, não é para se alimentar, é por causa de seu sabor açucarado”. Tudo depende da maneira como se satisfaz na criança sua legitima necessidade de açúcar. Existem, nesse ponto, regras importantes quase que totalmente ignoradas, assim como grandes ocasiões de pecar por erro ou por omissão. Esse assunto será tomado em nosso capítulo sobre a alimentação nas diferentes faixas etárias.

As simpatias e as antipatias desempenham um papel importante nesse assunto; elas podem provir do próprio organismo. Dessa maneira, muitas pessoas preferem carne, ao invés de legumes, já que têm relações de simpatia com a astralidade dos animais. Sentem-se fortificadas e satisfeitas pela ingestão da carne. Isso é absolutamente real. Rudolf Steiner dizia: “Isto provoca no adulto a volúpia exatamente como os doces na criança... Se come carne, é principalmente porque o corpo ama a carne”.

Se o organismo se habituou ao regime cárneo desde a infância, será muito difícil de desabituá-lo. Também sob esse aspecto o poder do hábito é considerável, e geralmente desconhecido. Entretanto existem atualmente cada vez mais pessoas que procuram ver mais claramente seus desejos inconscientes. Os jovens do nosso tempo recusam-se geralmente, e com razão, ao perpetuar de usos tradicionais: eles querem criar um novo estilo de vida e procuram conhecimentos que justifiquem seus atos. Eles chegam assim muitas vezes a se desfazer de velhos hábitos que não lhes dizem nada. Infelizmente, esses mesmo jovens caem frequentemente em armadilhas, pois seu julgamento ainda não se encontra suficientemente maduro. Vemos aqui como a questão da alimentação tornou-se hoje em dia um problema de conhecimento e de consciência.

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RESULTADOS DA PESQUISA CIENTÍFICA

Lancemos um olhar sobre as concepções atuais da ciência nutricional moderna a esse respeito.

Eis os argumentos de Paul Glatzel, um dos cientistas mais representativos desse ramo. “A produção de proteínas e gorduras animais exige um enorme uso de vegetais nutritivos. O animal de açougue gasta para seu próprio uso a maior parte da energia consumida”. Conta-se em média um gasto de 7 kg de proteínas vegetais e fim de se obter 1 kg de proteínas animais. Em outros termos: “Do ponto de vista energético, a produção de proteínas animais é um procedimento extremamente irracional.” Esta constatação certamente é de grande importância econômica, mas também acarreta outras noções sobre o que despende o animal para formar e nutrir seu sistema nervoso. De fato a “caloria animal”, como é chamada, é em média três vezes mais cara do que a “caloria vegetal”. Outras pesquisas fornecem resultados ainda mais decisivos a favor da alimentação vegetariana. Para Pirie, o coeficiente é apenas 10%, o que significa que se recebe 10 vezes mais calorias na alimentação vegetal. Dito isso, não nos esquecemos do que o cálculo das calorias é um critério pouco válido para nossa nutrição: ele negligencia totalmente o valor qualitativo. Mas é aí justamente que se acusa o alimento de origem vegetal de ser deficiente, comparativamente ao alimento cárneo. Glatzel escreveu, por exemplo, que as proteínas das plantas têm menos valor nutritivo e que o regime vegetariano nos obriga a consumir, para cobrir nossa necessidade em proteínas, “quantidade de alimentos vegetais que ultrapassam a capacidade de nosso sistema digestivo”. Esta dedução, entretanto, é falsa. Primeiro, ela repousa numa estimativa exagerada e muito controvertida de nossas reais necessidades protéicas e, segundo, o fato reconhecido de que atualmente a maior parte da população mundial ainda de alimenta principalmente de plantas, demonstra que esse modo de alimentação pode ser plenamente satisfatório, se ele não é desnaturado e desvalorizado. Eis as cifras de F.A.O. ( Food Alimentation Office), em 1960:

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Alimentos de origem animal

Alimentos de origem vegetal

América e Austrália 1 1

Europa e Rússia 1 2 2/2

Países sub-desenvolvidos

Extremo – Oriente 1 9 ½

África 1 10

Se a fome reina atualmente no mundo, isto não é de maneira alguma por causa dessas proporções entre os dois tipos de alimento. Aqui intervém frequentemente um terceiro alimento: a qualidade deficiente da alimentação, as conseqüências de métodos culturais pretensamente modernos – na realidade desvalorizados e já ultrapassados - , a desnaturação do alimento e a ausência de qualquer critério real e reconhecido para julgar um alimento.

Já se começou a falar de um “valor biológico de albumina”, que não tem nada a ver com o seu valor em “calorias”. Parte-se, entretanto, da albumina das bactérias, pois é a que mais se parece com a do homem pela seqüência de seus aminoácidos. Isso mostra já a insuficiência de tal critério. De uma maneira mais realista, experimentou-se em animais de laboratório que “as misturas de proteínas são, em todo caso, melhor assimiladas que uma proteína pura, por mais rica que ela seja”. Ainda mais concreta é a opinião do professor Fleisch, segundo o qual “é um fato experimental: quando diminui o aporte de albumina, diminui igualmente a quantidade de calorias consumidas... As propriedades estimulantes da albumina das carnes incitam a superestimá-las, acrescentando um consumo excessivo que é injustificado e provavelmente prejudicial, pois traz combustões supérfluas. Deve haver na carne outros efeitos excitantes das proteínas animais, além de outras causas estimulantes ainda desconhecidas”. Isto é o que Rudolf Steiner já nos havia dito: “Se come carne, isto se deve principalmente a que o corpo gosta de carne”.

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162 Há outro argumento, raramente mencionado: o aumento das capacidades devido ao regime vegetariano. Os testemunhos históricos são interessantes. Heródoto escreveu que os povos comedores de cereais “são muito mais avançados, quanto às artes, às ciências, à demografia, à cultura física e espiritual, do que os povos que vivem da guerra, da caça, da pecuária e da pesca”.

Eis aí, realmente, um critério de superioridade do homem; mas isso não há uma razão para pensar que esta superioridade cultural esteja ligada a fraqueza física. Glatzel não é muito objetivo quando fala da “menor vitalidade dos vegetarianos”, ou quando afirma que “nos países subdesenvolvidos os homens vivem essencialmente de vegetais, sendo pouco capazes de grandes performances físicas e intelectuais”. Ele se utiliza aqui de um critério totalmente falso, ditado por um modo ultrapassado de pensar. Não se pode negar, certamente, que nos países ditos “em vias de desenvolvimento”, as condições alimentares sejam atualmente muito decadentes e que, sob a influência da sociedade de consumo, esses povos sejam profundamente lesados em suas verdadeiras tendências evolutivas. Essas questões nos ocuparão mais adiante, juntamente com o valor da própria albumina e com a alimentação mundial.

Aqui diremos apenas que não se deveria negligenciar mais os testemunhos trazidos pelo reino animal, relativamente às forças e às faculdades que conferem os regimes herbívoro e carnívoro.

Sabe-se que muitos animais, como o cavalo, o gorila e o camelo, alimentam-se exclusivamente de plantas, e são então vegetarianos puros. E, entretanto, ninguém jamais colocou em dúvida suas extraordinárias capacidades de desempenho corporal. Até mesmo um animal gigantesco, como a baleia que possui forças incalculáveis, alimenta-se de vegetais. Descrevendo o elefante, Herder o chama “o rei dos animais pela sua sabedoria pacífica e pela pureza compreensiva dos seus sentidos”. É continua: “Já o leão é outro tipo de rei dos animais. A natureza visou nele apenas os músculos, não a doçura ou a compreensão”.

OS DADOS DA CIÊNCIA ESPIRITUAL MODERNA

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163 Rudolf Steiner, em sua conferência de 17 de dezembro de 1908 fala da importância específica que a nutrição vegetal tem para o sistema nervoso. Diz ele que o homem é convidado “a desenvolver em si mesmo as forças que penetram seu sistema nervoso”. E é o que faz quando se alimenta de plantas. Mas isso vai muito mais longe. A alimentação é um problema que diz respeito ao homem inteiro, tanto à sua entidade anímico-espiritual quanto ao seu ser corporal. O sistema nervoso é o instrumento de sua alma e de seu espírito. Por “sistema nervoso” entende-se não somente o cérebro, mas também a medula, os gânglios, etc.

Ora, uma alimentação de origem vegetal coloca o homem em relação com forças cósmicas não utilizadas, virgens, e dessa maneira ele se torna “muito mais sensível” a todas as impressões e experiências espirituais que o sistema nervoso lhe transmite. Nada então perturba esse sistema nervoso. O homem deve, pois a essa alimentação uma “faculdade de ver mais alto e mais largamente as grandes correspondências das coisas, o que o eleva acima dos estreitos limites de sua existência pessoal...” Tal alegação, bem como as seguintes, só pode ser compreendida por um espírito livre de todo preconceito, o que atualmente é raro e difícil de exigir. Para evitar mal entendido citaremos tão literalmente quanto possível esta passagem da referida conferência: “Em todo o lugar onde o homem se eleva às grandes percepções da existência, onde se libera das correntes de uma tradição coletiva, onde regula sua vida e sua existência a partir de pontos de vista livres e vastos, ele deve esta rapidez do pensamento e da visão à sua alimentação vegetariana”. Estas palavras, pronunciadas em 1908, não foram escutadas, senão elas poderiam ter marcado uma reviravolta na história da cultura ocidental. Foi nesse mesmo momento, como já vimos, que Bircher-Benner entrou com suas dietéticas percebendo por toda a parte tentativas de “reforma de vida”, num sentido mais espiritualista: no “movimento dos jovens”, na Arte e, enfim no movimento antroposófico. Foi a época na qual o grande poeta Cristian Morgenstern se orientou nesse sentido e declarou que o número de vegetarianos aumentaria desmesuradamente, se o homem culto fosse obrigado a abater ele próprio os animais dos quais ele quer consumir a carne. Albert Steffen, cuja arte magistral seu à Antroposofia seus frutos mais ricos, já se havia convertido ao vegetarianismo nessa época tão vibrante de esperanças.

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164 Rudolf Steiner acrescentava: “Quando o homem forma seus julgamentos a partir da cólera, do egoísmo, das simpatias e antipatias que tudo alteram e mostram tudo sob uma luz estreitamente limitada, quando ele se arrasta de preconceito em preconceito... ele o deve às suas relações com o mundo animal do qual se alimenta”.

Tais palavras praticamente não tinham sido pronunciadas em nosso mundo moderno; quando isso foi feito por aquele que escreveu “A filosofia da Liberdade”, isso lhe dá mais peso. “Pois o homem é livre na medida em que é capaz, a todo instante de sua vida, de obedecer somente a si mesmo”. Somente então ele pode dizer de si mesmo: “Não sinto nenhuma obrigação, nem a obrigação da natureza nem a de um preceito moral; quero simplesmente cumprir o que está em mim”.

ASPECTOS DA ALIMENTAÇÃO CÁRNEA

A esse respeito Rudolf Steiner declarava abertamente que ninguém deveria deduzir de suas palavras que ele fazia “propaganda” para o vegetarianismo. Isto estaria em contradição com a atitude espiritual de um homem livre que incita à liberdade. Mas ele diz, “o progresso do homem” virá na medida em que a alimentação de origem vegetal tomar um lugar cada vez maior. Para isso não há necessidade de propaganda, pois a coisa se fará por si. Por outro lado, a evolução do homem para a personalidade tinha-se ligado ao fato de que ele por muito tempo alimentou-se à custa do reino animal. A alimentação cárnea lhe dá a “firmeza de seu estabelecimento sobre a Terra” e a força de desenvolver sua vida pessoal. A esse respeito Rudolf Steiner lembra a opinião de Heródoto, já citada anteriormente. E acrescenta: “Em nossa humanidade há povos que fazem a guerra, que se queimam uns contra os outros em cólera, ódio e paixões sensuais”. Estes povos retiram sua força da alimentação de origem animal. Mas eles adquiriram ao mesmo tempo, “a bravura, a coragem e a audácia”. Outros povos, que se voltaram de preferência para interesses espirituais, tinham o costume de se alimentar de plantas. No futuro, “se se abusar do alimento de origem animal, perder-se á todo o interesse pelo mundo espiritual”. Ora, atualmente o consumo de carne está em franca ascensão em nosso país (Alemanha). Basta apenas sublinhar as conseqüências.

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EIS ALGUMAS CIFRAS:

Em 1850 em torno de 18 kg, por pessoa ano;

Em 1870 em torno de 28 kg, por pessoa ano;

Em 1900 em torno de 48 kg, por pessoa ano;

Em 1958 em torno de 58 kg, por pessoa ano;

Em 1970 em torno de 68 kg, por pessoa ano.

Foi com essa razão que Bircher-Benner escreveu: “Existe um certo apetite mórbido para a carne, comparável à toxicomania, e ela é muito espalhada atualmente”.

O que significa essa evolução do ponto de vista da saúde? Responderemos brevemente agora, citando o professor Schipperges, de Heidelberg, que conclui “que em face da crescente avalanche de doença da civilização, somente uma rápida e enérgica mudança em nossos hábitos de vida e da alimentação ainda poderia nos salvar”.

Num outro ciclo de conferência, Rudolf Steiner ressaltou o caráter especificamente terrestre da alimentação cárnea, que “acorrenta os homens especialmente à Terra”. Ao contrário, diz ele, o alimento de origem vegetal, ele anima outras forças no homem, colocando-o em relação cósmica “com todo o sistema planetário”. A “leveza” do organismo alimentado de plantas “eleva-o acima da gravidade terrestre”

Entretanto, para nossa surpresa, ele nos disse igualmente que a maioria das pessoas “são incapazes de realizar o vegetarianismo total”, porque sua hereditariedade e outras causas não lhes permitem desenvolver forças suficientes para poderem levar adiante tal exigência fisiológica. Assim devemos deduzir que, mesmo atualmente, apenas uma parte relativamente mínima da humanidade será capaz de praticar o verdadeiro vegetarianismo. É preciso ressaltar que a maior parte das populações do Extremo-Oriente, possui ainda sem dúvida, a hereditariedade necessária, ainda que suas condições de vida se transformem rapidamente. As estatísticas são instrutivas. Por exemplo, a ração quotidiana média do Hindu é somente de 2 gramas de carne; a do Suíço é de 194 gramas. Outra estatística mostra que em 1960/61 o consume médio de carne nos EUA foi de 85 kg por

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166 pessoa/ano; na Alemanha Ocidental, de 60,8 kg; na Suíça, de 59,4 kg; na Itália, de 29,6 kg; na Espanha, de 20,8 kg; contra 730 gramas na Índia!

A questão se coloca: qual é a situação no Ocidente? As condições hereditárias pioram cada vez mais, devido ao contínuo super-consumo de carne. Por outro lado, será que o número de pessoas capazes de sacudir os entraves da hereditariedade não aumenta constantemente? Cada um de nós já pode se analisar a esse respeito e deve terminar por reconhecer que atualmente ele não faz parte ainda daqueles que podem contribuir, pela reforma alimentar, para o “progresso do homem”.

Existe um argumento de peso contra o vegetarianismo, que é afirmado pela ciência nutricional e que não manteremos em silêncio. A vitamina B12 que não pode ser elaborada pelas plantas só nasce no organismo animal ou humano. Essa substância intervém nos processos da gênese do sangue e sua insuficiência pode acarretar a anemia perniciosa. Essa substância chama-se atualmente cobalamina. Glatzel declara: “O nível de vitamina B12 no sangue é muito baixo nos vegetarianos”. Outras comunicações falam da anemia perniciosa. Entretanto, o mesmo autor declara: Sinais clínicos de carência de vitamina B12, no sentido de uma anemia megaloblástica... não parece surgir nos vegetarianos... “Citemos também a observação de A.Iklé na revista “Praxis”: É útil saber que 100grs de salsa contém 60 mg de vitamina B12, cuja necessidade quotidiana durante a gestação foi avaliada em 30 mg por dia. Vê-se assim que a alimentação vegetariana é absolutamente capaz de ativar o organismo e de fazê-lo produzir a substância necessária, por meio da flora intestinal, protegendo-o assim contra a doença.

O LEITE E SEUS DERIVADOS

A cobalamina (vitamina B12) encontra-se também num alimento sobre o qual nos deteremos agora um pouco: o leite. Falaremos detalhadamente sobre ele e seus derivados no segundo volume. Aqui iremos ver unicamente qual caráter a ciência espiritual reconhece no leite.

Depois de muito tempo a cozinha vegetariana admite o leite e seus derivados; fala-se então de um regime “lacto-vegetariano”. Ainda que o leite seja considerado como um produto animal nos tratados de dietética, os

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167 vegetarianos têm-no admitido sem protesto. O leite e seus derivados representam uma admirável transformação do alimento vegetal do herbívoro, com proteínas de grande valor. Em realidade o leite é uma substância única em seu gênero e que não se pode simplesmente qualificar de animal.

Basta compararmos o leite e o sangue para o percebermos. O sangue é inteiramente formado no interior do organismo e se coloca inteiramente ao seu serviço. Já o leite, se bem que ligado ao sangue que é sua fonte, forma-se nas mamas situadas na periferia do corpo, como se aí nascesse e como se fosse sua criação própria. A albumina típica do leite, a caseína, e seu açúcar, a lactose, são criações originais que não se encontram em nenhum outro local do organismo. Dessa maneira, o leite se emancipa de alguma forma no sangue. Ainda tudo mostra que as direções desses dois líquidos estão em polaridade. O leite não é formado para beneficio do corpo, que o secreta e o lança para o exterior. O sangue, assim que surge na superfície do corpo, coagula-se logo por se fechar ao mundo exterior: o leite não possui essa propriedade. Pelo contrário, deve deixar o corpo tão logo é formado. Diríamos que o leite é inteiramente organizado no sentido “para fora”, e o sangue no sentido “para dentro”. O leite se libera das forças interiorizantes especificamente animais (astralidade) e se sujeita unicamente ás forças vitais puras que, como se sabe, predominam na planta.

Rudolf Steiner referiu-se ao sangue e ao leite em seu primeiro Curso Médico (1920). Ele sublinhou que o gênese do sangue “encontra-se muito longe, nas regiões escondidas do organismo”, enquanto que a secreção láctea tende acima de tudo para a superfície”. Nesse sentido, o sangue é parente do homem central, interno, do processo de individualização. O leite pelo contrário, é mais próximo do cosmos extra-humano ou mesmo extra-terrestre. Podemos então, com a condição de que se nos compreenda bem, aproximar o sangue da alimentação cozida e o leite da alimentação crua. O leite cru, na alimentação, reveste-se de outra qualidade que o leite fervido, a quem o processo térmico conferiu mais interioridade, se assim o podemos dizer. A verdadeira alimentação láctea é o leite cru, como acentuou Bircher -Benner.

Aqui é preciso ainda lembrar como Rudolf Steiner após ter caracterizado o leite e o sangue como acabamos de ver expôs a polaridade

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168 que opõe o organismo feminino ao organismo masculino. Pode-se estudar o organismo feminino “na sua dependência em relação às forças cósmicas, periféricas, formativas”, e o organismo masculino “na sua dependência em relação às forças dissolventes, telúricas”. Ora, na humanidade atual e nos mamíferos, a lactação é tipicamente reservada ao organismo feminino, em relação com as forças reprodutivas. A princípio a lactação é esboçada em ambos os sexos, mas dela se desenvolve normalmente apenas no sexo feminino. Também aí o leite se mostra aparentado às forças de fora: é um processo de regressão do psíquico para o vegetativo.

Sobre esse tema Rudolf Steiner exprimiu-se ainda mais ampla e concretamente em 1909: “O leite é algo que exprime apenas debilmente o processo animal. O leite é um produto animal apenas pela metade; ele não deixou participar em sua natureza a força astral do animal nem do homem”.

Considera-se, por um lado, o leite materno, e por outro, a astralidade da qual a planta tem a nostalgia e que plana sobre ela, o olhar de investigador espiritual encontra, senão uma semelhança total, pelo menos um extraordinário parentesco entre a astralidade que brota da mãe, ao mesmo tempo que seu leite, e a que desce do cosmos para planar a flor.

É assim, concretamente, que a lactação escapa à interiorização e conclui numa corrente de forças formativas; essa corrente não tem mais a alma em si, mas a recebe de alguma forma de fora, da periferia. E é assim que o leite adquire um parentesco próximo à gênese das flores e frutos no mundo vegetal.

As flores e os frutos são “coletores de astralidade”, eles se elevam acima do vegetal puro por suas cores, pela formação de volumes, e prefiguram algo no processo animal. O leite, porém, renuncia a isso de alguma forma e afirma seu íntimo parentesco com os valores puramente vegetais. Tal investigação supra-sensível chega então à conclusão de que o leite e seus derivados podem legitimamente figurar ao lado dos alimentos vegetais e que o regime lacto-vegetariano não é um regime misto (isto é, vegetal e animal), mas pode ser perfeitamente qualificado de “regime vegetariano ampliado”.

Inversamente, deveremos estabelecer que plantas, tais como as leguminosas e os cogumelos, aproximam-se já do metabolismo animal e que elas tomam um lugar à parte no regime vegetariano. Desenvolveremos

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169 mais adiante esse tema. Agora nós encontramos aqui uma transição para o capítulo X que vai tratar da relação entre a alimentação e a vida espiritual.

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CAPÍTULO X

ALIMENTAÇÃO E VIDA ESPIRITUAL - UM POUCO DE HISTÓRIA

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170 Já mencionamos uma opinião do historiador grego, Heródoto, que reconhecia uma ligação entra a alimentação do homem e sua vida espiritual. Declarava que os povos consumidores de cereais são muito avançados quanto às artes, às ciências e à cultura espiritual, em relação aos povos que se alimentavam basicamente de carne; isto é reconhecer uma ação, pelo menos indireta, da nutrição sobre a vida do espírito. Por outro lado, S.Bommer, em “Os dons de Deméter”, estuda a época da decadência romana e nos informa que em tempos de “crescente confusão política, cresce imensamente o desejo de prazeres materiais”. É um fenômeno que se encontra ao longo de toda a evolução histórica da humanidade. Já as regras e máximas alimentares emanadas das escolas de filosofia, antigas ou orientais e, principalmente, as dos Mistérios, estabeleceram uma ligação entre a alimentação quotidiana e sua influência sobre a vida espiritual.

A ciência espiritual moderna redescobriu tais relações e muitas exposições da presente obra já ressaltaram as ações recíprocas que existem entre o espírito e o corpo. Tentaremos resumir neste capítulo os diversos aspectos desse problema, tratando-os sob pontos de vista especiais. Qual é o significado da alimentação no que concerne ao desenvolvimento espiritual do homem? Esta pergunta não é nova; pode-se mesmo dizer que era tomada muito mais a sério nos tempos antigos do que hoje. As formas de nutrição eram fixadas pelos sábios, pelos iniciados. Quem quer que seguisse uma disciplina espiritual deveria obedecer a regras bem estritas. Parece mesmo que as substâncias desempenhavam um papel ativo na obtenção de faculdades superiores. E os povos que dirigiam tais centros espirituais, que eram frequentemente também os centros do poder, recebiam preceitos quanto à sua nutrição. Não era por acaso que tal povo se tornava comedor de cereais ou caçador. Os guias espirituais dessas antigas tribos e comunidades sabiam exatamente o que eles queriam e podiam fazer espiritualmente; sabiam quais eram as tarefas e missões desses grupos humanos; sabiam também quais alimentos lhes eram convenientes. Assim, não foi por acaso que os povos civilizados do Oriente desenvolveram a cultura do arroz, enquanto que a do milho ocupou o primeiro lugar nas civilizações pré-colombianas da América e que a batata nos tenha vindo do Oeste e a soja do Leste. Tocamos aqui na história da alimentação. Mas constata-se também que as antigas correspondências entre a alimentação e a vida espiritual se perderam, desapareceram mais ou menos completamente.

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171 Temos a nossa disposição, atualmente, todos os gêneros alimentícios que a terra pode produzir. Não podemos nos privar do que talvez nos faça mal e não podemos mais nos impor o que nos conviria. Nesse sentido o homem deixou a coletividade, e o que ainda age sob forma de tradição, por vezes potentes, certamente desaparecerá nos séculos vindouros, pelo menos nos povos civilizados. A “cozinha vienense” desaparecerá, bem como a “cozinha francesa”. O homem tornou-se livre; ele quer escolher livremente o que come e o que bebe. Para isso, porém, ele tem a necessidade de possuir um novo grau de consciência, o que não cessamos de repetir.

Essa evolução não resulta unicamente do progresso técnico. Certamente que esse favoreceu, mas poder-se-ia dizer, inversamente, que foi a evolução espiritual da humanidade moderna que tornou possível a técnica, colocando-a a serviço das tarefas e missões adaptadas à época presente: Criar na humanidade uma consciência planetária que seja ao mesmo tempo uma nova consciência do problema alimentar, com métodos de nutrição próprios ao espírito, mas individualizados.

É verdade que isso seria menosprezar o problema técnico da alimentação. Foi a técnica moderna que modelou nossa alimentação e lhe impôs normas absolutamente novas. Mas no quadro desse capítulo, pesquisaremos unicamente a correspondência da alimentação com a vida do espírito.

PONTOS DE VISTA DA CIÊNCIA MODERNA - O PAPEL DO FOSFÓRO

Foi uma grande surpresa para a ciência quando se descobriu que o trabalho do espírito não ocasiona nenhum gasto mensurável de energia. Para pensar nós não temos necessidade de calorias! Este fato é, indubitavelmente, de grande importância. Ele implica em que a atividade do nosso espírito é mais ou menos independente do metabolismo, do corpo em geral. O balanço metabólico não é modificado de modo algum, nem positiva nem negativamente, por nosso trabalho de espírito. Assim, um esforço intelectual não provoca nenhum gasto, nenhuma destruição. Entretanto, há outra constatação da ciência moderna: o cérebro, na medida

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172 em que funciona como instrumento do pensamento, desenvolve um metabolismo particularmente intenso e tem mesmo o mais alto metabolismo de todos os órgãos. Este metabolismo, porém, acontecem sem descontinuidades, ainda que com oscilações periódicas (o que nós veremos mais adiante). O cérebro é então “diminuído” em seu desempenho, em caso de nutrição carente ou nula. Já, pelo contrário, é evidente que não existe “alimentação que torne inteligente” (Mohler), ainda que se tenha tido algumas esperanças nesse sentido, logo frustradas. Dada a constituição do homem atual, tal ação direta da substância sobre a vida do espírito não é possível. Ainda aqui o homem se tornou livre. Mas neste domínio, os mal-entendidos são freqüentes e os erros muitos fáceis.

Os métodos que se emprega para a investigação desse problema são bem insuficientes. Surgiu assim um artigo: “A nutrição influencia a evolução espiritual das crianças?” (na revista “Ernaehrungs – Umschau”, (Frankfurt, 8/74). Crianças em ótimas condições alimentares, em comparação com outras crianças, alimentadas “normalmente”, no final do período de ensaio “apresentaram uma elevação mais acentuada do quociente intelectual do que as crianças do grupo de controle”.

Tomemos como primeiro exemplo uma substância que tem aqui um papel particular: o fósforo. Buechner escreveu, em 1885, sobre a composição química do cérebro, que “de todos os órgãos do corpo, é ele o que contém a maior quantidade de fósforo”. Relata que “um trabalho intelectual intenso provoca o aparecimento de quantidades notáveis de álcalis fosfóricos e sulfúricos na urina”, e cita outro autor que constatou “que o teor de fósforo do cérebro diminui até em 50% na velhice avançada, e em caso de idiotia retorna ao teor da criança nova”. Resumindo, Buechner escreve: “Esses fatos mostram sem dúvida nenhuma que o teor de fósforo do cérebro tem uma importância particular e permite supor que o fósforo tem íntimas relações com o trabalho intelectual”. Finalizando, ele cita Moleschott, cuja preposição: “Sem fósforo não há pensamento!” tinha produzido na época uma grande repercussão.

Qual é a posição da fisiologia atual, em particular da ciência nutricional, face a esse problema?

Em todas as obras publicadas a esse respeito, acentua-se a presença e a importância das substâncias fosfóricas no sistema nervoso. Estas são, entre

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173 outras, as lecitina, a cefalina, a esfingo-mielina, os cerebrosídeos, os gangliosídeos, etc. Seus nomes mostram que elas se encontram nos diferentes tecidos do sistema nervoso central. Mas elas são encontradas também em outros tecidos metabolicamente ativos. Em sua “Bioquímica”, P.Carlson indica que o tecido dos nervos é particularmente rico em fosfatídeos: “A estrutura fina dos nervos só pode ser compreendida pela colaboração dos fosfatídeos”. Ele acrescenta que no futuro dever-se-á consagrar ainda mais atenção a essas substâncias. Por outro lado, atribui-se hoje em dia uma grande importância a certos processos de “fosforilação oxidativa” no metabolismo. Mohler declara a esse respeito que o ácido fosfórico é indispensável para a assimilação do amido e do açúcar, e finalmente E.A.Schmid observa que o fósforo “é particularmente abundante e intensamente ativo nas células e núcleos celulares do cérebro”, onde ele aparece sob a forma de lecitina e “é indispensável para a respiração celular, que condiciona a consciência”. É também notável que, desde o fim do século 19, Bunge tenha mostrado a importância do fósforo, notadamente da lecitina, que se encontra principalmente no cérebro. “Durante os primeiros meses de vida, o teor de lecitina no cérebro cresce continuamente”, pois ela é utilizada para a formação das bainhas nervosas. Ele pôde estabelecer que o teor em lecitina no leite é tanto mais elevado quanto maior é o peso relativo do cérebro. Daí ele conclui que o leite da mulher é o mais rico em lecitina. Bunge via nisso um argumento a favor do aleitamento materno. Dando-se leite de vaca ao lactante, diminui-se pela metade sua quota de lecitina. Já, por sua vez, Burchner escreveu que “todos os alimentos que contêm fósforo sob a forma de lecitina compensam particularmente bem as perdas devidas a uma sobrecarga intelectual”.

Qual é, agora, a imagem que a ciência espiritual fornece a respeito do fósforo? Já indicamos onde esta substância é mais encontrada no organismo: no cérebro, nos ossos, mas também em ligação com a albumina. Como mineral, o fósforo age na direção do inanimado, do que não é organizado a partir do interior, mas que tende ao inorgânico. Tais substâncias, como sabemos, têm uma ligação particular com a organização do Eu. Esta necessita justamente delas para desenvolver sua própria força nos processos de repelir o que é vivo. Neste sentido, o fósforo estimula a atividade consciente, que pode se desenvolver sobre a base de tendências mineralizantes.

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174 Isto é o essencial do papel que se deve atribuir ao fósforo. Isto permite compreender também a sua ação, relativamente à vida espiritual do homem. “O fósforo desperta a atividade consciente do homem”. Esta afirmação de Rudolf Steiner esclarece o que ele diz em outra parte: “Temos fósforo também no nosso cérebro. E vocês compreenderão que ele é útil, pois sem fósforo não se poderia de modo algum empregar o cérebro em pensamento”. Poder-se ia crer que esta afirmação lembra o aforisma de Buechner e de Moleschott: “Sem fósforo não há pensamento!” Mas, em realidade, esses pensadores querem dizer exatamente o contrário do que ensina Rudolf Steiner. Eles querem dizer que a matéria não possui unicamente forças físicas, mas também forças espirituais, e que essas últimas surgem em toda parte onde as condições requeridas são reunidas, ou seja, quando a matéria que se move no cérebro e no sistema nervoso engendra o aparecimento da sensação e do pensamento, assim como engendra, em outras circunstâncias, a atração e a repulsão. Eles sustentam claramente que é a própria matéria que “engendra” uma atividade espiritual. A ciência espiritual, pelo contrário, fala de outra maneira a respeito da matéria: “sem fósforo não se poderia de modo algum empregar o cérebro para o pensamento”. Isto quer dizer: o cérebro, a matéria que aí se encontra e as atividades que nele se manifestam materialmente, compõem o instrumento que torna consciente o pensamento na existência física corporal. A natureza dos processos específicos do fósforo favorece esse desenvolvimento das forças de consciência. Vemos então, nesse fenômeno, que o espiritual está ligado ao cérebro, mas tomado em si mesmo, ele nasce e vive livremente; ou seja, ele age independentemente da matéria. Esta é o espírito “condensado”, tornando-se, em nós, o portador do espiritual.

Rudolf Steiner expõe mais adiante: “O fósforo é benfazejo quando é consumido de uma maneira correta com os alimentos”. Ele reconhece a importância dos alimentos fosforados para a função cerebral e para o desenvolvimento do pensamento. Esses alimentos fosforados serão estudados detalhadamente no volume II. São chamados de “alimentos do cérebro”. Queremos mostrar aqui apenas a idéia fundamental. Já indicamos que os cereais são da maior importância para as forças da consciência, principalmente o arroz, com seu alto teor em fósforo. Temos ainda a noz, que os dietetistas citam hoje em dia entre os “alimentos do cérebro”. Rudolf Steiner referiu-se a esse respeito: Quando se quer submeter-se a

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175 uma disciplina espiritual tem-se necessidade, antes de tudo, de um “aparelho cerebral” sadio e bem construído. É raro que os pais de hoje dêem a seus filhos um cérebro dessa espécie; é necessário então remediar, fortificar esses aparelhos cerebrais; com esse objetivo, é sobretudo a noz que fornece a substância necessária.

SAL DE COZINHA – SÍLICA - ÁCIDO ÚRICO – AÇÚCAR

Do que precede já se pode concluir qual é o significado do cloreto de sódio (sal de cozinha) relativamente ao pensamento humano. Lembremos ainda uma vez que Rudolf Steiner foi formal: “Nós não salgamos os alimentos unicamente para lhes dar um sabor agradável, nós os salgamos para sermos capazes de pensar, pois aquele que não está em condições de ter a atividade do sal em seu cérebro; este se torna um tolo”. Igualmente temos o resultado de que o cloreto de sódio é o único alimento que realmente é mineral. Não absorvemos outros sais, tais como foram compostos e elaborados pela planta ou animal. Mas o mais importante é a resistência que o mineral opõe ao homem, é a força que o Eu humano pode despertar ao encontrar esta resistência.

Existem outras substâncias que agem desta maneira como a sílica, por exemplo. “Ela constitui o substrato físico da organização do Eu, ela desenvolve, dessa maneira, uma atividade capaz de formar os órgãos da vida consciente”. Nesse sentido pode-se falar de um organismo de ácido silícico que atravessa o homem e sobre o qual “repousa a sensibilidade dos órgãos, indispensável a uma vida sadia, e sua correta relação com a alma e o espírito...” Esses são os processos que despertamos diretamente no organismo pelos alimentos que contenham a sílica, entre outros cereais e numerosas raízes comestíveis.

Rudolf Steiner falou igualmente desta forma, sobre o ácido úrico. Nós o consideramos, geralmente, como produto de eliminação, renal ou como depósito patológico nos gostosos. Mas ele existe também em finíssima diluição no cérebro. Recentemente, nos Estados Unidos da América, quis-se testar a inteligência humana medindo-se o precipitado de ácido úrico fornecido pelo cérebro. Eis então um elo reconhecível entre uma substância

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176 mineral e a vida do espírito. “É a organização do Eu, em primeiro lugar, a responsável pela secreção de ácido úrico no cérebro”, afirma Rudolf Steiner, acrescentando: “É unicamente por meio desta impregnação dos órgãos com o inorgânico que o homem pode ser a entidade consciente que é”. Sabe-se que o ácido úrico provém de certos processos de decomposição de albumina.

Neste contexto é preciso pensar também numa outra substância, que é orgânica, mas que se aproxima muito do reino mineral e que, por esta razão, é também de grande importância para os fenômenos da consciência: o açúcar. Ele resulta da decomposição dos carboidratos. O próprio homem forma o açúcar no curso da digestão, uma substância que pode agir dali em diante no domínio da organização do Eu. Aí se acrescenta o sabor açucarado que segundo Rudolf Steiner, “tem sua origem na organização do Eu”. Onde quer que nasça o açúcar, aí pode intervir a organização do eu, para orientar para o humano os constituintes sub-humanos (vegetativos, animais). Vê-se como é vasto o campo de ação desta organização do Eu, o que justifica nossa necessidade de açúcar. Isto será mais amplamente discutido no volume II. Aqui diremos simplesmente que em todo o lugar onde a organização do Eu esteja sobrecarregada, extenuada, surge a doença, quer seja em relação ao açúcar, ao sal ou ao ácido úrico, etc. O consumo atual de açúcar, principalmente em sua forma industrial (refinado), demonstrou pelas suas conseqüências que a organização do Eu está amplamente sobrecarregada, incapaz de manipular todo esse açúcar. Rudolf Steiner falou também do gosto açucarado, indicando suas relações diretas com o Eu. “A glicose (açúcar da uva) é uma substância que pode agir no domínio da organização do Eu. Ela corresponde ao gosto açucarado, que tem sua origem nesta organização”. “Desde que é consumido, o açúcar vai diretamente para a organização do Eu, ocasionando aí a sensação do gosto açucarado”. Sabe-se, aliás, que essa sensação se produz na ponta da língua e não em sua base, como o sabor amargo. Somos muito menos sensíveis ao sabor doce que ao sabor amargo (vide o capítulo precedente sobre o sabor). Tudo isso não significa naturalmente que os animais sejam incapazes de fazer a experiência do doce. Eles fazem, porém, outra coisa. O homem tem necessidade de uma quantidade relativamente considerável de glicose para alimentar seu cérebro, em torno de 110 gramas por dia, e é por isso que o leite da mulher tem um teor tão elevado de açúcar, comparativamente ao leite dos animais:

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177 mais de 7%. O açúcar serve para preparar o substrato do pensamento, as forças da consciência, mas ele não determina em nada a qualidade de seus pensamentos. Ressaltaremos unicamente que ele será apto a aumentar o grau de consciência, a vigília. Rudolf Steiner mencionou um dia que em seu tempo a população inglesa consumia muito mais açúcar que os Russos. “O campeão russo acentua tão pouco quanto possível o Eu”, enquanto que o inglês escreve: “eu” com uma única maiúscula: “I” “o grande aporte de açúcar no tubo digestivo está em correlação, no pólo superior, com uma autonomia mais intensa da função pensante”. Rudolf Steiner parece admitir aqui uma ação qualitativa do açúcar no que concerne ao pensamento: “Quando um ser humano possui uma grande autonomia e tende fortemente ao egoísmo, deveria diminuir seu consumo em açúcar... Se, pelo contrário, falta tônus a um ser humano, tanto no interior como no exterior, se ele crê precisar sempre de sustentáculos e de apoios, ele deveria consumir açúcar em abundância, a fim de se tornar mais independente”. Eis aqui um ponto de vista totalmente novo, que descobre uma correspondência qualitativa e fornece indicações úteis. Seria, portanto um erro acreditar que, aumentando o consumo de açúcar, fortalecemos a consciência; pelo contrário o que se favorece é, sobretudo o egoísmo. Isto pode ser evidenciado atualmente nos países ocidentais. As conseqüências patológicas desse fato são acima de tudo para serem encarados como os sintomas de uma espécie de auto-defesa do organismo. Sob esse ponto de vista, uma luz foi lançada sobre a inquietante progressão do diabetes, e também sobre o problema da cárie dentária, na medida em que aí atua um consumo de açúcar. Esse problema encontra-se igualmente ligado ao do alcoolismo.

Nas conferências de La Haye, em 1913, Rudolf Steiner acentuou ainda “que o açúcar impregna o homem de uma espécie de egoísmo natural;” ao qual ele pode criar certo contrapeso, quando, pela disciplina espiritual, ele se esforça em adquirir o altruísmo, a abnegação, etc. O açúcar, então, permite-lhe “permanecer com os pés sobre a terra”, a despeito de todas suas ascensões aos mundos espirituais. Isso interessa sobretudo aos que seguem uma disciplina espiritual. “O consumo do açúcar eleva fisicamente o caráter pessoal do homem”, mas é preciso “permanecer em limites sadios”.

Ora, nosso atual consumo de açúcar há muito que ultrapassou os “limites sadios”. Lembremos que nós ser humanos temos necessidade de açúcar em nossa alimentação, mas que só podemos utilizá-lo se

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178 continuamente o dissolvemos. A força dissolvente nos é fornecida pela organização do Eu, quando é corretamente incitada a agir.

Como se vê, há múltiplos aspectos a respeito do problema da ação das substâncias no ser humano. Ele não será jamais resolvido unicamente pela mentalidade do químico, nem mesmo do fisiologista ou do psicólogo. Isto surge nitidamente quando tratamos do açúcar.

Finalmente, constatamos aqui novamente que a norma de consumo do açúcar só pode ser apenas individual, mas isto é precisamente o que cada um deve descobrir. Repetimos uma vez mais: um fundamento verdadeiramente seguro para nossos problemas alimentares não pode ser encontrado sem o apoio da ciência espiritual.

UM ALIMENTO – RAIZ: CENOURA

Acabamos de ver que todo alimento inorgânico, ou que tende a sê-lo, tem relações com a vida da consciência, Neste sentido, a formação das raízes vegetais deve ser relacionada com o nosso organismo neuro-sensorial. Os alimentos raízes estimularão então especialmente esta função: citaremos a cenoura, da qual Rudolf Steiner ressaltou a importância para a vida espiritual, mas também a beterraba vermelha e a raiz forte. Essas indicações são preciosas para uma dietética dinâmica. Além disso, a cenoura é um exemplo específico da atividade da sílica no homem.

O que chama a atenção nessa planta é a polaridade entre a formação da raiz e das sementes (aquênios de umbelíferas). A primeira está sujeita às forças terrestres, as outras às forças cósmicas. Este é um princípio muito geral no mundo das plantas, mas ele pode sofrer múltiplas metamorfoses. Em sua base existe o elemento primordial, a folha, sobre a qual Goethe edificou sua concepção das plantas.

Na cenoura cultivada o aparelho foliar nada tem de especial, e a formação das sementes não é particularmente diferenciada. Tudo se concentra na raiz. Esta impregna-se não somente de forças aromáticas que descem para ela, mas ainda de uma viva coloração, geralmente reservada às partes aéreas, e representada aqui por um depósito de caroteno. Este é,

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179 talvez como veremos, o processo mais importante dos que caracterizam a cenoura.

Ora, Rudolf Steiner disse: “A raiz encontra-se no interior da terra; ela contém principalmente muitos sais, dado que os sais se encontram na terra... De sorte que a raiz está em ligação com o reino mineral”.

Encontra-se efetivamente na cenoura uma grande abundância de compostos salinos: magnésio, ferro, cálcio, potássio, fósforo, arsênico, níquel, cobalto, cobre, iodo, manganês. Além desses, em quantidades notáveis, o ácido silícico (1 a 5%) e o açúcar (12%), no qual reconhecemos certo caráter de mineralidade. Mesmo o caroteno se apresenta na raiz da cenoura sob forma cristalina.

Ora, “na natureza tudo se ordena”. Esses numerosos minerais não se acumulam na cenoura de uma maneira anárquica. Eles exprimem ações dinâmicas, processos determinados, que foram “precipitados” materialmente. Reconhecemos, por exemplo, a tríade “ferro, cobalto, níquel”, que nos vem do cosmos por meio dos inumeráveis meteoros.

Todos esses sais têm um caráter comum: eles rejeitaram para fora de si toda vitalidade, rejeitaram sua água, seu ar e sua luz, enfim, seus imponderáveis. É por isso que os alquimistas descreviam o sal como um ser isento de egoísmo. Ele renuncia de alguma forma à vida própria. Dessa maneira, ele pode se abrir a uma espiritualidade externa, a forças cósmicas, tornando-se o portador da vida do universo.

As substâncias trazidas à Terra pelos meteoros e pelos cometas são integradas rapidamente pelo ar, pela água, pela terra. Daí elas passam para as raízes das plantas, depois para nossos alimentos. Esses compostos minerais de origem cósmica desenvolvem então sua atividade até na formação do sangue.

A gênese dos sais, tal como se faz muito intensamente na raiz da cenoura, tem então ligações muitos estreitas com o homem. Aquilo que lhe corresponde em nós é evidentemente um domínio no qual as forças vitais são repelidas, e no qual ocorre uma mineralização, uma solidificação, mas também um desenvolvimento das forças plásticas e modeladoras: é o sistema neuro-sensorial e tudo o que nasceu do ectoderma. Rudolf Steiner insistiu muito sobre a correspondência das raízes com a “cabeça”, a qual

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180 tem necessidade de sais. A partir da “cabeça”, essas mesmas forças formam no corpo humano um aparelho de sustentação, um esqueleto, etc. O que aqui se denomina de “cabeça” corresponde a toda a organização neuro-sensorial, que aí está centralizada.

Eis então uma primeira constatação: por seu caráter de raiz e seus intensos processos salinos, a cenoura preenche uma função nutritiva em relação ao sistema neuro-sensorial do homem. Seus processos de salificação estimulam os que o homem deve realizar ele mesmo. Um regime de cenouras estimulará então a função neuro-sensorial e sustentará o repelir de nossas próprias forças vitais, o que nos permite participar da vida universal por meio de imagens, pensamentos e sensações. Como sabemos, a organização de nosso olho tem precisamente esse caráter.

Isso ajuda também a compreender o intenso processo silicoso da cenoura em suas relações com o pólo superior do homem. Um mesmo acúmulo de sílica encontra-se no olho, nos órgãos dos sentidos e na pele. “O ácido silícico dirige suas ações através das vias do metabolismo até as partes do organismo onde o vivente torna-se inanimado”. Por razões análogas Rudolf Steiner aconselhou a beterraba*, particularmente para alimentar os bezerros. “Esta substância encaminha-se para suas cabeças e os coloca em comunicação sensorial bem ativa com o ambiente cósmico. Quando o bezerro come beterrabas, todo o processo é realizado”. O bezerro tem necessidade de toda a sua acuidade sensorial para encontrar no pasto a nutrição que lhe convém, aquilo que é necessário para a formação do leite na futura vaca.

Mas também o lactente humano tem necessidade de cenoura para estimular seu “organismo silícico”. Seus órgãos sensoriais e seu cérebro ainda estão em formação. Processos salinos são necessários também para a formação de seus ossos. Por isso é muito importante dar-lhes regularmente esse legume. Isso já é conhecido há muito tempo pelas mães e dietistas. E.Schneider escreve: “Além da alimentação normal da lactante, dar-se ás crianças suco de cenouras finamente raspadas, em caso de crescimento retardado, má dentição e para aumentar a resistência à infecção”.

*”Rübe”: em alemão designa tanto a cenoura, como a beterraba e o nabo. (N.T.)

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181 O grande teor de cálcio e fósforo na cenoura tem um papel importante na formação dos dentes e dos ossos. Mas a resistência à infecção resulta da qualidade dos alimentos, que permite ao organismo de se fortificar em favor desta resistência. É por isso que atualmente a cultura das cenouras torna-se um problema de qualidade. Se esse vegetal se enfraquece, por exemplo, em caso de invasão das moscas da cenoura, ele não pode mais preencher sua função no organismo humano. E se nos limitarmos à proteção artificial pelos inseticidas, a cenoura absorve avidamente esses “sais” (metabolitos), podendo tornar-se tóxica. Mas a cenoura já se encontra enfraquecida, por toda parte, por meio dos adubos químicos que lhe administram sais hidrossolúveis em excesso, tais como os nitritos, a ponto de não poder mais assimilá-los. Deve se admitir que tal planta é mais receptiva aos efeitos dos venenos, ou seja, menos resistente. A qualidade desse legume é então indispensável. É preciso favorecer de toda as maneiras sua cultura “biodinâmica”, se quer que essa maravilhosa planta alimentícia não perca todo o seu valor.

Fortificando a cabeça, a cenoura envia forças até os órgãos do metabolismo, fortificando-os também quando excessiva vitalidade neles prolifera. Ela interrompe o crescimento de parasitas tais como os vermes intestinais. Rudolf Steiner mostrou que quando o pólo superior é fraco, facilmente aparecem vermes no intestino, pois a cabeça não age mais tão forte no restante do corpo. “Quando se come cenouras por certo tempo, a cabeça é estimulada pelas forças salinas e ela impede o pulular dos parasitas no intestino”.

Em afecções intestinais graves (doença celíaca) o suco e o purê de cenouras podem desempenhar um grande papel. As cenouras cozidas em fogo brando podem ser “passadas” e acrescidas de manteiga e mel.

O regime de cenoura é indicado, sobretudo nos problemas intestinais. Ressaltamos que, segundo Rudolf Steiner, os alimentos cozidos agem na “cabeça”; por outro lado, tudo o que é raiz também se aparenta a ela. A cenoura cozida cumpre bem esta função, enquanto que a cenoura crua serve mais para terapêuticas especiais. Sintomas tais como pele seca, cabelos quebradiços e sem brilho, catarros do nariz com perda do olfato e paladar, podem ser assim tratados.

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182 E “se vocês sentirem alguma vez que têm a cabeça vazia e que não podem pensar bem, seria bom acrescentarem, cenouras ao seu regime, durante certo tempo”. “Mas isto é eficaz acima de tudo nas crianças” acrescenta Rudolf Steiner, dando a subentender que o cérebro infantil é ainda maleável. Tal indicação é de valor pedagógico imenso, tanto para os professores quanto para os alunos.

Certamente, a grande quantidade de açúcar que contém essa raiz adquire aqui toda sua importância. Sabemos atualmente que “a energia da célula nervosa provém do metabolismo dos açúcares”, e que: “O cérebro parece alimentar-se quase que exclusivamente de açúcar” (Gleess).

BETERRA VERMELHA E RAIZ FORTE

Mostremos ainda rapidamente o que é preciso pensar, sob esse ponto de vista, sobre a beterraba vermelha e a raíz forte. Ambas são raízes verdadeiras. Rudolf Steiner disse da primeira: “A beterraba vermelha estimula bem intensamente a atividade pensante. Ela favorece em particular a vontade de pensar”. Talvez sua dinâmica repelidora, desvitalizante, mas estimulante para as forças formativas, explique sua ação recentemente descoberta sobre tumores cancerosos. Um princípio ordenador compensa um excesso desordenado de vitalidade.

A respeito da raiz-forte conhece-se há muito tempo a atividade salina picante ao paladar, dando-lhe seu lugar na dietética. Na alimentação popular observa-se, com sucesso, o efeito excitante que ela tem sobre o cérebro. “Quando alguém não está muito ágil para o lado da cabeça, seria bom para despertar um pouco seus pensamentos, que acrescentasse raiz forte à sua alimentação”, aconselha Rudolf Steiner. “A raiz forte anima o pensamento”. Os rabanetes agiriam no mesmo sentido, assim como o rabanete negro.

É preciso ressaltar também que em todos os rábanos concentram-se, particularmente na raiz, compostos de essência de mostarda. Descreveu-se um composto (tiocionato) que existe nas diversas raízes fortes, à base de enxofre e de cianogênio. Nas beterrabas vermelhas existe uma substância

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183 colorida, um glicóside, parente próximo dos alcalóides. Falaremos numa outra ocasião a respeito dos cianogênios.

FATORES DE INIBIÇÃO – PROTEÍNAS, BATATAS E ÁLCOOL

Na sequência de nosso capítulo sobra “Alimentação e a vida espiritual”, devemos agora assinalar os fatores alimentares que inibem o desenvolvimento livres das forças de consciência. A ciência espiritual fornece a esse respeito indicações importantes. Assim, a princípio devemos conhecer a natureza da albumina: excitando as forças de crescimento e da vida, ela age de encontro às forças da consciência. “É por isso que o aporte de substâncias albuminóides (protéicas) deve permanecer limitado, caso contrário o homem é invadido por certa forma de representações, das quais ele deveria justamente se liberar”, pois ela é considerada pelo metabolismo. É também o que pensava Pitágoras quando ensinava a seus discípulos: “Abstenham-se de favas”. Rudolf Steiner explica que nessas leguminosas, são forças muito próximas do metabolismo animal que condicionam a formação das proteínas e lhes dão um caráter especial. Já se pode prever que a apreciação da soja, com a ajuda de um verdadeiro critério qualitativo, será um dia muito diferente daquele que atualmente é propagada por toda parte.

A batata, como planta alimentar, tem um valor apenas muito restrito, por causa de seu amido de difícil digestão que faz pesar o cérebro. Rudolf Steiner insistiu com nitidez a esse respeito: na conferência de 18 de julho de 1923, por exemplo, ele opôs a batata à raiz forte e às beterrabas vermelhas. “A quem come muitas batatas não ocorrem fortes pensamentos...” ele está “continuamente cansado e quer dormir e sonhar sem cessar”. E acrescenta: “Deve-se dar um grande significado, na história das civilizações, aos alimentos utilizados pelos povos”.

Naturalmente uma força de inibição ainda maior é fornecida pelo álcool, que não é em realidade alimento, mas cujo consumo ultrapassa em quantidade o de qualquer alimento. Abordaremos aqui apenas os efeitos inibidores sobre a consciência, para os quais Rudolf Steiner não cessou de chamar a atenção. Explicou, por exemplo, que a formação do álcool é um

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184 fenômeno que ultrapassa os processos propriamente vegetais; na fermentação surgem processos próximos do tornar-se animal, não do lado da albumina, como nas leguminosas, mas do lado do açúcar. Lembremo-nos de que o açúcar está relacionado com a organização do Eu; o álcool entra em relação com as forças do Eu, mas como antagonista. O álcool penetra muito rapidamente no sangue e aí se comporta como um corpo estranho que vem tomar o lugar das forças do Eu. “Pode-se dizer, não figuradamente, mas realmente, que a partir de certo nível de alcoolemia, o álcool pensa, experimenta e sente no lugar do Eu do homem”. É então compreensível que aquele que empreende um treinamento espiritual “evita o álcool sob todas as suas formas, mesmo nos bombons”. Sob um ponto de vista puramente científico foi demonstrada a ação nociva do álcool sobre o cérebro humano. “Quanto mais ainda um ser humano, para o qual o principal objetivo é o espiritual, não deve abster-se de um prazer que exclua completamente o conhecimento do espiritual?”

Também nesse sentido foram importantes as descobertas de pioneiros tais como Bunge, B.Forel, M.Bleuler, tanto no domínio médico quanto na psiquiatria. Bunge, em particular, não agia como asceta ou como fanático, mas era guiado pelo conhecimento puro, quando dizia: “Todo homem dotado de consciência moral deve sentir o dever de colaborar na supressão completa de todas as bebidas alcoólicas, e, antes de tudo, dar o bom exemplo”. Ele sabia que se exerce melhor o trabalho no espírito quando se abstém totalmente de álcool. Mais tarde, o farmacologista Moeller escreveu: “As funções que o álcool paralisa em primeiro lugar são as que distinguem o homem do animal e o adulto da criança”. Com efeito, nem o animal nem a criança possuem as forças do Eu que lhes permitem uma vida espiritual consciente. Esse tema será tratado especialmente no próximo tomo desta obra, assim como o café e o chá, cujo efeito sobre nossa vida intelectual é manifesto.

CAFÉ E CHÁ

No que concerne a essas duas bebidas ressaltaremos aqui, sobretudo seu efeito sobre a vida do espírito. Como o mostra a experiência ambos influenciam à sua maneira, nessa atividade intelectual. A responsável

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185 principal é a cafeína, que existe tanto nos grãos de café quanto nas folhas de chá. A ação desta substância foi bem estudada na farmacologia e ela é usada em diversos remédios para males de cabeça. Isto mostra já que a cafeína age em direção do sistema nervoso central, do cérebro. Moeller escreve: “A cafeína estimula as funções do córtex cerebral, ou mais exatamente, estimula no córtex os processos que determinam uma ação sem atrito entre certos processos anímico-espirituais”. Sabe-se, pela observação e pela experiência, que “a cafeína facilita os impulsos de um nervo para outro, o que explica que ela favorece a associação de idéias”. Entretanto, ele acrescenta: “O efeito da cafeína difere muito segundo as pessoas”. Na literatura os efeitos do café foram elogiados por diversas vezes, e em 1567, o poeta, árabe Abd el-Kader os invocava:

“Ó café, tu extingues todos os lamentos!

Os que estudam te desejam.......”

Sobre o chá, P.Dufour escrevia em 1648: “Uma das principais virtudes do chá é a de curar a embriaguez. Ele purifica também o cérebro. Os chineses, que bebem tanto chá, jamais escarram ou se assoam. Seu cérebro é liberado das impurezas que comprometem gravemente a sede da razão.

Poder-se ia pensar que o café e o chá têm os mesmos efeitos sobre o sistema nervoso central. Isto é verdade apenas em relação à cafeína. Essas duas plantas encontram-se, botanicamente, muito distantes, e a análise mostra que a cafeína aí está revestida de ações muito diferentes. Enquanto que o café torrado contém em média 1,5% de cafeína, o chá fermentado contêm de 1 á 5%. Mas o chá contêm de 1 á 15% de tanino, sobretudo, a teofilina, que é diurética, bem como um óleo essencial que lhe dá o aroma; enquanto que no café encontram-se os ácidos clorogênico e o ácido nicotínico. É necessário lembrar que os órgãos de café não torrados são totalmente desprovidos de sabor; a ação típica do café nasce somente na torrefação. Graças á cromatografia dos gases, descobriu-se aí até o presente mais de 300 substâncias voláteis aromáticas. Unanimemente se admite que essas duas bebidas têm uma “influência excitante sobre o cérebro”, com um “aumento transitório das capacidades intelectuais”.

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186 E agora, o que diz a ciência espiritual? Em sua conferência de 22 de outubro de 1906, Rudolf Steiner fala da atividade pensante e do poder de dedução lógica que podem ser reforçados por certo exercícios. “Quando se bebe café, favorece-se de certa maneira a lógica dos pensamentos”. Numa conferência de La Haye, ele relata como o café e o chá agem sobre os constituintes do ser humano. Por meio do café, a organização vital (corpo etéreo) é momentaneamente deslocada para fora do corpo físico; sua ligação é afrouxada. Tal processo é precisamente no domínio do cérebro, o fundamento fisiológico da atividade pensante. O café favorece então o estabelecimento de um estado que é a condição do pensamento lógico. Sob esse ponto de vista, é talvez útil recorrer às vezes ao café, para adquirir idéias mais precisas e mais exatas.

E o chá? Ele tem a mesma ação do café, mas com uma diferença de que ele modifica, esfuma as “estruturas” do corpo físico. Resulta então uma excitação bastante fantasmagórica, um modo de pensar instável e “borboleteante”, que nem sempre se adapta ás condições concretas. “Enquanto que o café nos torna mais “sólidos”, o consumo do chá favorece o charlatanismo, a negligência, a preguiça”. O que há de comum entre as duas bebidas é uma liberação, um afrouxamento das ligações físicas, sobretudo no cérebro.

Essa ação do chá foi descrita muitas vezes. Na China antiga, por exemplo, premiava-se todos os anos o melhor poema escrito em louvor do chá, pois os poetas eram particularmente sensíveis a seus efeitos. Um pequeno poema de Heine evoca isto:

“Ils buvaient du thé et parlaient beacoup d’amour.

Les messieurs, ils se faisaient tous esthéticiens;

Les dames,elles avaient des sentiments tendres.”

Esta estrofe foi escrita num salão de chá berlinense, onde se encontrava o mundo literário. Igualmente, no salão de Rachel Varnhagen, uma das bem-amadas de Goethe, reuniam-se na hora do chá pintores, atores e diplomatas. Eckermann relata: “Essa noite fui à casa de Goethe para um grande chá. Esta sociedade agradou-me; tudo era tão livre e tão espontâneo; levantava-se, sentava-se novamente, brincava-se, ria-se...” Isso talvez explica a sensação que Rudolf Steiner fez num de seus Cursos Médicos:

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187 “Enquanto que o café é uma boa bebida para os jornalistas, o chá é extraordinariamente favorável aos diplomatas, pois se habituam, graças a ele, a pensamentos soltos, e conversas nas quais pode-se brilhar e pode-se parecer espiritual”.

Em nosso tempo, na qual o consumo dessas duas bebidas – sobretudo o café – ultrapassa a medida, devemos nos perguntar qual é a influência disso sobre a vida espiritual. É fácil economizar qualquer esforço interior de pensamento e compreensão substituindo sua própria mobilização de forças por inúmeras xícaras de café por dia, mas isso nos torna então preguiçosos, em lugar de nos tornar ativos. Rudolf Steiner disse aos médicos: “Não se deveria atribuir qualquer valor a tais efeitos, pois eles tornam inerte a alma, se dá atenção apenas a eles... E também: “O café favorece o pensamento lógico apenas de uma maneira constrangedora”.

“É importante saber essas coisas”, acrescenta ele, “pois numa vida realmente moral essas faculdades devem ser favorecidas de outra maneira”. Na verdade, nossa época ainda se encontra bem distante disso.

A CIÊNCIA ESPIRITUAL LIBERTA DO DOGMATISMO E DOS FANTASMAS PESSOAIS

A alimentação vegetariana, quando não é um regime terapêutico, exige do organismo humano um maior esforço, mas libera ao mesmo tempo uma grande soma de forças para nossa vida anímico-espiritual. Dito de outra forma: “Certas forças materiais transformam-se em forças espirituais”. Mas o importante é que essas forças sejam empregadas de maneira conveniente. Se não as empregamos... “elas podem até mesmo comprometer a atividade do cérebro”. Essas palavras nos protegem de um perigo, pois se ele é praticado com estreiteza de espírito, o vegetarianismo pode acarretar anomalias psíquicas. Floresce então o fanatismo, o dogmatismo, a obsessão e os fantasmas. Pode-se mesmo observar tendências à brutalidade e um egoísmo sem limites.

É por isso que Rudolf Steiner, consciente desses perigos, deu o seguinte conselho: “Assim, o vegetariano deve ao mesmo tempo submeter-se a uma disciplina espiritual, senão seria melhor se manter carnívoro”. É preciso

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188 levar a sério esta sentença, sobretudo em nossos dias, onde o vegetarianismo retornou à moda, juntamente com antigas tradições orientais. Entretanto, os hábitos alimentares do Oriente, bem como suas motivações, estão totalmente desvalorizados no que se refere ao organismo atual do homem. A vida espiritual lá tem um caráter passivo, conduzindo facilmente ao engano da alma, conferindo uma saúde apenas aparente ao corpo. Ainda que Rudolf Steiner tenha adotado o vegetarianismo para seu uso pessoal, desde quando começou seu apostolado espiritual (1905), declarou nessa mesma época: “O regime vegetariano sem a contrapartida de um esforço espiritual leva á doença”. É também o que nos ensina a história da alimentação humana, onde o regime vegetariano surge sempre como condição inicial a um treinamento espiritual. Abordaremos esse dado histórico no volume II. Falta-nos tratar de um assunto que se relaciona diretamente com o que acabamos de dizer: é a relação entre a alimentação e a vida da alma humana. Para isso, será necessário que cheguemos a uma noção exata da entidade que denominamos de “alma”. Atualmente, dificilmente fazemos uma distinção clara entre a alma e o espírito; por outro lado, desenvolveu-se uma psicologia (ciência da alma), que tem muita dificuldade para dar uma definição nítida daquilo que é o objeto de seu estudo. Também aqui os conhecimentos da ciência espiritual moderna abrirão um caminho e se mostrarão fecundos. Logicamente deveremos, neste livro, limitar-nos a um esboço. Mas ele esclarecerá igualmente todo o capítulo que o precede.

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CAPÍTULO XI

ALIMENTAÇÃO E VIDA DA ALMA - DADOS DO PROBLEMA

A ciência da nutrição, que foi criada no século 19, não propunha nada mais do que analisar quimicamente as substâncias alimentares e de tentar compreender os fenômenos digestivos segundo as leis físico-químicas. Max Rubner, na introdução de sua obra principal: “As leis do gasto de energia nutrição” (1902) o exprime claramente: “Os fenômenos físicos que acompanham as combinações químicas são, como já demonstrei, de uma natureza tão importante para as questões biológicas, que se deve dar-lhes o valor que aos fenômenos substanciais (químicos)”. Estava-se persuadido, no fim do século 19, de que “unicamente a consideração energética pode nos esclarecer sobre todo o conjunto das relações mútuas entre as substâncias”. Acreditava-se então poder compreender o metabolismo dos seres viventes graças às leis do mundo inorgânico. Não se percebia, porém, o fato de que os objetos da investigação – o animal e o homem – são dotados de alma e de espírito. O terreno, entretanto, já havia sido preparado pelas concepções de Moleschott e de Feuerbach. Defendia-se contra “dualismo da filosofia” e na doutrina “monista”, tinha-se postulado: “Os materialistas professam a identidade da energia e da matéria, do espírito e do corpo, de Deus e do mundo”. Essas palavras são de Moleschott, em sua obra “O circuito da Vida” (1887), e refletem a total insuficiência do conhecimento naquela época. De uma alma nem sequer se cogitava, e o espírito era considerado apenas como uma forma de aparição da matéria. A investigação do sistema nervoso central parecia confirmá-lo: “Todos os animais assemelham-se, amputando-lhes seu cérebro, amputamos-lhes também seu espírito e sua sensibilidade” (ibidem). Vê-se que um

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190 inacreditável diletantismo tinha se espalhado, em relação á existência do anímico e do espiritual. O mesmo era para as faculdades morais do homem; “O mal que surge no indivíduo é apenas um fenômeno natural, assim como o homem inteiro”.

Pode-se então avaliar a situação dolorosa de um homem como Rudolf Steiner, crescendo naquele final de século, já que desde sua infância o mundo espiritual surgia-lhe sem cessar, da maneira mais evidente. Mas ele só pôde justificar sua concepção aos seus próprios olhos, correlacionando-a ao método científico de Goethe, bem como aos resultados dos pensadores idealistas alemães (Schiller, Fichte, Scheling, Hegel). Até que ponto pode-se demonstrar que no pensamento humano um espírito real está agindo? Rudolf Steiner respondeu a essa pergunta em suas duas obras fundamentais: “Epistemologia do pensamento Goetheano” (1886) e “A Filosofia da Liberdade”. Nesses livros ele chega a uma opinião contrária à de Moleschott e de muitos outros: “O mundo dos sentidos é, na realidade, um mundo espiritual; e a alma vive com esse mundo espiritual quando prolonga até ele sua consciência” e: “O que incita o homem a agir moralmente é a revelação do mundo espiritual, resultado da experiência que faz a alma” (ibidem). O objetivo dessa “Filosofia da Liberdade”, pela qual Rudolf Steiner conseguiu vencer de dentro o materialismo, era de mostrar que o mundo sensível é, em realidade, uma entidade espiritual a que o homem, como alma, “vive no espiritual graças ao verdadeiro conhecimento do mundo sensível”. Assim foi criado o fundamento de uma ciência conforme ao espírito, na qual a entidade humana encontra o lugar que lhe cabe como corpo, alma e espírito. Tal fundamento é igualmente indispensável para se estudar a correspondência entre a alimentação e a vida da alma. Ele permite distinguir claramente as qualidades psíquicas das qualidades espirituais.

RESULTADOS DA “FISIOLOGIA DO COMPORTAMENTO”

Este jovem ramo da Zoologia carregou-se de uma pesada hipoteca ao voltar-se para o comportamento humano. Konrad Lorenz, considerado justamente o fundador da ciência comparada dos comportamentos, buscou paralelismos entre os resultados da psicologia animal e o comportamento

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191 do homem, com a intenção de trazer uma contribuição decisiva a uma nova antropologia. Por mais interessantes que sejam, tomados à parte, os resultados dessa pesquisa, e enquanto fenômenos sejam úteis para enriquecer nosso conhecimento do comportamento animal e humano, não se saberia admitir o princípio que está em sua base. Aliás, percebe-se como mudou pouco o método de investigação nos seus postulados, desde o último século, mesmo que o enfoque seja nitidamente deslocado para novos objetos.

É assim que Lorenz, por exemplo, limita esse método desde o início, quando declara: “A tentativa para se aproximar de uma compreensão dos fenômenos da alma pelo caminho da análise causal exige um a priori que é de uma evidência axiomática para o biólogo, ainda que tenha sido repelida por certos metafísicos: é que todo fato “puramente psíquico” é ao mesmo tempo “um fato neurofisiológico”. Aqui o psiquismo está reduzido à sua expressão por “fatos neurofisiológicos”, ao passo que, na realidade ele é capaz de se exprimir através do homem inteiro, sendo o sistema nervoso apenas um instrumento corporal para esse fim. Ademais, a natureza desse psiquismo permanece obscura, bem como a distinção entre os fenômenos da vida e os da alma. “Todo fato psíquico está subordinado aos fenômenos da vida” (ibidem). Assim são necessárias séries reservas sobre a afirmação de que “o pensamento causal do homem... é o mais regulador e o mais finalista de todos os fenômenos orgânicos sobre este planeta”. O mesmo quando Lorenz declara: “A liberdade de velocidade e estrutura que apresentam esses desempenhos é apenas uma ilusão resultante da estrutura e da coloração de elementos (nervosos) complexos ao infinito. Esses desempenhos são então também perturbados por certas lesões, não importa qual sua função mecânica”. Aqui, o etologista, por mais moderno que queira parecer, coloca-se na escola de Moleschott, Feuerbach e Buechner. Essa etologia, a despeito de tudo o que ela nos fez ganhar no domínio dos fatos particulares, limita-se a si mesma ao declarar: “Ignoramos como e por quê centros foram criados no Gyrus suprammarginalis (do cérebro) para a prática, o conhecimento e a linguagem; como e por quê o cérebro humano adquiriu seu grande volume e sua extrema diferenciação, sobre os quais se edifica o pensamento conceitual e toda a evolução do homem... não o compreendemos, tal como não podemos encontrar no decorrer da evolução" (ibidem). Qualquer que seja, nós saudamos de bom agrado o fato de que ele aqui novamente falou da alma e do espírito. Adolf Portmann,

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192 entretanto, exprime-se de uma maneira muito mais realista em seu livro: “Novos caminhos para a biologia” (1960). “A pesquisa que analisa a substância viva pelos meios químicos e físicos nos distancia cada vez mais da experiência direta. É preciso não fazer nenhuma ilusão a esse respeito, mesmo se cremos que talvez num futuro distante encontraremos a explicação da matéria, assim como da experiência (Erlebnis) e, finalmente, da alma, prefiro declarar que não compartilho dessa opinião”.

Essa reserva é igualmente colocada quando se quer aplicar aos homens os modos de comportamento dos animais. H.Glatzel escreve com razão em seu livro: “Fisiologia do Comportamento na Alimentação”: “O fato de que o comportamento humano seja determinado não somente por impulsos e processos afetivos, mas também por representações e idéias, é algumas vezes esquecido, e a tentação de tirar das formas de conduta animal deduções sobre o comportamento humano, sem o suficiente conhecimento dos resultados da sociologia, da psicologia e da psiquiatria, parecem seduzir realmente muitos zoólogos tornados etnólogos”. Em qualquer direção que caminhemos com esse problema, sempre chegaremos ao “Ignoramus et Ignorabimus” de Du Bois – Reymond. O neurologista Yasargil, de Zurique, escreve: “Os conhecimentos científicos da natureza não autorizam tirar conclusões que expliquem os fenômenos que nos parecem dualistas. É preciso repudiar como ilógica toda alusão a pontos de contato e a relacionamento entre as funções somáticas e as funções psíquicas...” A isso acrescentaremos que, sem uma ampliação da consciência será realmente impossível um substrato utilizável para uma ciência do comportamento. Ora, essa ampliação existe depois que se ativa a ciência espiritual moderna.

OS ESCLARECIMENTOS DA CIÊNCIA ESPIRITUAL

Na “Ciência Oculta”, Rudolf Steiner fala também do comportamento do homem em relação ao que concerne à memória, que é uma das propriedades importantes da alma. Quando se observa o animal nesse sentido, percebe-se a diferença entre seu comportamento e o nosso. O animal não tem memória no sentido humano da palavra. Ele se conduz então psiquicamente, de uma maneira diferente que a nossa, pois uma

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193 memória só pode existir quando um ser é capaz de conferir duração às suas experiências. É por essa razão que o animal deve se comportar, frente a seu alimento, de uma maneira totalmente diferente do homem. Com a tomada de consciência de um elemento durável, estável, no seio da constante mudança de suas experiências, começa a se acender no homem, mas não no animal, o “sentimento do Eu”. Para o animal, uma impressão dissipa a outra. O ser humano, pelo contrário, pode transportar uma consciência de uma impressão a outra. Por exemplo, o homem não pode ser incitado pela visão ou pelo odor de um alimento, bem como pela sensação interna de fome, ao lembrar-se do prazer que tenha precedentemente experimentado ao comê-lo. Ele pode contrariamente ao animal, desenvolver suficientemente sua liberdade para decidir por si mesmo seu comportamento.

No que concerne à nossa relação psíquica com a alimentação, o fundamento instintivo tem o primeiro papel, mas muito mais no animal do que no homem. Enquanto o animal está solidamente acorrentado ao seu instinto e lhe obedece quase inconscientemente, o homem pode, ao menos parcialmente, desligar-se dele, e no futuro ele o fará cada vez mais. Nos tempos primitivos ele possuía um instinto muito seguro em relação aos alimentos e também aos remédios. Esse instinto desapareceu na medida em que se desenvolvia sua inteligência. Atualmente ele ainda age nas crianças, na escolha dos alimentos. A maior parte da nossa alimentação foi criada a partir de um instinto que repousa, em realidade, sobre uma ligação espiritual subconsciente com o mundo dos alimentos. Isso se reflete igualmente em inúmeros costumes e hábitos alimentares nos mitos e lendas. Temos aí um mundo repleto de sabedoria, que se esvai cada vez mais, é mal compreendido e está em decadência.

Rudolf Steiner fez uma exposição muito explícita sobre o instinto, dizendo que, na realidade, só podemos estudá-lo graças às formas do corpo físico. Olhemos as formas dos corpos físicos na série animal; aí reconheceremos a imagem de diversos tipos de instintos. Reconhecemos então como o instinto é diferenciado, por exemplo, nas formigas ou nas abelhas, nos pássaros ou nos bovinos. É a vontade que se exprime como instinto.

O corpo físico torna-se vivente pela presença de um corpo etéreo e se apodera do instinto, a vontade torna-se impulso (ibidem). O mesmo ocorre

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194 no homem. O que é impulso surge já como experiência interior de alma, enquanto que o instinto parece ser, acima de tudo, impresso do exterior. O impulso para o alimento é guiado diretamente pelas necessidades da vida corporal. Em tempos pré-históricos o homem inventou por instinto cozinhar sua alimentação. O instinto guiava também a procura e a escolha dos alimentos. Em nossos dias, onde se dispõe de tudo, tornamo-nos interiormente menos seguros e bem frequentemente não temos qualquer idéia do que se deve escolher. Raramente o instinto nos diz o que é bom para nós. O instinto e o impulso podem se transformar ainda em desejo, tanto no homem como no animal. O ato instintivo torna-se então um ato consciente.

O TRIPLO MUNDO DOS INSTINTOS, DOS IMPULSOS E DOS DESEJOS

Ele corresponde à tríplice organização física, etérea e psíquica, somente no homem ele pode ser transformado por algo superior: o Eu. Torna-se então um “motivo” para o ato voluntário, sendo esse o objetivo final de toda metamorfose no homem.

Esses esclarecimentos eram indispensáveis antes de tratar o tema: “Alimentação e vida da alma”.

Rudolf Steiner aconselhou massagens leves no baço, órgão regulador dos estados voluntários inconscientes, pois este tratamento “equilibra a atividade instintiva do homem”. “Ele encontra então mais facilmente os alimentos que lhe convêm ou não”. É fácil compreender todo o interesse que esse procedimento poderia despertar nas clínicas, nas creches, nas casas de repouso, etc.

Tocamos aqui forçosamente na Pedagogia. Releiamos “A educação da criança à luz da ciência espiritual”. Aí lemos que um corpo físico sadio reclama o que lhe convém melhor. Mas se pode pecar gravemente contra os instintos da criança. As crianças perdem seu instinto quando são colocadas na impossibilidade de se unir psiquicamente, como é preciso, à sua alimentação, à sua qualidade e à sua quantidade, sobretudo se começa a “engordá-las” desde a idade da mamadeira: Bunge já tinha percebido que

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195 os bebês alimentados com a mamadeira eram mais facilmente superalimentados que os outros. “Nesses bebês não se via surgir a tempo a sensação de saciedade que regulariza a mamada nas crianças nutridas no seio”. O instinto da saciedade tornou-se incerto atualmente, e para os bebês a super-alimentação conduz à aceleração do desenvolvimento fisiológico, com todas as suas conseqüências. Entre os perigos da super-alimentação, mesmo na idade adulta, há o consumo excessivo de albumina (proteínas). Empanturra-se então de forças de vida e de crescimento. O resultado disso é que o instinto perde toda sua segurança. Se, pelo contrário, limitamos corretamente o consumo protéico, esse instinto se conserva melhor.

Agora devemos nos perguntar em qual domínio nasce o desejo. Ele se eleva a partir do “homem interno”, e podemos observar muito nitidamente que ele constitui uma parte da alma. Experimentamos, portanto, também que ele está ligado ao corpo. O mundo dos desejos está ligado à nossa “vida dos sentimentos”, mas na sua parte ligada ao corpo. É por isso que a ciência espiritual fala a respeito o “corpo de sentimento”, portador de todos os sentimentos em sensações dependentes da vida corporal. Mas o homem pode orientar seus sentimentos para o pensamento, o que os liberta de suas obrigações corporais. “O homem não obedece cegamente a seus impulsos, instintos e paixões, ele reflete...” Ou seja, o homem pode, na vida psíquica, elevar-se acima da animalidade, mas pode igualmente utilizar seu pensamento para chegar aos meios de melhor se satisfazer. O “gourmet”, por exemplo, satisfaz seus impulsos nutricionais com refinamento.

Pela sua “alma de sentimento” o homem é ainda parente do animal. Mas enquanto os animais obedecem imediatamente aos seus impulsos e desejos, e não podem se livrar deles, o homem pode transformá-los e orientá-los para objetivos mais elevados. É o que ele faz quando pensa. É o seu Eu que lhe confere esta faculdade. Ele pode então ser educado ou educar-se a si mesmo. É por isso que se distingue um homem evoluído de outros.

Os desejos não cessam de emergir na vida da alma e eles sempre são novos. Nascem e morrem. Eles se inflamam à vista de um alimento que se aprecia (ou mesmo à simples idéia deste alimento). O efeito das vitrines de lojas e da publicidade nos jornais é considerável.

Face a esse fluxo e refluxo de desejos, o homem pode desenvolver sua consciência do Eu, ele pode fazer dominar sua “alma do intelecto” e sua

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196 “alma da consciência”. Podemos dizer então que ele “motiva” sua necessidade de alimento. O desejo converte-se em “motivo” voluntário. O homem age então com discernimento, mesmo em relação a seus alimentos. Ele é livre nessa parte de sua vida psíquica, liberado da dominação do corpo. Ele pode começar a se tornar “consciente do Eu”, mesmo na sua alimentação. Esse é um dos objetivos para os quais devem encaminhar-se nossos contemporâneos.

Talvez seja aqui o momento de mencionar algo exposto por Rudolf Steiner, num contexto no qual pouco se esperava vê-lo falar sobre alimentação; na série de conferência sobre o Evangelho de São Marcos. Aí ele diz que o fato de comer e de beber todos os dias corresponde àquele “que o pensar pode muito dificilmente pelo pensamento compreender...” É necessário muito tempo até que uma pessoa que siga um treinamento espiritual chegue a incluir esse tipo de coisas em sua vida espiritual... mas existem atualmente métodos, graças aos quais podemos aprender a nos representar que lugar uma maçã ou uma outra fruta ocupam no conjunto do universo”. Podemos então também “espiritualizar os processos mais quotidianos e mais materiais.” E acrescenta: “na verdade, somente uma minoria de pessoas, atualmente, é capaz de conceber idéias plenamente válidas sobre o fato de comer”.

O que Rudolf Steiner assinalava já por essas palavras, ele não cessou de aprofundá-lo e ampliá-lo a partir de 1911. Em última análise, aquilo para o que tendemos na presente obra não é nada mais do que aprender como se pode estender ao domínio da alimentação nossa consciência bem desperta do Eu. Após 1911 essa necessidade tornou-se cada vez mais urgente e vital para toda nossa civilização. Em 1924, quando Rudolf Steiner retornou a Dornach, após o Curso Agrícola que ele tinha dado em Koberwitz, ele declarou que no domínio antroposófico pode-se agir em duas direções: do lado das mais elevadas realidades espirituais e do lado da vida prática... “e que a tarefa essencial seria doravante fazer intervir o espiritual nos trabalhos práticos imediatos”. Desde então tem sido essa, cada vez mais, a ordem do dia. Em suma, em Koberwitz, Rudolf Steiner colocou não apenas os fundamentos de um novo método de agricultura, mas ainda os de uma nova dietética.

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NÃO É O ALIMENTO QUE NUTRE, É A ALMA

Esse aforisma de Aristóteles pode ser assim interpretado: “O homem normal não come para se reabastecer de calorias, de proteínas e de vitaminas, mas porque ele encontra aí um prazer gustativo” (Glatzel). Os diversos sentidos; visão, olfato, paladar, e mesmo a audição e o tato, participam da sensação que lhes é agradável ou desagradável. Mas nos tempos antigos, as forças do instinto, plenas de sabedoria, comunicavam-lhe de maneira objetiva uma ligação com sua alimentação e dessa maneira era guiado para alimentos favoráveis à sua saúde. Ele não tinha necessidade de refletir aí, e ele teria sido incapaz para isso. Vivia em união com a natureza, que lhe dispensava seus bens. Mesmo seus impulsos estavam a serviço dessa comunhão totalmente inocente. Em seus instintos vivia ainda uma clarividência atávica, graças à qual o homem estava abrigando no seio de uma natureza que ele sentia “divina”. Atualmente encontra-se ainda esse fenômeno em civilizações ditas “primitivas”; disso restaram numerosos traços: hábitos e tabus alimentares, que muito frequentemente nem mesmo os “primitivos” sabem mais compreender. Em compensação a atitude dos civilizados quanto à nutrição tornou-se abstrata e banal; ela contrasta inteiramente com essa alegria das almas de outrora à vista das florestas, das campinas, das fontes de remédios e de alimento. Essas tradições prolongaram-se até a medicina e a dietética de Hipócrates e Galeno. Por elas, o homem era preservado ao mesmo tempo do apetite egoísta e do impulso solto (guia), bem como dos desejos de prazer refinado.

Esses perigos já eram conhecidos no início da Idade Média e Santo Agostinho fala deles em suas “Confissões”: “Tu me ensinastes a utilizar os alimentos e a bebida como remédios, que eu tomo; mas então mesmo que eu passe dos sofrimentos da inanição à paz da saciedade, o pecado da concupiscência atinge-me com todas as duas armadilhas... E enquanto o objetivo do beber e do comer é de entreter o corpo, o prazer perigoso aí se insinua e o acompanha... Frequentemente ignora-se se é o corpo que pede ainda ajuda, ou se é a concupiscência que nos engana”.

No fundo, esse problema inquietou a humanidade durante milênios e nas mais diversas civilizações. Era de ordem moral e religiosa. Ele se exprimia pelos jejuns rituais, pelo ascetismo. Na Idade Média cristã a abstinência ou

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198 a redução de alimento jogavam um papel considerável, em conjunto com as festas e como meio de purificar a alma, dominando-lhe sua natureza inferior.

O JEJUM, A DIETA E A ASCESE

O jejum permaneceu finalmente apenas na prática médica, que lhe atribui certa importância, quer seja prescrito pelo médico, ou parta de uma iniciativa pessoal. Certamente esse jejum terapêutico, que parece ter voltado à moda nos últimos tempos, deveria dar-se conta, sob todos os aspectos, do homem inteiro e, acima de tudo, de sua individualidade. Um dia de jejum por semana terá sobre muitas doenças um efeito salutar. Médicos como Bircher-Benner, Buechinger e Heun fizeram experiências nesse sentido.

Mas é interessante constatar que Rudolf Steiner, além de suas numerosas consultas terapêuticas, jamais aconselhou curas por jejum propriamente dito. Ele via no jejum vários perigos para o homem moderno, esta solidão psíquica indo até o sectarismo, o fanatismo e o dogmatismo. Tudo isso lhe era tão estranho quanto possível, sendo esse, sem dúvida o motivo pelo qual recomendou aos médicos de jamais prolongarem inutilmente os regimes, que “fazem do homem um ser associal”. Ele diz a respeito do jejum: “Rebelando-se contra o apetite não servimos aos órgãos, nós os hipertrofiamos e os fazemos degenerar”. Mas a esse respeito seu pensamento era extremamente sutil e cheio de tonalidades. Ele disse, por exemplo, que se o homem se submete a um regime que lhe é ordenado, isto torna suas forças psíquicas passivas; ele pode até mesmo sofrer certa sugestão. O contrário ocorre se o regime é decidido por si mesmo, após tê-lo experimentado.

A ascese de inspiração católica relevava uma concepção filosófica especial, ocasionando o desprezo à natureza: acreditava-se obter assim um acesso ao espírito. Essa concepção deve ser rejeitada atualmente e substituída por um novo conhecimento do que é a matéria. “Devemos chegar a nos representar novamente a natureza como algo inteiramente espiritualizado. Devemos renunciar a desprezar a natureza”.

Isso não significa de maneira alguma que Rudolf Steiner tenha ignorado a importância da ascese na história da espiritualidade. Numa conferência em 1905 sobre a alimentação, lê-se que “durante um período de trabalho

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199 espiritual á particularmente importante” viver com frugalidade, pois a frugalidade “purifica os sentimentos, desperta a inteligência, alegra o humor e fortifica a memória. A alma é então aliviada de seu fardo terrestre e goza assim de uma maior liberdade”. A esta citação de um “sábio antigo” ele acrescenta que, segundo sua experiência, comer muito freia a produtividade espiritual. É por isso que a maior parte dos grandes espíritos viveu frugalmente. “O espírito nunca é tão lúcido quanto após um longo jejum”. Também os grandes santos viveram de frutas, de pão e água, e não se conhece nenhum santo que tenha realizado milagres após uma opulenta refeição.

Mas nesses tempos e, sobretudo na Antiguidade, tinha-se ainda “O sentimento das ligações entre o microcosmo e o macrocosmo. Exigia-se de cada membro adulto da comunidade que em datas determinadas, ele se tornasse mais acessível a certas forças espirituais”, o que era realizado pela temperança. Aquele que se rebelava contra essas leis expunha-se, em todo caso, a ser excluído da comunidade.

ASPECTOS CONTEMPORÂNEOS

Já dissemos que em nossa época deve reinar a liberdade nesse domínio, além da compreensão individual e da livre decisão. Bunge explicou nos seguintes termos porque se abstinha de álcool: “Recuso a acusação que me fazem de ser um asceta. Eu afirmo que quando um homem renuncia completamente às bebidas alcoólicas ele não se priva de nada de nenhuma maneira. Ele nada faz do que ganhar em alegria de viver, em felicidade... Os esforços intelectuais são muitos mais suportados quando se evita cuidadosamente todo álcool”. Bunge serve assim de modelo a uma plêiade de espíritos eminentes.

Qual é a posição de Rudolf Steiner? Numa conferência sobre a “Ascese e a doença”, ele explicou que a palavra grega “ascese” significa “exercitar-se”, “esforçar-se” e também “fortificar-se”. Um exercício ascético das forças da alma, na época atual, só pode significar “clarificar e purificar o pensamento, o sentimento e a vontade, torná-los mais fortes, a fim de que triunfem da corporalidade”. Como se vê, o caminho da ascese moderna se

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200 dirige para a direção oposta à da antiga. Outrora, por meio de privações de todas as espécies, repeliam-se as forças vitais para que a alma se fortificasse e se abrisse ao espiritual. Essa ascese tornava os homens estranhos ao mundo. “Mas a verdadeira e autêntica ascese forma um ser humano cada vez mais útil ao mundo”.

Nesta concepção moderna da ascese uma prescrição de dieta ou de regime “pode ser somente um socorro acessório e externo para proporcionar certo alívio à corporalidade”. Pode servir de apoio a um tratamento medicamentoso. Assim, um regime vegetariano pode ser o auxiliar de um treinamento espiritual da alma. “Um homem que se desenvolve espiritualmente e se utiliza do vegetarianismo, torna-se mais vigoroso, mais eficaz e mais resistente”. Ele pode não somente rivalizar com qualquer comedor de carne, mas ele o “ultrapassa em capacidade”.

Lembremos também, ao mesmo tempo, que “enquanto se experimenta a necessidade e o desejo de comer a carne, o vegetarianismo não serve absolutamente para nada”, pois “somente quando o prazer de comer carne desapareceu completamente é que se tem a atitude necessária para que essa abstinência tenha qualquer utilidade no domínio espiritual”. O que é essencial, em nossa época, é a ascese interna, anímico-espiritual, e é necessário guardar-se aqui dos erros, ilusões e desregramentos.

É preciso ainda que se tome consciência desses riscos de erro e de desregramento. No capítulo sobre os processos do olfato e do paladar, citamos o que Rudolf Steiner expôs em 22 de julho de 1921. Voltemos a ele uma vez mais. Vimos que a organização dos sentidos não é a mesma no homem e no animal. Distinguimos três regiões sensoriais no homem: superior, média e inferior. O olfato e o paladar fazem parte da região mediana. Eles são nitidamente afetivos, enquanto que o sentido auditivo, por exemplo, (sentido superior) é acima de tudo conceitual. Quanto ao sentido do tato, ele tem, sobretudo um caráter volitivo. Pelo olfato e pelo paladar aparentamo-nos à alma do animal, pois esses dois sentidos são extremamente desenvolvidos neste último, tornando-o muito mais dependente do que nós de seu meio. Nosso paladar, em particular, aproxima-nos dos processos metabólicos internos; o olfato tem ligações muito nítidas com os processos sexuais; resumindo, esses sentidos acorrentam nossa “alma da sensibilidade” às profundezas do nosso corpo e as funções aparentadas com a animalidade.

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201 Chegamos dessa maneira a estabelecer que pelos sentidos superiores nossa relação com o mundo é bem diferente do que pelos sentidos medianos ou inferiores. O processo gustativo permanece objetivo; é um processo que faz parte do mundo. Pode-se ter a tentação de perceber com os sentidos superiores como se faz com os sentidos medianos, olfato e paladar. Isso conduz a uma “atitude imoral”, que nós já mencionamos, pois “rebaixam-se os sentidos superiores, visão e audição, atribuindo-lhes caracteres reservados aos sentidos inferiores”. Tem-se então, por exemplo, frente aos semelhantes, reações “doces” ou “ácidas”, que somente deveriam ocorrer, fisiologicamente, frente aos alimentos.

EVOLUÇÃO DOS HÁBITOS ALIMENTARES

Sem dúvida alguma, existe aqui para o homem um grande obstáculo. A história está repleta de exemplos que o mostram. O bem-estar sempre esteve ligado a uma “cultura do paladar” mais “refinado”, mas que é na realidade mais grosseiro, pois é apenas um mergulho mais profundo na parte animal de nosso corpo. Chega-se aos excessos da mesa, aos prazeres gastronômicos sofisticados, à libertinagem e à superalimentação. Nos países civilizados esse mal reina atualmente por toda parte. Ocorre aí uma relação nociva entre a vida da alma e a alimentação, sintoma irrefutável de decadência.

Conta-se que na Roma antiga, numerosos livros culinários forma publicados e que mesmo pessoas de muito alto nível se ocupavam com a gastronomia e redigiam tais livros, por exemplo, Martius, amigo de César, sobre temas como “O cozinheiro”, “O mestre copeiro”, “A fabricação de geléias”... o célebre gastrônomo Apicius publicou uma obra, em dois volumes, sobre a arte culinária na época do Imperador Tibério. Conta-se que o Imperador Vitellius, bem conhecido por sua gula, deu para seus irmãos um festim onde foram servidos 2.000 peixes e 7.000 pássaros. É bem nítido que toda essa boa comida contribuiu para o declínio dos hábitos e a destruição progressiva do império, ainda que tenham sido necessários vários séculos para se completar a queda.

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202 Uma evolução semelhante caracterizou na França a cultura “clássica”. A “gastrosofia” desenvolveu-se particularmente na Corte. Novamente, pessoas altamente colocadas revelaram-se cozinheiros inventivos. É assim que o intendente geral de Luiz XIV, Béchamel, marquês de Nointel, criou o célebre molho que traz o seu nome. Um marechal francês, Conde, conhecia tão bem a arte culinária como fazer a guerra. “O luxo alimentar na França do século 17 era apenas conveniente”, escreveu um especialista. Mas a escolha dos alimentos, a delicadeza das preparações, o serviço de mesa complicado, os “couverts” luxuosos, as bandejas quentes e perfumadas, etc., tudo isso tendia para afinar esses prazeres e para fazer triunfar o espírito.

Pode-se ia também falar dos festins do tempo da Renascença, se bem que naquela época a quantidade predominava sobre a qualidade.

A evolução dos hábitos alimentares é um reflexo exato da alma humana. Até a alvorada dos tempos modernos a relação da alma com a alimentação era muito diferente daquela em que se tornou. A arte culinária era ainda muito próxima da arte médica, e as concepções que se tinha sobre a saúde, a doença e os medicamentos, aplicavam-se simultaneamente à alimentação e aos regimes. Sentia-se ainda forças concretas que passavam do alimento para o homem e que eram chamadas, na medicina hipocrática de: o úmido, o seco, o quente, o frio. Equilibrava-se esses diferentes fatores, uns eram “temperados” pelos outros. Essas considerações não visavam unicamente aquilo que se chama hoje em dia de valor nutritivo, mas ainda os efeitos psíquicos dos gêneros alimentícios.

Tais são os bastidores do jejum, da temperança, da abstinência pregados nas mesmas épocas. E é também aí que se encontra uma das principais raízes da profunda necessidade que tinham os homens de refeições tomadas em comum, de comunidades criadas ao redor de uma mesa (mesa redonda), etc.

PONTOS DE VISTA FISIOLÓGICOS

Já mencionamos quão importante metamorfose se fez no homem desde o antigo “cérebro olfativo” até o “cérebro frontal”, instrumento de nossa

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203 interiorização, de nossa emancipação. Esse cérebro frontal permite ao homem criar idéias individuais, em lugar de dever obedecer cegamente como a maior parte dos animais, às ordens de um universo de odores.

“Se o homem tivesse um cérebro olfativo tão poderosamente desenvolvido como o do cão, ele não teria fronte”, disse Rudolf Steiner; “em compensação o homem tem a faculdade de formar idéias, com seu cérebro tornado frontal”. Mas os animais inferiores ao cão têm um sentido olfativo ainda mais desenvolvido. Rudolf Steiner falou uma vez das andorinhas e dos pássaros migratórios em geral: na realidade, para essas grandes viagens, “os pássaros guiam-se por partículas odoríferas infinitamente diluídas na atmosfera”. Atualmente, os resultados dessa investigação espiritual foram confirmados pela fisiologia do comportamento, principalmente no que se refere aos peixes. As trutas e os salmões voltam sempre ao seu local de nascimento. Nos EUA, perfumou-se ligeiramente a água de um instituto de piscicultura e, em seguida, após a partida dos jovens peixes, fez-se o mesmo com a água de deferentes cursos d’água desconhecidos pelos peixes. Quando de seu retorno, os peixes marcados pelo controle nadaram para todas as águas “perfumadas”.

Entretanto, o homem transportou esta faculdade para o seu cérebro. E quando ele é particularmente inteligente ele sabe muito bem “sentir”, “farejar” a realidade das coisas. É então nossa razão combinatória que é intimamente ligada a esse antigo centro olfativo. E quando cultivamos intensamente esse tipo de pensamentos, como ocorre atualmente, isto determina toda nossa atitude anímico-espiritual. Rebaixamos assim um pouco o nosso pensamento, aproximando-o mais dos sentidos inferiores que dos superiores. Isso explica porque talvez a gulodice e o refinamento gastronômico estão tão ligados à inteligência do calcular e do homem de negócios.

A FOME E A SEDE

A regulação de nossa necessidade de alimento pela fome e pela sede tem também algo a ver com a nossa alma. O que é na realidade a fome e a sede? São estados psíquicos que se sentem, sobretudo no corpo, dos quais

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204 não temos uma consciência muito precisa. Experimentamos a fome “no estômago” e a sede “na garganta”. Brillat-Savarin, em sua célebre “Fisiologia do paladar”, escreve a respeito do apetite: “Entende-se por essa palavra a primeira impressão da necessidade de comer”, ou seja, uma experiência da alma. Ao mesmo tempo em que “o apetite se anuncia por certa languidez no estômago, a alma se ocupa com objetos análogos às suas necessidades”. A continuação é contada com um autêntico “charme francês”: “Durante esse tempo, o aparelho nutritivo manifesta-se todo inteiro, o estômago torna-se sensível; os sucos gástricos exaltam-se; a boca preenche-se de sucos e todos os poderes digestivos estão sob as armas, como soldados que aguardam nada mais do que o comando para agir. Ainda alguns momentos e ocorrerão movimentos espasmódicos, bocejar-se-à, sofrer-se-á, ter-se-á fome”. Em termos mais modernos: “Entendemos por fome o desejo de alimento, tal como se apresenta subjetivamente como experiência vivida e objetivamente como complexo de comportamentos e de sintomas físicos” diz Glatzel, que acrescenta: “A experiência aguda da fome é um dado imediato, indefinível, mas como sensação geral não equívoca ela pode se combinar com sensações locais de pressão, de nó ou estrangulamentos no alto do ventre, por trás do esterno e na garganta”.

Mas podemos aprofundar esse problema. Podemos perceber que experimentamos na fome uma necessidade de alimento terrestre, e que regularizamos assim nossa relação com a terra em geral, pois a fome se refere aos alimentos sólidos. O que aí se exprime é a nossa necessidade e a nossa faculdade de nos ligar à terra, de ingerir coisas terrestres e sobre elas triunfar. Enquanto um homem ainda tem fome, - por exemplo, na velhice – ou quando recomeça a ter fome – por exemplo, após uma doença – movem-se forças nele que o acorrentam novamente ao corpo da terra. Nesse sentido, a fome e o apetite são o contrário do jejum, da ascese ou da anorexia. Na fome, a alma experimenta que ela deseja a existência terrestre.

Conhece-se a seguinte anedota: César soube certo dia da morte de um de seus amigos. Ele teria bradado: “Como, este homem está morto: E, todavia ele tinha sálvia em seu jardim!” (Cum moriatur homo cui Salvia crescit in horto?) A sálvia era nessa época bem conhecida por suas virtudes aperitivas. E enquanto se tem apetite, não se morre.

A fome é uma experiência rítmica, ligada ao decurso do dia, um ritmo que para o homem é o ritmo do Eu, como já dissemos. Nosso Eu, que se

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205 encarna num corpo terrestre, cria assim diariamente pela fome uma experiência renovada sem cessar de sua encarnação, para se experimentar em suas capacidades de dominar a terra, de espiritualizar a matéria.

Quando o estado de inanição se prolonga, ocorre uma atrofia progressiva dos órgãos do metabolismo (estômago, intestino, fígado, rins, etc.), bem como dos músculos. O cérebro, pelo contrário, permanece incólume por muito tempo, sofrendo lesões apenas nos casos extremos. Entretanto, já expusemos que ele tem necessidade de alimento terrestre. A cabeça humana é essencialmente o “corpo físico” e, na subnutrição esse caráter da cabeça estende-se ao corpo inteiro: ele se torna “todo cabeça”. Já na super alimentação, ocorre uma espécie de “amolecimento do cérebro” (ibidem). O apetite, que depende do Eu, é individualmente marcado, pois ele exprime a relação do indivíduo com a terra.

Rudolf Steiner fazendo a pergunta: Onde “localiza-se” realmente a fome? Responde assim: no pulmão. É o pulmão que liga o homem à terra, desde seu primeiro sopro até seu último suspiro; ele regulariza profundamente no homem um processo formador terrestre. É o que se pode observar, por exemplo, na metamorfose dos brônquios em pulmões, quando um animal aquático torna-se um animal terrestre (batráquios, peixes dipnóicos). No mesmo tempo do pulmão, surgem os membros para a locomoção terrestre.

A fome é então, nesse sentido, a expressão do egoísmo. A fome cria as inimizades entre os homens. Aniquila os laços da camaradagem, da amizade e do amor. “A fome destrói a comunidade”, (Glatzel). A fome impede a concentração mental e a atividade pensante, pois o cérebro deixa de ter alimento. Neste estado os homens tornam-se “adormecidos, com sonhos diurnos e alucinações” (ibidem).

É de uma maneira totalmente diferente que se deve visualizar a experiência da sede. Frequentemente ela é confundida com a da fome, mas trata-se de uma experiência íntima bem diferente. Ela não se orienta mais para a terra física, mas ao nosso corpo vital, etéreo. Já explicamos antes que este corpo age em princípio ao contrário do corpo físico. Ele vive na força ascensional, na vitória sobre o peso. Entretanto, ele é muito mais ligado á materialidade do corpo físico do que o é a alma ou o espírito, que

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206 se libertam e se desligam dele cada vez que se dorme. Esse corpo etéreo penetra, sobretudo a organização metabólica e o sistema rítmico.

Os sintomas da sede já nos ensinam que se pode suportá-la por muito menos tempo do que a fome. A sede é muito mais torturante que a fome. Quando as forças formativas não se tornam mais ativas, ocorre uma rápida destruição do corpo. A vida extingue-se e o anímico-espiritual se separa dele.

É por isso que a regulação do teor de água no organismo é extremamente sutil: somos extremamente sensíveis às suas variações. Uma modificação de 1% na proporção de água no líquido intracelular já é o sinal de uma sensação de sede. Quando se pode apaziguá-la o suficiente, a variação da proporção de água é apenas de 0,22% em 24 horas. Dois por cento de água perdida já acarretam problemas bem nítidos, e 15% já trazem a morte.

Dado que o liquido é o instrumento de todos os processos vitais, o aporte de substâncias líquidas é de uma necessidade absoluta. Não somente o equilíbrio eletrolítico do organismo depende dele, mas ainda toda a regulação do “meio interno”.

“As atividades etéreas no homem têm o seu principal ponto de choque em suas partes líquidas”, disse Rudolf Steiner. “Esse processo pode ser considerado como o processo nutricional em si, o que mantém a vida. Nesse sentido, lembremos ainda uma vez que o mais importante é escolher ou preparar os alimentos de maneira que eles estimulem esta atividade vital... e não para que forneçam substâncias nutritivas ao corpo” (ibidem).

O órgão, graças ao qual a sede se satisfaz deve então ser procurado onde se encontra um centro importante do metabolismo dos líquidos: no fígado. “É nos sistema hepático que devemos procurar as causas profundas dos processos líquidos do organismo”. “A sede também está ligada ao sistema hepático”. Também aqui devemos nos lembrar de como a função hepática está ligada à vida da alma humana. Nesse sentido, a sede, ainda que a princípio subconsciente, é um impulso para maior força vital, para um equilíbrio entre o organismo líquido (principalmente a água dos tecidos) e os órgãos, para a dissolução e para um quimismo ativo, todas propriedades particulares do fígado. É por isso que as sensações de sede são sintomas de uma doença hepática. Além disso, a sede pode tornar-se um estado

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207 patológico, que ocasiona por vezes anomalias psíquicas e mentais. Nesse sentindo Rudolf Steiner abriu perspectivas inteiramente novas que podemos apenas entrever.

Resulta do que precede que toda fome e toda sede são inícios de doenças, que são curadas ao serem satisfeitas. Sente-se assim, após cada refeição, um contentamento interno, devido ao fato de que o organismo digestivo pode se ativar como deve. Ele está ocupado na dissolução dos alimentos e o homem experimenta então, em sua alma, certo bem estar, um prazer íntimo. Nesse sentido, a fome e a sede são atividades anímico-espirituais, pois todo processo nutricional reflete-se finalmente em nosso “corpo astral”.

É aí que pode aparecer o patológico, quando, por causa de uma incapacidade da alma, as substâncias alimentares não estão apropriadas às necessidades dos órgãos, ou penetram por vias aberrantes. Pode resultar daí não somente perturbações orgânicas, mas ainda decomposições no seio de nosso “ser líquido”. Rudolf Steiner assinalou que toda doença se apodera do homem inteiro e que é o seu corpo astral que dirige as matérias produzidas (patológicas) para um ou outro de seus órgãos. Ou seja, a origem das afecções internas é sempre devida ao fato de que “substâncias indesejáveis dissolvem-se em nosso ser líquido”.

Podem ocorrer igualmente irregularidades na passagem contínua do líquido para o gasoso, isto é, na evaporação interna. Os órgãos então não podem mais abrandar suficientemente sua “sede”. A causa desse mal pode ter sido criada na primeira infância, quando o lactente recebia um leite que não lhe convinha, de sorte que um ou outro órgão tenha ficado insatisfeito. Neste caso, as relações entre o organismo líquido e o organismo aéreo ficam perturbadas; ora, este último é estreitamente aparentado ao corpo astral. Já explicamos precedentemente que a atividade sadia do corpo astral, da alma, apóia-se especialmente sobre o homem aéreo. Ela pode ser perturbada em suas relações com os órgãos e ocasionar estados patológicos, cujo substrato orgânico é bem conhecido atualmente: as doenças ditas “mentais”. Eis então o que se pode dizer: “na fome reside a causa original da doença física, e na sede, a da doença mental”.

Essa nova perspectiva, ainda distante para o pensamento de nossos contemporâneos, lustra claramente as íntimas ligações de todo o processo

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208 nutricional com o elemento anímico-espiritual, e Rudolf Steiner pôde dizer no fim dessa mesma conferência: “É por isso que a Antroposófica é algo que tende imperiosamente a agir também sobre a higiene e a compreender com exatidão o que é a saúde. Pois aqui, a influência que uma alimentação aberrante, nos primeiros anos da infância, pode ter sobre o restante da vida é evidente; não somente sobre a saúde do corpo, mas também sobre a do espírito.

A “BENÇÃO”

Como podemos preparar nossa alma, de uma maneira benéfica, com relação à ingestão alimentar? Esta questão importa, em realidade na relação entre corporal e o anímico-espiritual.

Já abordamos por inúmeras vezes o tema desse “comportamento” humano. Mas existe aqui um assunto que, sob esse aspecto e até o momento, não foi abordado pela fisiologia do comportamento, é o do significado das “orações de mesa”, ou “Benção”. E não é certamente por acaso que somos gratos a Rudolf Steiner por um texto de “oração de mesa”: ela vale para todas as idades e responde às necessidades particulares do homem moderno, pois exprime não apenas um sentimento, mas ainda e, sobretudo uma tomada de consciência em relação aos alimentos. Entretanto, nós nos absteremos de tentar aqui uma “interpretação” dessas palavras; indicaremos unicamente como essa prece, composta como arte, endereça-se bem particularmente à alma, que germina em nós como as plantas germinam na terra. Esta germinação, esta eclosão e esta maturação, colocadas ao serviço de nossa alimentação terrestre, são entrelaçadas aqui aos processos anímico-espirituais.

“Germinam as plantas na noite da Terra.

Crescem os brotos pela força do ar.

Amadurecem os frutos pelo poder do Sol.

Assim germina a alma no relicário do coração.

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Assim cresce o poder do espírito na luz do mundo.

Assim amadurece a força do homem no fulgor de Deus”.

“Es Keimen die Pflanzen in der Erde Nacht.

Es sprossen die Kraeuter durch der Luft Gewalt.

Es reifen die Fruechte durch der Sonne Macht.

So keimet die Seele in des Herzens Schrein.

So sprosset des Geistes Macht im Lichte der Welt.

Se reifet des Menschen Kraft in Gottes Schein”.

Pode-se perceber bem claramente a força harmonizadora que emana dessas palavras e que une a alma aos alimentos terrestres. E é tão natural que essa “benção” seja pronunciada quando seres humanos tomam lugar numa mesa para uma refeição. Isso faz parte de uma boa higiene alimentar. Rudolf Steiner teria dito um dia que, graças a essas palavras, um fator de saúde pode se infiltrar até nos processos digestivos, mas é necessário pronunciá-las da maneira correta. Dessa maneira também emana delas uma força que cria uma união social e é necessário ressaltar sua importância para a criação de uma comunidade. Retornaremos a isso no próximo capítulo.

AÇÕES E REAÇÕES ENTRE A SUBSTÂNCIA FÍSICA E O ELEMENTO PSICO-ESPIRITUAL DO HOMEM

Já falamos num capítulo precedente sobre o papel que desempenha o calor, como mediador entre o corpo e a alma. Este é um problema capital, que ultrapassa de muito a nutrição e toca em questões primordiais da existência humana. Resumamos então mais profundamente o que

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210 expusemos a esse respeito, a fim de precisar sua importância para a alimentação.

Lembremos que toda nossa alimentação deve ser tomada por nossa organização interna. Assim o fazendo, nós a privamos de todas as propriedades naturais que fazem dela um corpo estranho para nós. Esse corpo estranho é atacado pela totalidade do ser humano: físico, vital, anímico e espiritual. Este deve desenvolver forças suficientes para destruir as substâncias e forças do mundo exterior, dissolvê-las e conduzi-las, ao menos por alguns instantes, ao estado de calor que o caracteriza como portador de um Eu. “O que nós percebemos no homem, é o seu Eu, sob uma forma exterior, física”.

Após ter sido assim destruído, e poder-se-ia até mesmo dizer “putrefeito”, o alimento pode então reaparecer sob outro aspecto, sob a forma de substância animada e espiritualizada, até mesmo em nossas unhas e cabelos.

Nosso alimento é, finalmente, “mineralizado”, morto, e, simultaneamente, elevado ao nível de éter de calor.

Não se trata unicamente de uma reação do nosso organismo térmico, nem de um processo de adaptação ao nosso calor individual: trata-se também de um encontro com a entidade – calor do cosmos. O alimento metamorfoseado está pronto então “para acolher em si o espiritual que provém do cosmos longínquo”. “E é a partir daí que finalmente penetra em nosso corpo aquilo de que ele necessita, graças à substâncias terrestre convertida em éter de calor”. Em seguida “condensando-se novamente”, esta substância torna-se o substrato material dos diferentes órgãos.

Na realidade, ocorre então neste momento uma fecundação cósmica, um nivelamento das forças cósmicas criadoras, das quais as substâncias naturais tiram sua origem. Essas se recordam de alguma forma dessa origem e a ela retornam, no interior do homem, antes de serem re-materializadas, na medida em que o permite o indivíduo.

Neste momento, a “lei da conservação da energia” é abolida; já dissemos que somente o homem é capaz disso. É então o Eu humano que aniquila a substância e que, de alguma forma, abre a porta ao poder criador universal, antes que possa ocorrer a densificação, a descida na

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211 materialidade do corpo, e antes que se forme a “individualidade fisiológica”.

O investigador espiritual acrescenta: “A matéria desaparece até o ponto zero. A energia desaparece até o ponto zero, em nosso próprio organismo...” “Um mundo completo”, do qual nos apropriamos com a alimentação, morre em nós... e como imediatamente nasce um outro, não notamos que a matéria morre e ressuscita”.

Tudo isso se encontra em contínuo movimento, em contínua flutuação. É aqui talvez, que se vê enfim, claramente, o que entendemos por dietética “dinâmica”, pois sem compreender este fenômeno somos incapazes de conceber o processo nutricional em toda sua amplidão, até em suas conseqüências quotidianas. Não poderemos saber de quê o homem realmente tem necessidade para se alimentar.

É necessário mencionar também, ainda que já o tenhamos indicado que esse jogo dinâmico complexo representa um envenenamento contínuo do organismo, fator de sobrecarga que cresce atualmente de uma maneira assustadora. Toda superalimentação intoxica e faz adoecer, mas o mesmo ocorre com a subnutrição. Toda qualidade alimentar deficiente e todos os processos injustificados, aos quais se submetem nossos alimentos, antes de chegar a nós, todo vestígio residual de substâncias realmente tóxicas, etc., tudo isso distancia o alimento de seu arquétipo, fazendo dele uma caricatura. A avalanche das doenças da civilização nos mostra isso, sem dúvida alguma. Por outro lado, a produção maciça de alimentos de origem animal, o uso cada vez maior e mais irresponsável de produtos químicos – de estrógenos, tireostáticos, substâncias arsenicais, etc. , até os aromas e corantes artificiais, tudo isso manifesta suas ações nocivas sob a forma de alergias alimentares, de aceleração do desenvolvimento fisiológico, de “stress”, etc.

Tem-se a vontade de gritar com Ralph Bircher: “Parem! Invertam o vapor!” E talvez já se pergunte: “Não será muito tarde?” Quando de lê, por exemplo, “que no Japão, o número de crianças natimortas, cujos corpos apresentam mal-formações multiplicou-se por 12 durante os últimos 20 anos”, e que esses danos são devidos a 300 diferentes aditivos químicos que se misturam aos alimentos das mães.

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212 Como adquirir as forças de consciência, capazes de introduzirem realmente uma volta nesta evolução?

A NOVA IMAGEM DO HOMEM - NUTRIÇÃO TERRESTRE E NUTRIÇÃO CÓSMICA

Já expusemos que o homem – e somente ele, sobre a Terra – elimina em sua nutrição a lei natural da conservação de energia, a fim de criar um caminho livre para a neo-criação de sua substância individual. No caminho, a substância desmaterializada, elevada ao nível de éter de calor, encontra as forças do mundo cósmico.

É no mesmo “ponto” que se faz também o encontro com a corrente de nutrição cósmica, que nos chega do mesmo mundo. Pode-se compreender que essas duas correntes estimulem-se mutuamente e que “se abasteçam os cântaros com ouro”, segundo a frase de Goethe. Elas se condicionam, chamam-se reciprocamente, como a inspiração e a expiração. Ocorre então aí uma tensão de polaridade que exige uma resolução.

Rudolf Steiner disse que essa harmonização das duas correntes de nutrição, uma terrestre e outra cósmica, ocorre efetivamente no nosso sistema rítmico. “Aí, tudo influi: a substancialidade e a atividade celestes, a atividade e a substancialidade terrestres”. Nesse sentido, o coração e o pulmão são considerados como os centros do processo nutricional. A substância terrestre sobe para o organismo neuro-sensorial, pois “somente o sistema neuro-sensorial é feito da substância telúrica”. Aí ela encontra a corrente de substância cósmica, que desce em direção ao sistema metabólico e dos membros, no qual se une à corrente terrestre, para se penetrar pelas forças da vontade que residem no corpo. Essas são as forças que nos dão a ilusão de um mundo de calorias. Já o mundo das forças cósmicas realiza-se e se condensa, com a ajuda das substâncias terrestres, no domínio neuro-sensorial.

Se essas trocas dinâmicas escapam à ciência contemporânea, é porque ela se restringe ao mundo inorgânico. É justamente por isso que temos necessidade de uma ampliação dos métodos de pesquisa, de uma dietética “dinâmica”.

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213 O método da ciência espiritual chega então a resolver o problema capital da existência humana: o da ponte entre o mundo físico e o mundo anímico-espiritual. Essa ponte pode parecer inexistente, e, de fato, não pode ser encontrada pela ciência comum.

No seio de uma concepção do mundo que faz evoluir a natureza e a terra apenas entre a nebulosa primitiva e a “morte do calor”, não há lugar algum para uma ordem espiritual que seja também uma ordem moral, já que se permanece com a convicção de que o ser humano nada mais é do que um prolongamento das leis naturais. Ele está então sujeito à necessidade e não existe nem liberdade nem mundo moral. A energia e a matéria, tais como reinam na natureza inorgânica, prolongam-se no homem, e este está condenado, pelo fato de que existe, a aumentar a escória final do sistema solar.

Esta concepção é ainda hoje a que se qualifica de “científica”. Aí não existe nenhum ponto de contato, nenhum ponto de união entre o corpo e a alma, ou o espírito. “É por pura inconseqüência que a ciência se autoriza a falar de uma ordem moral do mundo”.

No entanto essa ponte existe, ou pelo menos nós a construímos graças ao pensamento: é o calor, em nós e no cosmos, que preenche o abismo entre o mundo natural e o mundo moral.

Quando nos inflamamos sinceramente por um ideal, nosso organismo de calor é então vivificado. Podemos observá-lo em nós mesmos. Enquanto o ideal moral anima em nós o calor, este age até na parte sólida do nosso corpo físico, apodera-se de nossa organização aérea, de nosso organismo líquido, e cria em nossa organização física germes de vida. Atualmente isso escapa à consciência habitual, e pode ser pressentido apenas surdamente. Mas esse processo é nitidamente conhecível pela percepção supra-sensível bem exercitada. Rudolf Steiner a explicou na sua conferência já citada: “A ponte entre a espiritualidade do mundo e o físico do homem”. O que ele aí disse seria fundamental para nossa civilização atual, se o homem de hoje o fizesse seu. Ressalte-se também que se pode, por tais caminhos, compreender plenamente a alimentação humana em sua realidade corporal, anímica e espiritual.

Os impulsos morais que recebemos por nossa participação ativa na verdadeira espiritualidade do mundo, e que fazemos descer até nossa

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214 organização corporal, constituem na realidade em nós a “fonte criadora por excelência” e as fontes dos processos vitais, até no quimismo que impregna nosso metabolismo. É essa fonte de calor que brota em nosso metabolismo e que aí engendra a força da vontade; ela é estimulada, inflamada pelas forças de nossa alimentação quotidiana, aí surgindo como uma “combustão”. Pelo fato de que a cada instante nosso organismo térmico muito diferenciado atinge todos os nossos órgãos e até os músculos, é que podemos nos mover, a partir de impulsos anímico-espirituais.

Pode-se então conceber “a relação do homem com o mundo” quando “se imagina o físico de tal modo afinado e diluído que o anímico pode se unir a ele e ampará-lo”. Graças aos nossos processos objetivos, realizamos essa “diluição” extrema das matérias e das forças, “nós dissolvemos até o ponto zero e as ressuscitamos sem cessar... e criamos efetivamente pontos de contato e união entre o físico e a ordem moral do mundo, em nosso organismo térmico”.

Mas o pólo oposto ao metabolismo é a organização neuro-sensorial. O que a caracteriza em sua estrutura corporal é que ela repele as forças de vida, os impulsos voluntários, o calor; ela “resfria-se” e deixa a corrente vital paralisar-se e morrer. Somente então a consciência pode nascer no homem, e mesmo a consciência de si. Dessa maneira, substâncias morrem ou são aniquiladas. Abolimos então a lei da conservação de energia pelo fato de que somos conscientes de nosso Eu. Despertamo-nos, adquirimos nossa liberdade, acendemos nosso pensamento. Ainda aqui, são universos de calor que se encontram. O “teatro” desta destruição da substância e de sua ressurreição, de sua neo-criação é o nosso cérebro, o nosso sistema nervoso central. É aí que a matéria é conduzida a seu termo. Por outro lado, reconhecemos que também no metabolismo ocorrem processos de morte e de neo-criação. Lá “em baixo” é a força terrestre, proveniente dos alimentos, que morre e que é recriada. Neste ato criador, ela se une à corrente de substância cósmica que já definimos. Já no domínio neuro-sensorial, a substância nutritiva terrestre chega a seu termo e ressuscita graças às forças cósmicas, com as quais nos unimos na “nutrição cósmica”.

Em última análise, essas duas “correntes” interpenetram-se. No fundo, “elas não são mais do que uma”; não reconhecemos que o cérebro possui o metabolismo mais elaborado? Não tivemos que admitir que o cérebro “espera seus alimentos do estômago?” Rudolf Steiner disse mesmo que se

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215 nos tornamos homens dotados da consciência do Eu, é porque podemos nutrir nosso cérebro melhor do que faz o animal. Por outro lado, temos nos órgãos inferiores do aparelho digestivo uma atividade pseudo-cerebral. Já mencionamos que a fisiologia atual denomina o pâncreas de “cérebro abdominal” e que no sistema simpático, no plexo solar, reina uma sabedoria suprema. É preciso então não falar de “paralelismo”, mas de interferência dinâmica, sobre a base de certas polaridades. O objetivo de todos esses processos é a encarnação do Eu, a “hominização”, ou seja, a criação de um ser pensante, consciente de si, nascido para a liberdade e atuante pelo amor, isto é, a partir de impulsos morais.

Este é o fim último, o “objetivo” e o “sentido” de toda a nossa alimentação, com a digestão e a excreção. E o meio pelo qual nos servimos para esse fim é o calor.

Tais são os pontos de vista “realistas”, sob os quais devemos examinar as questões da qualidade dos alimentos, o grande problema da saúde e da doença, o das relações entre a alimentação e a vida da alma ou do espírito, a questão do cru e do cozido, da conservação pelo calor ou pelo frio, da escolha dos alimentos e de sua quantidade, da cultura de plantas alimentícias... e até o problema das refeições tomadas em comum, com seu ambiente aquecedor para a alma e vivificante para o espírito, apto a reunir os indivíduos em uma comunidade, todos esses problemas marcaram igualmente a história da alimentação.

CAPÍTULO XII

A REFEIÇÃO, FATOR DE APROXIMAÇÃO. - A ALIMENTAÇÃO CRIA ELOS

Cada um pode perceber, por sua própria experiência, a importância das refeições tomadas em comum, para a vida social em geral. Inúmeros documentos trazem igualmente seu testemunho para as épocas e as civilizações mais diversas. Ressalta daí, nitidamente, que o “prazer da mesa” sempre desempenhou, e ainda o faz, um grande papel de aproximação. Desde os antigos festins, às mesas redondas, às mesas de hóspedes, até às cantinas atuais, tudo demonstra a força comunitária das

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216 refeições. Brillat-Savarin escreve num espírito bem francês: “Em seguida a uma refeição o corpo e a alma desfrutam de um bem-estar particular. No físico, ao mesmo tempo em que o cérebro se restaura, a fisionomia se desabrocha, a animação se eleva, os olhos brilham, um doce calor espalha-se por todos os membros. Na moral, o espírito se aguça, a imaginação se aquece... Aliás, encontram-se geralmente reunidas ao redor da mesma mesa todas as modificações que a extrema sociabilidade introduziu entre nós: o amor, a amizade, os negócios, as especulações, o poder, as solicitações, o protetorado, a ambição, a intriga: eis porque isso convinha a tudo; eis porque produzia frutos de todos os sabores”.

Esse escritor nos mostra já o essencial dos efeitos de uma refeição tomada em comum, mas iremos examinar essa questão mais de perto.

ASPECTOS HISTÓRICOS

Podemos evocar duas imagens que são como poderosos pilares envolvendo a evolução da humanidade: no início encontra-se Eva, a mãe do gênero humano; ela oferece a Adão a maçã da árvore do Paraíso. Esta cena, frequentemente enaltecida pela arte que se fortificava ainda nas fontes originais do vir-a-ser humano, representa a queda do homem no mundo dos sentidos. “Então abriram-se seus olhos”, diz a Bíblia. Em seguida, vem outro quadro, o da Ceia, onde o Cristo, reunido com os doze representantes da humanidade distribuiu-lhes o pão e o vinho dizendo: “Este é meu corpo, este é o meu sangue”.

Em ambas as vezes a refeição comum criou um pacto, do qual todos nós participamos, quando consumimos alimentos terrestres. Sempre nesse caso ocorre uma aliança.

O homem dos tempos muito antigos absorvia o alimento original que a terra lhe fornecia: o leite. No berço da humanidade, o leite era ainda “o alimento de todos, que se aspirava da atmosfera circulante”. Atualmente, é apenas o dom de nossas mães. Ele comunica ao homem “uma força que o integra no gênero humano terrestre”. Ele faz do homem um “cidadão da Terra”, e não lhe impede de ser também “um cidadão de todo o sistema solar”.

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217 Isso foi quase esquecido em nossos dias, mas a cada tomada de alimento o homem entra em comunhão anímico-espiritual com certas forças da terra e do cosmos, que o unem por uma aliança a princípio invisível, que tendem a liberá-lo ou acorrentá-lo, a elevá-lo ou rebaixá-lo, conforme o que ele consome e como ele o consome. O leite o prepara para ser “uma criatura terrestre”, mas ele não o prende realmente à Terra. O leite lhe dá a força de assumir sua missão terrestre, ele harmoniza seu ser com o universo. Já os outros alimentos têm a propriedade de “exercer influências diferentes sobre os sistemas de órgãos particulares”. Tais considerações levaram outrora os iniciados a prescrever certa alimentação a seus discípulos, e a estabelecer normas alimentares para as populações vizinhas de seus centros. Aí se fundaram, bem conscientemente, comunidades nas quais se abstinha, por exemplo, de carne ou de bebidas embriagantes; mas houve também as comunidades de comedores de arroz no Oriente, de comedores de milho na América pré-colombiana, de bebedores de chá ou café, etc. A arte da panificação e da cultura de cereais remonta à época Atlântica. “Sim, outrora, antes do Dilúvio, havia cereais com espigas macias, espessas, de 7 tipos, cujo perfume evocava os planetas”. Assim fala Noé num drama de Albert Steffen. Demeter iniciou Triptolemo nos mistérios de Elêusis da cevada. Heródoto escreveu: “Os povos comedores de cereais são espiritualmente muito mais adiantados do que os povos que vivem da guerra, da caça e da pecuária. E Rudolf Steiner acrescenta que as populações guerreiras são mais inclinadas a comer carne do que as populações pacíficas. Entretanto, em sua origem, o consumo de carne estava sempre ligado a um ato sacramental, um sacrifício. É somente mais tarde que se começa a abater os animais tendo em vista um simples prazer. Assim, na Grécia, nas guerras dos medos, só se comia carne de boi nas refeições oficiais e rituais, ligadas a um sacrifício.

HÁBITOS E USOS ALIMENTARES

Em seu livro sobre “o nascimento da confederação helvética”, F.Haeusler chama a atenção de outro ponto de vista, sobre a força de aproximação que existe em certos modos comuns de alimentação. “Sabemos que o leite e o mel, por exemplo, são tanto mais saborosos,

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218 quanto mais rica e variada for a flora da qual são retirados... mas nós não notamos mais a diferença de seus efeitos... Basta ir a países onde a alimentação é muito estreitamente ligada aos ritmos do ano, para se ver que tal modo de alimentação determina amplamente a vida das almas... As coisas desse gênero tinham uma outra importância para as gerações passadas, ainda ligadas à natureza...”

Esta influência da alimentação sobre a vida das almas existe ainda atualmente, mas ela frequentemente se inverteu. Pensemos, por exemplo, no álcool, da qual se utilizou a influência, nos tempos pré-cristãos, nos Mistérios dionisíacos, para encarnar o homem mais intensamente no plano físico, para lhe dar uma experiência mais profunda de seu corpo terrestre! – O álcool tirava-o dos mundos espirituais, nos quais precedentemente ele vivia. Era para a humanidade de então, ou pelo menos para suas frações mais evoluídas, um progresso necessário da consciência. O corpo humano foi preparado nessa maneira, para uma civilização puramente terrestre. Mas isso era feito para um fim mais elevado: as “Bodas de Canaã” são o prelúdio da fundação do culto cristão e da Eucaristia.

Desde então o álcool perdeu sua missão e seu efeito se inverte. Um farmacologista moderno escreveu: “Ele paralisa, em primeiro lugar, as funções que distinguem o homem adulto do animal e da criança”. A sociabilidade dos alcoólatras ocasiona uma regressão até os estágios infantis da humanidade, uma queda no sub-humano.

Outras substâncias, chamadas de guloseimas são oferecidas em larga escala; elas criam caricaturas de comunidade e abrem caminhos aberrantes. Esse rebaixar das motivações não deixa de inquietar. Esta decadência, entretanto, demonstra ainda o poder dos alimentos e das bebidas sobre a alma.

No passado, os guias das grandes comunidades religiosas conheciam esse poder. Em conseqüência tinha fixado prescrições e proibições em relação a certos alimentos, datas de jejum, etc. Tinha-se ainda um sentimento bem vivo das correspondências entre o microcosmos e o macrocosmos. Exigia-se também de todo membro adulto da comunidade que, em certas épocas do ano, ele se tornasse acolhedor receptivo para certas forças, sujeitando-se a regras alimentares estritas. Tal foi o método dos Pitagóricos, dos Essênios, dos Cavaleiros do Graal, da Távola Redonda

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219 do Rei Arthur, de todas as grandes comunidades místicas da Índia, e também da Igreja Católica, até antes da Idade Média.

Tentaremos esclarecer este tema mais profundamente. Não são unicamente os processos devidos aos alimentos que se prolongam no homem, aí criando impulsos sociais, são também os homens mesmos, seu estado de espírito, seu humor, a simultaneidade de atividades fisiológicas e de atividades anímico-espirituais.

Quando excitações gustativas e olfativas, impressões visuais e auditivas são desencadeadas igualmente em todos os participantes, sua ação e principio são superficiais, pouco conscientes. Tomemos o consumo de um alimento açucarado. A sensação doce excita no homem uma esfera determinada que Rudolf Steiner descreveu: Ele falou da correlação entre a atividade digestiva e a atividade pensante: o processo que na digestão resulta de um grande aporte de açúcar, tem o seu correlativo no “pólo” superior, e este é um reforço da atividade pensante”. Se, numa refeição coletiva, esse processo do açúcar é levado à sua potência ótima, pelo fato de que no aparelho digestivo a farinha integral de trigo converte-se em açúcar, então este aumento da atividade pensante traduzir-se-á pela independência das idéias, pela força de concentração, pela vigília, pela maior originalidade individual, etc. Neste sentido fez-se, há anos, experiências muito evidentes com estudantes, com o chamado pão “integral”. Por outro lado, Rudolf Steiner ressaltou que o consumo quantitativo de açúcar imprime um caráter nos povos.

Outro exemplo que ele deu é o da batata, que se espalhou largamente pelo mundo em poucos séculos. Ele fez observar que “na Europa o pensamento regrediu a partir do momento em que se instalou o consumo maciço de batatas”. A batata provoca no homem processos exatamente opostos aos provocados pelo açúcar, “pois ela não tem nenhum parentesco com o espiritual”. A comunidade dos comedores de batatas tem em si, ainda hoje, processos físicos e anímicos bem particulares, que podem se transmitir pela hereditariedade: quando os pais comeram muitas batatas, seus descendentes, desde a embriogênese “não encarnam realmente sua alma e seu espírito no copo físico”. De fato, Rudolf Steiner estabeleceu um paralelismo entre o consumo de batatas, nos últimos séculos, e a invasão dos povos europeus pelo materialismo.

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220 É interessante constatar que depois de alguns decênios a dietética já se tornou um ramo da antropologia social. Ela explica, por exemplo, porque os judeus sempre proibiram o consumo da carne de porco; esta carne perturba o organismo, o metabolismo do açúcar. Ora, a raça judaica é particularmente acessível ao diabetes. A proibição de comer carne de porco foi talvez uma medida instintiva de proteção, extensiva a todo um povo.

NOSSA ALIMENTAÇÃO, “MAÇÃ DE DISCÓRDIA”

Entramos num outro domínio quando consideramos o comportamento singular de certas tribos índias: Karl von Steinen, o primeiro a observar esta particularidade dos Sakairis (1888), escreveu: “Nesse povo não há refeição em comum, mesmo numa mesa familiar”. R.Bilz deduziu: “Comer e beber não são somente processos nutritivos; são fenômenos fundamentados nos domínios ditos superiores de nossa existência humana”. Nossa alimentação, na verdade, tem o caráter de uma “maçã da discórdia”. Ela se relaciona, nas profundezas do ser, á vergonha e ao pudor, que já se exprime no mito de Adão e Eva. O caráter egoísta da ingestão de alimento age aqui de uma maneira anti-social: cada um quer receber o melhor pedaço e não ser nem perturbado, nem observado e nem invejado durante sua degustação. Tal impulso anti-social existe inegavelmente na alimentação, no fundo do homem, e deve ser abolido pelo desenvolvimento de faculdades mais nobres. Mas ele pode também se intensificar, tornar-se obsessivo, culminar em fobias e neuroses que trazem aos doentes a impossibilidade de tomarem suas refeições em comum. Em alemão, fala-se “daquele que come seu pão sozinho”; ele se prende ao sectarismo e ao “fanatismo alimentar”.

A esse respeito pode ser instrutivo também saber o que Rudolf Steiner disse sobre regimes (Primeiro curso médico, 1920): Esta questão não tem apenas importância médica. Todo regime torna o homem associal... Quanto mais queremos ou devemos consumir algo de especial, mais nos tornamos associais. “O significado da Ceia não é que o Cristo tenha dado alguma coisa a cada discípulo, mas sim que deu a todos a mesma coisa. A possibilidade que temos de nos encontrarmos juntos como seres humanos no ato de comer ou beber tem uma grande importância social”. É por isso que Rudolf Steiner aconselhou, quando um regime é necessário, orientá-lo

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221 de maneira que se pudesse rapidamente deixá-lo e retornar aos hábitos de todos. O regime pode facilmente tomar um aspecto egoísta, o que ilustra nosso propósito: a refeição comum cria laços.

Lembramos de que na Idade Média a palavra “companheiro” (Compain, Copain) significava aquele que fazia parte da Companhia, que “repartia o pão”.

Assim, o pudor de um lado, e o egoísmo de outro, são abolidos em princípio pela “mesa redonda”, onde não há nenhum lugar privilegiado. O belo “couvert”, a decoração da mesa, que incita à solenidade, a música de mesa... tudo contribui para uma cultura alimentar mais elevada, da qual participam os olhos e os ouvidos. Também a conservação, e mais ainda, a prece da mesa (a benção), moldam esse caráter comunitário elevado. Se Rudolf Steiner nos deu uma nova prece para a mesa, pode-se admitir com certeza de que ele o fez com plena consciência do poder anímico-espiritual do Verbo, como fator de reunião social. Cada vez que seres humanos se reúnem ao redor de uma mesa para tomarem uma refeição, vê-se o arquétipo de toda comunhão que é a Ceia instituída por Cristo.

Mas atualmente, sob a influência da civilização materialista, que é conseqüente quando proclama que o “homem é o que ele come” (ou seja, ele não é nada além do que fazem dele as substâncias da natureza ou dos laboratórios químicos), o elemento comunitário, do qual acabamos de falar, ameaça se inverter e ser degradado em simples impulso animal. O super consumo, a gulodice levada quase à neurose, os excessos da mesa acarretando doenças, tudo parece levar a humanidade para uma esfera amoral, subumana, onde a maioria de seus membros arrisca-se a se submergir. Por esses aspectos a nossa civilização lembra assim a do Império Romano decadente.

Escutemos as palavras que pronunciou Rudolf Steiner, há mais de 77 anos (hoje mais de 110 anos), sobre sua própria época: “Pode-se facilmente perceber toda a inversão que se fez sob esse aspecto em pouco tempo. Basta comparar um cardápio de hotel dos anos 1870 com o cardápio atual. Veremos que progresso fez a vida em direção dos prazeres de mesa mais refinados e do gozo de seu próprio corpo”.

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A COLETIVIZAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO - PROBLEMAS MODERNOS DA ALIMENTAÇÃO COLETIVA

Além de tudo, acrescenta-se aqui uma evolução que traz também grandes problemas. Devido às novas técnicas, instauraram-se as refeições coletivas em quase todas as empresas industriais. A mesa familiar, que durante milênios foi o centro e a sede da vida social, foi amplamente destituída e substituída pelo restaurante, pela cantina, pelo refeitório, etc. A alimentação comunitária tornou-se uma “alimentação das massas”. A cozinha coletiva, industrial, criou novos problemas, não somente em relação à qualidade dos alimentos, mas ainda a pontos de vista fisiológicos, anímicos e sociais.

Essa questão é muito vasta para que possamos abordá-la, mesmo brevemente, no quadro desta obra. Mas é necessário tê-la em conta. Certamente não se poderá restabelecer as formas antigas. Mesmo que essa evolução comporte enormes perigos e que já tenha produzido resultados negativos, devemos esforçar-nos em tirar dela algo de positivo. Devido a essa mudança de hábitos, o homem de nossos tempos foi frequentemente impiedosamente rejeitado pelas antigas comunidades familiares: isolado, reduzido a si mesmo, mas tornado livre como indivíduo, deve aprender a encontrar o caminho de uma nova comunidade alimentar. Duas condições serão cada vez mais necessárias: a princípio, tomar a sério as exigências do Espírito do tempo: “Escolher a alimentação segundo os princípios do conhecimento espiritual”, - eis a exigência absoluta que deveria ser respeitada por todos os novos responsáveis, chefes de cozinha, administradores, produtores, atacadistas, fabricantes de gêneros alimentícios, conselhos de dietética, médicos de empresas e, finalmente, o próprio dietista, cujos trabalhos guiam a pesquisa da qualidade. Pertencem igualmente a essa categoria os produtores, que são os camponeses, os hortelãos e os horticultores. Estes deverão tomar consciência da missão de que são encarregados para todos os homens e para toda a Terra. A segunda condição é colocada aos consumidores. É preciso que eles participem da elaboração de um novo fundamento do conhecimento e de sua prática. Deverão então se reunir em novas associações. O fundamento necessário resultará do estudo da ciência espiritual moderna de Rudolf Steiner. Eis o que pudemos ainda indicar aqui.

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223 Na alimentação, como já vimos, o homem pode se comportar de diversas maneiras, de acordo com sua própria natureza. A fome é um impulso que nasce de uma natureza humana sadia; ela reclama legitimamente seus direitos. Ela é a garantia da conservação de nossa vida física. Ela nos incita simultaneamente para a tomada do alimento e para a união comunitária. Mas o homem pode ter desejos que não são adaptados à sua nutrição legítima, desejada pelo Espírito. “O contentamento que confere a alimentação ao ser que tem fome” surge o princípio como “uma manifestação do espírito”. Nos alimentos vive algo de espiritual que se comunica ao homem. Da mesma maneira, forças espirituais agem nos processos digestivos, até o sangue, e manifestam-se em atividades fisiológicas.

É aí que está a origem da comunidade descrita acima. O homem, entretanto, pode também ultrapassar esse estado da satisfação das necessidades naturais e desenvolver desejos estranhos à verdadeira tarefa dos alimentos. O que lhe importa então, não é mais o serviço que lhe fornece a nutrição, mas unicamente seu desejo. Quando analisamos sem preconceitos nossos hábitos atuais, frequentemente descobrimos esse vício. As crianças, imitando os adultos, geralmente entregam-se à “mania” da superalimentação e da gulodice. Assim, este impulso moral e anti-espiritual não cessa de celebrar novos triunfos. Não somente as doenças se multiplicam, mas ainda – e o que é muito mais grave – a fraqueza de espírito e da vontade tornam-se conseqüências inevitáveis, pois trata-se de impulsos e de necessidades que despertam no próprio Eu humano – o animal não é capaz disso -, sem nenhuma vontade de servir à natureza espiritual desse Eu. É por isso que eles são eminentemente anti-sociais. A formação comunitária que daí resulta baseia-se na comunidade do “eu” inferior. A sombra do “pecado original”, ao qual sucumbiram Adão e Eva paira terrivelmente sobre o homem chegado à liberdade, chamado à consciência e à força de vontade próprias.

A “nova higiene alimentar”, da qual falou Rudolf Steiner, deverá aprender a se orientar para o outro arquétipo das refeições: A Ceia. O Cristo a inaugurou, com o pão e o vinho, para as comunidades futuras. Entre a maçã da discórdia e a eucaristia, o homem moderno é chamado a escolher.

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APÊNDICE

Terminaremos aqui o primeiro volume de nosso “Alimentação Dinâmica”. Em doze capítulos testamos expor os princípios de uma higiene alimentar resultante dos impulsos da ciência espiritual de Rudolf Steiner. Neste caso, vimos como essa ciência é múltipla, nova; ela comporta tantas estratificações que não se pode absolutamente expô-la atualmente em sua totalidade; mas igualmente vimos como ela é fecunda para nossa nova era de pesquisas dietéticas.

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225 Para caracterizar o essencial, mencionemos uma frase de Rudolf Steiner, que é plenamente válida no ramo que estudamos: “Partir-se-á sempre da observação do ser humano. É o ser humano que se colocará à base de toda pesquisa”. Para isso necessita-se de uma verdadeira antropologia. Isto é precisamente o que oferecem os conhecimentos da ciência espiritual. Aquele que os abordar sem preconceitos poderá constatar uma transformação de seu próprio pensamento, e mesmo de todas as forças de sua alma, o que lhe dará acesso a uma nova esfera de experiência.

São necessárias, em nosso tempo, evoluções objetivas, que exigem novos impulsos. Rudolf Steiner atraiu a atenção sobre eles, principalmente em seu Curso Agrícola, dizendo que “encontramo-nos frente a uma grande transformação interne da natureza. As antigas forças da natureza e do homem estão declinantes, decadentes. É preciso adquirir novos conhecimentos, senão a humanidade não terá escolha: ela deixará degenerar, morrer tanto a natureza como a vida humana”.

Tais palavras, pronunciadas há mais de um século, não são hoje de uma assustadora realidade? Não se repete por toda parte que o futuro destino da humanidade, e talvez até sua sobrevivência, depende de uma reviravolta rápida e mundial? Queremos falar da superpopulação, da falsificação dos gêneros alimentícios, da poluição ambiental, etc. Esses problemas não estão isolados, mas sim ligados, embaralhados. Citemos aqui o primeiro relatório do Clube de Roma (1973): “Porém o crescimento”, cujos autores escrevem: “Esse comportamento sistemático tende nitidamente a ultrapassagem os limites de um crescimento sadio e a provocar a destruição”. O segundo relatório desse Clube, que acaba de aparecer, chega à mesma conclusão, “Se queremos romper esse circulo vicioso, são nossas formas de pensamento que devemos quebrar, para nos liberar de uma doutrina reinante, que reuniu alguns conhecimentos fragmentados num sistema quase ditatorial”. Estas palavras de P.Vogler (1972) podem igualmente se aplicar à dietética atual. Em 50 anos ela fez progressos enormes e se orientou para uma concepção mais espiritual, mas, no fundo, permaneceu conservadora: ela se prende à teoria das calorias e ás abstrações quantitativas. Ela só ultrapassará esse estágio quando compreender melhor a si mesma.

H. Schipperges lembra, a esse respeito, a frase de Goethe: “Aquele que não quer colocar na cabeça que o espírito e a matéria, a alma e o corpo, o

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226 pensamento e a visão, a vontade e o movimento, foram, são e serão os duplos ingredientes necessários do universo... aquele que não pode se elevar a essa idéia, deveria, há muito tempo, renunciar a pensar”. Sem dúvida é uma exortação ao rompimento com as antigas formas de pensamentos e ao desenvolvimento de novas idéias que correspondem enfim à realidade. Nada será feito sem essa conversão do pensamento.

Nossa obra destina-se aos médicos, pedagogos, educadores, sociólogos, cientistas, mas também a todos os “profanos”: aos pais, aos produtores de gêneros alimentícios, aos consumidores – a todos aqueles que são chamados pelo destino ou por vocação a colaborar nesta tarefa. Todos devem tomar nas mãos, com lucidez, a conservação da saúde dos homens. Rudolf Steiner forneceu um novo impulso para a higiene. Ele denominou o médico de um “perpétuo instrutor”. Nossa tentativa visa realizar essa colaboração crescente e vivente entre os médicos e o restante da humanidade.

Nesse sentido, os doze capítulos que precedem têm necessidade de um complemento, que constituirá nosso segundo volume. Nele temos a intenção de estudar à parte as principais substâncias nutritivas: a albumina (proteínas), os hidratos de carbono, as gorduras, os minerais, as enzimas e as vitaminas; de fornecer em seguida, uma séria de exemplos tirados do reino vegetal: os cereais, os legumes, os frutos, os condimentos: em seguida, falaremos do leite.

Em toda a parte, teremos a ocasião de examinar questões de principio e de fornecer indicações práticas, referindo-nos à ciência espiritual. E, finalmente, adicionaremos alguns capítulos de dados gerais acerca da alimentação nas diversas idades da vida, sobre a educação, bem como sobre o problema da fome no mundo.